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19 CAPÍTULO II - ASPECTOS COMUNS AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL 2.1 Introdução - 2.2 Requisitos comuns (específicos) de admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário - 2.2.1 Irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias (esgotamento prévio das instâncias ordinárias) - 2.2.2 Circunscrição à matéria exclusivamente de direito - 2.2.2.1 A limitação da discussão à questões exclusivamente de direito - 2.2.2.2 Questões controvertidas sobre matéria de fato e de direito (revaloração X reexame e outros assuntos) - 2.2.3 necessidade de formação da denominada “causa decidida” através do prequestionamento - 2.2.3.1 Causa decidida: conceito e abrangência - 2.2.3.2 Prequestionamento (um mito a ser desconstituído) - 2.2.3.3 Evolução histórica e abrangência da expressão “prequestionamento” - 2.2.3.4 Conceito de prequestionamento e sua distinção em relação à “causa decidida” - 2.2.3.5 Causa decidida expressa, implícita e ficta - 2.2.3.6 Embargos de Declaração para fins de prequestionamento - 2.2.3.7 Os embargos prequestionatórios não são protelatórios - 2.2.3.8 O pós-questionamento não é suficiente para o conhecimento dos recursos excepcionais - 2.2.3.9) Recurso com base em fundamento específico em razão da falta da declaração requerida 2.1 INTRODUÇÃO Os recursos extraordinário e especial diferem-se dos demais recursos pelo seu tratamento constitucional quanto ao objeto, requisitos, procedimento e competência para julgamento. O recurso extraordinário é tratado pelo constituinte desde 1891, enquanto o recurso especial tem origem na Constituição Federal de 1988, que tratou do recurso extraordinário em seu art. 102, III, e do especial no art. 105, III. Esses meios de impugnação não se destinam à correção de injustiças da de- cisão recorrida. Têm objetivos maiores: manter a prevalência da Constituição, a unidade e a harmonia do sistema jurídico, a integridade da norma positiva e a uniformidade de interpretação das leis entre os tribunais. Toda matéria relativa à admissibilidade, ao mérito e ao provimento dos re- cursos extraordinário e especial encontra-se delimitada pela Constituição da República, enquanto que o procedimento está regulado por leis específicas. Ao lado da Lei 8.038/90, que estabelece normas procedimentais, também são aplicáveis o Código de Processo Civil, os Regimentos Internos do STF e STJ. Há ainda várias questões sumuladas que orientam a formação e processamento destes recursos excepcionais (ver anexo desta obra). Os recursos extraordinário e especial são recursos extremos, que não se si- tuam simplesmente na linha do duplo grau de jurisdição, e apresentam contor- nos e finalidades específicos estipulados pela Constituição Federal.

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CAPÍTULO II - ASPECTOS COMUNS AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL

2.1 Introdução - 2.2 Requisitos comuns (específicos) de admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário - 2.2.1 Irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias (esgotamento prévio das instâncias ordinárias) - 2.2.2 Circunscrição à matéria exclusivamente de direito - 2.2.2.1 A limitação da discussão à questões exclusivamente de direito - 2.2.2.2 Questões controvertidas sobre matéria de fato e de direito (revaloração X reexame e outros assuntos) - 2.2.3 necessidade de formação da denominada “causa decidida” através do prequestionamento - 2.2.3.1 Causa decidida: conceito e abrangência - 2.2.3.2 Prequestionamento (um mito a ser desconstituído) - 2.2.3.3 Evolução histórica e abrangência da expressão “prequestionamento” - 2.2.3.4 Conceito de prequestionamento e sua distinção em relação à “causa decidida” - 2.2.3.5 Causa decidida expressa, implícita e ficta - 2.2.3.6 Embargos de Declaração para fins de prequestionamento - 2.2.3.7 Os embargos prequestionatórios não são protelatórios - 2.2.3.8 O pós-questionamento não é suficiente para o conhecimento dos recursos excepcionais - 2.2.3.9) Recurso com base em fundamento específico em razão da falta da declaração requerida

2.1 INTRODUçãOOs recursos extraordinário e especial diferem-se dos demais recursos pelo

seu tratamento constitucional quanto ao objeto, requisitos, procedimento e competência para julgamento.

O recurso extraordinário é tratado pelo constituinte desde 1891, enquanto o recurso especial tem origem na Constituição Federal de 1988, que tratou do recurso extraordinário em seu art. 102, III, e do especial no art. 105, III.

Esses meios de impugnação não se destinam à correção de injustiças da de-cisão recorrida. Têm objetivos maiores: manter a prevalência da Constituição, a unidade e a harmonia do sistema jurídico, a integridade da norma positiva e a uniformidade de interpretação das leis entre os tribunais.

Toda matéria relativa à admissibilidade, ao mérito e ao provimento dos re-cursos extraordinário e especial encontra-se delimitada pela Constituição da República, enquanto que o procedimento está regulado por leis específicas.

Ao lado da Lei 8.038/90, que estabelece normas procedimentais, também são aplicáveis o Código de Processo Civil, os Regimentos Internos do STF e STJ. Há ainda várias questões sumuladas que orientam a formação e processamento destes recursos excepcionais (ver anexo desta obra).

Os recursos extraordinário e especial são recursos extremos, que não se si-tuam simplesmente na linha do duplo grau de jurisdição, e apresentam contor-nos e finalidades específicos estipulados pela Constituição Federal.

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Bernardo Ribeiro Camara20

A natureza excepcional destes meios de impugnação advém de suas pró-prias especificidades que exigem, além dos pressupostos gerais de admissibili-dade inerentes a qualquer recurso, o preenchimento de requisitos específicos de admissibilidade que, por apresentarem características comuns, os aproxima e os colocam na mesma categoria.

Em todo recurso, antes de se adentrar no mérito, deve-se examinar a exis-tência dos requisitos necessários para o seu conhecimento. Trata-se de etapa obrigatória e anterior ao conhecimento do mérito dos recursos8 e que se infere no plano de validade do ato jurídico9.

Este Juízo de Admissibilidade, que não se confunde com o Juízo de Mérito (julgamento daquilo que se pede para reexame pelo órgão de hierarquia supe-rior, cujo conteúdo será definido conforme a pretensão recursal10), nada mais é do que o exame prévio de um conjunto de condições e requisitos específicos, que deverão ser verificados pelo órgão judiciário que processará o recurso, vi-sando o seu julgamento de mérito11. É o exercício da atividade jurisdicional em que o Juiz ou Tribunal, em decisão singular ou colegiada, verifica a presença das condições para o exame da pretensão recursal quando se decidirá se o recorren-te tem ou não tem razão12.

No âmbito dos recursos extremos ou excepcionais13 (recurso especial e ex-traordinário), além dos requisitos de admissibilidade comuns14 existentes a

8 NUNES, Dierle José Coelho. Alguns Elementos do Sistema Recursal: da sua importância na alta modernidade brasileira, do juízo de admissibilidade e de seus requisitos. 2007, p. 95.

9 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 2009. p. 41.

10 ORIONE NETO, Luiz. In Recursos Cíveis. 2006. p. 123.11 ASSIS, Araken de. In Manual dos Recursos. 2011. p. 120.12 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. In Recursos e ações Autônomas de

Impugnação. 2008. p. 69.13 Segundo HUMBERTO THEODORO JR “além da dualidade de instâncias ordinárias, entre os juízes de

primeiro grau e os Tribunais de segundo grau, existe, também, no sistema processual brasileiro, a possibilidade de recursos extremos ou excepcionais, para dois órgãos superiores que formam a cúpula do Poder Judiciário nacional, ou seja, para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça. O primeiro deles se encarrega da matéria constitucional e o segundo, dos temas infraconstitucionais de direito federal. Cabe-lhes, porém, em princípio, o exame não dos fatos controvertidos, nem tampouco das provas existentes no processo, nem mesmo da justiça ou injustiça do julgado recorrido, mas apenas e tão-somente a revisão das teses jurídicas federais envolvidas no julgamento impugnado”. In Curso de Direito Processual Civil. 2010. p. 646.

14 FLÁVIO CHEIN JORGE identifica como requisitos de admissibilidade indicados pelo Código de Processo Civil o cabimento, a legitimidade para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo. Segundo o doutrinador a distinção é apresentada tanto por Seabra Fagundes que os dividem em subjetivos e objetivos e por Barbosa Moreira que os separa em intrínsecos e extrínsecos (In Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 2009. p. 98/99).

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Aspectos comuns ao Recurso Extraordinário e Especial 21

qualquer recurso de instância ordinária15, há requisitos mais rigorosos que sur-gem exatamente em razão da natureza especial deles16.

Como já dito na introdução deste estudo, esses meios especiais de impug-nação (Recurso Especial e Recurso Extraordinário) não se destinam à correção de injustiças da decisão recorrida17. Não se discute, nestes recursos, o mérito da decisão impugnada de forma propriamente dita, mas, sim, a controvérsia a respeito da aplicação ou da interpretação da Lei Federal ou de dispositivo da Constituição Federal18.

Reitera-se que os recursos extremos têm objetivos maiores: No caso do Recurso Extraordinário, manter a prevalência da Constituição, a unidade e a harmonia do sistema jurídico; e, no caso do Recurso Especial, garantir a inte-gridade da norma positiva e a uniformidade de interpretação do direito federal entre os tribunais19. Trata-se de uma natureza excepcional diante da primazia do interesse público em detrimento do interesse direto das partes20.

São pressupostos específicos de admissibilidade comuns a essas duas espé-cies recursais:

1) a irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias (esgota-mento prévio das instâncias ordinárias);

2) circunscrição à matéria de Direito; 3) necessidade de formação da denominada “causa decidida” através

do prequestionamento.

15 RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO ensina sobre a separação dos recursos em dois grandes grupos. “alguns recursos têm forma menos rígida; são dirigidos a Tribunais locais ou regionais; não apresentam exigências específicas quanto à sua admissibilidade; comportam discussão de matéria de fato e de direito; e a mera sucumbência (= o fato objetivo da derrota) basta para deflagrar o interesse na sua interposição. A esses podemos chamar ‘comuns’, ‘normais’ ou ‘ordinários’, conforme a terminologia que se preferida. Naturalmente, os outros recursos que, ao contrário desses, apresentam uma rigidez formal de procedibilidade; são restritos às quaestiones juris; dirigem-se aos Tribunais de cúpula judiciária; não são vocacionados à correção da mera ‘injustiça’ da decisão; e apresentam, como diz Frederico Marques, a particularidade de exigirem ‘a sucumbência e um plus que a lei processual determina e especifica’, esses ficam bem sob a rubrica de ‘especiais’, ‘excepcionais’ ou ‘extraordinários’.” In Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007.

16 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007.17 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. p. 127.18 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2006. p. 569.19 THEODORO JR. Humberto. In Curso de Direito Processual Civil. 2010. p. 646.20 ORIONE NETO, In Recursos Cíveis. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 463.

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2.2 ReqUIsITOs COmUns (esPeCÍfICOs) de AdmIssIbILIdAde dO RECURSO ESPECIAL E DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

2.2.1) Irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias (esgotamento prévio das instâncias ordinárias)

Os recursos extremos só poderão ser utilizados quando não mais for possí-vel a utilização de qualquer recurso de instância ordinária. Por exemplo, decidi-da uma apelação em decisão singular, antes de se fazer o recurso especial e ou o recurso extraordinário, deve a parte prejudicada, obrigatoriamente, provocar a decisão colegiada através de recurso interno21. Enfim, deve o recorrente buscar a formação de uma decisão colegiada, que não pode mais ser atacada por recur-so de instância ordinária.

Não se pode olvidar que os recursos cíveis recebem classificação conforme a competência para julgamento (objeto) em recursos de instâncias ordinárias ou em recursos de instâncias extraordinárias. A classificação surge exatamente em função da matéria que poderá ser objeto de julgamento.

21 A obrigatoriedade de esgotamento das instâncias ordinárias também é exigida mesmo em casos de já se ter uma decisão colegiada. Há casos em que, mesmo já se tendo uma decisão colegiada sobre a questão de direito que se quer ver discutida no recurso especial, e sendo cabível embargos infringentes, a necessidade de interposição de tal recurso será medida que se impõe.

A referida questão já foi sumulada no Superior Tribunal de Justiça: “Súmula 207 – É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão

proferido no tribunal de origem.” Vejam-se os julgados do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre este assunto: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.

EMBARGOS INFRINGENTES. CABIMENTO. ART. 530 DO CPC. ESGOTAMENTO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA. SÚMULA 207/STJ. RECURSO ACOLHIDO COM EFEITO MODIFICATIVO. 1. Tendo o Tribunal de origem reformado, por maioria, a sentença de mérito em sede de apelação, são cabíveis embargos infringentes (art. 530 do CPC), como condição para o esgotamento de instância, pressuposto de admissibilidade do recurso especial. Incidência da Súmula 207 do STJ. 2. “A atribuição de efeitos modificativos aos embargos de declaração, a despeito de sua excepcionalidade, é medida perfeitamente cabível nas situações em que, sanada a omissão, contradição ou obscuridade, a alteração do julgado surja como conseqüência natural da correção ali efetuada.” (AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 1156920/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, unânime, DJe 21/09/2010) 3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar provimento ao agravo de instrumento.” (STJ. EDcl no AgRg no Ag 946.847-RJ. Quarta Turma. Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 06/10/11).

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRÉVIO ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 207 DO STJ. Compete ao recorrente esgotar a instância ordinária, opondo os embargos infringentes, quando o acórdão não unânime houver reformado, em apelação, a sentença de mérito. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg no Ag 659.944/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.08.2006 p. 562)”

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE. VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS NÃO EXAURIDAS. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 207 DA SÚMULA DO STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem (Súmula do STJ, Enunciado nº 207). 2. Agravo regimental improvido” (STJ. AgRg no Ag 520.534/RN, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 09.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 370).

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Aspectos comuns ao Recurso Extraordinário e Especial 23

Luiz Orione Neto ensina22:“Os recurso ordinários são aqueles que visam imediatamente a tutela do direi-to subjetivo das partes. A correção da decisão, no que tange especificamente à incidência correta da lei em questão, apenas é alcançada de forma mediata. Basta, para o cabimento desses recursos, que seja alegada a injustiça da de-cisão. De modo geral é também permitida ampla revisão da matéria fática e probatória, sem que haja exigência de demonstrar a aplicação específica de determinado texto legal.”

“Já os recursos extraordinários têm como objeto imediato a tutela do direito objetivo, ou seja, das leis e dos tratados federais, no caso do recurso especial; da Constituição Federal, no caso do recurso extraordinário stricto sensu; e de ambos, no caso dos embargos de divergência. Somente de uma forma reflexa ou mediata protegem estes recursos o direito subjetivo da parte, apesar de ser este o objeto psicológico direto que impulsiona a parte a recorrer. Entretanto, para o sistema não importa a eventual injustiça da decisão no caso concre-to, ao se examinar esses recurso, pois foram eles criados especialmente para garantir a integridade do sistema jurídico federal e o respeito às disposições constitucionais”.

Enfim, a necessidade de prévio esgotamento das instâncias ordinárias é tra-ço comum na disciplina dos recursos extraordinário e especial. Somente quan-do não houver mais possibilidade de interposição dos recursos ordinários, po-der-se-á atacar a decisão através dos recursos excepcionais.

O pressuposto de admissibilidade decorrente da irrecorribilidade da de-cisão justifica-se pela função desempenhada pelas Cortes Superiores na orga-nização judiciária brasileira. Permitir que as duas Cortes de cúpula apreciem decisões de maneira concorrente com órgãos jurisdicionais inferiores seria desnorteá-las de suas funções e colocar em cheque a estrutura judiciária. Da mesma forma, já autorizar aos Tribunais Superiores examina questões que ain-da poderiam ser examinadas nas instâncias ordinárias é esvaziar a relevância e importância daqueles tribunais.

O egrégio STF já sumulou a questão:“Súmula 281. É inadmissível o recurso extraordinário quando couber, na justi-ça de origem, recurso ordinário da questão impugnada”.

2.2.2) Circunscrição à matéria exclusivamente de direito

2.2.2.1) A limitação da discussão à questões exclusivamente de direito

Os recursos extraordinário e especial estão circunscritos à matéria de Direito, não se prestando a tratar das questões de fato. Esta delimitação do ob-jeto dos recursos excepcionais vai ao encontro da função das Cortes Superiores, competentes para seu julgamento.

22 ORIONE NETO, Luiz. In Recursos Cíveis. 2006. P. 29/30.

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Admitir que questões de fato voltem à tona e sejam debatidas no STF ou no STJ é fazer destas Cortes instâncias ordinárias, desnaturadas dos contornos que lhes deu a Lei Maior.

Por sua função específica, não podem os Tribunais Superiores, no julgamen-to dos recursos extraordinário e especial, buscar a revisão da questão fática para avaliar a interpretação que foi dada ao direito com base na prova dos autos. As instâncias ordinárias são soberanas quanto ao exame fático e, uma vez definido este contorno, a interpretação do Direito deve ser apenas uma. Não há dúvidas de que, para diferentes fatos, diferentes interpretações do direito podem ser feitas. Mas, para um mesmo fato, uma única interpretação deve ser realizada. É esta a razão pela qual não é dado aos Tribunais Superiores rever a interpretação do Direito se, para tanto, for necessário reexaminar o fato.

Os recurso extremos não podem ser transformados em uma nova apelação. Não se pode transformar a via excepcional dos recursos excepcionais em mera instância revisora da matéria fática, o que é inadmissível.

A questão já está sumulada e não admite interpretação diferente: “Súmula 07 do STJ - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Júlio Fabbrini Mirabete estudou o recurso extraordinário:“Visa não permitir que fique ao sabor da jurisdição estadual a interpretação das leis federais, desvirtuando-se o princípio fundamental da unidade do direi-to, consagrado na Constituição. Por isso, o recurso extremo está voltado para as questões jurídicas da causa, negando-se a possibilidade da apreciação do mérito da decisão recorrida”.23

Humberto Theodoro Júnior, ao tratar do especial, também esclarece:“Dito remédio de impugnação processual só terá cabimento dentro de uma função política, qual seja a de resolver uma questão federal controvertida. Atra-vés dele não se suscitam nem se resolvem nem questões de fato nem questões de direito local”.24

Compete soberanamente às instâncias ordinárias definir os contornos da base fática da causa, à luz da prova, afigurando-se inadmissível o reexame dessa moldura na estreita via dos recursos excepcionais, que deverão cingir-se à ma-téria de Direito limitada por competência constitucional.

O Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas ocasiões, firmou seu entendimento:

“Da leitura das razões do recurso especial é inevitável concluir que o provi-mento da pretensão recursal demandaria, necessariamente, a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, procedi-mento vedado em sede de recurso especial, conforme o teor do enunciado n. 7

23 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. Atlas, 1994, p. 660.24 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 616.

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Aspectos comuns ao Recurso Extraordinário e Especial 25

da Súmula do STJ.” (STJ. AgRg no REsp 995.514/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 14/11/2012)

“Para se chegar à conclusão diversa da firmada pelas instâncias ordinárias, se-ria necessário o reexame das provas carreadas aos autos, o que, entretanto, encontra óbice na Súmula 7 desta Corte, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” (STJ. AgRg no Ag 1336961/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 13/11/2012)

“Não há de ser conhecido o recurso especial se o exame da suposta contrarie-dade do julgado a dispositivos de lei estiver condicionado à (re)avaliação de premissa fática estabelecida no âmbito das instâncias ordinárias. Aplicação da Súmula 7/STJ.” (STJ. REsp 536.632/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORO-NHA, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 17/08/2009).

Porém, não se pode negar a competência dos tribunais superiores para exa-minar e decidir sobre a melhor interpretação da norma frente a um contorno fático já delimitado. Se a questão jurídica for levantada e questionada à luz da-quilo que foi provado nas instâncias ordinárias, mas que ensejou uma interpre-tação equivocada da lei ou da Constituição Federal por parte do tribunal a quo, os tribunais superiores deverão ser chamados a se pronunciar sobre a questão.

2.2.2.2) questões controvertidas sobre matéria de fato e de direito (revaloração X reexame e outros assuntos)

A restrição dos recursos excepcionais à matéria de Direito, no plano teórico, não comporta grande celeuma. No entanto, na aplicação prática, a questão apa-rece controvertida, em vista da dificuldade de, em alguns casos, transpor a área nebulosa que divide questão de fato e questão de Direito. Dentre as matérias mais controvertidas, pode-se citar a interpretação dos contratos e a discussão sobre prova.

Vejam-se algumas súmulas.Do STF:

“Súmula 279. Para simples reexame da prova não cabe recurso extraordinário”.

“Súmula 454. A simples interpretação das cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”.

E do STJ:“Súmula 5. A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.

“Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

A qualificação do negócio jurídico é matéria de Direito. Athos Gusmão Carneiro, afirma:

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CAPÍTULO VIII - APLICAçãO DE ALGUMAS SÚMULAS

8.1 Súmula 400 do STF - 8.2 Súmula 284 do STF - 8.3 Súmula 322 do STF - 8.4 Súmula 13 do STJ - 8.5 Súmula 98 do STJ - 8.6 Súmulas 279 do STF e 7 do STJ – 8.7 Súmulas 283 do STF e 126 do STJ – 8.8 Súmulas 286 do STF e 83 do STJ - 8.9 Súmulas 282 e 356 do STF e Súmula 211 do STJ - 8.10 Súmulas 454 do STF e 5 do STJ - 8.11 Súmulas 418 do STJ - 8.12 Exame sobre todos os principais obstáculos de admissibilidade dos recursos extremos apenas com fundamentos em súmulas dos tribunais superiores

8.1 súmULA 400 dO sTf“Súmula 400. Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal”.

Esta Súmula foi editada na vigência da Constituição de 1946 que, seguida pela Constituição de 1967, não tratava do recurso especial, concentrando as ques-tões constitucional e federal no mesmo meio de impugnação, o extraordinário.

A edição da Súmula 400 teve o intuito de desafogar o Tribunal Supremo do excesso de recursos extraordinários baseados na hipótese de decisão que contrariou a letra da lei federal. Assim, segundo a referida Súmula, a decisão judicial pode até mesmo não dar a melhor interpretação ao texto de lei, mas, se a interpretação dada for razoável, não será cabível o recurso extremo.

A constituição de 1988 criou o recurso especial, destinando ao STJ a ques-tão federal e reservando ao STF, por meio do extraordinário, a questão consti-tucional. A hipótese do artigo 101, III, da Constituição de 1946, agora, tratada na alínea a do artigo 105, III, da CR teve sua redação alterada, não se fazendo referência à contrariedade da “letra da lei”, mas a “contrariar a lei federal, ou negar-lhe vigência”.

A alteração trazida pelo constituinte de 1988 criou uma polêmica sobre a aplicação da Súmula 400 do STF na sistemática da atual Constituição.

A polêmica é simples. Se o STJ foi incumbido da função de uniformizar a interpretação da norma, não se pode admitir que determinado texto de lei te-nha duas interpretações, cabendo ao STJ pronunciar-se a respeito da melhor interpretação.

Entender de forma diferente, é permitir a contrariedade de uma lei ao sim-ples argumento de que a sua interpretação não foi absurda é usurpar a compe-tência do STJ como intérprete máximo da lei federal

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Bernardo Ribeiro Camara118

Frisa-se, ainda, que a Constituição Federal, ao se referir a contrariar a lei, quer dizer contrariar o espírito da lei, pelo que não se pode falar de interpreta-ção razoável, mas em uma única interpretação, que deve ser a correta.

Rodolfo de Camargo Mancuso123, citando Vicente Greco, doutrina sobre a contrariedade de lei federal:

“Contrariar é decidir em desacordo com a mens legis e o comando legal não comporta, objetivamente, duas interpretações contraditórias e igualmente aceitáveis.”

Athos de Gusmão Carneiro124, depois de filiar-se à corrente que defendia a aplicação da Súmula 400, reviu seu posicionamento e passou a não admitir a aplicação do referido enunciado, sob o argumento de que não se pode falar, em recurso especial de interpretação razoável, mas, correta ou incorreta, pelo que só uma será possível.

Seabra Fagundes125 mostra uma incongruência entre a Súmula 400 do STF e a hipótese de cabimento do recurso especial baseado em dissídio jurispruden-cial, uma vez que se admite o recurso excepcional quando houver duas interpre-tações da lei federal realizadas por tribunais diferentes, como intuito de dizer qual a correta, mas, de outro lado, admite a aplicação da Súmula 400 com a vali-dade de duas interpretações divergentes, sob o argumento de que são razoáveis.

Em relação à questão constitucional, o Ministro Roberto Rosas126 e Sérgio Rizzi127 afastam a aplicação da Súmula 400, por esta não se referir ao termo Constituição.

Nesse sentido:“Temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria nature-za de que se revestem, à incidência do Enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Essa formulação sumular não tem qualquer pertinência e aplicabilidade às causas que veiculem, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede recursal extraordinária, questões de Direito Constitucional positivo. Em uma palavra: em matéria constitucional não há que cogitar de interpre-tação razoável. A exegese de preceito inscrito na Constituição da República, muito mais do que simplesmente razoável, há de ser juridicamente correta” (AGRAG-145680/SP, Relator Min. CELSO DE MELLO, DJ 30-04-93 PP-07567, PRIMEIRA TURMA).

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira já votou pela incompatibilidade da aplicação da Súmula 400 do STF diante da atual Constituição:

123 Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 6ª ed.São Paulo: RT, 2000, p.172124 CARNEIRO, Athos de Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. Rio de Janeiro: Forense. p. 37 e

38.125 SEABRA FAGUNDES, Miguel. Dos Recursos Ordinários em Matéria Cível. Rio de Janeiro: Forense . 989, p.

317.126 ROSAS, Roberto. Direito Sumular. São Paulo: Ed. RT. 3ª ed., 1986, p. 172.127 RIZZI, Sérgio Souza de. Do Recurso Extraordinário. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, n. 27, p. 43.

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Aplicação da algumas súmulas 119

“O enunciado n. 400 da Súmula STF é incompatível com a teleologia do sis-tema recursal introduzido pela constituição de 1988” (RESP 5936/PR, DJ 07/10/1991 PG:13971, RELATOR MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA).

Não obstante as críticas, existem decisões no STJ que utilizam a Súmula 400 do STF quando o recurso especial não está bem fundamentado ou quando se opõe contra jurisprudência do próprio STJ.

“Além do mais, o acórdão recorrido, ao concluir, na espécie, que seria cabível a conversão em perdas e danos, deu interpretação razoável à lei, o que atrai a incidência, por analogia, da súmula 400 do Supremo Tribunal Federal.” (STJ. AgRg no Ag 1037944 / RJ. Quarta Turma. Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES. DJe 09/11/09).

“Recurso especial. Caso de não-cabimento, à vista das Súmulas 400 e 284/STF, e da Súmula 7/STJ. Agravo regimental desprovido” (AGA 171606/MG, DJ 10/08/1998 PG:00070, RELATOR MIN. NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA).

8.2 súmULA 284 dO sTf“Súmula 284. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”

A orientação dada pela Súmula 284 é aplicável, em verdade, a todos os re-cursos. O recurso deve ser fundamentado de maneira clara, precisa, explicitan-do todas as razões que embasem o seu pedido de impugnação.

Cabe ao Recorrente, e apenas a ele, o dever de expor as razões pela qual entende que o seu inconformismo deve ser acolhido. E, nesse ponto, não basta indicar os dispositivos legais tidos por violados, mas, sim, expor as razões pelas quais entende que a decisão deva ser reformada.

A fundamentação clara e precisa das razões do recurso também se faz ne-cessária por pelos menos dois outros motivos: 1) evitar que o recorrido tenha a sua defesa prejudicada por não saber quais são as razões do recorrente, 2) propiciar ao julgador o melhor exame da causa, sem que tenha que estender o julgamento e, desta forma, ofender ao princípio da imparcialidade.

Entretanto alguns julgadores utilizam-se da Súmula 284 para justificar um formalismo excessivo, como por exemplo, a exigência da indicação do texto le-gal supostamente ofendido pela decisão recorrida, ainda que a exposição das razões do recurso esteja satisfatoriamente clara.

Vejam-se alguns julgados aplicando a da Súmula 284 do STF:“Considera-se deficiente de fundamentação o recurso especial que não indica os dispositivos legais supostamente violados pelo acórdão recorrido, circuns-tância que atrai a incidência, por analogia, do enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal”. (STJ. AgRg no Ag 1132774 / RJ. Terceira Turma. Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJe 13/12/12).

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Bernardo Ribeiro Camara120

“Não se pode conhecer da violação ao art. 535 do CPC, pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação dos pon-tos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros. Incide, no caso, a Sú-mula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.” (STJ. AgRg no AREsp 199070 / SP. Segunda Turma. Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES. DJe 10/12/12).

“O agravante deixou de expor de modo fundamentado e convincente como os dispositivos legais teriam sido violados pelo acórdão recorrido, atraindo a incidência do enunciado 284 da Súmula do STF, por analogia.” (STJ. AgRg no AREsp 113627 / SP. Quinta Turma. Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. DJe 04/12/12).

“A agravante limitou-se a mencionar, genericamente, que houve ofensa aos arts. 458, II, e 535 do CPC sem, contudo, esclarecer os pontos sobre os quais o Tribunal de origem foi omisso, atraindo o óbice do enunciado 284 da Súmula do STF.” (STJ. AgRg no REsp 764027 / RS. Quarta Turma. Relator(a) Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 11/12/12).

“Considera-se deficiente de fundamentação o recurso especial que, apesar de apontar o preceito legal tido por violado, não demonstra, de forma clara e pre-cisa, de que modo o acórdão recorrido os teria contrariado, ou apresenta argu-mentação dissociada da sua literalidade, circunstância que atrai, por analogia, a Súmula nº 284 do STF.” (STJ. AgRg no REsp 536787 / RS. Terceira Turma. Re. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJe 26/11/12).

8.3 súmULA 322 dO sTf“Súmula 322. Não terá seguimento pedido ou recurso dirigido ao STF, quando manifestamente incabível, ou apresentado fora do prazo, ou quando for evi-dente a incompetência do tribunal”

O artigo 38 da Lei 8.038/90 e o artigo 34, XVIII, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça corroboram este enunciado, ao tratar das atribui-ções do relator.

Trata-se de questão referente ao princípio da fungibilidade aplicado aos re-cursos no âmbito das Cortes Superiores.

O princípio da fungibilidade consubstancia-se na possibilidade de conver-são de um recurso em outro, na hipótese da parte equivocar-se. O que se vis-lumbra com a aplicação deste princípio é a valorização do direito material da questão impugnada, em detrimento da forma.

O Código de Processo Civil de 1939, em seu artigo 810, adotou o princípio da fungibilidade, desde que não houvesse erro grosseiro do recorrente.

O Estatuto atual silenciou-se quanto ao princípio da fungibilidade, abrindo campo para discussões a respeito de sua aplicação.

Pela leitura da Súmula 322 e dos referidos dispositivos normativos, tem-se como clara a não-aplicação deste princípio no manejo dos recursos excepcio-nais. No entanto, com o intuito de ampliar o direito de recorrer e permitir o

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Aplicação da algumas súmulas 121

amplo acesso ao judiciário, o STF e o STJ vêm admitindo o princípio da fungibi-lidade, desde que presentes os seguintes requisitos:

1. Existir dúvida objetiva sobre qual recurso a ser interposto;2. Não incorrer a parte em erro grosseiro configurado quando a lei é clara e

expressa sobre a espécie recursal correta;3. Que não tenha decorrido o prazo para interposição do recurso correto.

“Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade, quando não satis-feitos os pressupostos recursais do recurso cabível (AGRRE-255542/CE, RE-LATORA MIN. ELLEN GRACIE, PRIMEIRA TURMA).

“Inviabilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal ante: a) intempestividade, b) existência de erro grosseiro e c) especificidade dos re-cursos” (AGRAR 1354/CE, DJ 05/03/2001 PG:00121, RELATOR MIN. GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO).

“Inviável o recebimento de embargos de divergência como agravo regimental, visto que o princípio da fungibilidade recursal reclama a existência de erro es-cusável, bem como a obediência ao prazo para interposição do recurso adequa-do, pressupostos estes que não se configuram nesta hipótese” (AGP 1412/SC, DJ 25/06/2001 PG:00097, RELATOR MIN. GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO).

8.4 SÚMULA 13 DO STJ“Súmula 13. A divergência de julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial”.

Esta súmula refere-se à hipótese da alínea c do artigo 105, III, CR e é decor-rência lógica deste dispositivo constitucional, vez que seu texto diz expressa-mente “interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

Portanto, a divergência exigida para a interposição do recurso especial com fundamento em dissídio jurisprudencial é aquela que se funda em decisões de tribunais distintos, e que podem ser até do mesmo Estado, como por exemplo, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Alçada de Minas Gerais.

“2. Em relação à divergência jurisprudencial, a ora agravante colacionou acór-dão do mesmo Tribunal a fim de caracterizar o dissenso, o que atrai a incidên-cia da súmula 13 do STJ. 3. A interposição de recurso manifestamente inadmis-sível ou infundado autoriza a imposição de multa, com fundamento no art. 557, § 2º, do CPC.” (STJ. AgRg no REsp 1348936 / RS. Quarta Turma. Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO. DJe 27/11/12).

“Com relação aos acórdãos paradigmas trazidos para o cotejo oriundos do pró-prio Tribunal que proferiu a decisão recorrida, qual seja, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, não há como conhecer do apelo extremo, haja vista o disposto na Súmula 13 deste Sodalício, in verbis: “A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial”.” (STJ. REsp 1241172 / RJ. Se-gunda Turma. Rel. Min. CASTRO MEIRA. DJe 10/05/11).

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Bernardo Ribeiro Camara122

8.5 SÚMULA 98 DO STJ“Súmula 98. Embargos de Declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório”.

O prequestionamento é requisito essencial dos recursos excepcionais. Quando ausente, deve a parte interpor embargos de declaração objetivando sanar a omis-são do tribunal sobre a questão federal ou constitucional debatida no processo.

Ocorre que alguns tribunais passaram a entender que os embargos pre-questionadores interpostos com finalidade de viabilizar os recursos excepcio-nais tinham caráter protelatório.

Em resposta a este entendimento, o STJ editou a Súmula 98 e assim vem aplicando-a:

“Embargos Declaratórios opostos com o nítido propósito de esclarecer a pre-tensão recursal e evidenciar a tese do Recorrente, não se evidencia o caráter protelatório, inviável impor a multa a que se refere o art. 538 do CPC, incidindo a Súmula nº 98 desta Corte.” (STJ. AgRg no AREsp 229238 / RJ. Terceira Turma. Rel. Min. SIDNEI BENETI. DJe 09/11/12).“1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de ori-gem, de forma suficientemente ampla e fundamentada, deve ser afastada a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. 2. Não identificado o caráter protelatório dos embargos de declaração ou o abuso da recorrente pela sua oposição, impõe-se o afastamento da multa processual, nos termos do enunciado 98 da Súmula do STJ.” (STJ. EDcl no AgRg no Ag 735051 / RS. Quarta Turma. Relator(a) Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 25/10/12).Nos termos do enunciado nº 98 da Súmula/STJ, os embargos de declaração manejados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter pro-telatório.” (STJ. EDcl no REsp 1155274 / PE. Terceira Turma. Relator(a) Minis-tra NANCY ANDRIGHI. DJe 21/09/12).

8.6 súmULAs 279 dO sTf e 7 dO sTJ“Súmula 279. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

“Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Os recursos excepcionais estão restritos à matéria de Direito. Sua função é uniformizar a interpretação da legislação federal e da Constituição. Os recursos dirigidos ao STF e ao STJ não comportam análise fática, razão pela qual são in-seridos na categoria dos recursos excepcionais.

As súmulas 279 do STF e 7 do STJ foram editadas com o objetivo de evitar que estes meios de impugnação sirvam para reexame de prova.

Entretanto, deve-se distinguir o reexame de prova de sua valoração. Esta está ligada ao peso e medida da prova abstratamente considerada, ao seu valor probatório; é, portanto, questão de Direito, passível de discussão por via dos recursos excepcionais.

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Aplicação da algumas súmulas 123

Já o reexame de prova consiste na avaliação da prova concretamente consi-derada: se é suficiente para embasar as alegações, o que já deveria ter sido feito nas vias ordinárias e, por isso, matéria estranha aos recursos extraordinário e especial.

Neste sentido, a lição do Ministro Rodrigues Alckmin128:“O chamado erro na valorização ou valoração das provas, invocado para permi-tir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser erro de Direi-to, quanto ao valor da prova abstratamente considerado.

“Mas, quando, sem que a lei federal disponha sobre o valor probante, em abs-trato, de certos meios de prova, o julgado local, apreciando o poder de convic-ção dela, conclua (bem ou mal) sobre estar provado, ou não, um fato, aí não se tem ofensa a direito federal.”

“Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, sob calor de valorar a prova, rea-preciá-la em seu poder de convicção, no caso, para ter como provado o que a instância local disse não estar. Seria, induvidosamente, transformar o recurso extraordinário em uma segunda apelação, para a apreciação de provas (que se consideram mal apreciadas) quanto aos fatos da causa”.

Vejam-se julgados em aplicação das referidas súmulas:“Inviável a análise de contrato e de provas no âmbito do recurso especial. Óbice das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.” (STJ. AgRg no AREsp 65783 / RS. Quarta Turma. Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA. DJe 14/12/12).

“Cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e pro-batório a fim de analisar se os elementos do fato típico restaram preenchidos e se existem provas suficientes nos autos aptas a ensejar a condenação, bem como proceder à adequada dosimetria da pena. Incidência do enunciado nº 7 da Súmula desta Corte.” (STJ. AgRg no REsp 1134027 / RS. Sexta Turma. Rela-tor(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. DJe 12/12/12).

“Rever o entendimento exposto pelo Tribunal de origem, com a consequente alteração do julgado impugnado, pretensão aduzida no recurso especial, exigi-ria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ.” (STJ. AgRg no REsp 1248971 / RJ. Terceira Turma. Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJe 06/12/12).

8.7 súmULA 283 dO sTf e 126 dO sTJ“Súmula 283. É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.

“Súmula 126. É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido as-senta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles su-ficiente, por si só, para mantê-lo e a parte não manifesta recurso extraordinário”

Estas súmulas tratam de situação em que o acórdão, ao tratar de um deter-minado tema jurídico, está embasado em mais de um fundamento que, sozinho,

128 RE 84.669, RTJ 86/558.

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135

CAPÍTULO IX - PEçAS PRÁTICAS

9.1 Modelo de Recurso Extraordinário - 9.2 Modelos de Recurso Especial - 9.3 Modelos de Contrarrazões a RExt e Resp - 9.4 Modelo de Agravo denegatório para o STJ ou STF - 9.5 Modelo de Agravo Interno no STJ 9.6 Modelos de Defesa de Agravo denegatório- 9.7 Modelo de Embargos de Declaração para fins de prequestionamento - 9.8 Modelo de Embargos de Divergência - 9.9 Modelo de Medida Cautelar para dar efeito suspensivo a Recurso especial

9.1 MODELO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Exmo. Desembargador PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Apelação cível n. xxxxxxxxxxxxxxxxxxx1ª Câmara CívelRecorrente: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxRecorridos: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, já qualificado nos autos da apelação cível n.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxx, em que contende com xxxxxxxxxxxxxxxxxxx, não se conformando com o acórdão que julgou a apelação e que se complementou com o acórdão que jul-gou os embargos de declaração, rejeitando-os, interpõe RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com base no art. 102, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, pelos argumentos jurídicos a seguir expostos.

Requer que o recurso seja admitido a fim de que o Supremo Tribunal Federal possa conhecê-lo e provê-lo.

Requer, ainda, a inscrição do advogado Bernardo Ribeiro Camara, OAB/MG 76.740, para efeito de publicação nestes autos no Supremo Tribunal Federal.

Deixa de juntar comprovante de recolhimento do preparo recursal, por estar sob o pálio da Lei de Assistência Judiciária (Lei n. 1.060/50), conforme fls. 62-TJ.

Pede deferimento.De Belo Horizonte/MG para Brasília/DF, 03 de julho de 2012. Bernardo Câmara João Ribeiro de OliveiraOAB/MG 76.740 OAB/MG 94.771Flávio Freire Julio Cezar FraizOAB/MG 104.842 OAB/MG 142.145

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Bernardo Ribeiro Camara136

RAZÕES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Apelação cível n. xxxxxxxxxxxxxxxxxxx 1ª Câmara CívelRecorrente: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxRecorridos: xxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxEgrégio Superior Tribunal de JustiçaColenda Turma Julgadora

I) TempestividadeO acórdão que rejeitou os embargos de declaração foi publicado no dia 22/06/2012,

sexta-feira, estabelecendo-se o dia inicial da contagem do prazo em 25/06/2012, segun-da-feira, e o dia final em 09/07/2012, segunda-feira.

A tempestividade deste recurso especial é inconteste.II) Exposição do fato e do direitoII.1) Síntese da controvérsiaTratam-se os autos de “Ação de Rito Sumário cumulada com Repetição de Indébito”

ajuizada por xxxxxxxxxxxxxxxxxxx, ora recorrente, em face do xxxxxxxxxxxxxxxxxxx e do xxxxxxxxxxxxxxxxxxx, ora recorridos, com o escopo de declarar a inconstitucionalidade/ilegalidade do desconto previdenciário incidente sobre o vencimento dos servidores mi-litares inativos do Estado de Minas Gerais.

Em primeira instância, o pedido foi julgado totalmente procedente, conforme se ex-trai do dispositivo da sentença (fls. 191/192-TJ). Veja-se:

“Posto isso, julgo procedente o pedido e reconheço a ilegalidade do desconto previdenciário de 8% referente à contribuição previdenciária denominada ‘IPSM MENSALIDADE’, incidente sobre a parcela de proventos inferiores ao limite consti-tucional de isenção previsto no art. 5º da EC/2003, ficando mantida a prestação do serviço médico ao autor e a seus dependentes enquanto não houver a devida adequa-ção legal estabelecendo qual percentual da contribuição será destinado ao mesmo.”

Os ora recorridos interpuseram recurso de apelação requerendo a reforma inte-gral da sentença para continuar realizando o desconto previdenciário no vencimento do recorrente.

A 1ª Camara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento à apelação para reformar integralmente a sentença, conforme ementa a seguir:

“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - SERVIDORES MILITARES INATIVOS - LEGALIDADE DOS DESCONTOS - SENTENÇA REFORMADA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. - A partir da Emenda Constitucional n. 18/98, em razão da inexistência de norma constitucional que vin-cule o regime previdenciário dos militares e pensionistas ao regime dos servidores civis, quanto às prestações de assistência médica, social e previdenciária e, ao con-trário, estabelecendo a nova ordem constitucional que o regime de previdência dos servidores militares se submeterá ao disposto em legislação específica, não se há falar na ilegalidade dos descontos efetuados a título de contribuição previdenciária

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Peças práticas 137

instituída pela Lei Estadual n. 10.366/90 e suas alterações posteriores. - Sentença re-formada em reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário. (TJMG. Apelação Cível 1.0480.09.127811-3/001, Rel. Des.(a) Eduardo Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/04/2012, publicação da súmula em 11/05/2012)

Em face do acórdão que julgou a apelação cível foram opostos embargos de declara-ção, a fim de sanar contradição e omissão contidas no acórdão. Entretanto, os referidos embargos de declaração foram rejeitados, conforme ementa a seguir:

“EMBARGOS DECLARATÓRIOS - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 535 DO CPC - REJEIÇÃO DO RECURSO. - O Juiz, para fundamentar a sua decisão, não precisa apreciar todas as questões arguidas pelas partes, se uma delas é suficiente para a sua conclusão. Não carece de analisar todos os dispositivos legais levantados pela ora em-bargante, se entende que parte deles é suficiente a embasar seu entendimento. - Não se justifica, sob pena de grave disfunção jurídico-processual, a inadequada utilização dos Embargos Declaratórios, com o propósito de questionar a correção do julgado para se obter a desconstituição do ato decisório. Não cabem embargos de declaração para elucidação de voto proferido, sobretudo quando é possível conhecer o seu exato alcance, não demonstrada qualquer obscuridade e/ou omissão. A contradição que au-toriza os embargos de declaração é do julgado com ele mesmo, jamais a contradição com o entendimento da parte. - Ainda que voltados ao prequestionamento, para fins de interposição de recurso especial ou extraordinário, devem os embargos obser-var os requisitos traçados no art. 535 do CPC. - Embargos rejeitados. (Embargos de Declaração-Cv 1.0480.09.127811-3/002, Rel. Des.(a) Eduardo Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/06/2012, publicação da súmula em 22/06/2012)”

Assim, diante do entendimento adotado pelo acórdão recorrido, foram contrariados dispositivos constitucionais, o que autoriza a interposição deste recurso extraordinário com base no art. 102, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República.

II.2) Da matéria, exclusivamente de direito e constitucional, que será objeto de discussão nesta estreita via recursal

A partir da vigência da referida EC n. 41/2003, a contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores inativos passou a ser constitucional, desde que o desconto incidisse somente sobre a parcela dos proventos que ultrapassem o teto estabele-cido para os benefícios do Regime Geral da Previdência social.

Ressalte-se, ademais, que a partir da edição da Emenda Constitucional n. 18/1998, não mais existe diferença no tratamento entre os servidores públicos civis e os servidores públicos militares. Todos são servidores públicos, submetidos às mesmas regras, ou seja, submetidos àquelas que se aplicam à Administração Pública em geral.

Tendo em vista o que foi o exposto, o acórdão recorrido contrariou frontalmente as normas constitucionais, tendo em vista que validou a incidência de contribuição previ-denciária sobre a integralidade dos proventos do recorrente, que é servidor militar inati-vo do Estado de Minas Gerais.

Com isso, o acórdão recorrido contrariou frontalmente o que dispõe o art. 40, §18º, que determina que a contribuição previdenciária incide sobre os proventos dos servi-dores públicos inativos que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios

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Bernardo Ribeiro Camara138

do Regime Geral de Previdência Social de que trata o art. 201, também da Constituição Federal, sem qualquer distinção entre civis e militares.

O art. 5º, incisos XXXV e LV, e o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, também fo-ram contrariados, uma vez que, ao rejeitar os embargos de declaração, sem sanar a omis-são apontada no referido recurso, a Turma Julgadora impediu e frustrou a possibilidade do recorrente em se insurgir contra o acórdão recorrido em virtude da não formação da causa decidida nas instâncias ordinárias.

Nesses casos, a teor do artigo 102, III, “a”, da Constituição da República, o recurso especial torna-se o único instrumento posto à disposição da recorrente para modificar a decisão do Tribunal de origem e restabelecer o correto sentido da legislação acima especificada.

Por fim, vale ressaltar que, naquilo que se fizer necessário, a questão constitucio-nal será enfrentada considerando a base fática definida no próprio acórdão recorrido (com a transcrição de trechos do acórdão) sem qualquer necessidade de reexame fático dos autos, afastando-se, desde já, a incidência da Súmula 279 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

II.3) Recurso interposto sob o pálio da Lei de Assistência Judiciária Gratuita (Lei n. 1.060/50)

Veja-se trecho do acórdão recorrido (fls. 251):“Condeno o autor no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que ora os

arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), suspendendo, entretanto, a exigibilidade dessas cobranças, em razão do deferimento dos benefícios da justiça gratuita.”

Conforme restou consignado no acórdão recorrido, o recorrente está litigando sob o pálio da Lei de Assistência Judiciária (Lei n. 1060/50), portando, não há necessidade de recolhimento do preparo recursal.

III) Demonstração de cabimento do recurso extraordinário

III.1) REPERCUSSÃO GERAL – a matéria discutida neste recurso extraordinário já está afetada com repercussão geral, conforme RE n. 596.701, de relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – necessidade de sobrestamento

O §3º, do art. 102, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004 dispõe:

“§3º - No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela ma-nifestação de dois terços de seus membros.”

A matéria discutida neste recurso já teve sua repercussão geral reconhecida pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, conforme decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário n. 45/2004, de relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. Veja-se a ementa:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR INATIVO. REGIME PREVIDENCIÁRIO APLICÁVEL. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RELEVÂNCIA JURÍDICA E ECONÔMICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA