carla amado gomes

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No passado dia 15 de Julho de 2013, o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa promoveu um colóquio sobre o projecto de revisão do Código do Procedimento Administrativo, coordenado pelo Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva e pela Profª Doutora Alexandra Leitão, no qual tive oportunidade de intervir. Privilegiando a pluralidade de opiniões, cada orador dispunha apenas de 10 minutos para abordar questões dentro de um conjunto temático específico. No meu caso, o painel abrangia o âmbito de aplicação, a relação jurídica procedimental e as fases do procedimento. O texto que ora se publica foi escrito nessa lógica de dupla contenção. Aproveito para agradecer aos organizadores o convite que me endereçaram e para louvar a oportunidade da iniciativa. a) Uma satisfação (e algumas reticências): a legitimidade procedimental (artigo 64º); b) Um espanto: a prescindibilidade de pareceres vinculantes (artigo 89º/4 e 5); c) Uma (nova) satisfação (e algumas interrogações): o artigo 126º/5 O CPA ― aprovado pelo DL 442/91, de 15 de Novembro ― vigora desde 1992 e foi alterado apenas uma vez (pelo DL 6/96, de 31 de Janeiro). Estando-se em presença de uma lei geral da actividade administrativa, a estabilidade constitui um valor a preservar; porém, a parca referência ao procedimento de elaboração e aprovação de regulamentos teria desde logo justificado uma revisão nesse ponto, que não se verificou [1] . Subsequentemente, a entrada em vigor da nova legislação processual administrativa, em Janeiro de 2004, introduziu, entre outras, perturbações no plano da relação entre as impugnações administrativas e contenciosas. Alterações na prática administrativa, como a simplificação e a automação pediam referência mais ou menos detalhada, bem assim como as crescentemente complexas relações interprocedimentais entre Administração nacional e entidades da União Europeia. Enfim, evoluções jurisprudenciais e propostas doutrinais aconselhavam uma revisão, que agora se corporiza no Projecto apresentado pela Comissão revisora. Não é nossa intenção fazer uma apreciação geral do esforço de revisão, que se contém numa lógica de continuidade estrutural e visa, sobretudo, uma actualização das soluções do Código, por razões práticas e teóricas. Não podemos, no entanto, deixar de manifestar o nosso espanto perante o “alargamento” da noção de procedimento à “organização interna das entidades administrativas”, promovida pelo artigo 1º/1/a) do Projecto ― o procedimento pressupõe, para nós, alteridade e composição de interesses divergentes[2] . Isto dito, passemos às observações tópicas sobre três disposições do Projecto, em sede de relação jurídica procedimental: a primeira, relativa à legitimidade procedimental (artigo 64º); a segunda, que se prende com pareceres vinculantes (artigo 84º/4 e 5); e, finalmente, a terceira, que diz respeito à extinção do procedimento, por caducidade (artigo 126º/5). a) Uma satisfação (e algumas reticências): a legitimidade procedimental (artigo 64º)

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Direito administrativo

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No passado dia 15 de Julho de 2013, o Instituto de Cincias Jurdico-Polticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa promoveu um colquio sobre o projecto de reviso do Cdigo do Procedimento Administrativo, coordenado pelo Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva e pela Prof Doutora Alexandra Leito, no qual tive oportunidade de intervir. Privilegiando a pluralidade de opinies, cada orador dispunha apenas de 10 minutos para abordar questes dentro de um conjunto temtico especfico. No meu caso, o painel abrangia o mbito de aplicao, a relao jurdica procedimental e as fases do procedimento. O texto que ora se publica foi escrito nessa lgica de dupla conteno.Aproveito para agradecer aos organizadores o convite que me enderearam e para louvar a oportunidade da iniciativa.a)Uma satisfao (e algumas reticncias): a legitimidade procedimental (artigo 64);b)Um espanto: a prescindibilidade de pareceres vinculantes (artigo 89/4 e 5);c)Uma (nova) satisfao (e algumas interrogaes): o artigo 126/5O CPA aprovado pelo DL 442/91, de 15 de Novembro vigora desde 1992 e foi alterado apenas uma vez (pelo DL 6/96, de 31 de Janeiro). Estando-se em presena de uma lei geral da actividade administrativa, a estabilidade constitui um valor a preservar; porm, a parca referncia ao procedimento de elaborao e aprovao de regulamentos teria desde logo justificado uma reviso nesse ponto, que no se verificou[1]. Subsequentemente, a entrada em vigor da nova legislao processual administrativa, em Janeiro de 2004, introduziu, entre outras, perturbaes no plano da relao entre as impugnaes administrativas e contenciosas. Alteraes na prtica administrativa, como a simplificao e a automao pediam referncia mais ou menos detalhada, bem assim como as crescentemente complexas relaes interprocedimentais entre Administrao nacional e entidades da Unio Europeia. Enfim, evolues jurisprudenciais e propostas doutrinais aconselhavam uma reviso, que agora se corporiza no Projecto apresentado pela Comisso revisora.No nossa inteno fazer uma apreciao geral do esforo de reviso, que se contm numa lgica de continuidade estrutural e visa, sobretudo, uma actualizao das solues do Cdigo, por razes prticas e tericas. No podemos, no entanto, deixar de manifestar o nosso espanto perante o alargamento da noo de procedimento organizao interna das entidades administrativas, promovida pelo artigo 1/1/a) do Projecto o procedimento pressupe, para ns, alteridade e composio de interesses divergentes[2].Isto dito, passemos s observaes tpicas sobre trs disposies do Projecto, em sede de relao jurdica procedimental: a primeira, relativa legitimidade procedimental (artigo 64); a segunda, que se prende com pareceres vinculantes (artigo 84/4 e 5); e, finalmente, a terceira, que diz respeito extino do procedimento, por caducidade (artigo 126/5).a) Uma satisfao (e algumas reticncias): a legitimidade procedimental (artigo 64)O artigo 64, na sequncia do artigo 61 (que apresenta os sujeitos da relao jurdica procedimental), traa com preciso a diferena entre os vrios interesses presentes no procedimento:primo, interesses individuaisqua tale(n 1, 1 parte);secundo, interesses individuais defendidos colectivamente e interesses colectivosqua tale(v.g., uma associao de utentes representando um grupo de associados especialmente afectados pelo rudo dos veculos transitando numa autoestrada e solicitando a colocao de barreiras de proteco nesse troo, no primeiro caso; a mesma associao, defendendo o direito utilizao livre de portagens naquela autoestrada, no segundo caso) (n 1, 2 parte);tertio, interesses difusos (n 2);quarto, interesses relacionados com a tutela de bens de titularidade pblica (n 3).O confronto desta norma com o actual artigo 53 demonstra uma preocupao de maior rigor no desenho dos vrios tipos de interveno procedimental, esclarecendo, por um lado, que uma coisa so leses individualizadas em bens jurdicos pessoais e outra, bem diversa, leses no individualizadas em bens de fruio colectiva, inapropriveis e de utilidades indivisveis. Por outro lado, a norma alarga, no n 3, a possibilidade de tutela procedimental a bens pblicos no necessariamente integrantes do domnio pblico. Tendo em considerao a continuidade possvel entre tutela procedimental e tutela processual, e a articulao entre a norma atributiva de legitimidade em ambos os planos, parece-nos de saudar esta afinao dos termos, que aproxima o CPA da norma gmea do CPTA, nomeadamente e em sede geral, o artigo 9/2 deste ltimo diploma. Restar ento rever a Lei 83/95, de 31 de Agosto, que regula a aco popularAs reticncias que o artigo 64 nos suscita so duas: por um lado, uma questo terminolgica, que se prende com o facto de a epgrafe referir particulares e de o contedo abranger expressamente autarquias locais, e eventualmente associaes pblicas (como ordens profissionais)[3]; por outro lado, uma questo substantiva, relativa circunscrio da legitimidade procedimental para defesa de interesses difusos aos cidados no gozo dos seus direitos civis e polticos [n 2, alnea a)], soluo por ns contestada h vrios anos[4], em razo da natureza dos interesses em jogo e desmentida, de resto, pela Lei 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de bases do patrimnio cultural), no seu artigo 25/1[5].b) Um espanto: a prescindibilidade de pareceres vinculantes (artigo 89/4 e 5)O actual artigo 99/3 do CPA estabelece que a no emisso de parecer obrigatrio mas no vinculativo no impede a concluso do procedimento, admitindo-se que a deciso seja proferida sem o parecer, salvo previso diversa em lei especial. Esta norma, que amputa o procedimento de um momento ponderativo especfico, privilegia a celeridade sobre a imparcialidade (ponderao de todos os interesses relevantes justa composio da deciso), de forma questionvel mas no intolervel, dado que o parecer no vinculante. O CPA, na sua verso actual, , todavia, omisso quanto ao problema de saber o que sucede ao procedimento caso o parecer vinculante (e, concomitantemente, obrigatrio) no seja emitido.O Projecto, no artigo 84/4 e 5, vem dar uma resposta a esta indagao avanando uma soluo que nos causa grande perplexidade. As normas identificadas viabilizam o prosseguimento de um procedimento no qual falhe um parecer vinculante, introduzindo um mecanismo pretensamente corrector, que passa pela interpelao do rgo responsvel pela instruo ao rgo consultivo, em 10 dias aps a verificao da omisso, dispondo este rgo de outros 10 dias para colmatar a sua falha a qual, no entanto, pode no ser efectivamente suprida. Ou seja, a deciso final, que nestes casos parcial ou mesmo totalmente tributria da ponderao especializada expendida no parecer por isso este vinculativo , vai surgir amputada dessas consideraes. Por outras palavras ainda, e apelando a uma contextualizao dentro do prprio artigo 89, a deciso no ser devidamente fundamentada, nem poder concluir de modo expresso e claro sobre as questes fundamentais que conforma (n 1).Esta soluo, que extensvel aos casos de pareceres no vinculantes (cfr. o artigo 66/4), conduz a um resultado manifestamente ilegal. Com efeito, a preterio de um parecer vinculativo gera inapelavelmente violao de lei, por afronta ao princpio da imparcialidade (consagrado no actual artigo 5 do CPA, alm de inscrito no artigo 266/2 da CRP), alm de vcio de forma, por preterio de formalidade essencial. Nas palavras de Mrio Esteves de Oliveira, Pedro Gonalves e Joo Pacheco de Amorim, em anotao ao actual artigo 99/3, A deciso proferida sem o parecer vinculativo (ou contra ele) , obviamente, invlida[6].A interpelao do rgo consultivo de louvar mas pode resultar incua[7]. Para atalhar falta do parecer obrigatrio, parece-nos que melhor teria andado o legislador se, para alm do convite intra-administrativo aco e aps a constatao do seu insucesso:- tivesse, no mbito dos pareceres obrigatrios no vinculativos, consagrado a possibilidade de os interessados fornecerem o parecer em falta, por recurso a entidades privadas, num prazo idntico ao concedido entidade consultiva, durante o qual o procedimento ficaria suspenso[8]. Esta soluo s valeria para pareceres eminentemente tcnicos e pressupe a notificao dos interessados da omisso do parecer. Caso os interessados no accionassem este mecanismo (em tempo), ento a deciso poderia ser emitida sem o parecer no se livrando, todavia, da possibilidade de sindicncia por fundamentao deficiente;- tivesse, no mbito dos pareceres obrigatrios vinculativos, previsto a possibilidade de os interessados accionarem o rgo consultivo faltoso atravs da intimao prevista nos artigos 104 a 108 do CPTA, a fim de obterem do tribunal uma condenao daquele na emisso do parecer em falta. Esta soluo pressupe, naturalmente, a notificao dos interessados da omisso do parecer, bem como a assimilao do parecer vinculante a uma informao a que o interessado tem direito. O procedimento suspender-se-ia at cumprimento da sentena, podendo o tribunal condenar o rgo consultivo em sano pecuniria compulsria por atraso[9].A notificao dos interessados, decisiva para os casos de omisso, tambm deveria consagrar-se em caso de emisso do parecer, sempre que este seja vinculativo. Note-se que a natureza destes pareceres traduz a produo de uma deciso complexa, no contexto da qual o rgo consultivo , na realidade, autor (ou co-autor, se o parecer incidir sobre parte da ponderao essencial deciso), absorvendo o parecer os fundamentos da deciso e constituindo, por isso, uma pr-deciso, potencialmente lesiva dos interesses dos sujeitos participantes no procedimento, sejam eles os destinatrios da deciso ou (contra-)interessados na sua no emisso em determinado sentido. Tal notificao permitiria aos interessados a impugnao do parecer, num prazo curto (um ms, semelhana do previsto em sede de actos praticados em sede de procedimento pr-contratual: cfr. o artigo 101 do CPTA) e atravs de um processo sumrio (e urgente[10]), cuja instaurao poderia suspender o procedimento at prolaco da sentena[11]. Sublinhamos que a condio de procedibilidade de tal pedido deve residir na demonstrao de um interesse processual qualificado, uma vez que o parecer corporiza um acto endoprocedimentalapenaspotencialmente lesivo.Pedro GONALVES, em artigo anterior reforma da legislao processual administrativa, admitia que o parecer vinculativo, mesmo quando consubstanciasse um acto externo (leia-se: emanado de um rgo de uma pessoa colectiva diversa da detentora da competncia decisria), no poderia sustentar um interesse processual actual na sua impugnao por parte do destinatrio da deciso final mas, em contrapartida, poderia ser objecto de impugnao pelo rgo decisor, caso dele divergisse, suscitando tal impugnao a prolaco de uma deciso prejudicial que faria suspender o procedimento administrativo[12]. Salvo o devido respeito, afastamo-nos tanto das premissas do Autor a lesividade do parecer no se prende, quanto a ns, com a sua externalidade em face do rgo decisor mas antes com a sua funcionalidade especfica, fruto de uma competncia especializada, ainda que emanada de um rgo consultivo integrante da mesma pessoa colectiva em que se integra o rgo decisor , como dos resultados no se tratar, em regra, de um conflito interorgnico mas de um procedimento complexo tendente emisso de um acto pr-conformado, que apenas ao destinatrio interessar travar, s ele tendo, assim, legitimidade (nos termos enfatizados) para o impugnar preventivamente.O interesse do rgo decisor na impugnao do parecer reside, inquestionavelmente, na tentativa de evitao de emisso de um acto ilcito que o pode comprometer em sede de responsabilidade civil extracontratual (nos termos do regime aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro). Cremos, no entanto, que no actual contexto legislativo do processo administrativo, caso o rgo decisor no logre, atravs de canais intra-administrativos (numa espcie de respeitosa representao despida das vestes da relao hierrquica), convencer o rgo consultivo da necessidade de alterao do parecer em razo da sua ilegalidade, das duas, uma: - ou a prtica do acto redunda em ilegalidade grosseira e potencialmente geradora de dano grave para o particular, e o rgo decisor deve abster-se da homologao do parecer, forando o interessado a propor aco condenatria na emisso do acto, no mbito da qual o rgo consultivo poder expender as razes justificativas da sua inrcia; - ou a homologao do parecer pode, aos olhos do rgo decisor, gerar uma ilicitude no grosseira, devendo nesse caso praticar o acto e defender-se em eventual aco de efectivao da responsabilidade invocando como causa de excluso da sua responsabilidade o cumprimento de um dever legal[13].Caso opte pela homologao, em aco de efectivao de responsabilidade convir demonstrar as suas diligncias intraprocedimentais a fim de caracterizar a discordncia com o parecer que, por fora da vinculatividade legal, foi forado a homologar.No devendo as normas indicadas interpretar-se como viabilizando a emisso de deciso final em procedimento que inclua parecer vinculativo omitido apesar de o n 4 expressamente o afirmar , por tal soluo ser manifestamente ilegal e contraproducente, que sentido til delas poderemos extrair? Julgamos que o legislador se ter inspirado na lei italiana do procedimento administrativo (legge241/1990, de 7 agosto, com alteraes at ao Decreto legislativo n 33, de 14 de Maro de 2013), cujo artigo 16/2, 2 parte dispe o seguinte:Salvo il caso di omessa richiesta del parere, il responsabile del procedimento non pu essere chiamato a rispondere degli eventuali danni derivanti dalla mancata espressione dei pareri di cui al presente comma.Trata-se de uma frmula que permite ao gestor do procedimento/responsvel pela instruo eximir-se da responsabilidade por omisso de pareceres (tanto obrigatrios como facultativos, mas no vinculativos) atravs da solicitao da sua emisso ainda que esta solicitao fique sem resposta. Poderia ser esta a inteno do Projecto, sendo certo que tal iseno s far sentido em caso de pareceres no vinculativos uma vez que, quando vinculativos, como se explicou acima, ou no caber homologao em razo da gravidade do ilcito ou esta poder dar-se, cabendo ao rgo decisor, em caso de demanda judicial por dano, invocar o cumprimento de um dever legal como causa de excluso da ilicitude.c) Uma (nova) satisfao (e algumas interrogaes): o artigo 126/5O CPA consagra, no artigo 9 (13 do Projecto), o direito deciso expresso da autotutela declarativa e primeira misso da Administrao, na sua tarefa genrica de prossecuo do interesse pblico. A deciso a que o CPA se refere uma deciso jurdica e procedimentalizada, cujo prazo de produo ser, em regra, de 90 dias, prorrogveis, no mximo, por igual perodo (cfr. o artigo 58/1 e 2 do CPA).Com o n 5 do artigo 126 do Projecto vem desdobrar-se este direito numa vertente para a qual j havamos chamado a ateno[14]: o direito a no permanecer em indeciso. Como sublinhmos em texto anterior, com odobre a finadosdo indeferimento tcito (em razo da possibilidade de condenao da Administrao prtica do acto devido: cfr. o artigo 67/1/a) do CPTA), a ausncia de uma disposio sobre a caducidade do procedimento do CPA abria a porta a uma situao de inrcia prolongada (teoricamente,ad eternum.),mesmo aps o esgotamento dos prazos mximos para que aponta o artigo 58 do CPA. O artigo 126/5 vem, precisamente, estabelecer os termos dessa caducidade.Refira-se que a norma sobre indeferimento tcito foi, coerentemente com a soluo de condenao prevista no CPTA, suprimida do Projecto, encontrando-se agora, em seu lugar, uma norma sobre o incumprimento do dever de decidir (o artigo 127). Alm desta norma, existe uma previso, meramente remissiva, para a hiptese de deferimento tcito a inserir em leis especiais , e que estabelece a soluo do silncio endoprocedimental positivo para actos cuja prtica dependa de autorizao ou cuja produo de efeitos externos pressuponha uma aprovao (artigo 128). A utilidade desta norma resume-se, assim, ao n 3, sendo no restante puramente ilustrativa da figura do acto tcito positivo. Tendo em conta a expanso do deferimento tcito nos ltimos anos, no nos choca que a figura, enquanto tal, encontre referncia na lei procedimental geral. O que nos provoca alguma estranheza, contudo, que se no tenha aproveitado para inserir, identicamente a ttulo ilustrativo, outras noes que enxameiam os novos regimes autorizativos conformados pelas alteraes decorrentes daDirectiva servios(directiva 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro), como a comunicao prvia e a declarao de incio de actividade. Nesta ltima, a verdade que j estamos perante desadministrativizao, ou seja, tendencial ausncia de procedimento administrativo; porm, seria importante esclarecer se h domnios excepcionados da soluo (aleggeprocedimental italiana exclui vrios: cfr. o artigo 19/1), bem assim estatuir sobre pressupostos negativos de conformao do direito, como falsas declaraes ou atestados, que devem motivar a emisso de actos de proibio de exerccio da actividade (cfr. aleggeprocedimental italiana, nos artigos 19/3 e 21).A norma artigo 126/5 do Projecto segue os passos da congnere espanhola[15], e assenta numa dupla bipolarizao:> procedimentos de iniciativa oficiosa e externa (s se aplica aos primeiros)[16];> procedimentos conducentes adopo de um acto desfavorvel ao destinatrio e procedimentos conducentes adopo de um acto favorvel ao destinatrio (s se aplica aos primeiros)[17].Olhamos com satisfao para esta soluo; todavia, a novidade da figura da caducidade do procedimento e a ambiguidade da norma do Projecto vo certamente suscitar interrogaes, como por exemplo:i)havendo contra-interessados na emisso do acto (desfavorvel ao destinatrio), deve entender-se que, no termo do prazo de caducidade do procedimento, podem propor aco para a condenao prtica de acto devido? Julgamos que deve admitir-se esta soluo, nos termos dos artigos 67/1 e 69/1 do CPTA, ou seja, at ao limite do prazo de um ano aps o trmino do prazo de concluso do procedimento;ii)sendo afirmativa a resposta questo anterior, isso significa que a Administrao pode emitir o acto para alm do prazo de caducidade? A nossa resposta afirmativa, pelo menos sempre que a sindicncia judicial for accionada, ou seja, na pendncia do processo e at ao trnsito em julgado da sentena (com base numa lgica de ultra-actividade da competncia, por preferncia pela deciso administrativa do procedimento em face da deciso jurisdicional). Porm, na ausncia de propositura da aco, deve entender-se que o ano concedido pelo CPTA implica uma extenso da competncia decisria?Uma hiptese seria entender que a Administrao, se praticar o acto oficiosamente para alm dos 180 dias, e sem que esteja pendente um processo judicial, agir com incompetncia em razo do tempo; caso pratique o acto a solicitao de qualquer interessado, dentro do prazo de um ano, o vcio j se no verificaria, pois o resultado seria idntico ao que decorreria de um processo judicial. Esta soluo, todavia, claramente insatisfatria, pois no deve deixar-se variar a validade do exerccio da competncia em razo da existncia ou inexistncia de uma iniciativa externa. Donde, a norma parece fixar, na verdade, dois prazos de caducidade: 180 dias, primeiro; um ano, depois findos os quais haver definitivamente incompetncia em razo do tempo.Para que serve, ento, o primeiro prazo? Aparentemente, apenas para os procedimentos bilaterais;iii)deve entender-se, da letra do artigo 126/5, que s h actos desfavorveis gerados a partir de procedimentos de iniciativa oficiosa? Cremos que no, uma vez que o impulso procedimental pode ser promovido por um contra-interessado que pretende a emisso de um acto desfavorvel dirigido, por exemplo, a um concorrente.A ser assim, pode aplicar-se a norma a estes casos? Julgamos que sim, com a possibilidade de accionar a Administrao atravs da aco administrativa especial, de condenao prtica de acto devido, por parte de quem teve a iniciativa procedimental, em caso de ausncia de deciso; e, em contrapartida, admitindo a hiptese de accionar a Administrao atravs de uma aco administrativa comum, para condenao na emisso da declarao de caducidade do procedimento, por parte dos potenciais lesados.Aceitando esta extenso, sublinha-se que devero ento ter-se em considerao as normas nsitas nos artigos 129 (renncia) e 130 (desero);iv)reconhecendo que a caducidade tambm se aplica a procedimentos de iniciativa externa, havendo razes de interesse pblico que justifiquem o prosseguimento do procedimento e a tomada de deciso, a desistncia, a renncia ou a desero do interessado faro caducar o procedimento (cfr. os artigos 129 e 120 do Projecto)? Pensamos que sim, devendo, contudo, entender-se que o prazo recomea a contar desde o momento em que a Administrao decide prosseguir com a tramitao, passando ento o procedimento novado a ser adoptivamente oficioso[18].Lisboa, Julho de 2013Carla Amado GomesProfessora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa