caritas in veritate
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CARTA ENCCLICA
CARITAS IN VERITATE DO SUMO PONTFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBTEROS E DICONOS
S PESSOAS CONSAGRADAS
AOS FIIS LEIGOS
E A TODOS OS HOMENS
DE BOA VONTADE
SOBRE O DESENVOLVIMENTO
HUMANO INTEGRAL
NA CARIDADE E NA VERDADE
INTRODUO
1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a
sua morte e ressurreio, a fora propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada
pessoa e da humanidade inteira. O amor caritas uma fora extraordinria, que impele as
pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justia e da paz. uma
fora que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem
prprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito,
em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 22).
Por isso, defender a verdade, prop-la com humildade e convico e testemunh-la na vida so
formas exigentes e imprescindveis de caridade. Esta, de facto, rejubila com a verdade (1 Cor 13,
6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autntica: amor e verdade
nunca desaparecem de todo neles, porque so a vocao colocada por Deus no corao e na mente
de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carncias humanas a busca do amor e da
verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que
Deus preparou para ns. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma
vocao a ns dirigida para amarmos os nossos irmos na verdade do seu projecto. De facto, Ele
mesmo a Verdade (cf. Jo 14, 6).
2. A caridade a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e
compromissos por ela delineados derivam da caridade, que como ensinou Jesus a sntese de
toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade d verdadeira substncia relao pessoal com Deus e
com o prximo; o princpio no s das micro-relaes estabelecidas entre amigos, na famlia, no
pequeno grupo, mas tambm das macro-relaes como relacionamentos sociais, econmicos,
polticos. Para a Igreja instruda pelo Evangelho , a caridade tudo porque, como ensina S.
Joo (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encclica, Deus caridade (Deus
caritas est): da caridade de Deus tudo provm, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A
caridade o dom maior que Deus concedeu aos homens; sua promessa e nossa esperana.
Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade no cessa de enfrentar com o
risco, da resultante, de ser mal entendida, de exclu-la da vida tica e, em todo o caso, de impedir a
sua correcta valorizao. Nos mbitos social, jurdico, cultural, poltico e econmico, ou seja, nos
contextos mais expostos a tal perigo, no difcil ouvir declarar a sua irrelevncia para interpretar e
orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade,
no s na direco assinalada por S. Paulo da veritas in caritate (Ef 4, 15), mas tambm na
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direco inversa e complementar da caritas in veritate . A verdade h-de ser procurada,
encontrada e expressa na economia da caridade, mas esta por sua vez h-de ser compreendida,
avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos no apenas prestado um servio
caridade, iluminada pela verdade, mas tambm contribudo para acreditar a verdade, mostrando o
seu poder de autenticao e persuaso na vida social concreta. Facto este que se deve ter bem em
conta hoje, num contexto social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes
negligente seno mesmo refractrio mesma.
3. Pela sua estreita ligao com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como expresso
autntica de humanidade e como elemento de importncia fundamental nas relaes humanas,
nomeadamente de natureza pblica. S na verdade que a caridade refulge e pode ser
autenticamente vivida. A verdade luz que d sentido e valor caridade. Esta luz
simultaneamente a luz da razo e a da f, atravs das quais a inteligncia chega verdade natural e
sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doao, acolhimento e comunho. Sem
verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invlucro vazio, que se pode
encher arbitrariamente. o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das
emoes e opinies contingentes dos indivduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a
significar o oposto do que realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do
emotivismo, que a despoja de contedos relacionais e sociais, e do fidesmo, que a priva de
amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte a dimenso simultaneamente pessoal
e pblica da f no Deus bblico, que conjuntamente Agpe e Lgos : Caridade e Verdade,
Amor e Palavra.
4. Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo homem na sua riqueza de
valores, partilhada e comunicada. Com efeito, a verdade lgos que cria di-logos e,
consequentemente, comunicao e comunho. A verdade, fazendo sair os homens das opinies e
sensaes subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinaes culturais e histricas para se
encontrarem na avaliao do valor e substncia das coisas. A verdade abre e une as inteligncias no
lgos do amor: tal o anncio e o testemunho cristo da caridade. No actual contexto social e
cultural, em que aparece generalizada a tendncia de relativizar a verdade, viver a caridade na
verdade leva a compreender que a adeso aos valores do cristianismo um elemento til e mesmo
indispensvel para a construo duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano
integral. Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma
reserva de bons sentimentos, teis para a convivncia social mas marginais. Deste modo, deixaria
de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba
confinada num mbito restrito e carecido de relaes; fica excluda dos projectos e processos de
construo dum desenvolvimento humano de alcance universal, no dilogo entre o saber e a
realizao prtica.
5. A caridade amor recebido e dado; graa (chris). A sua nascente o amor fontal do Pai
pelo Filho no Esprito Santo. amor que, pelo Filho, desce sobre ns. amor criador, pelo qual
existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo (cf. Jo 13,
1), derramado em nossos coraes pelo Esprito Santo (Rm 5, 5). Destinatrios do amor de
Deus, os homens so constitudos sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos
instrumentos da graa, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade.
A esta dinmica de caridade recebida e dada, prope-se dar resposta a doutrina social da Igreja. Tal
doutrina caritas in veritate in re sociali , ou seja, proclamao da verdade do amor de Cristo
na sociedade; servio da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a fora libertadora da
caridade nas vicissitudes sempre novas da histria. ao mesmo tempo verdade da f e da razo, na
distino e, conjuntamente, sinergia destes dois mbitos cognitivos. O desenvolvimento, o bem-
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estar social, uma soluo adequada dos graves problemas scio-econmicos que afligem a
humanidade precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e
testemunhada. Sem verdade, sem confiana e amor pelo que verdadeiro, no h conscincia e
responsabilidade social, e a actividade social acaba merc de interesses privados e lgicas de
poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalizao
que atravessa momentos difceis como os actuais.
6. Caritas in veritate um princpio volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princpio
que ganha forma operativa em critrios orientadores da aco moral. Destes, desejo lembrar dois em
particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol do desenvolvimento numa
sociedade em vias de globalizao: a justia e o bem comum.
Em primeiro lugar, a justia. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um sistema prprio de
justia. A caridade supera a justia, porque amar dar, oferecer ao outro do que meu ; mas
nunca existe sem a justia, que induz a dar ao outro o que dele , o que lhe pertence em razo do
seu ser e do seu agir. No posso dar ao outro do que meu, sem antes lhe ter dado aquilo que
lhe compete por justia. Quem ama os outros com caridade , antes de mais nada, justo para com
eles. A justia no s no alheia caridade, no s no um caminho alternativo ou paralelo
caridade, mas inseparvel da caridade [1], -lhe intrnseca. A justia o primeiro caminho da
caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, a medida mnima dela[2], parte integrante daquele
amor por aces e em verdade (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o apstolo Joo. Por um lado, a
caridade exige a justia: o reconhecimento e o respeito dos legtimos direitos dos indivduos e dos
povos. Aquela empenha-se na construo da cidade do homem segundo o direito e a justia. Por
outro, a caridade supera a justia e completa-a com a lgica do dom e do perdo[3]. A cidade do
homem no se move apenas por relaes feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por
relaes de gratuidade, misericrdia e comunho. A caridade manifesta sempre, mesmo nas
relaes humanas, o amor de Deus; d valor teologal e salvfico a todo o empenho de justia no
mundo.
7. Depois, preciso ter em grande considerao o bem comum. Amar algum querer o seu bem e
trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado vida social
das pessoas: o bem comum. o bem daquele ns-todos , formado por indivduos, famlias e
grupos intermdios que se unem em comunidade social[4]. No um bem procurado por si mesmo,
mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, s nela, podem realmente e com
maior eficcia obter o prprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele exigncia de justia e
de caridade. Comprometer-se pelo bem comum , por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele
conjunto de instituies que estruturam jurdica, civil, poltica e culturalmente a vida social, que
deste modo toma a forma de plis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o prximo, quanto mais
se trabalha em prol de um bem comum que d resposta tambm s suas necessidade reais. Todo o
cristo chamado a esta caridade, conforme a sua vocao e segundo as possibilidades que tem de
incidncia na plis. Este o caminho institucional podemos mesmo dizer poltico da caridade,
no menos qualificado e incisivo do que o a caridade que vai directamente ao encontro do
prximo, fora das mediaes institucionais da plis. Quando o empenho pelo bem comum
animado pela caridade, tem uma valncia superior do empenho simplesmente secular e poltico.
Aquele, como todo o empenho pela justia, inscreve-se no testemunho da caridade divina que,
agindo no tempo, prepara o eterno. A aco do homem sobre a terra, quando inspirada e
sustentada pela caridade, contribui para a edificao daquela cidade universal de Deus que a meta
para onde caminha a histria da famlia humana. Numa sociedade em vias de globalizao, o bem
comum e o empenho em seu favor no podem deixar de assumir as dimenses da famlia humana
inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das naes[5], para dar forma de unidade e paz cidade
do homem e torn-la em certa medida antecipao que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn1#_edn1http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn2#_edn2http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn3#_edn3http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn4#_edn4http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn5#_edn5
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8. Ao publicar a encclica Populorum progressio em 1967, o meu venerado predecessor Paulo VI
iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz
suave da caridade de Cristo. Afirmou que o anncio de Cristo o primeiro e principal factor de
desenvolvimento [6] e deixou-nos a recomendao de caminhar pela estrada do desenvolvimento
com todo o nosso corao e com toda a nossa inteligncia[7], ou seja, com o ardor da caridade e a
sapincia da verdade. a verdade originria do amor de Deus graa a ns concedida que abre
ao dom a nossa vida e torna possvel esperar num desenvolvimento do homem todo e de todos os
homens [8], numa passagem de condies menos humanas a condies mais humanas [9], que
se obtm vencendo as dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo do caminho.
Passados mais de quarenta anos da publicao da referida encclica, pretendo prestar homenagem e
honrar a memria do grande Pontfice Paulo VI, retomando os seus ensinamentos sobre o
desenvolvimento humano integral e colocando-me na senda pelos mesmos traada para os actualizar
nos dias que correm. Este processo de actualizao teve incio com a encclica Sollicitudo rei
socialis do Servo de Deus Joo Paulo II, que desse modo quis comemorar a Populorum progressio
no vigsimo aniversrio da sua publicao. At ento, semelhante comemorao tinha-se reservado
apenas para a Rerum novarum. Passados outros vinte anos, exprimo a minha convico de que a
Populorum progressio merece ser considerada como a Rerum novarum da poca contempornea ,
que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificao.
9. O amor na verdade caritas in veritate um grande desafio para a Igreja num mundo em
crescente e incisiva globalizao. O risco do nosso tempo que, real interdependncia dos
homens e dos povos, no corresponda a interaco tica das conscincias e das inteligncias, da
qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano. S atravs da caridade,
iluminada pela luz da razo e da f, possvel alcanar objectivos de desenvolvimento dotados de
uma valncia mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o
autntico desenvolvimento, no assegurada pelo simples progresso tcnico e por meras relaes
de convenincia, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre
reciprocidade das conscincias e das liberdades.
A Igreja no tem solues tcnicas para oferecer [10] e no pretende de modo algum imiscuir-se
na poltica dos Estados [11]; mas tem uma misso ao servio da verdade para cumprir, em todo o
tempo e contingncia, a favor de uma sociedade medida do homem, da sua dignidade, da sua
vocao. Sem verdade, cai-se numa viso empirista e cptica da vida, incapaz de se elevar acima da
aco porque no est interessada em identificar os valores s vezes nem sequer os significados
pelos quais julg-la e orient-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade verdade, a nica
que garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral.
por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a
mesma se apresente. Para a Igreja, esta misso ao servio da verdade irrenuncivel. A sua doutrina
social um momento singular deste anncio: servio verdade que liberta. Aberta verdade,
qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compe numa
unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na vida sempre
nova da sociedade dos homens e dos povos[12].
CAPTULO I
A MENSAGEM
DA POPULORUM PROGRESSIO
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn6#_edn6http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn7#_edn7http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn8#_edn8http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn9#_edn9http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn10#_edn10http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn11#_edn11http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn12#_edn12
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10. A releitura da Populorum progressio, mais de quarenta anos depois da sua publicao, incita a
permanecer fiis sua mensagem de caridade e de verdade, considerando-a no mbito do
magistrio especfico de Paulo VI e, mais em geral, dentro da tradio da doutrina social da Igreja.
Depois h que avaliar os termos diferentes em que hoje, diversamente de ento, se coloca o
problema do desenvolvimento. Por isso, o ponto de vista correcto o da Tradio da f
apostlica[13], patrimnio antigo e novo, fora do qual a Populorum progressio seria um documento
sem razes e as questes do desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados sociolgicos.
11. A publicao da Populorum progressio deu-se imediatamente depois da concluso do Conclio
Ecumnico Vaticano II. A prpria encclica sublinha, nos primeiros pargrafos, a sua relao ntima
com o Conclio[14]. Vinte anos depois, era Joo Paulo II que destacava, na Sollicitudo rei socialis,
a fecunda relao daquela encclica com o Conclio, particularmente com a constituio pastoral
Gaudium et spes[15]. Desejo, tambm eu, lembrar aqui a importncia que o Conclio Vaticano II
teve na encclica de Paulo VI e em todo o sucessivo magistrio social dos Sumos Pontfices. O
Conclio aprofundou aquilo que desde sempre pertence verdade da f, ou seja, que a Igreja,
estando ao servio de Deus, serve o mundo em termos de amor e verdade. Foi precisamente desta
perspectiva que partiu Paulo VI para nos comunicar duas grandes verdades. A primeira que a
Igreja inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a
promover o desenvolvimento integral do homem. Ela tem um papel pblico que no se esgota nas
suas actividades de assistncia ou de educao, mas revela todas as suas energias ao servio da
promoo do homem e da fraternidade universal quando pode usufruir de um regime de liberdade.
Em no poucos casos, tal liberdade v-se impedida por proibies e perseguies; ou ento
limitada, quando a presena pblica da Igreja fica reduzida unicamente s suas actividades scio-
caritativas. A segunda verdade que o autntico desenvolvimento do homem diz respeito
unitariamente totalidade da pessoa em todas as suas dimenses[16]. Sem a perspectiva duma
vida eterna, o progresso humano neste mundo fica privado de respiro. Fechado dentro da histria,
est sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do ter; deste modo, a humanidade perde a
coragem de permanecer disponvel para os bens mais altos, para as grandes e altrustas iniciativas
solicitadas pela caridade universal. O homem no se desenvolve apenas com as suas prprias foras,
nem o desenvolvimento algo que se lhe possa dar simplesmente de fora. Muitas vezes, ao longo
da histria, pensou-se que era suficiente a criao de instituies para garantir humanidade a
satisfao do direito ao desenvolvimento. Infelizmente foi depositada excessiva confiana em tais
instituies, como se estas pudessem conseguir automaticamente o objectivo desejado. Na realidade,
as instituies sozinhas no bastam, porque o desenvolvimento humano integral primariamente
vocao e, por conseguinte, exige uma livre e solidria assuno de responsabilidade por parte de
todos. Alm disso, tal desenvolvimento requer uma viso transcendente da pessoa, tem necessidade
de Deus: sem Ele, o desenvolvimento ou negado ou acaba confiado unicamente s mos do
homem, que cai na presuno da auto-salvao e acaba por fomentar um desenvolvimento
desumanizado. Alis, s o encontro com Deus permite deixar de ver no outro sempre e apenas o
outro [17], para reconhecer nele a imagem divina, chegando assim a descobrir verdadeiramente o
outro e a maturar um amor que se torna cuidado do outro e pelo outro [18].
12. A ligao entre a Populorum progressio e o Conclio Vaticano II no representa um corte entre
o magistrio social de Paulo VI e o dos Pontfices seus predecessores, visto que o Conclio constitui
um aprofundamento de tal magistrio na continuidade da vida da Igreja[19]. Neste sentido, no
ajudam clareza certas subdivises abstractas da doutrina social da Igreja, que aplicam ao
ensinamento social pontifcio categorias que lhe so alheias. No existem duas tipologias de
doutrina social uma pr-conciliar e outra ps-conciliar , diversas entre si, mas um nico
ensinamento, coerente e simultaneamente sempre novo[20]. justo evidenciar a peculiaridade de
uma ou outra encclica, do ensinamento deste ou daquele Pontfice, mas sem jamais perder de vista
a coerncia do corpus doutrinal inteiro[21]. Coerncia no significa recluso num sistema, mas
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn13#_edn13http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn14#_edn14http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.htmlhttp://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn16#_edn16http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn17#_edn17http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn18#_edn18http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn19#_edn19http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn20#_edn20http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn21#_edn21
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sobretudo fidelidade dinmica a uma luz recebida. A doutrina social da Igreja ilumina, com uma luz
imutvel, os problemas novos que vo aparecendo[22]. Isto salvaguarda o carcter quer permanente
quer histrico deste patrimnio doutrinal[23], o qual, com as suas caractersticas especficas, faz
parte da Tradio sempre viva da Igreja[24]. A doutrina social est construda sobre o fundamento
que foi transmitido pelos Apstolos aos Padres da Igreja e, depois, acolhido e aprofundado pelos
grandes Doutores cristos. Tal doutrina remonta, em ltima anlise, ao Homem novo, ao ltimo
Ado que Se tornou esprito vivificante (1 Cor 15, 45) e princpio da caridade que nunca
acabar (1 Cor 13, 8). testemunhada pelos Santos e por quantos deram a vida por Cristo
Salvador no campo da justia e da paz. Nela se exprime a misso proftica que tm os Sumos
Pontfices de guiar apostolicamente a Igreja de Cristo e discernir as novas exigncias da
evangelizao. Por estas razes, a Populorum progressio, inserida na grande corrente da Tradio,
capaz de nos falar ainda a ns hoje.
13. Alm da sua importante ligao com toda a doutrina social da Igreja, a Populorum progressio
est intimamente conexa com o magistrio global de Paulo VI e, de modo particular, com o seu
magistrio social. De grande relevo foi, sem dvida, o seu ensinamento social: reafirmou a
exigncia imprescindvel do Evangelho para a construo da sociedade segundo liberdade e justia,
na perspectiva ideal e histrica de uma civilizao animada pelo amor. Paulo VI compreendeu
claramente como se tinha tornado mundial a questo social[25] e viu a correlao entre o impulso
unificao da humanidade e o ideal cristo de uma nica famlia dos povos, solidria na
fraternidade comum. Indicou o desenvolvimento, humana e cristmente entendido, como o corao
da mensagem social crist e props a caridade crist como principal fora ao servio do
desenvolvimento. Movido pelo desejo de tornar o amor de Cristo plenamente visvel ao homem
contemporneo, Paulo VI enfrentou com firmeza importantes questes ticas, sem ceder s
debilidades culturais do seu tempo.
14. Depois, com a carta apostlica Octogesima adveniens de 1971, Paulo VI tratou o tema do
sentido da poltica e do perigo de vises utpicas e ideolgicas que prejudicavam a sua qualidade
tica e humana. So argumentos estritamente relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as
ideologias negativas florescem continuamente. Contra a ideologia tecnocrtica, hoje
particularmente radicada, j Paulo VI tinha alertado[26], ciente do grande perigo que era confiar
todo o processo do desenvolvimento unicamente tcnica, porque assim ficaria sem orientao. A
tcnica, em si mesma, ambivalente. Se, por um lado, h hoje quem seja propenso a confiar-lhe
inteiramente tal processo de desenvolvimento, por outro, assiste-se investida de ideologias que
negam in toto a prpria utilidade do desenvolvimento, considerado radicalmente anti-humano e
portador somente de degradao. Mas, deste modo, acaba-se por condenar no apenas a maneira
errada e injusta como por vezes os homens orientam o progresso, mas tambm as descobertas
cientficas que entretanto, se bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos.
A ideia de um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiana no homem e em Deus. Por
conseguinte, um grave erro desprezar as capacidades humanas de controlar os extravios do
desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem est constitutivamente inclinado para ser mais
. Absolutizar ideologicamente o progresso tcnico ou ento afagar a utopia duma humanidade
reconduzida ao estado originrio da natureza so dois modos opostos de separar o progresso da sua
apreciao moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.
15. Outros dois documentos de Paulo VI, embora no estritamente ligados com a doutrina social
a encclica Human vit, de 25 de Julho de 1968, e a exortao apostlica Evangelii nuntiandi, de
8 de Dezembro de 1975 , so muito importantes para delinear o sentido plenamente humano do
desenvolvimento proposto pela Igreja. Por isso oportuno ler tambm estes textos em relao com
a Populorum progressio.
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn22#_edn22http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn23#_edn23http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn24#_edn24http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn25#_edn25http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn26#_edn26http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi_sp.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.html
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A encclica Human vit sublinha o significado conjuntamente unitivo e procriativo da sexualidade,
pondo assim como fundamento da sociedade o casal de esposos, homem e mulher, que se acolhem
reciprocamente na distino e na complementaridade; um casal, portanto, aberto vida[27]. No se
trata de uma moral meramente individual: a Human vit indica os fortes laos existentes entre
tica da vida e tica social, inaugurando uma temtica do Magistrio que aos poucos foi tomando
corpo em vrios documentos, sendo o mais recente a encclica Evangelium vit de Joo Paulo
II[28]. A Igreja prope, com vigor, esta ligao entre tica da vida e tica social, ciente de que no
pode ter slidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justia e a
paz, mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e
violao da vida humana, sobretudo se dbil e marginalizada [29].
Por sua vez, a exortao apostlica Evangelii nuntiandi tem uma relao muito forte com o
desenvolvimento, visto que a evangelizao escrevia Paulo VI no seria completa, se no
tomasse em considerao a interpelao recproca que se fazem constantemente o Evangelho e a
vida concreta, pessoal e social, do homem [30]. Entre evangelizao e promoo humana
desenvolvimento, libertao existem de facto laos profundos [31]: partindo desta certeza,
Paulo VI ilustrava claramente a relao entre o anncio de Cristo e a promoo da pessoa na
sociedade. O testemunho da caridade de Cristo atravs de obras de justia, paz e desenvolvimento
faz parte da evangelizao, pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes
importantes ensinamentos, est fundado o aspecto missionrio [32] da doutrina social da Igreja
como elemento essencial de evangelizao[33]. A doutrina social da Igreja anncio e testemunho
de f; instrumento e lugar imprescindvel de educao para a mesma.
16. Na Populorum progressio, Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais nada, que o progresso , na
sua origem e na sua essncia, uma vocao: Nos desgnios de Deus, cada homem chamado a
desenvolver-se, porque toda a vida vocao [34]. precisamente este facto que legitima a
interveno da Igreja nas problemticas do desenvolvimento. Se este tocasse apenas aspectos
tcnicos da vida do homem, e no o sentido do seu caminhar na histria juntamente com seus
irmos, nem a individuao da meta de tal caminho, a Igreja no teria ttulo para falar. Mas Paulo
VI, como antes dele Leo XIII na Rerum novarum[35], estava consciente de cumprir um dever
prprio do seu servio quando iluminava com a luz do Evangelho as questes sociais do seu
tempo[36].
Dizer que o desenvolvimento vocao equivale a reconhecer, por um lado, que o mesmo nasce de
um apelo transcendente e, por outro, que incapaz por si mesmo de atribuir-se o prprio significado
ltimo. No sem motivo que a palavra vocao volta a aparecer noutra passagem da encclica,
onde se afirma: No h, portanto, verdadeiro humanismo seno o aberto ao Absoluto,
reconhecendo uma vocao que exprime a ideia exacta do que a vida humana [37]. Esta viso do
desenvolvimento o corao da Populorum progressio e motiva todas as reflexes de Paulo VI
sobre a liberdade, a verdade e a caridade no desenvolvimento. tambm a razo principal por que
tal encclica ainda aparece actual nos nossos dias.
17. A vocao um apelo que exige resposta livre e responsvel. O desenvolvimento humano
integral supe a liberdade responsvel da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal
desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se responsabilidade humana. Os messianismos
fascinantes, mas construtores de iluses [38] fundam sempre as prprias propostas na negao da
dimenso transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente sua disposio. Esta
falsa segurana converte-se em fraqueza, porque implica a sujeio do homem, reduzido categoria
de meio para o desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocao se transforma
em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI no tem dvidas sobre a existncia
de obstculos e condicionamentos que refreiam o desenvolvimento, mas est seguro tambm de que
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn27#_edn27http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/edocs/POR0062/_INDEX.HTMhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn28#_edn28http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn29#_edn29http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi_sp.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn30#_edn30http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn31#_edn31http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn32#_edn32http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn33#_edn33http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn34#_edn34http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn36#_edn36http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn37#_edn37http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn38#_edn38
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cada um, sejam quais forem as influncias que sobre ele se exeram, permanece o artfice
principal do seu xito ou do seu fracasso [39]. Esta liberdade diz respeito no s ao
desenvolvimento que usufrumos, mas tambm s situaes de subdesenvolvimento, que no so
fruto do acaso nem de uma necessidade histrica, mas dependem da responsabilidade humana.
por isso que os povos da fome se dirigem hoje, de modo dramtico, aos povos da opulncia [40].
Tambm isto vocao, um apelo que homens livres dirigem a homens livres em ordem a uma
assuno comum de responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a percepo da importncia das
estruturas econmicas e das instituies, mas era igualmente clara nele a noo da sua natureza de
instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre que o desenvolvimento pode ser
integralmente humano; apenas num regime de liberdade responsvel, pode crescer de maneira
adequada.
18. Alm de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral enquanto vocao exige
tambm que se respeite a sua verdade. A vocao ao progresso impele os homens a realizar,
conhecer e possuir mais, para ser mais [41]. Mas aqui levanta-se o problema: que significa ser
mais ? A tal pergunta responde Paulo VI indicando a caracterstica essencial do desenvolvimento
autntico : este deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo [42].
Na concorrncia entre as vrias concepes do homem, presentes na sociedade actual ainda mais
intensamente do que na de Paulo VI, a viso crist tem a peculiaridade de afirmar e justificar o
valor incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A vocao crist ao
desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoo de todos os homens e do homem todo. Escrevia
Paulo VI: O que conta para ns o homem, cada homem, cada grupo de homens, at se chegar
humanidade inteira [43]. A f crist ocupa-se do desenvolvimento sem olhar a privilgios nem
posies de poder nem mesmo aos mritos dos cristos que sem dvida existiram e existem, a
par de naturais limitaes[44] , mas contando apenas com Cristo, a Quem h-de fazer referncia
toda a autntica vocao ao desenvolvimento humano integral. O Evangelho elemento
fundamental do desenvolvimento, porque l Cristo, com a prpria revelao do mistrio do Pai e
do seu amor, revela o homem a si mesmo [45]. Instruda pelo seu Senhor, a Igreja perscruta os
sinais dos tempos e interpreta-os, oferecendo ao mundo o que possui como prprio: uma viso
global do homem e da humanidade [46]. Precisamente porque Deus pronuncia o maior sim ao
homem[47], este no pode deixar de se abrir vocao divina para realizar o prprio
desenvolvimento. A verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se no
desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, no verdadeiro desenvolvimento. Esta a
mensagem central da Populorum progressio, vlida hoje e sempre. O desenvolvimento humano
integral no plano natural, enquanto resposta a uma vocao de Deus criador[48], procura a prpria
autenticao num humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua maior plenitude:
tal a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal [49]. Portanto, a vocao crist a tal
desenvolvimento compreende tanto o plano natural como o plano sobrenatural, motivo por que,
quando Deus fica eclipsado, comea a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural,
o fim e o bem'' [50].
19. Finalmente, a concepo do desenvolvimento como vocao inclui nele a centralidade da
caridade. Paulo VI observava, na encclica Populorum progressio, que as causas do
subdesenvolvimento no so primariamente de ordem material, convidando-nos a procur-las
noutras dimenses do homem. Em primeiro lugar, na vontade, que muitas vezes descuida os
deveres da solidariedade. Em segundo, no pensamento, que nem sempre sabe orientar
convenientemente o querer; por isso, para a prossecuo do desenvolvimento, servem pensadores
capazes de reflexo profunda, em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o
encontro de si mesmo [51]. E no tudo; o subdesenvolvimento tem uma causa ainda mais
importante do que a carncia de pensamento: a falta de fraternidade entre os homens e entre os
povos [52]. Esta fraternidade poder um dia ser obtida pelos homens simplesmente com as suas
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn39#_edn39http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn40#_edn40http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn41#_edn41http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn42#_edn42http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn43#_edn43http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn44#_edn44http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn45#_edn45http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn46#_edn46http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn47#_edn47http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn48#_edn48http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn49#_edn49http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn50#_edn50http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn51#_edn51http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn52#_edn52
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foras? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas no nos faz irmos. A razo,
por si s, capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivncia cvica entre
eles, mas no consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem numa vocao transcendente de
Deus Pai, que nos amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que a caridade fraterna. Ao
apresentar os vrios nveis do processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI colocava no
vrtice, depois de ter mencionado a f, a unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a
participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens [53].
20. Abertas pela Populorum progressio, estas perspectivas permanecem fundamentais para dar
amplitude e orientao ao nosso compromisso a favor do desenvolvimento dos povos. E a
Populorum progressio sublinha repetidamente a urgncia das reformas[54], pedindo para que,
vista dos grandes problemas da injustia no desenvolvimento dos povos, se actue com coragem e
sem demora. Esta urgncia ditada tambm pela caridade na verdade. a caridade de Cristo que
nos impele: caritas Christi urget nos (2 Cor 5, 14). A urgncia no est inscrita s nas coisas,
no deriva apenas do encalar dos acontecimentos e dos problemas, mas tambm do que est em
jogo: a realizao de uma autntica fraternidade. A relevncia deste objectivo tal que exige a
nossa disponibilidade para o compreendermos profundamente e mobilizarmo-nos concretamente,
com o corao , a fim de fazer avanar os actuais processos econmicos e sociais para metas
plenamente humanas.
CAPTULO II
O DESENVOLVIMENTO HUMANO
NO NOSSO TEMPO
21. Paulo VI tinha uma viso articulada do desenvolvimento. Com o termo desenvolvimento ,
queria indicar, antes de mais nada, o objectivo de fazer sair os povos da fome, da misria, das
doenas endmicas e do analfabetismo. Isto significava, do ponto de vista econmico, a sua
participao activa e em condies de igualdade no processo econmico internacional; do ponto de
vista social, a sua evoluo para sociedades instrudas e solidrias; do ponto de vista poltico, a
consolidao de regimes democrticos capazes de assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos
anos e enquanto contemplamos, preocupados, as evolues e as perspectivas das crises que foram
sucedendo neste perodo, interrogamo-nos at que ponto as expectativas de Paulo VI tenham sido
satisfeitas pelo modelo de desenvolvimento que foi adoptado nos ltimos decnios. E
reconhecemos que eram fundadas as preocupaes da Igreja acerca das capacidades do homem
meramente tecnolgico conseguir impor-se objectivos realistas e saber gerir, sempre
adequadamente, os instrumentos sua disposio. O lucro til se, como meio, for orientado para
um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de
lucro, quando mal produzido e sem ter como fim ltimo o bem comum, arrisca-se a destruir riqueza
e criar pobreza. O desenvolvimento econmico desejado por Paulo VI devia ser capaz de produzir
um crescimento real, extensivo a todos e concretamente sustentvel. verdade que o
desenvolvimento foi e continua a ser um factor positivo, que tirou da misria milhes de pessoas e,
ultimamente, deu a muitos pases a possibilidade de se tornarem actores eficazes da poltica
internacional. Todavia h que reconhecer que o prprio desenvolvimento econmico foi e continua
a ser molestado por anomalias e problemas dramticos, evidenciados ainda mais pela actual
situao de crise. Esta coloca-nos improrrogavelmente diante de opes que dizem respeito sempre
mais ao prprio destino do homem, o qual alis no pode prescindir da sua natureza. As foras
tcnicas em campo, as inter-relaes a nvel mundial, os efeitos deletrios sobre a economia real
duma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn53#_edn53http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn54#_edn54
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migratrios, com frequncia provocados e depois no geridos adequadamente, a explorao
desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a reflectir sobre as medidas necessrias para dar
soluo a problemas que so no apenas novos relativamente aos enfrentados pelo Papa Paulo VI,
mas tambm e sobretudo com impacto decisivo no bem presente e futuro da humanidade. Os
aspectos da crise e das suas solues bem como de um possvel novo desenvolvimento futuro esto
cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforos de
enquadramento global e uma nova sntese humanista. A complexidade e gravidade da situao
econmica actual preocupa-nos, com toda a justia, mas devemos assumir com realismo, confiana
e esperana as novas responsabilidades a que nos chama o cenrio de um mundo que tem
necessidade duma renovao cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para
construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o nosso caminho, a
impor-nos regras novas e encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experincias
positivas e rejeitar as negativas. Assim, a crise torna-se ocasio de discernimento e elaborao de
nova planificao. Com esta chave, feita mais de confiana que resignao, convm enfrentar as
dificuldades da hora actual.
22. Actualmente o quadro do desenvolvimento policntrico. Os actores e as causas tanto do
subdesenvolvimento como do desenvolvimento so mltiplas, as culpas e os mritos so
diferenciados. Este dado deveria induzir a libertar-se das ideologias que simplificam, de forma
frequentemente artificiosa, a realidade, e levar a examinar com objectividade a espessura humana
dos problemas. Hoje a linha de demarcao entre pases ricos e pobres j no to ntida como nos
tempos da Populorum progressio, como alis foi assinalado por Joo Paulo II[55]. Cresce a riqueza
mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades. Nos pases ricos, novas categorias
sociais empobrecem e nascem novas pobrezas. Em reas mais pobres, alguns grupos gozam duma
espcie de superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissvel,
com perdurveis situaes de misria desumanizadora. Continua o escndalo de despropores
revoltantes [56]. Infelizmente a corrupo e a ilegalidade esto presentes tanto no comportamento
de sujeitos econmicos e polticos dos pases ricos, antigos e novos, como nos prprios pases
pobres. No nmero de quantos no respeitam os direitos humanos dos trabalhadores, contam-se s
vezes grandes empresas transnacionais e tambm grupos de produo local. As ajudas
internacionais foram muitas vezes desviadas das suas finalidades, por irresponsabilidades que se
escondem tanto na cadeia dos sujeitos doadores como na dos beneficirios. Tambm no mbito das
causas imateriais ou culturais do desenvolvimento e do subdesenvolvimento podemos encontrar a
mesma articulao de responsabilidades: existem formas excessivas de proteco do conhecimento
por parte dos pases ricos, atravs duma utilizao demasiado rgida do direito de propriedade
intelectual, especialmente no campo sanitrio; ao mesmo tempo, em alguns pases pobres, persistem
modelos culturais e normas sociais de comportamento que retardam o processo de desenvolvimento.
23. Temos hoje muitas reas do globo que de forma por vezes problemtica e no homognea
evoluram, entrando na categoria das grandes potncias destinadas a jogar um papel importante no
futuro. Contudo h que sublinhar que no suficiente progredir do ponto de vista econmico e
tecnolgico; preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral. A
sada do atraso econmico um dado em si mesmo positivo no resolve a complexa
problemtica da promoo do homem nem nos pases protagonistas de tais avanos, nem nos pases
economicamente j desenvolvidos, nem nos pases ainda pobres que, alm das antigas formas de
explorao, podem vir a sofrer tambm as consequncias negativas derivadas de um crescimento
marcado por desvios e desequilbrios.
Depois da queda dos sistemas econmicos e polticos dos pases comunistas da Europa Oriental e
do fim dos chamados blocos contrapostos , havia necessidade duma reviso global do
desenvolvimento. Pedira-o Joo Paulo II, que em 1987 tinha indicado a existncia destes blocos
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn55#_edn55http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn56#_edn56
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como uma das principais causas do subdesenvolvimento[57], enquanto a poltica subtraa recursos
economia e cultura e a ideologia inibia a liberdade. Em 1991, na sequncia dos acontecimentos do
ano 1989, o Pontfice pediu que o fim dos blocos fosse seguido por uma nova planificao
global do desenvolvimento, no s em tais pases, mas tambm no Ocidente e nas regies do mundo
que estavam a evoluir[58]. Isto, porm, realizou-se apenas parcialmente, continuando a ser uma
obrigao real que precisa de ser satisfeita, talvez aproveitando-se precisamente das opes
necessrias para superar os problemas econmicos actuais.
24. O mundo, que Paulo VI tinha diante dos olhos, registava muito menor integrao do que hoje,
embora o processo de sociabilizao se apresentasse j to adiantado que ele pde falar de uma
questo social tornada mundial. Actividade econmica e funo poltica desenrolavam-se em
grande parte dentro do mesmo mbito local e, por conseguinte, podiam inspirar recproca confiana.
A actividade produtiva tinha lugar prevalentemente dentro das fronteiras nacionais e os
investimentos financeiros tinham uma circulao bastante limitada para o estrangeiro, de tal modo
que a poltica de muitos Estados podia ainda fixar as prioridades da economia e, de alguma maneira,
governar o seu andamento com os instrumentos de que ainda dispunha. Por este motivo, a
Populorum progressio atribua um papel central, embora no exclusivo, aos poderes pblicos
[59].
Actualmente, o Estado encontra-se na situao de ter de enfrentar as limitaes que lhe so
impostas sua soberania pelo novo contexto econmico comercial e financeiro internacional,
caracterizado nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de
produo materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder poltico dos Estados.
Hoje, aproveitando inclusivamente a lio resultante da crise econmica em curso que v os
poderes pblicos do Estado directamente empenhados a corrigir erros e disfunes, parece mais
realista uma renovada avaliao do seu papel e poder, que ho-de ser sapientemente reconsiderados
e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo atravs de novas modalidades de exerccio, de fazer
frente aos desafios do mundo actual. Com uma funo melhor calibrada dos poderes pblicos,
previsvel que sejam reforadas as novas formas de participao na poltica nacional e internacional
que se realizam atravs da aco das organizaes operantes na sociedade civil; nesta linha,
desejvel que cresam uma ateno e uma participao mais sentidas na res publica por parte dos
cidados.
25. Do ponto de vista social, os sistemas de segurana e previdncia j presentes em muitos
pases nos tempos de Paulo VI sentem dificuldade, e podero senti-la ainda mais no futuro, em
alcanar os seus objectivos de verdadeira justia social dentro de um quadro de foras
profundamente alterado. O mercado, medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais
nada, por parte de pases ricos, a busca de reas para onde deslocar as actividades produtivas a
baixo custo a fim de reduzir os preos de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo
acelerar o ndice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo prprio mercado
interno. Consequentemente, o mercado motivou novas formas de competio entre Estados
procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras atravs de variados instrumentos tais
como impostos favorveis e a desregulamentao do mundo do trabalho. Estes processos
implicaram a reduo das redes de segurana social em troca de maiores vantagens competitivas
no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos
fundamentais do homem e a solidariedade actuada nas formas tradicionais do Estado social. Os
sistemas de segurana social podem perder a capacidade de desempenhar a sua funo, quer nos
pases emergentes, quer nos desenvolvidos h mais tempo, quer naturalmente nos pases pobres.
Aqui, as polticas relativas ao oramento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes
fomentados pelas prprias instituies financeiras internacionais, podem deixar os cidados
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impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotncia torna-se ainda maior devido falta de
proteco eficaz por parte das associaes dos trabalhadores. O conjunto das mudanas sociais e
econmicas faz com que as organizaes sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do
seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo facto de os governos, por
razes de utilidade econmica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade
negociadora dos prprios sindicatos. Assim, as redes tradicionais de solidariedade encontram
obstculos cada vez maiores a superar. Por isso, o convite feito pela doutrina social da Igreja, a
comear da Rerum novarum[60], para se criarem associaes de trabalhadores em defesa dos seus
direitos h-de ser honrado, hoje ainda mais do que ontem, dando antes de mais nada uma resposta
pronta e clarividente urgncia de instaurar novas sinergias a nvel internacional, sem descurar o
nvel local.
A mobilidade laboral, associada generalizada desregulamentao, constituiu um fenmeno
importante, no desprovido de aspectos positivos porque capaz de estimular a produo de nova
riqueza e o intercmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna endmica a incerteza
sobre as condies de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentao,
geram-se formas de instabilidade psicolgica, com dificuldade a construir percursos coerentes na
prpria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimnio. Consequncia disto o aparecimento de
situaes de degradao humana, alm de desperdcio de fora social. Comparado com o que
sucedia na sociedade industrial do passado, hoje o desemprego provoca aspectos novos de
irrelevncia econmica do indivduo, e a crise actual pode apenas piorar tal situao. A excluso do
trabalho por muito tempo ou ento uma prolongada dependncia da assistncia pblica ou privada
corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relaes familiares e sociais, causando
enormes sofrimentos a nvel psicolgico e espiritual. Queria recordar a todos, sobretudo aos
governantes que esto empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas econmicos e sociais do
mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar o homem, a pessoa, na sua integridade:
com efeito, o homem o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econmico-social [61].
26. No plano cultural, as diferenas, relativamente aos tempos de Paulo VI, so ainda mais
acentuadas. Ento, as culturas apresentavam-se bastante bem definidas e tinham maiores
possibilidades para se defender das tentativas de homogeneizao cultural. Hoje, cresceram
notavelmente as possibilidades de interaco das culturas, dando espao a novas perspectivas de
dilogo intercultural; um dilogo que, para ser eficaz, deve ter como ponto de partida uma profunda
noo da especfica identidade dos vrios interlocutores. No entanto, no se deve descurar o facto
de que esta aumentada transaco de intercmbios culturais traz consigo, actualmente, um duplo
perigo. Em primeiro lugar, nota-se um ecletismo cultural assumido muitas vezes sem discernimento:
as culturas so simplesmente postas lado a lado e vistas como substancialmente equivalentes e
intercambiveis umas com as outras. Isto favorece a cedncia a um relativismo que no ajuda ao
verdadeiro dilogo intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que os grupos
culturais se juntem ou convivam, mas separados, sem autntico dilogo e, consequentemente, sem
verdadeira integrao. Depois, temos o perigo oposto que constitudo pelo nivelamento cultural e
a homogeneizao dos comportamentos e estilos de vida. Assim perde-se o significado profundo da
cultura das diversas naes, das tradies dos vrios povos, no mbito das quais a pessoa se
confronta com as questes fundamentais da existncia[62]. Ecletismo e nivelamento cultural
convergem no facto de separar a cultura da natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber
encontrar a sua medida numa natureza que as transcende[63], acabando por reduzir o homem a
simples dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos de servido e
manipulao.
27. Em muitos pases pobres, continua com risco de aumentar uma insegurana extrema de
vida, que deriva da carncia de alimentao: a fome ceifa ainda inmeras vtimas entre os muitos
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn61#_edn61http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn62#_edn62http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn63#_edn63
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Lzaros, a quem no permitido como esperara Paulo VI sentar-se mesa do rico
avarento[64]. Dar de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) um imperativo tico para toda a
Igreja, que resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus.
Alm disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalizao, tambm um objectivo a
alcanar para preservar a paz e a subsistncia da terra. A fome no depende tanto de uma escassez
material, como sobretudo da escassez de recursos sociais, o mais importante dos quais de natureza
institucional; isto , falta um sistema de instituies econmicas que seja capaz de garantir um
acesso regular e adequado, do ponto de vista nutricional, alimentao e gua e tambm de
enfrentar as carncias relacionadas com as necessidades primrias e com a emergncia de reais e
verdadeiras crises alimentares provocadas por causas naturais ou pela irresponsabilidade poltica
nacional e internacional. O problema da insegurana alimentar h-de ser enfrentado numa
perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o
desenvolvimento agrcola dos pases mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas
rurais, sistemas de irrigao, transportes, organizao dos mercados, formao e difuso de tcnicas
agrcolas apropriadas, isto , capazes de utilizar o melhor possvel os recursos humanos, naturais e
scio-econmicos mais acessveis a nvel local, para garantir a sua manuteno a longo prazo. Tudo
isto h-de ser realizado, envolvendo as comunidades locais nas opes e nas decises relativas ao
uso da terra cultivvel. Nesta perspectiva, poderia revelar-se til considerar as novas fronteiras
abertas por um correcto emprego das tcnicas de produo agrcola, tanto as tradicionais como as
inovadoras, desde que as mesmas tenham sido, depois de adequada verificao, reconhecidas
oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta as populaes mais desfavorecidas. Ao
mesmo tempo no deveria ser transcurada a questo de uma equitativa reforma agrria nos pases
em vias de desenvolvimento. Os direitos alimentao e gua revestem um papel importante para
a consecuo de outros direitos, a comear pelo direito primrio vida. Por isso, necessrio a
maturao duma conscincia solidria que considere a alimentao e o acesso gua como direitos
universais de todos os seres humanos, sem distines nem discriminaes[65]. Alm disso,
importante pr em evidncia que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos pases
pobres pode constituir um projecto de soluo para a presente crise global, como homens polticos e
responsveis de instituies internacionais tm intudo nos ltimos tempos. Sustentando, atravs de
planos de financiamento inspirados pela solidariedade, os pases economicamente pobres, para que
provejam eles mesmos satisfao das solicitaes de bens de consumo e de desenvolvimento dos
prprios cidados, possvel no apenas gerar verdadeiro crescimento econmico mas tambm
concorrer para sustentar as capacidades produtivas dos pases ricos que correm o risco de ficar
comprometidas pela crise.
28. Um dos aspectos mais evidentes do desenvolvimento actual a importncia do tema do respeito
pela vida, que no pode ser de modo algum separado das questes relativas ao desenvolvimento dos
povos. Trata-se de um aspecto que, nos ltimos tempos, est a assumir uma relevncia sempre
maior, obrigando-nos a alargar os conceitos de pobreza [66] e subdesenvolvimento s questes
relacionadas com o acolhimento da vida, sobretudo onde o mesmo de vrias maneiras impedido.
No s a situao de pobreza provoca ainda altas taxas de mortalidade infantil em muitas regies,
mas perduram tambm, em vrias partes do mundo, prticas de controle demogrfico por parte dos
governos, que muitas vezes difundem a contracepo e chegam mesmo a impor o aborto. Nos
pases economicamente mais desenvolvidos, so muito difusas as legislaes contrrias vida,
condicionando j o costume e a prxis e contribuindo para divulgar uma mentalidade antinatalista
que muitas vezes se procura transmitir a outros Estados como se fosse um progresso cultural.
Tambm algumas organizaes no governamentais trabalham activamente pela difuso do aborto,
promovendo nos pases pobres a adopo da prtica da esterilizao, mesmo sem as mulheres o
saberem. Alm disso, h a fundada suspeita de que s vezes as prprias ajudas ao desenvolvimento
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn64#_edn64http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn65#_edn65http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn66#_edn66
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sejam associadas com determinadas polticas sanitrias que realmente implicam a imposio de um
forte controle dos nascimentos. Igualmente preocupantes so as legislaes que prevem a eutansia
e as presses de grupos nacionais e internacionais que reivindicam o seu reconhecimento jurdico.
A abertura vida est no centro do verdadeiro desenvolvimento. Quando uma sociedade comea a
negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar as motivaes e energias necessrias para
trabalhar ao servio do verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao
acolhimento duma nova vida, definham tambm outras formas de acolhimento teis vida
social[67]. O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos capazes de ajuda
recproca. Os povos ricos, cultivando a abertura vida, podem compreender melhor as necessidades
dos pases pobres, evitar o emprego de enormes recursos econmicos e intelectuais para satisfazer
desejos egostas dos prprios cidados e promover, ao invs, aces virtuosas na perspectiva duma
produo moralmente sadia e solidria, no respeito do direito fundamental de cada povo e de cada
pessoa vida.
29. Outro aspecto da vida actual, intimamente relacionado com o desenvolvimento, a negao do
direito liberdade religiosa. No me refiro s s lutas e conflitos que ainda se disputam no mundo
por motivaes religiosas, embora estas s vezes sejam apenas a cobertura para razes de outro
gnero, tais como a sede de domnio e de riqueza. Na realidade, com frequncia hoje se faz apelo ao
santo nome de Deus para matar, como diversas vezes foi sublinhado e deplorado publicamente pelo
meu predecessor Joo Paulo II e por mim prprio[68]. As violncias refreiam o desenvolvimento
autntico e impedem a evoluo dos povos para um bem-estar scio-econmico e espiritual maior.
Isto aplica-se de modo especial ao terrorismo de ndole fundamentalista[69], que gera sofrimento,
devastao e morte, bloqueia o dilogo entre as naes e desvia grandes recursos do seu uso
pacfico e civil. Mas h que acrescentar que, se o fanatismo religioso impede em alguns contextos o
exerccio do direito de liberdade de religio, tambm a promoo programada da indiferena
religiosa ou do atesmo prtico por parte de muitos pases contrasta com as necessidades do
desenvolvimento dos povos, subtraindo-lhes recursos espirituais e humanos. Deus o garante do
verdadeiro desenvolvimento do homem, j que, tendo-o criado sua imagem, fundamenta de igual
forma a sua dignidade transcendente e alimenta o seu anseio constitutivo de ser mais . O homem
no um tomo perdido num universo casual[70], mas uma criatura de Deus, qual quis dar uma
alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas do acaso ou da necessidade,
se as suas aspiraes tivessem de reduzir-se ao horizonte restrito das situaes em que vive, se tudo
fosse somente histria e cultura e o homem no tivesse uma natureza destinada a transcender-se
numa vida sobrenatural, ento poder-se-ia falar de incremento ou de evoluo, mas no de
desenvolvimento. Quando o Estado promove, ensina ou at impe formas de atesmo prtico, tira
aos seus cidados a fora moral e espiritual indispensvel para se empenhar no desenvolvimento
humano integral e impede-os de avanarem com renovado dinamismo no prprio compromisso de
uma resposta humana mais generosa ao amor divino[71]. Sucede tambm que os pases
economicamente desenvolvidos ou os emergentes exportem para os pases pobres, no mbito das
suas relaes culturais, comerciais e polticas, esta viso redutiva da pessoa e do seu destino. o
dano que o superdesenvolvimento [72] acarreta ao desenvolvimento autntico, quando
acompanhado pelo subdesenvolvimento moral [73].
30. Nesta linha, o tema do desenvolvimento humano integral atinge um ponto ainda mais complexo:
a correlao entre os seus vrios elementos requer que nos empenhemos por fazer interagir os
diversos nveis do saber humano tendo em vista a promoo de um verdadeiro desenvolvimento dos
povos. Muitas vezes pensa-se que o desenvolvimento ou as relativas medidas scio-econmicas
necessitam apenas de ser postos em prtica como fruto de um agir comum, ignorando que este agir
comum precisa de ser orientado, porque toda a aco social implica uma doutrina [74]. Vista a
complexidade dos problemas, bvio que as vrias disciplinas devem colaborar atravs de uma
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn67#_edn67http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn68#_edn68http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn69#_edn69http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn70#_edn70http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn71#_edn71http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn72#_edn72http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn73#_edn73http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn74#_edn74
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ordenada interdisciplinaridade. A caridade no exclui o saber, antes reclama-o, promove-o e anima-
o a partir de dentro. O saber nunca obra apenas da inteligncia; pode, sem dvida, ser reduzido a
clculo e a experincia, mas se quer ser sapincia capaz de orientar o homem luz dos princpios
primeiros e dos seus fins ltimos, deve ser temperado com o sal da caridade. A aco cega
sem o saber, e este estril sem o amor. De facto, aquele que est animado de verdadeira caridade
engenhoso em descobrir as causas da misria, encontrar os meios de a combater e venc-la
resolutamente [75]. Relativamente aos fenmenos que analisamos, a caridade na verdade requer,
antes de mais nada, conhecer e compreender no respeito consciencioso da competncia especfica
de cada nvel do saber. A caridade no uma juno posterior, como se fosse um apndice ao
trabalho j concludo das vrias disciplinas, mas dialoga com elas desde o incio. As exigncias do
amor no contradizem as da razo. O saber humano insuficiente e as concluses das cincias no
podero sozinhas indicar o caminho para o desenvolvimento integral do homem. Sempre preciso
lanar-se mais alm: exige-o a caridade na verdade[76]. Todavia ir mais alm nunca significa
prescindir das concluses da razo, nem contradizer os seus resultados. No aparece a inteligncia e
depois o amor: h o amor rico de inteligncia e a inteligncia cheia de amor.
31. Isto significa que as ponderaes morais e a pesquisa cientfica devem crescer juntas e que a
caridade as deve animar num todo interdisciplinar harmnico, feito de unidade e distino. A
doutrina social da Igreja, que tem uma importante dimenso interdisciplinar [77], pode
desempenhar, nesta perspectiva, uma funo de extraordinria eficcia. Ela permite f, teologia,
metafsica e s cincias encontrarem o prprio lugar no mbito de uma colaborao ao servio do
homem; sobretudo aqui que a doutrina social da Igreja actua a sua dimenso sapiencial. Paulo VI
tinha visto claramente que, entre as causas do subdesenvolvimento, conta-se uma carncia de
sabedoria, de reflexo, de pensamento capaz de realizar uma sntese orientadora[78], que requer
uma viso clara de todos os aspectos econmicos, sociais, culturais e espirituais [79]. A excessiva
fragmentao do saber[80], o isolamento das cincias humanas relativamente metafsica[81], as
dificuldades no dilogo entre as cincias e a teologia danificam no s o avano do saber mas
tambm o desenvolvimento dos povos, porque, quando isso se verifica, fica obstaculizada a viso
do bem completo do homem nas vrias dimenses que o caracterizam. indispensvel o
alargamento do nosso conceito de razo e do uso da mesma [82] para se conseguir sopesar
adequadamente todos os termos da questo do desenvolvimento e da soluo dos problemas scio-
econmicos.
32. As grandes novidades, que o quadro actual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem
em muitos casos novas solues. Estas ho-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis
prprias de cada realidade e luz duma viso integral do homem, que espelhe os vrios aspectos da
pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela caridade. Descobrir-se-o ento
singulares convergncias e concretas possibilidades de soluo, sem renunciar a qualquer
componente fundamental da vida humana.
A dignidade da pessoa e as exigncias da justia requerem, sobretudo hoje, que as opes
econmicas no faam aumentar, de forma excessiva e moralmente inaceitvel, as diferenas de
riqueza [83] e que se continue a perseguir como prioritrio o objectivo do acesso ao trabalho para
todos, ou da sua manuteno. Bem vistas as coisas, isto exigido tambm pela razo econmica .
O aumento sistemtico das desigualdades entre grupos sociais no interior de um mesmo pas e entre
as populaes dos diversos pases, ou seja, o aumento macio da pobreza em sentido relativo, tende
no s a minar a coeso social e, por este caminho, pe em risco a democracia , mas tem
tambm um impacto negativo no plano econmico com a progressiva corroso do capital social ,
isto , daquele conjunto de relaes de confiana, de credibilidade, de respeito das regras,
indispensveis em qualquer convivncia civil.
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn75#_edn75http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn76#_edn76http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn77#_edn77http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn78#_edn78http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn79#_edn79http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn80#_edn80http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn81#_edn81http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn82#_edn82http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn83#_edn83
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E ainda a cincia econmica a dizer-nos que uma situao estrutural de insegurana gera
comportamentos antiprodutivos e de desperdcio de recursos humanos, j que o trabalhador tende a
adaptar-se passivamente aos mecanismos automticos, em vez de dar largas criatividade. Tambm
neste ponto se verifica uma convergncia entre cincia econmica e ponderao moral. Os custos
humanos so sempre tambm custos econmicos, e as disfunes econmicas acarretam sempre
tambm custos humanos.
H ainda que recordar que o nivelamento das culturas dimenso tecnolgica, se a curto prazo pode
favorecer a obteno de lucros, a longo prazo dificulta o enriquecimento recproco e as dinmicas
de cooperao. importante distinguir entre consideraes econmicas ou sociolgicas a curto
prazo e a longo prazo. A diminuio do nvel de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renncia
a mecanismos de redistribuio do rendimento, para fazer o pas ganhar maior competitividade
internacional, impede a afirmao de um desenvolvimento de longa durao. Por isso, h que
avaliar atentamente as consequncias que podem ter sobre as pessoas as tendncia actuais para uma
economia a curto seno mesmo curtssimo prazo. Isto requer uma nova e profunda reflexo sobre o
sentido da economia e dos seus fins[84], bem como uma reviso profunda e clarividente do modelo
de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunes e desvios. Na realidade, exige-o o estado
de sade ecolgica da terra; pede-o sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas
so evidentes por toda a parte.
33. Passados mais de quarenta anos da publicao da Populorum progressio, o seu tema de fundo
precisamente o progresso permanece ainda um problema em aberto, que se tornou mais
agudo e premente com a crise econmico-financeira em curso. Se algumas reas do globo, outrora
oprimidas pela pobreza, registaram mudanas notveis em termos de crescimento econmico e de
participao na produo mundial, h outras zonas que vivem ainda numa situao de misria
comparvel existente nos tempos de Paulo VI; antes, em qualquer caso pode-se mesmo falar de
agravamento. significativo que algumas causas desta situao tivessem sido j identificadas na
Populorum progressio, como, por exemplo, as altas tarifas aduaneiras impostas pelos pases
economicamente desenvolvidos que ainda impedem aos produtos originrios dos pases pobres de
chegar aos mercados dos pases ricos. Entretanto, outras causas que a encclica tinha apenas
pressentido, apareceram depois com maior evidncia; o caso da avaliao do processo de
descolonizao, ento em pleno curso. Paulo VI almejava um percurso de autonomia que havia de
realizar-se na liberdade e na paz; quarenta anos depois, temos de reconhecer como foi difcil tal
percurso, tanto por causa de novas formas de colonialismo e dependncia de antigos e novos pases
hegemnicos, como por graves irresponsabilidades internas aos prprios pases que se tornaram
independentes.
A novidade principal foi a exploso da interdependncia mundial, j conhecida comummente por
globalizao. Paulo VI tinha-a em parte previsto, mas os termos e a impetuosidade com que aquela
evoluiu so surpreendentes. Nascido no mbito dos pases economicamente desenvolvidos, este
processo por sua prpria natureza causou um envolvimento de todas as economias. Foi o motor
principal para a sada do subdesenvolvimento de regies inteiras e, por si mesmo, constitui uma
grande oportunidade. Contudo, sem a guia da caridade na verdade, este mpeto mundial pode
concorrer para criar riscos de danos at agora desconhecidos e de novas divises na famlia humana.
Por isso, a caridade e a verdade colocam diante de ns um compromisso indito e criativo, sem
dvida muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a razo e torn-la capaz de conhecer e orientar
estas novas e imponentes dinmicas, animando-as na perspectiva daquela civilizao do amor ,
cuja semente Deus colocou em todo o povo e cultura.
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn84#_edn84http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.html
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CAPTULO III
FRATERNIDADE,
DESENVOLVIMENTO ECONMICO
E SOCIEDADE CIVIL
34. A caridade na verdade coloca o homem perante a admirvel experincia do dom. A gratuidade
est presente na sua vida sob mltiplas formas, que frequentemente lhe passam despercebidas por
causa duma viso meramente produtiva e utilarista da existncia. O ser humano est feito para o
dom, que exprime e realiza a sua dimenso de transcendncia. Por vezes o homem moderno
convence-se, erroneamente, de que o nico autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade. Trata-
se de uma presuno, resultante do encerramento egosta em si mesmo, que provm se queremos
exprimi-lo em termos de f do pecado das origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre props que
se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretao dos fenmenos sociais e na
construo da sociedade. Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, d
lugar a graves erros no domnio da educao, da poltica, da aco social e dos costumes [85]. No
elenco dos campos onde se manifestam os efeitos perniciosos do pecado, h muito tempo que se
acrescentou tambm o da economia. Temos uma prova evidente disto mesmo nos dias que correm.
Primeiro, a convico de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal presente na histria
apenas com a prpria aco induziu o homem a identificar a felicidade e a salvao com formas
imanentes de bem-estar material e de aco social. Depois, a convico da exigncia de autonomia
para a economia, que no deve aceitar influncias de carcter moral, impeliu o homem a abusar
dos instrumentos econmicos at mesmo de forma destrutiva. Com o passar do tempo, estas
convices levaram a sistemas econmicos, sociais e polticos que espezinharam a liberdade da
pessoa e dos corpos sociais e, por isso mesmo, no foram capazes de assegurar a justia que
prometiam. Deste modo, como afirmei na encclica Spe salvi[86], elimina-se da histria a esperana
crist, a qual, ao invs, constitui um poderoso recurso social ao servio do desenvolvimento
humano integral, procurado na liberdade e na justia. A esperana encoraja a razo e d-lhe a fora
para orientar a vontade[87]. J est presente na f, pela qual alis suscitada. Dela se nutre a
caridade na verdade e, ao mesmo tempo, manifesta-a. Sendo dom de Deus absolutamente gratuito,
irrompe na nossa vida como algo no devido, que transcende qualquer norma de justia. Por sua
natureza, o dom ultrapassa o mrito; a sua regra a excedncia. Aquele precede-nos, na nossa
prpria alma, como sinal da presena de Deus em ns e das suas expectativas a nosso respeito. A
verdade, que dom tal como a caridade, maior do que ns, conforme ensina Santo Agostinho[88].
Tambm a verdade acerca de ns mesmos, da nossa conscincia pessoal -nos primariamente
dada ; com efeito, em qualquer processo cognoscitivo, a verdade no produzida por ns, mas
sempre encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela no nasce da inteligncia e da
vontade, mas de certa forma impe-se ao ser humano [89].
Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade uma fora que constitui a comunidade,
unifica os homens segundo modalidades que no conhecem barreiras nem confins. A comunidade
dos homens pode ser constituda por ns mesmos; mas, com as nossas simples foras, nunca poder
ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para alm de qualquer fronteira, ou seja, no
poder tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gnero humano, uma
comunho fraterna para alm de qualquer diviso, nasce da convocao da palavra de Deus-Amor.
Ao enfrentar esta questo decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lgica do dom no
exclui a justia nem se justape a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o
desenvolvimento econmico, social e poltico precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar
espao ao princpio da gratuidade como expresso de fraternidade.
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn85#_edn85http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn87#_edn87http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn88#_edn88http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn89#_edn89
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35. O mercado, se houver confiana recproca e generalizada, a instituio econmica que permite
o encontro entre as pessoas, na sua dimenso de operadores econmicos que usam o contrato como
regra das suas relaes e que trocam bens e servios entre si fungveis, para satisfazer as suas
carncias e desejos. O mercado est sujeito aos princpios da chamada justia comutativa, que
regula precisamente as relaes do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas a doutrina social nunca
deixou de pr em evidncia a importncia que tem