cardiopatias congênitas acianogênicas

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ASPECTOS CLÍNICO-CIRÚRGICOS DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS. Paulo Roberto B. Evora / Paulo José F. Ribeiro / Walter Vilella de A. Vicente / Antonio Carlos Menardi CECORP - Centro Especializado do Coração e Pulmão Hospital do Coração de Ribeirão Preto Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - U.S.P. Endereço Para Correspondência. Paulo R.B. Evora Rua Quintino Bocaiúva, 171, Ribeirão Preto, SP. - 1995 - Esta revisão tem por finalidade apresentar os principais aspectos clínico- cirúrgicos das cardiopatias congênitas acianóticas. O seu objetivo é tornar o leitor apto a: 1 - Saber quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com "shunt" esquerdo-direito. 2 - Quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com obstrução de saída da via de saída do ventrículo esquerdo. 3 - Quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com obstrução da via de saída do ventrículo direito. 4 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Persistência do Canal Arterial. 5 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Interatrial . 5 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Persistência do Canal átrio-Ventricular. 6 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Interventricular. 7 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Átrio Esquerdo - Ventrículo Direito. 8 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Estenose Aórtica Congênita. 9 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Coartação da Aorta. 10- Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Estenose Pulmonar. I. CARDIOPATIAS ACIANÓTICAS COM CIRCUITO DA ESQUERDA PARA A DIREITA. 1. Persistência do canal arterial (PCA). a. Considerações hemodinâmicas gerais. O não fechamento do ducto anterioso acarreta un shunt bidirecional entre o tronco da artéria pulmonar (TP) e a aorta descendente, enquanto a resistência vascular periférica (RVP) é alta. Quando a RVP diminui, este shunt passa a ser predominantemente E- D. O hiperfluxo pulmonar resulta em hipertensão pulmonar, aumento da água pulmonar e elevado trabalho respiratório. b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Representa 12% das cardiopatias congênitas, e é mais comum no sexo feminino. É a sequela mais frequente da rubéola durante a gravidez materna. A evolução de um paciente com PCA está ligada a dois fatores: tamanho do canal e mudanças que ocorrem na circulação pulmonar após o nascimento. Se não ocorrer o fechamento espontâneo nas duas primeiras semanas de vida, este fato torna-se mais difícel. Já em prematuros o fechamento espontâneo ocorre, praticamente, em todos os casos. As complicações que ocorrem durante a vida são: endocardite bacteriana (2%), IC, hipertensão pulmonar e formação de aneurismas. A maioria das crianças são assintomáticas podendo observar-se: infecções respiratórias frequentes, diminuição de resistência física aos esforços e insuficiência cardíaca (IC). A ausculta típica é a de um SS contínuo ("sopro em maquinária"). O RX mostra hiperfluxo pulmonar,

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ASPECTOS CLÍNICO-CIRÚRGICOS DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS.

  Paulo Roberto B. Evora / Paulo José F. Ribeiro / Walter Vilella de A. Vicente / Antonio Carlos Menardi CECORP - Centro Especializado do Coração e PulmãoHospital do Coração de Ribeirão PretoDepartamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto - U.S.P. Endereço Para Correspondência.Paulo R.B. EvoraRua Quintino Bocaiúva, 171, Ribeirão Preto, SP. - 1995 - 

Esta revisão tem por finalidade apresentar os principais aspectos clínico- cirúrgicos das cardiopatias congênitas acianóticas. O seu objetivo é tornar o leitor apto a:

1 - Saber quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com "shunt" esquerdo-direito.

2 - Quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com obstrução de saída da via de saída do ventrículo esquerdo.

3 - Quais são as cardiopatias congênitas acianóticas com obstrução da via de saída do ventrículo direito.

4 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Persistência do Canal Arterial.

5 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Interatrial .

5 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Persistência do Canal átrio-Ventricular.

6 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Interventricular.

7 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Comunicação Átrio Esquerdo - Ventrículo Direito.

8 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Estenose Aórtica Congênita.

9 - Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Coartação da Aorta.

10- Conhecer os dados hemodinâmicos, incidência, história natural, quadro clínico, diagnóstico e possibilidades cirúrgicas da Estenose Pulmonar.

 

I. CARDIOPATIAS ACIANÓTICAS COM CIRCUITO DA ESQUERDA PARA A DIREITA.

1. Persistência do canal arterial (PCA).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. O não fechamento do ducto anterioso acarreta un shunt bidirecional entre o tronco da artéria pulmonar (TP) e a aorta descendente, enquanto a resistência vascular periférica (RVP) é alta. Quando a RVP diminui, este shunt passa a ser predominantemente E-D. O hiperfluxo pulmonar resulta em hipertensão pulmonar, aumento da água pulmonar e elevado trabalho respiratório.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Representa 12% das cardiopatias congênitas, e é mais comum no sexo feminino. É a sequela mais frequente da rubéola durante a gravidez materna.

A evolução de um paciente com PCA está ligada a dois fatores: tamanho do canal e mudanças que ocorrem na circulação pulmonar após o nascimento. Se não ocorrer o fechamento espontâneo nas duas primeiras semanas de vida, este fato torna-se mais difícel. Já em prematuros o fechamento espontâneo ocorre, praticamente, em todos os casos.

As complicações que ocorrem durante a vida são: endocardite bacteriana (2%), IC, hipertensão pulmonar e formação de aneurismas.

A maioria das crianças são assintomáticas podendo observar-se: infecções respiratórias frequentes, diminuição de resistência física aos esforços e insuficiência cardíaca (IC).

A ausculta típica é a de um SS contínuo ("sopro em maquinária"). O RX mostra hiperfluxo pulmonar, aumento de VE, aumento de AE quando o shunt é importante. O ECG pode ser normal ou apresentar sobrecarga ventricular esquerda. O ecodoppler é bastante eficaz na identificação da PCA, não se necessitando, muitas vezes a realização de cateterismo.

c. Conduta cirúrgica. A cirurgia está indicada sempre que o diagnóstico for confirmado, sendo a idade ideal de 1 a 3 anos. Em prematuros tem-se tentado o emprego de fármacos como a indometacina EV para se tentar o fechamento espontâneo da PCA, caso não ocorra o sucesso esperado, a criança deve ser operada. A PCA pode ser ligada, ligada e seccionda com posterior sutura entre pinças ou "clipada" com clipes especiais. Uma PCA calcificado pode complicar a cirurgia e pode necessitar de CEC. Na atualidade a cirurgia da PCA tem sido realizada, com sucesso, utilizando a videotorascopia.

Os problemas e complicações que podem ocorrer são:

(1) Disfunção ventricular esquerda devida à elevação da pós-carga causada pela remoção do circuito pulmonar de baixa resistência.

(2) Porque o tamanho dos vasos é semelhante, tanto a artéria pulmonar (AP) como a aorta podem ser ligadas, causando hipoxemia e hipoperfusão sistêmica.

(3) A lesão do nervo recurrente do vago e a recanalização do ducto tem sido descritas.

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2. Comunicação interatrial (CIA).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. Existem 3 tipos de CIA: (1) Tipo ostium secundum (a mais comum), localiza-se na parte média do septo e é uma deficiência do septum primum; (2) Tipo ostium primum, localizada adjacente às valva AV, sendo um defeito do coxim endocárdico; (3) Tipo seio venoso, localizada na junção cavo-atrial sendo frequentemente associada com drenagem anômala das veias pulmonares. Existe um shunt E-D ao nível atrial e sobrecarga de volume do ventrículo direito (VD). A magnitude do shunt dependende do tamanho da CIA e da complacência ventricular. Na infancia o shunt é pequeno, e os sintomas são raros porque o VD é relativamente não complacente. À medida que o VE torna-se menos complacente e a RVP diminui , o shunt aumenta. Alterações pulmonares importantes são raramente induzidas pela CIA porque a PAP é, usualmente, apenas um pouco elevada, mas o fechamento é indicado porque existe um incidência aumentada de endocardite e embolia paradoxal.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. É raro uma CIA tipo ostium secundum dar sintomas na infancia, por isso este é o tipo de CC mais encontrada no adulto. Pode não haver sintomatologia na infancia, mas se houver grandes shunts podem ocorrer dispnéias, infecção pulmonar recurrente e palpitações. O déficit de crescimento e os dado de ECG e RX, são muitas vezes os únicos achados. No adulto a IC pode ocorrer independente da hipertensão pulmonar.

A compreensão da história natural deste defeito fica prejudicada, já que, com base na experiência adquirida no acompanhamento destes pacientes até a segunda e terceira décadas, adota-se, universalmente, a abordagem cirúrgica mais precoce. Está provado, contudo que 50% dos pacientes atingem os 50 anos, mas com severa limitação das atividades físicas, quando não operados.

O bloqueio de ramo direito e discreto alongamento do intervalo PR são achados ao ECG característicos da CIA. O RX mostra um aumento do VD, tronco da AP e hiperfluxo pulmonar. Em relação aos outros shunts, é o único que não apresenta aumento do AE. À ausculta existe um SS suave no foco pulmonar, não havendo correlação entre o tamanho da CIA e a intensidade do sopro. Na maioria das vezes o ecocardiograma confirma o diagnóstico. O estudo hemodinamico, quando realizado, tem a finalidade de quantificar a repercussão da lesão.

c. Conduta cirúrgica. A indicação é eletiva na idade pré-escolar sempre que houver shunt maior do que 2:1 ou sinais de hipertensão arterial. A correção cirúrgica se faz pel AD. As técnicas incluem a atriosseptorrafia para os tipos ostium secundum e seio venoso, usando-se patchs quando necessários. O uso de patch "tunelizando" o retorno das veias pulmonares através da CIA é empregado quando há drenagen anomala de veias pulmonares associada. Nos casos de CIA ostium primum deve-se corrigir o cleft da valva mitral (quase sempre presente), fechando-se a CIA com patch, evitando-se o sistema de condução.

As complicações são:

(1) Arritmias atriais e persistencia do shunt E-D através de deiscências do patch.

(2) Bloqueio AV e regurgitação mitral podem ocorrer na correção do ostium primum.

 

3. Persistência do canal atrioventricular (PCAV).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. Esta lesão inclui defeitos do septo atrial inferior (CIA tipo ostium primum), início do septo interventricular e valvas AV. Um canal AV completo tem apenas uma valva AV comum. O canal AV parcial pode ter um dos tipos únicos de valva AV contínua comum, até uma valva com aparencia dupla normal. Existe uma comunicação entre as quatro câmaras cardíacas e, usualmente, hiperfluxo pulmonar. O defeito é, mais comumente, não restritivo, logo, a magnitude do shunt é inteiramente dependente da relação entre a RVS e RVP, e a diferença no enchimento diastólico dos ventrículos. A valva AV é, usualmente, competente, e a sua insuficiência piora o prognóstico. Aproximadamente 50% dos pacientes são portadores da Síndrome de Down. Cerca de 40% deste pacientes apresentam CC e delas a maioría é a PCAV (80%).

Tomando como base a comunicação da cúspide anterior, a PCAV pode ser classificada em 3 grupos:

(1) Tipo A: Cúspide comum anterior dividida: com cordoalha de cada metade inserida independentemente no septo interventricular.

(2) Tipo B: Cúspide comum anterior bífida inserida em músculo papilar anômalo, localizado no VD.

(3) Tipo C: Cúspide comum única não inserida no septo interventricular, tendo forma trapezoidal, com base inserida no anel fibroso do óstio AV comum, e borda livre ancorada lateralmente no músculo papilar anterior de cada ventrículo.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. É uma anomalia congênita complexa, resultante de estagiamentos embriológicos muito precoces. Isto se traduz na história natural da enfermidade por um quadro clínico grave que inclui: 1. IC nos primeiros meses; 2. Infecções respiratórias repetidas; 3. Desenvolvimento precoce de doença vascular pulmonar; 4. Curva ponderal estacionária ou descendente e; 5. Importante cardiomegalia.

À ausculta existe um SS, frequentemente audível em todo o precórdio, porém com o epicentro menos preciso do SS da CIV. Às vezes há cardiomegalias sem sopros importantes.

Ao RX existe cardiomegalia com aumento das quatro cavidades, hiperfluxo pulmonar e aorta com calibre menor e o tronco da pulmonar é dilatado.

O ECG pode mostrar alterações das quatro cavidades cardíacas, sendo o desvio do QRS para a esquerda (bloqueio da subdivisão anterior do ramo) frequente e importante para o diagnóstico.

O ecocardiograma mostra alterações semelhantes ao ostium primum, sendo que o eco bidimencional define perfeitamente as lesões, incluindo a morfologia da valva AV.

O cateterismo cardíaco fornece dados sobre a shuntagem E-D, e a angiografia mostra a imagem típica de "pescoço de ganso".

c. Conduta cirúrgica. A cirurgia é a única esperança de mudar a história natural desta CC. O ideal sería a correção precoce dentro do primeiro ano de vida, no entanto, a alta mortalidade devida a dificuldades técnicas tem protelado a indicação para o segundo ano de vida.

A cirurgia é realizada através do AD, fechando-se primeiro a CIV, unindo-se a seguir os folhetos da valva AV na linha média e, fechando-se a CIA a seguir. Para prevenir a lesão do sistema de condução, a sutura do selo deve evitar a área do nodo AV e ramos. O patch é suturado ao redor do lado direito do seio coronariano evitando-se o sistema de condução com este detalhe, ficando o seio

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drenando para o AE. Podem ser necessárias anulopalastias mitral e tricúspide para estabelecimento de competência.

As complicações e problemas relacionados com este tipo de cirugia são:

(1) Falência do VD devida a persistência de hipertensão pulmonar.

(2) Regurgitação mitral com piora da hipertensão pulmonar.

(3) Problemas da condução AV a longo prazo são, surpreendentemente, raros

(91% dos pacientes não apresentam bloqueio cardíaco após um ano de pós-operatório).

 

4. Comunicação interventricular (CIV).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. Apesar do defeito poder localizar-se em qualquer parte do septo, a localização mais comum é na região perimembranosa. outros locais incluem o septo muscular e o infundíbulo. O shunt E-D através da CIV (shunt simples) causa hiperfluxo pulmonar, sobrecarga de volume do AE e aumento do trabalho do VE. Se a CIV é grande a magnitude do shunt depende da relação RVP/RVS. Pequenas CIVs são denominadas restritivas pois causam um gradiente entre os dois ventrículos. Nestes casos o fluxo E-D é limitado pelo tamanho do orifício e é menos dependente da relação RVP/RVS. O hiperfluxo pulmonar reduz a complacencia, aumenta o trabalho respiratório e pode precipitar insuficiência respiratória. Hipertensão pulmonar associada a hiperfluxo e normal ou moderadamente elevada RVP, tem maior chance de regressão após o fechamento da CIV. Por outro lado a hipertensão pulmonar associada a baixo fluxo (que reflete alterações vasculares restritivas), tem menor chance de regressão. Alterações vasculares pulmonares irreversíveis pode ocorrer com o tempo em pacientes com moderadas ou grandes CIVs, razão pela qual observa-se uma tendência a fechá-las cirurgicamente no primeiro ano de vida.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. A CIV é a mais comum das CC, correspondendo a 10% de todos os casos. Esta, como outras cardiopatias, não é uma situação estática, e sim uma lesão que se modifica gradativamente com o correr dos anos. O tamanho da CIV e o desenvolvimento de hipertensão pulmonar são preditivos na história natural da enfermidade. Na CIV, ao contrário da CIA, as alterações pulmonares ocorrem por transmissão direta dos altos níveis de pressão da circulação sistêmica para a circulação pulmonar.

(1) Trinta por cento das CIVs irão fechar espontaneamente. Muitas são CIVs pequenas, mas também pode ocorrer o fechamento de CIVs moderadas. A época mais comum de fechamento é durante o primeiro ano de vida, mas o fechamento tardio também ocorre.

(2) Com o crescimento do coração e a permanencia da CIV com o mesmo tamanho tudo se passa como se a CIV diminuisse de tamanho. Isto, em geral, ocorre após o primeiro ano de vida.

(3) A estenose infundibular pode desenvolver-se em pacientes que previamente não a possuiam. Em alguns casos o grau de estenose permanece moderado, e o shunt E-D através da CIV continua, mas as artérias pulmonares são protegidas da alta pressão. Em outros casos o estreitamento infundibular é mais progressivo e um shunt direita-esquerda, através da CIV desenvolvendo-se uma lesão que simula a T. de Fallot (é a "Fallotização da CIV"). A estenose infundibular ocorre principalmente naqueles pacientes que têm o arco aórtico situado à direita, o que sugere que estas CIVs façam parte de uma doença mais complexa de caráter evolutivo.

(4) Desenvolvimento de hipertensão pulmonar ocorre mais comumente em pacientes que tenham, durante a infância, apresentado o quadro de hiperfluxo com baixa resistência. A doença vascular pulmonar pode progredir mesmo após o fechamento cirúrgico da CIV. Com o decorrer dos anos pode haver uma inversão do shunt, os pacientes tornam-se cianóticos e são enquadrados no COMPLEXO DE EISENMENGER.

As CIVs pequenas são, em geral, assintomáticas e muitas vezes achado casual de exame físico; as CIVs médias podem apresentar-se com sintomas e déficit de desenvolvimento pôndero-estatural na infancia; as crianças com grandes CIVs são frequentemente muito mais sintomáticas e desenvolvem IC já no primeiro ano de vida.

O ECG, o RX de tórax para avaliação da área cardíaca e da circulação pulmonar, o Ecocardiograma e a investigação hemodinâmica confirmam o diagnóstico clínico e definem as possibilidades de evolução e o momento oportuno para o tratamento cirúrgico.

c. Conduta cirúrgica. (1) As CIVs pequenas podem não necessitar de tratamento cirúrgico, necessitando apenas de controle clínico periódico.

(2) As crianças com CIVs moderadas devem ser constantemente observadas nos dois primeiro anos de vida. Geralmente os defeitos tornam-se relativamente menores, mas se no segundo ano de vida a pletora pulmonar acentuar-se e constatar-se ao cateterismo um shunt E-D 2:1, deve-se indicar o tratamento cirúrgico.

(3) As grandes CIVs devem, de preferencia serem operadas dentro dos primeiros 18 meses de vida, e mesmo no primeiro ano de vida se houver IC de difícel controle. Nos casos de defeitos septais múltiplos pode-se indicar a bandagem da AP.

(4) A decisão cirúrgica nos casos com doença vascular pulmonar é dificel e deve basear-se em medidas da RVP, padrão radiológico da circulação pulmonar, ação farmacológica de drogas como a tolazolina e o nitroprussiato de sódio e na biópsia pulmonar.

A cirurgia consiste no fechamento da CIV com patch de dacron ou pericárdio bovino. Esta correção pode ser feita por via atrial direita através da valva tricúspide ou por via ventricular. A ventriculotomia pode ser necessária para defeitos localizados no ápex ventricular ou na via de saída do VD.

Os problemas e complicações da cirurgia da CIV podem assim serem enumerados:

(1) Insuficiencia do VD e arritmias podem ocorrer por aumento da RVP ou pela ventriculotomia.

(2) Insuficiência respiratória em pacientes com grandes CIVs e aumento da água pulmonar.

(3) Bloqueio AV.

(4) Sobrecarga do VD se houver CIV residual.

(5) Raramente pode ocorrer obstrução da via de saída do VD devida a má posição do patch, ou IAo após fechamento de CIV subaórtica devido a tração e distorção da cúspide septal.

 

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5. Comunicação entre o ventrículo esquerdo e o átrio direito.

a. Considerações hemodinâmicas gerais. A comunicação VE-AD caracteriza-se por um defeito congênito do septo membranoso, associado ou não a defeito de formação da folheto septal da valva tricúspide. O sangue passando do VE para o AD causa sobrecarga do AD e VD além de hiperfluxo pulmonar

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Corresponde a 0.08% da CC, existindo pequena preponderência no sexo feminino. Os sintomas aparecem desde o nascimento, acentuam-se no primeiro ano de vida, geralmente diminuindo depois de intensidade. Pode ocorrer IC nos primeiros 6 meses de vida. Além de infecções pulmonares ocorrem endocardite bacteriana e arritmias de origem atrial nessa patologia.

Em resumo o diagnóstico pode ser realizado com base em dados do ECG, RX. ecodoppler e cateterismo cardíaco com angiocardiografia.

c. Conduta cirúrgica. A cirugia se faz com CEC, através de atriotomia direita. Se o defeito é pequeno pode-se fechá-lo com pontos separados ancorados. Os defeitos maiores requerem o uso de patch. Finalmente deve-se considerar a plastía da valva tricúspide em caso de sua insuficiência.

6. Comunicação interventricular e insuficiência aórtica.

a. Considerações hemodinâmicas gerais. Ocorre CIV com IAo por prolapso de uma cúspide da valva aórtica (em geral o direito). No início existem apenas evidências da CIV, mas por volta dos 3 anos de idade surgem as alterações causadas pela IAo.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Esta situação ocorre em 5% dos casos de CIV, razão pela qual as CIVs não operadas necessitam de revisões clínicas periódicas.

Segundo van Praag quando a CIV é do tipo subcristal o prolapso da valva pode ser explicado por defeito de inserção das comissura ou ausência de uma delas e não somente hipoplasia do conus. Diante desta circunstância, o fechamento da CIV não impedirá a progressão da IAo,pois esta depende, na maioría das vêzes, do defeito de inserção comissural. Nestes casos as técnicas de valvoplastias aórticas tendem a falhar após os 18-20 meses da cirurgia.

Se a CIV é do tipo subpulmonar, o fechamento da CIV muda a história natural da doença pois o patch de Dacron ou pericárdio bovino irá reforçar o septo conal hipoplásico.

aórtica, Se existe IC ou cardiomegalia considerável, a cirurgia é necessária, pois o tratanebto clínico irá falhar. Se, contudo, os sintomas estão ausentes ou são poucos, a cirurgia pode ser retardada até que a criança seja grande o suficiente para a substituição valvar quando ela for indicada. Reparo da IAo, quando possível pode reter o progresso da regurgitação aórtica.

II. CARDIOPATIAS ACIANÓTICAS COM OBSTRUÇÃO DA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO ESQUERDO.

1. Estenose aórtica congênita (EAo).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. Constitui uma obstrução ao fluxo sanguíneo do VE para a aorta, podendo apresentar-se em 5 padrões anatômicos:

(1) Supravalvar; (2) Valvar (com dimensão do anel aórtico normal); (3) Ânulo-valvar (com redução do diâmetro do anel valvar); (4) Tipo anel fibroso subvalvar e; (5) Fibrose da via de saída do VE, formando-se um túnel fibroso que obstrui a via de saída.

b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Como lesão isolada representa 5% das CC, podendo estar associada à coartação da aorta ou PCA. Em 70% dos casos, é acompanhada de valva bicúspide.

A história natural está relacionada com a idade. 50% dos pacientes morrem até os 40 anos. Estes trabalhos não incluem os RNs que fazem IC nos primeiros dias de vida e morrem. A mortalidade clínica da EAo na primeira infancia é de 20%.

As complicações que podem ocorrer incluem: Morte súbita (12% dos casos); endocardite bacteriana (1% por ano de idade) e; calcificação das cúspides aórticas, que ocorre tardiamente, complicando em muito a terapêutica cirúrgica.

O paciente pode ser assintomático (80% dos casos). No entanto, pode apresentar síncope, dor retroesternal e dispnéia aos esforços. O ECG mostra hipertrofia do VE, a ausculta revela um SS no foco aórtico, o ecodoppler é conclusivo medindo-se a área valvar e o gradiente, e o cateterismo pode completar o estudo.

c. Conduta cirúrgica. A cirurgia está indicada nos pacientes que, mesmo assintomáticos, mostram repercussões hemodinâmicas com gradiente valvar aórtico de 50 mmHg ou mais. Nos casos de estenose valvar a cirurgia deve ser mais precoce para preservar a valva aórtica que é normal. A cirugia consiste em valvoplastias, próteses em valvas calcificadas e ressecções de anéis fibrosos.

 

2. Coartação da aorta (CoAo).

a. Considerações hemodinâmicas gerais. A posição da coartação é variável, mas geralmente é justaductal, distal à emergencia da a.subclávia. Em neonatos em geral é pré-ductal e em crianças mais velhas é, em geral, pós-ductal. A coartação causa um relativo aumento de fluxo e pressão na extremidade superior do corpo com hipoperfusão distal. Em RNs a dificuldade de ejeção do VE cusa ICC, e a hipoperfusão distal pode causar acidose metabólica. Em geral a perfusão das extremidades distais se faz através de circulação colateral através do tronco tíreocervical e, retrogradamente, através das artérias intercostais e artéria mamária interna. Esta circulação colateral contribui, também, para a diminuição da pós-carga cardíaca. Na ausencia de circulação colateral pode ocorrer grave hipertensão arterial, com insuficiencia do VE e hipertensão pulmonar.

c. Conduta cirúrgica. A decisão sobre a época cirúrgica depende da severidade da regurgitação b. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Constitui 7% das CC, sendo mais comum no sexo masculino. Pode estar associada a outras CC ou adquiridas, como IAo com valva bicúspide, PCA, CIV etc. 50% dos pacientes que sobrevivem à infancia morrem ao atingir 32 anos, e 75% destes falecem aos 46 anos. estes dados falam por sí sobre a mortalidade clínica nestes pacientes.

Em neonatos com coartação pré-ductal ou hipertensão pulmonar, pode haver shunt D-E através de PCA, resultando em "cianose diferencial" (rosa pré-ductal, azul pós-ductal). Em pacientes idosos o único sinal pode ser hipertensão em extremidades superiores, com diminuição dos pulsos das extremidades distais, sopro sistólico e corrosão de costelas ao RX de crianças com idades superiores a

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6 - 7 anos.

Quanto aos sintomas podem ser: (1) devidos a hipertensão arterial (cansaço fácil, cefaléias, epistaxes); (2) devidos a hipotensão dos MIs (claudicação intermitente); (3) devidos ao comprometimento cardíaco (palpitações, angina).

As complicações que podem ocorrer são: endocardite bacteriana (1%), AVC. IC. permanência de hipertensão pulmonar severa nas CoAo da infancia.

c. Conduta cirúrgica. Está indicada; (1) Na infancia sempre que houver IC incontrolável clinicamente; (2) A partir dos dois anos, quando a indicação é eletiva e constitui a única maneira de mudar a história natural da enfermidade. A indicação, portanto, é formal mesmo em apcientes assintomáticos, mas que apresentam repercussão radiológica e eletrocardiográfica.

A correção cirúrgica se faz por uma toracotomia esquerda. Pacientes com menos de 1 ano de idade são submetidos a aortoplastia com artéria subclávia, mantendo-se (Telles) ou não (Waldhausen) o fluxo para o braço esquerdo. Em pacientes maiores pode-se ressecar a área coartada e proceder-se a uma anastomose término-terminal. Pode-se, ainda, realizar uma istmopalstia da coartação com um patch longitudinal, ou ainda proceder-se a uma interposição de tubo em pacientes mais velhos.

Os problemas e complicações associados à cirurgia da coartação da aorta são:

(1) Manutenção da hipertensão arterial que necessita de tratamento clínico muitas vezes, por vários meses.

(2) Às vezes pode ocorrer dor abdominal, provavelmente secundária a vasoconstrição reativa e isquemia de vasos mesentéricos.

(3) Paralisia de extremidades inferiores é um evento trágico, mas felizmente raro, que pode ocorrer por isquemia da medula espinhal durante o clampeamento aórtico.

 

III. CARDIOPATIAS ACIANÓTICAS COM OBSTRUÇÃO DA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO.

1. Estenose pulmonar (EP).

1. Etiologia. Pode ser infundibular, valvar ou localizada nos ramos da artéria pulmonar. Na maioria das vezes é congênita e só, muito raramente, ocorre como como sequela reumática.

2. Incidencia, história natural, quadro clínico e diagnóstico. Constitui 10% das CC. Alguns casos de estenose de ramo da artéria pulmonar estão ligados a infecções maternas por rubéola no primeiro trimestre da gravidez.

Pode ser assintomática e até compatível com 70 anos de idade. Quando os sintomas existem podem aparecer: taquipnéia, síncope, angina, hepatomegalia e edema periférico. Entretanto, a endocardite bacteriana ou a insuficiencia do VD devida a uma estenose grave podem levar à morte. As base para o diagnóstico incluem: SS rude no FP, Rx mostrando aumento de VD e tronco da AP dilatado, ECG mostrando hipertrofia do VD, sendo o diagnóstico confirmado pelo ecodoppler e estudo hemodinâmico

3. Intervenção cirúrgica. Deve-se considerar o tratamento cirúrgico em pacientes sintomáticos, gradientes transvalvares de 80 mmHg ou pressão de pico sistólico de 100 mmHg no VD. Na maioría das vezes a valvulotomia é suficiente. A troca valvar é uma opção muito rara, lembrando-se que a valvotomia por balão é uma opção atraente, especialmente nos casos de EP congenita.

 

IV. PERGUNTAS DIRIGIDAS

1. Quais as cardiopatias congênitas com "shunt" E-D ?

2. Consequências hemodinâmicas da PCA.

3. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da PCA.

4. Tratamento cirúrgico da PCA. Quais as complicações ?

5. Consequências hemodinâmicas da CIA.

6. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da CIA.

7. Tratamento cirúrgico da CIA. Quais as complicações ?

8. Consequências hemodinâmicas da Persistencia do canal A-V.

9. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da Persistencia docanal A-V.

10. Tipos anatômicos de Persistência do canal A-V.

11. Tratamento cirúrgico da Persistência do canal A-V. Quais as complicações ?

12. Consequências hemodinâmicas da CIV.

13. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da CIV.

14. Tipos anatômicos de CIV

15. Tratamento cirúrgico da CIV. Quais as complicações ?

16. Consequências hemodinâmicas da comunicação VE - AD..

17. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da comunicação VE-AD.

18. Tratamento cirúrgico da comunicação VE -AD ?

19. Consequências hemodinâmicas da CIV + IAo.

20. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da CIV + IAo.

Page 6: cardiopatias congênitas acianogênicas

21. Tratamento cirúrgico da CIV + IAo.

22. Quais as CC acianóticas com obstrução da via de saída do VE ?

23. Considerações hemodinâmicas e tipos da EAo congênita.

24. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da EAo congênita.

25. Tratamento cirúrgico da EAo congênita.

26. Consequencias hemodinâmicas da coartação da aorta.

27. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da coartação da aorta.

28. Tratamento cirúrgico da coartação da aorta.

29. Quais são os tipos de CC com obstrução da via de saída do VD?

30. Consequencias hemodinâmicas da EP.

31. Incidência, história natural, quadro clínico e diagnóstico da EP.

32. Tratamento cirúrgico da EP.

V - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. Kirklin/Barrat-Boyes - Cardiac Surgery, Churchill Livingston Inc, Second Ed.,1993.

2. Stark/Pacifico - Reoperations in Cardiac Surgery, Springer-Verlag, 1989.

3. Hensley/Martin - The Practice of Cardiac Anesthesia, Little, Brown and Conpany, 1990.

4. Stark/de Leval - Surgeery for Congenital Heart Defects, W. B. Saunders Company, 1994.