caritas in veritate

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CARTA ENCÍCLICA CARITAS IN VERITATE DO SUMO PONTÍFICE BENTO XVI AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS FIÉIS LEIGOS E A TODOS OS HOMENS DE BOA VONTADE SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO INTEGRAL NA CARIDADE E NA VERDADE INTRODUÇÃO 1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira. O amor « caritas » é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 22). Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila com a verdade » (1 Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6). 2. A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é como ensinou Jesus a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos. Para a Igreja instruída pelo Evangelho , a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança. Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correcta valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade, não só na direcção assinalada por S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas também na

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  • CARTA ENCCLICA

    CARITAS IN VERITATE DO SUMO PONTFICE

    BENTO XVI

    AOS BISPOS

    AOS PRESBTEROS E DICONOS

    S PESSOAS CONSAGRADAS

    AOS FIIS LEIGOS

    E A TODOS OS HOMENS

    DE BOA VONTADE

    SOBRE O DESENVOLVIMENTO

    HUMANO INTEGRAL

    NA CARIDADE E NA VERDADE

    INTRODUO

    1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a

    sua morte e ressurreio, a fora propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada

    pessoa e da humanidade inteira. O amor caritas uma fora extraordinria, que impele as

    pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justia e da paz. uma

    fora que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem

    prprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito,

    em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 22).

    Por isso, defender a verdade, prop-la com humildade e convico e testemunh-la na vida so

    formas exigentes e imprescindveis de caridade. Esta, de facto, rejubila com a verdade (1 Cor 13,

    6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autntica: amor e verdade

    nunca desaparecem de todo neles, porque so a vocao colocada por Deus no corao e na mente

    de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carncias humanas a busca do amor e da

    verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que

    Deus preparou para ns. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma

    vocao a ns dirigida para amarmos os nossos irmos na verdade do seu projecto. De facto, Ele

    mesmo a Verdade (cf. Jo 14, 6).

    2. A caridade a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e

    compromissos por ela delineados derivam da caridade, que como ensinou Jesus a sntese de

    toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade d verdadeira substncia relao pessoal com Deus e

    com o prximo; o princpio no s das micro-relaes estabelecidas entre amigos, na famlia, no

    pequeno grupo, mas tambm das macro-relaes como relacionamentos sociais, econmicos,

    polticos. Para a Igreja instruda pelo Evangelho , a caridade tudo porque, como ensina S.

    Joo (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encclica, Deus caridade (Deus

    caritas est): da caridade de Deus tudo provm, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A

    caridade o dom maior que Deus concedeu aos homens; sua promessa e nossa esperana.

    Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade no cessa de enfrentar com o

    risco, da resultante, de ser mal entendida, de exclu-la da vida tica e, em todo o caso, de impedir a

    sua correcta valorizao. Nos mbitos social, jurdico, cultural, poltico e econmico, ou seja, nos

    contextos mais expostos a tal perigo, no difcil ouvir declarar a sua irrelevncia para interpretar e

    orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade,

    no s na direco assinalada por S. Paulo da veritas in caritate (Ef 4, 15), mas tambm na

  • direco inversa e complementar da caritas in veritate . A verdade h-de ser procurada,

    encontrada e expressa na economia da caridade, mas esta por sua vez h-de ser compreendida,

    avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos no apenas prestado um servio

    caridade, iluminada pela verdade, mas tambm contribudo para acreditar a verdade, mostrando o

    seu poder de autenticao e persuaso na vida social concreta. Facto este que se deve ter bem em

    conta hoje, num contexto social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes

    negligente seno mesmo refractrio mesma.

    3. Pela sua estreita ligao com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como expresso

    autntica de humanidade e como elemento de importncia fundamental nas relaes humanas,

    nomeadamente de natureza pblica. S na verdade que a caridade refulge e pode ser

    autenticamente vivida. A verdade luz que d sentido e valor caridade. Esta luz

    simultaneamente a luz da razo e a da f, atravs das quais a inteligncia chega verdade natural e

    sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doao, acolhimento e comunho. Sem

    verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invlucro vazio, que se pode

    encher arbitrariamente. o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das

    emoes e opinies contingentes dos indivduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a

    significar o oposto do que realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do

    emotivismo, que a despoja de contedos relacionais e sociais, e do fidesmo, que a priva de

    amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte a dimenso simultaneamente pessoal

    e pblica da f no Deus bblico, que conjuntamente Agpe e Lgos : Caridade e Verdade,

    Amor e Palavra.

    4. Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo homem na sua riqueza de

    valores, partilhada e comunicada. Com efeito, a verdade lgos que cria di-logos e,

    consequentemente, comunicao e comunho. A verdade, fazendo sair os homens das opinies e

    sensaes subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinaes culturais e histricas para se

    encontrarem na avaliao do valor e substncia das coisas. A verdade abre e une as inteligncias no

    lgos do amor: tal o anncio e o testemunho cristo da caridade. No actual contexto social e

    cultural, em que aparece generalizada a tendncia de relativizar a verdade, viver a caridade na

    verdade leva a compreender que a adeso aos valores do cristianismo um elemento til e mesmo

    indispensvel para a construo duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano

    integral. Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma

    reserva de bons sentimentos, teis para a convivncia social mas marginais. Deste modo, deixaria

    de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba

    confinada num mbito restrito e carecido de relaes; fica excluda dos projectos e processos de

    construo dum desenvolvimento humano de alcance universal, no dilogo entre o saber e a

    realizao prtica.

    5. A caridade amor recebido e dado; graa (chris). A sua nascente o amor fontal do Pai

    pelo Filho no Esprito Santo. amor que, pelo Filho, desce sobre ns. amor criador, pelo qual

    existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo (cf. Jo 13,

    1), derramado em nossos coraes pelo Esprito Santo (Rm 5, 5). Destinatrios do amor de

    Deus, os homens so constitudos sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos

    instrumentos da graa, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade.

    A esta dinmica de caridade recebida e dada, prope-se dar resposta a doutrina social da Igreja. Tal

    doutrina caritas in veritate in re sociali , ou seja, proclamao da verdade do amor de Cristo

    na sociedade; servio da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a fora libertadora da

    caridade nas vicissitudes sempre novas da histria. ao mesmo tempo verdade da f e da razo, na

    distino e, conjuntamente, sinergia destes dois mbitos cognitivos. O desenvolvimento, o bem-

  • estar social, uma soluo adequada dos graves problemas scio-econmicos que afligem a

    humanidade precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e

    testemunhada. Sem verdade, sem confiana e amor pelo que verdadeiro, no h conscincia e

    responsabilidade social, e a actividade social acaba merc de interesses privados e lgicas de

    poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalizao

    que atravessa momentos difceis como os actuais.

    6. Caritas in veritate um princpio volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princpio

    que ganha forma operativa em critrios orientadores da aco moral. Destes, desejo lembrar dois em

    particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol do desenvolvimento numa

    sociedade em vias de globalizao: a justia e o bem comum.

    Em primeiro lugar, a justia. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um sistema prprio de

    justia. A caridade supera a justia, porque amar dar, oferecer ao outro do que meu ; mas

    nunca existe sem a justia, que induz a dar ao outro o que dele , o que lhe pertence em razo do

    seu ser e do seu agir. No posso dar ao outro do que meu, sem antes lhe ter dado aquilo que

    lhe compete por justia. Quem ama os outros com caridade , antes de mais nada, justo para com

    eles. A justia no s no alheia caridade, no s no um caminho alternativo ou paralelo

    caridade, mas inseparvel da caridade [1], -lhe intrnseca. A justia o primeiro caminho da

    caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, a medida mnima dela[2], parte integrante daquele

    amor por aces e em verdade (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o apstolo Joo. Por um lado, a

    caridade exige a justia: o reconhecimento e o respeito dos legtimos direitos dos indivduos e dos

    povos. Aquela empenha-se na construo da cidade do homem segundo o direito e a justia. Por

    outro, a caridade supera a justia e completa-a com a lgica do dom e do perdo[3]. A cidade do

    homem no se move apenas por relaes feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por

    relaes de gratuidade, misericrdia e comunho. A caridade manifesta sempre, mesmo nas

    relaes humanas, o amor de Deus; d valor teologal e salvfico a todo o empenho de justia no

    mundo.

    7. Depois, preciso ter em grande considerao o bem comum. Amar algum querer o seu bem e

    trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado vida social

    das pessoas: o bem comum. o bem daquele ns-todos , formado por indivduos, famlias e

    grupos intermdios que se unem em comunidade social[4]. No um bem procurado por si mesmo,

    mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, s nela, podem realmente e com

    maior eficcia obter o prprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele exigncia de justia e

    de caridade. Comprometer-se pelo bem comum , por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele

    conjunto de instituies que estruturam jurdica, civil, poltica e culturalmente a vida social, que

    deste modo toma a forma de plis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o prximo, quanto mais

    se trabalha em prol de um bem comum que d resposta tambm s suas necessidade reais. Todo o

    cristo chamado a esta caridade, conforme a sua vocao e segundo as possibilidades que tem de

    incidncia na plis. Este o caminho institucional podemos mesmo dizer poltico da caridade,

    no menos qualificado e incisivo do que o a caridade que vai directamente ao encontro do

    prximo, fora das mediaes institucionais da plis. Quando o empenho pelo bem comum

    animado pela caridade, tem uma valncia superior do empenho simplesmente secular e poltico.

    Aquele, como todo o empenho pela justia, inscreve-se no testemunho da caridade divina que,

    agindo no tempo, prepara o eterno. A aco do homem sobre a terra, quando inspirada e

    sustentada pela caridade, contribui para a edificao daquela cidade universal de Deus que a meta

    para onde caminha a histria da famlia humana. Numa sociedade em vias de globalizao, o bem

    comum e o empenho em seu favor no podem deixar de assumir as dimenses da famlia humana

    inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das naes[5], para dar forma de unidade e paz cidade

    do homem e torn-la em certa medida antecipao que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn1#_edn1http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn2#_edn2http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn3#_edn3http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn4#_edn4http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn5#_edn5

  • 8. Ao publicar a encclica Populorum progressio em 1967, o meu venerado predecessor Paulo VI

    iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz

    suave da caridade de Cristo. Afirmou que o anncio de Cristo o primeiro e principal factor de

    desenvolvimento [6] e deixou-nos a recomendao de caminhar pela estrada do desenvolvimento

    com todo o nosso corao e com toda a nossa inteligncia[7], ou seja, com o ardor da caridade e a

    sapincia da verdade. a verdade originria do amor de Deus graa a ns concedida que abre

    ao dom a nossa vida e torna possvel esperar num desenvolvimento do homem todo e de todos os

    homens [8], numa passagem de condies menos humanas a condies mais humanas [9], que

    se obtm vencendo as dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo do caminho.

    Passados mais de quarenta anos da publicao da referida encclica, pretendo prestar homenagem e

    honrar a memria do grande Pontfice Paulo VI, retomando os seus ensinamentos sobre o

    desenvolvimento humano integral e colocando-me na senda pelos mesmos traada para os actualizar

    nos dias que correm. Este processo de actualizao teve incio com a encclica Sollicitudo rei

    socialis do Servo de Deus Joo Paulo II, que desse modo quis comemorar a Populorum progressio

    no vigsimo aniversrio da sua publicao. At ento, semelhante comemorao tinha-se reservado

    apenas para a Rerum novarum. Passados outros vinte anos, exprimo a minha convico de que a

    Populorum progressio merece ser considerada como a Rerum novarum da poca contempornea ,

    que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificao.

    9. O amor na verdade caritas in veritate um grande desafio para a Igreja num mundo em

    crescente e incisiva globalizao. O risco do nosso tempo que, real interdependncia dos

    homens e dos povos, no corresponda a interaco tica das conscincias e das inteligncias, da

    qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano. S atravs da caridade,

    iluminada pela luz da razo e da f, possvel alcanar objectivos de desenvolvimento dotados de

    uma valncia mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o

    autntico desenvolvimento, no assegurada pelo simples progresso tcnico e por meras relaes

    de convenincia, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre

    reciprocidade das conscincias e das liberdades.

    A Igreja no tem solues tcnicas para oferecer [10] e no pretende de modo algum imiscuir-se

    na poltica dos Estados [11]; mas tem uma misso ao servio da verdade para cumprir, em todo o

    tempo e contingncia, a favor de uma sociedade medida do homem, da sua dignidade, da sua

    vocao. Sem verdade, cai-se numa viso empirista e cptica da vida, incapaz de se elevar acima da

    aco porque no est interessada em identificar os valores s vezes nem sequer os significados

    pelos quais julg-la e orient-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade verdade, a nica

    que garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral.

    por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a

    mesma se apresente. Para a Igreja, esta misso ao servio da verdade irrenuncivel. A sua doutrina

    social um momento singular deste anncio: servio verdade que liberta. Aberta verdade,

    qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compe numa

    unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na vida sempre

    nova da sociedade dos homens e dos povos[12].

    CAPTULO I

    A MENSAGEM

    DA POPULORUM PROGRESSIO

    http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn6#_edn6http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn7#_edn7http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn8#_edn8http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn9#_edn9http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn10#_edn10http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn11#_edn11http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn12#_edn12

  • 10. A releitura da Populorum progressio, mais de quarenta anos depois da sua publicao, incita a

    permanecer fiis sua mensagem de caridade e de verdade, considerando-a no mbito do

    magistrio especfico de Paulo VI e, mais em geral, dentro da tradio da doutrina social da Igreja.

    Depois h que avaliar os termos diferentes em que hoje, diversamente de ento, se coloca o

    problema do desenvolvimento. Por isso, o ponto de vista correcto o da Tradio da f

    apostlica[13], patrimnio antigo e novo, fora do qual a Populorum progressio seria um documento

    sem razes e as questes do desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados sociolgicos.

    11. A publicao da Populorum progressio deu-se imediatamente depois da concluso do Conclio

    Ecumnico Vaticano II. A prpria encclica sublinha, nos primeiros pargrafos, a sua relao ntima

    com o Conclio[14]. Vinte anos depois, era Joo Paulo II que destacava, na Sollicitudo rei socialis,

    a fecunda relao daquela encclica com o Conclio, particularmente com a constituio pastoral

    Gaudium et spes[15]. Desejo, tambm eu, lembrar aqui a importncia que o Conclio Vaticano II

    teve na encclica de Paulo VI e em todo o sucessivo magistrio social dos Sumos Pontfices. O

    Conclio aprofundou aquilo que desde sempre pertence verdade da f, ou seja, que a Igreja,

    estando ao servio de Deus, serve o mundo em termos de amor e verdade. Foi precisamente desta

    perspectiva que partiu Paulo VI para nos comunicar duas grandes verdades. A primeira que a

    Igreja inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a

    promover o desenvolvimento integral do homem. Ela tem um papel pblico que no se esgota nas

    suas actividades de assistncia ou de educao, mas revela todas as suas energias ao servio da

    promoo do homem e da fraternidade universal quando pode usufruir de um regime de liberdade.

    Em no poucos casos, tal liberdade v-se impedida por proibies e perseguies; ou ento

    limitada, quando a presena pblica da Igreja fica reduzida unicamente s suas actividades scio-

    caritativas. A segunda verdade que o autntico desenvolvimento do homem diz respeito

    unitariamente totalidade da pessoa em todas as suas dimenses[16]. Sem a perspectiva duma

    vida eterna, o progresso humano neste mundo fica privado de respiro. Fechado dentro da histria,

    est sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do ter; deste modo, a humanidade perde a

    coragem de permanecer disponvel para os bens mais altos, para as grandes e altrustas iniciativas

    solicitadas pela caridade universal. O homem no se desenvolve apenas com as suas prprias foras,

    nem o desenvolvimento algo que se lhe possa dar simplesmente de fora. Muitas vezes, ao longo

    da histria, pensou-se que era suficiente a criao de instituies para garantir humanidade a

    satisfao do direito ao desenvolvimento. Infelizmente foi depositada excessiva confiana em tais

    instituies, como se estas pudessem conseguir automaticamente o objectivo desejado. Na realidade,

    as instituies sozinhas no bastam, porque o desenvolvimento humano integral primariamente

    vocao e, por conseguinte, exige uma livre e solidria assuno de responsabilidade por parte de

    todos. Alm disso, tal desenvolvimento requer uma viso transcendente da pessoa, tem necessidade

    de Deus: sem Ele, o desenvolvimento ou negado ou acaba confiado unicamente s mos do

    homem, que cai na presuno da auto-salvao e acaba por fomentar um desenvolvimento

    desumanizado. Alis, s o encontro com Deus permite deixar de ver no outro sempre e apenas o

    outro [17], para reconhecer nele a imagem divina, chegando assim a descobrir verdadeiramente o

    outro e a maturar um amor que se torna cuidado do outro e pelo outro [18].

    12. A ligao entre a Populorum progressio e o Conclio Vaticano II no representa um corte entre

    o magistrio social de Paulo VI e o dos Pontfices seus predecessores, visto que o Conclio constitui

    um aprofundamento de tal magistrio na continuidade da vida da Igreja[19]. Neste sentido, no

    ajudam clareza certas subdivises abstractas da doutrina social da Igreja, que aplicam ao

    ensinamento social pontifcio categorias que lhe so alheias. No existem duas tipologias de

    doutrina social uma pr-conciliar e outra ps-conciliar , diversas entre si, mas um nico

    ensinamento, coerente e simultaneamente sempre novo[20]. justo evidenciar a peculiaridade de

    uma ou outra encclica, do ensinamento deste ou daquele Pontfice, mas sem jamais perder de vista

    a coerncia do corpus doutrinal inteiro[21]. Coerncia no significa recluso num sistema, mas

    http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn13#_edn13http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn14#_edn14http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.htmlhttp://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn16#_edn16http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn17#_edn17http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn18#_edn18http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn19#_edn19http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn20#_edn20http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn21#_edn21

  • sobretudo fidelidade dinmica a uma luz recebida. A doutrina social da Igreja ilumina, com uma luz

    imutvel, os problemas novos que vo aparecendo[22]. Isto salvaguarda o carcter quer permanente

    quer histrico deste patrimnio doutrinal[23], o qual, com as suas caractersticas especficas, faz

    parte da Tradio sempre viva da Igreja[24]. A doutrina social est construda sobre o fundamento

    que foi transmitido pelos Apstolos aos Padres da Igreja e, depois, acolhido e aprofundado pelos

    grandes Doutores cristos. Tal doutrina remonta, em ltima anlise, ao Homem novo, ao ltimo

    Ado que Se tornou esprito vivificante (1 Cor 15, 45) e princpio da caridade que nunca

    acabar (1 Cor 13, 8). testemunhada pelos Santos e por quantos deram a vida por Cristo

    Salvador no campo da justia e da paz. Nela se exprime a misso proftica que tm os Sumos

    Pontfices de guiar apostolicamente a Igreja de Cristo e discernir as novas exigncias da

    evangelizao. Por estas razes, a Populorum progressio, inserida na grande corrente da Tradio,

    capaz de nos falar ainda a ns hoje.

    13. Alm da sua importante ligao com toda a doutrina social da Igreja, a Populorum progressio

    est intimamente conexa com o magistrio global de Paulo VI e, de modo particular, com o seu

    magistrio social. De grande relevo foi, sem dvida, o seu ensinamento social: reafirmou a

    exigncia imprescindvel do Evangelho para a construo da sociedade segundo liberdade e justia,

    na perspectiva ideal e histrica de uma civilizao animada pelo amor. Paulo VI compreendeu

    claramente como se tinha tornado mundial a questo social[25] e viu a correlao entre o impulso

    unificao da humanidade e o ideal cristo de uma nica famlia dos povos, solidria na

    fraternidade comum. Indicou o desenvolvimento, humana e cristmente entendido, como o corao

    da mensagem social crist e props a caridade crist como principal fora ao servio do

    desenvolvimento. Movido pelo desejo de tornar o amor de Cristo plenamente visvel ao homem

    contemporneo, Paulo VI enfrentou com firmeza importantes questes ticas, sem ceder s

    debilidades culturais do seu tempo.

    14. Depois, com a carta apostlica Octogesima adveniens de 1971, Paulo VI tratou o tema do

    sentido da poltica e do perigo de vises utpicas e ideolgicas que prejudicavam a sua qualidade

    tica e humana. So argumentos estritamente relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as

    ideologias negativas florescem continuamente. Contra a ideologia tecnocrtica, hoje

    particularmente radicada, j Paulo VI tinha alertado[26], ciente do grande perigo que era confiar

    todo o processo do desenvolvimento unicamente tcnica, porque assim ficaria sem orientao. A

    tcnica, em si mesma, ambivalente. Se, por um lado, h hoje quem seja propenso a confiar-lhe

    inteiramente tal processo de desenvolvimento, por outro, assiste-se investida de ideologias que

    negam in toto a prpria utilidade do desenvolvimento, considerado radicalmente anti-humano e

    portador somente de degradao. Mas, deste modo, acaba-se por condenar no apenas a maneira

    errada e injusta como por vezes os homens orientam o progresso, mas tambm as descobertas

    cientficas que entretanto, se bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos.

    A ideia de um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiana no homem e em Deus. Por

    conseguinte, um grave erro desprezar as capacidades humanas de controlar os extravios do

    desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem est constitutivamente inclinado para ser mais

    . Absolutizar ideologicamente o progresso tcnico ou ento afagar a utopia duma humanidade

    reconduzida ao estado originrio da natureza so dois modos opostos de separar o progresso da sua

    apreciao moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.

    15. Outros dois documentos de Paulo VI, embora no estritamente ligados com a doutrina social

    a encclica Human vit, de 25 de Julho de 1968, e a exortao apostlica Evangelii nuntiandi, de

    8 de Dezembro de 1975 , so muito importantes para delinear o sentido plenamente humano do

    desenvolvimento proposto pela Igreja. Por isso oportuno ler tambm estes textos em relao com

    a Populorum progressio.

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn22#_edn22http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn23#_edn23http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn24#_edn24http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn25#_edn25http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn26#_edn26http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi_sp.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.html

  • A encclica Human vit sublinha o significado conjuntamente unitivo e procriativo da sexualidade,

    pondo assim como fundamento da sociedade o casal de esposos, homem e mulher, que se acolhem

    reciprocamente na distino e na complementaridade; um casal, portanto, aberto vida[27]. No se

    trata de uma moral meramente individual: a Human vit indica os fortes laos existentes entre

    tica da vida e tica social, inaugurando uma temtica do Magistrio que aos poucos foi tomando

    corpo em vrios documentos, sendo o mais recente a encclica Evangelium vit de Joo Paulo

    II[28]. A Igreja prope, com vigor, esta ligao entre tica da vida e tica social, ciente de que no

    pode ter slidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justia e a

    paz, mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e

    violao da vida humana, sobretudo se dbil e marginalizada [29].

    Por sua vez, a exortao apostlica Evangelii nuntiandi tem uma relao muito forte com o

    desenvolvimento, visto que a evangelizao escrevia Paulo VI no seria completa, se no

    tomasse em considerao a interpelao recproca que se fazem constantemente o Evangelho e a

    vida concreta, pessoal e social, do homem [30]. Entre evangelizao e promoo humana

    desenvolvimento, libertao existem de facto laos profundos [31]: partindo desta certeza,

    Paulo VI ilustrava claramente a relao entre o anncio de Cristo e a promoo da pessoa na

    sociedade. O testemunho da caridade de Cristo atravs de obras de justia, paz e desenvolvimento

    faz parte da evangelizao, pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes

    importantes ensinamentos, est fundado o aspecto missionrio [32] da doutrina social da Igreja

    como elemento essencial de evangelizao[33]. A doutrina social da Igreja anncio e testemunho

    de f; instrumento e lugar imprescindvel de educao para a mesma.

    16. Na Populorum progressio, Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais nada, que o progresso , na

    sua origem e na sua essncia, uma vocao: Nos desgnios de Deus, cada homem chamado a

    desenvolver-se, porque toda a vida vocao [34]. precisamente este facto que legitima a

    interveno da Igreja nas problemticas do desenvolvimento. Se este tocasse apenas aspectos

    tcnicos da vida do homem, e no o sentido do seu caminhar na histria juntamente com seus

    irmos, nem a individuao da meta de tal caminho, a Igreja no teria ttulo para falar. Mas Paulo

    VI, como antes dele Leo XIII na Rerum novarum[35], estava consciente de cumprir um dever

    prprio do seu servio quando iluminava com a luz do Evangelho as questes sociais do seu

    tempo[36].

    Dizer que o desenvolvimento vocao equivale a reconhecer, por um lado, que o mesmo nasce de

    um apelo transcendente e, por outro, que incapaz por si mesmo de atribuir-se o prprio significado

    ltimo. No sem motivo que a palavra vocao volta a aparecer noutra passagem da encclica,

    onde se afirma: No h, portanto, verdadeiro humanismo seno o aberto ao Absoluto,

    reconhecendo uma vocao que exprime a ideia exacta do que a vida humana [37]. Esta viso do

    desenvolvimento o corao da Populorum progressio e motiva todas as reflexes de Paulo VI

    sobre a liberdade, a verdade e a caridade no desenvolvimento. tambm a razo principal por que

    tal encclica ainda aparece actual nos nossos dias.

    17. A vocao um apelo que exige resposta livre e responsvel. O desenvolvimento humano

    integral supe a liberdade responsvel da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir tal

    desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se responsabilidade humana. Os messianismos

    fascinantes, mas construtores de iluses [38] fundam sempre as prprias propostas na negao da

    dimenso transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente sua disposio. Esta

    falsa segurana converte-se em fraqueza, porque implica a sujeio do homem, reduzido categoria

    de meio para o desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma vocao se transforma

    em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI no tem dvidas sobre a existncia

    de obstculos e condicionamentos que refreiam o desenvolvimento, mas est seguro tambm de que

    http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn27#_edn27http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae_po.htmlhttp://www.vatican.va/edocs/POR0062/_INDEX.HTMhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn28#_edn28http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn29#_edn29http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi_sp.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn30#_edn30http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn31#_edn31http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn32#_edn32http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn33#_edn33http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn34#_edn34http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn36#_edn36http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn37#_edn37http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn38#_edn38

  • cada um, sejam quais forem as influncias que sobre ele se exeram, permanece o artfice

    principal do seu xito ou do seu fracasso [39]. Esta liberdade diz respeito no s ao

    desenvolvimento que usufrumos, mas tambm s situaes de subdesenvolvimento, que no so

    fruto do acaso nem de uma necessidade histrica, mas dependem da responsabilidade humana.

    por isso que os povos da fome se dirigem hoje, de modo dramtico, aos povos da opulncia [40].

    Tambm isto vocao, um apelo que homens livres dirigem a homens livres em ordem a uma

    assuno comum de responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a percepo da importncia das

    estruturas econmicas e das instituies, mas era igualmente clara nele a noo da sua natureza de

    instrumentos da liberdade humana. Somente se for livre que o desenvolvimento pode ser

    integralmente humano; apenas num regime de liberdade responsvel, pode crescer de maneira

    adequada.

    18. Alm de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral enquanto vocao exige

    tambm que se respeite a sua verdade. A vocao ao progresso impele os homens a realizar,

    conhecer e possuir mais, para ser mais [41]. Mas aqui levanta-se o problema: que significa ser

    mais ? A tal pergunta responde Paulo VI indicando a caracterstica essencial do desenvolvimento

    autntico : este deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo [42].

    Na concorrncia entre as vrias concepes do homem, presentes na sociedade actual ainda mais

    intensamente do que na de Paulo VI, a viso crist tem a peculiaridade de afirmar e justificar o

    valor incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A vocao crist ao

    desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoo de todos os homens e do homem todo. Escrevia

    Paulo VI: O que conta para ns o homem, cada homem, cada grupo de homens, at se chegar

    humanidade inteira [43]. A f crist ocupa-se do desenvolvimento sem olhar a privilgios nem

    posies de poder nem mesmo aos mritos dos cristos que sem dvida existiram e existem, a

    par de naturais limitaes[44] , mas contando apenas com Cristo, a Quem h-de fazer referncia

    toda a autntica vocao ao desenvolvimento humano integral. O Evangelho elemento

    fundamental do desenvolvimento, porque l Cristo, com a prpria revelao do mistrio do Pai e

    do seu amor, revela o homem a si mesmo [45]. Instruda pelo seu Senhor, a Igreja perscruta os

    sinais dos tempos e interpreta-os, oferecendo ao mundo o que possui como prprio: uma viso

    global do homem e da humanidade [46]. Precisamente porque Deus pronuncia o maior sim ao

    homem[47], este no pode deixar de se abrir vocao divina para realizar o prprio

    desenvolvimento. A verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se no

    desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, no verdadeiro desenvolvimento. Esta a

    mensagem central da Populorum progressio, vlida hoje e sempre. O desenvolvimento humano

    integral no plano natural, enquanto resposta a uma vocao de Deus criador[48], procura a prpria

    autenticao num humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua maior plenitude:

    tal a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal [49]. Portanto, a vocao crist a tal

    desenvolvimento compreende tanto o plano natural como o plano sobrenatural, motivo por que,

    quando Deus fica eclipsado, comea a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural,

    o fim e o bem'' [50].

    19. Finalmente, a concepo do desenvolvimento como vocao inclui nele a centralidade da

    caridade. Paulo VI observava, na encclica Populorum progressio, que as causas do

    subdesenvolvimento no so primariamente de ordem material, convidando-nos a procur-las

    noutras dimenses do homem. Em primeiro lugar, na vontade, que muitas vezes descuida os

    deveres da solidariedade. Em segundo, no pensamento, que nem sempre sabe orientar

    convenientemente o querer; por isso, para a prossecuo do desenvolvimento, servem pensadores

    capazes de reflexo profunda, em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o

    encontro de si mesmo [51]. E no tudo; o subdesenvolvimento tem uma causa ainda mais

    importante do que a carncia de pensamento: a falta de fraternidade entre os homens e entre os

    povos [52]. Esta fraternidade poder um dia ser obtida pelos homens simplesmente com as suas

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn39#_edn39http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn40#_edn40http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn41#_edn41http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn42#_edn42http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn43#_edn43http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn44#_edn44http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn45#_edn45http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn46#_edn46http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn47#_edn47http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn48#_edn48http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn49#_edn49http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn50#_edn50http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn51#_edn51http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn52#_edn52

  • foras? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas no nos faz irmos. A razo,

    por si s, capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivncia cvica entre

    eles, mas no consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem numa vocao transcendente de

    Deus Pai, que nos amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que a caridade fraterna. Ao

    apresentar os vrios nveis do processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI colocava no

    vrtice, depois de ter mencionado a f, a unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos a

    participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens [53].

    20. Abertas pela Populorum progressio, estas perspectivas permanecem fundamentais para dar

    amplitude e orientao ao nosso compromisso a favor do desenvolvimento dos povos. E a

    Populorum progressio sublinha repetidamente a urgncia das reformas[54], pedindo para que,

    vista dos grandes problemas da injustia no desenvolvimento dos povos, se actue com coragem e

    sem demora. Esta urgncia ditada tambm pela caridade na verdade. a caridade de Cristo que

    nos impele: caritas Christi urget nos (2 Cor 5, 14). A urgncia no est inscrita s nas coisas,

    no deriva apenas do encalar dos acontecimentos e dos problemas, mas tambm do que est em

    jogo: a realizao de uma autntica fraternidade. A relevncia deste objectivo tal que exige a

    nossa disponibilidade para o compreendermos profundamente e mobilizarmo-nos concretamente,

    com o corao , a fim de fazer avanar os actuais processos econmicos e sociais para metas

    plenamente humanas.

    CAPTULO II

    O DESENVOLVIMENTO HUMANO

    NO NOSSO TEMPO

    21. Paulo VI tinha uma viso articulada do desenvolvimento. Com o termo desenvolvimento ,

    queria indicar, antes de mais nada, o objectivo de fazer sair os povos da fome, da misria, das

    doenas endmicas e do analfabetismo. Isto significava, do ponto de vista econmico, a sua

    participao activa e em condies de igualdade no processo econmico internacional; do ponto de

    vista social, a sua evoluo para sociedades instrudas e solidrias; do ponto de vista poltico, a

    consolidao de regimes democrticos capazes de assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos

    anos e enquanto contemplamos, preocupados, as evolues e as perspectivas das crises que foram

    sucedendo neste perodo, interrogamo-nos at que ponto as expectativas de Paulo VI tenham sido

    satisfeitas pelo modelo de desenvolvimento que foi adoptado nos ltimos decnios. E

    reconhecemos que eram fundadas as preocupaes da Igreja acerca das capacidades do homem

    meramente tecnolgico conseguir impor-se objectivos realistas e saber gerir, sempre

    adequadamente, os instrumentos sua disposio. O lucro til se, como meio, for orientado para

    um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de

    lucro, quando mal produzido e sem ter como fim ltimo o bem comum, arrisca-se a destruir riqueza

    e criar pobreza. O desenvolvimento econmico desejado por Paulo VI devia ser capaz de produzir

    um crescimento real, extensivo a todos e concretamente sustentvel. verdade que o

    desenvolvimento foi e continua a ser um factor positivo, que tirou da misria milhes de pessoas e,

    ultimamente, deu a muitos pases a possibilidade de se tornarem actores eficazes da poltica

    internacional. Todavia h que reconhecer que o prprio desenvolvimento econmico foi e continua

    a ser molestado por anomalias e problemas dramticos, evidenciados ainda mais pela actual

    situao de crise. Esta coloca-nos improrrogavelmente diante de opes que dizem respeito sempre

    mais ao prprio destino do homem, o qual alis no pode prescindir da sua natureza. As foras

    tcnicas em campo, as inter-relaes a nvel mundial, os efeitos deletrios sobre a economia real

    duma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn53#_edn53http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn54#_edn54

  • migratrios, com frequncia provocados e depois no geridos adequadamente, a explorao

    desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a reflectir sobre as medidas necessrias para dar

    soluo a problemas que so no apenas novos relativamente aos enfrentados pelo Papa Paulo VI,

    mas tambm e sobretudo com impacto decisivo no bem presente e futuro da humanidade. Os

    aspectos da crise e das suas solues bem como de um possvel novo desenvolvimento futuro esto

    cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforos de

    enquadramento global e uma nova sntese humanista. A complexidade e gravidade da situao

    econmica actual preocupa-nos, com toda a justia, mas devemos assumir com realismo, confiana

    e esperana as novas responsabilidades a que nos chama o cenrio de um mundo que tem

    necessidade duma renovao cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para

    construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o nosso caminho, a

    impor-nos regras novas e encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experincias

    positivas e rejeitar as negativas. Assim, a crise torna-se ocasio de discernimento e elaborao de

    nova planificao. Com esta chave, feita mais de confiana que resignao, convm enfrentar as

    dificuldades da hora actual.

    22. Actualmente o quadro do desenvolvimento policntrico. Os actores e as causas tanto do

    subdesenvolvimento como do desenvolvimento so mltiplas, as culpas e os mritos so

    diferenciados. Este dado deveria induzir a libertar-se das ideologias que simplificam, de forma

    frequentemente artificiosa, a realidade, e levar a examinar com objectividade a espessura humana

    dos problemas. Hoje a linha de demarcao entre pases ricos e pobres j no to ntida como nos

    tempos da Populorum progressio, como alis foi assinalado por Joo Paulo II[55]. Cresce a riqueza

    mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades. Nos pases ricos, novas categorias

    sociais empobrecem e nascem novas pobrezas. Em reas mais pobres, alguns grupos gozam duma

    espcie de superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta, de modo inadmissvel,

    com perdurveis situaes de misria desumanizadora. Continua o escndalo de despropores

    revoltantes [56]. Infelizmente a corrupo e a ilegalidade esto presentes tanto no comportamento

    de sujeitos econmicos e polticos dos pases ricos, antigos e novos, como nos prprios pases

    pobres. No nmero de quantos no respeitam os direitos humanos dos trabalhadores, contam-se s

    vezes grandes empresas transnacionais e tambm grupos de produo local. As ajudas

    internacionais foram muitas vezes desviadas das suas finalidades, por irresponsabilidades que se

    escondem tanto na cadeia dos sujeitos doadores como na dos beneficirios. Tambm no mbito das

    causas imateriais ou culturais do desenvolvimento e do subdesenvolvimento podemos encontrar a

    mesma articulao de responsabilidades: existem formas excessivas de proteco do conhecimento

    por parte dos pases ricos, atravs duma utilizao demasiado rgida do direito de propriedade

    intelectual, especialmente no campo sanitrio; ao mesmo tempo, em alguns pases pobres, persistem

    modelos culturais e normas sociais de comportamento que retardam o processo de desenvolvimento.

    23. Temos hoje muitas reas do globo que de forma por vezes problemtica e no homognea

    evoluram, entrando na categoria das grandes potncias destinadas a jogar um papel importante no

    futuro. Contudo h que sublinhar que no suficiente progredir do ponto de vista econmico e

    tecnolgico; preciso que o desenvolvimento seja, antes de mais nada, verdadeiro e integral. A

    sada do atraso econmico um dado em si mesmo positivo no resolve a complexa

    problemtica da promoo do homem nem nos pases protagonistas de tais avanos, nem nos pases

    economicamente j desenvolvidos, nem nos pases ainda pobres que, alm das antigas formas de

    explorao, podem vir a sofrer tambm as consequncias negativas derivadas de um crescimento

    marcado por desvios e desequilbrios.

    Depois da queda dos sistemas econmicos e polticos dos pases comunistas da Europa Oriental e

    do fim dos chamados blocos contrapostos , havia necessidade duma reviso global do

    desenvolvimento. Pedira-o Joo Paulo II, que em 1987 tinha indicado a existncia destes blocos

    http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn55#_edn55http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn56#_edn56

  • como uma das principais causas do subdesenvolvimento[57], enquanto a poltica subtraa recursos

    economia e cultura e a ideologia inibia a liberdade. Em 1991, na sequncia dos acontecimentos do

    ano 1989, o Pontfice pediu que o fim dos blocos fosse seguido por uma nova planificao

    global do desenvolvimento, no s em tais pases, mas tambm no Ocidente e nas regies do mundo

    que estavam a evoluir[58]. Isto, porm, realizou-se apenas parcialmente, continuando a ser uma

    obrigao real que precisa de ser satisfeita, talvez aproveitando-se precisamente das opes

    necessrias para superar os problemas econmicos actuais.

    24. O mundo, que Paulo VI tinha diante dos olhos, registava muito menor integrao do que hoje,

    embora o processo de sociabilizao se apresentasse j to adiantado que ele pde falar de uma

    questo social tornada mundial. Actividade econmica e funo poltica desenrolavam-se em

    grande parte dentro do mesmo mbito local e, por conseguinte, podiam inspirar recproca confiana.

    A actividade produtiva tinha lugar prevalentemente dentro das fronteiras nacionais e os

    investimentos financeiros tinham uma circulao bastante limitada para o estrangeiro, de tal modo

    que a poltica de muitos Estados podia ainda fixar as prioridades da economia e, de alguma maneira,

    governar o seu andamento com os instrumentos de que ainda dispunha. Por este motivo, a

    Populorum progressio atribua um papel central, embora no exclusivo, aos poderes pblicos

    [59].

    Actualmente, o Estado encontra-se na situao de ter de enfrentar as limitaes que lhe so

    impostas sua soberania pelo novo contexto econmico comercial e financeiro internacional,

    caracterizado nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de

    produo materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder poltico dos Estados.

    Hoje, aproveitando inclusivamente a lio resultante da crise econmica em curso que v os

    poderes pblicos do Estado directamente empenhados a corrigir erros e disfunes, parece mais

    realista uma renovada avaliao do seu papel e poder, que ho-de ser sapientemente reconsiderados

    e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo atravs de novas modalidades de exerccio, de fazer

    frente aos desafios do mundo actual. Com uma funo melhor calibrada dos poderes pblicos,

    previsvel que sejam reforadas as novas formas de participao na poltica nacional e internacional

    que se realizam atravs da aco das organizaes operantes na sociedade civil; nesta linha,

    desejvel que cresam uma ateno e uma participao mais sentidas na res publica por parte dos

    cidados.

    25. Do ponto de vista social, os sistemas de segurana e previdncia j presentes em muitos

    pases nos tempos de Paulo VI sentem dificuldade, e podero senti-la ainda mais no futuro, em

    alcanar os seus objectivos de verdadeira justia social dentro de um quadro de foras

    profundamente alterado. O mercado, medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais

    nada, por parte de pases ricos, a busca de reas para onde deslocar as actividades produtivas a

    baixo custo a fim de reduzir os preos de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo

    acelerar o ndice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo prprio mercado

    interno. Consequentemente, o mercado motivou novas formas de competio entre Estados

    procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras atravs de variados instrumentos tais

    como impostos favorveis e a desregulamentao do mundo do trabalho. Estes processos

    implicaram a reduo das redes de segurana social em troca de maiores vantagens competitivas

    no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos

    fundamentais do homem e a solidariedade actuada nas formas tradicionais do Estado social. Os

    sistemas de segurana social podem perder a capacidade de desempenhar a sua funo, quer nos

    pases emergentes, quer nos desenvolvidos h mais tempo, quer naturalmente nos pases pobres.

    Aqui, as polticas relativas ao oramento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes

    fomentados pelas prprias instituies financeiras internacionais, podem deixar os cidados

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn57#_edn57http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn58#_edn58http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn59#_edn59

  • impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotncia torna-se ainda maior devido falta de

    proteco eficaz por parte das associaes dos trabalhadores. O conjunto das mudanas sociais e

    econmicas faz com que as organizaes sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do

    seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo facto de os governos, por

    razes de utilidade econmica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade

    negociadora dos prprios sindicatos. Assim, as redes tradicionais de solidariedade encontram

    obstculos cada vez maiores a superar. Por isso, o convite feito pela doutrina social da Igreja, a

    comear da Rerum novarum[60], para se criarem associaes de trabalhadores em defesa dos seus

    direitos h-de ser honrado, hoje ainda mais do que ontem, dando antes de mais nada uma resposta

    pronta e clarividente urgncia de instaurar novas sinergias a nvel internacional, sem descurar o

    nvel local.

    A mobilidade laboral, associada generalizada desregulamentao, constituiu um fenmeno

    importante, no desprovido de aspectos positivos porque capaz de estimular a produo de nova

    riqueza e o intercmbio entre culturas diversas. Todavia, quando se torna endmica a incerteza

    sobre as condies de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentao,

    geram-se formas de instabilidade psicolgica, com dificuldade a construir percursos coerentes na

    prpria vida, incluindo o percurso rumo ao matrimnio. Consequncia disto o aparecimento de

    situaes de degradao humana, alm de desperdcio de fora social. Comparado com o que

    sucedia na sociedade industrial do passado, hoje o desemprego provoca aspectos novos de

    irrelevncia econmica do indivduo, e a crise actual pode apenas piorar tal situao. A excluso do

    trabalho por muito tempo ou ento uma prolongada dependncia da assistncia pblica ou privada

    corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e as suas relaes familiares e sociais, causando

    enormes sofrimentos a nvel psicolgico e espiritual. Queria recordar a todos, sobretudo aos

    governantes que esto empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas econmicos e sociais do

    mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar o homem, a pessoa, na sua integridade:

    com efeito, o homem o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econmico-social [61].

    26. No plano cultural, as diferenas, relativamente aos tempos de Paulo VI, so ainda mais

    acentuadas. Ento, as culturas apresentavam-se bastante bem definidas e tinham maiores

    possibilidades para se defender das tentativas de homogeneizao cultural. Hoje, cresceram

    notavelmente as possibilidades de interaco das culturas, dando espao a novas perspectivas de

    dilogo intercultural; um dilogo que, para ser eficaz, deve ter como ponto de partida uma profunda

    noo da especfica identidade dos vrios interlocutores. No entanto, no se deve descurar o facto

    de que esta aumentada transaco de intercmbios culturais traz consigo, actualmente, um duplo

    perigo. Em primeiro lugar, nota-se um ecletismo cultural assumido muitas vezes sem discernimento:

    as culturas so simplesmente postas lado a lado e vistas como substancialmente equivalentes e

    intercambiveis umas com as outras. Isto favorece a cedncia a um relativismo que no ajuda ao

    verdadeiro dilogo intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que os grupos

    culturais se juntem ou convivam, mas separados, sem autntico dilogo e, consequentemente, sem

    verdadeira integrao. Depois, temos o perigo oposto que constitudo pelo nivelamento cultural e

    a homogeneizao dos comportamentos e estilos de vida. Assim perde-se o significado profundo da

    cultura das diversas naes, das tradies dos vrios povos, no mbito das quais a pessoa se

    confronta com as questes fundamentais da existncia[62]. Ecletismo e nivelamento cultural

    convergem no facto de separar a cultura da natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber

    encontrar a sua medida numa natureza que as transcende[63], acabando por reduzir o homem a

    simples dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos de servido e

    manipulao.

    27. Em muitos pases pobres, continua com risco de aumentar uma insegurana extrema de

    vida, que deriva da carncia de alimentao: a fome ceifa ainda inmeras vtimas entre os muitos

    http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn61#_edn61http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn62#_edn62http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn63#_edn63

  • Lzaros, a quem no permitido como esperara Paulo VI sentar-se mesa do rico

    avarento[64]. Dar de comer aos famintos (cf. Mt 25, 35.37.42) um imperativo tico para toda a

    Igreja, que resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus.

    Alm disso, eliminar a fome no mundo tornou-se, na era da globalizao, tambm um objectivo a

    alcanar para preservar a paz e a subsistncia da terra. A fome no depende tanto de uma escassez

    material, como sobretudo da escassez de recursos sociais, o mais importante dos quais de natureza

    institucional; isto , falta um sistema de instituies econmicas que seja capaz de garantir um

    acesso regular e adequado, do ponto de vista nutricional, alimentao e gua e tambm de

    enfrentar as carncias relacionadas com as necessidades primrias e com a emergncia de reais e

    verdadeiras crises alimentares provocadas por causas naturais ou pela irresponsabilidade poltica

    nacional e internacional. O problema da insegurana alimentar h-de ser enfrentado numa

    perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o

    desenvolvimento agrcola dos pases mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas

    rurais, sistemas de irrigao, transportes, organizao dos mercados, formao e difuso de tcnicas

    agrcolas apropriadas, isto , capazes de utilizar o melhor possvel os recursos humanos, naturais e

    scio-econmicos mais acessveis a nvel local, para garantir a sua manuteno a longo prazo. Tudo

    isto h-de ser realizado, envolvendo as comunidades locais nas opes e nas decises relativas ao

    uso da terra cultivvel. Nesta perspectiva, poderia revelar-se til considerar as novas fronteiras

    abertas por um correcto emprego das tcnicas de produo agrcola, tanto as tradicionais como as

    inovadoras, desde que as mesmas tenham sido, depois de adequada verificao, reconhecidas

    oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta as populaes mais desfavorecidas. Ao

    mesmo tempo no deveria ser transcurada a questo de uma equitativa reforma agrria nos pases

    em vias de desenvolvimento. Os direitos alimentao e gua revestem um papel importante para

    a consecuo de outros direitos, a comear pelo direito primrio vida. Por isso, necessrio a

    maturao duma conscincia solidria que considere a alimentao e o acesso gua como direitos

    universais de todos os seres humanos, sem distines nem discriminaes[65]. Alm disso,

    importante pr em evidncia que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos pases

    pobres pode constituir um projecto de soluo para a presente crise global, como homens polticos e

    responsveis de instituies internacionais tm intudo nos ltimos tempos. Sustentando, atravs de

    planos de financiamento inspirados pela solidariedade, os pases economicamente pobres, para que

    provejam eles mesmos satisfao das solicitaes de bens de consumo e de desenvolvimento dos

    prprios cidados, possvel no apenas gerar verdadeiro crescimento econmico mas tambm

    concorrer para sustentar as capacidades produtivas dos pases ricos que correm o risco de ficar

    comprometidas pela crise.

    28. Um dos aspectos mais evidentes do desenvolvimento actual a importncia do tema do respeito

    pela vida, que no pode ser de modo algum separado das questes relativas ao desenvolvimento dos

    povos. Trata-se de um aspecto que, nos ltimos tempos, est a assumir uma relevncia sempre

    maior, obrigando-nos a alargar os conceitos de pobreza [66] e subdesenvolvimento s questes

    relacionadas com o acolhimento da vida, sobretudo onde o mesmo de vrias maneiras impedido.

    No s a situao de pobreza provoca ainda altas taxas de mortalidade infantil em muitas regies,

    mas perduram tambm, em vrias partes do mundo, prticas de controle demogrfico por parte dos

    governos, que muitas vezes difundem a contracepo e chegam mesmo a impor o aborto. Nos

    pases economicamente mais desenvolvidos, so muito difusas as legislaes contrrias vida,

    condicionando j o costume e a prxis e contribuindo para divulgar uma mentalidade antinatalista

    que muitas vezes se procura transmitir a outros Estados como se fosse um progresso cultural.

    Tambm algumas organizaes no governamentais trabalham activamente pela difuso do aborto,

    promovendo nos pases pobres a adopo da prtica da esterilizao, mesmo sem as mulheres o

    saberem. Alm disso, h a fundada suspeita de que s vezes as prprias ajudas ao desenvolvimento

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn64#_edn64http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn65#_edn65http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn66#_edn66

  • sejam associadas com determinadas polticas sanitrias que realmente implicam a imposio de um

    forte controle dos nascimentos. Igualmente preocupantes so as legislaes que prevem a eutansia

    e as presses de grupos nacionais e internacionais que reivindicam o seu reconhecimento jurdico.

    A abertura vida est no centro do verdadeiro desenvolvimento. Quando uma sociedade comea a

    negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar as motivaes e energias necessrias para

    trabalhar ao servio do verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao

    acolhimento duma nova vida, definham tambm outras formas de acolhimento teis vida

    social[67]. O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos capazes de ajuda

    recproca. Os povos ricos, cultivando a abertura vida, podem compreender melhor as necessidades

    dos pases pobres, evitar o emprego de enormes recursos econmicos e intelectuais para satisfazer

    desejos egostas dos prprios cidados e promover, ao invs, aces virtuosas na perspectiva duma

    produo moralmente sadia e solidria, no respeito do direito fundamental de cada povo e de cada

    pessoa vida.

    29. Outro aspecto da vida actual, intimamente relacionado com o desenvolvimento, a negao do

    direito liberdade religiosa. No me refiro s s lutas e conflitos que ainda se disputam no mundo

    por motivaes religiosas, embora estas s vezes sejam apenas a cobertura para razes de outro

    gnero, tais como a sede de domnio e de riqueza. Na realidade, com frequncia hoje se faz apelo ao

    santo nome de Deus para matar, como diversas vezes foi sublinhado e deplorado publicamente pelo

    meu predecessor Joo Paulo II e por mim prprio[68]. As violncias refreiam o desenvolvimento

    autntico e impedem a evoluo dos povos para um bem-estar scio-econmico e espiritual maior.

    Isto aplica-se de modo especial ao terrorismo de ndole fundamentalista[69], que gera sofrimento,

    devastao e morte, bloqueia o dilogo entre as naes e desvia grandes recursos do seu uso

    pacfico e civil. Mas h que acrescentar que, se o fanatismo religioso impede em alguns contextos o

    exerccio do direito de liberdade de religio, tambm a promoo programada da indiferena

    religiosa ou do atesmo prtico por parte de muitos pases contrasta com as necessidades do

    desenvolvimento dos povos, subtraindo-lhes recursos espirituais e humanos. Deus o garante do

    verdadeiro desenvolvimento do homem, j que, tendo-o criado sua imagem, fundamenta de igual

    forma a sua dignidade transcendente e alimenta o seu anseio constitutivo de ser mais . O homem

    no um tomo perdido num universo casual[70], mas uma criatura de Deus, qual quis dar uma

    alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas do acaso ou da necessidade,

    se as suas aspiraes tivessem de reduzir-se ao horizonte restrito das situaes em que vive, se tudo

    fosse somente histria e cultura e o homem no tivesse uma natureza destinada a transcender-se

    numa vida sobrenatural, ento poder-se-ia falar de incremento ou de evoluo, mas no de

    desenvolvimento. Quando o Estado promove, ensina ou at impe formas de atesmo prtico, tira

    aos seus cidados a fora moral e espiritual indispensvel para se empenhar no desenvolvimento

    humano integral e impede-os de avanarem com renovado dinamismo no prprio compromisso de

    uma resposta humana mais generosa ao amor divino[71]. Sucede tambm que os pases

    economicamente desenvolvidos ou os emergentes exportem para os pases pobres, no mbito das

    suas relaes culturais, comerciais e polticas, esta viso redutiva da pessoa e do seu destino. o

    dano que o superdesenvolvimento [72] acarreta ao desenvolvimento autntico, quando

    acompanhado pelo subdesenvolvimento moral [73].

    30. Nesta linha, o tema do desenvolvimento humano integral atinge um ponto ainda mais complexo:

    a correlao entre os seus vrios elementos requer que nos empenhemos por fazer interagir os

    diversos nveis do saber humano tendo em vista a promoo de um verdadeiro desenvolvimento dos

    povos. Muitas vezes pensa-se que o desenvolvimento ou as relativas medidas scio-econmicas

    necessitam apenas de ser postos em prtica como fruto de um agir comum, ignorando que este agir

    comum precisa de ser orientado, porque toda a aco social implica uma doutrina [74]. Vista a

    complexidade dos problemas, bvio que as vrias disciplinas devem colaborar atravs de uma

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn67#_edn67http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn68#_edn68http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn69#_edn69http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn70#_edn70http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn71#_edn71http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn72#_edn72http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn73#_edn73http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn74#_edn74

  • ordenada interdisciplinaridade. A caridade no exclui o saber, antes reclama-o, promove-o e anima-

    o a partir de dentro. O saber nunca obra apenas da inteligncia; pode, sem dvida, ser reduzido a

    clculo e a experincia, mas se quer ser sapincia capaz de orientar o homem luz dos princpios

    primeiros e dos seus fins ltimos, deve ser temperado com o sal da caridade. A aco cega

    sem o saber, e este estril sem o amor. De facto, aquele que est animado de verdadeira caridade

    engenhoso em descobrir as causas da misria, encontrar os meios de a combater e venc-la

    resolutamente [75]. Relativamente aos fenmenos que analisamos, a caridade na verdade requer,

    antes de mais nada, conhecer e compreender no respeito consciencioso da competncia especfica

    de cada nvel do saber. A caridade no uma juno posterior, como se fosse um apndice ao

    trabalho j concludo das vrias disciplinas, mas dialoga com elas desde o incio. As exigncias do

    amor no contradizem as da razo. O saber humano insuficiente e as concluses das cincias no

    podero sozinhas indicar o caminho para o desenvolvimento integral do homem. Sempre preciso

    lanar-se mais alm: exige-o a caridade na verdade[76]. Todavia ir mais alm nunca significa

    prescindir das concluses da razo, nem contradizer os seus resultados. No aparece a inteligncia e

    depois o amor: h o amor rico de inteligncia e a inteligncia cheia de amor.

    31. Isto significa que as ponderaes morais e a pesquisa cientfica devem crescer juntas e que a

    caridade as deve animar num todo interdisciplinar harmnico, feito de unidade e distino. A

    doutrina social da Igreja, que tem uma importante dimenso interdisciplinar [77], pode

    desempenhar, nesta perspectiva, uma funo de extraordinria eficcia. Ela permite f, teologia,

    metafsica e s cincias encontrarem o prprio lugar no mbito de uma colaborao ao servio do

    homem; sobretudo aqui que a doutrina social da Igreja actua a sua dimenso sapiencial. Paulo VI

    tinha visto claramente que, entre as causas do subdesenvolvimento, conta-se uma carncia de

    sabedoria, de reflexo, de pensamento capaz de realizar uma sntese orientadora[78], que requer

    uma viso clara de todos os aspectos econmicos, sociais, culturais e espirituais [79]. A excessiva

    fragmentao do saber[80], o isolamento das cincias humanas relativamente metafsica[81], as

    dificuldades no dilogo entre as cincias e a teologia danificam no s o avano do saber mas

    tambm o desenvolvimento dos povos, porque, quando isso se verifica, fica obstaculizada a viso

    do bem completo do homem nas vrias dimenses que o caracterizam. indispensvel o

    alargamento do nosso conceito de razo e do uso da mesma [82] para se conseguir sopesar

    adequadamente todos os termos da questo do desenvolvimento e da soluo dos problemas scio-

    econmicos.

    32. As grandes novidades, que o quadro actual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem

    em muitos casos novas solues. Estas ho-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis

    prprias de cada realidade e luz duma viso integral do homem, que espelhe os vrios aspectos da

    pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela caridade. Descobrir-se-o ento

    singulares convergncias e concretas possibilidades de soluo, sem renunciar a qualquer

    componente fundamental da vida humana.

    A dignidade da pessoa e as exigncias da justia requerem, sobretudo hoje, que as opes

    econmicas no faam aumentar, de forma excessiva e moralmente inaceitvel, as diferenas de

    riqueza [83] e que se continue a perseguir como prioritrio o objectivo do acesso ao trabalho para

    todos, ou da sua manuteno. Bem vistas as coisas, isto exigido tambm pela razo econmica .

    O aumento sistemtico das desigualdades entre grupos sociais no interior de um mesmo pas e entre

    as populaes dos diversos pases, ou seja, o aumento macio da pobreza em sentido relativo, tende

    no s a minar a coeso social e, por este caminho, pe em risco a democracia , mas tem

    tambm um impacto negativo no plano econmico com a progressiva corroso do capital social ,

    isto , daquele conjunto de relaes de confiana, de credibilidade, de respeito das regras,

    indispensveis em qualquer convivncia civil.

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn75#_edn75http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn76#_edn76http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn77#_edn77http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn78#_edn78http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn79#_edn79http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn80#_edn80http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn81#_edn81http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn82#_edn82http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn83#_edn83

  • E ainda a cincia econmica a dizer-nos que uma situao estrutural de insegurana gera

    comportamentos antiprodutivos e de desperdcio de recursos humanos, j que o trabalhador tende a

    adaptar-se passivamente aos mecanismos automticos, em vez de dar largas criatividade. Tambm

    neste ponto se verifica uma convergncia entre cincia econmica e ponderao moral. Os custos

    humanos so sempre tambm custos econmicos, e as disfunes econmicas acarretam sempre

    tambm custos humanos.

    H ainda que recordar que o nivelamento das culturas dimenso tecnolgica, se a curto prazo pode

    favorecer a obteno de lucros, a longo prazo dificulta o enriquecimento recproco e as dinmicas

    de cooperao. importante distinguir entre consideraes econmicas ou sociolgicas a curto

    prazo e a longo prazo. A diminuio do nvel de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renncia

    a mecanismos de redistribuio do rendimento, para fazer o pas ganhar maior competitividade

    internacional, impede a afirmao de um desenvolvimento de longa durao. Por isso, h que

    avaliar atentamente as consequncias que podem ter sobre as pessoas as tendncia actuais para uma

    economia a curto seno mesmo curtssimo prazo. Isto requer uma nova e profunda reflexo sobre o

    sentido da economia e dos seus fins[84], bem como uma reviso profunda e clarividente do modelo

    de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunes e desvios. Na realidade, exige-o o estado

    de sade ecolgica da terra; pede-o sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas

    so evidentes por toda a parte.

    33. Passados mais de quarenta anos da publicao da Populorum progressio, o seu tema de fundo

    precisamente o progresso permanece ainda um problema em aberto, que se tornou mais

    agudo e premente com a crise econmico-financeira em curso. Se algumas reas do globo, outrora

    oprimidas pela pobreza, registaram mudanas notveis em termos de crescimento econmico e de

    participao na produo mundial, h outras zonas que vivem ainda numa situao de misria

    comparvel existente nos tempos de Paulo VI; antes, em qualquer caso pode-se mesmo falar de

    agravamento. significativo que algumas causas desta situao tivessem sido j identificadas na

    Populorum progressio, como, por exemplo, as altas tarifas aduaneiras impostas pelos pases

    economicamente desenvolvidos que ainda impedem aos produtos originrios dos pases pobres de

    chegar aos mercados dos pases ricos. Entretanto, outras causas que a encclica tinha apenas

    pressentido, apareceram depois com maior evidncia; o caso da avaliao do processo de

    descolonizao, ento em pleno curso. Paulo VI almejava um percurso de autonomia que havia de

    realizar-se na liberdade e na paz; quarenta anos depois, temos de reconhecer como foi difcil tal

    percurso, tanto por causa de novas formas de colonialismo e dependncia de antigos e novos pases

    hegemnicos, como por graves irresponsabilidades internas aos prprios pases que se tornaram

    independentes.

    A novidade principal foi a exploso da interdependncia mundial, j conhecida comummente por

    globalizao. Paulo VI tinha-a em parte previsto, mas os termos e a impetuosidade com que aquela

    evoluiu so surpreendentes. Nascido no mbito dos pases economicamente desenvolvidos, este

    processo por sua prpria natureza causou um envolvimento de todas as economias. Foi o motor

    principal para a sada do subdesenvolvimento de regies inteiras e, por si mesmo, constitui uma

    grande oportunidade. Contudo, sem a guia da caridade na verdade, este mpeto mundial pode

    concorrer para criar riscos de danos at agora desconhecidos e de novas divises na famlia humana.

    Por isso, a caridade e a verdade colocam diante de ns um compromisso indito e criativo, sem

    dvida muito vasto e complexo. Trata-se de dilatar a razo e torn-la capaz de conhecer e orientar

    estas novas e imponentes dinmicas, animando-as na perspectiva daquela civilizao do amor ,

    cuja semente Deus colocou em todo o povo e cultura.

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn84#_edn84http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.html

  • CAPTULO III

    FRATERNIDADE,

    DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    E SOCIEDADE CIVIL

    34. A caridade na verdade coloca o homem perante a admirvel experincia do dom. A gratuidade

    est presente na sua vida sob mltiplas formas, que frequentemente lhe passam despercebidas por

    causa duma viso meramente produtiva e utilarista da existncia. O ser humano est feito para o

    dom, que exprime e realiza a sua dimenso de transcendncia. Por vezes o homem moderno

    convence-se, erroneamente, de que o nico autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade. Trata-

    se de uma presuno, resultante do encerramento egosta em si mesmo, que provm se queremos

    exprimi-lo em termos de f do pecado das origens. Na sua sabedoria, a Igreja sempre props que

    se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretao dos fenmenos sociais e na

    construo da sociedade. Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, d

    lugar a graves erros no domnio da educao, da poltica, da aco social e dos costumes [85]. No

    elenco dos campos onde se manifestam os efeitos perniciosos do pecado, h muito tempo que se

    acrescentou tambm o da economia. Temos uma prova evidente disto mesmo nos dias que correm.

    Primeiro, a convico de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal presente na histria

    apenas com a prpria aco induziu o homem a identificar a felicidade e a salvao com formas

    imanentes de bem-estar material e de aco social. Depois, a convico da exigncia de autonomia

    para a economia, que no deve aceitar influncias de carcter moral, impeliu o homem a abusar

    dos instrumentos econmicos at mesmo de forma destrutiva. Com o passar do tempo, estas

    convices levaram a sistemas econmicos, sociais e polticos que espezinharam a liberdade da

    pessoa e dos corpos sociais e, por isso mesmo, no foram capazes de assegurar a justia que

    prometiam. Deste modo, como afirmei na encclica Spe salvi[86], elimina-se da histria a esperana

    crist, a qual, ao invs, constitui um poderoso recurso social ao servio do desenvolvimento

    humano integral, procurado na liberdade e na justia. A esperana encoraja a razo e d-lhe a fora

    para orientar a vontade[87]. J est presente na f, pela qual alis suscitada. Dela se nutre a

    caridade na verdade e, ao mesmo tempo, manifesta-a. Sendo dom de Deus absolutamente gratuito,

    irrompe na nossa vida como algo no devido, que transcende qualquer norma de justia. Por sua

    natureza, o dom ultrapassa o mrito; a sua regra a excedncia. Aquele precede-nos, na nossa

    prpria alma, como sinal da presena de Deus em ns e das suas expectativas a nosso respeito. A

    verdade, que dom tal como a caridade, maior do que ns, conforme ensina Santo Agostinho[88].

    Tambm a verdade acerca de ns mesmos, da nossa conscincia pessoal -nos primariamente

    dada ; com efeito, em qualquer processo cognoscitivo, a verdade no produzida por ns, mas

    sempre encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela no nasce da inteligncia e da

    vontade, mas de certa forma impe-se ao ser humano [89].

    Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade uma fora que constitui a comunidade,

    unifica os homens segundo modalidades que no conhecem barreiras nem confins. A comunidade

    dos homens pode ser constituda por ns mesmos; mas, com as nossas simples foras, nunca poder

    ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para alm de qualquer fronteira, ou seja, no

    poder tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gnero humano, uma

    comunho fraterna para alm de qualquer diviso, nasce da convocao da palavra de Deus-Amor.

    Ao enfrentar esta questo decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lgica do dom no

    exclui a justia nem se justape a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o

    desenvolvimento econmico, social e poltico precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar

    espao ao princpio da gratuidade como expresso de fraternidade.

    http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn85#_edn85http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn87#_edn87http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn88#_edn88http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html#_edn89#_edn89

  • 35. O mercado, se houver confiana recproca e generalizada, a instituio econmica que permite

    o encontro entre as pessoas, na sua dimenso de operadores econmicos que usam o contrato como

    regra das suas relaes e que trocam bens e servios entre si fungveis, para satisfazer as suas

    carncias e desejos. O mercado est sujeito aos princpios da chamada justia comutativa, que

    regula precisamente as relaes do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas a doutrina social nunca

    deixou de pr em evidncia a importncia que tem