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49 Caracterização Tectono-Estratigráfica da Zona de Cisalhamento de Santa Susana (ZCSS) no Bordo SW da Zona de Ossa Morena (ZOM), (Portugal) Tectono-Stratigraphic Characterization of the Santa Susana Shear Zone (SSSZ) in the SW Border of Ossa Morena Zone (OMZ), (Portugal) Almeida, P. 1 , Dias da Silva, I. 2 , Oliveira, H. 3 , Silva, J.B. 4 1,2,3 Oficinas do Convento – Associação Cultural de Arte e Comunicação, 4 Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 1 [email protected], 2 [email protected] , 3 [email protected] , 4 jbrandã[email protected] SUMÁRIO São apresentados novos dados sobre a tectono-estratigrafia do bordo SW da ZOM, na região que abrange a Bacia de Santa Susana (Vestefaliano D – Estefaniano A). Nesta região é assinalada a Zona de Cisalhamento de Santa Susana, que define um limite tectónico aproximadamente N-S entre a ZOM (a Leste) e a ZSP (a Oeste), que controlou a formação de bacias em pull-apart, num regime tectónico dextrógiro transtensivo, de modo faseado e diacrónico, afectando diferentes unidades de sedimentação contemporânea e, outras mais antigas. Palavras-chave: Tectónica tardi-varisca, transtensão, bacias pull-apart, diacronismo SUMMARY New tectono-stratigraphic data are presented, concerning an area that includes the Santa Susana Basin (Westphalian D – Eastphanian A), situated in the SW border of the OMZ. This region is characterized by a N-S tectonic boundary between the OMZ (East) and the SPZ (West), the Santa Susana Shear Zone, related to pull- apart basins generation, in a transtensive dextral tectonic style, following a progressive and diachronic regime, which affects contemporaneous and older sedimentar sequences. Key-words: Late variscan tectonics, transtension, pull-apart basins, diachronic regime. Enquadramento Tectono-estratigráfico Na área estudada, encontram-se terrenos da Zona de Ossa Morena (ZOM) e da Zona Sul Portuguesa (ZSP). A ZOM neste sector, é constituída pela Bacia de Santa Susana (BSS) e pelo Complexo Vulcano- Sedimentar (ou Formação) da Toca da Moura (FTM) (Gonçalves, 1983, Ribeiro, et al., 1996). Na ZSP identifica-se, o Grupo do Pulo do Lobo Indiferenciado (GPL) (Carvalhosa, et al. (1994), representado pelo Grupo de Ferreira Ficalho (Carvalho, et al., (1976), Oliveira, 1990). Inclui, da base para o topo, as Formações de Pulo do Lobo (FPL), Ribeira de Limas (FRL), Santa Iria (FSI), e a Formação de Horta da Torre (FHT) (Oliveira, et al., 1986), como se pode observar na Tabela 1. O contacto entre a ZSP (a Oeste) e a ZOM (a Leste) é feito através de um desligamento direito, de orientação aproximada N-S, com abatimento do bloco Leste, cinemática esta concordante com a estruturação da Bacia de Santa Susana (BSS). As idades atribuídas às diferentes formações de cada zona são as que constam na bibliografia pesquisada e encontram-se representados na Tabela 1.

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49

Caracterização Tectono-Estratigráfica da Zona de Cisalhamento

de Santa Susana (ZCSS) no Bordo SW da Zona de Ossa Morena

(ZOM), (Portugal)

Tectono-Stratigraphic Characterization of the Santa Susana Shear

Zone (SSSZ) in the SW Border of Ossa Morena Zone (OMZ),

(Portugal)

Almeida, P.1, Dias da Silva, I.2, Oliveira, H.3, Silva, J.B.4

1,2,3Oficinas do Convento – Associação Cultural de Arte e Comunicação, 4 Departamento

de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 1 [email protected], 2 [email protected], 3 [email protected],4jbrandã[email protected]

SUMÁRIO São apresentados novos dados sobre a tectono-estratigrafia do bordo SW da ZOM, na região que abrange a Bacia de Santa Susana (Vestefaliano D – Estefaniano A). Nesta região é assinalada a Zona de Cisalhamento de Santa Susana, que define um limite tectónico aproximadamente N-S entre a ZOM (a Leste) e a ZSP (a Oeste), que controlou a formação de bacias em pull-apart, num regime tectónico dextrógiro transtensivo, de modo faseado e diacrónico, afectando diferentes unidades de sedimentação contemporânea e, outras mais antigas.

Palavras-chave: Tectónica tardi-varisca, transtensão, bacias pull-apart, diacronismo

SUMMARY New tectono-stratigraphic data are presented, concerning an area that includes the Santa Susana Basin (Westphalian D – Eastphanian A), situated in the SW border of the OMZ. This region is characterized by a N-S tectonic boundary between the OMZ (East) and the SPZ (West), the Santa Susana Shear Zone, related to pull-apart basins generation, in a transtensive dextral tectonic style, following a progressive and diachronic regime, which affects contemporaneous and older sedimentar sequences.

Key-words: Late variscan tectonics, transtension, pull-apart basins, diachronic regime.

Enquadramento Tectono-estratigráfico Na área estudada, encontram-se terrenos da Zona de Ossa Morena (ZOM) e da Zona Sul Portuguesa (ZSP). A ZOM neste sector, é constituída pela Bacia de Santa Susana (BSS) e pelo Complexo Vulcano-Sedimentar (ou Formação) da Toca da Moura (FTM) (Gonçalves, 1983, Ribeiro, et al., 1996). Na ZSP identifica-se, o Grupo do Pulo do Lobo Indiferenciado (GPL) (Carvalhosa, et al. (1994), representado pelo Grupo de Ferreira Ficalho (Carvalho, et al., (1976), Oliveira, 1990). Inclui, da base para o topo, as Formações de Pulo do Lobo (FPL), Ribeira de Limas (FRL), Santa Iria (FSI), e a Formação de Horta da Torre (FHT) (Oliveira, et al.,

1986), como se pode observar na Tabela 1. O contacto entre a ZSP (a Oeste) e a ZOM (a Leste) é feito através de um desligamento direito, de orientação aproximada N-S, com abatimento do bloco Leste, cinemática esta concordante com a estruturação da Bacia de Santa Susana (BSS). As idades atribuídas às diferentes formações de cada zona são as que constam na bibliografia pesquisada e encontram-se representados na Tabela 1.

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Tab.1: Cronoestratigrafia. Domínios

Geoestruturais Litoestratigrafia

Época e idade

cronoestratigráfica

Bacia de Santa

Susana

Carbónico Superior

(Vestefaliano D –

Estefeniano A) Zona de Ossa

Morena

Toca da Moura

Carbónico Inferior

(Viseano –

Namuriano)

Formação de

Horta da Torre

Devónico Superior

(Fameniano – Med.)Zona Sul

Portuguesa Grupo do Pulo do

Lobo

(indiferenciado)

Devónico Inferior

(?)

As Formações que constituem o Grupo do Pulo do Lobo Indiferenciado (GPL), são caracterizadas da seguinte forma: a Formação do Pulo do Lobo (FPL), a unidade de base, afectada por uma clivagem muito penetrativa exibindo veios de quartzo de exsudação, com uma lineação de estiramento bem marcada através de minerais claros, alongados segundo a mesma direcção, como por exemplo o quartzo (?) quando presente nas litologias mais quartzíticas; as formações FRL e FSI, com deformação idêntica à da unidade inferior, apresentam fácies psamíticas sendo comuns na FHT, litologias siltito-quartzíticas. No GPL é frequente a transposição da estratificação com a clivagem dominante, de atitude regional (N60ºW, 40-60º NE) (ver Figura 1, à direita). Na ZOM ocorrem duas unidades distintas, a FTM e a BSS. A FTM é constituída por rochas vulcânicas ácidas, intermédias (?) e básicas, intercaladas com episódios sedimentares detríticos, numa bacia de baixa profundidade. A BSS é uma bacia sedimentar do tipo leque aluvial, criada por subsidência num regime tectónico de pull-appart, e caracterizada por uma sequência rítmica de conglomerados, arenitos e argilitos, cujos materiais têm diferentes proveniências (ZOM e ZSP), com carbonização de matéria vegetal nos níveis mais finos, evidenciando um ambiente palustre num clima árido a sub-árido. A Zona de Cisalhamento de Santa Susana ZCSS, inclui rocha milonítica, enriquecida em composição carbonato-siliciosa, resultante de litologias originais

encontradas nas sequências estratigráficas conhecidas na região, para as ZSP e ZOM. A ocorrência de veios carbonatados e siliciosos, preferencialmente associados a litologias de rochas básicas da FTM, revela actuação de fluidos hidrotermais ao longo daquela zona de cisalhamento. A Zona de Cisalhamento ZCSS, que se encontra segundo um alinhamento de Vendas-Novas a Ferreira do Alentejo, tem uma direcção principal variando entre (N-S) e (N20ºW), exibindo uma cinemática direita, e, estabelecendo o limite entre a ZSP e a ZOM. Na sua proximidade, as litologias da ZSP apresentam clivagem deflectida de (N60ºW) para (N20ºW) (Figura 1, direita), à medida que nos aproximamos da falha, indicando um bom critério de movimento. A idade da falha, encontra-se constrangida pelas idades atribuídas às formações envolvidas. É evidente ser posterior ao topo da sequência do GPL, ou seja, posterior ao Fameniano Médio, idade encontrada na FHT. Também as sequências da BSS (Estefaniano) encontram-se dobradas de modo congruente com a cinemática direita, pelo que a deformação fez-se sentir, pelo menos, até ao fim do Carbónico. É relevante o facto de núcleos de sinclinais envolvendo a FHT, gerados numa fase de deformação anterior ao desligamento N-S, serem truncados por este último. Este dado, exibido na cartografia da Figura 1 (direita), é clarificador não só da cronologia daquele importante acidente, mas também do padrão cartográfico encontrado. Com efeito, a FHT não deve ser considerada concordante com aquele limite tectónico, mas sim por truncatura angular. Este acidente provocou um arraste dextrógiro, com estruturas do tipo strike-slip duplex normal, de abatimento do bloco Leste. Assim, define-se um arqueamento das anisotropias junto ao bordo da ZSP com inclinações para NE, favorecendo a conservação da FHT em sinclinais na proximidade da ZCSS (ver Figura 1, direita). Desta forma, a geometria observada nas unidades descritas acima, resulta da interacção de eventos sedimentares e tectónicos, separados temporalmente e espacialmente. O padrão cartográfico por nós obtido (Figura 1, direita), pode ser comparado com o padrão apresentado na carta geológica do IGM 1:500.000 (Figura 1, esquerda). Seguidamente sumariam-se as principais diferenças e semelhanças com base nos dois mapas comparados, tendo em conta os dados recolhidos no decorrer da cartografia aqui apresentada (Tabela 2).

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Fig.1: Comparação das cartografias 1/500.000 adaptada dos Serviços Geológicos de Portugal (esquerda) e 1/12.500 realizada neste estudo (direita). Para melhor visualização e comparação, os mapas expostos apresentam a mesma escala. Para mais informação, leia-se a Tabela 2, com elementos comparados e enumeração das principais diferenças.

Tab.2: Resumo das principais diferenças existentes por comparação do mapa geológico 1/500.000 Folha Sul, dos Serviços Geológicos de Portugal e da cartografia apresentada neste trabalho.

(Continua na página seguinte)

Mapa 1:500.000 Mapa 1:12.500

ZSP: • Orientação das formações segundo N10-20ºW com vergência de

dobramento para Sudoeste; • FHT contínua e paralela ao longo da ZCSS; • Unidade carbonatada não assinalada;

ZSP: • Padrão de arraste a partir da atitude regional ~(N60ºW, 40-60ºNE),

para uma direcção (de N10ºW a 30ºW), junto ao contacto com a ZCSS;

• FHT conservada junto ao contacto com a ZCSS, em sinclinais com eixos a inclinar para Sudeste, favorecendo a preservação da FHT.

• Unidade carbonatada, gerada durante os impulsos de deformação cisalhante, favorecendo a carbonatação metassomática de rochas adjacentes, em simultâneo com o cisalhamento dextrógiro.

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ZOM: Nada a assinalar.

ZOM:

BSS com uma sedimentação detrítica sintectónica em bacia de pull-apart, posteriormente afectada por impulsos tectónicos que, em regime diacrónico afectam a BSS.

ZCSS: • Prolongamento do acidente tectónico de Ferreira-Ficalho, assinalado

como cavalgamento do bloco Este (ZOM) sobre o bloco Oeste (ZSP).

ZCSS:

• Cinemática de desligamento direito com abatimento do bloco Este (ZOM);

• Observa-se uma família de falhas en-echelon, oblíquas ao cisalhamento principal (N60ºE), que originam o abatimento e a abertura de bacias de pull-apart para Sudeste.

Conclusões A deformação provocada pela ZCSS provoca localmente arraste da clivagem regional mais antiga. Com efeito, a clivagem (N60ºW) exibida pelo GPL, é re-orientada para cerca de N10ºW a N20ºW na proximidade do acidente. Fora da influência da zona do acidente, é encontrada para as formações uma direcção aproximada de N60ºW, afinal muito idêntica àquela encontrada em todo aquele sector da ZSP. Esta importante estrutura cisalhante situa-se segundo o alinhamento Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo, com cinemática dextrógira também encontrada em outras falhas da região com semelhante orientação, como por exemplo a Falha de Corona (Minas do Lousal). A BSS enquadra-se num regime de Releasing Bend associado a esta ZCSS, após a definição das estruturas da ZSP. Para terminar, este trabalho deverá ser alvo de continuidade e poderá servir de base para futuros trabalhos no sector estudado, nomeadamente em outros locais que com ele se possam relacionar. Assim destacamos a necessidade de virem a ser realizados estudos mais precisos sobre as idades da FPL, FHT e FTM, através da datação relativa por palinomorfos no caso das rochas pelíticas, ou de datação absoluta em rochas básicas existentes quer no GPL quer na FTM. Seria também importante definir idades de metamorfismo através do estudo de isótopos radiogénicos, e os percursos P-T-x e P-T-t, do GPL e da FTM, para compreender melhor o enquadramento geodinâmico local e regional. A realização de estudos microtectónicos nas litologias da ZSP e ZOM, pode dar resultados interessantes, podendo definir e separar estilos de deformação e respectivas relações de corte. Seria igualmente importante um estudo geofísico em áreas como o magnetismo e gravimetria, com mapeamento das anomalias, de forma a constranger zonas de cisalhamento. Poder-se-ia realizar um estudo na área de tomografia sísmica, que represente fielmente a geometria profunda deste limite. Os estudos a levar a cabo nesta região, articulados com as evidências de uma cartografia de base e rigorosa, poderão mostrar a relação entre a Falha de Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo e a Falha de Ferreira-Ficalho, contribuindo assim para o esclarecimento da fronteira ZOM-ZSP.

Referências Bibliográficas

[1] Almeida, P., Dias da Silva, I., Oliveira, H., (2005) Caracterização tectono-estratigráfica da Zona de Cisalhamento de Santa Susana no bordo SW da Zona de Ossa Morena, sector Ribeira de S. Cristóvão. Serra Alta (Barrancão) (Alcácer do Sal, Portugal), relatório não publicado, 108 pp.

[2] Carvalho, D., Correia, H., Inverno, C., (1976) - Contribuição para o conhecimento geológico do Grupo de Ferreira-Ficalho. Suas relações com a Faixa Piritosa e o Grupo do Pulo do Lobo. In: IV Reunião de Geologia do Oeste Peninsular. Salamanca - Coimbra, 1976. Mem. Not. Coimbra. 82: pp. 145-169.

[3] Carvalho, D., et al., (1992); Carta Geológica de Portugal 1/500.000 Folha Sul, Serviços Geológicos de Portugal

[4] Carvalhosa, A., Zbyszewsky, G. (1994) Carta Geológica de Portugal, na escala 1/50.000. Notícia Explicativa da folha 35-D (Montemor-o-Novo), Instituto Geológico e Mineiro 86 pp.

[5] Gonçalves, F. (1983) Formações Precâmbricas e do Paleozóico Superior do Flanco Meridional do Anticlinório de Évora – Moura, Dia 29 de Setembro (Excursão nº2), Com. Serv. Geol. Portugal, fsc.2, p 267-282

[6] Fernandes, J.P. (1996) Resultados preliminares del estudio palinológico de la Cuenca de Santa Susana (Alcácer do Sal, Portugal, Estudios palinológicos – Actas XI Simposio de Palinología A.P.L.E. – Alcalá de Heranes, pp 3.

[7] Oliveira, J.T., Cunha, T.A., Streel, M., Vanguestaine, M. (1986) Dating the Horta da Torre Formation, a New Lithostratigraphic Unit of the Ferreira-Ficalho Group, South Portuguese Zone: geological consequences, Comum. Serv. Geol. Portugal, t.72, fasc. 1/2, p 129-135.

[8] Oliveira, J. T. (1990) - Stratigraphy and Synsedimentary Tectonism in the South Portuguese Zone. In: R. D. Dallmeyer & E. Martinez (Eds.): Pre-Mesozoic Geology of Iberia. Springer Verlag. Berlin, Heidelberg 1990: pp. 334-347.

[9] Ribeiro, M.L. et al. (1996) Vulcanismo na Zona de Ossa Morena e o seu enquadramento geodinâmico, Livro de Homenagem ao Professor Francisco Gonçalves, Universidade de Évora, p 37-56.