capítulos de história de paraíba do sul

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Y A edição deste livro foi possível graças ao apoio financeiro de ARGO INDÚSTRIA H COMÉRCIO S. A. Metalurgia em geral CERÂMICA VAZ LTDA. Sítio do Castelo -— Chacarinha Cia. das AGUAS MINERAIS SALUTARIS Parque das Fontes e Hotel COMÉRCIO DE PETRÓLEO TRIÂNGULO LTDA. Posto São Geraldo Barão de Angra FÁBRICA DE RENDAS FINAS PARAÍBA S. A. Primeira em seu qênero no País VIAÇÃO SALUTARIS E TURISMO S. A. Rio de Janeiro — São Paulo Vitória da Conquista (BA) PREFEITURA MUNICIPAL DE PARAÍBA DO SUL Veada em benefício da instituição de utilidade pública federal que o edita IRMANDADE NOSSA SENHORA DA PIEDADE Asilo Educandário Hospital Rua Provedor Randolfo Penna Jr.. 300 Morro de Santo António, PARAÍBA DO SUL, RJ PEDPÒ GOMIuS DAÔÍLVA CAPÍTULOS DE I116TÓQ1A DE PADAIDA DO SUL NOTAS E ESTUDO ARNAUD PIERRE Jfewfoitur* Municipal d* Pajsdba 4»-9«.t da Conceição .\. Ptiss«* N? de Acervo do Registro PARAÍBA DO SUL 1991

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Fantástico livro escrito por Pedro Gomes da Silva e notas e estudos ralizados por Arnaud Pierre que conta em uma leitura agradável fatos históricos e importantes do município de Paraíba do Sul, estado do Rio de Janeiro

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Page 1: Capítulos de História de Paraíba do Sul

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A edição deste livro foi possível graças ao apoio financeiro de

ARGO — INDÚSTRIA H COMÉRCIO S. A.Metalurgia em geral

CERÂMICA VAZ LTDA.Sítio do Castelo -— Chacarinha

Cia. das AGUAS MINERAIS SALUTARISParque das Fontes e Hotel

COMÉRCIO DE PETRÓLEO TRIÂNGULO LTDA.Posto São Geraldo — Barão de Angra

FÁBRICA DE RENDAS FINAS PARAÍBA S. A.Primeira em seu qênero no País

VIAÇÃO SALUTARIS E TURISMO S. A.Rio de Janeiro — São Paulo — Vitória da Conquista (BA)

PREFEITURA MUNICIPAL DE PARAÍBA DO SUL

Veada em benefício da instituição deutilidade pública federal que o edita

IRMANDADE NOSSA SENHORA DA PIEDADE

Asilo — Educandário — Hospital

Rua Provedor Randolfo Penna Jr.. 300Morro de Santo António, PARAÍBA DO SUL, RJ

PEDPÒ GOMIuS DAÔÍLVA

CAPÍTULOS DE I116TÓQ1A DE

PADAIDA DO SUL

NOTAS E ESTUDO

ARNAUD PIERRE

Jfewfoitur* Municipal d* Pajsdba 4»-9«.tda Conceição .\. Ptiss«*

N? de Acervo

do Registro

PARAÍBA DO SUL

1 9 9 1

Page 2: Capítulos de História de Paraíba do Sul

A divulgação deste livro teve o apoio de

JORNAL DE PARAÍBA DO SUL (diário) e

RÁDIO JORNAL DE PARAÍBA DO SUL FM

Silva, Pedro Gomes da 1909-1971

Capítulos de História de Paraíba do Sul/ Pedro Gomes da Silva; notas e es-tudo de Arnaud Pierre. — Paraíba doSul, RJ; Irmandade Nossa Senhora daPiedade, 1991

208 p.: il.; 21 cm

Bibliografia : p. 207 e 208Inclui índice

1. Paraíba do Sul (RJ) — História

l. Pierre, Arnaud / II Título

CDD - 981.53

EDITORA — Cia. Brasileira de Artes Gráficas

Rua Riachuelo, 128 - Centro - Rio de Janeiro - RJ

Tiragem desta edição 1 000 exemplares.

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índice

agradecimento

apresentação

prefácio

o- caminho novo

freguesia da santa virgem

fa' villa de parahyba

'cidade de parahyba do sul

'o foro dos cearenses

Õ lavapés e a ponte

;.< ó município — freguesias

são josé do rio preto

^sebolas$£•'• encruzilhada

J'tr bempostato município — distritos

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Page 3: Capítulos de História de Paraíba do Sul

vfazendas pioneiras . .

secretário

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governo

sebolas

três barras

mato-grosso

matozinhos

boavista

santana

fazendas "filhote" . . . .glória di

recato

paciência

reforma

rio-novo

cruz da

santa rosa

são João

equívocos sobre paraíbaapêndice 1

apêndice 2

apêndice 3

apêndice

bibliografia

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Agradecimento

Suiparaibano de adoção, quando escolhi viver em Paraíbado Sul, há quase quarenta anos passados, já Pedro Gomes daSilva começara sua carreira pública e se estabilizara na pro-fissional definitiva, como servidor da coletoria das rendas esta-duais. De modo que não o conheci moço e em formação, na-quela época da vida que, se comparada às de mais tarde, pode-seaceitar como de lazer e voltada a prazeres e amizades.

Os afazeres profissionais e de família, dele e meus, porfim não nos proporcionaram oportunidade de contato maior; mashá. muitos anos, já, ouvi que escrevera sobre nossa cidade. Ea oportunidade de vir a ser publicado sob os auspícios destaIrmandade a que serviu como provedor, antes de mim, me pa-rece muito feliz a quantos amam nossa Paraíba e querem a estacentenária instituição, nascida do povo, fundada que foi porgente enobrecida sob a bênção do trabalho. Como sabemos,de trabalho foi a vida do visconde do Rio Novo, da condessasua esposa e do amigo e companheiro de lutas no início, o barãoRibeiro de Sá, que dirigiu nossa Instituição em momento difícil6 a encaminhou à vitória e perenidade, enquanto senso de res-ponsabilidade social e fraternidade houver entre os homens.

Sei que Pedro Gomes da Silva fala dos fundadores destaIrmandade quanto à vida particular, de luta diária, organizada,orientada para a estabilidade própria e da comunidade, enfim,para um objetivo que,, rnais de século passado sobre eles, osque vivemos hoje bendizemos e temos por Deus abençoado.p É quanto basta, essa notícia dos Fundadores enquanto ho-

mens e fora de seus planos e preocupações com esta Casa,p"ara justificar a publicação desta obra sob sua responsabilidade.Quánto mais soubermos deles e de como viveram, e de seusíjontemporâneos que nos legaram esta Paraíba, tanto mais sã-s''à-;-- ' • ,' "

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Page 4: Capítulos de História de Paraíba do Sul

beremos como trabalhar aqui e passá-las, a Cidade e esta Casa,aos que vierem depois de nós.

Cumpre agradecer ao professor Manoel Gonçalves d'As-»f;cenção a notícia que nos deu sobre o livro que publicamos. E

aos amigos desta irmandade e de Paraíba do Sul, que nos aju-daram a fazê-lo : os srs. Nelson Espíndola de Aguiar e FranciscoN. Mello Portela, por suas firmas; e os srs. sócios de ARGO —Indústria e Comércio S/A., Cerâmica Vaz Ltda., Fábrica de Ren-das Finas Paraíba S/A. e Viação Salutaris e Turismo S/A.

Agradecemos ainda a nosso prefeito, o sr. Ronaldo de Oli-veira Santos, a quem desejo também saudar pela tão sonhadarecuperação do Palacete Ribeiro de Sá, agora nossa "Casa daCultura", onde Paraíba do Sul aprenderá a estimar-se mais, cul-tuando os que trabalharam por ela no Passado.

Octavio Vieira

Provedor da IrmandadeNossa Senhora da Piedade

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Apresentação

A publicação de sua obra foi preocupação do autor, sobre-tudo nos últimos meses de vida. Decepcionado, Pedro Gomesda Silva viu o malogro de várias tentativas; e trabalhávamosem conjunto para o fazer quando faleceu, faz vinte anos. Seuaparecimento assim, sem qualquer mediação da família, devee precisa ser esclarecido.

O texto nos veio das cópias que o amigo de mocidade ecompadre, Pedro Ivo de Oliveira (1905-1978), tinha em seu ar-quivo sem que nem mesmo a família soubesse.

Avaliando a seu pedido o que Ivo deixara^ em dezembrode 1982 dei com a cópia dos originais que datilografara para oamigo, na costumeira paciência e cuidado. Reconheci logo o

(livro que tivera em mãos de maio a julho de 1970.Começou então um período de renovadas tentativas junto

• aos filhos do autor, para anotar a documentação que vira emsua casa e não registrada nas habituais notas de pé-de-página.Basicamente, é Pizarro e Basílio (ver notas ao texto), e transcri-ção da documentação forense, de que ainda encontrei com Ivomuita cópia. E jornais antigos de Paraíba, nos quais fazia eutambém "arrastão" nas coleções da Biblioteca Nacional, para

-.o cotejo com o dele, a fim de melhorarmos a informação emcsua obra, já que havia em ambas as coleções muita falha.

Revelando com pesquisas em nosso foro o retalhamento da,'grande sesmaria de Garcia Rodrigues Paes nas fazendas de; café que deram origem ao município, nosso autor escreveu his-itória autêntica, distinguindo seu trabalho da costumeira com-pilação de portarias e decretos tida por história na maioria das

(Cidades do interior. Fatalmente, passou à genealogia das fa-.'mílias conquistadoras da terra, passo inicial para o ulterior es-tudo e interpretação do passado, em qualquer coletividade. A

imuitos pode parecer enfadonho esse levantamento, indispensá-vel a obra inicial sobre uma história, como a que nos deixou.

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Page 5: Capítulos de História de Paraíba do Sul

10Desde que li seu livro, percebi estar ali a pedra angular do

edifício de nossa história municipal. Antes das fazendas, Pa-raíba é uma travessia de rio na serra vazia, resumindo-se nossa

x história colonial de isolamento na Serra a ponto de apoio aos'/^viandantes do caminho de Garcia; e nosso autor relata o período' utilizando a maior autoridade no assunto, Basílio Magalhães, re-

velador de toda a documentação a respeito. Volta à originali-dade na abordagem de certos aspectos sociais da vila e cidade,levantados nos jornais sulparaibanos da época.

No trabalho de Pedro tive a revelação da singularidade denossa história. E eu, que começara a pesquisar apenas paranele melhorar a conotação geográfica, após sua morte e emcontato com seu colaborador, Pedro Ivo de Oliveira, prosseguinas pesquisas; e as notas ao livro refletem aonde conseguimosfevá-las, restrita sempre a exposição ao tema no texto.

Determinadas ocorrências em nosso passado, obscurasainda ou apenas ligeiramente ali abordadas, foi preciso focalizarcom mais detença, por oportuno e necessário o esclarecimento.Ê o caso da criação do município. Com isso, a nota ultrapassacomumente a dimensão adequada; e mesmo assim o desenvol-vimento do tema, ali, ainda não satisfaz a divulgação desejávele que nossas pesquisas no ponto em que estão poderiam pro-porcionar. Pareceu no entanto indispensável, ao publicar textoescrito há 50 anos, levar a anotação ao menos a dar ideia doque hoje se conhece sobre o abordado pelo autor.

Baldadas todas as tentativas de interessar a família de Pe-dro Gomes da Silva a publicar sua obra, já então interessadoRU próprio na história da cidade, continuei o levantamento docaminho de Garcia no município, que iniciara com ele no fus-quiriha azul em que vinha cedinho de Três Rios, onde moravapor conveniência, para o "bate-papo" amigo no bar fronteiro àPrefeitura. Os trechos do caminho reduzidos a pasto, levan-temos depois a pé, tracando-o em mapas do IBGE orientado porfazendeiros amigos da roda no bar, entre os quais Ladislau Gue-des, o "Farelinho", nascido e criado na "Barreira"; "Jucá" Paiva,da "Cincorá"; e Alberto Paes, eufórico ao saber que a sua fa-zenda da "Itiaca", no eixo do Caminho, era ali a mais antiga ecertamente fora pisada por Garcia.

Da leitura do original depreendi a deficiente conotaçãogeográfica, normal em autodidata (e até historiadores, como severá adiante), mas indispensável à História em Paraíba, nascidafazenda "canteiro-de-obra" da construção de um caminho. Des-se aspecto, já disse, cuidei levantando-o no terreno (já bastanteobeso, Pedro não podia fazê-lo), enquanto ele focalizava osconstrutores na série de artigos de 1970/1 em "O Cartaz", aque chamou "Três Viaristas Fluminenses", Garcia, Proença e o"Tiramorros". !?v

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Ansioso pela publicação do trabalho, confiou-me o original,para a tentarmos pelo Instituto Nacional do Livro, que então fi-nanciava inéditos de valor cultural em co-edição com firmascomerciais.

De meus tempos de jornal conhecia no l.N.L. o erudito,quanto modesto, José Galante de Sousa, secretário mantido portodos os diretores, dada a capacidade e dedicação. E fiscali-zação "feroz" das edições, concluí logo terminada a leitura dooriginal, certo de que não deixaria passar o "anedotário his-tórico" do nosso Pedro com a chancela do Instituto.

Devolvi-lhe assim o trabalho para que ele próprio o "ade-quasse" ao gabarito de uma edição do l.N.L. Mas para não per-dermos as anedotas, boas, sugeri uma seção para elas no "Me-mórias de um Garção de Hotel", o livro que anuncia no prefácio,sugerindo até o título: "À margem da história de Paraíba".

Trabalhava nisso quando "fez aquela falseta aos amigos,na única vez em que não lhe acharam graça", como se despe-dindo disse um de Três Rios ante sua eça na Prefeitura.

À falta de título, e parodiando o de grande livro de Capis-trano de Abreu — "Capítulos de História Colonial", e ainda

•para nos colocar, o autor, a obra e a mim, com as notas, sob aégide de nosso maior historiador, denominamos "Capítulos deHistória de Paraíba do Sul" a esta primeira coletânea de traba-lhos cronologicamente concatenados sobre nosso passado. É

•ainda homenagem à clarividência do grande estudioso, por certo•o primeiro a ver no remanso a origem de Paraíba e aonde da.serra mineira vinha ter a trilha puri, onde Garcia pôs a barca e• donde descia o ouro para o Rio, o Reino e o mundo.

De outro modo não se explica o interesse de Capistranopelo rio, na visita registrada pelo "Parahyba do Sul" em maio

:de 1902, a convite do amigo e correspondente José GeraldoBezerra de Meneses, que o hospedou. Acamado e sem poderi acompanhá-lo Zezé Bezerra, que nada deixou escrito, teve ahfeliz ideia de pedir a um vizinho, que escreveu demais, servisses guia ao sábio pela cidade. E foi assim que aos 84 anos erememorando certa manhã dos 13, em ambas as ocasiões semjerceber o alcance da visita de Capistrano para a história da

-cidade, que Agripino Grieco em suas memórias lhe prestou o;único serviço em toda a vida. Sem mesmo se dar conta, regis-trou o interesse do grande historiador pelo rio, ou melhor, pelo.remanso, razão de sua vinda a Paraíba.

Sem esse registro distraído de Agripino, e estaria perdidaípara sempre a memória do reconhecimento do remanso pelo!*rnèstre, com o empobrecimento evidente de nossa crónica emfHIstória, já que a.nota do jornal de 1902 é apenas o,registro dafféstada/e o elogio da cidade, honrada com a visita;-v, t:: ,,;, -n

Page 6: Capítulos de História de Paraíba do Sul

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"Percorremos trechos à beira do Paraíba, que ele achousujo e sem graça" ("Memórias", 1.° volume, pg. 55, Rio, 1972).

•^ Na inocência dos 13 anos, e de Geografia e História det^toda a vida, Agripino Grieco mal-sabia que a graça daquela via-' gem estava exatamente no rio, a confirmar a tese do grande

historiador no "Jornal do Commercio" de três anos antes (1899),"Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil", de que tais cami-nhos não passavam de trilhas indígenas aproveitadas pelo brancoem sua construção.

No ensaio magistral ainda trabalhou o grande cearense vin-te-e-dois anos, até a edição de 1924, definitiva, consagradora,e a três anos apenas da morte.

Mas na inconsciência do serviço prestado a Paraíba, preo-cupado tão-somente em engrossar o magro volume de memó-rias, o velho cronista deixa escapar ainda outro momento emprol da nossa história, pois na sequência do período confirma— "não sei como" — a preocupação do mestre em ter maisampla visão do rio, apertado e rápido, na falha tectônica que DeMartonne identificaria, o que torna o remanso mais incomum emtorrente viva de montanha.

Do morro da Caridade (Agripino "galgando a colina") pôdever Capistrano por onde continuavam os índios do outro lado dorio, na migração contínua atrás de caça e na coleta de frutossilvestres; por onde Garcia depois prosseguiu a caminho do Rio;e de onde quatro anos antes (1898) Paulo de Frontin chegou aParaíba com a sua Melhoramentos do Brasil. .1

É o vale aberto do ribeirão do Lucas, o "Yuca" dos índioscomo ensina Pedro, cujo boqueirão na cadeia de morros aolongo do rio se abre na outra margem, ao mesmo nível do morrode Santo António (Caridade) e quase em frente.

"E acabamos galgando, não sei como, a colina da Casa deCaridade", continua o cicerone de Capistrano de Abreu em Pa-raíba, encerrando a visita ao morro narrando um caso, a meuver, digno de ser recolhido por Pedro à segunda seção do "Me-mórias de um garção de hotel", dada a notabilidade de um dospersonagens e a gaiatice do outro.

Por certo sob o centenário tamarindeiro que ainda lá está,e mais certo ainda azucrinado todo o tempo pela tagarelice ga-bola do menino, valeu-se Capistrano do pretexto de não saberde que árvore se tratava para reprímenda de desabafo.

Nosso Agripino não se fez de rogado, e contou a descom-postura "ilustre" setenta anos depois, talvez para não perdervaza de gastar termo rebuscado, tão a seu mau-gosto; pois oque levou do mestre foi para ele uma . . . "descomponenda".

"Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil" insere a fun-dação de nossa cidade na temática do grande historiador, "ver-

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dadeira rota nova na historiografia brasileira", como escreveu oilustre José Honório Rodrigues no prefácio à 4.' edição (Cia:Civilização Brasileira em co-edição com o Instituto Nacional doLivro, Rio, 1975).

A nota 34 ao texto de Pedro expõe pela primeira vez emnossa história a tese do remanso como determinante da traves-sia do Paraíba e consequente localização da cidade, apertadaentre morros e rio, com desenvolvimento possível graças a umplano urbanístico que deve à engenhosidade do vereador JúlioFrederico Koeler (cf. nota 59).

A tese é básica na confirmação de 1683 como ano de aber-tura da fazenda por Garcia, como está em Saint-Adolphe (cf.nota 3), vista em documento que compilou, ou lhe mostraram, eainda não divulgado. (Em apêndice a estudo neste mesmo vo-lume, damos notícia de um nessas condições há 83 anos noarquivo do l.H.G.B.) Eis por que as quatro linhas de Agripinosobre Capistrano em Paraíba têm tanta importância, e nos me-receram o espaço, pois aliado do peso do mestre numa tese sólouco despreza.

Mas nem só por isso citamos as "memórias" do conterrâ-neo: num livro sobre nosso passado tem registro indispensá-vel a visita do mais ilustre cidadão que já pisou esta terra.

Pedro Gomes da Silva já se afasta de nós uma geração.Enquanto outros prefeitos e deputados nossos se esquecem no

••passado, por um trabalho de amor e dedicação a sua terra tems vida perene em nossa história. E essa foi a rninha preocupaçãoVinos vinte anos transcorridos desde sua morte. Quero deixar^registrada minha admiração por seu trabalho.

Não cabe aqui biografá-lo, sim, dar aos novos ideia de quem.lembrando a personalidade singular. De sua formação de

lútodidata dá ideia precisa o prefácio, que ao leitor revela dejlíediato sua inteligência e objetividade. Fácil é ver-se que emIpnsequência das dificuldades do começo, e personalidade for-% foi um desafiador de convenções.l As notas ao prefácio procuram dar ideia da Paraíba em que

;iveu, e de sua formação. E ele, que tanto amou a cidade, nas-|èu e faleceu fora: no arraial do Bom Jesus de Matozinhos, a2,1 de junho de 1909, e em nossa antiga Entre-Rios, a 21 de no-ifembro de 1971.

^ Foi o mais popular sulparaibano de sua época, mesmo semfeargo eletivo desde 1958, quando perdeu eleição e sofreu muito,fsegundo amigos. E dele poderia dizer-se que os criava tãoífacilmente quanto a desafetos, pois era difícil o controle daf Irreverência. Se já se disse de alguns que sacrificam amigo|por trocadilho bem colocado, de nosso Pedro talvez se pudesseIdizer o mesmo. Sabia fazer e tinha o gosto de rir. Disso Pa-

Page 7: Capítulos de História de Paraíba do Sul

raíba toda sabia, e muitos sofriam na pele. Mas tão interessadoem tudo e em todos vivia, que estava sempre cercado de ami-jjos, cuja roda dominava com a personalidade invulgar.

Essa "humanidade" cie Pedro, conhecida só dos que lidavamcom ele de perto, granjeou ao ferino e mordaz o maior ciclo deamizades que em nossa cidade já houve. Tanto que sua mortefoi das maiores comoções em Paraíba e Três Rios, a outra ci-

dade que amou.Nesta notícia do autor penso mais nos vindouros, pois é

com eles que há-de viver como personagem de nossa história.Creio ter sido a irreverência, de que já falei, o traço mais carac-terístico de sua personalidade, mas também a maneira com queo humilde, inteligente, sagaz e ambicioso, procurou um lugar aosol num mundo de preconceitos. Nos empurrões que lhe deu,descobriu-lhe os pés de barro. E então se afirmou.

Foi nosso primeiro prefeito de origem humilde, e pobre;primeiro nomeado (de abril a outubro de 1946], depois eleito,com mandato de 12 de abril de 1947 a 27 de janeiro de 1951.E na década de 50 ainda representou na Câmara Estadual a ve-lha terra de barões.

Paraíba se manteve até aqui inconsciente de seu passado.As regiões mais desenvolvidas do País há muito cultuam tra-dição e história, e uma Parnaíba, Sorocaba ou Itu sabe perfei-tamente que uma coisa é estar em suas ruas, outra em Vali-nhos; mesmo na "Festa do Figo".

Há vinte anos, o Conjunto Histórico de Sebolas foi espe-rança da tomada de consciência desse valor. Por falta de pre-paro de dirigentes e povo, ficou iniciativa isolada.

Mas temos agora a par da primeira história escrita a re-cuperação do Palacete, sede de nossa "Casa da Cultura". Inau-gurada a 31 de agosto junto a escolas de 1 ° e 2.° graus, combiblioteca, salas para exposições e secretaria de apoio a todainiciativa cultural, façamos dela para nossas crianças e adoles-centes a continuação da casa e escola. E a cidade há-de sereencontrar, por sua juventude, esquecida que anda de seu apa-nágio em história e tradição.

Oue Paraíba se reconheça! E estaremos de parabéns.

Arnaud PierreBacharel em Geografia e História e em CiênciasJurídicas e Sociais pela Universidade do Brasil

Prefácio

, Ninguém sabia como Paraíba do Sul nasceu, viveu e estavaf morrendo1.f ' Era eu ainda garção de hotel quando meu amigo o sr. Ai-f;fredo Neves2, me emprestou o Dicionário Geográfico, de Milliet5 de Saint-Adolphe3. Folheando-o, fiquei encantado com as refe-? rências a Paraíba do Sul. Apesar de nunca ter frequentado, qualquer colégio ou academia, e de nunca ter feito exames, a

leitura me apaixonava. E com os conhecimentos que obtiveraem Saint-Adolphe passei a discorrer sobre a história de Paraíbado Sul. Na realidade, da história de meu município eu somentesabia aquilo que lera em Saint-Adolphe; no entanto, em terra

i de cego quem tem um olho é rei ...

,,.s,1:' A ideia de que as cidades morriam estava em voga desde que MonteiroJíflobato havia publicado, em 1919, Cidades Mortas, contos sobre as paulistas||f:dõ vale do Paraíba fulminadas pelo descalabro de sua lavoura de café desdefia Abolição. Nos escritos históricos a ideia foi retomada por AfonsoiJsTaunay em Nascimento, vida e morte de Vassouras, artigo no suplementoSjHde O Jornal, do Rio, comemorativo do bicentenário do café (1927).|g Para se ter ideia da decadência económica do Estado do Rio ao limiarj$ da década negra de 1920, eis o informe do seu governo ao VI Congressosf;Brasileíro de Geografia, Belo Horizonte, em setembro de 1919: da média anualtã?,de 131 572 t no quinquénio 1881-5, a exportação fluminense de café caíra

\,à 90534 em 1886-90, a 75366 em 1891-5, para chegar a 35119 t em 1918,íquando já era 1/3 da mineira e apenas 1/10 da paulista (separata do Jornal

ifdo Commercio, Rio, 1919).; • Ao curso da crise económica deflagrada em 1929, e para manter|p preço de exportação, o governo federal ao queimar café em Entre-Riosi de abril a julho de 1932, no campo onde foi a oficina da Santa Matilde,í trouxe-o praticamente todo de Minas pela Central e Leopoldina. (A como--. cão popular que essa queirçia provocou está nos jornais de Paraíba da

época). , Praticamente, em 1932 o café remanescente no Estado se confi-> nava em Pédua e Itaperuna. 'Nada mais restava na terra dos barões.|A O carioca Alfredo Neves, trazido por Leopoldo Teixeira Leite, veio parafílossa cidade em 1915 e aqui faleceu em 1945 aos 73 anos. Homem depfesses e praticamente aposentado, morava na chácara que fora da TiaIJfléaía, Beatriz de Melo, parteira, dona de loja-de-armador e do Parahybafdo Sul, que circulou de 1893 a 1927.$&:•

Page 8: Capítulos de História de Paraíba do Sul

Mudei de profissão, passei a trabalhar como motorista decarro-de-praça. Por essa época houve em Paraíba uma grandefesta para comemorar o lançamento da candidatura do dr. Ma-

.•? nuel Duarte1 à presidência do Estado, com a presença de nu-merosas pessoas gradas e o candidato. Por força da profissão,fui servir a alguns dos visitantes e, percorrendo a cidade, eulhes ia explicando — "aqui morou fulano, lá nasceu sicrano" —,com agrado dos que me ouviam.

Um deles, se a memória não. me engana o próprio dr. Ma-nuel Duarte, falou sobre a fundação de Paraíba pelo Mão-de--Luva\ Pedindo-lhe licença, retruquei que a Paraíba0 haviasido fundada por Garcia Rodrigues Paes, e continuei a contar-lhes o que sabia sobre a origem da cidade e do município.:;. Publicado em Paris em 1863 por iniciativa de Pedro II, o DiccionarioGeogrgphico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil, de J. C. R.Milliet de Saint-Adolphe, hoje raridade bibliográfica, foi traduzido do manus-crito inédito francês pelo dr. Caetano Lopes de Moura. No prólogo, datadode 30 de outubro de 1845, há sobre o autor apenas a informação de quevivou 26 anos no Brasil, viajou pelo interior e pesquisou na BibliotecaImperial orientado por eruditos da época, como o brigadeiro Raimundo Joséda Cunha Matos (1776-1839), polígrafo, o mais ilustre militar do tempo e,com Januário da Cunha Barbosa, fundador do Instituto Histórico e Geo-gráfico Brasileiro (1838). Ajudaram-no ainda Evaristo da Veiga, o padreDiogo António Feijó e Vieira Souto, entre outros. No que tange a Paraíba,a informação capital é a data de 1683 como a de abertura da fazenda quedeu origem à cidade.1 Manuel de Matos Duarte Silva (Rio Bonito, 1877 — Rio, 1944) foi oúltimo presidente do Estado do Rio, empossado em dezembro de 1927 parao quadriénio até 1931 mas destituído em outubro de 1930 pela revoluçãodesse ano. Visitou a cidade em campanha eleitoral em meados de 1927,quando o autor completava 18 anos.

Mão-de-Luva era a alcunha do bandoleiro português Manuel Henriques,que seria maneta, usando luva para disfarçar o defeito. Perseguida porcontrabando e descaminho do ouro do Registro em Paraíba, sua quadrilhase homiziou em terras do atual município de Cantagalo, originando-se deseu arraial a cidade. Bando e chefe foram capturados em 1786 e degre-dados para a África.". O autor ora usa o definido, ora o omite, antes do nome Paraíba, queaparece pela primeira vez em documento também com essa dualidade. Éna carta de Garcia Rodrigues Paes a 8 de julho de 1703 ao governador doRio de Janeiro, Álvaro da Silveira de Albuquerque, com informação sobreo Caminho que então concluía (Revista l. H. G. B., Tomo 84, pg. 32), Eleescreve: e q' em Paraíba q' lie o meyo da jornada. Mas também, logo aseguir: na dita Paraíba,

De fato, Paraíba está a meio percurso — a jornada a fazer — entreo Rio e a atual Barbacena, os extremos do caminho por ele aberto paraligar as minas de ouro recém-descobertas ao mar.

O definido no autor é ''resquício da influência que sofreu, no início,do conterrâneo Agripino Grieco, que sempre o usou. Em nossa imprensao artigo definido foi exclusivo até a década de 1880 — justamente quandonascia o Agripino , . . —, aparecendo então o dualismo. Hoje predominaa omissão, mas o autor alterna as duas formas.

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Meus conhecimentos causaram admiração, achando os queme ouviam extraordinário que um motorista-de-praça tão moçopudesse esclarecê-los como eu fizera. Fiquei entusiasmadís-simo ao ouvir os elogios do futuro presidente do Estado.

Tomei gosto do assunto. Apaixonei-me mesrno das coisassulparaibanas, a ponto de prejudicar a manutenção de minhafamília. Fiquei com a ideia fixa na história da Paraíba e, comoo pensamento é construtivo e o querer é poder, já o disseCharles Wagner7, perseverei no empreendimento.

Ainda era garção de hotel quando se hospeda no mesmo odr. Júlio Alves Nogueira de Oliveira*, advogado em Barra doPiraí, rapaz muito moço e independente, de ideias elevadas efrancas. Tornou-se meu amigo e foi para mim uma espécie decondotiere. Achou interessante minha mania e animou-metambém. Teve grande influência em minha formação, junta-mente com o capitão Sales". O dr. Júlio encorajou-me de talforma contra meu irreverente padrasto, dono do hotel, que meanimei a deixar aquele serviço. Vezes havia em que ele apa-nhava notas que me custaram enormes sacrifícios e jogava-asfora, pois era avesso a histórias; e ainda me descompunhadiante dos hóspedes. O dr. Júlio dizia-me então: "Reaja!Você é um literato e historiador, como se deixa insultar por umportuguês1" ignorante?" Isso valeu-me perder o medo de meu(•espeitabilíssimo padrasto, e criando coragem emancipei-me,melhorando de vida.

Comecei então a trabalhar como motorista de caminhão detransporte para o Rio. Depois das seis horas da tarde, após

'•. É interessante observar no rapaz ern formação e autodidata a leiturade Charles Wagner (1852-1918), francês de origem alemã que escrevia sobremoral e a conduta na vida. Ao tempo da mocidade do autor havia delepelo menos três livros traduzidos: A Vida Simples, por Eugênio de Castro

; (Lisboa, 1913), e por Otoniel Mota, em 1919, Valor (Melhoramentos) e Parapequenos e grandes, Civilização Brasileira, 1936.8. O dr. Júlio Alves Nogueira de Oliveira advoga há 59 anos em Barrado Piraí, onde se radicou em 1932. Lembra-se do autor como "rapaz es-perto e falante". Esteve em Paraíba recém-formado e é valenciano deSanta Isabel do Rio Preto.». Capitão Sales é Carlos de Alvarenga Sales (circa 1875-1961), nossomaior jornalista. Volto a falar dele em estudo incluído neste volume.i'-1. O referido aqui é Manuel Ferreira Neto, que chegou a Paraíba em1914 para trabalhar no Jardim Municipal, denominado então Parque Dr.Bernardino Franco em homenagem ao devotado presidente da Câmara fale-cido naquele ano. Muito diligente e económico, progrediu rapidamente eteve uma das últimas vlctbrias de aluguel na praça e dos primeiros cami-nhões-a-frete para o Rio. Por volta de 1925 adquiriu em frente à estaçãoo Grande Hotel que, de mão-em-mão, vinha do princípio do século e seinstalara no primeiro edifício construído na cidade para o seu fim. Mu-dou-lhe o nome para Hotel Ferreira e lhe deu a sua melhor fase, comexcelente restaurante aberto ao público. O hotel se chama hoje Paraíba.

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terminar minha tarefa, corria à Biblioteca Nacional e de lá sósaía quando o funcionário rne dizia: "Já está na hora!"

Um dia o dr. José de Castilho Sobrinho11 disse-me: "Es-,* creva ao dr José Geraldo Bezerra de Meneses12, em Niterói,

que lhe informará muita coisa interessante e inédita."Bendita iniciativa! Como me animou o dr. José Geraldo!

Como me indicou fontes extraordinárias!Ele não podia consultá-las mas, indicando-as, ia eu obtendo

dados memoráveis. Devo em grande parte o meu trabalho aesse ilustre patrício, guia de tantas figuras do cenário nacional.Foi José Geraldo quem me animou a escrever ao dr. AfonsoTaunayK;, em São Paulo. Escrevi e recebi resposta. Como égentil e prestativo o dr. Taunay! Quantos dados preciosos meenviou! E ao mesmo tempo me animava: "Não tenha pressaem publicar o trabalho. Estude e procure documentá-lo bem."

A princípio o dr. Afonso Taunay me chamava de "ilustrepatrício" e doutor. Procurei desfazer esse engano e confesseique estava colecionando dados para que fosse escrita a Históriade Paraíba do Sul, e que eu não era doutor.

Outro grande amigo que não posso esquecer nesta horade apresentação de meu trabalho é o dr. Sabino Souto1*, médicodos mais conceituados em Paraíba do Sul. Este acompanhoude perto meu trabalho, vigílias e canseiras. Colaborador pre-cioso na coleta de dados, animou-me sempre, dizendo-me:"Você mesmo tern que escrever essa história. Ainda é muitocriança, e isso é trabalho para memória igual à sua."

''• O advogado José de Castilho Sobrinho nasceu em Paraíba em 1881,mas se mudou para o Rio em 1924 para educar os filhos. (Nosso primeiroginásio é de 1936, tendo fracassado três tentativas anteriores.) Continuouporém com banca na cidade, hospedando-se no Ferreira, onde o autor eragarção. Faleceu no Rio a 16 de março de 1949.12. Filho do dr. Leandro Bezerra Monteiro, que por mais de 35 anos advo-gou e fez política e jornalismo em Paraíba, o também advogado José GeraldoBezerra de Meneses nasceu aqui e faleceu em Niterói. Consta ter sidoquem deu nome às águas Salutaris, achado feliz substituto do anterioráguas-da-saúde. 'Em maio de 1902 hospedou em sua chácara — local doCine Brasil — o nosso maior historiador, Capistrano de Abreu, seu corres-pondente e amigo. Homem de grande erudição, mas que não deixou livro,foi chamado por Agripino Grieco "a maior cultura improdutiva do Brasil".':t. Afonso d'Escragnolle Taunay (1876-1958) é o grande historiador dasBandeiras, elas e ele cie nunca assaz louvado mérito, expressão que usavapara elogiar muito. Era neto do barão de Vassouras e, portanto, sobrinhodo nosso dr. Lepoldo Teixeira Leite. Quando se correspondeu com o autor,provavelmente no início dos anos 30, já encetara a publicação dos onzevolumes da sua monumental História Geral das Bandeiras Paulistas, iniciadacm 1924 e concluída em 1951. É com Capistrano de Abreu consulta indis-pensável a quem pretende neste país escrever sobre História,n. O médico Manuel Sabino Silva Souto nasceu em 1879 na cidade deAlagoas (bóio Marechal Deodoro, filho também da cidade) e se formou

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Não posso esquecer também de citar o bondoso Frei Esta-nislau15, que muito me auxiliou.

Este trabalho é o resumo de muitos documentos esparsosreunidos com grande sacrifício e dificuldade. Como me lembro!Às vezes passava horas-e-horas na Biblioteca Nacional, copiandoautores estrangeiros agora traduzidos, letra por letra, pois émuito difícil para quem mal sabe o vernáculo copiar escritos emlíngua estranha sem saber o que está copiando.

No livro que estou elaborando, Memórias de um garção dehotelMi revelarei coisas interessantes, episódios divertidos sobrea boa e a má-vontade que eu encontrei na compilação de dadospara este trabalho.

Meu livro é um trabalho de boa-vontade. Não encontrarãonele obra de estilo nem pureza gramatical; mesmo porque éuma obra histórica com a finalidade de narrar fatos. É escritocom critério e isenção de espírito, apoiado em dados verda-deiros. Não quero defender nem atacar ninguém. Viso só àverdade dos fatos.

Sei que meus conterrâneos dirão, e vou até antecipar-lheso juízo: "Esse livro não pode valer nada, pois foi escrito peloPedro Cabrito!"17

Mas a verdade é que a Paraíba é a terra dos contrastes18:

no Rio. Já radicado no município, Areal, casou-se em 1910 com NicolinaWerneck dos Passos, filha do coronel Nicolau António dos Passos, proprie-tário da fazenda Cruz das Piteiras (ver capítulo próprio). Fixou depois

j residência na cidade e clinicou muitos anos. Foi o nosso 18.° prefeito,nomeado, exercendo o cargo de 9 de outubro de 1943 a 24 de agosto de1945. Faleceu no Rio em 1955, onde na mocidade fez também jornalismo,is. Frei Estanislau Schaette OFM complementou os estudos de MonsenhorPizarro (José de Sousa Azevedo Pizarro e Araújo) sobre o povoamento dacapitania do Rio de Janeiro, utilizando ambos o arquivo do bispado da suacapital. Concentrou a pesqujsa nas freguesias do recôncavo da Guanabarae contra-serra adjacente, justamente a zona cortada pelo Caminho de Ber-nardo Soares de Proença, cuja personalidade definiu e com seus estudoscresceu no contexto da história fluminense. O erudito historiador fran-ciscano orientou o autor no estudo de nossas antigas terras de Petrópolis.Sua contribuição à coleção Centenário de Petrópolis (1942), e as crónicase estudos de António Machado sobre as fazendas daquele município, salvama volumosa obra — seis grossos volumes — do merecido olvido.i«. É a obra que em 1970 tinha em preparo e na qual sugeri colocassecertas passagens deste livro, mais apropriadas a uma seção que poderiadenominar A margem da História de Paraíba.IT. A origem da alcunha com que o autor era conhecido na cidade até

' iniciar a vitoriosa carreira política, em 1946, foi-me revelada por seu amigoe companheiro de mocidade, o almirante Vicente Castilho (1906-1986), queconheceu o velho Cabrita em Matozinhos. Do nome de família do avô ma-terno vem, assim, o apelido que lhe deram logo chegado à cidade, apro-priando-o ao menino. O almirante Castilho, primogénito do advogado Joséde Castilho Sobrinho, voltou a Paraíba e reatou a velha amizade.i*. Aí está a série de contrastes de Paraíba descobertos pelo autor, mas

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n Cruz é metodista: o Batista é católico; o João Bonito é feio;o Guerra é um sujeito pacífico; o Cordeiro é um homem zanga-do; a água vem do Morro-Seco; a Rua Direita é torta; e a His-tória da Paraíba é escrita por um cabrito.

Não deixarão de ter razão os meus conterrâneos. Mas seos doutores e os letrados não a quiseram escrever, eu entãome dispus a essa tarefa, e ela aí está. É um trabalho de quinzeanos de pesquisas1".

Paraíba do Sul foi terra de homens ilustres, mas que poucoaplicaram sua inteligência em benefício da coletividade; leva-ram décadas em insultos recíprocos, em lutas políticas, abu-sando da liberdade que lhes assegurava a Democracia2".

E para aqueles que neste trabalho encontrarem deslise, eume justifico com Raul Pompéía: Mau, mas meu!

a escrita. A contada por ele aos amigos acabava com mais um, omitidona outra para não magoar alguém que, no entanto, não poupava pessoa oucoisa alguma e nem a cidade em que nasceu: e a Fonle Limpa, do Páscoa!Grieco, é a venda mais suja da cidade ..,

Em suas Memórias afirma Agripino Grieco ter sido o pai quem pompo-samente (sic) batizou a loja com o nome que por certo significa capita!limpo, honesto, ganho com suor, talvez carapuça para concorrente do ramo,que era de fazendas finas e modas, e acabou nas mãos do Pascoal comoarmazém de secos-e-molhados. A verdade é que rastreio a Fonte Limpa nocomércio de Paraíba desde quando ele, na Basilicata ainda, como escreveo filho, "lia entre lágrimas o sentimental Edmundo de Amicis". O verda-deiro padrinho da loja comercial que se tornou popular, pois resistiu avárias mudanças de dono e ramo de negócio, está entre -Pedro Ferreira eo sócio, que na Duque de Caxias 22 (Tiradentes hoje) eram sucessorescom a Fonte-Limpa do Costa Barateiro (António Ferreira da Costa), quefoi abrir armarinho na Imperador 5. Em setembro de 1885 Pedro Ferreira &Cia. passou a Fonle a outro Costa e também António, mas Francisco. Eé esse António Francisco da Costa quem a passa adiante em 1887, anoda chegada a Paraíba do Pascoal Grieco, segundo o filho. Daí em dianten Fonte seca nos anúncios de nossos jornais, enquanto o Grieco anunciaa sua lavandaria, O Vosúvio. E seu curso só reaparece em abril de 1914,quando o pai de nosso memorialista pretende passá-la, esgotada,i». Em meados dos anos 40 concluíra o autor esta obra. Cumprindo logoa seguir o primeiro mandato político, daí em diante a carreira pública oabsorveu; mas não abandonou os estudos históricos, colaborando regu-larmente em jornais. Ao falecer, a 21 de novembro de 1971, estava en-cerrando exercício de dois anos como provedor da Irmandade Nossa Se-nhora da Piedade e na véspera publicara em O Cartaz, de Três Rios, estudosobre a nova ponte da cidade.-". Nestes termos com que encerrou o prefácio já se pode ver, tal-vez, uma ponta de desalento e decepção com a coisa pública que tomouPedro Gomes da Silva nos últimos tempos. Mas só quem lidasse "com eleamiúde poderia perceber esse desalento, pois de aparência era o mesmoPedro, confiante e alegre. Passou, e se voltasse encontraria tudo comodantes ... Foi em Paraíba do Sul o filho dileto dos novos tempos de aberturasocial dos anos trinta e o primeiro filho do povo a ocupar a Prefeitura.

capítulo 1

O Caminho Novo

Garcia Rodrigues Paes21,/descendente da mais nobre es-tirpe paulistana e primogénito do famoso Caçador de EsrneráP)das, Fernão Dias Paes, depois de acompanhar e assistir ao esflícelamento e às calamidades que sofreu a grande bandeira che-fiada por seu pai, e de decepcionar-se com a falsidade das pe-dras encontradas e levar para o eterno repouso em São Paulo osrestos do sertanista, teve ainda o arrojo de voltar aos sertões.

"Descobrindo Garcia Rodrigues pelos fundos da serra dos-Órgãos os caminhos para as Minas Gerais, de que era guarda-'mor e fora um dos primeiros povoadores, assentou tendas nasmargens dos rios Pará-una, na linguagem indígena, e que signi-tfica na língua vernácula 'rio das águas turvas', e Pará-iba, queíSignifica 'rio das águas claras'22."

IÍi 'Nascido em São Paulo em Ijjfil e falecido em Paraíba a 7. de marçoíde 1_73Jl, o fundador de nossa cidade tinha 13 anos quando acompanfiõlT opai ao sertão, e 20 quando ele faleceu de carneiradas no rio das Velhas,'iOje em Minas Gerais, depois de 27 de março e antes de 26 de junho

[e 1681. Prometera ao pai inumar-lhe o corpo embalsamado à moda doertão na abadia de São Bento da vila natal; e o cumpriu.

Nem Fernão Dias Paes, nem o filho, usavam o Leme, aportuguesamentoLems do antepassado que emigrou no século XV da Flandres para Por-

tugal e cujo filho foi nobilitado em 1463 por feitos guerreiros em África,não o usavam por o terem por linha materna, de uma filha (Leonor) de

Bedro Leme, ilhéu do Furiçfjal que emigrou para São Vicente e ainda em1564, na^vila de São Paulo, comprovou filiação e fidalguia. Pedro DiasPaes (1J05-1785), filho e herdeiro de Garcia, palaciano e não mateiro comoo pai e o avôPFoi que, enriquecido pela herança paterna, em 1750 se lem-brou da: fidalguia dos ancestrais e incorporou o Leme ao nome de família,além do brasão-de-armas do antepassado flamengo longe nove gerações.b- Foi Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-1777), na NobiliarquiaPaulistana, quem levantou a linhagem da família; e o esclarecimento dosnomes do Caçador de Esmera/das e seu filho devemos a Afonso Taunay.p Esta nota, longa mas necessária, pretende estabelecer em nossa bi-bblíografia nascente a identidade do Fundador. ,

Page 11: Capítulos de História de Paraíba do Sul

22 PEDRO GOMES DA SILVA

"Empreendimento formidável esse, de rasgar uma trilhaextensa através do sertão, abatendo árvores seculares, impro-

,.' visando pontes sobre ribeirões e rios, quando os não podiavadear, até os cumes da Cordilheira do Mar; transpor esseimenso paredão em uma das suas bocainas e, em declives oramais ou menos fortes, ora mais ou menos suaves, acompa-nhando o curso das águas vertentes, chegar à planície do Igua-çu, também cortada por numerosos rios e atingir, finalmente,o Rio de Janeiro após centena e meia de quilômetros2:i".

"Garcia Rodrigues Paes mediante a licença que em 1698obteve de Artur de Sá e Meneses, placitada pelo soberano por-tuguês, tendo-se estabelecido à margem do rio Paraíba, no pontoonde surgiu a hoje cidade de Paraíba do Sul, atacou imediata-mente o serviço, tanto para o hinterland aurífero quanto emdemanda do Rio de Janeiro, de sorte que, em fins de 1699, jáera praticável por pedestres a picada entre a baía de Guana-bara e a Borda-do-Campo (atual Barbacena)."

Assim, o governador Artur de Sá e Meneses a 15 de junhode 1701 escreveu ao rei, dando conta do estado em que seachava a estrada que Garcia Rodrigues se propusera abrir.

Mandou-lhe o monarca, por carta de 15 de novembro domesmo ano, participasse à Metrópole tudo quanto dissesserespeito ao dito caminho, reputado mui utilíssimo. E o gover-nador Álvaro da Silveira de Albuquerque, que atendeu a essaordem, informava a 7 de setembro de 1702 que a via de comu-nicações "só admitia gente a pé, mas já estava abastecida deroças a passagem do Paraíba (onde hoje é a cidade fluminensede tal nome); e, finalmente, que Garcia Rodrigues Paes estava)

-'•*. Este é o primeiro dos muitos excertos que extrai o autor de MemóriasHistóricas do Rio de Janeiro (1820), de Monsenhor Pizarro, o cónego Joséde Sousa Azevedo Pizarro e Araújo (1753-1830). A época do notável histo-riógrafo pouco estava divulgado sobre o Caminho Novo e seu construtor.Daí julgar tê-lo descoberto "para as minas", quando de fato Garcia veiodaquela zona por trilha indígena ao Paraíba. E ainda ter sido ele "umdos primeiros povoadores", sendo ele em toda a região pioneiro absoluto.2:!. Começa agora o autor a utilizar os estudos de Basílio Magalhães(1874-1957) que se tornaram subsídios preciosos no esclarecimento do mo-vimento das Bandeiras. Comissionado por Washington Luís, historiador edepois presidente de São Paulo e do País (1926-1930), o então pouco conhe-cido historiador mineiro pesquisou longamente no Arquivo Nacional, publi-cando grande cópia de documentos inéditos do Bandeirismo, e os comen-tando com erudição. Foram publicados na Revista do Instituto Histórico eGeográfico do São Paulo, volume 18 (1913), os documentos datados até oano 1700; e os de 1701 em diante na Revista do Instituto Histórico e Geo-gráfico Brasileiro, tomo 84 (1920). Em Basílio Magalhães se baseia todaa história do Caminho Novo aberto por Garcia. E nosso autor citou-o ex-tensivamente até o final do capítulo, no que mostrou tirocínio, pois o eru-dito historiador mineiro praticamente esgotou o assunto. Com toda a leal-dade, abriu e fechou aspas ao transcrevê-lo, e por fim citou-o, elogiando.

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CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 23

de mudança para a cidade do Rio de Janeiro, a fim de continuarmais facilmente a sua diligência, pois que o atalho não estavaainda feito, mas que, acabado que fosse, sem duvida alguã heo mais perto caminho que pode haver."~J

A 14 de julho de 1703, enviava Álvaro da Silveira de Albu-querque ao soberano as informações que Garcia lhe prestarapor escrito, a 8 do mesmo mês e ano. Dizia que "por lhe have-rem fugido quase todos os escravos e por sua limitação (defortuna, subentende-se) ainda não tinha acabado o caminhoque tem principiado p.* os campos geraes, e minas de ouro deSabara bussú; que em Paraíba, que he o meyo da jornada-",pusera gente sua efetiva, com muitos mantimentos e criação;e, finalmente, que estava sustentando a dinheiro mais de cempessoas, para poder levar por diante a diligência de que seencarregara."

Confirmando tais informações, acrescentava o governador:"Eu particularmente acho é que Garcia Rodrigues se acha commuito poucos cabedais e escravos para poder acabar o caminho,e se entende que se não entrar ajuda de Vossa Majestade quese não poderá conseguir coisa tão útil, e necessária."

Que o ponto inicial do caminho em Minas era a Borda-do--Campo (Barbacena), patenteia-o o memorial de 8 de julho de1703, de Garcia Rodrigues Paes, o qual aí diz que a Paraíba erao meyo da jornada. "Logo, a atual cidade de Paraíba do Sul,

cujos alicerces se devem ao filho do Caçador das Esmeraldas,dividia o Caminho Novo em duas metades; uma daí até o Riode Janeiro, outra daí até a Borda-do-Campo. Que a picada (no-

{;, te-se bem, a picada, não o caminho definitivo, isto é, benfeito-rizado) estava aberta entre aqueles pontos extremos em fins

* de 1699, atesta-o também, além da provisão de 2 de outubro'de 1699, a carta do capitão-mor Pedro Taques de Almeida dirí-.gida ao governador-geral do Estado do Brasil, em 20 de marçoide 1700, e dada a lume por Orville Derby na Revista do Instituto

•^Histórico e Geográfico de São Paulo (Volume 5, 282/293), ondelê que "o capitão-mor Garcia Rodrigues Paes tem aberto uma

i picada por ordem do general Artur de Sá e Meneses, do Rio:de Janeiro até a ressaca de donde começam os campos gerais".

"Tendo consumido na simples abertura da picada todos os:seus recursos pecuniários (quer os herdados dos pais, quer oshauridos da lavra de ouro que teve de sociedade com JoãoLopes de Lima, e da. qual tirou cinco arrobas, conforme o relato

2'í, A má interpretação deste trecho da carta de Garcia gerou um dosv equívocos mais absurdos de nossa história: o de que Paraíba se chamouia princípio "meio da jornada". Jamais teve outro nome. Nosso próprioautor deu-lhe curso em escritos de jornal, influenciado por Agripino Grieco,como veremos no estudo sobre tais equívocos neste mesmo volume.

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m24 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 25

de Antonii, e havendo-ihe morrido alguns escravos e fugido mui-tos outros durante aquela tarefa, viu-se Garcia Rodrigues Paes,por 1703 e 1704, sem meios suficientes para levar por diante a

;/' empresa colossal a que se abalançara, isto é, alargar a longa: estrada, conservá-la limpa de matos e plantar roças de manti-

mentos às suas margens1'5, em vários pontos, para abasteci-mento dos passageiros."

"Tudo isso, entretanto, lograra ele fazer entre o Rio deJaneiro e o rio Paraíba. Para o que de essencial ainda restavaa realizar na outra metade, foi mister que o socorresse o cunha-do, Domingos da Fonseca, o qual, como se vê na patente quea 22 de outubro de 1724 (Azevedo Marques-", Apontamentos, l,27) lhe concedeu Rodrigo César de Meneses: "havendo-se en-carregado o capítão-mor Garcia Rodrigues Paes da abertura docaminho novo, não o podendo conseguir em seis anos, e achan-

jj do-se com poucos meios, para o acabar, se apôs o suplicante!1> corn 18 escravos a abrir o dito caminho, o que conseguiu em

cinco meses e meio."A cooperação de Domingos Rodrigues da Fonseca deve

ter-se dado em 1704, pois a obra se iniciara em 1698."Mas nem assim ficou de todo pronto, isto é, com os requi-

sitos imprescindíveis, o tão gigantesco empreendimento. Pro-pôs-se Amador Bueno da Veiga (paulista famoso na Guerra dosEmboadasJ a completar a tarefa; mas pediu em troca tantasmercês que a rainha-regente (d. Catarina, viúva de Carlos II, daInglaterra, e irmã de Pedro II) lhe indeferiu o requerimento."

"Coube ao sargento-mor Bernardo Soares de Proença, con-forme provisão régia de 1725, a ultimação da dita via pública,

- • v A tarefa contratada por Garcia com o rei Pedro II através do gover-nado? do Rio de Janeiro não era, assim, apenas abrir caminho entre o Riode Janeiro e as minas de ouro recém-descobertas. Incluía também "plantarroças de mantimentos às suas margens", como vemos neste comentáriodo Basílio Magalhães aos documentos sobre sua construção. E não sóem Paraíba, mas "em vários pontos". Um desses era no alto da serrado Mar, vencido na garganta aproveitada na década de 1890 por Paulo deFiontim com a sua Melhoramentos do Brasil, depois Linha-Auxiliar da Cen-irai, hoje Leopoidína.

As rocas do Alferes foram abertas por Garcia antes de 1705, quandoesse alferes estava ainda na Colónia do Sacramento, como provou FranciscoKlôrs Werneck em estudo que comento adiante. Com base no trabalho,documentado, desse membro e linhagista da grande família fluminense dosWerneck, pode-se concluir pela fundação de Pati do Alferes por GarciaRodrigues Paes. também pioneiro no vizinho município de Vassouras, quereconhece um "período patiense" em sua história como primeiro núcleocivilizado em seu território (História de Vassouras, 1935, Ignácio Raposo).-'«; Manuel Eufrásio Azevedo Marques (1825-1882) — Apontamentos histó-ricos, geográficos, biográficos e estatísticos da Província de São Paulo,desde o inicio de São Vicente até 1876. Tip. E. H. Lsemmert, 2 vol.,l. H. G. B., Rio de Janeiro, 1879.

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devendo-se-lhe presumivelmente a variante que terminava noporto da Estrela, pois, conforme o referido documento, tornoua distância quatro dias mais breve que a do trajeto anterior elivre do rigor da serra do mar1'7."

Em 1711, quando o Rio foi tomado pelo corsário Duguay--Trouin, "veio da região mineira (provavelmente Vila-Rica) aoRio de Janeiro, pela estrada aberta por Garcia Rodrigues Paese gastando apenas 17 dias, em marcha forçada, um exército demais de 5000 homens, com que o governador e capitão-generalde São Paulo e Minas-do-Ouro, António de Albuquerque Coelhode Carvalho, tentou acudir a praça, já capitulada e saqueada."

Do que era então Paraíba temos ideia pelo relato do jesuítaitaliano Antonií*8, que por aqui passou, provavelmente, em1708 ern viagem para as minas: "e daí se vai pousar no matoao pé de um morro, que chamam Caburu (Cavaru). Desse mor-ro se vai ao famoso rio Paraíba, cuja passagem é em canoas.Da parte daquém está uma venda de Garcia Rodrigues, e hábastante ranchos para os passageiros, e da parte d'além estáa casa do dito Garcia Rodrigues, com longuíssimas roçarias.Daqui se passa ao rio Paraibuna em duas jornadas: a primeira

,'no mato, e a segunda no porto, onde há roçarias, e venda im-portante, e ranchos para os passageiros de uma e outra parte.

; É rio menos caudaloso que o Paraíba; passa-se em canoa."Em Paraíba, no morro entre a estação da estrada-de-ferro

a praça Marquês de São João Marcos, edificou assim Garciai"uma casa avarandada para sua residência e uma capela, dedi-;Cando-a à Conceição da Santa Virgem2", afora ranchos, roçariase canoas".

O autor continua a citar os estudos de Basílio Magalhães. Cabe obser-í var que à época em que os concluiu — 1913 e 1918, os deste ano só

aparecidos em 1920 na Revista do l. H. G. B. —, a personalidade de Ber-nardo Soares de Proença era ainda mal-conhecida e, consequentemente, suaobra, que lhe era então presumivelmente atribuída. Assim é que o exce-jénte historiador mineiro se enganou quanto ao trajeto e ponto de deri-vação da variante aberta por Proença, fazendo-a sair do Caminho Novodê Garcia em Pati do Alferes, e não da nossa Encruzilhada. Frei Esta-hislau Schaette OFM foi quem precisou o trajeto e a figura do grande'larísta, fluminense da vila de Macacu, na baixada, ao publicar o notável

pstudo Os primeiros sesmeiros no território de Petrópolis na coíeção citadafía nota 15. Entre eles figura Proença com a sesmaria que recebeu em

no Tamaraíi, alto da serra da Estrela, pela qual passou com o caminhopara Inhomirim e o futuro porto da Estrela.«s. Pseudónimo do jesuíta italiano João António Andreoni — completo é

^•André João Antonil, quase anagrama perfeito —, cuja obra Cultura e'^Opulência do Brasil por suas drogas e minas é clássica na historiografiaAbrasileira. É o primeiro da série de viajantes — cronistas que passaram:por Paraíba nos tempos coloniais. Dele é a primeira descrição do povoado.'Infelizmente nada registra sobre a topografia local, que viu praticamente"7/7 natura. A pobreza do enfoque geográfico permeia toda a obra, que no

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CAPÍTULOS DE HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 27

;'•;

"A grande cópia de ouro encontrada na região do Tripuí(Ouro Preto), rio das Mortes e rio das Velhas, na primeira dé-cada do século XVIII, deu ensejo ao aumento do tráfego entre

/; o hinterland mineiro e a cidade do Rio de Janeiro. Daí a neces-sidade de uma variante que facilitasse a subida e a descida daserra do Mar, tanto a pedestres quanto a cavaleiros e às tropase comboios. A isso satisfez a traça do sargento-mor BernardoSoares de Proença, que conseguiu um encurtamento de quatrodias, buscando provavelmente o porto da Estrela."

"Esses caminhos, embora não passassem de picadas oucarreiras, facilitavam o transporte entre Minas e Rio de Janeiro,e não tinham o risco das viagens pelo oceano; por isso os mi-neiros começavam a mandar por eles de preferência os pro-

entanto registra tudo o que é resultado da iniciante ocupação humana, eprepara a opulência: casas, roças, vendas, canoas e ranchos. Bom tam-bém cm Antonil é a marcação das jornadas diárias, o que nos dá noçãor'a progressão da viagem e o tempo gasto, desde que relacionado à topo-grafia da região que atravtssa. Os 15 km em reta de Paraíba ao "porto"(a fazenda de Paraibuna, nascente), por exemplo, foram vencidos em duasjornadas, já que atravessa sete serras (na opinião de um viajante europeudo século XIX) o era então mata quase fechada. O pouso "no mato" queregistra entre os dois rios (em 1708?) possivelmente evoluiu para a situaçãoFarinha, talvez de um dos primeiros povoadores do Sertão da Paraíba —expressão do século seguinte, como veremos —, certo Manuel Farinhacasado com Eugenia Maria e cuja primeira filha, Catarina, se batizou' nacapela da fazenda de Garcia em 23 de janeiro de 1715. Ao final do séculoXVIII Farinha é registrada em carta como fazenda nas cabeceiras do ribeirãodo Limoeiro — zona da atual Itiaca — e também no roteiro de viagem deJoão Severiano Terrabuzi, em 1814, do Rio de Janeiro à vila do Bom Su-cesso, capitania de Minas.

Pela minúcia do relato e o tempo razoável gasto em cada jornada,o que não se dá no roteiro de São Paulo, parece ter o padre percorridomesmo o das minas de ouro, que são tema básico em seu livro.- !>. Basílio Magalhães, op. cit., como os excertos que se seguem. A de-nominação completa é freguesia da Conceição da ^afita Virgem e dos SantosApóstolos São Pedro e São Paulo. "A capela do morro substituiu a que atradição localiza na ilha do Paraíba, levantada pelos primeiros ocupantesdo r«manso. Data certamente da chegada da família de Garcia (ou deiogo depois), o que se fixa entre 1705 — nascimento de Pedro na fre-guesia de Irajá — e 1709, quando Garcia vai ao Reino defender seusdireitos pela abertura do Caminho. Documentado está que foi jMarja An-tônia quem recebeu na fazenda o ouro removido do Rio ocupado pelosfranceses, em 1711. A capela registra balizados desde 1J7X5, pelo menos,ancTTàrvêz de chegada do cura que Garcia mantinha na lazenda. O esta-belecimento do curato pela diocese do Rio é de 1719.

Ficando a calsa-grande da fazenda na encosta "que dá para a atual ruaAlexandre Abrahão, é provável que a capela fosse no mesmo cocuruto domorro em que a planta de 1830 do povoado assinala a Kjreja — então emruínas — construída por Pedro em 1745- Por certo, junto ficava o.cémi-térjp, onde se enterraram, em 173JL Fernando, primogénito de Garcia, em1732 Frarjçisco Fagundes, fundador dè~~S"ibolas, fylaria Antônia em 1736

e dois anos depois o próprio fundador de Paraíba. "

dutos que anteriormente procuravam a estrada do Facão, espe-cialmente o ouro e os diamantes. O povo de Parati sofria comesse desvio graves prejuízos por causa da diminuição da renda,e recorreu a EI-Rei insistindo pela franqueza do antigo caminhoa arbítrio dos que quisessem cultivá-lo. EI-Rei proibiu, então,em 1733, novas picadas ou caminhos para as minas descobertasou por descobrir, que já tivessem administração regular, semlicença prévia para tal fim. Foi de pouco proveito essa estultaproibição, porque os caminhos continuavam a ser percorridos,e outros mais se foram abrindo."

Pelos numerosos serviços prestados à Coroa foi GarciaRodrigues Paes nomeado guarda-mor gerai das minas pelo rei,a 19 de abril de 1702. Em 14 de agosto de 1711, obteve CartaRégia dirigida ao governador do Rio de Janeiro, Francisco deCastro de Morais, na qual o rei, além de outras mercês quelhe havia feito, lhe concedeu a graça de ser donatário de umavila que pretendeu erigir neste lugar de Paraíba do Sul30.

Assim, em 1711, pela Carta Régia abaixo, "se mandarampassar carta de sesmaria a Garcia Rodrigues Paes e a seusdoze filhos das terras de que se lhes fizera mercê, em recom-pensa dos serviços que prestara na abertura do caminho paraas Minas". É do seguinte teor, atualizada apenas a grafia:"Mandando ver no meu Conselho Ultramarino o requerimentoque me fez Garcia Rodrigues Paes sobre as mercês que lhe

.' r,,,

.

3". A graça da donatária de uma vila na Paraíba talvez tenha sido reque-rida no próprio Reino, quando Garcia lá esteve. Avento a hipótese de terdesistido dela desde que soube das lutas ocorridas quando de sua ausênciaentre os paulistas descobridores do ouro e os adventícios emboabas, rei-nóls atraídos peia riqueza nova no Império português. Tudo se dera emtorno da vila novamente (recentemente) criada no rio das Mortes, e depoisSão João d'EI-Rei. Passou então a não interessá-lo a mais que certa con-corrência dos atraídos à passagem do Paraíba pelo aforamento do património

;da vila. Como se lê em Antonil, ali já fixara residência e abrira comércio.-Além disso, a carta-de-dada da sesmaria — ver adiante — impedia quefosse contígua à vila. E o que mais interessava ao Fundador era a tra-vessia do rio, que a família guardou de unhas-e-dentes, corno se Verá, até1842. Por isso, em 1786 o mais palaciano dos netos do mateiro Garciaprocurou desfazer-se da já en,tão incómoda graça de erigir vila concedida

avô — dada a pressão dos posseiros na serra com a chegada do café —.aproveitando para dar uma barretada ao todo-poderoso da época, o vice-rei,í&btendo para isso de D. Maria l foral para erigir vila onde a família nada

-tinha a perder com o aforamento de terras, como no arraial do Campo'"Alegre (distrito da Paraíba Nova), onde nada possuía. Só que a providênciattíemorou tanto que a barrotada foi a outro vice-rei, o conde de Resende.% • ' : O batismo de Resende, como o de Valença, reflete o espírito do auli-ffeismo da época na mais fechada e corrupta das oligarquias, a da classeSfldâlga, arribada ao Brasil atrás do ouro com os vice-reis e a que, irresisti-JÃfelmente, °s ambiciosos matutos Dias Paes procuraram achegar-se. E umffiaradigma dessa classe na Província foi esse Fernando Dias Paes Lemefda Câmara que, não satisfeito com o Leme nobre que o pai juntara ao

v.

Page 14: Capítulos de História de Paraíba do Sul

28 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 29

havia feito do foro de Fidalgo e da vila que pretendia fazer naparagem da Paraíba e que, havendo datas de terras, fosse eleavantajado, de que se lhe passou portaria em 20 de abril de1703, em satisfação de haver aberto o caminho do Rio de Ja-neiro para os Campos Gerais e Minas dos Catacazes, em queassistia havia dois anos, e de novo me representar ter conti-tinuado na abertura do dito caminho desde o dito ano até o de1709, em que veio a este Reino1", e mostrar tê-lo posto na suaúltima perfeição, de maneira que hoje frequentavam comurnentetodos os passageiros que vão para as Minas a dita passagem,com grande segurança de seus cabedais e dos reais quintos,por se livrarem das perdas que se experimentavam com aspresas que os piratas continuamente faziam no transporte doouro de Santos para essa Praça, serviço muito especial e me-recedor de grande prémio, não só pela conveniência que deletem resultado ao bem comum, mas pela grande despesa, queo dito Garcia Rodrigues Paes com a abertura do dito caminho,desprezando os interesses, que podia adquirir nas Minas, coma gente que trazia ocupada no dito trabalho se se empregasseem minerar; pedindo-me em satisfação de tudo que lhe fizesseboa a mercê da dita vi la, o a da data das terras de sesmariapaia ele e a cada um de seus 12 filhos uma data, como secostuma dar a qualquer pessoa, e campos para os gados,visto terem empregado todos em o referido serviço, em satis-fação dele: Houve por bem ffazer ao dito Garcia Rodrigues

nome em 1759, foi buscar nos avoengos da Madeira, os Gonçalves daCâmara também nobilitados na África, mais uma pena de pavão. E dosempre precisado de dinheiro Pedro l — a guerra da Cisplatina já come-çara — a família em 1826 comprou dois raros títulos de marquês; umpara o filho de Fernando, o de marquês de São João Marcos, outro parao do irmão Garcia, o de marquês de Quixeramobim. Já iam longe entãona família os tempos de abridores de caminhos . ..:!1. Aí está documentada a viagem de Garcia a Portuga!. Quanto a "tercontinuado" até 1709 na abertura do Caminho, entenda-se como a melhorá-lo,pois todo ele em 1704 já dava passagem. E essa melhoria comportava acontratada implantação de roças de mantimentos e milho a espaços regu-lares, para satisfação dos viandantes e bestas-de-carga, já que o abria namata virgem. Para o lado do Rio de Janeiro, a primeira metade aberta apartir de Paraíba, onde Garcia estava estabelecido (cf. Basílio Magalhães),o Caminho em 1704 já estava provido dessas roças. É o que se deduzdo citado excerto do historiador mineiro (cf. nota 25), que conclui, comotranscrito: "Tudo isso lograra ele (Garcia) fazer entre o Rio de Janeiroe o Paraíba."

Como Antonil informa estar a roça do a/feres a três jornadas do Pa-raíba, tem-se que provavelmente foram abertas por Garcia antes que o talalferes tivesse chegado como sesmeiro. Este alferes, sabe-se hoje pelosestudos de Francisco Klôrs Werneck — cf. nota 167 —, foi Francisco Ta-vares e não Leonardo Cardoso da Silva, que desde Monsenhor Pizarro (1820)vem sendo enganosamente citado como o alferes das roças por quantos

Paes a mercê de uma data de terras com a natureza de ses-maria, que compreenda o mesmo número de léguas, como sehouvesse de dar repartidas a 4 pessoas, na forma de minhasordens, as quais não serão contíguas à vila, se não na parteque não possa haver contendas, e a cada um de seus dozefilhos uma data na mesma forma que tenho resoluto se dê aqualquer dos moradores do Brasil, e que assim a data do ditoGarcia Rodrigues Paes, como as dos ditos 12 filhos, sejam todasno mesmo caminho, que ele abriu e prefiram nas datas a todosos mais a quem se derem sesmarias e que não sejam contíguasmas separadas na forma de minhas ordens em diferentes dis-tritos umas das outras, com condição que o dito Garcia Ro-drigues Paes será obrigado a por o caminho que o abriu capazde irem por ele bestas com cargas para as Minas, e satisfeitaesta condição vos ordeno mandeis passar cartas ao dito GarciaRodrigues Paes e a cada um dos seus 12 filhos separadamentedas datas de terras de sesmaria que lhes tenho feito mercê,

..assinalando-lhes as paragens, léguas e sítios, na forma que'te-

.; nho resoluto serão obrigados a mandar confirmar ao Reino."Por uma carta de sesmaria passada a Garcia, datada de 26

;de junho de 1727, verifica-se que o construtor do Caminho Novo,;,além de obter terras na Borda-do-Campo, era também senhorde grande área de terras, já obtida por outra carta de sesmaria,

(na "rocinha aquém do Paraibuna até além da Paraíba"-",Por uma carta do governador Pedro de Almeida ao soberano

, luso, datada do Rio de Janeiro aos 9 de junho de 1717, vê-se oseguinte sobre O Caminho Novo:

"Senhor. Logo que cheguei a esta Praça do Rio de Janeiro;:procurei eficazmente satisfazer a ordem de V. M., sobre a cria-tção das duas tropas que é servido haja nas Minas, e antes deIpartir para elas fiz diligência para informar-me das pessoasipráticas daquele país e que podiam dar razão desta matéria e,[como a primeira coisa que devia procurar era uma verdadeira

lescrevem sobre Pati e Vassouras. O Hnliagista comprova, pelo nascimentoIda filha Bárbara em 1708 "no Caminho Novo", que o alferes Tavares nesseffano já estava nas tais roças, que do seu posto na guarnição da fortaleza

da Colónia do Sacramento tomou nome. Também Antonil, cuja ediçãoffrlnceps em Lisboa é de 1711, o confirma. E o recente trabalho de Klôrs

RWerneck serve-nos, ainda, para datar pelo menos de 1708 as informaçõesgveiculadas pelo jesuíta italiano quanto ao roteiro para as minas.

82. Evidentemente, trata-se aí da grande data de terras "como se houvessede dar repartidas a 4 pessoas", já vista e outorgada a Garcia através do•governador do Rio de Janeiro. A referência a essa grande sesmaria comosituada "aquém do Paraibuna" e "até a vargem aiém da Paraíba" (nossa:ídade aí já tomada como passagem ou fazenda) evidencia que a sesmariae 1727 lhe foi concedida por via do governo da nova capitania de Minasíerais, que em 1720 se desmembrara da criada na região em 1709, São

lie Paulo e Minas-do-Ouro. É por essa época também que se define a divisa

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PEDRO GOMES DA SILVA

ideia do país das Minas, tenho averiguado que três caminhossão os que até agora se têm descoberto, desde as costas destacapitania para o recôncavo das Minas.

Um, a quem chamam o velho, desde Parati pelos serrosde Muriquipiocaba, Vimiatinga até a borda-do-campo a que cha-mam Aparição; outro de Santos, por São Paulo, passando pelavila de Taubaté, que se junta com o caminho sobredito navila de Guaratinguetá; o terceiro começa de Iguaçu, pela Pa-raíba e Paraibuna até a paragem a que chamam Campos:!:1-

do Rio de Janeiro—Minas no Paraibuna, e que se transfere a Paraíba porcarta régia de 31-08-1720 o Registo instalado em Iguaçu, na baixada.

A sesmaria na Borda-do-Campo ficava na zona das grandes datas con-cedidas ao irmão de Maria Antônia (Pinheiro da Fonseca), o já referidoDomingos Rodrigues da Fonseca, pioneiro e um dos fundadores de Barba-cena. O cunhado de Garcia também recebeu terras no Paraibuna, comose vê adiante em nota sobre o tombo da fazenda desse nome, de 1822.

Quanto às sesmarias dos filhos de Garcia — 9 moças — a do caçulae provavelmente nascido em Paraíba deu origem à grande gleba de terrasdos Paes Leme na baixada. Inácio Dias Velho (este, nome de família dobisavô materno) falecendo sem descendência, sua família se fez grandelatifundiária nos futuros municípios de Iguaçu, São João Marcos e Itaguaí.:I:!. O novo governador se refere à zona de Barbacena, onde começam oscampos gerais do planalto mineiro.

capítulo 2

Freguesia da Santa Virgem

(Arruinada a primeira capela construída na pequena ilha31

içlo Paraíba, Pedro Dias Paes Leme, mestre-de-campo e filho deíjGarcia Rodrigues Paes, erigiu outro templo3!i em lugar sobran-beiro ao rio e no morro fronteiro ao Jardim Velho.

(Benzeu o novo templo o capelão curado, padre Manuel•Sonçalves Viana, a quem fora cometida essa diligência em pro-visão de 10 de novembro de 1745. Para ele foi transferida a|ède do curato que, por alvará de 2 de janeiro de 1756, foielevado a freguesia perpétua.

VTinha o templo um_5Ó, altar, com o sacrário, que apenasJíiardava o Santíssimo Sacramento pelo tempo quadragesimal,|ois havia o receio de desacatos dos silvícolas habitantes das

Aí está a tradição da capela e ilha que permeia todo relato antigoííbre Paraíba. No princípio deste século foi ainda colhida pelo capelão

Casa de Caridade, padre Teófilo Dutra, que não nasceu aqui. Divul-da em escritos em jornal da época, foi depois levada ao volume f/ores

'ff/ores (1929). O padre confessou porém que não atinava por que esco-hera Garcia ilha tão pequena para erguer a capela que, a seu ver, significou[{fundação da cidade. Está em seu livro, pg. 22: "Nem sequer por entrei|eblinas pude rastrear os motivos que levaram o ilustre fundador a cons-

Lílr uma igreja em ilha tão pequena." E adiante: " . . . a dita ilha foi|yada pelas grandes inundações do ano em que vamos." Na verdade,'emf-tna própria ilha de que falava, e que era então (1906) a avenida dattra-rio, olhando o vazio no Paraíba em frente ao Jardim Velho onde esti-||à';a "ilha levada pelas inundações" não podia mesmo ver aquela a que(Jlfno, para simplificar, Ilha da Capela. Esta era grande ilha junto àiírgam, de que se separava por canal estreito — o que restava dele .no

éciiío passado tinha de largura 5 a 7 braças — em tudo semelhante àé* subsiste em Cantagalo e em cujo canal o serviço de águas de Três

: faz captação. Aliás, com várias ilhas, o rio ali faz lembrar o que viuíla', ao desembocar da trilha puri que o trouxe desde a borda-do-campo.

\lém dessa ilha grande, das duas existentes entre as pontes e dase foi em 1906, havia pelo menos mais uma ilha, pouco abaixo daí, destruída pela Câmara nos idos de 1870 por desviar nas cheias as

|ͧ contra as obras de fundamento do cais em início de construção;

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PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 33

•t*

dilatadas campinas das margens do Paraíba até além do Parai-buna, e que costumavam invadir a estrada geral e a povoação30."

Foi seu primeiro proprietário o padre António Pereira deAzevedo. Abandonada por ele, ficou a paróquia sob a direção

É possível que houvesse junto à margem várias ilhas em fileira, rio-abaixo, e entre elas canais estreitos. "Um pouco acima da passagem (napraia de desembarque, o bosque de hoje) existe urna larga ilha, cujos canaislaterais podem ser vadeados por qualquer fraco nadador" (brigadeiro CunhaMatos, 1823, bibliografia). Pouco acima, o Quartel do Registo, um "edifícioassobradado, assentado sobre grossos esteios de madeira". E por trás dele<; antes do grande "rancho dos tropeiros, valas ou covas cheias de águacorrupta '. O brigadeiro descrevia a vala que dava esgoto a lagoa do Lavs-iripa, de que laia nosso autor adiante, apenas não a localizando bem.

Com o aterro para a construção da ponte, iniciada em 1836 e apoiadana ilha. a Inuoa-canal foi cortada ao meio. Em 1855 eram duas lagoas com-pridas de água infecta; uma das Porteiras à ponte, "donde se ajuntam aságuas que vêm ao largo de Santo António" — nome do morro da Caridade

- e que tinha 84 braças de comprimento por 7 de largura e 5 palmos "deal tura" (184,8 m x 15,40 m x 1,10 m), outra da ponte aos fundos da matriz(esquina Duque de Caxias com praça Marquês), com 49 braças (105,6 m)c 5 (11,00 m) de largura.

Assolada a vila naquele ano de 55 por terrível epidemia de cólera, aCâmara tratou de aterrar as lagoas fazendo o corte da aba do morro ondedesde 1847 colocara o cemitério, o do Andrade Figueira. Aproveitou ocorte para ligar a vila à ponte, que seria inaugurada dois anos depois,saindo de praça a praça com a nova rua da Imperatriz. E começou entãoo paulatino aterro do grande brejo que se esgotava no canal e drenavao Campo de Maria Tomásia (bairro das Palhas), e do lado oposto a áreaúté a atual estação.

- Ao ler o padre Dutra a primeira vez, confesso que ilha e capela en-care i com ceticismo, jogando-as no escaninho da fantasia e esquecido dalição dos mestres: tradição oral tem laivos de documento . . . Mas pros-segui nos estudos de Paraíba após a morte do autor; levantei o Caminhono município, o que principiara com ele; e a antiga trilha puri, como aGarcia, me levou ao rio. Descobri então o remanso. E com a identificaçãoda ilha anexada- por aterros à margem, acreditei em 1683 e na capela:r-m beira de rio, é marco de posse; como o de pedra com as quinas oora em praia deserta. ,

Passei então a considerar com seriedade Saint-Adolphe, apesar do ceti-cismo de Taunay, que nunca soube do remanso, ao contrário de Capistrano;e foi o mestre paulista que me levou ao x do achamenlo do tal remanso.Foi quando estranhou a demora de Garcia em voltar a São Paulo como corpo do pai, para inumar em São Bento. Em 26 de junho de 1681 entre-gara ao enviado do rei, em Minas, amostras das esmeraldas que o paidescobrira, mas só a 11 de dezembro chegou a São Paulo para exibir àCâmara as 47 pedras que levava no cinturão. Seis meses numa jornadaem que paulista algum levava mais de dois.

Meu estudo 1683, em progresso, defenderá a tese de que Garcia veiocertif icar-se do remanso naquele interregno de tempo, no segundo semestrede 1681, para dois anos Depois, o milénio apontado por Saint-Adolphe,deixar aqui gente guardando-o da ocupação por outrem. Para que, ao daro senhor Dom Pedro l! a largada para a corrida do Caminho, descoberto o ' .ouro, ninguém lograsse competir com o seu roteiro norte-sul direto, "tudo •no meridiano do Rio de Janeiro", como registrou o abençoado padre Dutra.

de padres amovíveis, até o padre Jacinto Corrêa Nunes, emquem se verificou a segunda propriedade.

A jurisdição paroquial compreendia três únicas fazendas:Várzea, Paraíba e Paraibuna, esta sobre o rio do mesmo nome,que a separava ao norte da freguesia de Nossa Senhora daGlória, mais conhecida por Simão Pereira, já do bispado deMariana. Pelo rumo da fazenda do Governo, a leste, confinantecom a da Várzea, separava-se da freguesia de N. S. da Piedadede Anhumirirn; ao sul se encontrava com a de N. S. da Oraçãodá Roça do Alferes (hoje Pati do Alferes); e a oeste dilatava-sepor toda a campanha e sertão ocupado pelos silvícolas coroa-dos. O número de fogos não excedia a noventa, e o total depessoas adultas a quinhentas.

Em 1758, provisão de D. José l, de 20 de junho, concedeua Pedro Dias Paes Leme medir suas terras, o que nunca rea-lizou. Eram seis léguas em quadra, desde o morro do Cabaruaté o de Três Irmãos'17, além do rio Paraibuna e hoje em Minas.

Falecendo Pedro, essa imensa gleba em que havia apenastrês fazendas (com a de Narchea, ou Várzea) foi dividida pelosfilhos, quatro varões e duas mulheres, por escritura lavrada a.7 de abril de 1785 no cartório do tabelião Inácio Teixeira de Car-

.86. Antes desta igreja de Pedro, a capela da ilha dera lugar a outra nomorro — cf. nota 29 —, onde em 1719 se instalou o curato. Nela haviapia batismal, exclusiva de matriz — sede de freguesia —, mas admissível

:;:>Com licença especial do bispo no caso de capela muito distante da sede,como Paraíba, curato filial da velha freguesia litorânea de Inhomirjm (1677).

Monsenhor Pizarro, op. cit. Após a morte de Maria Antônia e Garcia,e a mudança de Pedro Dias para o Rio, a igreja caiu em. abandono, o queexplica sua ruína em relativo pouco tempo. Na fazenda, com Maria Antôniahouve sempre capelão curado. Em 1732, por exemplo, era o pé. AntónioCardoso Loureiro, que encomendou o corpo de Francisco Fagundes, o fun-dador de Sebolas. E o pé. Manuel da Costa, capelão de Paraíba, foi quema 26 de abril de 1739 benzeu a capela então curada de Pati do Alferes.|T. A légua colonial brasileira tinha 6,605 km, como ensina Taunay emjístória das Bandeiras Paulistas (2 vol., 1951), e as terras de Garcia seis

quadra ds ambos os lados do caminho, o que sobre o rio correspondeara montante a pouco além da antiga fazenda de Santa Rosa, e a jusante

quase â boca do córrego do Matadouro, local do antigo depósito ferroviáriod,e Entre-Rios (ver mapa do prefeito Kingston, 1935).

Quando foram concedidas as primeiras sesmarias junto à sede da ire-juesia, respeitaram-se esses limites. José Fernandes dos Santos requerem 1811 as terras que formaram a fazenda da Boavista (Vieira Cortês), ede,que já era posseiro — ver nota 192 —, "nos fundos da fazenda do guar-

r Fernando Dias Paes Leme da Câmara", primogénito e herdeiro dajzenda da Paraíba e dos títulos do avô. Em 1817, o futuro primeiro barão;.Entre-Rios obtém a sesmaria que se tornou a fazenda de Cantagalo tam-

a partir dos tais limites (capítulo Os Barroso Pereira}. Donde se tema sesmaria de Garcia Rodrigues Paes tinha 523,512 km-, ou na medida

-r fazendas de café. 10728 alqueires mineiros.A própria vastidão das terras tornou impraticável a medição. Quanto

'

Page 17: Capítulos de História de Paraíba do Sul

34 PEDRO GOMES DA SILVA

valho, no Rio. Alguns excertos do texto, na ortografia atual:"os herdeiros declaram que havendo falecido seus pais,

rnestre-de-campo Pedro Dias Paes Leme, e d. Francisca Joaquinade Horta Forjaz Pereira, ambos com testamento, renunciam afazer os respectivos inventários;"

"ao herdeiro Garcia Rodrigues Paes Leme:tR, além de outrosbens, coube a fazenda do Paraibuna, capela, casas e mais per-tences, servindo de divisa o córrego da Cachoeira;"

"ao co-herdeiro José Pedro Francisco Leme, além de outrosbens, coube a fazenda de Narchea;111, cujas terras principiam noalto do Cabaru e acabam no córrego do Inhema;"

"às co-herdeiras Maria Arcângela de Macedo Leme e Be-rarda Vitória Forjaz Leme coube a casa e chácara na lagoa daSentinela, tendo por limites as ruas de Mata-Cavalos, Lavradioo Conde da Cunha4", no Rio de Janeiro, e mais outros bens."

A escritura não alude claramente à fazenda da Paraíba, amais extensa, e que, em ambas as margens do rio, ia do Inhema(nosso atual Inema) ao Cachoeira, afluente do Paraibuna. Coubea fazenda de 1683 ao primogénito de Pedro e neto de Garcia,Fernando Dias Paes Leme, que acrescentou a seu nome ainda

nos extremos desse mundo sobre o Caminho, o do morro do Cabaru é conhe-cido. Nele há um marco divisório com Vassouras, na estrada do Alto-do-Su-cupira e pouco aquém do velho cemitério de Cavaru, onde se enterravam tra-dicionalmente os Carvalho. Mas a precisa identificação do morro dos TrêsIrmãos, talvez referência aos três filhos de Garcia (fernando, Pedro e Iná-cio), depende de um documento que dorme inédito há 83 anos no arquivodo Instituto Histórico, como se verá em nota adiante. Demora em territóriomineiro, não longe do Paraibuna, o que dava ao Fundador posse exclusivada passagem desse rio onde só em 1709 se fixou a divisa das capitanias::s Segundo filho de Pedro. A sede da fazenda era próxima à ponte danova BR-040 e, a capela, a única filial da freguesia da Conceição da SantaVirgem que continua padroeira de Paraíba sem que muitos saibarn disso.O córrego da Cachoeira se lança no Paraibuna a pouco mais de 3 km amontante da ponte de Serraria. Nasce no maciço do Monte-Cristo com umcurso quase todo paralelo ao Paraibuna. É também chamado Santa MariaH no seu baixo vale o liarão do Piabanha abriu a famosa fazenda de Serraria.;" Também chamada Várzea (ver capitulo próprio), a fazenda ficava entreas atuais Werneck e Cavaru. As roças desse nome abertas por Garcia ecitadas por Antonil, que lhe deram origem, datam de antes de 1704.•"'. A chácara de Pedro, chamado doutor (parece que formado em leis porCoimbra e conhecido no Rio no século XVIII como Pedro Dias), incluía omorro que tinha o seu nome (depois Senado, hoje arrasado) e casa na Ma-tacavalos (Riachuelo). A lagoa da Sentinela ocupava a área dos cruzamen-tos Mem de Sá—Frei Caneca—Santana—Moncorvo Filho, drenando as plu-viais que recebia dos morros de Santa Teresa e Pedro Dias pelo vale emque se abriu o canal do Mangue. Conde da Cunha, vice-rei, era a atualVisconde do Rio Branco e o prolongamento pela Frei Caneca até a lagoa.

A riqueza em bens e títulos acumulada por Pedro Dias impressionouao vice-rei Lavradio. Na espécie de relatório enviado a Lisboa logo queempossado, depois de citá-lo como "dos principais da capitania", conclui;"Bom homem, mas completamente inútil."

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 35

o Câmara de avoengos nobres. Foi mestre-de-campo como o pai.Da subdivisão das fazendas abertas por Garcia, que o filho

Pedro manteve intactas, surgirão as roças de café que darãoorigem ao município.

Um mapa da capitania do Rio de Janeiro mandado fazerpelo vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, em setembro de1785, registra junto a uma cruz o seguinte: Freguezia da Pa-rahyba e Caza de Pedro Dias.

A freguesia desenvolvia-se pouco a pouco, graças ao incre-mento das lavouras de subsistência e fornecimento de seusprodutos aos viandantes do Caminho.

Entre 1795 e 1820 os moradores de mais evidência foramo vigário, padre Lauriano Corrêa Rabelo e Castro, o tenenteJoão Pacheco Lourenço e Castro e o capitão Cristóvão Rodri-gues de Andrade, tronco da grande família Andrade.

t Antes de se estabelecer no Paraibuna, o capitão Cristóvãoi foi o homem dos sete instrumentos no povoado. Era quem di-

rigia quase todas as transações comerciais e o consultor naocasião, pela reconhecida idoneidade. Vê-se pelos assentosde casamentos e balizados da freguesia que foi grandementeestimado, servindo quase sempre de padrinho nesses atos, mui-to importantes naquela época de crença arraigada no povo. Erao compadre dos principais moradores da Paraíba, ricos ou po-bres; além do mais, o banqueiro de todos. Possuía armazémde géneros no Lavapés, o melhor comércio no povoado.

Por essa época existia em Paraíba um grupo de simpati-=v zantes do movimento da independência, em que avultava o moço'^Hilário Joaquim de Andrade, filho do capitão Cristóvão e quel Veio a ser barão do Piabanha. Embora jovem em 1822, gozava^'do respeito dos compatriotas, pelo caráter bem-formado e cia-is reza nas atitudes.• Em viagem a toque-de-caixa para a capitania de Minas Ge-J;tais, em março de 1822, pela primeira vez passou por nossa•'•freguesia o príncipe Pedro, que lá foi procurar o apoio dos mi-lheiros para sua política, e desfazer intrigas.

Conta a crónica dessa viagem que, adiante da comitiva ecom avanço de um dia, seguiam dois cargueiros com roupa diri-gidos por um sargento; e que o príncipe não quis levar cozi-leiro e nem regular suas pousadas; comia o que encontrasseílo caminho e dormia em esteira, se necessário fosse.

D. Pedro, com a sua conhecida impudência, nesse pousonossa freguesia teve a'petulância de redigir uma carta ci-

ada a três-por-dois e por todos que se referem a essa viagem.|s como a conta. Araújo Guimarães41: "Em 1822, de Paraíba

Sul, escrevia urna carta ao venerando e respeitável Joséíõnifácio que começava por esta frase: 'Nu em pêlo, pego na

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3n PEDRO GOMES DA SILVA

pnna para lhe participar que vamos bem.' " (Saíra de banho.)Sabe-se por tradição que ao passar pela ferraria do Limoeiro

o príncipe apeou e, segurando a pata do animal que cavalgava,mandou o ferreiro rebater uma ferradura frouxa.

Hilário Joaquim de Andrade acompanhou D. Pedro de Pa-raíba ao Paraibuna, e teve a honra de hospedá-lo na fazenda doParaibuna, cie propriedade de sua mãe e da qual era adminis-trador. Aproveitando sua presença, pediu-lhe a melhoria doCaminho de Minas em nossa região. Aclamado imperador,D. Pedro fez o jovem paraibano — então com 26 anos — coronelde sua guarda de honra.

A terceira estada de Pedro l em Paraíba42 foi na viagem aMinas em janeiro de 1831, três meses antes da Abdicação.Passara a noite do Ano Novo na fazenda do padre Corrêa, che-gando a 2 de janeiro à do Governo.

No dia 3 estavam em Paraíba, o imperador, a imperatrizAmélia e sua comitiva.

"Sua Majestade ocupou-se de um miúdo exame a respeitodo que era preciso providenciar-se a bem dos povos residentesnestas margens do Paraíba, e dos que transitam pela freqiien-tadíssima estrada de Minas, que muito clamam pelo seu me-lhoramento, e por maior facil idade na passagem deste rio, ondese cobram rendas nacionais1"."

"Apenas soube Sua Majestade Imperial que a igreja matrizse achava em lamentável estado, visitou-a pessoalmente, dei-xando logo nas mãos do vigário a esmola de 100SOOO para ajuda

• ' ' . ,A Carie no Brasil, A lber to Carlos Araújo Guimarães, Ed. Globo, Porto

Alegre, 1936.• ' - . Em 1824 o imperador passou por Paraíba quando foi inaugurar a ponteconstruída no Paraibuna pelo Capitão Tiramorros, de que restam pilares depedra. Pedro l não foi a Minas, voltando pelo rio Preto, Valença e a fazendado então barão de São João Marcos, Santana (no futuro município de Vas-souras), passando o rio no arraial nascente de Comércio, hoje SebastiãoLacerda. Creio ter essa viagem rio Preto acima algo a ver com a conces-são da sesmaria de Cachoeira de Santana, quatro anos depois, a seu amigo,o barão de Lajes (ver capítulo próprio), que poderia passar a testa-de-lerrose a Abdicação não sobreviesse três anos depois. Como d. João VI, oimperador era dado a especulação imobiliária.< : : . A princípio, o próprio Garcia foi incumbido delas, "cobrando-se o lucrodas passagens para a fazenda real, e isto até o ano de 1734, em que foirelevado do dito encargo' (do texto da Carta Régia de 10-05-1753, vazadanas informações de Pedro sobre os serviços do pai e pela qual obteveas benesses que o f izeram o homem mais rico da Capitania). Mas esseencargo, de que ele e família foram relevados, dava para de sua rendatirarem-se os 5.000 cruzados de pensão anual, por três vidas, então conce-dida aos Paes Leme, apesar de ser de então em diante posto tal encargo;i leilão, e arrematado periodicamente; isto é, executado sem mais controle.

O Capitão Tiramorros era contratante das passagens do Paraíba e Pa-

r;iibunn pelos anos da Independência.

CAPÍTULOS DE HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 37

da sua reedificaçao, à qual se prestam todos os paroquianos,e agora muito mais, seguindo o exemplo de seu religioso chefe,que sem limitar-se à oferta de que falamos prometeu coadjuvarquanto pudesse a reparação do templo, louvando o zelo dosparoquianos que haviam prometido esmolar para este fim naocasião em que vinham beijar-lhe a mão."

"Averiguando o estado da administração do registro, tantopor meio de informações dos seus empregados como pela ins-peção dos livros e assentos, que servem para o lançamento doque é relativo à arrecadação do rendimento das passagens; ecertificado do desleixo e falta de método com que tudo ali sefazia, ordenou, além de outras coisas, um formulário para aescrituração, que mandou desde logo observar inteiramente,enquanto pelo Tesouro Nacional se não observasse outra coisa.", "Pela investigação que se fez conhece-se que o admi-nistrador do Registro não só tinha empregado no serviço cincoescravos seus, mas além disto lhes abonava o jornal de 640réis diariamente, sem aprovação, para mais de 480 réis. Ter-minou este abuso por ordem de Sua Majestade Imperial, des-pediram-se os escravos, e foram substituídos logo por homenslivres, e sem o excesso de 160 réis, que redundavam indevida-mente em proveito do administrador."

O ministro do Império baixou então a seguinte portaria:"Manda Sua Majestade Imperial ao provedor do registro

da Paraíba que, de hoje em diante, faça escrever no livro dareceita do rendimento das passagens dos rios Paraíba e Parai-buna as verbas relativas, da maneira que mostra o formuláriojunto assinado pelo ministro e secretário de Estado dos Negó-cios do Império, enquanto outra coisa não se determinar; e maislhe ordena que, desempenhando os deveres do seu emprego,cumpra e faça cumprir exatamente as leis e ordens relativasa esta arrecadação, evitados os defeitos e desmazeles, que nelastêm havido até agora, debaixo da mais restrita responsabilidade.Registro da Paraíba, 3 de janeiro de 1831. Silva Maia".

No dia 4, chegou a comitiva imperial a Paraibuna e D. Pe-dro l encontrou abandonada a ponte que viera inaugurar em1824, na sua segunda viagem a Paraíba44. Ordenou a seu mi-nistro do Império que baixasse a seguinte portaria:

•K Era a ponte de madeira, coberta, e chamada "do Madureira". talveznome de morador local. Ficava mais próxima ao quartel do Registro quesubsiste do Ifldo mineiro, e também do eixo do atalho contratado por D.João VI com o Capitão Tirfimorma em 1818 — decreto de 20 de fevereiro —,que contorna a grande pedra de Paraibuna peio oeste e sai em cima dantual Afonso Arinos. descendo o Paraibuna meia-légua até a ponte emcuja boca se desenvolveu Mont'Serrat (ver capítulo desse Distrito).

Consta que na Revolução Liberal Mineira de 1842 Caxias se certificada queima da ponte pelos revoltosos, para dificultar a travessia de sua

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38 PFOnt) GOMES DA SILVA

"Sua Majestade Imperial, certificado de que se não temcuidado na conservação da ponte do rio Paraibana, na estradade Minas Gerais, com o zelo que cumpria para assegurar a suamais longa duração, ordena ao provedor do Registro da Paraíba,a cujo cargo está a referida ponte, empregue toda a necessáriavigilância e diligência para que bem se conserve, mandando jádar-lhe a pintura de que precisa, e fazendo-a repetir periodica-mente, como convém, Paraíbuna, 4 de janeiro de 1831. JoséAntónio da Silva Maia."

As duas viagens de D. Pedro l a Minas Gerais tiveramgrande importância na política do Brasil. A primeira despertouentusiasmo por onde passava, apoiando todos a sua posiçãode resistência às Cortes de Lisboa, que teimavam em recolo-nizar o Brasil. A segunda, no final de seu reinado, refletiua decepção do povo pela inabilidade com que o seu outroraamado príncipe administrava o Império que ajudara a criar.

tropa acantonada na fazenda Cachoeira — sobre o córrego referido na nota38 - , observando de binóculo o fumo que subia por sobre a cumeada dapedra de Paraibuna. E isso da Pedra da Tocaia, cuja altitude ultrapassaa cota de 680 metros. De fato, da Tocaia vê-se o teto plano de sentidoleste-oeste do abrupto penedo, que alcança os 800 m de altitude, favorecidaa visão pelo boqueirão aberto na serra das Abóboras pelos formadores doCachoeira, na vertente do Paraibuna. e do Limoeiro e Recato na do Paraíba.

capitulo 3

A Villa da Parahyba

Dentro do património territorial que coube aos herdeirosdo mestre-de-campo Pedro Dias Paes Leme formaram-se coma chegada do café muitas propriedades, e seus habitantes co-meçaram a gravitar em torno da fazenda da Paraíba., Era onde havia comércio com os viandantes do Caminho,que ali aguardavam a passagem na barca; no alto do morro selevantava a modestíssima matriz da Conceição da Santa Vir-gem e dos Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo, em queos fregueses se reuniam para festas religiosas que a tradiçãoportuguesa transladou para o Brasil, e também por ocasião doscasamentos, balizados e missas.

PA freguesia evoluía para povoado, sendo os habitantes emmaioria oriundos das quase esgotadas minas de ouro. Haviatambém muitos mestiços, primeiro dos índios da região, depoisdos negros trazidos para a lavoura do café.j^ Em vista da difi-culdade de resolverem seus problemas de legalização de terrase os demais de justiça, começaram eles a pleitear, e solicitaramem vão alguns anos, a elevação do povoado a vila, conformefora concedido ao fundador, Garcia Rodrigues Paes, nos primei-ros anos do Caminho. Mas somente conseguiram seu objetivoem 1833, pelo decreto de 15 de janeiro, que além de criar osprimeiros municípios reorganizou toda a província.

Desse decreto interessa especialmente o artigo 5.°. É doseguinte teor, acompanhado da abertura e do fecho4*:

<B. Interessa também o G/, que de passagem e oficialmente acrescentaao sesquicentenário nome de Paraíba o do Sul, para distinguir da capitalda Paraíba do Norte a vila criada no artigo anterior. Eis o 6.°: "A vilade Cantagalo conserva os seus atuais limites, desanexando-se todavia doseu termo a freguesia de São José do Hio Preto, que pertencerá à vila daParaíba do Sul, na forma do artigo precedente."

O decreto não tem número e contém onzs artigos, organizando todaa província em seus primeiros municípios, que são citados um-por-um com

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CAPíT iUOS 1)1: HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 41•10

"A Regência, em nónio cio Imperador, o Senhor Dom Pe-dro II, tendo em vista o disposto no art igo 3." do Código doProcesso Criminal, decreta:

Artigo 5." — A povoação da Paraíba f ica ereta em Vi la, com-preendendo no seu termo as freguesias da Paraíba e de SãoJosé do Rio Preto, e os curatos de Sebolas e Matozinhos. Ni-oolau Pereira de Campos Vergueiro, Ministro e Secretário d'Es-tado dos Negócios do Império, assim o tenha entendido e façaexecutar, com os despachos necessários.

Palácio do Rio de Janeiro, em 15 de janeiro de 1833, dé-cimo segundo da Independência e do Império.

(assinados) Francisco de Lima e Silva, José da Costa Car-valho, João Bráulio Muniz."

Criada a vila, era para instalar-se a Câmara Municipal diasapós, o que não aconteceu por ter falecido a princesa imperialPaula Mariana Joana Carlota, a 16 de janeiro, tendo sido sus-pensos os festejos. Assim, só a 15 de abril do mesmo anofoi instalada a nossa Câmara Municipal.

Veio dar posse aos nossos vereadores o já empossadopresidente da câmara da vila de Vassouras4", Lauriano Corrêae Castro, depois barão de Campo-Belo, em 15 de abril.

f.ens lermos e freguesias, agrupando-os ainda nas seis comarcas criadaspor outro decreto da mesma data. Em seu nascedouro, os municípios foramainda submetidos à organização judiciária sediada nas antigas vilas cabe-ca-de-termo, por sua vez oriunda do Código Criminal de 1830 regulamentadono do Processo de 1832. Por esse decreto, além de Paraíba, foram criadasvilas em Vassouras, Itaboraí e Iguaçu e extintas as de Pati do Alferes eVi la Nova de São José de EI-Rei.

Interessante é também registrar o acréscimo do s na denominação dovelho curato do Bom Jesus de Mfiiozinho. E a figura do executante doque decreta a Regência Trina, o depois famoso senador Vergueiro dospaulistas, já aí se distinguindo na pasta do Império, que até o Ato Adicionalcie 12 de agosto de 1834 administrou a província do Rio de Janeiro, comosede que também era do governo central. O grande Vergueiro e seu su-cessor na pasta, o não menos grande, fluminense e depois visconde deSepetiba, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, são os campeões daorganização municipal no Brasil, realizada a partir de 1827 e intensificadade 1831 a 1834. tendo-lhe servido a província de cobaia na grande obra.

Muito curiosas, e algumas até engraçadas, foram suas Decisões deinstrução aos primeiros e inexperientes administradores municipais, parasó acomodarem à nova ordem. Duas delas, endereçadas às câmaras deCabo Trio e Campos, são espelho da ruptura violenta havida no Paiscorn a abdicação de Pedro l. Como sintomáticas daquela época de perple-xidade, merecem transcrição em apêndice a estudo neste mesmo volume.•'". O paraibano Lauriano Corrêa e Castro, que escrevia o nome com /como o tio e o sobrinho, veio dar posse aos vereadores de sua terra paracumprir o recente decreto que prescrevia "a maneira de se fazer efetivaa criação de uma vila" e se insere na série de medidas tomadas na épocapela Regência em preparo da organização municipal, teoricamente na legis-lação desde a Constituição de 1824, regulamentada desde a Lei de 1." de

A primeira Câmara tinha sete vereadores, como fixava alei, que eram os seguintes: Hilário Joaquim de Andrade, fu-turo barão do Piabanha e senhor da fazenda de Paraibuna, quepor ter sido o mais votado foi o presidente; António BarrosoPereira, depois barão de Entre-Rios, dono da fazenda de Can-tagalo; João Gomes Ribeiro de Aveiar, mais tarde barão e vis-conde da Paraíba, senhor da fazenda da Boavista; José Inocêncio

'dê Andrade Vasconcelos, o conhecido coronel José Inocêncio,da fazenda cia Várzea; Joaquim José dos Santos Silva, futurosogro do conselheiro Martinho Campos, o qual herdou a suafazenda de Matozinhos e chegou a ministro do Império; JoãoJosé da Silva Leitão, senhor da fazenda da Laje; e José CândidoFragoso, que possuía as fazendas Arca-de-Noé e Benfica, ambashoje no território de Petrópolis.

"Às onze horas do dia, achando-se presente o presidenteda Câmara Municipal da Vila de Vassouras, Lauriano Corrêae Castro, e o secretário da mesma Câmara, Salustiano António

;Rodrigues, para o efeito de dar posse aos vereadores da Câ-"rnara da Vila da Paraíba . .." Deixaram de comparecer, com;',;.bàusa, João José da Silva Leitão'17 e José Cândido Fragoso18. Os

E;-""'—eadores presentes, depois das formalidades de estilo, foram

de cada vez prestando o juramento de bem servir à causa

^outubro de 1828, mas efetivamente posta em execução depois da abdicação|Jè Pedro l, que via nas câmaras eletivas — as provinciais criadas peloftto de 1834 — entrave à sua política absolutista. E seriam mesmo.

O decreto de 13-11-1832 prescrevia o comparecimento do presidente. c é m a r a em cujo termo se criasse a vila para dar posse aos vereadores,jw|p:que causou delongas (caso de Barra Mansa, vila em outubro de 1832 mas

' inst3'8^3 muito mais tarde). Foi assim modificado pelo decreto deM 1-1833, "tendo a experiência mostrado que nem sempre pode ter pronto

j|||e exato cumprimento o artigo 3." do decre to . . . etc." Então, o vereadorchiais votado e presidente da nova câmara (caso de Lauriano em Vassourash) do sobrinho e cunhado Hilário em Paraíba) comparecia à sede da câmara|!do antigo termo, prestava juramento e o deferia aos demais vereadoreslifistalando-se mais praticamente a vila.

f;|«i;4 • A meu ver, exagera o autor o luto pela princesa ao lhe atribuir a de-|rgfitfOra de três meses na instalação de nossa câmara. Nesse meio-tempo.|Ejlá'Uma decisão de Honório Hermeto Carneiro Leão como ministro da Jus-íHfíjçà, a 15-02-1833, que talvez elucide isso; é quando responde à consulta daBBfndva câmara eleita em Vassouras — leia-se Lauriano Corrêa e Castro ->!**íquanto às responsabilidades a assumir pela câmara da antiga vila de Pati

dÒ"Alferes, cuja última sessão registrada foi a 21 de abril de 1824 e teveRrtí só propósito: apoiar'o f/o/pe de dissolução da Assembleia por Pedro l.

PlliG no dia 25 do mês anterior outorgara uma Constituição, para ele, "ainda•Riflais liberal" que a então em preparo pela Constituinte dissolvida. Carneiro^gLeãò decidiu que o de Vassouras fosse termo sucessor de Pati, resolvendo-so

Wò impasse da instalação da câmara em Paraíba pelo recente decreto de 13MJéi novembro de 1832.

ip'^ Da extinção efetiva da vila de Pati, antes da legal em 1833, trata de|||||:>assagem ainda o estudo Equívocos, oportuno incluir neste volume.

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42 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 43

pública, com a mão direita sobre um livro dos Santos Evange-lhos. Empossados, assumiu a presidência Hilário Joaquim deAndrade.

Em seguida, o presidente da Câmara de Vassouras fez aseguinte fala'": "Caiu por terra esse sistema maquiavélicoadotado pelo despotismo, em que o Povo numeroso se via obri-gado a mendigar a Povos vizinhos a Justiça que procurava. Secada homem tem em si mesmo o órgão para expressar suas

17 Eleito juiz-de-paz do curato de Sebotas, esse vereador optou pelo cargo,então muito importante. Sua fazenda da Laje tinha sede no Caminho a 2 kmpara cá de Sebolas.

É no juizado-de-paz, criado pela lei de 15 de outubro de 1827 comopreparo ao advento dos municípios — lei de 1." de outubro de 1828 —,que se apoia de início a organização municipal no Brasil, concluída pelo AtoAdicional à Constituição de 1824 votado a 12 de agosto de 1834.

O juiz-de-paz foi de início relzinho no seu distrito, cortando-lhe depoisos próprios legisladores as asas nas emendas legislativas de 1839/40. Masfoi quem transformou o que era antes apenas designativo de espaço geo-gráfico, território, como o tal distrito da Paraíba Nova (a serra no oesteda província), na circunscrição político-administrativa da infra-estrutura mu-nicipal. O distrito da Paraíba Nova, que estabeleceu confusão com a nossaParaíba entre os que pouco ou nada estudam, parece criação do geógrafoAires de Casal (op. cif. na bibliografia).

O Código do Processo Criminal (decreto de 29 de novembro de 1832) de-terminou para cada distrito um juiz-de-paz, com função sui-generis, um es-crivão e os oficiais de justiça necessários. E tantos inspetores quantosfossem os quarteirões, que teriam no mínimo 75 casas habitadas.

Com esse código e os juízes-de-paz, distrito no Brasil passa à categoriade circunscrição jurídico-administrativa e, com a criação dos municípios logoa seguir, a designar a sua subdivisão na política de administração local,abandonando-se ao mesmo tempo a arcaica em freguesias e curatos daadministração eclesiástica. Essa, no entanto, quer na baixada como emserra-acima, precedeu a jurídica. E é por isso que o pai da história flumi-nense é o admirável Monsenhor Pizarro, nas Memórias citadas, elas e eletambém "de nunca assaz louvado mérito". Porque levantou minuciosamen-te a origem de cada freguesia.•'s. Esse vereador foi o quínta-coluna na nossa primeira câmara. Um es-tudo na coleção Centenário de PRtrópo/is, já citada, o dá como falecido antesde tomar assento ali, o que para nossa vila foi pena não ter acontecido.Fez o que pôde para instalar a vila em São José do Rio Preto, faltava sis-tematicamente às sessões, para prejudicar o quorum nas primeiras delibe-rações, e na questão da nova matriz da vila, de construção já bem precária,votou para que fosse de taipa.

A primeira consulta de nossa câmara ao ministro do Império, a25-02-1834, com decisão a 3 de março seguinte, nasceu dessa oposiçãosistemática: "as deliberações e representações . .. devem ser assinadaspor todos os vereadores presentes, ainda mesmo que algum deles tenhasido de opinião contrária, declarando-se na ata, como cumpre, os nomesdos que votaram pró e contra." Fragoso era sempre da segunda opção. . .•<!1. Lauriano e Hilário parece até que combinaram o tom do discurso decada um; o tio falaria do passado: "sistema maquiavélico" — "despotis-mo" — "injustiça manifesta" — calcar "os tropeços que ofendam a liber-dade" — "livres do despotismo que ameaça nossa religião", esta aí tomada

previsões, era injustiça manifesta procurar longe de si mesmoo Tribunal de sua representação. Se a Câmara é o órgão quecomunica a vontade, e os sentimentos do Povo, cada um denós já o possui no seu País Natal. Este passo vantajoso parao Brasil faz respeitar a mão benfazeja que o deu. Graças imor-tais sejam dadas à Assembleia que assim promove nossa feli-cidade. A Europa já olha com respeito para nossa Legislação;vereis se este benefício é grande, se é digno da inveja dasNações Estrangeiras, mas se torna tanto maior quanto os mem-bros que compõem esta Câmara, ornados de qualidades brilhan-tes, animados de patriotismo, calcarão denodadamente todosos tropeços, que ofendam a liberdade. Princípios tão felizesanunciam resultado mais respeitável. Eu vos dou os parabéns,oh Paraibanos, eu me congratulo convosco pela sábia eleiçãoque fizestes, a qual certamente mostrará suas vantagens emtempo oportuno. Resta, pois, que unamos nossos sentimentospatriotas, e que de mãos dadas trabalhemos na Causa da Liber-

;. dade legal, na felicidade dos Povos, e livres do despotismo queameaça nossa religião. Clamemos cheios de um prazer patrió-tico: Viva a Religião! Viva a Constituição! Viva o sr. Dom

l Pedro II! Viva a Regência! Viva a Câmara de Paraíba!"fítiS|np sentido lato de crença, doutrina, fé, devoção, acatamento, respeito etc.;í-O* sobrinho abordaria o futuro (ver nota a seguir), em que só de município|'fala três vezes.;W Lauriano Corrêa e Castro, em 1854 barão de Campo Belo, nasceu emí:'Paraíba — parece, no próprio arraial — em 25-02-1790 e se balizou na matrizíiido morro a 30 de março seguinte. Seu pai, Pedro Corrêa e Castro, filhoí; de Domingos Corrêa Rabelo, nasceu em Mariana em 1746 e a 28 de outubrol-de 1774 casou-se em Paraíba com Mariana das Neves Corrêa, também;'mineira. Citados no capítulo anterior, além do capitão Cristóvão Rodrigues|;de Andrade, vimos como dos "moradores de mais evidência da vila" o padreS-iauriano Corrêa Rabelo e Castro, xará e provavelmente tio de Lauriano.|%'0 tenente João Pacheco Lourenço e Castro, por certo também parente.K-*;,- O futuro barão se casou com uma sobrinha também de Paraíba, Eufrásia'fjoaquina de Pontes, filha do capitão Cristóvão e de sua esposa, Ana Es-í méria de Pontes França, e batizada no morro a 14-08-1790. Faleceu na fa-•íenda do Secretário (de Vassouras) a 13-03-1873. Era irmã de Hilário, maisyfnoço seis anos, que assim vinha a ser sobrinho e cunhado do colega deí!fala na sessão de instalação de nossa Câmara.f? A fazenda do Secretário, propriedade do paraibano e sobrado com 14wjanelas na fachada, é citada obrigatoriamente sempre que se referem as!?ítíialores e mais belas dos barões do café. Lauriano ali faleceu a 08-01-1861.|&éu nome está perpetuado*na grande praça central de Vassouras.

Quanto ao nome da fazenda, saído naturalmente do ribeirão que a banhaôga-se no Paraíba pouco a montante de Andrade Pinto, antiga Ubá), talvez|nha também do secretario do governador do Rio de Janeiro que deuOrne à fazenda no afluente do Fagurjdes e, em 1728, também especulavailfrterras à margem do Caminho Novo, na atual divisa Paraíba—Vassourasjferií nome do governador Aires de Saldanha (cf. Fazenda do Governo].

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•M PFDRO GOMES DA SILVA

Falou a seguir o presidente Hilário Joaquim de Andrade,que disse o seguinte"1":

"Senhores. Realizaram-se enfim os votos dos beneméri-tos cidadãos deste nosso município, a quem, sendo muito in-cómodas as viagens que eram obrigados a fazer para alcançaros recursos de que careciam, há muito anelavam pela criaçãode uma vila neste ponto. Graças sejam rendidas ao nosso go-verno, que apenas se viu autorizado atendeu a nossas súplicas,e ardentes desejos. Quando nossos concidadãos nos votavama sUa administração e quiseram que dependessem de nossosdesvelos seus assuntos, e prosperidade, cumprimos pois agrade-cidos concorrer de nossa parte a fim de que suas esperanças senão malogrem; menos apto ainda para sentar entre vós, eu souchamado pela Lei ao topo desta casa, à Presidência de tão res-peitável Corporação, para que tanto fenecem meus recursos, esão mesquinhos meus talentos, quanto sou sincero em reco-nhecer que esta cadeira seria mui bem provida quando ocupadapor qualquer dos meus prezados colegas. Todavia, senhores,se em tudo o mais eu reconheço vosso mérito, e superioridade,no acrisolado desejo de servir à Pátria que me viu nascer, noamor das suas instituições eu vos concedo a preferência, por-que então me ufano de vos ser igual. Mas em verdade eu

•Vl. A fala de Hilário é cheia de projetos de administrador, que sabe a tarefadifíci l que o espera. Mas reflete também estar bem ciente de que as novasvilas não seriam apenas sedes de administração de justiça, onde "em in-cómodas viagens" — quanto mais distantes fossem — iam "buscar os re-cursos de que careciam". Parece, o homem de que todas as notícias quechegaram até nós apresentam como muito inteligente e empreendedor,estava bem R nar da transformação política e administrativa que se empre-endia na Regência. E não esquece o compromisso de opor "invencívelbarreira a essa facção desorganizadora que por desgraça nossa tem levan-tado o ca/o extremo Refere-se ao chamado na época partido português,amigos e associados de Pedro l que em torno de José Bonifácio tramavamsua volta A morte do ex-imperador no ano seguinte, 1834, trouxe desa-lento à facção desorqanizadora e desafogo aos que arqultetavam novosrurnos para o País.

Hilário Joaquim de Andrade, barão (do Piabanha) também em 1854 comoo lio e cunhado no aniversário do Imperador (2 de dezembro), nasceu emParaíba em 1796 e faleceu na fazenda de Serraria em abril de 1865. Erafilho do capitão Cristóvão Rodrigues de Andrade. Pela mãe, Ana Esmeriado Pontes França, parece descender de João Pontes França, já sesmeirocom rumo (confrontação] na sesmaria obtida em 1817 pelo futuro barãode Entie-Rios em Cantagalo. Esse Pontes França emigrou de Pati do Al-feres, parece, pelos fins do século XVIII, e sua sesmaria possivelmenteconfina com ^ de Barroso Pereira nas cabeceiras do córrego Cantagalo,onde o filho deste abriu a bela fazenda de São Lourenço (cf. capítulo OsBarroso Pereira}. Nas terras de Pontes França, vertente do Paraibuna, ogenro Cristóvão e o neto Hilário abriram uma rede de fazendas até a grandecurva desse rio. entrando ainda pela província de Minas (município de Marde Espanha). Andrades e Pontes Franca são pioneiros do nosso.

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CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 47

A VILA EM 1858

Na vista tirada do Jatobá vê-se por trás da rampa da ponteo grande armazém de café em construção e adquirido doisanos depois pela Câmara, que levantou o sobrado e para elese mudou em 1870. Acima e no morro do Grupo está o segundocemitério, de 1847, cercado de grades de ferro sobre baldramesde alvenaria. No mesmo ângulo do pegão da ponte a segundamatriz e, no morro, indicio da ruína da primeira, abandonadaem 1834. Dando impressão de no mesmo morro, adiante estáo Rosário ainda sem a torre, concluída em 1860, e sobressaindodo casario um sobrado na atual rua Quinze n.° 61, mantido sónos fundos até os anos 1950, e a lateral do ainda de pé narirnclcntes n." 91, o da esquerda do conjunto de três.

Os coqueiros deram o primeiro nome à rua entre a pontec o rossio da vila, alagado pelo rio alto mas não em cheia, ondejá não existe o casarão de madeira sobre esteios do Registoe Quartel, 25 anos antes também escola e cadeia quando seinstalou a vila e dormiu Pedro l nas viagens de 1822 e 1824.

Com a liberdade de artista e para não prejudicar o destaqueda ponte recém-inaugurada, a grande "vedette" na foto deVictor Frond sobre que trabalhou, o litografo Jaime eliminou ailha destruída logo abaixo da ponte nos anos 1870, e só deixoua ponta da levada pela enchente de 1906. E ainda caprichou norendilhado de ferro das peças, que se amarram em "coroa" aocentro de cada vão e sustém o passadiço, originalmente pran-chões de madeira. No do meio gravou a silhueta de um casalseguido de um cão, a senhora à frente, de anquinhas, bem àmoda do tempo. Sobre o pegão, na Grama, a casa da Barreira.

pasmo quando encaro a pesada tarefa que sobre nós pesa. AEducação primária deve ser promovida, sem o que não podemmedrar os princípios constitucionais; as estradas, cumpre quesejam melhoradas, para que possa avantajar-se o comércio denosso município, que é todo agrícola; a passagem do majes-toso Paraíba deve ser facilitada, para se aumentarem as nossasrelações com as províncias do interior; a nossa vila apenasnascente carece dos mais essenciais edifícios. Enfim, senho-res, tudo temos a fazer, e com bem poucos meios; não desmaie-mos, porém, senhores. Grandíssimas empresas se tem, e tudocom pequeníssimos recursos; e com constância e boa vontadese vencem os maiores obstáculos.

Eia! Comecemos a nossa tarefa, que a cooperação do go-verno e dos nossos concidadãos coroará os nossos esforços,e em recompensa teremos a satisfação de termos cumpridoos nossos deveres, e merecermos a gratidão dos habitantesdeste município.

Desnecessário é recomendar-vos, meus dignos colegas,que a união e a boa-fé presidam sempre às nossas deliberações,e que somente a Lei seja a guia de nossas ações, diante daqual somente nos devemos curvar; esqueçamos de nossas açõesparticulares, quando se tratar dos interesses do nosso caroBrasil e, firmes no juramento que havemos prestado, cuidemosno bem-ser do nosso município, esforçando-nos para que, uni-dos em um feixe todos os brasileiros amigos da Ordem, seoponham invencíveis barreiras a essa facção desorganizadoraque por desgraça nossa tem levantado o calo extremo, preten-dendo fazer-nos retrogradar, e empecer que este país caminheo afortunado porvir que o Onipotente nos destina. Invoquemos,meus senhores, a proteção do Supremo Árbitro de todas as coi-sas, e encetemos nossos trabalhos."

A primeira ordem do dia da assembleia foi a nomeação dosempregados e posse.

Terminada a cerimónia os representantes do povo foram,incorporados, dar uma volta pela paupérrima vila, que era com-posta apenas do Lavapés, rua Formosa e rua Direita51, dis-cutindo e apontando as necessidades de melhoramento.

No dia 16 de abril, às 11 horas, sob a presidência de HilárioJoaquim de Andrade, reuniu-se pela segunda vez a câmara deParaíba. Deixaram de comparecer, com causa, os vereadoresJosé Cândido Fragoso, por estar doente, conforme ofício lido"acompanhado de um atestado do Professor de Saúde", que di-zia não poder comparecer para tomar posse, e João José da

"'. Era a saída do Cominho Novo para Minas, bem junto à falda do morro,como são essas ruas, para as mulas pesadas de carga não se atolaremna beirada do córrego (Limoeiro). '

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PEDRO COMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 49

Silva Leitão, que endereçou à Câmara um requerimento "noqual se excusa de tomar posse do dito emprego, para ser jiiiz-•de-paz suplente do curato de Sebolas".

Nessa sessão foram lidas diversas portarias da Secretariade Estado dos Negócios do Império'2, em que se determinavaminúmeras medidas e davam conhecimento de decretos e procla-mações. Uma das portarias estava "acompanhada de uma re-presentação assinada pelos moradores do arraial do Sumidouroe distrito da Aparecida, na qual pedem que se mude esta vilapara a freguesia de São José do Rio Preto, ou tornarem a per-tencer ao distrito da vila de Cantagalo, mandando que a Câ-mara informe circunstanciadamente1""'1".

Foram nomeadas e tomaram posse dos cargos as seguintespessoas: António Rodrigues de Andrade, juiz-de-paz da fre-guesia da Paraíba; Joaquim Paulo Pinto Ribeiro, escrivão do juiz;Clarimundo Mariano da Silva, secretário da Câmara; e BentoJosé Moreira, porteiro. ,

A grande oposição dos moradores dos arraiais do Sumi-douro e Aparecida, que organizaram abaixo-assinado em quepediam a mudança da vila para São José do Rio Preto, alegandoque lá havia "mais povo e mais vida", deu enorme trabalhoaos nossos primeiros representantes municipais. Os morado-res de São José do Rio Preto tinham como simpatizante dacausa o vereador José Cândido Fragoso, o qual gozava de gran-de prestígio junto ao governo, exercia o cargo de juiz-de-pazem São José do Rio Preto e combatera o banditismo que amea-

•"'-. Como já vimos, a que dirigia os municípios até a criação da Assem-bleia Provincial pelo Ato Adicional. Substituíra também logo de início, nocontrole das antigas vilas coloniais, os velhos e retrógrados Tribunais dasMesas do Desembargo do Paço e Consciência e Ordens, extintos pela leide 22 de setembro de 1828, oito dias antes da Lei dos Municípios, justa-mente para não mais criarem "tropeços que ofendam a liberdade" e seabrir espaço à nova ordem administrativa que, a contragosto do imperador,a Assembleia Geral vinho votando para constitucionalizar o País e moder-nizar ;i administração,•"••"•. Hilário nem sabia desse distrito (território) e curato da Aparecida, ena sessão da Câmara em que se apreciou o pedido dos moradores deliberouapurar onda era. Era, e é, ern linha reta a 54 km de Paraíba, e esse Sumi-douro da petição, hoje a cidade e município desse nome, a 64. (Pelasestradas do tempo, no triplo ou quádruplo de distância.) É que havia entãoentre Paraíba e Cantagalo, o povcado mais próximo a leste, o branco nacarta da capitania em que o sargento-mor Manuel Vieira Leão em 1801escreveu: Sertão ocupado porvariss naçoens dos Índios bravos. Oscriadores dos municípios em janeiro de 1833, estenderam por esse sertãoo nosso, que nasceu vastíssimo para leste e sul, já que relativamente pertoestavam a oeste as vilas e municípios de Vassouras e Valença, ambosnascidos no "Sertão da Paraíba . Mas sem dúvida também esteve ali odedo amigo do vereador Fragoso, na ideia de levar a vila para o rio Preto.

cava a Estrada Real, aprisionando bandidos do célebre grupo deCândido António Guimarães, que ameaçava com assaltos todosquantos passavam pela nossa região.

Sabe-se que Cândido Fragoso olhava com simpatia a eleva-ção de São José do Rio Preto a vila, mas não se apurou comcerteza se chegou a trabalhar contra os interesses paraibanos.

Uma comissão da qual fizeram parte os vereadores JoãoGomes Ribeiro de Avelar, António Barroso Pereira e José Ino-cêncio de Andrade Vasconcelos foi à Corte levar a solidariedadesulparaibana à Câmara dos Deputados, assegurando "não pac-tuar com partido algum que não seja o defensor do governolegalmente estabelecido", e felicitar e agradecer à Regência acriação do município. Aproveitaram a visita para desfazerem oabaixo-assinado contra a criação da vila em Paraíba, e o regenteFrancisco de Lima e Silva, que era casado com uma sulparai-bana, assegurou-lhes que estava definitivamente estabelecida aorganização municipal aqui.

Nossa primeira câmara lutou com grandes dificuldades paraorganizar o município, empresa formidável para seus recursosna época. Em 1833, o casario da vila não tinha alinhamento,pertencendo suas casas a fazendeiros das redondezas e comer-ciantes que viviam da troca de mercadorias com os viajantesque atravessavam o Paraíba, e que tinham suas casas em arren-damento com o marquês de São João Marcos.

A vila era situada em terreno pantanoso, sem escoamentode águas, o que ocasionava de quando em quando surtos epi-dêmicos de febres. Para diminuir os efeitos desses surtos,a Câmara Municipal nomeou uma Junta de Saúde para trata-mento dos impaludados, evitando que o mal se alastrasse, oque veio melhorar as condições de vida e trazer grande númerode habitantes para a zona.

Nesse primeiro período de nossa história política muitotrabalhou como presidente Hilário, na organização das leismunicipais e o saneamento da vila; João Gomes Ribeiro deAvelar, cuidando dos transportes e da escolha das primeirasautoridades judiciárias; e António Barroso Pereira, estudando ecuidando da situação dos arrendatários das terras do marquêsde São João Marcos5'1. Procuravam assim transformar o pe-

;queno povoado numa comunidade organizada.

. A tese defendida pelo vereador na sessão legislativa de 1836 quantocobrança de foros na área da vila pelo arrendatário da fazenda da Pa-

'áíba, em nome do marquês de São João Marcos, é a de que, sendo a'avessia do rio utilidade pública, onde se cobravam "direitos reais de'àssagem" com apoio tanto nas Ordenações Afonsinas quanto Filipinas,:ambém de uso público forçosamente haveria de ser a terra ribeirinha.

se estribava numa das condições que a Real Ordem de 15 de junho de

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50 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 51

Tudo se encontrava então em completo abandono e, em1834, achando-se em ruínas o templozinho que o mestre-de--campo Pedro Dias Paes Leme construíra no morro, foram trans-

" feridos o Santíssimo Sacramento e as imagens dos padroeirospara um oratório da antiga casa de residência de Garcia Ro-drigues-"''1 (hoje fundos da casa n.° 39 da praça Marquês), e aíse celebraram os atos religiosos até 1848, quando se inauguroua capela que serviu de matriz na pracar>li, sendo conservado ocemitério no adro da velha matriz do morro, então chamado daCasa-Grande (de Garcia).

Pela brilhante atuação rapidamente se distinguiram na co-munidade nascente Hilário Joaquim de Andrade e João GomesRibeiro de Avelar, os quais foram escolhidos deputados provin-ciais na primeira legislatura fluminense, em 1835. Na Paraíbado Sul foram chefes políticos cerca de meio século, chefiandoHilário o Partido Conservador, e Avelar o Liberal.

1711 estabelecera para a concessão de sesmarias no Brasil: "que des-cobrindo-se naquela data — ou seja, na sesmaria concedida — rio cauda-loso, que necessitava (s/c) de barca para se atravessar, que ficaria reser-vado de uma das margens dele meia légua de terra em quadra para acomodidade pública".

Argumentava ainda o futuro barão de Entre-Rios estar prescrito o direitodos Paes Leme sobre a sesmaria, por nunca a terem demarcado, o que eratambém exigência para a concessão. Suplicou então pela Câmara à As-sembleia Provincial a imediata cessão de meia-légua em quadra sobre orio para património da vila.

O interesse do marquês na Câmara era defendido pelo vereador Silva,arrendatário da fazenda da Paraíba e proprietário de Matozinhos (ver capí-1'ilo sobre essa fazenda), que não compareceu à sessão em que Barrosoataca os monopolistas da terra, como se lerá na peroração de sua falanesse dia (27 de janeiro de 1836) transcrita pelo autor adiante.

O vereador Silva foi assassinado a caminho da Câmara em julho de1839, perto da Encruzilhada (cf. nota 186).

Em 1835 no que restava da casa-grande da fazenda de Garcia, nomorro, estavam instaladas a Câmara, a coletoria, o oratório-matriz da fre-guesia e morava o administrador das passagens do Paraíba e Paraibuna.Albino Caetano da Silva, empossado pela Câmara em 17-09-1833. Creioser o primeiro a substituir os antigos arrematantes do serviço das barcasnos dois rios, que foi extinto com os Registos pela lei que criou as barreirasno ano anterior. No antigo Registo e Quartel, na barranca do rio, se insta-lara a escola de primeiras letras; e a cadeia. Nos baixos do grande edifício,entre os esteios que o sustentavam, se matavajO gado para a carne verde.E o que restava da função corria para a vala observada por trás do Registopelo brigadeiro Cunha Matos em 1823, o resto de canal abandonado que opovo apelidou lagoa do Lava-Tripa.••''•. Ficava de fundos para o resto de canal transformado em lagoa, éreado correi de construções até o Fórum, e de frente para a praça Marquês,então o rossio da vila. Tinha pequena torre centrai, que aparece sobres-saindo do casario na foto de Victor Frond (1858). Funcionou corno matrizaté a inauguração da definitiva, em 9 de abril de 1882. sFoi então demolida,aproveitando-s-5 algum material seu na capela do novo cemitério.

Em 1835 a vila compunha-se dos seguintes logradouros;largo do Lavapés, que era o bairro das famílias mais abastadas;rua Buarque de Macedo, antiga Formosa e hoje Floriano Peixoto;rua Direita, agora Tiradentes; e rua dos Mineiros, hoje Viscondedo Rio Novo, na qual estava situada a maioria dos estabeleci-mentos comerciais, como lojas e hospedarias.

Era o marquês de São João Marcos proprietário de todaa área que compunha a vila da Paraíba, recebendo foros peloseu arrendamento. Morando em sua fazenda no município deVassouras, deixara como encarregado de seus negócios um talInácio, que por sua vez passava-os adiante, causando problemaaos foreiros. Surgiu assim a questão do foro, que foi entregueao vereador António Barroso Pereira.

Na sessão de 27 de janeiro de 1836 Barroso Pereira, depoisde uma apreciação histórica de como Garcia Rodrigues Paesrecebera as terras em que se assentava a vila, e das vantagense encargos que assumira e não havia cumprido -— mandar medir,demarcar as terras e confirmá-las em Lisboa —, provou a pres-crição de todas as graças e vantagens obtidas por ele e trans-mitidas aos herdeiros. Terminou assim nosso bravo vereador:"É como vemos neste lugar e no século XIX, arvorando-se unsmonopolistas ambiciosos, com o título de fazendeiros, ou dearrendatários do Marquês, extorquindo o suor de miseráveisfamílias agrícolas, forçando-as a onerosos arrendamentos e apenhora executiva por foros ou arrendamentos que nunca fize-ram. A humanidade geme o suor do pobre, que cultiva a terracom suas próprias mãos para criar os seus tenros filhos, eisso é extorquido indevidamente para saciar a cobiça de ambi-ciosos parasitas que desfrutam, e na paz do céu, o suor e san-gue de tantos miseráveis, talvez por mais de um século. E,meus senhores, seremos surdos aos gemidos da humanidade?Acaso não juramos, neste recinto, sustentar a felicidade públi-ca? Como não trataremos com ardor de promover os interes-ses desta Câmara, que se acha exaurida de rendas, e o bem-es-tar dos nossos compatriotas, e a prosperidade desta vi la? Se-nhores, tem chegado o arrojo desses ambiciosos, que se dizemarrendatários do marquês, a ponto de terem pretendido extor-quir foros dos habitantes desta mesma vila, achando-se ela si-tuada à margem de rio .caudaloso, que tem barcas, e havendosido este terreno concedido com a natureza de sesmaria."

No decurso do ano de 1838 estava o comércio da vila emfranco desenvolvimento e a população crescia. Os governantesmunicipais pediam melhoramentos diversos ao governo provin-cial. Nessa época, diariamente faziam pouso em Paraíba maisde 330 bestas carregadas.

Do relatório do visconde do Uruguai como presidente da

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52 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 53

província, em 1839, consta o seguinte sobre o caminho abertopor Garcia:

,• "É, na segunda seção desta província, a estrada que do'• porto da Estrela se dirige a Minas Gerais aquela a que a Dire-

toria das Obras Públicas dá a preferência, e julga mais impor-tante. Esse parecer não sofre contestação alguma, se obser-varmos que por ela passaram durante o ano findo, segundoinforma o chefe da mesma seção, 120938 animais de carga;portanto, mais 10000 do que no ano antecedente."

Em 1840 o governo provincial, por deliberação de 29 deoutubro e atendendo ao que representou a Câmara, resolveucriar um Colégio Eleitoral na Vila, ficando "cabeça de distritopara as eleições de senadores e deputados à Assembleia GeralLegislativa e da Província".

Nesse ano, tinha o município de Paraíba do Sul 15 700 habi-tantes, assim distribuídos: freguesia de São Pedro e São Pau-lo, 5851; freguesia de São José do Rio Preto, 4141; freguesiade Sebolas, 2 024; curato de Aparecida, 2 020; curato de Mato-zinhos, 1 664.

Por lei de 21 de agosto do mesmo ano criou o governo pro-vincial duas escolas de primeiras letras na vila, sendo a remu-neração de cada professor de 520SOOO anuais.

Na sessão da Câmara de 18 de novembro de 1841, "tendoa Câmara resolvido festejar a expensas dos seus membros combrilhantismo o dia 2 de dezembro, aniversário natalício de S. M.o Imperador", o vereador João Rebelo de Vasconcelos e Sousapropôs o programa seguinte: "que uma girândola de foguetesanunciasse aos habitantes desta vila que raiou a aurora dessegrande dia tão caro aos Brasileiros57."

O programa foi aceito e comemorado o 2 de dezembro comtoda a pompa. A vila foi despertada com uma salva de foguetese uma banda de música percorreu as poucas ruas. À uma horada tarde reuniu-se a Câmara em sessão extraordinária na suanova casa™, onde foi inaugurado o retraio do imperador, dan-do-se no ato os Vivas Nacionais e tocando a banda o hino daIndependência. Armou-se uma girândola de foguetes no rossioda vila (atual Jardim Velho) que atraiu a atenção geral.

Em seguida, os membros da Câmara dirigiram-se ao lugardestinado à edificação da capela que às expensas públicas iriaconstruir-se, e aí assistiram à colocação da pedra fundamental.

57 Esta é a primeira festa realizada em Paraíba. Nem mesmo na insta-lação da vila, em abril de 1833, houve alguma, tendo-se aplicado a verbaarrecadada para os festejos no começo da nova matriz.r'R. Na rua do Imperador (15 de novembro). Era de propriedade do verea-dor Avelar, depois visconde da Paraíba. No inventário da esposa, falecidaem 1363, foi avaliada em 3:OOOSOOO.

Serviu de matriz por muitos anos. Antes da cerimónia, houveTe Deum na casa que serviu de residência a Garcia, que fun-cionava provisoriamente como matriz, no quarto que fora ora-tório da fazenda.

Nas cerimónias de instalação da Câmara em novo prédioe colocação da pedra fundamental da capela discursaram osvereadores Vasconcelos e Sousa, João Gomes Ribeiro de Avelare Hilário Joaquim de Andrade, este o tesoureiro das obras.

Compareceram a essas cerimónias o juiz de paz, o pároco,o juiz municipal, o de órfãos, o promotor público e os oficiaisda Guarda Nacional do município, que formaram diante do pré-dio. Esteve também presente, e fardado, o major Júlio Frede-rico Koeler, vereador suplente da Câmara na legislatura de1841 a 1844 e que chegou a tomar assento em sessões. Omajor Koeler foi quem fez a planta definitiva da vila511.

Às sete horas da noite outra girândola de foguetes anun-ciou o início da iluminação da vila, que a Câmara mandara fazer,pedindo-se a todos os moradores que também iluminassem afachada de suas casas. As oito teve início o baile de gala noedifício da Câmara, o qual foi aberto pelo presidente João Go-mes Ribeiro de Avelar ao descerrar ao som do hino da Coroaçãoa cortina que vedava o retrato do jovem imperador, que com-pletava 16 anos.

Em 1842 teve afinal solução o problema do património davila, que se arrastava desde sua criação, nove anos antes. Tra-tava da questão o vereador Vasconcelos e Sousa, pleiteandojunto ao chefe da família Paes Leme, proprietária da fazenda daParaíba, a pura e simples doação do terreno.

Formou-se na Câmara, composta pelos vereadores Clari-mundo Mariano da Silva, Rebelo, e Hilário Joaquim de Andrade,a comissão que foi tratar da questão com o marquês, sabendoentão que eram vinte e quatro os proprietários da fazenda, tan-tos eram os herdeiros do património de seu pai, Fernando PaesLeme da Câmara. O marquês, assim, seria o representante He

nn. O novo alinhamento da vila foi feito por Koeler ern 1844, aproveitandocom habilidade a topografia e traçando as ruas entre os morros, como fezmais tarde no plano de Petrópolis. A maior e mais reta das ruas, a SãoPedro e São Paulo, foi cortada quando ainda em projeto, em 1867, pelaconstrução da estação ferroviária em seu eixo. resultando desse corte nosextremos a avenida Bento Gonçalves Pereira, nas Palhas, e o trecho inicia!da Marechal Deodoro. Koeler só conseguiu um quartefrão em retânguloperfeito: o Jardim Velho—Rosário—Direita—Beira-Rio com 80 x 60 maproximadamente. O projeto anterior, encomendado pela Câmara em 1833,foi inexequível. O primeiro arruador, António Moreira Castilho, tentoumas nada conseguiu com o tabuleiro de xadrez em Paraíba (cf. nota 196),

,, Koeler, alemão de Mogúncia, faleceu em acidente de tiro em sua fa-zenda da Julioca, no Piabanha, em 21 de novembro de 1847.

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todos eles no trato com as autoridades municipais, que em24 de junho de 1841 receberam a resposta da família Paes Leme,aquiescendo em doar o terreno para o património da vila.

Na sessão da Câmara de 17 de dezembro do mesmo ano,entre outras homenagens ao marquês, foi aprovado que secolocasse na sala de reuniões o seu retrato. E que a praçada vila recebesse como nome o apelido da família Paes Leme.Essa praça por morte do marquês de São João Marcos, vintee seis anos chpois, recebeu o seu nome.

A escritura pública de doação dos terrenos foi passada a 28de janeiro de 1842. Da escritura, entre outras condições, constaque, se algum dia a vila por algum motivo se desfizesse, todasas terras voltariam à propriedade dos Paes Leme.

Feita a doação, a Câmara mandou efetuar o tombarnentopelo piloto Carlos Eduardo Kregh e o ajudante-de-corda Bernar-dino da Silva Baracho, que fixaram nos ângulos do quadriláterode terras os marcos de pedra com a inscrição CMPS 1842.Desses marcos restam três; o das Porteiras, o do Pau-Ferro (oalto Lavapés) e o da serra da Covanca, onde só agora estáchegando a urbanização. O da Ponte-do-Lixo, hoje a parte finalda avenida Castelo Branco na beira do rio, está perdido sob oaterro ali feito ou foi levado pelo rio. O quadrilátero tinha so-bre o rio seiscentas braças de frente (2,20 m cada), e de fundosquatrocentas braças Nessa área a Câmara Municipal aforouos seus primeiros prazos. r>:l-u, tíKa-4 Jatj f j-wc «U OwiMa/ví!

O marquês de São João Marcos nasceu em 1772 e faleceuem sua fazenda de Sant'Ana, município de Vassouras, em 15 dedezembro de 1868, na avançada idade de 96 anos. Chamava-sePedro Dias Paes Leme da Câmara {este último apelido adotadopor seu pai, como o Leme fora adotado por seu avô). Foi oquarto alcaide-mor da Bahia, o quarto guarda-mor geral dasMinas, senhor da vila de São João Marcos, terceiro Morgadode Belém, gentil-homem da Imperial Câmara, reposteiro-mor,grã-cruz da Ordem de Cristo. Muitos desses títulos eram me-ramente honoríficos, mas refletem o prestígio social que afamília Paes Leme, que chegou a Paraíba pobre, adquiriu comas vantagens pecuniárias advindas com a exploração da posiçãosobre o rio e venda de suas terras quando da chegada do café.

Foi ainda o longevo marquês agraciado com esjse títujp porPedro l, em 1826, tendo sido, parece, o primeiro barão feito porDom João Vf no Brasil, ao coroar-se rei em fevereiro de 1818.

No perímetro da vila existia extenso pântano, foco de mos-quitos e bichos venenosos, verdadeira incubadora de impalu-dismo e febres perniciosas. Tinha o pitoresco título de lagoado Lava-tripa, talvez porque os bois abatidos na vila para o con-sumo público fossem limpos ao pé dessa lagoa.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 55

Era o nome Lava-tripa conhecido em toda parte, porque ostropeiros que aqui pernoitavam vinham sempre com receio decontrair febres, ao armar suas bar-racas perto da lagoa, moradahabitual de jacarés que, às vezes, saíam a passear pelas ruas.

Em 1843 o presidente da província divulgou a seguinte re-solução sobre a lagoa: "João Caldas Viana, presidente daProvíncia do Rio de Janeiro, tendo em atenção a que é suma-mente prejudicial à salubridade de seus habitantes a existênciade um pântano no centro da vila da Paraíba do Sul, e que ahigiene pública demanda que ela seja quanto antes dessecada,o que não pouco concorre para desviar a edificação da mesmavila, tem deliberado destruir esse tropeço de seu futuro engran-decimento, fazendo-o aterrar; e para esse fim cria uma comis-são encarregada de agenciar uma subscrição, em quantias emdinheiro, ou em escravos, ou mesmo em serviços de qualquernatureza, para o fim de aterrá-lo, por forma que se preste àedificação; e logo que a subscrição chegue a um conto de réis,o mesmo presidente tem resolvido destinar para o mesmo fim,pelos cofres provinciais, a quantia de quatrocentos mil réis,que sairão da competente rubrica, para dar-se começo à obra,que será dirigida pela mesma comissão sob a direção c ient í f icasuprema do chefe da seção. Essa comissão será compostados cidadãos Hilário Joaquim de Andrade, João Gomes Ribeirode Avelar e João Rebelo de Vasconcelos e Sousa, de cujo pa-triotismo o presidente da Província espera o bom resultadodesta incumbência. Palácio do Governo da Província, em 28de julho de 1843. João Caldas Viana."

Nos terrenos onde existiu a lagoa do Lava-tripa estão hojeo Jardim Novo, o Riachuelo Esporte Clube e a matriz da cidade' ;".

Os principais cargos administrativos no município eram denomeação do presidente da província. Foram os seguintes:delegado de polícia do termo, coletor das rendas provinciais,coletor das rendas gerais, cobrador das taxas de passagemna barca, e professores.

Nos primeiros anos da vila todos os serviços funcionavamnum dos próprios nacionais, o Quartel, grande construção demadeira junto ao rio e sobre estacas, localizado onde hoje estáo Jardim Velho, assim como o Registo. Este, parece, ocupoutambém a antiga sede da fazenda da Paraíba, na falda do morroque dá para a atual rua Alexandre Abrahão.

Eis aqui relação suscinta das primeiras nomeações de autoridades provinciais no município: coletor das rendas gerais.

(1". Parece-me engano do autor, pois se tratava de lagoa no centro da vila.ficando aquela área alagadiça então fora de seu perímetro. A nota 55localiza com justeza a Lava-Tripa, creio.

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5fi PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 57

João António Pereira (31-08-1838); Clarimundo Mariano da Silva(03-09-1846), que também o foi das provinciais; João José daRocha (29-04-1848); e José Gomes Coelho de Albuquerque (21de junho de 1850); delegado de polícia do termo, bacharel Joa-quim António Pereira da Cunha (18-03-1843); bacharel Manuelde Macedo Campos Pessoa (13-04-1844); bacharel BenjamimFranklin de Barros Torreão (09-06-1854); bacharel Aprígio Fer-reira Gomes (18-03-1857); administrador do Registo (cobradordos direitos da barca), maior reformado Francisco António daSilveira (06-06-1844), que substituiu o vereador João Rebelo deVasconce'os e Sousa.

O primeiro professor da cadeira de ensino, nomeado porconcurso, foi José da Costa Ferreira (27-06-1839), que instaloua primeira classe também no prédio do Registo; e em 10-03-1848o vigário da freguesia, padre José Carlos de Mesquita, que foinomeado inspetor das escolas municipais.

No setor de saúde o primeiro nome é o de João José Mo-reira Guia, que em 21-11-1848 foi nomeado vacinador.

Aliás, a condição sanitária em Paraíba correu perigo quandodo abandono em que caíram a igreja e o cemitério de seu adro,no morro que era no século passado conhecido por morro daigreja velha. Achava-se o cemitério aberto, o que facilitava aque porcos e cães escavassem as sepulturas.

Em 1847 os vereadores de então — Avelar, Francisco dasChagas Werneck, João José Alves, Vasconcelos, Martinho Alva-res da Silva Campos'" e António Alves Filho"2 — mandaramà sua custa construir outro cemitério cercado com baldrames|;I. O depois conselheiro e ministro do Estado iniciava então sua vito-riosa carreira política no Partido Liberal. No capítulo Fazenda de Matozinhosestá sua história em Paraíba, onde se casou ern 1840 e viveu até morrer,em 1887. Nasceu em 1816 na cidade mineira de Martinho Campos, a qualadotou seu nome em 1938 ao emancipar-se da histórica Pitangui. QuandoMartinho ali nasceu era o arraial de Nossa Senhora da Abadia de Pitangui.Poi médico mas, a paixão, a Política (cf. notas 187 e 189).''••- ' . Este é o famoso tabelião que Rodrigo Otávio só viu morto, sobre amesa de sua casa de solteirão e quando, ao saber do passamento alicompareceu com guardas para vigiar a porta como medida de acautela-mento. Era juiz municipal recém-chegado e se impressionara com a famade "manipulador da alquimia jurídica da Paraíba" que cercava o velho nacidade; esta lhe imputava o sumiço de processos.

No capítulo O Foro está a passagem de Coração Aberto, livro de remi-niscências, em que o jovem de 24 anos chegado do posto sonolento deIguaçu conta a dura experiência "no .foro mais movimentado" do interior.Ainda no hotel Anjo da Meia-Noite foi atropelado por um pedido de arrestodo dr. Macário, que o atrapalhou de início e de que se safou com a ajudade Dias da Rocha, colega em São Paulo.

Alves Filho, como era conhecido, dosde 1843 pelo menos foi escrivãoem Paraíba. Faleceu no início de 1890.

de pedra e gradii de ferro, no morro ocupado desde 1935 peloGrupo Escolar Andrade Figueira.

Paraíba progredia e com a inauguração da ponte, em de-zembro de 1857, formou-se a grande praça fronteira a ela, querecebeu o nome de Presidentes, em homenagem aos dirigentesda Província que doaram verbas para sua construção, e issopor sugestão do vereador Simão Dias cios Reis, depois o barãode Simão Dias.

Por aquela época a vila já tinha melhor aspecto, tendomuito contribuído para isso a ponte e a praça. Por sugestãodaquele vereador foi também localizada a nova matriz, cujapedra fundamental se lançou em 1860 nos aterrados ganhos como ressecamento da zona alagadiça.

Na praça nova da vila também se localizaram hotéis, e ocolégio do Barão de Pfuhl, João Guilherme Bogislau, de nacio-nalidade prussiana, grande professor de línguas e música. Seucolégio tinha mais de duzentos alunos, muitos internos. De-pois do conde de Lajes, foi o barão quem pregou ideias maçó-nicas em Paraíba, onde se naturalizou no dia 24 de agosto de1857, e também seu conterrâneo e sócio, José Bauch Bruttin-gensis, em 16 de novembro de 1859.

No período de 1853 a 1860 a Câmara Municipal, com osminguados orçamentos e algum auxílio da Província, conseguiucalçar à portuguesa as ruas D. Isabel (Saldanha Marinho atual),Formosa (Floriano Peixoto), Duque de Caxias (Tiradentes), Ar-tistas (trecho final da Floriano para o rio), Sacramento, assimchamada por ter existido ali a capela da Irmandade do Santíssi-mo Sacramento (Quintino Bocaiuva), Mineiros (Visconde do RioNovo), Imperador (15 de Novembro), e parte da praça de PaesLeme (Marquês), onde funcionava então a casa da Câmaran:i.As demais ruas da vila ficaram em terra, e eram a São Pedroe São Paulo (Rangei Pestana e agora Bento Gonçalves Pereira),Dom Pedro l (Marechal Deodoro), Imperatriz (Treze de Maio eagora Duque de Caxias), São Sebastião (depois Rebelo e atual-mente Alexandre Abrahão), e a Santo António (Porteiras, Co-queiros, Marquês do Herval e agora Barão do Piabanha).

"3. Era sobrado comprido no local dos atuais n." 11 e 21. A câmara esteveaí até 1870, tendo sido depois ocupado pelo "Anjo da Meia-Noite". Pelo iníciodos anos 20 mudou-se para ele a viúva de Pedro de Araújo, o chefe militarda Revolução de 1891. Chamava-se Hermínia, e a filha mais velha Petrina,

"mas conhecida como Pedrina na cidade inteira. Pianista, como as quatrofilhas, os bailes aos domingos no sobrado da d. Pedrina se tornaram fa-mosos e duraram bem-entrados os 30, pois na decadência da vida socialcom a derrocada do café se acabaram as sociedades dançantes do fim doImpério, com sede própria e sócios contribuintes. O velho sobrado noálbum de fotos de Victor Frond está encoberto pela torre da matriz. Foi de-molido por volta de 1960, seguramente com mais de cem anos.

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53 PEDRO GOMES DA SILVA

A cadeia funcionava nos baixos do pequeno sobrado darua Tiradentes, quase na esquina de Floriano, servindo paraalojamento das praças o andar superior(il(. A zona hoje dobairro das Palhas era então denominada Campo de Maria Tomá-

/sia, mulher idosa que ali vivia de uma fábrica de louça de barro.Em 1867, com a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pe-

dro II, aumentou o movimento da vila e seu progresso se ace-lerou. Nessa época, Paraíba começou a desfrutar de famapouco recomendável, exatamente pela presença de forasteiros,que vinham aqui comerciar e entabplar negócios com os fazen-deiros. Visitavam as fazendas de dia, e pernoitavam natural-mente nos hotéis e pensões da vila. Com isso, suscitaram oaparecimento de uma zona alegre, que sempre existiu na beira--rio, mesmo nos tempos coloniais, quando então servia aos tro-peiros. Só que a nova zona era mais sofisticada, refletindo a ri-queza rápida que a terra adquirira. Certos armazéns da vila,como o que navia na lmperador<ir', importavam produtos estran-geiros caríssimos, como queijos e vinhos. Era o grande forne-cedor das fazendas abastadas e, naturalmente, das casas da

«•'. De fachada estreila e duas janelas sobre sacada com gradil de ferrobatido, tinha o n." 221 ao ser demolido em fins de 1990. Estava entre asmais antigas construções da cidade com os três sobradões da mesma rua;um deles, o do fiasco com Silva Jardim."•"'. Ficava no casarão de n." 9 da rua, hoje a casa de n." 45 da 15 deNovembro, que assim como o seu prolongamento, a Tiradentes, para opovo desde antes da urbanização da vila (1844) é Rua Direita.

Os anúncios de queijos e vinhos europeus do Armazém Central em1885 fariam sorr ir o leitor das Memórias (1972) de Agripino Grieco, paraquem o pai em sua Fonte Limpa (ver nota 18) foi o introdutor dessas igua-rias em Paraíba. Naquele ano Pascoal Grieco, como escreve o filho, aju-dava a construir a Estrada de Ferro Valenciana. E no anúncio de páginainteira do ano em qua Páscoa' aqui chegou, 1887, o Central só incluía deartigo nosso farinha de Suruy (vila na baixada), pela companhia em queestava no tal anúncio, por certo, a especial para se fazer o que o povochama papa-fina.

Sobre a 15 de novembro, a antiga Imperador, curioso é anotar quetrocou e alternou o sentido da numeração três vezes, e por isso é quebra-cabeça de pesquisador. Começou muito bem. vindo do rossio da vila —Jardim Velho —, seu nascedouro e marco zero lógico. Como quinto prazoà esquerda, o casarão do Centra! era o n." 9. o mesmo do Colégio SãoPedro, do professor Júlio Adolfo Riedel, ali aberto em janeiro de 1883, eda redação e oficinas do Provinciano, que na década de 1870 ocupava osalão da esquerda, enquanto na sala da direita funcionava o Fórum

Talvez com a mudança de nome ocorrida com a República tambémtenha mudado o sentido da numeração, ficando o casarão do lado par, ecomo n." 8, que guardou até ser adotada a numeração pela metragem darua, passando então a 44. Isso. no início dos anos 30. O casarão foidemolido em 1957.

Finalmente, a lógica na numeração da rua prevaleceu e a Prefeiturapor volta de 1970 voltou a adotar como marco zero o nascedouro da cidade,a praia da barca. Por isso. o Armazém Central estaria hoje à disposiçãodos ricos na 15 de Novembro, 45.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 59

beira-rio. Aí era muito o consumo de certa cerveja estrangeirade grande reputação, marca Bass.

Na vila funcionavam então dois teatros, em que se apre-sentavam companhias da Corte. O do Lavapés era o ClubeDramático Paraibano, e o da rua dos Artistas o Teatro DonaIsabel. Aí também se apresentavam os grupos dramáticos deamadores muito comuns na época. O ponto de uma companhiavisitante, Benedito Gonçalves, encontrou ambiente tão favorávelà sua arte que se fixou na vila, formando aqui grande famíliae chegando a ser até agente do Correio.

A rua dos Mineiros, o lado da beira-rio, era a continuaçãonatural do comércio da Direita. Aí se destacavam os comis-sários de café Felisberto Carlos Duarte (o pai) e João Cordeirodo Couto, um armazém de secos e molhados de José Campos& Irmão e o Hotel Pacheco & Filho. Esses comerciantes grossosforam os que encabeçaram as contribuições do comércio para aabertura da parte da rua dos Mineiros que dá para a MarechalDeodoro, logo depois que junto a ela foi construída a estação,inaugurada a 11 de agosto de 1867 com a presença do impe-rador Pedro II.

Na esquina da Imperador com Mineiros funcionava a socie-dade de danças Comercial e Artistas, fundada por José daCunha Carneiro, no mesmo casarão em que até a década de50 foi a agência dos Correios e Telégrafos. Em frente, onde oúltimo comércio foi a Casa Pantola (a loja foi posteriormenteocupada por escritórios), nos tempos da vila tinha consultórioo dr. António José de Melo, especialista em doenças sifilíticas,que eram o terror da mocidade da época.

O Hotel Garibaldi transferiu-se da praça de Paes Leme paraa Pedro l. logo depois da chegada do trem, e aí manteve ótimorestaurante- A divisa da casa era: "Atividade, asseio e bara-teza — Mesa-Redonda — Falam-se francês, inglês e alemão."

Ao lado do hotel na nova rua funcionou grande armazémde café de Pivatelli & Cordeiro, nos baixos do sobrado em queresidia o médico belga Jean Neave, operador e parteiro.

O hotel, fundado por Florêncio Laje da Cruz Garibaldi, vol-tou depois à Praça de Paes Leme, esquina da rua do Silva (comBeira-Rio) onde hoje está a Sociedade Musical Três de Maio.Ao lado ficavam então a Coletoria das Rendas Provinciais e oescritório dos bacharéis Canuto Malheiros e Marinho da Cunha,este um adventício'que fez carreira brilhante /ia política.

No hotel Anjb-da-Meia-Noit« que ocupou d sobrado da pra-ça Marquês (Paes Leme antiga? depois que a Câmara se mudoupara sua sede definitiva, se exibiu certa vez um conjunto decampanolos escoceses, mandado vir da Corte por seu proprie-tário, que fez grande sucesso na vila, apresentando óperas,

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só PEDRO GOMES DA SILVA

polcas, valsas e hinos Os anúncios do Anjo eram pomposos:"Profusão e presteza - - - A variedade e o bom-gosto, de mãosdadas, disputam a preferência — Os senhores que frequenta-rem este hotel terão à sua disposição um belo jardim para re-creio, onde é agradável tomar café e respirar o perfume dasflores — Cocheira para animais, onde serão tratados com boasrações e ferrados, se preciso,"

Na rua dos Coqueiros {Barão do Piabanha) funcionava umapensão familiar muito frequentada por artistas"", que trabalha-vam na construção da Pedro II.

Depois do Lavapés a rua de maior comércio era a Direita,onde se encontravam a relojoaria do suíço Emile Juvet com "va-riadíssimo sortimento de relógios ingleses e suíços, cronôme-tros e meios ditos, de ouro e prata, e jóias para senhores". Napraça dos Presidentes f icava o Hotel Universal, de João Joséda Rocha Júnior, que viera do rossio da vila acompanhando omovimento de bestas de carga e viandantes que se transladoupara a boca-da-ponte depois de sua inauguração. Também nes-sa praça havia semanalmente uma feira à moda do Norte, idea-lizada pelo dr. Bezerra Monteiro, advogado cearense.

Por volta de 1870 houve na vila um grande surto de febreamarela, trazida, segundo dizem, pelos vagões da Pedro II, quetransportavam os estegomias infetados. Esse surto de febrecausou grande mal à vila. afugentando os viajantes e preju-dicando o comércio algum tempo.

Nessa época já existiam ótimos prédios, como os cons-truídos pelo visconde de Queluz, Luís Peixoto de Lacerda Wer-neck, os de Nicomedes Rodrigues Soares Meireles, FranciscoManco Rodrigues Chabregas, José Inocêncio de Andrade Vas-concelos, Bonifácio José de Sousa Queiroz, Aleixo Ferreira Ta-vares de Carvalho, Cândido Mendes de Almeida, Carlos Augus-to de Abreu e Silva, Frederico João Ormerod, Ladislau Acrísiode Almeida Fortuna, Joaquim António de Macedo Tupinambás,o barão da Paraíba e Isidoro Rodrigues de Andrade. Este últi-mo possuía também a propriedade agrícola Farinha"7, na serrados Pirineus, e sua casa de residência na vila servia ainda decasa comercial.

"(!. O termo não era usado para designar qualquer trabalhador braçal, masos que possuíssem ofício, como carpinteiros, marceneiros, gráficos, pedrei-ros etc. Hoje chamam oficial, juntando a sua especialidade. A sociedademusical e de dança Comercial e Artistas, que então existia em Paraíba, con-gregava caixeiros do comércio e esses oficiais.!1~ Já vimos que foi a primeira a formar-jse no Caminho entre o Paraíbae o Paraibuna. O nome subsiste numa situação perto da fazenda Itiaca.

capítulo 4

Cidade de Parahyba do Sul

O decreto provincial 1 653, de 20 de dezembro de 1871,elevou a vila de Paraíba do Sul à categoria de cidade, porémisso em nada influiu em seu progresso e nenhuma repercussãoteve na vida local"8, sendo, como era, título simplesmente hono-rífico que se concedia às localidades.

Em 1870 a Casa da Câmara foi transferida do sobrado dapraça Marquês para o prédio adquirido ao futuro barão de Si-mão Dias, que ainda estava em construção e nele tencionavainstalar a residência, a casa bancária e o armazém de café.Adquirindo-o, a Câmara levantou o andar superior.

Em 1878, no dia 7 de setembro, sendo presidente LeandroBezerra Monteiro, foi inaugurada a iluminação pública a gás.No prédio da Câmara reuniu-se numeroso povo, com a partici-pação das duas bandas de música, Comercial e Artistas e DuasCoroas. À tardinha, depois de acesos os 68 lampiões as ban-das executaram o hino do dia, o da Independência.

De 1880 a 85 a Paraíba esteve no apogeu, com toda a Pro-víncia. Era o tempo em que o café conquistara o mercadomundial como regente de tudo, a palavra de ordem na vida eco-nómica e um dos principais produtos de exportação.

Havia então em Paraíba uma sociedade que refletia essebem-estar financeiro das fazendas. As famílias se visitavam ecomemoravam festas próprias e de igreja. Nessas festas so-bressaiu-se entre nós na música o maestro Guerra da Costa69,até hoje o nosso maior músico. Na Câmara se instalara pordeterminação da Provírvcia uma Biblioteca Municipal, onde osque gostavam de ler podiam educar-se. Era a época dos moços

*8. A nota do Parahybano não podia ser mais lacónica: "Esta vila foino último dia 20 elevada a cidade."«». Aos 14 anos António Guerra da Costa (1860-1916) já era membro daSociedade Musical Restauração das Duas Coroas. Aos 15, seu secretário;

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cultos, da poesia e da arte. Nesse particular, os cursos jurí-dicos tiveram muita influência, sendo vários de nossos conterrímeos de então alunos da famosa Academia em São Paulo.

Nessa época de abastança o município era classificado emquarto lugar na Província, com receita anual de 41:875$538,tendo acima apenas Niterói, Campos e Valenca, os dois últimoscom área muito maior do que a sua.

Além dos advogados de que Falaremos no capítulo O Foro,destacavam-se na vida social de Paraíba os médicos AntónioGomes Guacury, Balduíno Joaquim de Meneses (barão de Me-neses), Cândido José de Carvalho Lima, Deocleciano Alves deSousa (que fez política municipal vitoriosa no início da Repú-bl ica) , Firmino Rodrigues Silva, Geraldo Barbosa Lima, Ja-cinto Alvares Ferreira da Silva, Jorge Rodrigues Moreira daCunha e Luís Gomes Ribeiro de Avelar, afora o dr. FranciscoJoaquim de Oliveira Santos, vacinador e médico da Câmara eda colónia de Cantagalo. Esse médico era conhecido comodr. Xixi. Era considerado o médico da pobreza, coração mag-nânimo e homem de forte caráter.

Havia boas farmácias, como a Imperial Pharmacia Normal,na rua do Imperador, onde à tarde se reuniam as principais fi-guras da cidade para conversar. Era Paraíba uma cidade quetinha gente culta e que gostava de arte, naturalmente pouca,a que servia aos barões do café em seus escritórios de advo-cacia, gabinetes médicos e oficinas tipográficas de jornal.

Na estação da estrada de ferro faziam ponto 26 victorias,o táxi da época.

Boas joalherias faziam negócio com os fazendeiros, poisas jóias eram o adereço mais usual naqueles tempos. Os anún-cios dos ourives nos jornais paraibanos antigos são comuns.

Em 1885 foi inaugurado um campo para corridas de cavalos,com prémios aos vencedores "com o fito de animar o melhora-mento da raça cavalar na zona". Constituído em sociedadeanónima, denominava-se Prado Paraibano, valendo cada ação100SOOO. Foi construído em terrenos que hoje estão ocupa-dos pelo campo de futebol do Cerâmica, e tinha arquibancadas

e aos 22 maestro. Todas as referências a ele são rnuito elogiosas, e a habi-lidade em vários instrumentos, decantada. Tanto fazia nas bandas, comoem conjuntos instrumentais e solo. Formou um conjunto em sua casa,esquina de Benjamim Constant com Floriano -Peixoto, a qual tinha grandee incomum varanda embutida na frente para a primeira rua, onde praticavasua arte, entre outros com o irmão José, o popular "Seu" Gasosa, e o filhoProtásío, flautista. Ern 1904 fundou a Sociedade Musical Três-de-Maio.Era a figura central dos saraus musicais nos salões da cidade, os principaiso do palacete Werneck (do cel. Quirino da Rocha Werneck, genro e her-deiro do visconde da Paraíba) e o do dr. Bernardes. Compunha tambémvalsas e polcas. Faleceu a 1." de agosto de 1916.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 63

e dependências sanitárias para o público. A sociedade foi le-galmente organizada, com estatutos a 16 de agosto de 1885.

Sua primeira diretoria foi a seguinte: presidente, dr. Deo-cleciano Alfes de Sousa; vice-presidente, Pedro António deAraújo e Silva7"; tesoureiro, major Damião José de Sousa Gui-marães; 1.° secretário, Conrado Ferreira de Sousa Jacarandá;2.° secretário, Cristiano Aurélio da Costa Cabral; e conselhei-ros, o capitão Joaquim Pereira de Lima, José Lino Ribeiro deSá, João Ferreira de Araújo, José Gomes Vieira da Cruz, An-tónio Luís Maria de Brito, Manuel de Sousa e José Guimarães.

Mas diante de todas essas demonstrações de cultura eprogresso vivia uma sociedade que as sustentava: os caixeirosde loja da rua Direita, os artistas (os que tinham ofício manual)e, matriculados no município, mais de 22000 escravos.

Em 14 de novembro de 1885, sendo presidente da Câmarao dr. José Gonçalves Viriato de Medeiros, foi celebrado con-trato com Gustavo Adolpho Wurffbaum para canalização daágua do abastecimento da cidade. Para financiar as obras con-traiu a Câmara um empréstimo popular de 100:000$000.

Com esse serviço melhorou consideravelmente nossa hi-giene pública, podendo a população abandonar o costume deapanhar água no rio e depositá-la em talhas, para melhorar desabor. Havia residências que tinham em seus porões até 30talhas, numeradas de um a trinta para controlar o seu consumo.

Viriato de Medeiros foi ótimo administrador e muito fezpelo município. Melhorou as estradas, a instrução pública econseguiu da Província a construção de um cais em frente à

"°. Pedro de Araújo (1852-1899) foi na parte militar o principal esteio emParaíba da Revolução de 1891, que derrubou o governador Portela. Issoporque chefiou o armamento dos revoltosos, que se mobilizavam a cavalo,utilizando a própria fazenda (Rio-Novo) e a de correligionários — comoC/7/co do Sossego — para depósito de armas e munição.

Era enteado do barão de Ribeiro de Sá, que se casou com sua mãequando ele tinha 10 anos e teve muita influência em sua formação. Delese dizia que era chefe inato, despertando amizades e inimizades apaixonadas; e muito afeiçoado ao barão.

Eleito vereador à Câmara de 1883 a 86 pelo partido Conservador, exerceuainda, pouco tempo, o cargo de juiz-de-paz do distrito do Espírito-Santo doJatobá (março de 1891). 'Era dado à equitação e "andava sempre a galope".

"De estatura regular, magro, fino de corpo, claro, nervoso. E semprede fraque, mesmo que a fazenda fosse brim." (Lucas Ribeiro, filho doC/7/co do Sossego, depoimento em 1971 aos 90 anos.)

A sua ocupação do tabelionato do 1.° ofício por morte de Alves Filho,em abril de 1890, com outro já nomeado, é história até hoje pouco escla-recida, como certos episódios que antecederam e se seguiram à Revoluçãode 1891. Quando administrador da Colónia de Cantagalo, dominou pronta-mente a sublevação dos colonos, insuflados por especuladores dos prazosdê terra dos ex-escravos, contra a Irmandade Nossa Senhora da Piedade.

Faleceu de febre amarela na Vila Jatobá, a 21 de março de 1899.

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64 PEDRO GOMES DA SILVA

rua dos Art istas. Nessa rua, esquina da rua cio Silva (Beira--Rio), funcionou longos anos uma cervejaria com café-cantante,centro de mulherio, e na parte da frente mesa para bilhar e

' outros jogos, dando grande trabalho à polícia.Em 1 r de setembro de 1891 foi inaugurado o Banco Re-

qional da Paraíba do Sul, Felisberto Carlos Duarte à frente.De 1892 a 1895, embora com pequenos orçamentos, enor-

me foi o progresso da cidade sob a benemérita administraçãode Leopoldo Teixeira Leite. A esse cidadão deve a Paraíbagrandes melhoramentos em todos os setores. E ainda não res-gatou essa divida, pois até hoje nenhuma homenagem públicalhe foi prestada. Até dar seu nome à ponte da Linha Auxiliar(da antiga Melhoramentos) foi obra de Paulo de Frontin e nãodo povo paraibano.

Leopoldo Teixe i ra Leite foi dos mais eficientes administra-dores que teve Paraíba do Sul, bastando citar-se o que fez pelainstrução pública: manteve o Liceu Paraibano, sob a direçãode Almeida Paim; obteve do governo estadual escolas nas sedesdos distritos de Brás-da-Ponte (bairro da Grama), Entre-Rios,Serraria e Mont'Serrat; promoveu a doação ao Estado do prédioonde funcionava o clube Henrique de Mesquita, em Entre-Rios,para a escola do sexo masculino; construiu prédio para escolano lugar Laje, no mesmo distrito; adquiriu livros, carteiras ematerial escolar, e dotou a Municipalidade de um regulamentopara instrução pública.

Quanto à saúde pública, foi também notável sua atuação.Com o dr Vahia Durão, melhorou o combate à febre amarela,que nos anos de 1892 e 93 grassou em Paraíba ao mesmo tempoque a varíola. Promoveu socorro aos doentes e baixou umregulamento sanitário.

O dr. Teixeira Leite canalizou a água no Jatobá para lavagemdos esgotos da Grama. E no atual bairro das Palhas construiuum coletor de esgotos de grande extensão. Mandou fazeruma barragem no córrego do Limoeiro, que atravessa o bairrodo Lavapés, de modo que fossem descarregadas as águas de12 em 12 horas para lavagem do respectivo leito, que serviade esgoto. E iniciou o estudo sanitário de Entre-Rios e Serraria.

Vale a pena citar alguns trechos de seu relatório comopresidente da Câmara no início da República: "Durante a epi-demia de 1892, os médicos consideraram como uma das causasdo aparecimento da febre amarela o grande pântano existenteem torno da matriz. Com o fim de dissecá-lo, a Câmara man-dou construir dois grandes bueiros coletores, a partir da linhaférrea, indo um até o rio. Além desses construiu outros parao encaminhamento das águas no bairro das Palhas, e dos mon-tes que o cercam, levando-as ao coletor que as conduz ao rio."

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 65

Ainda do relatório do grande administrador: "O intuito daCâmara era fazer o aterro de toda essa baixada (entenda-se,o alagadiço que cercava a nossa matriz), e tanto que despendeucerca de seis contos de réis para aterrar a parte compreendidaentre o pátio da estação, a linha férrea e a rua Campos Sales7 1 .Deixou de prosseguir nesse serviço por ter cedido o restantedesse terreno à Empresa Industrial de Melhoramentos do Brasil,para serem aí construídas as oficinas da E. F. Vassouras —Pati do Alferes — Petrópolis."

"Grande aterro também foi feito na praça Quatro de De-zembro, tendo as despesas orçado em 4:000$ÒOO. Pelo centrodessa praça fez-se larga avenida arborizada, a partir da ladeirada ponte até a matriz, tendo-se conseguido para esse fim dodiretor da Central a mudança da passagem de nível7-."

Ao tempo do dr. Leopoldo, o principal problema da cidadeera a falta de água para o abastecimento da população, que

• crescera rapidamente depois de 1880. A rede original, dosanos 70, entrava no perímetro urbano pelo Pau-Ferro e Lavapés,seguindo o eixo da Floriano—Tiradentes—15 de Novembro atéa Câmara. No centro da praça Marquês, ainda não ajardinada,havia um chafariz de ferro para fornecimento de água aos mo-radores de ruas ainda não ligadas à rede como as da beira-rio.Com a construção do Jardim em 1908, esse chafariz deu lugarao coreto, passando ele ao centro da praça Quatro de Dezembro,no eixo da boca-da-ponte.

Voltemos ao relatório do dr. Teixeira Leite: "Para poderexecutar a rede de esgotos, a Câmara trouxe o engenheiro Fre-derico Heudtman, da City Improvements, do Rio de Janeiro eque, pela quantia de 3:000$000, levantou a planta das obras eorganizou o orçamento das despesas a fazer."

Não tendo a Câmara recursos para a execução do projetode esgotos, solicitou ao governo do Estado autorização paralevantar o empréstimo dos 300:000$000 necessários, o que nãoconseguiu, dada a situação financeira cada vez mais difícil daoutrora próspera província fluminense. Aquela verba incluía aimplantação de esgotos na vila de Entre-Rios.

Graças à intervenção do dr. Leopoldo, o Telégrafo Nacionalinaugurou em 1892 uma estação em Paraíba, sendo primeirotelegrafista António lldefonso de Carvalho Almada. Até então,recebiam-se telegramas pelo serviço da Central.

Ainda por interferência do operoso político, o governo es-tadual instalou em 1894 nas cercanias da cidade uma EstaçãoAgronómica. O primeiro diretor foi o agrónomo Henrique

7!. É hoje o trecho inicial da Bento Gonçalves Pereira.72. A travessia voltou assim ao locai primitivo, tendo ficado no eixo daaléia de oitis de meados dos anos 1890 até por volta de 1920.

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fifi PEDRO GOMES DA SILVA

Braune. Localizava-se a sede junto à queda dágua em que oribeirão do Lucas se lança no Paraíba, aproveitada em 1910

,para instalação da usina elçtrica de iluminação da cidade.•K A cadeia, já transferida para o local onde se encontra, foi

Veformada também na administração Teixeira Leite. E foi aindaesse administrador, como Paraíba jamais teve, quem doou aoEstado o terreno para a construção do Fórum, que é de 1898.Com isso, retirou-se da Câmara o serviço de Justiça.

A estação telefónica de Paraíba começou a funcionar com50 aparelhos, dentro e fora da cidade, sendo seu proprietárioArtur Brás da Costa Melo. Os aparelhos e a estação foramgenerosa oferta do dr. Leopoldo à Câmara, que os cedeu a ter-ceiros. Esse serviço foi encampado pela Companhia Telefó-nica Brasileira.

Muitos outros benefícios devemos à administração TeixeiraLeite: intercedeu junto ao Estado para conserto das pontes doParaibuna, Serraria, Boca-de-Fogo (Hermogêneo Silva) e da ci-dade; melhorou as estradas Presidente Macedo e União e In-dústria, e conseguiu agência de correio para a ponte de San-tana (Alberto Torres); construiu grande paredão de arrimo nocemitério da cidade, cercando-o com grade de ferro, obra im-portante contratada por 40:515$000, ficando assim assentenuma bela colina e fora da cidade.

O cemitério havia sido transferido para o local em 1880,por causa das febres de mau-caráter que apareciam periodica-mente e eram atribuídas à contiguidade do antigo, que o cres-cimento da vila deixara em seu centro. ,

Por Entre-Rios também muito fez Leopoldo Teixeira Leite,que previu o desenvolvimento dessa localidade. Ihcalculáyeiéforam os serviços prestados ao município pelo yassourénséLeopoldo Teixeira Leite. A leitura de seu relatófid,tapresep:'tado à Câmara a 7 de abril de 1895 será proveitosa à^tpddjéui-paraibano, para poder aquilatar sua obra. Recebeu em vida otítulo de Cidadão Sulparaibano, mas isso não paga nossa dívidapara com ele. Um busto à entrada do edifício dal municipali-dade seria homenagem modestíssima ... '"''

A 12 de outubro de 1892 — quarto centenário da.Desco-berta da América — deu-se a esperada inauguração do-ThèãtroGymnastico Parahybano com a peça Ghigi, tendo O jpvfernVJÊmí-lio de Freitas Brandão no papel-título. Seu Milote foi ^de^tíll*bmaior animador do teatro em Paraíba, sua terra de ádoÇãÕ!-—•era também de Vassouras —, e aqui exerceu os mais "'.Variadoscargos, sempre no maior entusiasmo.

O ensaiador da peça inaugural do novo teatro foi o antigoponto de companhia de fora que se radicou entre nós, BeneditoGonçalves, e o cenógrafo o mais famoso artista boémio que

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAfBA DO SUL 67

tivemos, Romeu de Albuquerque. Em outros papéis da peçaencenada pelos jovens amadores do Clube Dramático Familiar,nossos conterrâneos mais velhos recordarão representantesde famílias tradicionais da cidade, como Joaquim e FelisbertoCarlos Duarte, depois os populares e ricos comerciantes Quin-cas e Nica Duarte, este urn dos fundadores do Cine íris, que seinstalou por volta de 1914 no prédio do teatro. E ainda Sal-vador Ciodaro, Mário Cabral e Artur Melo Filho.

Em fevereiro de 1898 inaugurou-se nas Palhas outro diverti-mento interessante para â época, o Velódromo, na chácara deFrancisco Ferreira Ribeiro, o Chico do Sossego.

Era uma Paraíba ainda sem futebol e cinema, e tudo queimportasse em desafio e apostas atraía o povo nas tardes dedomingo. Fora disso, eram os bailes em casas de família, ouas quermesses, festas de igreja com leilões de prendas nosadros da matriz e Santo António, em junho* e no largo deSantana, só ajardinado em 1938, em julho; e em outubro noRosário, onde desde a construção da igreja há um pavilhão per-manente para os leilões e a banda e que, nos tempos normais,sobretudo logo após a Abolição, servia de abrigo,a muito es-cravo doente abandonado e corrido das fazendas. Eles entãose transformavam em mendigos e aos sábados percorriam acidade, esmolando. Os vinténs, moedas de 20 e 40 réis doImpério e de cobre azinhavrado, acabaram em .suas mãos, jáavançada a República em 30 e 40 anos. E por tradição o co-mércio de Paraíba só os recebia deles, os pretos mendigos.Juntando vários vinténs se somava um tostão (100 réis). Epor tanto se comprava um;pão.> i Na estreia do'Velódromo ocorreu o desafio dos melhoresciclistas da cidade, Tiràdentes e Aquidaban. O fiscal 'de pistafoi :SeU M i lote, animado em tudo que fazia. E fazia de um tudo,desde que entrasse!,o congraçamento de pessoas e organização.

Presidia a sociedade do Velódromo o,gaúcho José TeixeiraPalhares, que por essa época adquiriu as Fontes da Saúde e irámudar seu nome para Salutaris78. Da diretoria eram aifida-omédico vassourense radicado aqui, Tiago Còstàí* político é jor-nalista; Emídio Gruhn, sócio do Palhares nas águas; e José Joa-quim da Cunha, genro do dono da chácara^ o Òhíco do Sossego,apelidado assim porquê nascera e fora muitos'anos feitor nafazenda desse nome. A . •'"'"'•''--'$?

?A .Embora anúncio de março de 1895 dê as Aguas Miner&es da'Pprãhybado Sul — Fonte da Saúde como "engarrafadas junto à fòrité",'pa|è,c|;,fluesó em 1901 de fato o foram, com Palhares, Gruhn & Cia.,,(a partir da', 30,de março), que teriam adquirido as fontes de Aurélio Dias. ít,CÍ3V:;Â:riiafáàSa/ufar/s aparece (até agora) pela primeira vez no Parghybá dó Si// dS; 12de dezembro de 1901. • .''.'', : V - • : / - • -

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68 PEDRO GOMES DA SILVA

A 3 de maio de 1904 funda-se a sociedade musical, que re-cebeu s denominação daquela data, então muito comemorada,pois lembrava a Descoberta do Brasil e a festa da Santa Cruz,

íjrprimeiro nome do país. A Três de Maio e o Riachuelo74, clube' t esportivo fundado dez anos depois, são as nossas mais antigas

sociedades.A velha banda tem atravessado períodos difíceis, rnas nos

maestros Guerra da Costa e Revermar de Oliveira, e nos mú-sicos da família Miranda Bastos, encontrou no passado os seusbaluartes. Foi fundada pelos irmãos músicos António, e JoséGuerra da Costa, e a primeira diretoria se compôs de AugustoBatista, José de Castilho Sobrinho, Américo de Azevedo e Silva,Artur Melo e João Marques de Almeida.

António Guerra da Costa foi nossb maior músico. , Tprnpu--se amigo de Carlos Gomes, e possivelmente a seu convite foicerta vez a Campinas participar de apresentações musicaisnuma Semana Santa. Conhecia e tocava bem vários instru-mentos, tendo formado em família com o irmão, filhos e amigospequena orquestra. Era no Brasil um dos poucos executantesdo ofclide75, instrumento raramente tocado, pelo menos entre

™ A introdução do futebol em Paraíba se deve a Renato Mafra, que nasférias de meio-de-ano de 1911 trouxe do Granbery a primeira bóia e a pôsna praça da matriz, então Ouatro-de-Dezembro. O primeiro clube já existiaem setembro de 1912 — Parahyba F. C. — e o segundo — SalutaHs F. C. —nasceu em novembro de 1913. ' , :,; :.

A foto mais antiga do futebol em Paraíba é a do clube desse' nome— tirada em março de 1913 —, do fotógrafo amador Angelo Pierrè, queé com Cândido de tal (presidente do Parahyba F. C.), Raimundo !Tavàres eJoaquim Lopes Filho dos primeiros dirigentes, como Renato Mafra, JaimeSantos e Raul de Castro Filho, entre outros, dos primeiros cracks do smarísporf. Raul foi o primeiro referee e do Riachuelo, fundado em sua. resi-dência, o primeiro captain.

O primeiro stadium foi inaugurado em 26 de julho de 1915,* nas'Palhas,num Riachuelo 2 x Juparanense 1 que acabou numa briga. Tinha arqui-bancada de madeira, atraía a fina flor e está documentado em foto do dia,em que aparece ao lado de Angelo Pierrè, presidente do Riachuelo, o jovem'Raul de Castro Filho, carioca que pouco viveu em nossa cidade,mas deixouno seu entusiasmo pelo futebol o nome em sua história esportiva. ' Pa-,rece, é a única foto que nos ficou dele, que faleceu no Rio em 19271 érritorno dos trinta anos. > < í • • ; i ' t i l l75. O nome estranho desse instrumento barítono de sopro, inventado npséculo passado e logo em desuso, substituído pela tuba com válvulas(!vemda aparência de cobra enroscada do tubo junto à corneta de chaves. TJrrou-o o inventor (há briga entre francês e alemão) do grego ophls, cobraie k/eides, chave. Tinha de 9 a 12 chaves, o corps em U, o bocal em forma ;de xícara, e substituiu nas orquestras de igreja e bandas militares o velhoserpentão, em geral desafinado e fanhoso, Teyè vida breve, mas reprej

sentou grande progresso. E sua utilização por ouerra da Costa é Indicioseguro de quanto levava a sério sua arte, procurando sempre aperfêlçòá-láí ||A música foi a sua vida. E este informe especializado (veja" bibliografia) *«confirma a raridade e utilização breve do instrumento: "NO Brasil, chègoUí

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CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 69

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nós; e sua fabricação exige cuidados especiais. Consta que,entusiasmada pela habilidade do maestro no instrumento, a ba-ronesa de São Roque — casada com um dos mais ilustresbarões paraibanos — encomendou na França .um ofclide paralhe dar de presente, tendo gravado o nome do-maestro.

Em 1909 atravessava Paraíba do Sul e todo o Estado doRio uma era de desânimo e paralisação em seu desenvolvimen-to. A maioria das casas estava desalugada. Administrava en-tão o município o mineiro Bernardino Franco76, um dos grandesamigos da cidade. Abandonou sua clínica médica em bene-fício da causa pública, e no fim da vida passou dificuldadespelo amor que dedicou à terra.

Devemos-lhe inúmeros melhoramentos. Construiu o JardimVelho, que muito justamente hoje se chama Parque Dr. Bernar-dino Franco, com coreto para retretas, repuxos, bancos, lagose um bosque. Para a realização dessa obra Bernardino Francoangariou donativos de porta em porta. As estátuas de mármoreque lá estão, conseguiu-as por doação de Frederico D'0lne, pro-prietário da fazenda São Lóurenço; decoravam o pátio fronteiroà fachada da bela sede da fazenda do viscondejde Entre-Rios.

Dotou o município de diversas estradas de;rodagem, melho-rou o manancial de água potável da cidade, arborizou ruas econstruiu muitas calçadas de cimento.

Por seus esforços e ajuda do coronel Randolfo Pena Júnior,foi construída a usina hidrelétrica do ribeirão do Lucas77, queforneceu luz e energia à cidade e cuja inauguração se deu a6 de novembro de 1910. Eis a notícia no Parahyba do Sul:

a ser usado nas bandas e. conjuntos instrumentais, como os dos chorões.",Este termo foi criado pelos estudiosos de música para designar os tipica-mente nossos conjuntos musícaisido passado, como o que reunia o maestro

• Guerra em sua varanda, com o indefectível copinho ao,lado, no chão.78. Bernardino; Torres da Costarfranco (26-05-1869) se radicou em Paraíbaem fevereiro de 1898. Era médico da Câmara quando da primeira atuaçãode destaque registrada:; na violenta epidemia de varíola em 1904 no Campo

^da Grama -(Hermogêneo Silva), com 40 vítimas.Sb .Eleito presidente da Câmara para o triénio 1907-ÍO, reelegeu-se .nojtóègulnte; fe desde 1907 foi nosso representante na Assembleia Estadual,

a; a,qual também sé reelegeu. E vice-presldente dó Estado.Administrou o município numa das épocas mais conturbadas,,do Es- g

. o ) sobressaltado continuamente pela gangorra política ,e assoberbado 'dê;;,dividas pelo contínuo vermelho nos orçamentos. Parece,, a doença sérja^rnlnou seu organismo desde 1911, amíudando-se daí ,as visitas, :áò/,piò; " e - 4afinal nos roubou com apenas 45 anos esse mineiro préstónté^òu)^ ^mi> ~lstraçãoi/honesta deixou saudade. Faleceu a. 31. de .qMtiibYp ,̂H0iJâf:4j<i;-

'Tts,Para.organizar e dirigir.essa:usina e a do Paraibiinii s;sjra''S;, onde constituiu famtlla, o engenheiro italiano^Line,.construiu na 15 de'Novembro — atual n.° 31 —";tío conjunto oitocentista da velha Imperador,

tíâ}:tInovações do:seu espírito prático e- ' • ' • ' " 1

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Page 35: Capítulos de História de Paraíba do Sul

70 PEDRO GOMES DA SILVA

"Às 19 horas, presentes inúmeras pessoas de destaquesocial e as autoridades civis e eclesiásticas do municípiOi o

.^coronel Pena Júnior, dando movimento à alavanca de transmis-' j são, atirou aos cabos condutores a poderosa corrente elétncaj

que fez jorrar, imediatamente, sobre todos os cantos da cidade,ondas de luz intensa, clara e forte, substituindo definitivamentedali em diante os antiquados combustores a petróleo." , íiljl

Os construtores da usina foram Spino & Cia., pôr um con-trato celebrado com a Câmara. i ui ;

Em 6 de fevereiro de 1912, Paraíba do Sul viu pelá-prirnèiravez o novo veículo, o automóvel78, de propriedade de João Fran-cisco de Araújo, industrial e cidadão progressista;que itihhá amaior e mais antiga serralheria da cidade, no Lavapés. '

Em maio de 1912, em prédio da Marechal Deodpro'fron-teiro à ladeira da rua Saturnino Braga — o popular Morro doBroôotó —, começou a funcionar um cinema70 com aparelhoacionado por pilha elétrica e de propriedade do padre 'João[Xa-vier. Mais tarde o vigário admitiu um sócio que era maçom;então, quando o pequeno poeira tinha boa-casa, isto é, pécjávaenchente, padre e sócio arranjavam cadeiras complementaresem suas respectivas casas. E lá iam parar os bancos daílgrejae as cadeiras da maçonaria, lado a lado, esquecidas5 as incotn-patibilidades . . . Negócio é negócio! , > ; : - , ; : • (

Em outubro de 1914 Spino & Cia. (Felisberto Carlos .Duar-te Jr., o ator na peça de estreia do teatro) montam no edifícioo Cinema íris, com a renda do qual pensam financiar uma socie-dade que promovesse o progresso da terra, entabulando negó-cios. Foi a Companhia Promotora de Melhoramentos de Pa-

também seu o primeiro rádio de Paraíba, pouco depois de Roquetté Pintoinaugurar no Rio em 1923 a Rádio Sociedade, que ouvia de fone no ouvido.

Quando a Light encampou as usinas locais, concentrou os serviços"'naregião em Barra do Piraí, para onde se transferiu o dr. Uno' ;èm 1929 efaleceu em 4 de agosto de 1944, com 67 anos. ;"7«. O primeiro mesmo foi o caminhão da Salutaris, que o progressista t ediligente Palhares trouxe para transportar os engradados da água pára aestação. Olho Vivo, o jornal satírico de que era alma, creio, Romeu deAlbuquerque, nos dá essa certeza indiretamente numa de sups hòtâs dechiste, em dezembro de 1911, quando ainda não se introduzirá : p" termocaminhão (primeiro foi camião}'. '.

"O automóvel Salutaris, há pouco chegado a esta cidade* já fez'Umavítima e esta foi o Rodrigo Carapinaque; tentando fazer bonito, sUblii'aocostado do auto-reumático, para logo depois precipitar-se de espinhaço sobre

o solo ... Livra!"Carapinaque era por certo Diguinho Albergaria, filho do 'velho rCòrner-i

ciante homónimo da rua da Estação (bilhares), e o "reumático" parece:revelar que o carro fosse de segunda-mão, o que não podia escapar*ao 2olho vivo do Romeu. " " ' • • :w~- ' ' " ' ' " • ̂ Pf». A cidade assistiu a cinema peia primeira vez, parece;•èhV janelro^de;-1910, quando o Circo Pathé — nome por certo copiado da pioneira Indústria,

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA, DO SUL 71

raíba do Sul, de que Felisberto — Nica Duarte — era presidente,Randolfo de Matos tesoureiro e Seu Milote, o ator principal dapeça teatral de 1892, o gerente80.

De fato, a sociedade conseguiu algum sucesso e novosempregos foram criados em Paraíba, como uma fábrica de pa-rafusos que, embora não indo adiante, deixou seu pavilhão paraser aproveitado pela Fábrica de Rendas Paraíba, uma indústriaespecializada e em seu género a primeira no Brasil.

O sócio Spino da Promotora de Melhoramentos é Pascoalde Gregório Spino, que começou como, pequeno comercianteem nossa vila de Entre-Rios, passou à cidade e de 1924 a 1927foi prefeito do município, iniciando nele uma política rodoviáriaque teve seguimento pelo sucessor, Josjí Inácio da Rocha Wer-neck, preparando a terra para o advento da,era do automóvel

Pascoal Spino e um irmão, Alexandre, fundaram a Cia. In-dustrial de Eletricidade, que aos poucos se incumbe da ilumi-nação de várias localidades no município e veio até o final dadécada de 20, quando a Light and Power chega à região e en-campa as pequenas usinas locais do Lucas e Paraibuna. Emnosso município, em 1908, a Cia. Brasileira de Eletricidade cons-trói na Ponte de Santana (Alberto Torres) a que era na ocasião— 1908 — a maior usina hidrelétrica do país, no Piabanha.

cinematográfica francesa — exibia como grande atração, na praça Ouatro--de-Dezembro, "cinematographo iluminado a luz eletrica1'.

Em setembro de 1911 o Arealense noticiava sessões aos domingos noCinematographo Parahayba, na Marechal Deodoro. Os primeiros filmeseram naturais, o que depois se chamou /orna/, e a exibição naquele ano de umnatural da final do campeonato de 1910, entre Fluminense e Botafogo, noti-ciado no Jornal do padre, O Imparcial (que não o era coisa alguma), ajudoua divulgar o esporte que em Paraíba começava também naquele ano.

O padre João Xavier Pinto de Carvalho, dono do cinema e adiante ; ci-tado, substituiu na poróquia em 1902 ao falecido cónego Sales, vindo deSebolas, onde era pároco desde 1886. Em 1909 fundou O Imparcial. Inte-ligente e empreendedor, foi cura arejado para o tempo. Passava as tardesde domingo pescando na ponte, de linha, mas às quintas-feiras soltava umjornal de política católica dura. Saiu de Paraíba em 1917 para seryir nacatedral de Niterói, onde em 1927, já monsenhor (1925), passou'ã gover-nador do Bispado. Nasceu em 3 de dezembro de 1853 em Angra dos Reis,

•', "o mais velho de dez Irmãos pobres". Faleceu em Niterói no Natal de 1931.só. A companhia favoreceu as iniciativas progressistas, apoiada pela Câ-mara, que ao isentar as construções temporariamente de impostos conse-guiu a renovação imobiliária parcial da cidade, principalmente na Deodoro,apressando sua consplidação como centro de comércio junto à npva.es-

l|tação, inaugurada en> 1913. Essas medidas, possivelmente, levaram à íris-tófâl.ação da Prefeitura em Paraíba (em 1916, com Eurico Teixeira Leite e filhogtíòt;dr, Leopoldo como primeiro prefeito). É que financiamentofí ;èníprés-jftímos,e outros compromissos das câmaras com &éu£nàtà8o.£Jjffi^rfyi$r'

p;,;Sa3ojr|peld Governo; do Estado para implantar admínístraèão|;IÍ3çf5Sn|rpÍejlfjml^fefetivò nos municípios, através de prefeitpsr.o^qlue^ l̂fia^ l̂ijlfflliífi:^SÉÍritnTffiprescente no início do século. Os de Niteróiè ~"''*'''"''**""'^"-•"*•-'-•'!-,':<'&e>.' • • i"--»-*""'''-.

~

III

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72 PEDRO GOMES DA SILVA

O prefeito Spino construiu nas estradas municipais as pri-meiras pontes de cimento armado, e calçou a paralelepípedosS'é a Alexandre Abrahão a rua Marechal Deodoro, que pelos

os 15-20 já roubara da Direita o melhor comércio da cidade,vido à vizinhança da estação81. De 1927 a 30, José Inácio na

Prefeitura intensificou a construção de pontes de cimento';econcluiu o calçamento da Marechal. Na sua extremidade, com-pletando setenta anos desde que aberta, a grande praça daponte, Prefeitura e matriz ganha o logo chamado Jardim Novoem 1928, de estilo francês, com canteiros simétricos, pequenasárvores podadas e farta iluminação"2.

José Inácio fez ainda grandes aterros em Entre-Rios, me-lhorando as condições de desenvolvimento da povoação.

António Visconti assumiu em janeiro de 1930 a adminis-tração do município, como seu último prefeito eleito na cha-mada República Velha. A revolução de outubro daquele afioo apeou do poder, como a todos os outros prefeitos' douRafs.No curto período de sua administração Visconti, que era indus-trial, levantou a planta para a melhoria do abastecimento dáguada cidade, reformou seu cemitério e concluiu pontes e estradasiniciadas pelo antecessor. n > >M 1 . Nosso centro comercial já fez a seguinte peregrinação: Lavapés —Rua Direita — Estação — Rodoviária, seguindo o ponto da mula, barca,trem e õnibusR'-'. A praça nascida depois do plano Koeler e aberta com 70 m de largurapor quase 300 de comprimento, por administradores de visão como o;vis-conde da Paraíba, o barão de Simão Dias e o dr. Leopoldo, veio depois-dosanos 30 a ser atulhada por prefeitos em tudo diferentes daqueles presi-dentes da Câmara. "Paraíba é a única cidade onde se afora i logradouropúblico", ouvi de um funcionário municipal que vem acompanhando essesatentados ao bom-gosto e urbanismo há muito tempo. :" -i, '"• '

e capítulo 5

O Foro dos Cearenses

Ó decreto da Regência que reorganizou a Província do Riode Janeiro e criou seus primeiros municípios também a dividiupm '.seis comarcas, sediando uma na vila de f Cantagalo83. Aessa ;} comarca pertenceu de início o termo da Paraíba.

.A constituição dq termo teve lugar a 5 de junho de 1833,com a nomeação Vdas primeiras autoridades judiciais aponta-das à Regência peja Gamara Municipal. Foram o capitão-mor

'José Agostinho de Abreu Castelo Branco como juiz municipal;j José Leocádio do Vale, juiz-de-órfãos; e padre António Marcosde Abreu Castelo Branco, promotor.

De início, o termo foi fraquíssimo, pois a população docmunicípio em formação era diminuta. Mas com a chegada docafé, e o progresso geral foi-se rapidamente animando.'.'; Em 13 de abril de 1835 nosso termo se desliga de Cahta-galb e passa à comarca criada então em Vassouras, bem maispróxima. Sendo porém as comunicações mais fáceis com avila da Estrela, pela Estrada Geral de Minas — o velho Caminho

»•''. Essa vila criada em 1814 foi das que teve desenvolvimento mais lentoe difícil, por se terem esgotado logo depois os veios auríferos que -lhederam origem e povoamento rápido. Sobreveio a decadência è o despo-Ypamento do distrito,, tanto que, pela decisão n." 34, de 4 de setembro de

,.,1817, foram extintos os cargos de "tesoureiro, escrivão e meirinho da arre-éadação do real quinto do rio das minas de Cantagalo". Passou mesmo

;!rnuito tempo sem condições de construir a "casa da camará" e a cadela,exigências ao povo da vila para sua ereção. .. itj v

iúí Aísede de comarcç na vila deveu-se à sua posição geográfica na pró-^víncia,, tendo-se procurado em 1833 a equidistâncía entre elas, de ; modo a rjiue^cada qual ficasse no centro de determinada área , em tqrrnós, /tahto;»

'tríáis 'duas : comarcas dá , serra (Resende e Cantagalo)' 'como1 f rfás' três vdoS' litoral (Angra dos Reis, Itabòraí > e Campos), exoetuandó-se^aícorrtaTcaitlo''s filo pelo volume de seus processos. >.— ~ -̂ ILi,, >•;''Siff í Nada 'tem a ver, assim, a sede do juizado de cdlrpvtmentdptèÈido >sido Cantagalo sempre das menores í

• ' ' •

II

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74 PEDRO GOMES DA SILVA

7-.

do Proença —, o termo a 25 de outubro de 1854 se liga à co-marca criada naquela vila litorânea. Em 30 de novembro de1871 se anexa à instalada em Petrópolis, de foro muito menosmovimentado que o de Paraíba mas cidade de posição mais

í central na Província, o que facilita a constante comunicaçãocom os termos, tanto quanto possível circunvizinhos. Final-mente, o movimento do foro justifica a criação de comarca emParaíba, apesar de sua posição quase limítrofe na província, aapenas 15 quilómetros em reta da divisa com Minas. O decre-to 2 125, de 29 de novembro de 1875, cria a comarca, ou seja,sede de juiz de direito, anexando-lhe o termo de Sapucaia. Seuprimeiro juiz foi o dr. Manuel Rodrigues Jardim Goiano, insta-lando-se a 23 de dezembro de 1876.

Uma relação suscinta dos primeiros serventuários de jus-t iça nomeados para nosso termo pelo presidente da Provínciacomeça corn José da Costa Quadros para solicitador de resí-duos-e-capela (7-5-1835), e João José da Rocha para serventuá-rio vitalício desse ofício (25-7-1837),

No final do Império o foro de Paraíba do Sul era conheci-díssimo na Corte pelos importantes inventários processados.Já aqui residia o conselheiro Martinho Campos, que no parla-mento convidava seus colegas a virem instalar banca em Pa-raíba, atraindo muitos deles, principalmente filhos do Ceará,chegando mesmo a haver em Paraíba uma colónia de cearenses.

Entre os advogados que passaram pelo nosso foro convémsalientar Emídio Westphalen, Honório Rodrigues de Faria Cas-tro, José Maria Melo de Albuquerque, João Gonçalves Gomesde Sousa, Bernardo da Gama e Sousa Franco, José Ayres doNascimento, Carlos Canuto Malheiros, Aleixo Ferreira de Car-valho, Gervásio Mancebo, que serviu como promotor do termo,e o advogado Manuel José Marinho da Cunha, que foi gover-nador do Rio Grande do Norte e, como deputado provincial flu-minense, muito fez pela Paraíba do Sul, onde se radicou.

Dos mais brilhantes advogados aqui foi o dr. FranciscoJanuário da Gama Cerqueira, que foi juiz municipal do termo,conselheiro do Império e deputado-geral pela sua província deMinas Gerais. Radicado também em Paraíba, em 1876 ocupoua pasta do Império no gabinete Caxias. Uma sua filha casou-secom Pedro de Toledo, ilustre político paulista e governador re-volucionário de São Paulo em 1932.

O dr. Cândido Mendes de Almeida, maranhense ilustre, foisenador do império e instalou, além jda banca de advogado,uma moderna tipografia, imprimindo obras notáveis em Paraíba,em seu sobrado elegante nas Porteiras, de frente para o rio8'1.

R 4 . "Parece-nos que o começo dessa obra teve lugar nesta vila, quandoo dr. Cândido Mendes aqui esteve exercendo a advocacia." Assim o Pa-

CAPfTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 75

Aristides e Demóstenes da Silveira Lobo, republicanoshistóricos, advogaram em Paraíba do Sul, e Martinho César daSilveira Garcez, sergipano e homem de grande cultura, cons-tituiu família aqui. Além de grande jurisconsulto, brilhantejornalista e sobretudo eloquentíssimo orador, foi deputado pro-vincial por Sergipe em 1874 e senador federal de 1900 a 1908.Governou seu Estado em 1896, numa fase política agitadíssima.

Na campanha abolicionista, foi Martinho Garcez quem pormeio do verbo eloquente fez abolir a pena de açoites. Foiredator de diversos jornais e publicou obras de Direito que me-receram elogios de Rui Barbosa, Clóvis Bevilacqua e outrosmestres, que o tinham no melhor conceito. Foi diretor da Fa-culdade de Direito de Niterói desde a fundação.

Martinho de Freitas Vieira de Melo, primo de MartinhoGarcez, sergipano também, depois de juiz municipal em Valen-ça veio advogar em Paraíba do Sul. Foi figura notável; repre-sentou Sergipe na Câmara dos Deputados de 1872 a 1875. Jor-nalista, bateu-se pela imprensa em prol da Abolição. Sóciohonorário do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, porcuja história muito se interessou como descendente de bandei-rantes que era, faleceu no Rio em 1897 subdiretor do Correio.

rahybano de 22 de setembro de 1869 noticiou o aparecimento da 14." ediçãodas Ordenações, publicadas peio advogado, professor, geógrafo, historiador,político e senador desde 1871 pela província de Maranhão, que já em 1861,pelo menos, residia na Coqueiros n." 13-(Porteiras) e tinha banca de advo-gado na Mineiros n.° 12.

Na sua biografia pelo bisneto (bibliografia) se acrescenta àquelas ativida-des, que já fariam do bisavô intelectual consumado, esta sobremaneira simpática: gráfico. Lá está: "Tipógrafo, não só escrevia seus livros, mas tambémos imprimia." E mais além: "Fundou o Instituto Filomático. Das máquinasdesse estabelecimento de artes gráficas, que funcionava a princípio noporão de sua casa, saíram não só a maioria de suas obras, mas tambéma parte litográfica do Atlas que, apesar das dificuldades existentes, con-seguiu constituir uma maravilha de impressão."

Cândido Mendes de Almeida (1818-1881), ainda académico em Olinda,lecionava geografia, uma paixão. Desde 1843 deputado pelo partido Con-servador, até a morte só não esteve no Parlamento de 1864 a 68, no famosogabinete liberal de Zacarias de Góes e Vasconcelos, quando residia emParaíba, onde nasceu o filho homónimo, Cândido (1866-1939), advogado cri-minalista, escritor e criador de nosso primeiro curso de economia.

É possível que tenha vindo morar em Paraíba em 1860, quando seaposentou na Secretaria de Justiça, trazido por colegas no Parlamento queviviam aqui. Não se 'sabe se alugou do Chabregas (Francisco Manco Ro-drigues Chabregas) ou lhe vendeu o sobrado em cujo porão instalou aoficina gráfica que lhe deu fama também como editor. (Em 1845 fundouseu primeiro jornal em Caxias, no Maranhão.) O fato é que em 1867,quando a Pedro II cortou os fundos da chácara para ali passar com a fer-rovia, muito do encanto e bucolismo daquele recanto, aristocrático na Paraíba de então, se esvaneceu.

Talvez a perda da quietude em sua chácara na beira-rio tenha apressadoa saída desse intelectual e trabalhador incansável de Paraíba.

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76 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 77

Dos advogados Filhos de Paraíba do Sul, os que mais sedestacaram foram: Martinho Alvares da Silva Campos Filho,José Geraldo Bezerra de Meneses e Caio Cordeiro dos CamposValadares, conhecedor profundo de Direito. E ainda FranciscoBastos de Oliveira Matos, formado por Coimbra, onde foi primusinter pares como aluno, uma grande glória de Paraíba; José deCastilho Sobrinho, que se revelou ótimo advogado, e José Iná-cio da Rocha Werneck, político que exerceu diversos cargospúblicos no Estado, além de ter sido prefeito municipal.

Foi o conselheiro Martinho Campos quem tomou a inicia-tiva de convidar Leandro de Melo Chaves Ratisbona a instalarbanca de advogado em Paraíba do Sul. Vindo, Ratisbona gos-tou dos resultados da mudança e convidou a acompanhá-lo seuprimo, Leandro Bezerra Monteiro". Em 1864 ambos instalaramde sociedade um escritório de advocacia na rua dos Mineiros.

Já residia ern Paraíba desde 1856 o advogado JerônimoMacário Figueira de Melos(1, que fora promotor e juiz municipalern Piraí, onde sustentou tremenda luta com a família Breves.

Ratisbona e Bezerra Monteiro não foram egoístas pois,vendo que aqui havia trabalho para mais advogados, convidaramcolegas e amigos, todos cearenses e aparentados.s '. Consta que o dr. Bezerra .substituiu o Meneses pelo Monteiro, de outroramo da família, para não assinar como o primo fundador da FederaçãoEspírita Brasileira. Sua vinda e a presença de Cândido Mendes na viladevem ter influído na fundação em 1864 de nosso primeiro jornal, Parahy-bano, do partido Conservador. Eram correligionários políticos e católicosintransigentes.

O dr. Bezerra abriu polémica em 1882 com o barão de Ribeiro de Sáquando, depois do falecimento dos doadores de verbas para a fundação deasilo e hospital de caridade, e como presidente da câmara municipal eprovedor da irmandade criada para executar o projeto, quis aplicá-las naconstrução de estabelecimento de ensino. Essa polémica ressurgiu naimprensa entre seus descentes 60 anos depois (cf. nota 211) e teve reper-cussão na retirada do nome do barão de uma rua de Três Rios (cf. nota 212).O dr. Bezerra faleceu em Niterói em 1911, com 85 anos.«". A mais forte personalidade de homem público entre nós. Desprezavaconvenções e não aceitava qualquer peia a ação responsável. De qualquerato seu ressuma seriedade. E tinha o gosto da polémica, o que lhe gran-jeou infinidade de adversários. Prato predileto de Agripino Grieco na Pa-raíba caricata que criou e perseguiu toda a vida, sai o dr. Macário de seusescritos corno figura anedótica e quase ridícula. No entanto, escritoresresponsáveis como Silva Jardim e Rodrigo Otávio só têm elogios à retidãodo caráter, o que nosso conterrâneo não viu. talvez por falta de acuidade.A questão aí citada com os Breves, é bom deixá-la de quarentena, pare-cendo mais coisa do Agripino, que no prinsípio influiu muito sobre o autore teve nas excentricidades do comendador Breves outro prato suculentopara alimentar suas estórias.

O dr. Macário nasceu em 1830 e faleceu em 1895. Em sua pedra tu-mular há relação dos cargos públicos que exerceu. E no final o filho, juizde direito, gravou no mármore muito bem: "Como advogado neste foro,soube cumprir o s RU dever."

Dentre os advogados que compunham a colónia cearense,destacou-se a personalidade forte do dr. Jerônimo Macário Fi-gueira de Melo, a sua figura mais original, célebre pela irreve-rência e desassombro com que enfrentava os adversários noforo. Sarcasta impenitente, chicanista temível, no júri eletri-zava a assistência, e vinha gente de toda parte para assistiràs suas preleções, pois conhecia retórica a fundo, aliada à His-tória; e tinha piadas que fulminavam os adversários.

Em um processo que moveu contra o cónego Sales poreste tentar agredi-lo a chicote, na acusação o dr. Macário apre-sentou aos jurados uma cenografia que mostrava Cristo empu-nhando chicote e expulsando os vendilhões do Templo; e berrouem voz alta: "Leiam a História Sagrada! Só aqui foi admitidoo chicote! Foi a única vez em que o Nazareno se exasperou, parabanir os salafrários do Templo! Como é que um representantede Jesus na terra quer agredir a chicote um homem de bem?"

Quando o dr. Horácio Magalhães foi nomeado promotor emParaíba e falou pela primeira vez no júri, teve grande altercaçãocom o dr. Macário e esse, para ridicularizá-lo, pilheriou: "EmFrança, senhores jurados, dão-se as promotorias a homens ido-sos, de barbas e de bigodes, calejados pela profissão. EmParaíba a promotoria é dada a rapazinhos de pince-nez e bigodi-nhos louros! Está tudo errado!" E repetia uma célebre frasede sua autoria, a que de quando em quando voltava: "Dai aeste país Justiça reta, circunspecta e pronta, e vereis comodessa rocha miraculosa jorrará a grandeza que há-de fazer afelicidade da Nação Brasileira!"

Nos a pedidos da imprensa carioca, o dr. Macário era autorconstante. Seus artiguetes, cáusticos, eram diatribes violen-tíssimas contra colegas de foro, juizes e até partes adversárias.Não temia ninguém, do pé-rapado ao barão.

Morava o temível advogado na praça Marquês87 e tinha ohábito de trabalhar até alta noite. Seu escritório dava para afrente da casa, de porão alto e respiradouros sob o assoalho.Certa noite, um desafeto — tinha-os às dúzias . . . — colocoupelo respiradouro dinamite sob o escritório, mas quis a Provi-dência que o atentado falhasse, pois a bomba explodiu quandose ausentara da mesa de trabalho. Foi tudo pelos ares, maso dr. Macário saiu ileso.

«". Era o n." 7 da praça, hoje 61. Nele morou ainda o juiz- Cornélio,assassinado na rua Rebelo (hoje Alexandre Abrahão) em 1903, tendo sidodepois ocupado pelo padre Xavier (cf. nota 79), que tomou a fachadaadiante descrita como sacrilégio e a mandou demolir. Parece, o padre nãoconcordou foi com o complemento da inscrição ali colocada pelo dr. Ma-cário, omitido no relato pelo autor: "Homenagem a Jesus de Nazareth."Padre Xavier não gostou da familiaridade. E derrubou tudo.

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Como reconhecimento pele milagre — e um pouco de pi-cardia para com os inimigos —, mandou erigir na fachada der-

^ruída o que lembrava uma torre, encimada de cruz, com a ins-jèrição: Só Deus é grande.

O dr. Macário veio solteiro, casou-se, enviuvou e casou denovo com Carlota de Almeida. Teve desse consórcio oito filhos,dentre eles o desembargador Adolfo Macário Figueira de Melo.Possuía a fazenda São Romão, ao sul de Cavaru, e foi deputado-geral pelo Ceará.

Outro advogado notável da colónia foi Leandro de ChavesMelo Ratisbona, que se instalou em Paraíba em 1861. Repre-sentou sua província na Câmara dos Deputados em várias legis-laturas. Seu primo e companheiro de banca, Leandro BezerraMonteiro, foi várias vezes retirado de sua advocacia em Paraíbapara ocupar o cargo de deputado por Sergipe e Ceará. '

Foi em 1872 que a ação do preclaro paraibano por adoçãose fez mais sentir, como deputado geral, na legislatura errTqúése agitou a Questão Religiosa motivada pela perseguição aosbispos do Pará e de Olinda, D. António de Macedo Costa e FreiVital, pela oposição aberta que faziam à ação da maçonaria rioBrasil. Leandro Bezerra, fervoroso católico, fez-se advogado dosbispos no Pariamento. Os anais da Câmara em 1874 é a1 im-prensa da época consagraram seus discursos notáveis e a intre-pidez e dedicação à causa, conforme se verifica nos escritosdos padres Sena Freitas e Júlio Maria.

José Gonçalves Viriato de Medeiros, criatura de boa saúdemoral e cultura jurídica incomum, humanista de grande mérito,destacou-se como notável advogado e administrador érn nossomunicípio. Foi deputado federal na Constituinte de 1891.

Rufino Furtado de Mendonça, político fogoso, hábil sofista,portador de uma soberba cultura latina, era ao final do Impérioo chefe do Partido Liberal no município. Foi o último viçe-prè-sidente da Província e na manhã do 15 de Novembro tentou emvão opor-se ao golpe de Deodoro. Em janeiro de 1891 elegeu-sedeputado à primeira constituinte do Estado do Rio. Cearensetambém, o dr. Rufino casou-se em Paraíba com uma cunhada,dodr. Macário. Era sua a Vila Jatobá, no bairro desse nome*8.

Ladislau Acrísio de Almeida Fortuna, outro cearense, foiadvogado, político, e deputado à Assembleia Fluminense.

Pergentino da Costa Lobo, que morreu com quase 90 anos,da colónia de cearenses da Paraíba era o benjamim. Boníssimacriatura e preclaro jurista, sobreviveu por longos anos aos co-legas de tribo. Veio após ser juiz municipal em Ubá, Minas.

8R. Figurante de papel não muito esclarecido na Revolução de 1891 e prin-cipal vítima na perseguição política que se seguiu. Faleceu no Rio deJaneiro a 13 de agosto de 1903.

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CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARA(BA»DO SUL 79

. O dr. Pergentino foi professor do grande;Glóvis Bevilacquano Ateneu Cearense. Era natural de Aracati.iondei exerceu, asfunções de promotor, como também em Sobral. Com ;VÍrgílioAugusto de Morais, redigiu a Gazeta Forense de Fortaleza. 'Foiainda diretor da Instrução Pública do Ceará. -í

! Escreveu Clóvis Bevilacqua sobre o dr. Pergentino na His-tória da Faculdade do Recife, Vol. l, pg. 157: "Advogado de me^-recimento, latinista, homem de cultura clássica."

Alguns dos solicitadores de nosso foro ficaram famosos,destacando-se entre eles Joaquim José Fernandes de Araújo,José Inácio Vieira Machado, João José da Rocha, Francisco Fur-tado de Mendonça e Bernardino Pacheco89.

O capitão Bernardino Pacheco conhecia intimamente os se-gredos da advocacia e teve uma das melhores bancas de Pa-raíba do Sul. Quando lhe perguntavam por que não adquiriapergaminho, respondia com toda a simplicidade; "O necessá-rio é ter causas, e isso eu tenho mais do que os advogados."

E era a pura verdade. O escritório do solicitador viviacheio de bacharéis iniciantes, que utilizavam sua experiência.

Foi combatente no Paraguai, jornalista e escreveu trabalhosliterários. Teve apenas curso primário na escola pública dacidade, de onde saiu para caixeiro do pai. Homem de caráterfirme, foi sem dúvida o rábula mais notável de nosso foro,tendo tido a honra-de ser biografado pelo poeta Jarbas Loreti.

Outro rábula de nome no município foi José Cláudio daSilveira, que se deixou seduzir pela política e teve grande pres-tígio. Foi também músico.

Solicitador notável foi também Carlos de Alvarenga Sales,jornalista e professor, orador fluente, de vastíssima cultura, crí-tico que julgava no primeiro relance.

Outro rábula, ranzinza, uma espécie de zangão, foi ÁlvaroCosta. Inteligente, vivo, fazia frente a advogados: e sempreachava a porta de saída em qualquer labirinto...

Entre os escrivães e tabeliães que mais se destacaram estáo tenente Francisco Leite Alvares de Oliveira, que se embre-nhando em política sofreu enorme campanha dos advogados.

Outro escrivão a deixar memória foi António Alves Filho,que figurou numa obra de Rodrigo Otávio90, Coração Aberto;Vale a pena transcrever o que registrou o académico sobre o

s». Escrevia em profusão e num estilo horroroso; mas foi. homem, diligentee que veio de baixo. Nasceu e faleceu em Paraíba, em 1848 e 1905. Comosolicitador trabalhou de Início com o dr. Rufino. Na década, de '(1880 fpjredator-chefe do Parahyba, só ultrapassado em ruindade érri nossa'Imprensapelo Paraíba do Sul (1947) de Érico de Bacelar e Sousa.9». As circunstâncias que levaram à crónica que se-vai ler-constam'danota 62. Rodrigo Otávio Langaard de Meneses (Campinas, 1866?*̂ -RtOj1944) chegou a Paraíba no dia 2 de dezembro de 188$^- "o! primeiro -não

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PEDRO GOMES DA SILVA

mais famoso escrivão de nosso foro, para muito contemporâneoseu, personagem sinistra:

"Viva ainda encontrei ní a tradição do escrivão Alves Filho,que durante dezenas de anos fora o manipulador de toda aalquimia forense da Paraíba.

Era evidentemente um homem forte; senhor de todos ossegredos e de todas as molas, dominava a situação e se faziatemido. Mas houve um juiz de direito que teve a coragem desuspender o escrivão potentado, e no dia seguinte a situaçãoestava mudada. A for ta leza ruíra como um castelo de cartas,e os juizes que foram vindo mantiveram e renovaram a sus-pensão, de sorte que o afastamento do escrivão da efetividadeforense foi definitivo.

Ouando cheguei a Paraíba, ele vivia, mas, muito idoso eachacado, não mais saía, e eu só o vi morto. Certa noite,logo após a minha chegada vieram prevenir-me de que AlvesFilho havia morrido, e como não tinha família eram precisasprovidências imediatas de acautelamento. Dirigi-me logo àcasa mortuária e vi, então, na imobilidade da morte, envolto numlençol branco, deitado sobre uma grande mesa na antiga salade jantar, o corpo bronzeado e a cabeça calva do velho escrivão,a cujos manejos, por longos anos, se criaram e entretiveraminimizades e ódios, alianças de adversários da véspera, e diver-gências de família que, não raro, acabavam em sangue.

Na arrecadação do que deixara, entretanto, não se encon-traram, como era crença de muita gente, processos e testa-mentos cujo desaparecimento, em seu tempo, havia revolucio-nado a Comarca.

Não podendo nessa ocasião tomar providências, que sópoderiam ser feitas em horas úteis, requisitei praça e oficiaispara guardar a casa e retirei-me ruminando, pela frescura danoite, na transitoriedade do poder dos homens."

Simpático e enérgico era o major Damião José de SousaGuimarães, tabelião, veterano do ParagfjãT~lT15õmêrtà^(5F7 Omajor Damião era de uma independência única, nunca se sub-jugando a qualquer advogado ou juiz. Vivia jogando as cristascom eles, provocando-os quando andavam errados, pois conhe-cia leis tão bem como juizes e promotores.

Sempre que os juizes se ausentavam da comarca, ele ime-diatamente comunicava aos poderes competentes, saindo àsvezes brigas por causa de sua vigilância pelo bem do Foro.

Casou-se com uma filha do fazendeiro do Inema, João Ja-cinto de Almeida, e sua residência era a casa mais alegre da

feriado em muitos anos" —, aniversário de Pedro II, e aqui foi juiz muni-cipal até fevereiro de 1891, quando volta ao Rio para trabalhar na pro-curadoria da República. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 81

Paraíba9 ' . Era amante das artes, recebendo visitantes famo-sos como o maestro Carlos Gomes.

Possuía o tabelião um cozinheiro chinês, e ele mesmoditava o cardápio. Entrou na política por influência do con-cunhado, Rufino Furtado de Mendonça. Era ótimo amigo daParaíba e só se retirou daqui após os sérios acontecimentosno governo de Francisco Portela, do qual foi sincero adepto.

Outros tabeliães notáveis foram o coronel Raimundo doEspírito-Santo Fontenele5'2, veterano da guerra do Paraguai, eMiguel Inácio Vieira Machado, zeloso, honestíssimo e inteligen-te. Educou todos os filhos na tradição paterna. Tabelião maisde 25 anos, deixou arquivo que atesta sua capacidade.

Agora, nos nossos tempos, o tabelião António Garcia Fi-lho"''1 é figura de respeito no antigo cartório Fontenele, e Jarbas

'". É ainda a casa n.° 5 da praça Francisco Glicério, na Grama. O majorDamião era de tora mas desde 1880, pelo menos, escrivão de cartório emParaíba. Perseguido após a Revolução de 91, trocou o 2." ofício com o ta-belião de Vassouras, Raimundo do Espírito-Santo Fontenele, a quem conheciadesde o Paraguai.< > - . Fontenele se retirou de Paraíba em fins de 1913, aposentando-se logo;mas antes ajudou o amigo de Itaperuna, António Garcia Filho, casado comparaibana que desejava voltar. Simularam troca de cartórios. O velho ta-belião se mudou para São Paulo, onde a esposa faleceu em março de 1914,e ele no Rio três anos depois.

O Vieira Machado referido era titular do 3." oficio na mesma época.E as patentes de coronel aí e abaixo gritadas, dos tabeliães Fontenele eWerneck (último presidente da câmara e nos anos 20 vice-presidente doEstado), são para lembrar serem também da Guarda Nacional, como aliás to-das as citadas. E nesse época eram das últimas, pois a República vendeutantas, e a qualquer um — foram-se os tempos da Junta de Qualificação —,que o povo apelidou a Guarda, de tão efetiva atuação na época caótica daimplantação do Constitucionalismo (1831-1835), de Guarda-Não-Sou-Nada.Com Isso, acabou com ela."". O muito popular seu Garcia faleceu em abril de 1977 em seu bonitochalé da beira-rio, a cinco meses de completar 100 anos. Pouco antes,também sua esposa; aos 97.

Foi muito tempo provedor da Irmandade Nossa Senhora da Piedadee viveu tranquilamente 64 anos num dos cantos mais pitorescos da cidade,quando de sua comprida varanda ainda se via o rio: e diante do bosque,então silente e frondoso, criado pelo dr. Bernardino em 1908 com a su-pervisão de seu Milote.

No mesmo quarteirão do Fórum, o simpático chalé teve quatro pro-prietários, todos ligados às "lides forenses". Construído no final do Impériopelo tabelião do 3." ofício, José. António da Gama; nele falecido em 1890,foi comprado peio jovem advogado petropolitano João Augusto de OliveiraBelo, vitimado também ali pela febre amarela, em 1891. De sua viúva ocomprou em 1892 o recém-chegado tabelião Fontenele, que ao se aposentarteve a boa ideia de vendê-lo ao seu Garcia, em 1913. Agora, porém, dosupermercado ali já não se vê o rio. E o bosque está virando praça.

A demolição do chalé do seu Garcia em meados da década passadalevantou celeuma na cidade. Parece, já não se cometem aqui atentadosdesse tipo sem causar protestos. Salve (ou salvem?) Paraíba!

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S2 PEDRO GOMES DA SILVA

Alves de Sousa no do 1." Ofício, onde substituiu o coronel JoãoMaria da Rocha Werneck.

Os promotores públicos de nosso Foro que mais destaque'obtiveram em sua carreira foram o já mencionado Rufino Fur-tado de Mendonça, que exerceu o cargo em 1867, Joaquim Fran-cisco de Oliveira Santos e Benedito Cordeiro dos Campos Va-ladares, que de cordeiro não tinha coisa alguma . . .

Valadares, mineiro de Pitangui, jurista e habilíssimo polí-tico, formou-se por São Paulo e foi deputado provincial e federaldiversas vezes. Quatro anos promotor em Paraíba, de 1876 a1880, abandonado o cargo ficou advogando aqui e constituiufamíl ia. Fez-se fazendeiro e político de grande prestígio no mu-mcipiO'1 Foi ainda diretor geral da Instrução Pública do Dis-trito Federal e lente de Direito Civil na Faculdade Livre de Di-reito do Rio de Janeiro, da qual foi um dos fundadores.

Terminemos esta relação dos grandes do foro paraibanolembrando que também nosso maior administrador, LeopoldoTeixeira Leite"-"1, começou aqui como promotor a vitoriosa car-reira pública.

'". A fazenda é a da Paciência, zona de Matozinhos, e lhe veio por casa-mento na família do proprietário, um parente. Benedito Valadares era opresidente do Conselho de Intendência (Câmara Municipal no início da Re-pública), quando da cisão do Partido Republicano no município (outubro de1890) que levou à Revolução de dezembro de 1891. Ficou na facção Por-tela e em março de 1891, com Rufino Furtado de Mendonça, elegeu-seq primeira Constituinte do Estado. Caiu com o governador na Revolução.

No início do século, o dr. Valadares ainda advogava em Paraíba, tendohanca na Tiradentes com o filho Caio. O assassínio do juiz Cornélio, amando de Caio (julgado e absolvido), abalou o prestígio da família no mu-nicípio. Caio foi para o Acre, então incorporado ao País, e o dr. Beneditoaos poucos abandonou a carreira, pelos fins da década, com cerca de 60anos (nascera em 1848).!ir'. Ao substituir na promotoria a Benedito Valadares, em março de 1882,o jovem filho do barão de Vassouras iniciava a brilhante carreira política.centrada em Paraíba. Ainda não tinha 23 anos, pois nascera em Vassourasa 3 de novembro de 1859. E no mesmo 82, em agosto, lança aqui seuprimeiro jornal com Soares de Sousa Jr., A República, deixando a promotoriapara advogar. Em fins da década já construíra na chácara que se estendiada 13 de maio (Duque de Caxias) à beira-rio. E sua casa, em cuja portafoi baleado por Angelino Moreira em 1." de setembro de 1907, foi daí emdiante o centro nervoso da política municipal até retirar-se em definitivopara Niterói, fins dos anos 20, onde faleceu a 13 de março de 1932, quandocompletava exatos 50 anos de vida pública.

A política foi o' móvel de toda a vida desde que, recém-chegado, fundaem junho de 1882 o Partido Republicano em Paraíba. Em maio de 90 al-cança a presidência da Intendência, na Revolução de 91 a vice-presídênclado Estado. De 92 a 95 faz a grande administração reportada por nossoautor. Depois se sucedem os mandatos de vereador, deputado estaduale presidente da Assembleia várias vezes; e deputado federal pelo Estado.E ainda funda e dirige a Faculdade de Direito de Niterói.

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A PRIMEIRA ESTAÇÃO

Ao ser inaugurado em 1867 e/a ficava fora da vila e pro-vocou a construção da primeira rua de acesso ao vale por trásc/o morro da igreja velha. Foi a Pedro l, trecho final da Deo-cloro aberto em rampa a partir da praça da ponte e onde, emtempo de chuva, se atolavam as pesados carroças de cafécomo s do pai do maestro Guerra da Costa. Exato na divisóriadas bacias do Limoeiro e do córrego das Palhas, o pátio daestação permitia ao trem parar no plano, descansando da rampaforte em que chegava da margem do rio. Em pouco tempo arua se estendeu ao outro extremo da vila, ligando a estaçãoao Lavapés e compondo o anel urbano em torno do morro dacasa-grande de Garcia. E logo para ela se mudaram os arma-zéns de café da Mineiros e Direita, e hotéis do rossio da vila.Por 1910 a Rua da Estação já era o centro comercial.

O primeiro nome ligado ao trem em Paraiba é o de JoséManuel Ratton, em dezembro de 1868 homenageado pelo comér-cio. Parece, era o agente, mas o Parahyhano só o chama "empregado da estação". O mais famoso e de mais longo tempode serviço nesse prédio foi o "velho" Bibiano, que em 1902ainda voltou de licença mas faleceu pouco depois. Bibiano deAvelar Diniz foi agente cerca de 30 anos e no auge do café.

Na foto a rua está em escavação, talvez para ampliar atubulação de agua, e separada da via férrea pe/a grade detrilhos usados que só nos anos 50 deu lugar ã de cimento va-zado. O chalé fronteiro à estação, que no rumo do interiorficava a 200 metros da atua! (de 1913), foi dos primeiros hotéisda rua e no ramo acabou com o nome de "Salutaris". Subsistede pequenas lojas e quartos de aluguel. Entre as árvores darua arborizada de 1892 a 95 pelo dr. Leopoldo se vê o asilo daCaridade, de 1882 e perdido no incêndio de 1955 (hoje estariaencoberto pela igreja, que é de 1923). A plataforma junto èrua, talvez posterior à estação, parece coberta de telhas sobrearmação de ferro. E ao fundo a matriz ainda tem sacristia baixa.

A estação está embandeirada. Há três arcos de ramosentre as plataformas e uma girândola de fogos queima numposte alto. Espera-se evidentemente um figurão. Pelo desen-volvimento das árvores na rua e o das palmeiras no jardim daestação, que data da época (ou do ano seguinte, como as doJardim Velho], a foto parece de 1904, e de 5 de junho, data daprimeira visita "oficial" de Nilo Peçanha como presidente doEstado. E, se não tomada por ele, era pelo menos vendida porVicente Bertone na sua loja de jornais em frente à estação.

capítulo 6

O Lavapés e a Ponte

Lavapés e Ponte tiveram o mesmo papel no desenvolvi-mento da cidade: puxaram o povoamento do núcleo inicial, nosranchos de tropeiro da praia da barca. O bairro, a partir docomeço do século XVIII; a ponte, cem anos depois e na insta-lação da vila, quando eram ambos seus extremos.

Lavapés é topónimo tradicional em Paraíba do Sul. Tinhaessa denominação o trecho do Caminho na entrada do povoadocolonial onde viandantes e bestas atravessavam a-vau o córre-go, que hoje chamamos Limoeiro, e que está canalizado sob opopular largo de Santana. Aí, todos eram forçados a molharos pés. Daí ficar o local conhecido como Lavapés.

A primeira ocupação do local foi com ranchos para abrigode tropas e viajantes, que os preferiam aos existentes ao péda passagem da barca. A razão disso talvez fosse a boa águado córrego, que desce das montanhas.

Pouco a pouco foi o Lavapés crescendo, chegando mesmoa ser o local mais povoado de Paraíba no período colonial, corno agrupamento dos primeiros negociantes00.

Em 1858 foi construída no largo a igreja de Santana, poriniciativa dos comerciantes locais e com auxílio de subscriçõespúblicas. Muitas festas eram realizadas em louvor da padroei-ra, com leilões de prendas que alcançavam grandes quantias;pregavam em seu púlpito os melhores oradores sacros97.

"s. É possível que.esse comércio longe da praia da barca tenha sido to-lerado pelos proprietários da fazenda depois que passaram a arrendá-la.Pelo batismo dos primeiros filhos de Pedro na capela do curato, no morro,sabemos que morava aqui com a mulher portuguesa. Com a sua mudançadefinitiva para a chácara de Matacavalos, a ocupação do Lavapés se inten-sificou, por cerío, nascendo ali verdadeiro arraial.97. O orador sacro fez época no mundo de livros raros de outrora; e oúltimo radicado em Paraíba fez na igreja de Santana a conferência de quetranscrevemos excerto, numa noite aziaga do princípio do século que passou

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CAPÍTULOS 01- HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 87

RO PEDRO GOMES DA SILVA

O primeiro teatro de Paraíba do Sul foi construído no largode Santana, em 1866, com a denominação de Sociedade Dramá-tfca. Por muitos anos foi o único divertimento da população,vindo do Rio excelentes artistas para representar em seu palco.

O Theatro Gymnastico Parahybano foi também fundado noLavapés, ganhando em 1892 o palco oficial no prédio construído

na Marechal Deodoro.Em 1865 foi fundada no bairro a Sociedade Dançante Co-

mercia! e Artistas, possivelmente a primeira da vila.Existiu também ali a agência consular de Portugal em Pa-

raíba do Sul, e o Colégio Maximiano, fundado no ano de 1869,o qual tinha internato e externato.

a nossa hislória. Cita-se nela João do Araújo, ferreiro e figura marcanteno Lavapés, como era também o comerciante Soares de Sousa. A confe-rência foi publicada com estudos sobre Paraíba em Flores e Flores (1929),editado por amigos três anos antes do falecimento do autor.

Tudo o que ii sobre o padre Teófilo Bento Salgado (1860 - 1932), comoautor Teófilo Dutra, ressuma certo inconformismo com o mundo em queviveu. Parece, foi posto de lado pelo bispo, e daqui jogado para outrobispado do interior de Minas, onde nascera e morreu. Intelectual, inde-pendente, com ideias próprias e pesquisador — seu estudo o CemitérioCristão é muito interessante —, daqui foi para o definitivo ostracismo, en-iiunnlo outros para cúrias metropolitanas cingidos da faixa carmezim de

monsenhor.Talvez se sentisse padre Dutra mais à vontade nessa Igreja que aíestá, questionando o mundo. Em 1907 vivia em Paraíba "passante de seisanos": e o padre Carlos Gerchsheiner em 1909 (a 1912) já era o capelãoda Casa de Caridade. Padre Dutra passou, mas tem lugar seguro em nossahistória. Seu livro, centrado na Igreja, é inteligente e original,

O excerto — pg. 36 — mostra a independência do autor, que no livrocr i t ica várias vezes a Paraíba do ternpo, já minguante e pobre, não mais ar/o/rf/vfma e gastadeira, afreguesada do armazém Central dos idos de 1880.E é bem pouco católico, nos dois sentidos, canónico e figurado:

"Ajeita-se aqui a coincidência que passo a relatar, e que a muitos im-

piossionou grandemente.Era o dia 5 de março de 1903, e o homem obscuro que traça estesgaiafunhos fazia em Sant'Ana uma conferência sobre a liberdade humana.Ia a conferência em meio, às 7,20 da noite, quando todos os bicos de gássó apagaram: acesos segunda e terceira vez, apagaram-se duas e três vezes

a pequenos prazos de acendidos.Então os srs. João de Araújo e João Maia Brasil puseram-se a acenderum candelabro no meio da igreja, e para isso queimaram quase uma cai-xinha de fósforos. Caso estranho! Um vento impn*isado soprou todasas velas, e eu tive que concluir a conferência com ®; ténues e frouxas

luzes do altar.Em saindo o povo da igreja, soube-se que naquela hora fora assassinadotím uma rua deserta o juiz municipal, dr. Cornélio de Magalhães Moraes.

Na seguinte noite de conferência o gazômetro funcionou perfeitamente,nãn atinando até hoje o sr. João de Araújo o motivo por que negou luz

naquela noite calamitosa.Narro o fato sem outra pretensão que referir uma coincidência admi-

rável. Há cousas e casos neste mundo!. . . "

Em casa dos Soares de Sousa08, no largo e em frente àigreja, realizavam-se amiúde reuniões literárias.

O Lavapés chegou a ser um pedaço da Itália em Paraíbado Sul. Aí residiram quase todos os italianos que vieram paraa cidade e onde exerceram os mais variados ofícios: alfaiates,sapateiros, funileiros, chapeleiros etc. Homens trabalhadores,muito concorreram para o progresso da cidade, beneficiando suaeconomia particular e constituindo família. Grande número desulparaibanos são filhos desses italianos.

Hoje o Lavapés não é mais o extremo norte da cidade, comvida própria comercial, como ao tempo do velho José RodriguesTigre, os Soares de Sousa, ou João de Araújo, que muito fize-ram pelo engrandecimento do bairro, onde foi construído nossoprimeiro palacete"" que ainda está lá.

A colónia italiana do Lavapés comemorava sempre comgrandes festas as datas santas da igreja, e cívicas da Itália,dançando e tocando a tarantela napolitana acompanhada do to-que labania.

Antes dos comerciantes portugueses que levantaram aigreja, e dos imigrantes italianos, foi comerciante grosso noLavapés ao final do século XVIII o pai do barão do Piabanha,primeiro presidente de nossa Câmara e que ali nasceu em 1796.

!)». O português António José Soares de Sousa, apesar da idade, talveztenha assistido ao "caso estranho" da nota anterior, pois com o ferreirovizinho de sua padaria foi a mão-forte em 1860 na conclusão da Igreja, esempre esteve à frente da irmandade de Santana e todas as sociedades quese fundaram — e foram muitas — no outrora vivo e abastado Lavapés.Faleceu aos 80, em 25 de novembro de 1904, pobre, as casas já em mau-es-taslo e desalugadas numa Paraíba que minguava sem o café: e amarguradopela perda de quase todos os filhos, levados pela tuberculose que minousua família. Como o primogénito e homónimo, António José Soares deSousa Júnior (17-04-1851 - 07-07-1893), o maior talento literário já nascidoem Paraíba; prosador, poeta, teatrólogo, jornalista aqui e no Rio, vereadorde ideias inovadoras, republicano da primeira hora e só conhecido (?)como autor dos versos do hino de nosso Estado.

Com 21 anos editou o melhor jornal até hoje em Paraíba, O Agricultor.Deixou exposto em jornais o mais que comprovado talento, esse homemcuja memória Paraíba não pode deixar perecer. Até sua sepultura, em quese gravara o preito de admiração de amigos, foi desfigurada por um so-brinho, nascido três anos após sua morte, que sobre a lápide colocou fotosgravadas de todos os parentes que têm direito ao túmulo. E naturalmentea de si próprio, coisa de que o País inteiro soube através dessa televisão.Não sabe é que homem ali está sepultado. Paraíba do Sul também não."n. Se não contarmos o de 1860 e desfigurado sobradão do visconde daParaíba, depois grupo escolar, hotel e agora de apartamentos, o palacete doLavapés é o mais antigo da cidade, pois em 1886, ano de inauguração doRibeiro de Sá (hoje nossa Casa da Cultura], já estava ocupado. Seu cons-trutor foi o fazendeiro da Capoaba, o capitão Joaquim Pereira de Lima, dosprimeiros no município a utilizar o braço imigrante. Em 1902 se retiroucom a família para o Rio, onde a 29 de janeiro seguinte se suicidou.

Page 44: Capítulos de História de Paraíba do Sul

PO PEDRO GOMES DA SILVA

O capitão Cristóvão Rodrigues de Andrade, lusitano de Vi-zeu, comerciou no Lavapés logo que emigrou das minas. Co-nhecem-se assentos de igreja dos primeiros anos do séculoXIX em que aparece seu nome como padrinho de batismo e

casamento.Em 1805 adquiriu aos herdeiros de Garcia a fazenda do Pa-rafbuna, que seu filho iria desdobrar em várias, no norte domunicípio. Em 1822 o capitão já era falecido100.

Se de fato foi o Lavapés no século XVIII o povoado da Pa-raíba, como centro de residência das famílias dos comerciantese caixeiros que trabalhavam nas vendas e lojas do largo juntoà praia da barca, onde se levantavam os ranchos para viajantese tropeiros, a partir de sua inauguração passou a ponte a atrairo povoamento para o extremo oposto. Primeiro pela beira-rio,depois pela atual Duque de Caxias (a Imperatriz ao tempo doImpério], fez-se a ligação com a sua boca na então aberta praçados Presidentes (da Província).

Junto ao rio nasceu a rua dos Coqueiros (onde havia váriosdeles), e mais além e rumo à fazenda da Boavista a das Portei-ras, enquanto para o charco aterrado com a construção da ma-triz começaram a surgir as primeiras casas das Palhas, nomeque lembra as taboas ali existentes à margem da zona alagadiça.

Praticamente, duplicou-se a área urbana da vila, aceleran-do-se também o povoamento além do rio, na Grama e Jatobá.

Em 1836 iniciou-se a cerca de 300 m a montante do remansoatravessado pela barca a construção da ponte sobre o rio Pa-raíba do Sul, em frente à vila1"1. Satisfazia assim o governo daProvíncia aos insistentes pedidos e abaixo-assinados do povode Paraíba, chefiado pelo ilustre Hjlário Joaquim de Andradee depois barão do Piabanha, por uma ponte em substituiçãoà antiquada barca dos tempos de Garcia. Era a barca insufi-ciente para atender ao grande número de viajantes e bestas decarga do Caminho de Minas.

Os construtores tiraram toda a pedra necessária da mar-gem direita do rio e no mesmo local levantaram vastíssimobarracão destinado à guarda das ferramentas e morada dos tra-balhadores escravos de propriedade dos empreiteiros. Essebarracão, terminada a obra, foi dividido em pequenas casas queserviram a residência de operários. E o local passou a serconhecido como rua de baixo, no atual bairro da Grama.

Em 1850 ainda não estavam concluídos os pegões, impor-

tando já então a despesa em 176:168$758.10°. Cf. apêndice sobre a fazenda de Paraibuna no estudo Equívocos.t"1 . Foi plotada pelo Capitão Tiramorros. Planta do povoado em 1830 já a

inclui no local.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 89

O engenheiro Eugênio Augusto Jeanne, que firmara com aProvíncia contrato em 13 de dezembro de 1849 para acabamentoda ponte pelo sistema pênsil, em vez da ponte de madeira pre-vista no primeiro projeto, requereu em 1j>jJe novembro de 1852sua anulação alegando a impossibilidade de executá-lo. O con-trato foi anulado, encampando as obras a Província, que se pro-pôs a terminar a obra.

Na construção da grande ponte de início servira como di-retor científico o engenheiro alemão Júlio Frederico Koeler10-,nomeado por ato de 1.° de setembro de 1843.

Por contrato de 27 de abril de 1854 celebrado entre o go-verno provincial e o então barão de Mauá, Irineu Evangelista deSousa, obrigou-se este a concluir os pegões, fazer a ponte deferro e dar os trabalhos concluídos em prazo certo. Porém obarão, desejando construir com toda perfeição e solidez a obra,julgou conveniente ouvir sobre o novo sistema que nela pre-tendia adotar não só os profissionais do país, mas também en-genheiros que, na Inglaterra, se dedicavam exclusivamente aconstruções daquele novo tipo de ponte. Isso deu lugar a nãoficarem concluídas as obras no prazo contratado, o que levou arequerer prorrogação até 2 de dezembro de 1856 (aniversário doimperador). E o acabamento exigiu mais um ano, pois só foientregue ao povo em dezembro de 1857.

Além da pequena dimensão das peças, há uma particula-ridade deveras interessante na construção da nossa ponte:todas elas foram fundidas nas oficinas metalúrgicas da Ponta--da-Areia, em Niterói, de propriedade do barão de Mauá, soba direção do engenheiro inglês Thomas Butler Dodgson, o inven-tor do sistema de construção, que recebeu seu nome.

Essas peças foram transportadas a Paraíba em lombo deburro, ocupando a condução de tão grande quantidade de ferrocentenas de tropas de mulas e dez carros próprios. A dificuldadede transporte foi uma das causas do atraso no acabamentodessa monumental obra (para a época), a mais importante en-tão da província fluminense. As peças foram fundidas de modoa que seu transporte pudesse ser feito em cargueiros, motivopor que nenhuma excede a três metros de comprimento, nemtem peso além do que um animal pode suportar.

No dia 13_de dezembro de 1857 o barão do Piabanha en-tregou-a ao trânsito público, tendo custado à província mais401:051 $745, perfazendo o total de 577:220$503, como constado relatório apresentado a 1 ° de agosto de 1858 por Mauá.

i"2. Chegado ao Brasil em 1828. parece ter integrado um dos batalhões deestrangeiros então criados. Recebeu a incumbência de melhorar a Estradade Minas entre o porto da Estrela e Paraíba, em 1837. Como vereador emParaíba, demarcou a divisa cem Valença e fez o plano da vila (cf. nota 59).

Page 45: Capítulos de História de Paraíba do Sul

90PEDRO GOMES DA SILVA

Na inauguração houve grande festa na vila, comparecendotodas as autoridades"11'. Benzeu a ponte o padre Aureliano deCarvalho, e o primeiro cidadão a atravessá-la foi o popular Re-ginaldo Silva, que o fez a cavalo, em disparada, antes das via-turas alinhadas na nova praça da vila à espera de inaugurá-la.

Ficou assim substituída a antiquada barca que fazia a pas-sagem fluvial e o barão do Piabanha, que tanto trabalhara etanto amava a Paraíba, viu concretizado mais esse melhora-mento, que toi passo gigantesco no progresso da vila. Eramais uma vez o presidente da Câmara.

Baseada em lei de 10 de maio de 1841, estabeleceu a Pro-víncia as seguintes taxas para a barreira da ponte: cavaleiro,$100; gado vacum (por cabeça) $060; animais muares com car-ga ou sem ela. $080; animal cerdum, ovelhum ou cabrum (sic)$ 040; carros de eixo fixo, carregado ou descarregado, nãoexcedente de duas parelhas, 1$000; carro de eixo móvel, car-regado ou descarregado, não excedente a três parelhas, 1$500;por parelha de animais em carro acima designado, mais $160

Um dos últimos cobradores na barreira da ponte foi o co-nhecido Brás Ribeiro da Silva, o Brás-da-Ponte, chefe de nume-rosa família domiciliada em Santo António da Encruzilhada104.

O atual lastro de cimento armado que a pavimenta, emsubstituição aos antigos e perigosos pranchões de madeira, foilançado em 1921 pelo engenheiro Margarino Torres e custeadopelo Estado. Sua inauguração foi a 22 de janeiro de 1922.

A ponte de Paraíba constitui hoje monumento histórico na-cional, e como ta! merece ser carinhosamente preservado105.

1 r-,,-.;..,-,-, rin RJQ c/e Janeí

21-12-1857. Chovia, mas ainda assim !,,„,„ „_inauguração. Nesse dia Luís da Barca perdeu o empicyu. .- -..ainda vivia, pois na ponte a 14 de maio foi atacado ipor um cão danado.l o ) . Em 1950 quando prefeito levantou o autor coluna com placa em sua

homenagem na praça de Santo António.l l i r>. O autor já não assistiu ao acidente que interrompeu o tráfego, e àrecuperação em 1978. A ponte porém não dá mais passagem a carretas ecaminhões pesados; e o tráfego local e da RJ-131 já é muito intenso. Novaponte na Chacarinha, separada da curva do L/to apenas por uma lombadacom quebrada de ambos os lados, retiraria todo o tráfego da Encruzilhada,ponte e cidade, ligando na Grota-Funda, direto, a RJ-131 à BR-393.

capítulo 7

O Município-freguesias

Ao ser criado pela Regência, o município foi a última "de-mão" na estrutura administrativa do País e o instituto com quelevou a organização social às novas áreas incorporadas à co-

munidade pela economia.Num pequeno estudo que foi preciso incluir neste volume,

vimos que Portugal ocupou a terra a partir do seu palmo de ci-vilização, primeiro litorâneo, depois, e à medida que possível,estendido ao interior. E sempre apoiado na organização ecle-siástica tradicional e civilizadora. Foi o que aconteceu desdeSão Paulo (1560), nossa "terra mater" e primeira vila interio-rana, e em Paraíba 159 anos depois, na criação do curato (1719).Por ocasião do município, já estava munida a administração deum instrumento novo em que apoiou toda a nova organização;

o juizado de paz.Votado pela Assembleia Geral em outubro de 1827, esse

juizado é a pedra angular do sistema de administração munici-pal, ultimado pela criação das assembleias provinciais no AtoAdicional de agosto de 1834.

Como instrumento de transição entre o governo local distri-buidor de justiça sediado nas vilas coloniais e o novo, que con-tinua aquele e mais de efetiva administração regional, o juiz depaz na nota 47 é chamado "reizinho" em sua circunscrição, odistrito de paz; e de fato o era, pelo regimento inicial que lhederam, completado no Código do Processo Criminal em 1832.

Essa curiosa autoridade do tempo, que na prática "efeti-vou" o município, tinha funções de todo tipo e o poder de exe-cutar o que decidia, através dos seus "inspetores de quartei-rão". Ditava sentenças pela infração das posturas municipais,

e prendia como polícia.Martins Pena (1815-1848) não resistiu à excentricidade des-

sa figura, singular mesmo para os padrões da época, e a retra-tou na peça "O Juiz de Paz na roça" (1838), das mais popularesdo criador da comédia nacional. AP

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92 PEDRO GOMES DA SILVA

FREGUESIA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Ao ser anexada à nossa em 1833, a freguesia ereta em1815 no arraia! do Rio Preto trouxe ao então criado municípiode Paraíba do Sul todo o território hoje pertencente a Petrópolis,Sapucaia e Três Rios, além de Sebolas e Matozinhos.

Era vastíssima a freguesia de João José da Serra (do Su-midouro), depois São José do Rio Preto, estendendo-se da serrados Órgãos (Estrela) ao rio Paraíba. A sede era um povoadoentão maior que o nosso, em população e produção agrícola.

"Contendo a freguesia de Nossa Senhora da Piedade deAnhum-Mirim numeroso povo em seu distrito sobre a serra dosÓrgãos, onde se acham diferentes fazendas bem estabelecidas,e assaz cultivadas, cuja paroquiação era difícil ao pároco, eigualmente sensível a sua falta aos paroquianos, que por nãopoderem recorrer à matriz, sem trabalho e muitos incómodos,se valiam dos socorros espirituais administrados nas dispersascapelas do continente, das quais viviam mui distantes os novoscolonos domiciliados no território do rio Preto, foi necessárioprovidenciar esses inconvenientes em benefício de tantas al-mas, como providenciou o atual ordinário em visita de 20 desetembro de 1813, a requerimento dos moradores da serra doSumidouro, a que ajuntou parte das de Magefe, para criar nodistrito do rio Preto um curato. Dele foi encarregado o padreManuel Moreira de Sousa Firmo, cujo sacerdote principiou aexercer as funções paroquiais em um oratório aí levantado, pornão haver capela alguma no mesmo sítio, e serem' as quatrosubsistentes no termo acima da sobredita serra mui remotos,e situadas em lugares não só menos aptos, porém afastados docentro do curato, que por imediata Resolução de 25 de novem-bro de 1815 foi elevado à categoria de paróquia, confirmadacom o título de São José da Serra"1"."

Por decreto de 3 de setembro de 1832, estabeleceu-se umcolégio eleitoral nessa freguesia, a qual já estava bastante po-voada. Os habitantes cultivavam, "segundo a qualidade e dis-posição das terras, arroz, feijão e mandioca para seu consumo;e para exportação milho, café, marmelos, pêssegos e maçãs".

Já se denominava São José do Rio Preto a freguesia daserra incorporada a Paraíba na criação do município. Dada po-rém sua extensão, a leí provincial 262 de 26 de abril de 1842desmembrou do nosso município seu curato de Nossa Senhorada Aparecida elevando-o a freguesia e o incorporando a NovaFriburgo, juntamente com as terras do atual município de Su-midouro, que pertenciam então àquele curato. A perda de

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 93

Monsenhor Pizarro, op. cit.

Aparecida, a zona sul e montanhosa da Sapucaia de hoje, foia primeira cisão sofrida por nosso território.

Mesmo desfalcada de suas terras do nascente, a freguesiado rio Preto continuava muito extensa para o sul, razão por quefoi dividida a 29 de março de 1844 em dois distritos-de-paz. Eesse segundo distrito deu ainda nascimento a um terceiro, cria-do a 30 de outubro de 1845 com sede na capela de São Pedrode Alcântara de Petrópolis, elevada na ocasião a curato e quefora construída na antiga fazenda do Córrego-Seco, adquiridaem 1830 por Pedro l e incorporada aos bens da família impe-rial. Nasceu assim aquela cidade, bafejada desde então pelasorte e proteção do imperador.

Adensando-se a população em torno da fazenda do Cór-rego-Seco, onde Pedro II construiu residência de veraneio eencomendou a nosso antigo vereador Koeler o traçado de novopovoado, o curato de Petrópolis, por ter mais comunicaçãocom o mar e o Rio de Janeiro, foi desmembrado de nosso município e incorporado ao então criado no velho porto da Estrela,que centralizou a administração das terras das antigas e deca-dentes freguesias de Inhomirim, Pilar e Guia de Pacobaíba.

A criação do município na vila da Estrela, destinado a curtaduração, deu-se pela lei provincial 397, de 20 de maio de 1846.Foi essa a segunda cisão sofrida pelo território de Paraíba,passando nossa divisa com a Estrela a correr pelo rio SantoAntónio, afluente do Piabanha pela direita com foz a montantede Itatiaia, e as serras da Maria-Comprida e Santa Catarina.

Foram esses nossos limites com Petrópolis, quando seumunicípio foi criado em 1857. Então nosso arraial mais ao sulpassou a ser Pedro-do-Rio (Itaipava ainda não se formara), ondea Câmara de Paraíba foi incorporada aguardar o imperador a18 de março de 1858 na inauguração do primeiro trecho daUnião e Indústria.

Com a emancipação de Sapucaia pela lei provincial 2 068,de 7 de dezembro de 1874, a freguesia de São José do RioPreto foi desmembrada de Paraíba e a ele anexada. Foi essaa terceira cisão havida no território de nosso município.

O arraial de Santo António da Sapucaia, então no muni-cípio de Magé, começou a tomar vulto por volta de 1856, cen-

jtralizando o comércio de café na região.A estrada União e Indústria, inaugurada até Juiz de Fora

em 1861, não teve«piraja região nem para a cidade mineiraa importância que dela se esperava. Nascia então a era dasferrovias e logo a muito apregoada e elogiada estrada maca-damizada entrou em decadência. A Companhia União e Indús-tria foi à falência e as reclamações dos serventuários dela eram

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>EDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 95

constantes, repercutindo até o mau estado em que caiu na Câ-mara de Paraíba.

Se a estrada pouco serviu à região -— em vários trechosseu leito foi aproveitado pela estrada de ferro Príncipe do Grão--Pará, que já eslava em Areal em maio e São José do Rio Pretoem novembro de 1886 —, serviu ã expansão da influência eco-nómica de Petrópolis pelo vale do Piabanha abaixo. Com issotirou São José do Rio Preto de Sapucaia e no mesmo ano de1892 de Paraíba as terras além do Fagundes.

Foi essa a quarta e última cisão do território de nossomunicípio no século passado. Da antiga e enorme freguesiade São José da Serra do Sumidouro, restou-nos os distritos daBemposta, Areal e Sebolas, como veremos adiante.

FREGUESIA DE SEBOLAS (INCONFIDÊNCIA)

Depois de aberto por Garcia Rodrigues Paes o CaminhoNovo, Bernardo Soares de Proença construiu um mais curtopara ir-se das Minas Gerais à cidade do Rio de Janeiro, o qualcomeçou a ser percorrido em data que não se pode precisar,tendo sido os trabalhos iniciados em 1722. Começava essegrande atalho no lugar Encruzilhada do Lucas, hoje Santo An-tónio da Encruzilhada, e ia ter ao porto da Estrela.

Como essa variante se tomou a menos ruim, menos pe-rigosa e mais curta, imediatamente começaram a percorrê-laas bestas de carga que iam, pesadas, com produtos das Minaspara voltarem com as mercadorias que elas não produziam.

Aberta essa variante foram logo levantados de distânciaem distância os ranchos que serviam de pouso aos viandantes.A três boas léguas ao sul da passagem do Paraíba existia umatosca e humílima capela, sem portas, com paredes laterais decerca de taquara e coberta com sapé, construção grosseira amachado feita pelos abridores do atalho e que abrigava dasdesigualdades do tempo a imagem de Santana, pois a esposade São Joaquim era a santa de devoção do dono da roça ondese achava a rústica capela.

Perto da paupérrima e desprezada capelinha havia um des-guarnecido rancho no qual, certa vez, pousou por alguns diasum aventureiro que, achando o local verdadeiro eldorado defartura e beleza passou a chamá-lo Sipolas, designação de umaespécie de país legendário e famoso n-a Idade Média pela abun-dância e felicidade do povo1"7-

> " • E de Sipo/ns a Sil:io!(is e por fim ao ma!-grafado Cebo/ss, estropiando-seainda mais o topónimo com c em lugar de s e adotando o do condimento.

As zonas por onde passava a variante construída por Ber-nardo Soares de Proença depressa se povoaram, e nas margensdo caminho foram-se formando inúmeras propriedades, que sechamaram Secretário, Fagundes, Sebolas, Pedro Moreira e Go-verno. Em torno da primitiva e em mau-estado capela de Se-bolas reunindo-se os proprietários mais abastados da zona,resolveram eles pedir ao bispo do Rio de Janeiro licença paraconstruírem uma nova, para não se verem obrigados a ir aoSecretário, onde havia a capela de Nossa Senhora da Lapa,particular da fazenda local e distante duas léguas.

Iniciaram então os moradores locais à mesma devoção deSantana e para sediar o curato criado a construção de umacapela "no sítio de Sebolas, com provisão de 1." de setembrode 1769, a requerimento de Caetano Borges da Costa, FranciscoGonçalves Teixeira, Domingos Costa e outros, que levantaramo primeiro esteio para sua construção no dia 21 de fevereirode 1770, e o último no dia 5 de março seguinte, substituindocom essa nova obra a primitiva, reduzida a ruínas. Distantedoze léguas da paróquia (que era a de Nossa Senhora da Pie-dade de Anhurn-Mirim), necessitou também do uso da pia ba-tismal em benefício do povo circunvizinho, a rogo de quem lhefacilitou o visitador Manuel Henrique Mayrink essa graça, noano de 1784, e a de ter sacrário durante o tempo quadragesimalou desobriga"108.

Tendo sido criada em 1815 a freguesia de São José daSerra (do Sumidouro), hoje São José do Rio Preto, ficou a ca-pela de Sebolas subordinada a ela, desmembrando-se da deAnhum-Mirim (Inhornirim).

A lavoura de cana, mandioca, feijão, milho, arroz, vinhas,fumo e a criação de gado, por último o café, desenvolveu-seextensivamente na região e, com o movimento extraordináriode tropeiros que passavam por Sebolas, dando muita vida aolugar, nasceu e cresceu o comércio local, formando-se o arraial.

Em 1839 o governo da Província pelo decreto 153, de 7de maio, elevou a freguesia a capela curada de Santana deSebolas, anexando-lhe como capela filial a do curato do Senhordo Bom Jesus de Matozinhos que, "fundada no sítio do Sardoalpor Pedro da Costa Lima, com provisão de 28 de julho de1773, foi benzida a 22'de junho de 1776 e principiou a ter exer-cício por outra provisão, a de 19 de dezembro de 1777. Seupatrimónio se constituiu em 250 braças de terras de testada.

foi questão de tempo e gosto. O gosto em Paraíba é porém tê-lo de volta-á-co/pma/: Sebo/as. E por isso já o adotamos aqui.

. Monsenhor Pizarro, op. cit.

Page 48: Capítulos de História de Paraíba do Sul

9fi PEDRO GOMES DA SILVA

Foi elevada a curato com subordinação à nova freguesia deSão José do Sumidouro, igualmente que o novo curato esta-

• belecido no sít io denominado Fagundes, onde havia apenas um•'oratór io. O único cura que administrou o curato eclesiástico

do Senhor do Bom Jesus de Matozinhos foi o padre DomingosDias de Brito, o qual faleceu em 1786, e dessa data até aanexação desse curato à nova freguesia de Sebolas estevevago, e apenas celebravam missas diversos capelães"1"".

Sebolas é o distrito de mais gloriosas tradições do muni-cípio de Paraíba do Sul, pois aí se formou um núcleo de des-bravadores e povoadores dos sertões que residiam na vizi-nhança e que frequentavam amiúde o arraial, trabalhando paraseu desenvolvimento e tendo-o como centro de suas reuniões,quer para comerciar, quer para festas ou pasto espiritual-

A primitiva capela de que se originou o arraial de Sebolasparece ter sido erigida na sesmaria de Francisco Fagundesdo Amaral, que é assim o seu fundador e deu nome ao rioque divide nosso município com o de Petrópolis. Era cunhadodo construtor do atalho para o mar, o sargento-mor BernardoSoares de Proença, que faleceu em Suruí, na baixada, a 9 dejulho de 1735, três anos depois de Fagundes.

"Águeda Gomes de Proença, irmã do sargento-mor, con-traiu núpcias com Francisco Fagundes do Amaral, que em 2 demaio de 1723 obteve a sua sesmaria nos lados do rio que levouo nome de Fagundes; Francisco Fagundes do Amaral faleceu daviria presente a 10 de setembro de 1732, sendo sepultado naigreja cie Paraíba"". Em idade avançada, Águeda morreu a 27'i'3 agosto de 1740; é a primeira sepultada na primitiva capelaHP Sanlana de Sebolas."

Outro destacado povoador de Sebolas foi Francisco Gon-çalves Teixeira, casado com Mariana Barbosa de Matos. Estecasal é o tronco das importantes famílias Barbosa, Teixeira eGonçalves do município de Paraíba do Sul.

Outros moradores de Sebolas, da mesma época, foram omestre-de-campo Bartolorneu Vahia; o capitão Luís Alves deFreitas Belo e sua mulher, Ana Ouitéria Joaquina de Oliveira,avós maternos do duque de Caxias; Leandro Barbosa de Matos,que se casou com Ana Maria de Proença, filha de FranciscoFagundes do Amaral, fundador de Sebolas; Nicolau Viegas deProença, irmão do sargento-mor Bernardo Soares de Proença,que abriu o caminho dali para a baixada; o coronel José An-

*'"". Monsenhor Pizarro, op. cit.i"'. O excerto é ainda de Monsenhor Pizarro. Eis aí o grande historiadora nos dar certeza de igreja no morro antes de 1745, esta a de Pedro Dias.Já vimos em nota o enterramento do fundador de Seboias em Paraíba.

/BWbc

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 97

tônio Bfffbosa Teixeira, o Tiramorros, casado com Mariana Ja-cinta de Macedo e padrasto do primeiro barão de Entre-Rios;o alferes Dâmaso José de Carvalho; José António Antunes; ocoronel José António da Costa Barbosa; Caiixto Cândido Gon-çalves, que abriu a região chamada Sertão do Calixto.

Em 21 de novembro de 1831 foi fundada, obedecendo atodos os requisitos do artigo 14 da lei de 18 de agosto domesmo ano, a Guarda Nacional do Curato de Sebolas, com ainstalação do Conselho de Qualificação para proceder ao alis-tamento dos cidadãos que a deveriam compor. O Conselho foiformado por eleitores do curato, sendo presidente o capitãoJoão Manuel Rodrigues Caldas e membros o padre JoaquimJosé do Amorim e Luís António Lima.

Sebolas foi berço de sacerdotes distintos, como o có-nego Luís de Freitas, cura da freguesia do Santíssimo Sacra-mento, na Corte; o cónego António José Barbosa França, curada mesma freguesia; o vigário Joaquim José do Amorim, oradorsacro e que, convidado a candidatar-se à Assembleia Consti-tuinte, rejeitou o convite dos amigos; o vigário Aureliano Joséde Carvalho e Andrade; o padre António Vieira da Silva, queveio a falecer na Áfr ica; o padre Augusto Ferreira de Lacerda;o padre Manuel Rodrigues Pereira; o padre João Ouintela Rocoli.

A freguesia de Santana de Sebolas possui três capelasfiliais: a do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, reedificadaem 1862 pelo conselheiro Martinho Campos e cuja imagem doSenhor, consta, seria obra do Aleijadinho; a capela de SantoAntónio do Rio Manso ereta em 1872 por Joaquim Pinto deLima; e a capela do mártir São Sebastião, na fazenda do Sertãodo Calixto, construída em 1874 por Ana Joaquina da Conceição.

Na freguesia de Sebolas havia um núcleo de políticos re-beldes e as eleições ou diligências do juiz de paz sempre ter-minavam em famoso tempo quente. Os elementos mais des-tacados da política foram o capitão João José da Silva Lei-tão111, o capitão João Manoel Rodrigues Caldas, o cura JoaquimJosé do Amorim, o major José António Barroso de Carvalho,futuro visconde do Rio Novo, Paulo Ribeiro Caula, Manuel Fran-cisco dos Reis, Francisco António Barbosa, o major Luís An-tónio de Lima, o coronel Bernardo Ferraz de Abreu, futurovisconde de São Bernardo, e por último o grande e prestimosoconselheiro Martinho Campos, expoente de eloquência no par-lamento imperial.

A freguesia tem quriosa tradição aeronáutica, pois já noséculo passado o vigário de Sebolas, padre Joaquim Ribeiro,

í"tii. o vereador de 1833 que preferiu o juizado-de-paz (cf. nota 47).íH

Page 49: Capítulos de História de Paraíba do Sul

m PFDRO GOMES DA SILVA

vivia obsecaclo pela ideia de voar, realizando ali tentativas.O padre Ribeiro aprofundou seus estudos de Física, dedi-

cando-se de preferência à mecânica, e depois de ordenado pres-bítero não se deteve. Nomeado vigário de Sebolas, aí pros-seguiu em suas experiências por vários anos ao lado de umsobrinho, também grande estudioso do assunto, e muitos anosantes de Santos Durnont realizar sua primeira proeza.

No município de Paraíba do Sul outros também foram apai-xonados da aeronáutica, e Leopoldo Corrêa da Silva foi o pre-cursor brasileiro dos zepelins e construtor dos dirigíveis Cru-zeiro do Sul e Vinte e Um de Abril.

O invento de Leopoldo, para garantia de seus direitos, foitambém patenteado no exterior, depois de o ser no Brasil. Porexemplo, na Alemanha, em 5 de julho de 1890 sob o n.° 77na categoria de esporte, tendo a carta patente n." 55495. Foitambém patenteado na França, Inglaterra e Estados Unidos.

Leopoldo Corrêa da Silva, acometido de febre amarela noRio de Janeiro, lá morreu quase anónimo, sendo sepultado nocemitério de São João Batista e deixando o balão Cruzeiro doSul abandonado no Rio, o outro em Paraíba do Sul.

Outro apaixonado da aviação, este na prática, foi o tambémsulparaibano Nílton Braga, nascido no Rio Abaixo, que parti-cipou do audacioso voo da Itália ao Brasil, no Jahu, em 1927112.

Com o desvio da estrada de Minas para o vale do Pia-banha (1861) diminuiu o trânsito por Sebolas, prejudicando aregião, mas o arraial não deixou de ser importante graças às

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL . 99

"2. Marília Torres de Castro Oliveira apresentou ao 1." Fórum de História(dezembro de 1989} excelente monografia sobre Nílton Braga.

O mais velho de nove irmãos, nasceu a 7 de março de 1882. Na suainfância e adolescência, residiam os Braga na rua de Baixo (Grama). Em1902 concluiu o curso da Escola Preparatória e Tática do Realengo, frequen-tando depois a Politécnica e as Escolas Militares do Realengo e Rio Grandedo Sul. Começa a carreira militar servindo em Corumbá (MS), Manaus eAcre. Em 1917 é 1." colocado em curso para a Escola do Estado Maior doExército,. recebendo prémio de viagem à Europa. Daí em diante, semprecom distintos lugares, vai galgando todos os postos até o de Brigadeiro-do-Arcom a criação do ministério da Aeronáutica em 1941.

A especialidade na aviação veio em 1919 na então criada Escola deAviação Militar, com brevet em 1921, primeira turma formada no Brasil.

No reid Gênova-Santos em 1926 foi o navegador, a convite do pilotoJoão de Barros. E entre os vários livros que deixou, Asas ao Vento (1951)conta a epopeia do Jahu.

Intelectual e sempre atualizado, falava cinco idiomas estrangeiros."Era liomern elegante, amável e de fino* trato. Muito alto. Formou sem-pre, em volta de si roda de amigos." E gostava de pintar quadros.

A grande tristeza da vida foi a morte do filho único ainda cadete-do-arem voo de instrução nos Afonsos, a 6 de julho de 1942.

Nílton Braga faleceu a 16 de agosto de 1959. i

enormes lavouras de café trabalhadas pelo braço escravo.Chegou a ter ótimo comércio, com bons armazéns e até joa-Iheria. A decadência veio na derrocada da lavoura do café.

Diminuindo o movimento comercial, desocupando-se ascasas, em breve estavam elas em ruína. E surgiu assim ummovimento para transferir a sede da freguesia para outro local.Estando a capela de Santana também em adiantado estado deabandono, empenharam-se os fregueses pela construção denova matriz. Para esse fim Miguel José Rodrigues Pereira esua mulher fizeram doação ao Estado de um alqueire de terras,no lugar denominado Rumo-da-Laje, à pequena distância daantiga capela. Aí se construiu a nova matriz (1894), à custados cofres estaduais, tendo sido cedidas à Câmara Municipalas terras em volta para arruamento. Assim nasceu a vila.

As edificações do antigo arraial de Sebolas foram aospoucos desaparecendo, existindo hoje apenas vestígios dasruínas a cerca de 600 metros da sede atual.

O governo do Estado pelo decreto 1-A, de 3 de junho de1892, desmembrou do distrito de Sebolas grande parte, ane-xando-a ao município de Petrópolis, o que motivou grandesprotestos, até na Assembleia, de parte do povo sulparaibano113,

A lei 299, de 3 de dezembro de 1896, mudou o nome dodistrito de Sebolas para Santana de Tiradentes, em homenagemao mártir de nossa Independência que ali comprovadamente,na denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, pregou a indepen-dência e, por mandado na sentença que o condenou à morte,teve um quarto do corpo exposto como escarmento do povo— a fazendeira d. Ana Mariana Barbosa em primeiro lugar —diante da fazenda e capela, "até que o tempo o consuma"114.

Pelo decreto estadual 641, de 15 de dezembro de 1938, denovo o topónimo foi alterado, para Inconfidência. Mas o povosó conhece por Sebolas a gloriosa vila que desde 18 de janeirode 1944 pelo decreto 1 063 é o nosso terceiro distrito.

ii-i. Na visita de José Tomás da Porciúncula a Paraíba logo depois deérnpossado presidente do Estado, a que fora levado pela Revolução de1891, o vereador José da Costa Ferreira Filho — sessão da câmara de8-2-1893 — critica em sua presença o favorecimento a Petrópolis, logodepois feita capital do Estado (até 1903). Ele se defende, alegando tersido a decisão sobre as terras de Sebolas da alçada da Assembleia Esta-dual, que teria atendido a moradores da região.

• In Sentença da Alçada de 18 de abril de 1792: "e que depois de morto•J)ie seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica, aonde em o logar mais^publico delia será pregada em hum poste alto até que o tempo a consuma,

to seu corpo será devidido em quatro quartos, e pregados em postes pello

aminfio de Minas, no sitio da Varginha e das Sebollas, aonda o Reo teveia,3uas infames praticas, e os mais nos sítios de Maiores povoaçoens até|ue o tempo tãobem as consuma."

••••

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FREGUESIA DA ENCRUZILHADA

Meia légua (3,3 km) ao sul do remanso no Paraíba saíacio caminho de Garcia Rodrigues Paes uma trilha de penetraçãodos primeiros povoadores da zona do atual distrito de Sebolas.O ponto de bi furcação passou a ser conhecido por Encruzilhadado Lucas, do nome do ribeirão vizinho. Em 1723 Bernardo Soa-res de Proença. comissionado pelo rei em vista da negativa deGarc ia em realizar a obra — alegou a idade e os seus acha-ques — , abriu a partir do Fagundes atual a trilha que levouaté a baixada, descendo d serra da Estrela. Estava aberto oCaminho do Proença, que logo no' ano seguinte deu passo àsprimeiras tropas que foram ter ao porto da Piedade de Anhum--Mirim. depois vila da Estrela. E naquela bifurcação nasceu anossa vila de Santo António da Encruzilhada este o segundomais antigo topónimo na terra"1.

Lucas não quer dizer nome de qualquer morador, mas adenominação do córrego que banha o lugar e mais adiante obairro da Ponte do Lucas. Junta-se o córrego ao Inema, ouInhema, e ambos vão precipitar-se em cachoeira no rio Paraíba.

inema signif ica "rio cheio de voltas, sinuoso, tortuoso",como o célebre Meandro da Ásia Menor

Lucas é derivado da inicial tupi Y (água, ribeirão, córrego)e ruc ou ruça (ruidoso, rumoroso, murmurante), que o é defato o Lucas na cascata em que se despenha no Paraíba.

Compreende-se facilmente na linguagem do povo a aféreseo'o Y, como a mudança do r (brando) por l e, bem assim, porconfusão com o nome próprio de pessoa, o acréscimo do s final.Donde: Yruca, Luca, Lucas. Ev;a é sem dúvida a etimologia doLucas paraibano'1"

O primeiro dono do rancho do Lucas foi Joaquim José deAndrade (e sua mulher, Francisca de Paula) que aí, além deexplorar rancho, fabricava ferraduras para animais, negóciomuito rendoso na época porque, passado b rio Paraíba e paraos lados das Minas Gerais, por causa dos elevados direitoscobrados era proibitivo o preço de ferraduras.

A propriedade do rancho passou de Joaquim José de An-drade a seu sobrinho e genro, António Rodrigues de AndradeFrança, casado com Bárbara Carolina.

Em 1836 o povoado estava bem adiantado, existindo vá-rios ranchos. Por essa época foi assolado por uma epidemia

"•'. ( do.s primeiros anos do Caminho, Início do século XVIII. Ver ca-ptttilo Farenda do Secretário e nota 170"". Foi Zeze" Bezerra (José Geraldo Be?erra de Meneses) quem forneceu aetimologia de nossos topónimos tupis f c f . nota 12).

;A IMTUIOS DR HISTÓRIA DE PARAÍBA DO sui 101

de varíola, sondo a orimeira ví t ima uma pobre criança. Nãohavendo cemitério no povoado, trouxeram seus moradores opequenino corpo para sepultá-lo no da vila de Paraíba. No mo-mento, porém, em que o enterro ia atravessar o rio na barcade passagem os moradores da vila opuseram-se a isso, ale-gando o perigoso alastramento da epidemia entre sua popu-lação, que então crescia rapidamente.

Resolveram os acompanhantes do enterro, depois de muitos protestos, seguir para a fazenda do Governo, então de pro-priedade de Dão Linhares. Aí, também, o proprietário pelamesma razão não permitiu o sepultamento no cemitér io da fa-zenda. Rumavam os acompanhantes então para o cemitérioda fazenda da Várzea quando em caminho, no lugar ondo é hojeo cemitério da Encruzilhada, António Rodrigues de AndradeFrança, cavalheiro culto, disse aos do cortejo que já tinhamido a dois cemitérios sem conseguirem o enterramento; esta-vam arriscados a ter a rnesma decepção na Várzea. Propunhaassim que a criança fosse enterrada naquele lugar, erigindo-seaí uma capela com cemitério dedicado a Santo António dosPobres, por chamar-se António o menino morto Prometeu,mais, a doação do terreno para a construção. Os presentescomprometeram-se a coadjuvar na obra; assim, o pequeninocorpo foi sepultado do lado de baixo da estrada, em frente aoatual cemitério. Mas seu enterramento ali provocou a ereçãode cemitério na Encruzilhada, pois António Rodrigues de An-drade França obteve logo permissão para iniciar a obra. Sur-giram porém desavenças sobre o local, querendo uns que fosseonde se sepultara o pequenino António, outros no lugar cha-mado Pau-d'Alho' '•'.

Aborrecido, Andrade França desamparou a in ic iat iva, trans-feríndo-a a José Inocêncio de Andrade Vasconcelos, então ve-reador em nossa primeira Câmara, que reuniu os devotos nosábado de Aleluia, ano de 1837, e fincaram os quatro esteiosiniciais. E nada mais se fez na ocasião pelo cemitério; mas,quando se pensou na Encruzilhada em construir-se capela nopovoado, a lembrança do pequeno morto a que fora negadasepultura em campo santo vingou, o padroeiro escolhido foiSanto António dos Pobres. E o lugar ficou para sempre SantoAntónio da Encruzilhada"-".

"T. Perdeu-se de todo, creio, a possibilidade de localização desse topó-nimo próximo à Encruzilhada.nx. Há 48 anos denominada oficialmente Salutaris, o que confunde com obairro onde estão as águas minerais, o povo jamais tomou conhecimentodessa designação. A ideia infeliz da mudança, em 1943, foi de um advo-gado do Rio amigo da família Miranda, que então editava A Voz do Povo

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[JÁ

Só no ano d r: 1843 João de Fanas Nazaré, com subscr i -ções, principiou a capela, real izando-se n pr imeira festa em1847. Era porém muito pequena e outras subscrições foramfe i tas para -seu aumento. João de Oliveira, fazendeiro na Vár-/ea"", ofereceu todo o madeiramento, posto no lugar, e colo-nos alemães chegados a Petrópolis em 1845 executaram osserviços de pedreiro e carpinteiro. Foi a construção terminadaem 1852, faltando apenas forrar e assoalhar.

O barão de Diamantina1 '-"', a suas expensas, mandou forrare assoalhar a igreja, fazendo também doação de terreno parapatr imónio da capela

Narciso José Soares por meio de subscrições mandou fazero altar de Nossa Senhora da Conceição e José Inocêncio deAndrade Vasconcelos doou a imagem de São José: e fez oaltar para a imagem.

Peia 'lei provinda! n.' 830, de 25 de outubro de 1855. foicriada a freguesia com o pomposo título de Freguesia do Glo-rioso Santo António dos Pobres da Encruzilhada do Lucas, sendoo território desmembrado das freguesias de São Pedro e SãoPaulo da Paraíba e Santana de Sebolas. O primeiro vigário daEncruzilhada foi o padre Aureliano José de Carvalho.

A nova freguesia cresceu rapidamente c seus fazendeirosresolveram aumentar a igreja, angariando novos donativos, nãosó no município de Paraíba do Sul como nos vizinhos e até naCorU1 Transformaram assim a pequenina capela em uma gran-de igreja, bem ornamentada e confortável Novos altares fo-ram construídos à medida em que novas imagens eram doadas.São as da Encruzilhada as mais belas imagens em Paraíba.

Esse empreendimento de ampliação começou em 1857, gas-tando-se avultada quantia, além de vinte contos-de-réis doadospeies cof res provinciais, graças ao esforço do deputado Mari-nho da Cunha

As obras de ampliação terminaram em 18 de agosto de 1861,sendo nesse dia entronizada a imagem do Senhor Crucificado,oferecida pelo barão do Piabanha. A imagem do Senhor dosPassos foi oferta de Maria Joaquina Vieira e a Nossa Senhora

D lhe deu a riireção do jornal , muito ruim e logo desaparecido. Nele njornal is ta, cujo nome não vale a pena recordar, chegou a propor a mudançapars o das águas do nome da própria cidade

A volta oficial de Encruzilhada, assim como de Sebolas. Boavista (aVieira Cortês da Central) e Galeão (Barão-de-Angra). se impõe; e logo.""-. A zona entre a atual Werneck (a estação é de 1898) e Cavam, que écolonial e disputa com a Encruzilhada o segundo lugar de topónimo maisantigo no município (cf. notes 39 e 174).r.'ft. Francisco José de Vasconcelos Lessa Htular mineiro que teve pro-priedade no município.

da Soledade, do dr. Jerônimo Macário Fiqucira de Me lo ' - 1 .Essas três belas imagens da Encruzilhada se tornaram

tradicionais presenças nas cerimónias da Semana Santa nacidade, quando a procissão do enterro atraía de todo o muni-cípio e de fora multidão de fiéis calculada em mais de 5 000pessoas, lendo Paraíba em torno de 3 000 habitantes então.

A igreja de Santo António foi das mais ricas da Província,não só em metais preciosos como pela pompa das cerimóniasreligiosas. De toda parte, até da Corte, vinham pessoas assis-tir às fes tas e devoções. No coro esplêndido tomavam parteos melhores músicos do Rio de Janeiro, c oradores sacros defama faziam as práticas.

O mais difícil de uma obra não é só a construção, masa sua guarda e conservação. Nisso foram fel izes os paro-quianos de Santo António, que tiveram quem conservasse suagrandiosa igreja, por muitos anos, nn pessoa do vigár io, padreBernardino de Jorge12-.

Depois da saída do vigário Bernardino, tudo f icou abandonado e, aos poucos, o rico património da Irmandade foi desa-parecendo não se sabe como. O pouco que ainda resta deve-seaos cuidados de d. Maria Vieira Alves de Sousa'- '1 .

Com a inauguração da estrada União-e-lndústria tambémos habitantes de Santo António da Encruzilhada sofreram con-sideravelmente, porque grande parte dos viajantes abandonaramo Caminho passando a aviar seus trens pela nova rodovia.

Em meados do século passado os fazendeiros das imedia-ções viviam na maior opulência, graças ao braço escravo. Entãoo chie era construírem casa de residência no arraial , a fim deaí ficarem durante as eleições e alojar a família por ocasiãodas festas rel ig iosas Dentro de pouco tempo estava a sededa freguesia t ransformada em pequena cidade com ótimo co-légio público e part icular, três mestres de música, agência doCorreio, quatro médicos, re t ra t is ta , hospedaria, açougue, três

i - '1 . O contemporâneo do autor na época descri ta no próximo parágrafoncão estranhará sua minúcia quanto às imagens.'-"-'. Italiano de Potenza, extremo sul da cordilheira dos Apeninos. padreBernardino de Jorge (1833-1906) trouxe para o Brasil pais e irmãos, estesradicados na zona de Cantagalo. De grande personalidade, foi muito ope-roso vigário de 1868 ao fim do século, o período de esplendor da freguesia.

Já casada com António Visconli (falecido antes de 1902) e radicada emParaíba em 1889. a sobrinha Mariãngela Jorge, com a mesma personalidadedo tio. continuou com o armazém do marido e criou os quatro filhos que aquilhe nasceram, o mais velho nosso prefei to em 1929. Madama Viscontifaleceu em 1934 em Paraíba, e steu tio-vigário em Itaocara.' - : : . Esta senhora vivia quando a ela se refere o autor. Era viúva do medíco Deocleciano Alves dn Sousa, e residia em chácara no então caminhoda Encruzilhada de frente para o do Inema. hoje o Parque de Exposições.

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10-1 PEDRO GOMES DA 3ILVA

padarias, charutaria, seis masca tes 1 - 1 , quatro a l fa ia tes , doissapateiros, seleiro, dois armadores, rnestres-carpinteiros, pe-dreiros, serralheiros, cocheiras, tipografia etc.IL'r'

Existiam então na Encrn?i!hada quatro sociedades de mú-sica e dança: a Dezenove de Abril, a Recreio da Cruz, a Socie-dade de Dança Famíiíar e a União e Progresso da Encruzilhada.Mas festas carnavalescas o.s foliões da Encruzilhada apresen-tavam os mais lindos carros no carnaval de Paraíba.

Por deliberação de 7 de março de 1891 foi desmembradagrande parte do território da Encruzilhada para formar o dis-trito do Espírito-Santo-do-Jatobá, posteriormente Brás-da-Ponte,com sede no velho bairro ribeirinho da Grania, cuja origem seprende à venda de ranchos de propriedade de Garcia citadospor Antonil'2", que por aqui passou em 1711.

Jatobá era o nome do lugar onde nascera no município deSobrai, Ceará, o dr. Rufino Furtado de Mendonça, político in-fluente da época. Com a viradeira após a queda do governo deFrancisco Portela (1889-1891), perdendo o dr. Rufino sua in-fluência política, seus inimigos, em acinte à sua pessoa, con-seguiram com o decreto l-A de 3 $e junho de 1892, mudaro nome de Jatobá para o de Brás-da-Ponte, alegando que essegesto era "em memória do legendário ato de justiça popularali infringida ao insolente que. apoiado em duas dezenas derifles policiais, ousara pretender conculcar os direitos políticosrio eleitorado na memorável eleição de 20 de março de 1891 "12?.

Brás-da-Ponte era homenagem a Brás Ribeiro da Silva,político daquele distrito contrário ao dr. Rufino, ficando dessamaneira vingada a célebre vitória de dezembro de 1891. Maso nome dado pelo dr. Rufino ao chalé que ali construíra — Vila

CAPÍTULOS DE HIS1ÓHIA D f. PARAÍBA DO SUL 10.1

1 " ' . Não quer dizer que trabalhassem no arraial; aí moravam D percorriamas fazendas da freguesia com as miudezas de seu comércio, típico da época'-" ' Se o comércio ambulante dos cometas ia às fazendas, o mais espe-cializado — serviços — se concentrava no povoado, à disposição dos fa-zendeiros F tanto liberais — médicos, advogados, dentistas, agrimensores

, como o dos chamados artistas, o manual especializado. A fazenda decafé podia restringir-se à casa-grande e cilindrado de senzalas, com pátios,tulhas e, mais tarde, engenho de beneficiar café. Já não precisava seraquela cidade em miniatura dos bandeirantes que descreve Taunay.'-'". Já vimos que a passagem do jesuíta, ou de quem lhe deu a infor-mação minuciosa sobre o roteiro das minas, se presume de 1703. Curiosoé que houvesse em Paraíba venda só na Grama, o que talvez seja indíciode já estarem aqui Maria Antônia e os fi lhos. A casa-grandn no morro jáfors construída.'*' Desconheço a origem do texto, evidente proclamação política. A olei-ção para a primeira constituinte do Estado foi uma vi tór ia do por t e! l s mo,quando entre os quarenta eleitos o dr, Rufino foi o G." mais votado, r.Benedito Valadares, presidente de nossa Intendência (Câmara), o 21.". Aépoca é de grande complexidade na política.

Jatobá — foi consagrado pelo povo e o bairro vizinho à Gramadesde então é Jatobá.

A lei 971, de 10 de novembro de 1910, extinguiu o distritode Brás-cla-Ponte, anexando-o novamente ao de Santo António.

Hoje a sede do distrito da Encruzilhada, que é sem dúvidao melhor do município na parte agrícola, está em abandono. Aesse distrito pertence a localidade Werneck, grande centro depequena lavoura do Estado. Felizmente, a pecuária ainda nãopassou pela Encruzilhada12* . . .

FREGUESIA DA BEMPOSTA

O território da Bemposta foi um dos últimos a ser desbra-vado. Por lá passava o caminho de tropas denominado Caminhodo Mar d'Espanha- Os moradores da região sudeste das MinasGerais atravessavam o rio Paraíba no Porto-Novo-do-Cunha, ouno Porto Velho1-", e pegavam o caminho que passava por Bemposta a fim de alcançar a Estrada Real e chegar à Estrela.

A vasta extensão da zona que ia até o curato da Aparecidafoi adquirida pelo alferes Francisco António de Carvalho. Gran-de parte das terras desse alferes passaram a José AntónioBarbosa Teixeira, o célebre Capitão Tiramorros, de Sebolas, oqual desde 1805 recebera sesmaria até o Marco da Vila de Anta,inclusive a área da sede do distrito da Bemposta. Fundou aíuma fazenda com engenhos, monjolos, senzalas e escravaria,começando a criação e lavoura de cana. A fazenda levou onome Bemposta, que passou ao lugar, em homenagem à me-mória de seu pai, Francisco Gonçalves Teixeira, que fora criadono lugar chamado Campo da Bemposta, em Portugal.

José António Barbosa Teixeira em sua mocidade visitaraPortugal, passara tempos no Campo da Bemposta e, achandoo local onde fundou sua fazenda parecido topografioamentecom aquele, tanto pela salubridade dos ares quanto pelas ale-gres vistas que então ali se gozavam, resolveu denominar Bem-posta às terras marginais ao Caminho do Mar d'Espanha. Esse0 motivo para a transplantação a nosso município do nome por-tuguês. O Capitão Tiramorros é assim o fundador da vila.

'-'» Segundo o autor, a pecuária seria n razão do re lat ivo nlraso ccanõ-mico do 1." d is t r i to uni relação nos demais do município.1 "'•'. A penetração na atual zona da mata mineira l imí t rofe do município,par te cio chamado (até cerca do 1830) Snrlno da Faraibn, parece de Iníciolor-sn dado por out ra via, a passagem dos Froixeiras. talvez nome dos pos-seiros do local, zona ribeirinha do Paraíba onde surgiu a fazenda das TrêsBarrns (ver capítulo próprio). O Caminho do Mar d'Espanha está descritortó capítulo Distrito c/e Areal.

S:is;

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CAPÍTULOS DE HISTORIA DL: PARAÍBA DO SUL 107

Os principais desbravadores das terras virgens da Bem-posta foram os Barbosa, os Barroso Pereira e os Werneck. Aospoucos as matas foram cedendo terreno aos grandes cafezaise, no prazo de poucos anos, graças ao braço escravo, estavaformada a opulência agrícola da zona.

"Formou-se um grande núcleo de fazendeiros e moradoresque se viam forçados a grandes caminhadas para receberemalimentação espiritual da Santa Igreja Católica; tinham que ira São José do Rio Preto ou a Sebolas." Reuniram-se então aspessoas do lugar e resolveram pleitear a criação de uma fre-guesia sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, ini-ciando-se a construção de uma pequenina capela à custa dopovo; e se promoveu um abaixo-assinado em que se demons-trava o que desejavam, para conveniência e comodidade dopovo, quer quanto à paróquia, quer a escolas públicas etc.

Pelo decreto provincial 811, de 6 de outubro de 1855, sa-tisfez o governo à pretensão do povo da Bemposta, criando afreguesia de Nossa Senhora da Conceição da Bemposta, tendoseu território constituído com parte da freguesia de São Josédo Rio Preto. Seus limites foram fixados pela portaria de 5de novembro de 1855. E obteve duas escolas públicas de ins-trução primária, criadas em 1855 e 1869.

A freguesia foi instalada em janeiro de 1856 e teve comoprimeiro vigário encomendado o padre João Jorge Bruzi, quefoi substituído pelo padre Guilherme de Miranda.

A igreja nunca chegou a ser uma casa confortável, apesarde a Irmandade1-'1" ser rica. composta dos melhores elementoslocais, que rnuito trabalhavam e tinham mesmo zelo e gostopelas festas da padroeira, realizando ricos leilões de prendasno largo profusamente iluminado. O orador sacro tradicionalera o padre-mestre José Maria da Trindade.

Numa estatística feita em 1867 peio subdelegado local,capitão José Francisco de Sousa Werneck, a população cons-tava de 5255 almas, sendo livres 2700 e cativas 2555; peiorecenseamento de 1877 o número total subira a 7225.

As eleições da Bemposta no Império foram sempre muitorenhidas e, às vezes, redundavam em sérias lutas entre Li-berais e Conservadores, o que exigia a presença da Polícia.

Durante muitos anos funcionou um ramal entre Bempostae a atuai estação de Moura Brasil, da estrada União-e-lndús-t r ía , pavimentado a macadame, por onde se fazia o transportede todos os produtos da zona i :". Diversas diligências percor-

13(). Deduz-se que seja s-da Conceição da Bemposta.1itl. Essa estrada, a Paraibuna — Rio das Flores, e a Entre-Rios — Paraíbaeram as subsidiárias de ligação à União e Indústria previstas por essa com-

riam diariamente esse ramal, conduzindo passageiros, corres-pondência, café e cereais, pois existiam na freguesia para maisde cem propriedades agrícolas, e todos os seus proprietáriostrabalhavam na lavoura cafeeira, a principal da região.

O arraial era rico e movimentadíssimo, com inúmeras casasde negócio, hotel, bilhares, padaria, açougue, alfaiate, sapa-teiro e casa bancária pertencente aos irmãos Miranda Jordão"2.

À família Miranda Jordão muito deve não só Bempostacomo também o município de Paraíba do Sul. A freguesia che-gou a ter cinco médicos, todos com grande clientela.

Tristíssimos foram os acontecimentos verificados ali em1880, quando a freguesia serviu de "teatro em um período depoucas horas a cenas lamentáveis e indescritíveis", conformeum jornal paraibano da época13".

Na manhã de 9 de dezembro daquele ano voltava de umafesta, celebrada no dia anterior na sede da freguesia, JoséMelquíades do Vale, para a fazenda de seu pai, Valeriano Josédo Vale, da qual era administrador. Ao chegar à lavoura parafiscalizar o serviço foi assaltado por quatro escravos, que oassassinaram a facadas e cortaram-lhe a orelha esquerda.

A vítima era um jovem de vinte e poucos anos e gozavade simpatia no arraial. Seu pai, uma figura respeitável e bemrelacionada, não havendo na Bemposta quem não considerasseo bom velho Valeriano, como o chamavam todos.

O assassínio impressionou enormemente a gente bem-postense, que viu naquele crime um monstruoso mau exemplo.As autoridades locais procederam a corpo-de-delito e mandaramimediatamente perseguir os criminosos, que foram presos emEntre-Rios e conduzidos à cadeia da Bemposta, a fim de ins-taurar-se o inquérito policial.

No dia seguinte, antes do enterro do rapaz achavam-sereunidas no largo da matriz mais de 300 pessoas e, entre elas,grande parte das mais gradas da freguesia. O ambiente es-tava conturbado. Os fazendeiros não se conformavam com o

panhia ao se constituir, em 1856. O trem em 1867 (e logo o fracasso daempresa de Mariano Procópio) prejudicou a abertura da estrada para a ci-dade. A de Santa Teresa se abriu em 1868 e por seu leito construiu-se sde trem em 1893.lr!2. Augusto César de Miranda Jordão foi vereador no triénio 1864-67pelo partido Liberai. Na'Guarda Nacional do município era capitão. Nessaépoca tinha na vila armazém de café, com a firma Miranda Jordão & Cia.Em 1882, ainda, um Miranda Jordão (possivelmente ele) assinava petiçãocontra o plano do dr. Bezerra de substituir por colégio a Casa de Caridade.

A falência da casa bancária dos Miranda Jordão em Bemposta deu baquesério na lavoura local.1!n. A narração a seguir é baseada no jornal citado. O Provinciano tam-bém noticiou o fato, longamente.

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108 PtDRO GOMES DA SILVA

bárbaro crime, a indignação era geral, e começaram as apre-ensões. O subdelegado de polícia local, Augusto Jacundino deAlvarenga Mafra, expediu um expresso ao delegado de políciaem nossa cidade, Francisco Furtado de Mendonça, pedindo-lheauxílio de força pública.

Mas era tarde. Às três horas da madrugada o delegadaem Paraíba recebeu o seguinte ofício do seu subordinado emBemposta: "limo. Sr. Participo a V. S. que os meus receiosse realizaram. Apesar de todos os esforços empregados pormim e pelo escrivão desta subdelegada para manter a ordempública, nada pudemos conseguir pois, não tendo força, nãopudemos conter a mais de cem pessoas que, indignadas contraos assassinos de José Melquíades do Vale, invadiram a cadeia,arrombando-a, e mataram os quatro criminosos. A cena foimedonha, e peço providências. Estou procedendo a corpo-de-delito nos cadáveres. Em meu ofício de hoje de manhã pediforça, porém, já não é necessária, visto que estão aplacadosos ânimos. Deus Guarde a V. S. limo. Sr. Delegado de Políciada Paraíba do Sul. Bemposta, 10 de dezembro de 1880. Augus-to Jacundino de Alvarenga Mafra."

A cena foi de fato deplorável pois, arrombada a cadeiado largo, os quatro negros foram mortos a machado, e emseguida picados aos pedaços como carne para açougue.

O jornal O Eleitor, de Paraíba do Sul. no seu número de12 de dezembro daquele ano comentou: "Aí fica consignadotriste e deplorável exemplo: um crime em vingança de outro!"

A fazenda da Bemposta foi famosa e teve proprietáriosilustres que muito fizeram pela sede da freguesia, salientando--se entre eles Augusto César de Miranda Jordão, político,homem honrado e chefe da respeitada família dos MirandaJordão, a que pertencem o clr. Machado de Melo, engenheiroda Oeste-de-Minas, coronel Frederico Carlos Oberland, chefepolítico, e o coronel Agostinho Mediei, também político local.

A opulência da freguesia da Bemposta durou até a decre-tação da Lei-Áurea, advindo a decadência com as terras des-valorizadas, chegando mesmo a ficar toda a zona adormecidapor muitos anos, como aliás todo o Estado do Rio.

Bemposta vive hoje cie novo, depois que o dr. ArnaldoGuinle adquiriu a histórica fazenda, transformando a zona aodotá-la de luz elétrica, cinemas, escolas, pecuária organizada,embelezando até seus recantos pitorescos.

capítulo 8

O Município-distritos

i-- As subdivisões do município no Brasil passaram a ser de-;signadas "distritos" com a separação de Estado e Igreja nasifunções administrativas, consumada com a República. Parece,|àjtransição foi gradual, usando-se aos poucos "distrito de paz".fe Assim como os núcleos de povoamento que evoluíram para?a freguesia colonial se originaram ao longo dos caminhos de^tropas de mula, nossos distritos, mesmo já existentes como po-fyoacão, se desenvolveram com as estações de trem: Entre-IfypSctÍ867) e MonfSerrat (1876), na estrada de ferro Pedro II;

e.Areal (1886) na Príncipe do Grão-Pará. No caso de Mont'Ser-. rat, o bafejo de progresso do trem veio pela ponte que a separa

da estação de Paraibuna, na margem mineira do rio.Obedecendo à exposição dos capítulos ordenada pelo autor,

vimos a série que poderia ser subordinada ao título geral "a co-munidade", iniciada pelos que tratam do desenvolvimento dasede do município. Mas ao vermos agora a criação dos últimosdistritos, numa estrutura administrativa estável por mais dequarenta anos, e para mais ciara compreensão da evolução deEntre-Rios, Areal e até da Bemposta, cabe chamar a atenção pa-ra os capítulos vindouros, de números 11 (Os Barroso Pereira)e 13 (Os Santos Werneck), que tratam das famílias que desen-volveram o território oriental em que se estendem.

Última observação cabe aqui sobre o além-Piabanha: me-tendo-se este rio por uma garganta rochosa (possivelmente o"sumidouro" dos antigos que deu nome à serra local) entre opovoado Barra Mansa e o da Posse, impedindo a passagem,toda a penetração na zona leste se fez de Paraíba, rio-abaixo,ou de Sebolas, pelo "Caminho do Mar de Espanha", referidoadiante e que da Areal de hoje chegava a recuar para o norteem busca da saída por Sebolas.

A garganta foi aberta pela União & Indústria entre 1857 e186t num corte de 450 metros na rocha viva, dando passagempor ali para Juiz de Fora. AP

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110 PEDRO GOMES DA SILVA

Í31STRITQ DE ENTRE-RiOS

Antes do 1800 os terrenos onde até 1938 esteve situadaí) sede do d is t r i to de Entre-Rios eram apenas colónia da fa-zenda de Cantagalo, de propriedade de~Antônio Barroso Pereira,primeiro barão de Entre-Rios, agraciado com o título em 1852.

O lugar tinha a denominação de Encruzilhada do Major Car-valhinho. segundo depoimento cio coronel Randolfo Pena Júnior,pois aí se bifurcava o caminho que da fazenda de Cantagalo\f< às da Boa-União, Rua-Direita. Piracema e Cachoeira, todasde propriedade do barão de Entre-Rios.

Nessa encruzilhada existiu um grande cruzeiro, erigido emmemória de um escravo que ali morreu esmagado por grossatora de madeira numa derrubada, rezando-se junto a ele ladai-nhas. É que as pretas da fazenda diziam que o escravo mor-rera sem nada sentir, visto que até o último suspiro ria emvez de dobrar-se em dores, atribuindo elas o fato a um mi-lagre de São Sebastião. O preto chamara pelo santo na horaem que foi esmagado.

O major Carvalhinho que deu nome à encruzilhada da vár-zea do Paraíba era sobrinho e genro do barão de Entre-Riose. como o tio, oriundo de Sebolas. Chamava-se José António Bar-roso de Carvalho, em 1867 feito visconde do Rio-Novo. Residia na fazenda Boa-União e era quem desenvolvia as lavourasda qrande fazenda de Cantagalo.

Criando Mariano Procópio em 1857 a Companhia União-e-Indústria para abrir moderna rodovia macadamizada de Petró-polis a Juiz de Fora, apresentou-lhe o engenheiro José Koe-pler1" projeto de traçado pelo vale do Piabanha, para evitaras alturas de Sebolas e da serra das Abóboras, já que a Com-panhia utilizaria diligências para passageiros, além de carrosde carga. O Paraíba seria atravessado pouco a montante davelha fazenda das Três Barras, que tomara o nome pela proxi-midade às duas barras, do Paraibuna e Piabanha. naquele rio.

Mariano Procópio'::r> obteve no município de Paraíba do Sultodo o apoio, adquirindo grande número de ações de sua com-panhia os fazendeiros da zona a ser percorrida pela estrada,dos quais os mais importantes eram os barões do Piabanha

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 111

Ilí4. Era fiího do engenheiro e major Júlio Frederico Koeler, e na mortedo pai, em 1847, estudante na Alemanha. O projeto que apresentou lheinteressava bastante, pois levou a estrada a passar diante da sua fazendada Julioca, que herdou do pai e erri 1871 estava à venda (cf. nota 142). ;'"•", Mariano Procópio ferreira Laje Armond nasceu em Barbacena, Minas,em 1821, B faleceu em 1872, quando já negociara a companhia União-e-ln-dústria, então em grande dificuldade. A inauguração da estrada, em 23 dejunho de 1861, foi no seu 40." aniversário.

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(fazenda de Serraria) e de Entre-Rios. E o trajeto Koeler foiaceito, deliberando ainda a União-e-lndústria construir ramaisrodoviários de ligação à via principal; um para a cidade deParaíba do Sul a partir da estação de muda-de-cavalos a seraberta na várzea da fazenda de Cantagalo, outro para a vila daBemposta, saindo do sítio em que mais tarde se desenvolveua povoação nascida em torno da estação Moura Brasil.

Para a estação de mudas, denominada logo Entre-Rios emsua homenagem, o barão vendeu à Companhia União-e-lndústriaem 10 de agosto de 1860 área de 81 480 braças quadradas. Alémda estação de passageiros, longo pavilhão com plataforma co-berta para a proteção dos passageiros em dias de chuva, inau-gurada por Pedro II a 23 de junho de 1861, construiu a Compa-nhia ha área adquirida um hotel, hospedaria, armazéns e 30casas para os empregados nos serviços prestados ali.

A União-e-lndústria, que já em 1867 ao chegar o trem àregião entrou em dificuldades, utilizou até 1881 as instalaçõesna área que lhe fora cedida, quando revendeu tudo à entãoproprietária da fazenda de Cantagalo, a condessa do Rio-Novo.

Já estava falida a empresa de Mariano Procópio, e emliquidação. A 15 de abril de 1882, procurador da condessa —então em Londres, onde em junho faleceu — arrendou algumasinstalações em Entre-Rios a William Morett, associado do arre-matante da conservação e tráfego da companhia, em liquidação.

Apesar do fracasso da União-e-lndústria, a povoação co-meçou a crescer com a chegada do trem. Acreditavam nelao irmão da falecida condessa e toda a família Barroso Pereira.(O primeiro barão de Entre-Rios faleceu em 1862.) AntónioBarroso Pereira Jr., em 1883 elevado a visconde de Entre-Rios, tudo fez para facilitar o crescimento do florescente po-voado nascido nas terras que herdara da irmã. Ainda emtempo da Companhia havia construído ali 13 casas para resi-dências e negócios.

A liquidação da União-e-lndústria se havia acelerado em1869, dois anos apenas após a chegada dos trens, quando seviu na contingência de assinar contrato com o Governo Im-perial, que por certo a socorria nas dificuldades crescentes.O item primeiro desse contrato era do seguinte teor: "ACompanhia União-e-lndústria obriga-se a passar à Estrada deFerro D. Pedro II todo o seu tráfego de carga, tanto o quereceber nas estações além Parahybai:i" até Juiz de Fora como

i3o. Paraíba aí é o rio. Assim, a União-e-lndústria aceitou passar à es-trada de ferro a carga que carreasse em dois-terços de seu percurso, ficandosó com a que recebesse de Posse e Petrópolis, praticamente nenhuma.

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112 PEDRO GOMES DA SILVA

até a Posse, convergindo todo esse tráfego para a estaçãode Entre-Rios na dita Estrada de Ferro."

Entre-Rios rapidamente prosperou, pois era centro ope-rár io e mesmo local privilegiado, pelo entroncamento de es-trada de ferro e rodagem. Logo depois se instala o depósito.

Pelo decreto 114, de 13 de agosto de 1890, foi criado0 distrito-de-paz, facil i tando à população local o contato comautoridades e cartórios. E passou a vila.

Na década de 1890 se acelera o progresso da localidadeque, para se expandir, necessitava de grandes drainagens (dorelatório de 1895 de Leopoldo Teixeira Leite). É que a ex-tensa e piaria várzea se alagava facilmente nas cheias do Pa-raíba. Isso tornava a zona insalubre, mormente na chamadaestação calmosa, o verão, exatamente a do rio alto.

O grande administrador da época1"7 procurava valer-setanto quanto possível da Central do Brasil, que ali ocupavagrande área com depósito e oficinas, além de casas para osempregados; mas pouca ajuda obtinha. Um bueiro da es-trada sobre o córrego do Matadouro, retificado pela Câmaraem 1893. teve que ser rebaixado por ela própria, pois retinhaas águas pluviais e alagava extensa área. Além disso, o de-sasseio completo de todas as dependências da Central emEntre-Rios, estações, oficinas e depósito, foi uma das causasatribuídas pelo médico Vahia Durão, da Diretoria de Assis-tência Pública do Estado, ao aparecimento da febre amarelaal i com dois casos, no verão de 1893-94.

Reclamava também Leopoldo Teixeira Leite a ajuda daIrmandade Nossa Senhora da Piedade, que arruara a locali-dade em 1886 e ali recebia foros i : !S. O plano inicial de afo-

1 '"" O dr. Leopoldo só encontra emulo em nossa administração municipalno dr. Bernardino Franco, que dirigiu porém a Câmara em época muito pior,com o Estado e os municípios do café mergulhados de todo na crise finan-ceira crónica que se prolongou até os anos trinta.l:ls. A execução do plano com o apoio da Câmara foi encomendada pelobarão de Ribeiro de Sá, como provedor da Irmandade, ao engenheiro Nico-medes Dié, que viveu em Paraíba até 1902. Com a medida, salvou o legadoda condessa do Rio-Novo a seus libertos de cair em mãos dos especula-dores de terra, que pululavarr em torno da estação ferroviária de Entre-Riosdo tipo Emídio Rispoli, arrendatário da fazenda de Cantagalo que acaboucom ela, e até de parente chegado à condessa.

Essa doação de terras a ex-escravos não foi única no município. Foi,sim. a única proveitosa, e graças ao barão, que de uma só vez assegurou àirmandade meios para subsistir e à povoação os de progredir. Porque doaforamento das terras de Cantagalo data a vida efetiva da atual Três Rios.

Não cabe aqui estender-rne sobre o partidarismo do autor na questãoentre o barão e o dr. Bezerra sobre o destino a dar ao legado da condessa,que passou aos descendentes de ambos com muita acrimônía. Mas porlealdade não posso silenciar que sua obra é falha, e parece intencional-

CAPt"tTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 113

'ramento da área doada à Irmandade no testamento da con-[essa do Rio-Novo a dividiu em 368 prazos.

Muito fez por Entre-Rios nos primeiros anos do Distrito'q seu primeiro vereador distrital — inovação da Constituição'do Estado —, Nelson Viana, justamente homenageado em ruano bairro do Portão Vermelho.

Gomes Porto e António Pereira Mendes também multotrabalharam e fizeram para o desenvolvimento de Entre-Rios,o último executando grande aterro na zona central ao tempoda administração Rocha Werneck (1927-1930).

A população de Entre-Rios há muitos anos com justodesejo vinha pleiteando sua emancipação, o que conseguiuafinal com o decreto 634, de 14 de dezembro de 1938, quecriou o município formando-o com os distritos da vila (2.°),Bemposta (5.°) e Areal (7.°) do município de Paraíba do Sul.

Em 31 de dezembro de 1943, peio decreto-lei 1 056, ointerventor federal no Estado, Augusto do Amaral Peixoto,anexou a Entre-Rios139 (pelo mesmo decreto denominada TrêsRios) a mais desenvolvida porção do antigo 3.° distrito de Pa-

'raíba do Sul, o de MonfSerrat (Paraibuna), incluindo a viladesse nome e os povoados de Serraria e Afonso Arinos, estena ocasião elevado a vila e feito 2." distrito de Três Rios, pas-sando Bemposta a 3.° e Areal a quarto.

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DISTRITO DE AREAL

Na passagem Porto Velho14" os viajantes da região sudestede Minas, conhecida depois por zona-da-mata, atravessavamo Paraíba em demanda do Rio de Janeiro, desde os fins do sé-culo XVIII. Passando a zona onde mais tarde surgiu a fazendada Bemposta, subiam ao lugar até hoje denominado Portões(terras então de Tomé Correia de Sales) e, faceando grandesesmaria do sargento-mor José Vieira Afonso141 (fazenda de

mente omissa, quanto à fundação de uma irmandade do porte da que te-mos no município; e na de Entre-Rios.I;!n. Ao prefeito de Paraíba do Sul foi explicado em gabinete (era na dita-dura do Estado-Novo, sem assembleia de espécie alguma) que a perda doterritório seria provisória, enquanto não houvesse estrada (boa) direta en-tre a cidade e a sede do distrito.n". Fica a 3 km a montante da vila de Anta, município de Sapucaia.14 ' . Os pais do major José Vieira Afonso (Sardoal, c/rca 1770/75 — fa-zenda de São Silvestre, 27-01-1852) seriam os fundadores do Sardoal. Ele.da Ilha de São Miguel, ela de Suruí, Manuel Vieira Afonso e Catarina Josefade Jesus compraram em torno de 1760 terras "na quadra do Secretário(ver essa fazenda) para os lados do Poente", de José Pinto da Rocha. E aliabriram a fazenda dos Vieiras. Compraram a seguir sobre o Caminho do

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114 PEDRO GOMES DA SILVA«t

São Silvestre), desciam até à barra do rio Preto onde hoje éAreal. O caminho descia então o Piabanha, que atravessava emponte fronteira a fazenda Julioca, e pela esquerda do rio desciaaté Ponte-de-Santana, hoje Alberto Torres, onde tem barra o rioFagundes. Subia então este rio, atravessando-o para, no ar-raial de Sebolas, pegar a Esteada Geral de Minas, o velho Ca-minho do Proença.

Do Paraíba a Sebofas essa via de penetração no sudestemineiro era conhecida por Caminho do Mar d'Espanha.

Os primeiros povoadores da zona de Areal foram o majorJosé Vieira Afonso, casado com Rita Maria de Jesus e falecidoa 27 de janeiro de 1852, e o major Júlio Frederico Koeler14-,o qual comprou a José Fernandes dos Santos e outros a ses-maria Piabanha, na barra do rio Preto no Piabanha, terras quelindavam com as sesmarias Passa-Tempo e São Lourenço

Nessas terras já existiam casas, moinhos, monjolos, rodade mandioca, engenhoca e cafezais, fundando o major Koelera grande fazenda Julioca, título derivado de seu nome, Júlio.Aí, com o casamento do major com Maria do Carmo Rebelode Lamare, teve origem o tronco da família Delamare-Koeler.

Outra figura também notável e que muito fez, não só porAreal mas pelo município de Paraíba do Sul, foi a do enge-nheiro Guilherme Benjamim Weinschenck, alemão nascido noHannover, que veio para o Brasil antes de 1830, contratadopara serviços profissionais. Tornou-se agricultor adquirindo afazenda da Engenhoca, onde nasceram todos os seus filhos.

O velho Weinschenck tinha grande amor ao Brasil, dedican-do sua existência a coisas úteis aos concidadãos; naturali-zou-se brasileiro em 4 de fevereiro de 1840, em Paraíba do Sul.adotando a nacionalidade brasileira espontaneamente e nãoforçado por leis sociais. Tentou o engenheiro a exploração deminério de ferro no solo de nosso município, chegando mesmoa fazer experiências e mantendo correspondência com o im-perador Pedro II, como se verifica de uma petição de 6 deoutubro de 1844, pertencente ao arquivo da Casa Imperial doBrasil no Castelo d'Eu, na França. Weinschenk faleceu ern suafazenda, parece, em 1879.

No lugar Baixa-do-Rio Preto formavam-se no leito do Pia-

Proença o sítio do Córrego Seco, que o filho José vendeu a Pedro i em 6de fevereiro de 1830 e onde o segundo imperador fundou Petrópolis.

Do latifúndio do major José Vieira Afonso no distrito de Areal saíramas fazendas de São Joaquim, São Roque, Conceição e Morro Grande. E aoriginal, São Silvestre, passou a ser conhecida como "fazenda velha".

O testamento, de 1839, abriu-se em Paraíba a 9 de fevereiro de 1852.14?. A fazenda Julioca tinha sede na esquerda do Piabanha aproximada-mente a 3,5 Km d,a ponte na vila s a jusante de Areal (cf. nota 134).

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 115

banha grandes bancos de areia e, com a abertura da estradaUnião-e-lndústria, toda a areia para a construção das obras-de-arte foi tirada do rio, saindo daí o nome da localidade, Areal.

O povoado nasceu com a abertura daquela estrada, insta-lando-se no atual bairro da Barateza casas para operários, ar-mazéns, estação, cocheiras etc. O comércio e o povoado ti-veram logo rápido incremento, pois os artistas que trabalharamna grande obra de Mariano Procópio, se muito ganhavam, tam-bém sabiam gastar em suas horas de folga.

Com a inauguração da Estrada de Ferro Grão-Pará muitomelhorou o comércio local, verificando-se grande progresso emAreal com a instalação de hotel, hospedaria etc.

À rnoda da Europa, corria uma diligência de Areal a Entre-Rios, a qual transportava passageiros e cargas, dando comu-nicação com a Estrada de Ferro Grão-Pará aos passageiros quevinham de Minas para o Rio de Janeiro. Esse tráfego pordiligências foi substituído, mais tarde, pela Estrada de FerroLeopoldina Railway, que obteve do governo permissão para es-tender seus trilhos ao lado da União-e-lndústria, medida essamuito aplaudida na época por todos os moradores da zona,desejosos de aproveitar os benefícios do trem-a-vapor, e nadasatisfeitos com a abandonada e esburacada rodovia.

Graças aos esforços de José Francisco de Almeida. JoãoBernardo Wickers, Hercuianc Benjamin Weinschenck, Augustoda Silva e outros o povoado foi elevado a distrito-de-paz. Pelalei 217 de 17 de dezembro de 1895 formou-se o Distrito deAreal, com parte do território de Sebolas e Bemposta.

Areal está fadado a ser grande centro de turismo, não sópelo ótimo clima como facilidade de acesso ao Rio.

Será um centro de próspera atividade, no futuro, caso asgrandes propriedades sejam retalhadas para possibilitar nu-merosas construções, principalmente em sua área urbana.

DÍSTRÍTO DE MONT'SERRAT

O registro do Paraibuna foi muito falado no Brasil-Coiônia,e no ano de 1818 transferido143 da sede da fazenda do Parai-buna, fundada no início do século XVIII por Garcia RodriguesPaes no atual quilómetro 86 da estrada União-e-!ndústria, paraa sede do distrito de Mont'Serrat, que então se formou tambémcom o nome de Paraibuna, adotando depois o que lembra avelha devoção espanhola de Nossa Senhora do Mont'Serrat, a

'*'!. Desse ano é o decreto de D. João VI que contrata o T/Vamorros para amelhoria do caminho, e de 1824 a ponte. O registo se transferiu por certonfiRRP írttai-»-^r<"" ~'~

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116 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 117

que era apegado o fundador da fazenda, Garcia. Ocasionou amudança a necessidade de local mais apropriado à construçãoda ponte. O lugar foi escolhido pelo administrador da pas-sagem do rio, José António Barbosa Teixeira, o Tiramorros.

A princípio os moradores cultivavam a mandioca, o milhoe legumes para seu sustento e comércio com os viandantesda estrada geral. Os fazendeiros da zona exploravam tambémem grande escala a cultura da mamona, para extrair o azeitecom que sustentar luzes em todas as casas de serra acima.

Construída aí a célebre Imperial Ponte do Madureira, foitambém instalada no morro da Formiga, que lhe fica junto, aRecebedoria do Paraibuna, com ótimo quartel para destaca-mento de soldados144, cofre de ferro na parede, balança etc.

Em 17 de janeiro de 1846 o presidente da Província, Aure-liano de Sousa e Oliveira Coutinho, nomeou Pedro de AlcântaraFilho para o lugar de administrador do registro do Paraibuna.Por ato de 6 de maio de 1847 foi substituído por Francisco dePaula Nogueira da Gama, o qual assumiu imediatamente o posto,que era na época cargo muito elevado.

Com a chegada da estrada União-e-lndústria, o local de-senvolveu-se grandemente. Estando em ruínas a capela da an-tiga fazenda do Paraibuna, o barão de Santa-Justa e pessoas daregião transportaram as imagens para o novo povoado e aíconstruíram a atual igreja, que foi dedicada à mesma NossaSenhora do Mont'Serrat, santa também da devoção de PedroDias Paes Leme, filho e sucessor de Garcia na fazenda.

Em 1857 estava o povoado em franco progresso, pois jáhavia as instalações da Recebedoria, quartel, grande armazémdo sr. Bastos, armazéns da União-e-índústria, e desde 1861 es-paçosa estação de muda-de-cavalos para as diligências140. Eainda grande balança no largo, cocheiras, largo da igreja bemcercado e limpo, destacando-se na paisagem sempre a colossalpedra de Paraibuna, um paredão imenso de granito cujo ladonorte, vertical, eleva-se de um só lance a mais de 400 metrosde altura, tão admirada por todos que por ali passam e quecaracteriza o local.

Construída a União-e-lndústria, os fazendeiros da zona dorio Preto fizeram a suas expensas um ramal, a macadame, paratransportar seus produtos. Com a decadência da estrada, po-

144. A recebedoria pode ter sido nesse morro, fluminense e junto a Mont'Serrat; mas o quartel é dos anos 1780 e mineiro. Tiradentes o conheceu.145. O autor encontrou motivação para publicar seus últimos artigos sobreos três viaristas (Garcia, Proença e o Tiramorros) quando nessa estaçãose instalou o museu rodoviário, em 1971, ano de sua rnorte. O que tem aconstrução de interessante tem o museu de fraco.

rém, ficou esse ramal rodoviário abandonado. O médico Bal-duíno de Meneses, barão de Meneses, organizou então a Com-panhia Ferro-Carril Rio Preto para substituí-la, mas era de tra-ção animal. Trafegava diariamente, de duas em duas horas,um bonde puxado por mulas, transportando passageiros ecarga geral. A partir de Paraibuna a próxima era Santa Ma-falda, e daí para diante havia outras estações. Os empregadosdos bondes eram corteses e vestidos à moda da Corte.

O presidente da Companhia, o barão de Meneses, no diaem que viajava mandava colocar parelhas de cavalos brancose nédios, e todos os que embarcavam seguiam obsequiosamen-te. Velho e cansado, não podendo mais dirigir a empresa, obarão colocou em seu lugar um engenheiro estrangeiro. Este,querendo aumentar as rendas da empresa, começou a fazerexigências absurdas, e o resultado foi que alguns fazendeirosnão mandaram mais seus produtos a Paraibuna, mas à estaçãode Comércio, na Estrada de Ferro Rio das Flores.

Iniciou essa represália a baronesa de Santa-Justa, depoisviscondessa. Outros remetiam seus cafés a Paraibuna, maspor carros-de-boi.

Só a fazenda de Santa-Justa exportava anualmente 50000arrobas de café, havendo outros que ficavam entre doze e quin-ze mil. O prejuízo da companhia foi avultadíssimo e já emsituação precária foi vendida à Estrada de Ferro Rio das Flores,que substituiu a tração animal pelo vapor.

Nessa ocasião houve grande campanha dos moradores,pleiteando que a estrada-de-ferro fosse até Paraibuna, o quenão conseguiram, pois chegou somente até Barra-Longa, hojeAfonso Arinos, o que provocou a decadência daquele lugar.

A antiga localidade de Paraibuna chegou a ser um centrodesenvolvido com boa sociedade familiar, hotel e a SociedadeMusical Mont'Serrat.

As pessoas que mais fizeram pelo lugar foram Hilário Joa-quim de Andrade, Jorge Moreira da Cunha e José Procópio deAssunção, homens benquistos, trabalhadores, que movimenta-vam a política local.

A igreja de Nossa Senhora de MonfSerrat foi elevada aparóquia em 24 de setembro de 1884, pela lei provincial 2698,ato esse durante longos anos pleiteado pelos moradores.

- O nome da localidade foi substituído para MonfSerrat porconveniência do Correio, pois existiam no Brasil muitas como nome Paraibuna14". O distrito-de-paz foi criado a 7-10-1885.

i-»». Parece incrível, mas ainda em 1943 centenas de localidades nossasreceberam "do Norte, do Sul etc.", para não as confundirem o Correiocom homónimas, quando no mundo o código postal já solvera a questão.

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Hoje, Mont'Serrat está despovoado, não tendo mais aque-las lindas lavouras trabalhadas pelo braço escravo. A pecuá-ria, mal organizada, transforma o distrito em carrascais.

Conta no entanto duas localidades prósperas: Afonso Ari-nos e Serraria. Esta última foi muito importante ao tempo doentroncamento ali da Leopoldina com a Central do Brasil1'47.

.V7- A» conexão com a Pedro II foi aí feita em 1884 pela Estrada de FerroUnião Mineira, incorporada em 1876 por um descendente de Garcia o en-genheiro e seu diretor técnico Pedro Betim Paes Leme, e durou ate 1904quando a Leopoldina Railway, que já tinha conexão com a Central em En-tre-Rios, suprimiu o ramal Silveira Lobo-Serraria, depois de adquirir todas aspequenas ferrovias da região. *

A estação era no lado mineiro, em frente a Serraria, ao qual se liqavapor uma ponte de madeira (construída pela União-e-lndústria), substituídaem 1897 pelos dois Estados por outra de metal, com 93 m e 3,60 de largura

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O RIO E SEU CHÃO

Eis o Paraíba no Jardim Velho numa das grandes cheiascíclicas do verão de cada vinte anos, \á conhecida dos antigos.Esta é a de 1926, em 13 de dezembro. (Em 4 de março de1947 subiu mais 25 centímetros.) Ele só retoma o que foi seu,pois Garcia chegou à busca do rio e remanso a vencer como Caminho quando a margem era aí, nessa rua alagada. E en-controu o remanso atravessando o canal e do lado de fora dailha fronteira, onde deixou gente o guardando e levantou comomarco de posse a capela da tradição.

Por trás dos sobrados e à altura do segundo, hoje o novo39, ficava à meia-encosta no morro a casa-grande da fazenda daParaíba, de 1708 pelo menos, enquanto jardim, bosque (sombraao fundo à direita) e os quarteirões ribeirinhos por trás eramentão as ilhas aterradas para se abrir área à "comodidade" deviajantes e tropeiros, ranchos para o pernoite em rede, maisabrigo de bruacas, selas, arreios, cargas, e as vendas onde sereabastecerem de mantimentos de boca e milho para as mulas.Praia da barca ou rossio da vila, até a inauguração da ponteesse espelho dágua foi 150 anos chão explorado por estranhos,como posto-de-serviço. Até que os moradores fundaram a vilarevolucionária e fizeram-na o lar, o chão sagrado de seus filhos.

Tudo em Paraíba começou ai. Até a primeira obra muni-cipal, a rampa que a Câmara mandou logo abrir para acessoà sua sede, a casa-grande de Garcia e no ano seguinte (1834)também matriz, pelo necessário abandono da então em ruínano alto do morro. Começava a rampa onde está o primeirosobrado e levantou logo protestos, por devassar os fundos dascasas na rua que se esboçava no eixo da atual AlexandreAbrahão. Esse sobrado depois abrigou a Câmara, a redação eoficinas do Provinciano e ainda o Anjo-da-Meia-Noite. Dele sóvemos um terço e já como "sobrado da Dona Pedrina", últimamoradora até a demolição. Sua história é a nota 63 (pág. 57).

No segundo sobrado se instalou em 1917 o Gymnasio Pa-rahybano, nossa segunda tentativa de curso secundário e co-nhecido por "Colégio do Babau", apelido do proprietário, Vir-gílio de Carvalho. E nele morou muitos anos o dr. Agnel Ma-fra, médico. Foi demolido como "Pensão Santa Rita'". O ca-sarão pegado foi o do atentado a bomba aos drs. Macário eCornéllo, e o último a distinguir-se, de beiral, o do jornalistaBernardino Pacheco, rábula de mais causas que os advogados.

Ao fundo, a 15-de-novembro (Direita, Imperador, hoje todarenovada) è distância não mostra o conjunto homogéneo oito-centista que ainda guardava em 1926, e à direita o coreto (de1908 como o jardim), no centro da cruz-de-malta de palmeirasimperiais (de 1868), evoca as retretes ao tempo do Parque Mu-nicipal. Õ conjunto todo, história viva da cidade, está amea-çado pelo comércio na área; salvação viria por trás de grades.

capítulo 9

Cidade de Veraneio

Paraíba do Sul na antiga Província Fluminense, de tão glo-riosa tradição, era cidade frequentada por figuras notáveis nocenário nacional. O município tinha a economia apoiada nalavoura cafeeira, que no Segundo Reinado foi o berço da aris-tocracia rural. Dela saíram personalidades de raro valor e foi,essa aristocracia, o mais forte esteio do passado regime. Pa-raíba foi foco do mais irradiante prestígio no tempo.

Nossa cidade era então perfeita estação de repouso148,principalmente em suas ricas e, para o tempo, confortáveis fa-zendas. Possuía muitos hotéis. Entre eles por algum tempose destacou o Garibaldi, que anunciava falarem-se ali francês,inglês e alemão. Mesa redonda com doze pratos variados, nomínimo. No Hotel Anjo-da-Meia-Noite, à disposição semprebons petiscos preparados com asseio e prontidão", e onde olustroso preto hoteleiro149 comunicava pomposamente: "oasseio e a fartura é o lema da casa; os senhores hóspedes en-contrarão neste hotel um belo jardim para recreio, boa orquestrade guizos tocada por professores escoceses, cocheira etc."

Existiam victorias de praça puxadas a cavalo, carro pró-prio para enterro, e bom teatro de companhias líricas.14«. A proximidade ao Rio e o clima ameno das montanhas contribuírampara isso. No Império, até políticos mineiros tiveram residência entre nós,como o barão de Diamantina e o conselheiro Francisco Januário da GamaCerqueira, ministro da Justiça no gabinete Caxias. E escritores e jornalis-tas do tempo visitavam com frequência a vila e fazendas.149. Se ele próprio abriu o hotel, ou de início foi empregado e depoisficou na direção, não está esclarecido. Certo é que o infeliz Joaquim Ra-mos Pacheco de Lima, em cuja vida imprevidência e extravagância parecese terem aliado para o destruir, acabou na miséria e morando de favor empequeno casebre num terreno da rua Rebelo (Alexandre Abrahão), ondemorreu no princípio do século. De meados dos anos 60 até avançados os90. o Anjo (também alcunha do preto na cidade) esteve presente nos jornais

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122PEDRO GOMES DA SILVA

E por falar em teatro, lembre-se de passagem que o grandeartista Leopoldo Fróes, acompanhado de toda sua companhia,passou uma noite no pavilhão do adro da Igreja do Rosário,enquanto não entrava na renda do espetáculo dado na cidade.

A vida social era intensa e cordial, havia constantes reu-niões cívicas e comemorativas, e a biblioteca da Prefeituramuito frequentada150.

Foram visitantes frequentes Luís Nicolau Fagundes Varela,poeta que colaborou fartamente na imprensa local; o generalTibúrcio Ferreira, que certa vez realizou conferência sobre as-pectos da guerra do Paraguai em casa do dr. Leandro Bezerra;o botânico francês Glaziou; o lente da Politécnica, conselheiroJosé Saldanha da Gama, que aqui fez ótimas amizades, comoo dr. Joaquim Pereira da Cunha, da fazenda do Governo.

O senador do Império Cândido Mendes de Almeida pormuitos anos residiu em Paraíba do Sul, onde instalou sua bancade advogado e uma ótima tipografia e litografia, em que im-primiu o seu Atlas do Império do Brasil, obra que obteve me-dalha de ouro na Exposição Universal de Viena, em 1878. Emais: O Auxiliar Jurídico, O Direito Eclesiástico Brasileiro,História do Comércio e da Indústria, O Visconde de Cairu,História do Estado do Maranhão, quando este no século XVIIcompreendia também o. Ceará, Piauí, Pará e Amazonas; DireitoMercantil, de Silva Lisboa; e preciosa edição do Código Fili-pino (1603), suma das ordenações afonsinas, manuelinas e es-panholas anteriores.

Essas oficinas tipográficas do senador Cândido Mendesforam instaladas na Chácara do Chabregas, nas Porteiras151, eaí lhe nasceu um filho, o conde Cândido Mendes de Almeida.

Guimarães Passos, Luís Murat e Olavo Bilac vinham tam-bém com frequência a Paraíba, e o último consagrado visitanteevoca a chácara do dr. Martinho Garcez numa linda poesia quecomeça: "Vejo o rio Paraíba coberto de ninfas, à moda grega."

Na Grama está a casa que até o início da República foido major Damião de Sousa Guimarães, farta e hospitaleira.Ali foi hóspede habitual o maestro Carlos Gomes, o qual emnossa cidade muito apreciou a arte do maior músico que até

com aqueles anúncios excêntricos e compridos que não ficavam nada ba-rato, mas embalavam a vaidade do Pacheco.150. Criada pela província em 1871 nas suas principais cidades. Em 1874 ohorário para o público era das 7 às 22 horas. Funcionava na câmara.J5i. Fachada de pedra lavrada e sacadas sobre o rio, o elegante sobradono térreo tinha pé-direito mais alto que o comum. (A nota 84 esclarece autilização que lhe foi dada pelo senador.) A escada ao andar superior, naestrutura arruinada, foi a parte que mais resistiu ao prolongado abandono.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 123

hoje tivemos, António Guerra da Costa152, que a seu conviteexibiu-se em Campinas, cidade natal do ilustre visitante.

Consta que foi no alto do morro do Vintém15'' que CarlosGomes teve a inspiração para a partitura a que chamou Céude Paraíba, da ópera O Escravo.

Mais acima da Grama, no Jatobá, ficava a casa do dr.António Luís dos Santos Werneck, onde foi elaborado o cé-lebre manifesto do Partido Republicano Sulparaibano publicadono Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e aqui no Parahy-bano, apressando a ruptura dos próceres republicanos que pro-vocou, em todo o Estado, o movimento que resultou na revo-lução de 4 de dezembro de 1891 em Paraíba.

Outro artista enamorado de nossas paragens foi o parai-bano de adoção — chegou aos 9 anos e aqui morreu, aos 33— Joaquim Dias da Rocha Filho1-"4. Ele as cantou assim nosoneto À Paraíba do Sul:

Amo estas altas, brancas penedias,Que erguem no espaço o lombo esverdeado,Este céu sempre limpo e consteladoDe turbilhões de estrelas luzidias.

Da minha infância os descuidados diasAqui passei, contente e sossegado.Quero dormir, quando tombar gelado,Ao pé daquelas árvores sombrias.

J»2. A biografia está na nota 69. A visita à terra de Carlos Gomes teriasido numa Semana Santa, quando tocou com a orquestra da catedral regidapelo amigo ilustre.163. Ultrapassa a cota de 580 m de altitude, tendo sobre a cidade assim300 metros. A paisagem do rio, não longe, que se descortina dele abrangecerca de 20 Km, para cima e rio-abaixo, sendo mesmo deslumbrante emdia de sol. O morro tem as encostas mais extensas paralelas ao rio, comoas cadeias de montanha da região (em geologia, as sinclinais); sendo otopo um cone regular, se destaca logo dos vizinhos, o que talvez tenhafeito do Vintém (a etimologia tupi está adiante) um marco do remanso, em-baixo, no rio, para os viandantes que chegassem da atual Minas Geraispela trilha puri, depois o Caminho de Garcia. E o fato de que é o únicobatizado pelos índios junto ao rio já indica que para eles o morro tinhasignificado especial.

O belo morro que domina a cidade, passeio predileto de um artista, hojeestá prosaicamente a serviço de repetidora de televisão.154. Nasceu em Curitiba mas é nosso desde menino esse poeta consagradoainda moço na academia de São Paulo, e o maior de Paraíba. Ao escrevercom 18 anos os versos gravados em sua tumba, atingira já o nível a que sóchega o talento invulgar. Joaquim Dias da Rocha Filho estudou no ColégioAbílio, famoso no Rio então, formou-se em advocacia em 1886 e no anoseguinte era promotor em Paraíba. Teve banca com o dr. Bezerra, seusogro, e logo depois de casado morava no chalé das Palhas que depois foido dr. Bernardino, hoje o jardim de infância conhecido. tt Nasceu a 18 de

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124 PEDRO GOMES DA SILVA

Produzirei da pútrida matériaPor noites de luar a sombra etéreaDum lírio branco, virginal, franzino.

E hão-me vir, nos ecos repetidos,Uns merencórios, pálidos gemidos,— os versos que cantei, quando menino.

O segundo quarteto está gravado na lápide da abando-nada sepultura do poeta no cemitério da Encruzilhada11"'".

O maestro Carlos Gomes frequentava Paraíba numaépoca em que se trabalhava ativa e resolutamente em bene-fício da Abolição. Muitos eram os partidários dela em nossomunicípio, salientando-se o vigário Inácio Félix de AlvarengaSales, que com seu espírito adiantado de homem independenteaconselhava os cativos, por ocasião de missas havidas nascapelas das fazendas, a fugirem para a cidade e refugiarem-seno Porto do Vigário. Tal porto era nos fundos da residênciadele, vigário, que dava para o Paraíba100. Muitas vezes,che-gavam à chácara do cónego Sales negros ainda com as vexantesargolas de ferro nos pés e no pescoço, sendo necessário queo bondoso vigário,e seus servos limassem aqueles ferros, queamarguravam e torturavam os pobres cativos. Esses escravoseram entregues à Loja Maçónica Amor-ao-Próximo, e esta seencarregava de transportar os infelizes negros para outrascidades, fazendo assim a abolição secreta e dando aos senhoresgrande prejuízo, com a perda de valor em material humano.

Carlos Gomes a convite do cónego Sales regeu a orquestrada nossa igreja matriz, sempre acompanhado pelos maestrosGuerra da Costa, executor e compositor dedicado, e AlfredoMariano de Azevedo e Silva, musicista e professor que fezbrilhante curso no Conservatório de Música do Rio de Janeiro,onde foi aluno dileto do célebre flautista Colado.

agosto de 1862 e faleceu a 1.° de fevereiro de 1895 na Encruzilhada, casados pais. Seu nome é lembrado na rua de Copacabana.

O pai era médico, e em Paraíba fez jornalismo, política — deputadoprovincial e geral — e exerceu vários cargos ligados à profissão,ns». É fácil identificá-la junto à pequena capela à direita, no centro docemitério. O centenário de morte ocorre dentro de três anos. Mais queoportuno recuperá-la, colocando cartaz para a indicar ao visitante.15e. A casa era no atual n.° 32 da Tiradentes, com fundos no 537 da av.Castelo Branco. Que o fato tenha ocorrido, é possível; mas a continuidadedele, muito pouco provável. Parece mais idealizada versão paraibana daunderground railway dos americanos, essa real, o "trem subterrâneo" que,de estação em estação (cada fazenda de abolicionista, geralmente pastorprotestante), levava para o Canadá e a liberdade os escravos foragidos àsplantações de algodão do sul dos Estados Unidos.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 125

Certamente pelo panorama que dali se descortina, o pas-seio predileto de Carlos Gomes em Paraíba era o Morro doVintém, em cuja encosta leste se acham as fontes da ÁguaSalutaris. Vintém é corruptela do nome indígena Ibiti.

Talvez antes de Manuel Marques Letra encontrar a de iní-cio chamada Água da Saúde, no Arraial-dos-Saposir>T, por lá jáandasse Carlos Gomes, pois o maestro em cartas a amigos deParaíba prometia voltar a passar temporada na cidade, em casado compadre Damião, para uso da água que tão bem lhe fez-

O major Damião era epicurista. Tinha em casa um cozi-nheiro chinês, que estava sempre inventando novidades culi-nárias para o amo, senhor também de adega bem provida.

A Água da Saúde mais tarde, por sugestão de José GeraldoBezerra de Meneses, passou a chamar-se Salutaris. Era en-garrafada segundo os métodos existentes então, que não aconservavam, chegando aos mercados de consumo em mauestado. Foi quando nos princípios do século veio ter a Paraíbao gaúcho Palhares, que se dispunha a fazer no parque da Salu-taris uma grande estância hidromineral, e dizia para provocarque "a Salutaris em Paraíba é como diamante no focinho deum porco", e que haveriam de ver como ele a iria transformar.Infelizmente a morte impediu tão bons propósitos108.

Passaram-se os tempos. Novos senhores exploraram afonte milagrosa em proveito próprio, esquecendo-se da terra.

Em 1942 a empresa foi adquirida por nova sociedade, dodr. Cílio da Gama Cruz. Sob sua direção já aparecem os frutosda sábia administração: ajardinamento dos terrenos que cir-cundam as fontes, que foram canalizadas para elegante pavilhãono centro do parque, tornando-o mais atrativo e cómoda a uti-lização das águas in natura. Felizmente, vão longe os temposdos sacrifícios de um conde para bebê-las, o que conto já,pois se fez sondagem de novos veios e captação eficiente.

157. o lado esquerdo da antiga estrada para a Encruzilhada, antes do ca-minho do Catete. A penetração dos primeiros aquáticos — como chamavaO Parahyba em 1887 aos usuários das águas — deve ter-se feito por ca-minho hoje no eixo da rua Bernardino Franco, que do Jatobá segue entreo morro da estação da CEDAE e a falda do Vintém.158. José Teixeira Palhares e Emídio Griihn adquiriram as fontes mineraislogo depois de aqui radicados, em torno de 1898. Em 1903 Palhares abriufábrica de ferraduras nas Palhas, com gerência do Mironga (Francisco An-tónio Pereira). Foi presidente interino da Câmara em 1908 e em 12 seusecretário. Alugou o palacete Ribeiro de Sá, onde vivia com a esposa, umasenhora preta, e pelo apuro da indumentária era tido na cidade corno emmuito boa situação. A morte trágica sobreveio na noite de 4 para 5 defevereiro de 1913, quando foi assassinado no palacete e o corpo lançadoao rio; e só achado no dia 6.

Foram detidos e interrogados vários suspeitos. No Rio, houve reper-cussão na imprensa — Gazeta de Notícias —, mas nunca foi esclarecida suamorte. A mulher pouco depois deixou a cidade.

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É um caso dos meus tempos de garção de hotel, não tãolongínquos, em meados dos anos vinte. Ainda me lembrobem. Maria Rita era e é água de enormes propriedades.Quando trabalhava no Hotel Ferreira, veio hospedar-se nele oconde Pereira Carneiro159. Chegou com a fisionomia abatida,palidez cadavérica, acompanhado de verdadeira farmácia de re-médios que pareciam mingau de polvilho. O conde viera fazeruso da Maria Rita a conselho de um amigo. A água dessafonte ainda não estava canalizada e o mato era abundante emvolta. Para apanhá-la o conde separava o mato e, com umacanequinha, tomava a bicarbonatada. Ao cabo de 15 dias me-lhorara consideravelmente, passando a comer de tudo à mesado hotel, tornando-se mesmo um bom-garfo, tipo que não agra-dava ao velho Ferreira . ..

Com tal potencial de atração a forasteiros, de que é exem-plo a Salutaris, pela proximidade ao Rio e cuidando mais desi própria — ruas limpas, jardim preservado e incentivo a ho-téis e pensões —, nossa cidade pode desenvolver, a par deoutras atividades económicas1"", o filão do turismo. (Antiga-mente o chamávamos aqui veraneio, e a tipos assim do conde,veranistas.) Há cidades que vivem dele.

Sou da teoria do Eca: O progresso é um carro sem travão.Não adianta ficarmos chorando as passadas glórias de Paraíbae da Província, o requinte dos solares — ora em ruínas — dosbarões do café. Muita imprevidência e política vesga presi-diram no passado decisões importantes tomadas por dirigentesem nome do povo. No dia em que este realmente decidir doseu destino, quem sabe prosperidade e vida tranquila sejammenos efémeras?

De qualquer modo, todo progresso — que não tem travão— monta no carro do trabalho, e esse foi sempre o quinhãodo povo. Para o ter, ele não precisa, pois, de barão nem rei.

Esperamos que sob a ajuda de Deus volte nossa Paraíbado Sul, por outros caminhos, menos precários, aos bons tem-pos da Província. De imorredoura saudade, mas passados.

!•">». Proprietário do Jornal do Brasil.100. A vocação de Paraíba, como de todas as cidades na calha do rio, é aindústria. E num plano que já tarda deve em ambas as margens reservarárea para seu pólo industrial. O ideal é entre a Chacarinha e Boavista.

capítulo 10

Os Barroso Pereira

O sargento-mor António Barroso Pereira, morador no curatode Sebolas, fazenda da Bemposta, de propriedade de sua mãe,Mariana Jacinta de Macedo, casando-se com Claudina Venânciade Jesus, filha de Manuel Jesus Cerqueira e Mariana Eufrásia dePaiva, resolveu instalar perto do povoado de Paraíba do Sulsua propriedade e, para isso, obteve por requerimento de 16de setembro de 1817 "terras de sesmaria no sertão entre osrios Paraíba e Paraibuna rumando com João Pontes França".

António Barroso Pereira que era enteado do Capitão Tira-morros instalou a sede da fazenda que denominou Cantagalono lugar hoje conhecido por esse nome, 1.° distrito do municípiode Entre-Rios e antigo 2° do de Paraíba do Sul.

Ativo e trabalhador, dentro de poucos anos já tinha des-bravado as matas virgens e cultivado suas terras, tornando-segrande industrial naquela época, instalando em sua fazendaimportante serraria e fornecendo madeiras a todas as constru-ções das zonas vizinhas.

Com a morte de sua mãe, herdou António Barroso Pereirainúmeras datas de terras, que em 1837 vendeu ao sargento--mor José Vieira Afonso e ao tenente António Luís dos SantosWerneck, estas na Bemposta, e a Tomé Corrêa de Sales nolugar Portões, freguesia de São José do Rio Preto.

Em 1840 mandou construir nova sede para sua fazenda,no centro de lindo parque, uma vivenda de luxuoso gosto ar-quitetural, obra de hábeis artistas portugueses. O chão dasala principal era feito de pequenos mosaicos que formavamlindíssimos desenhos das armas coloniais. Esse assoálha-mento era sempre bem encerado e, por isso, escorregadiço,servindo assim de divertimento aos servos da casa, que go-zavam às escondidas as derrapagens e tombos dos visitantes,desatentos e desabituados a andar sobre lisos.

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128 PEDRO GOMES DA SILVA

Construiu uma grande ceva para porcos, toda de pedralavrada a buril, a qual entrava pelo rio Paraíba, e que foi muitoadmirada por todos na época. Desenvolveu enorme criaçãode suínos, fazendo troca de toucinho salgado por mercadoriascom os tropeiros que passavam em viagem. Suas lavouraseram as mais bem tratadas e zeladas da região, e das cen-tenas de escravos muitos tratados como pessoas da família.

Adquiriu muitas outras terras, chegando a ter mais deum milhar de alqueires. Dentro de seu património territorialfundou quatro importantes fazendas: Boa-União, Rua-Direita,Piracema e Cachoeira. Da fazenda da Cachoeira uma partepassou a constituir a fazenda de São Lourenço, onde mais tardeviveu seu filho, de igual nome e título.

Além de abastado fazendeiro, foi António Barroso Pereiracidadão prestante, vereador da primeira Câmara Municipal deParaíba do Sul, oficial da Imperial Ordem da Rosa e, pelos re-levantes serviços prestados ao município, agraciado com otítulo de barão de Entre-Rios.

De seu casamento nasceram dois filhos; o primeiro cha-mou-se António Barroso Pereira Júnior, depois 2.° barão deEntre-Rios e, mais tarde, visconde; o segundo foi MarianaClaudina Pereira, que se casou com seu primo-irmão, José An-tónio Barroso de Carvalho, depois visconde do Rio-Novo.

Foi o barão de Entre-Rios chefe de conhecida e importantefamília que tem prestado os mais relevantes serviços de assis-tência pública em nosso município, continuando seus descen-dentes a mesma diretriz. Morreu em Petrópolis, em 12 dedezembro de 1862, deixando ótimas fazendas e bens: 407 es-cravos, grande prédio de residência particular na rua do Impe-rador 52, em Petrópolis; mais dois prédios na mesma rua; noRio de Janeiro um prédio de dois andares na rua Direita 95,avaliado na época em 70:000$000, e outro na rua de São Pedroavaliado em 20:000$000 (número 93); em Entre-Rios, à margemda estrada União-e-lndústria, um correr de casas; diversos pré-dios na vila de Paraíba do Sul e em São João d'EI-Rei. Deixoumais diversos títulos para receber, no valor de 200:000$000;no Banco do Brasil, em depósito, 224:5131000, e em diversascasas bancárias mais de 100:000$000. O total dos bens dei-xados foi avaliado na época em 1.569:303$468. Foi uma dasgrandes fortunas de Paraíba em meados do século passado.

Com a morte do barão de Entre-Rios a fazenda de Can-tagalo passou a sua mulher, a baronesa de Entre-Rios, a qualmandou construir em sua propriedade capela dedicada a NossaSenhora da Piedade. Da porta da fazenda começava uma ala-meda de acácias "que terminava no adro da capela, situada emuma colina em frente, e sobranceira ao rio.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 129

Aos domingos e dias santificados celebravam-se missas,acompanhadas de cânticos sacros pelos escravos. A baronesa,além de obter ordem especial do Papa para ter o Santíssimo,mantinha capelão só para o serviço de sua fazenda. Essaigreja guarda os restos dessa benfeitora de nossa terra.

A baronesa de Entre-Rios foi verdadeira mãe de seus es-cravos, protegendo também os que para lá fugiam da tiraniados proprietários vizinhos. Com a sua morte, em 1876, a fa-zenda de Cantagalo passou à filha, a viscondessa do Rio-Novo,viúva do visconde do mesmo título.

A viscondessa depois de viúva foi agraciada por Pedro IIcom o título de condessa, por decreto de 16 de outubro de1880; e tais eram os atos de filantropia que lhe ia ser conce-dido o de marquesa quando morreu no dia 5 de junho de 1882,em Londres, após operação cirúrgica. Deixou por testamentolibertos todos os seus escravos, que eram mais de duzentos,ficando para eles metade de sua fazenda de Cantagalo, a outrametade para a Casa de Caridade de Paraíba do Sul, justamenteo terreno que compõe a atual cidade de Entre-Rios, cujos foros,devidos à Irmandade, foram assim prevenidos pela condessapara sua manutenção.

Hoje, do grande prédio da fazenda de Cantagalo restamapenas os alicerces, em cujo centro foi erguido um monumentode pedra, perpetuando a memória da bondosa condessa101. Senão houvessem sacrilegamente demolido o prédio da fazendade Cantagalo, seria em nossos dias autêntico minumento a serincorporado ao Património Artístico e Histórico Nacional, talera a pureza de suas linhas arquitetônicas, de uma técnica co-lonial perfeita na mais alta expressão.

Mariana Claudina Pereira, filha do 1.° barão de Entre-Rios,foi criada juntamente com seu primo-irmão, José António Bar-roso de Carvalho, com quem mais tarde veio a casar-se. Obarão de Entre-Rios reservou para eles uma de suas fazendas,a que chamou Boa-União, nome significativo do desejo quetinha da felicidade conjugal dos dois. Antes de casar-se JoséAntónio já era rico, pois trabalhara muito na freguesia de Se-bolas e também herdara. Casando-se, foi residir na Boa-União,tornando-se conhecido por Major Carvalhinho.

Era homem de ideias avançadas, tendo concorrido eficien-temente para a construção da estrada União-e-lndústria, que

ifli. O arrendatário da fazenda, Emídio Rispoli, em 1897 já estava em de-manda com a Irmandade, que custou a desalojá-lo da propriedade que es-poliara totalmente. A sede se assentava onde está o trevo de Cantagalo.Em seu último trabalho para jornal, publicado na véspera do falecimentoem O Cartaz, de Três Rios, o autor se referiu ao desaparecimento desse eoutros marcos de pedra durante trabalho de terraplanagem no local, i ;

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atravessou os terrenos de sua propriedade e não lhe opondoo menor obstáculo, como muitos de seus vizinhos, tornando-segrande acionista da empresa.

Com a morte de seu tio e sogro, o barão de Entre-Rios, omajor Carvalhinho herdou duas importantes fazendas: Rua-Di-reita e Piracema. Enquanto viveu, sempre orientou os negó-cios de sua sogra na fazenda de Cantagalo, facilitando muitotambém a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II, o quelhe valeu ser elevado por decreto de 27 de março de 1867a visconde do Rio-Novo, com grandeza. Era barão desde 1856.

O visconde durante a guerra do Paraguai deu para as "ur-gências do Estado" trinta e tantos contos de réis. Já era umagrande fortuna no País quando lhe veio às mãos a herança dobarão de Entre-Rios.

Ocupou diversos cargos públicos em Paraíba; foi vereadorda Câmara Municipal em várias legislaturas, membro do PartidoConservador nos bons e maus tempos, e contribuiu para o pro-gresso de Paraíba, Petrópolis, Barbacena e São João d'EI-Rei,cidades onde tinha negócios. Foi também presidente da Câ-mara Municipal de Petrópolis.

O visconde nasceu na freguesia de Sebolas em 1816 e fa-leceu a 17 de outubro de 1869, na Corte, com 53 anos, deixandolibertos todos os seus escravos, cujos nomes enumerou, e bemassim os que herdara do seu falecido pai. E a cada um delesdoou dois alqueires de terra para plantação, ou 50$000 aos quenão quisessem viver da lavoura. Deixou muitas verbas de ca-ridade, especialmente 10:000$000 para uma Casa de Caridadeque se edificasse em Paraíba do Sul.

Irmão do visconde do Rio-Novo, e portanto Barroso Pereiratambém, era o tenente-coronel Dâmaso José Barroso (Júnior),15 anos mais moço e que se tornou grande proprietário de ter-ras. A história desse ramo dos Barroso Pereira (Carvalho) estáno capítulo Fazenda Mato-Grosso.

A viscondessa, viúva, passou a fazenda da Boa-União a seuirmão, António Barroso Pereira Júnior, indo residir com a mãena fazenda de Cantagalo.

O 2.° barão de Entre-Rios não ficou muito tempo na fazendaBoa-União, transferindo-a a seu genro, o médico Randolfo Augus-to de Oliveira Pena que, procedente de Minas e parente do mar-quês do Paraná, cunhado de Afonso Pena e irmão do senadorFeliciano Pena e do visconde de Carandaí, muito aumentou oseu pecúlio em plagas paraibanas.

Randolfo Pena veio residir em Paraíba do Sul a convite dacondessa, então ainda baronesa do Rio-Novo, com quem fizeraconhecimento em Minas. Exerceu a medicina por alguns anosem Paraíba. Além da Boa-União, adquiriu outras propriedades

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 131

e ocupou cargos no município. Faleceu em Paraíba em 1915.Dos seus onze filhos destacaram-se Randolfo Pena Júnior,

que exerceu diversos cargos públicos, como o de presidente daCâmara e mais de trinta anos provedor da Casa de Caridade;e Salvador Pena, escritor, poeta, músico, poliglota e tradutorde clássicos latinos.

Outro filho seu, Cristiano Pena, também presidiu a Câmarae foi membro do Conselho Consultivo Municipal criado em1930; e a filha Maria Augusta, grande benfeitora da Casa deCaridade, e que em 1923 construiu a suas expensas a capelade Nossa Senhora da Piedade, que se destaca pela esguia es-trutura em linha gótica no topo do morro de Santo António.

De Randolfo Pena passou a fazenda da Boa-União ao genro,João da Costa Ribas, o qual melhorou grandemente tanto aslavouras como as instalações. O major Ribas foi fundador daFolha da Lavoura, órgão de defesa agrícola, e vereador à Câ-mara Municipal. Agindo sempre com desassombro e lealdade,aborreceu-se com as misérias da política e abandonou a vidapública, tornando-se banqueiro em Entre-Rios. E vendeu a tra-dicional fazenda da Boa-União a Urbano Carlos de Almeida.

António Barroso Pereira Júnior, barão e visconde de Entre-Rios, casou-se com Mariana Cândida Pereira Belo, a qual faleceua 8 de janeiro de 1875, antes de o marido ser titular. Era pri-ma-irmã do duque de Caxias, pelo lado paterno, e sobrinha dobarão do Piabanha pelo materno.

Em 1877 foi António Barroso Pereira agraciado com o títulode barão, herdado do pai; construiu a fazenda de São Lourençoem terras pertencentes à da Cachoeira, e em 1883 foi elevadoao título de visconde.

Era a fazenda de São Lourenço uma das moradas mais pito-rescas do município. Lindo prédio cercado de estátuas de már-more. Num patamar amplo que dominava a paisagem, tinha ri-quíssima capela com muita prataria. Na casa-grande havia sa-lões decorados e, na sala-de-jantar, pinturas, atribuídas ao espa-nhol José Maria Vilaronga.

Com a morte do visconde, em 1906, os herdeiros venderama fazenda de São Lourenço a Frederico d'Olne162, de nacionali-dade belga, um dos fundadores da fábrica de casemira Aurora,no Rio de Janeiro. Por sua morte a fazenda passou ao filho,Edmundo Gustavo d'Olne.

Pertenceram também à grei dos Barroso Pereira as fazen-das Santarém, Calçado, Cataguá, Constância, Retiro, Mundo-

!o2. Foi o doador das quatro estátuas ao parque construído pelo dr. Ber-nardino Franco, em 1908, que encarregou de buscá-las a seu Milote. Pediuao prefeito, em troca, a melhoria da estrada para sua fazenda.

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Novo, Aliança e Harmonia, no distrito da Bemposta; e Mato-Grosso, Santa Engrácia, Sebolas e Governo nos distritos deSebolas e Santo António da Encruzilhada.

Das quatro famílias que se destacaram no município comoproprietárias de terras, foram os Barroso Pereira não só os pri-meiros a chegar mas também os mais bem-sucedidos. Ocupa-ram as excelentes terras de entre Matozinhos e Sebolas a partirdo núcleo inicial da fazenda Mato-Grosso, que é de meados dosanos 1770, e por casamento se associaram com os vizinhosBarbosa e Teixeira, pioneiros em Sebolas que tinham no CapitãoTiramorros um chefe inato.

Além dessa associação feliz, o primeiro António BarrosoPereira (no período abrangido por nossa história são três) che-gou das minas com dinheiro para aplicar em terras e, parece,tinha melhor nível intelectual que a média dos primeiros povoa-dores da época; tanto que preparou o filho para ser um dosprincipais vereadores da primeira câmara, onde lhe coube de-fender os direitos da vila ao património de terras para afora-mento na questão de nove anos com os Paes Leme.

Esse maior preparo intelectual levou não só os BarrosoPereira ao bom sucesso financeiro como ao interesse pela coisapública, no manejo da qual foram prestimosos e humanitários.Ao visconde do Rio-Novo devemos a ideia do hospital, asilo deórfãs e educandário que sua prima e viúva, a condessa, com seutestamento tornou realidade. E o visconde de Entre-Rios, em-bora infenso à política, sempre que se impunha o apoio à mo-ralidade de sua prática, em benefício da coisa pública, não seomitia. Tinha o hábito de opinar em declaração aos jornais.

capítulo 11

Os Pereira Nunes

Inácio Pereira Nunes, filho de António Nunes da Silva eAna Pereira Nunes, natural do Rio de Janeiro e batizado na fre-guesia de Inhaúma, instalou-se no Inema, onde se tornou fa-zendeiro e proprietário de uma fábrica de tijolos para constru-ção. Aos poucos foi adquirindo terras na serra das Abóboras.

Comprou primeiro à viúva de José Fernandes dos Santosos sítios Água-Limpa e Serra. Obteve outras propriedades na-quela serra por execução hipotecária pois, tendo emprestadomuito dinheiro e não podendo os devedores efetuar o pagamentonos prazos estabelecidos, se indenizou ocupando as terrasdadas em garantia. Tornou-se senhor de vasta zona.

Inácio Pereira Nunes nas suas terras da serra das Abóbo-ras, vertentes do rio Paraíba do Sul, instalou as seguintes fa-zendas: Cachoeira, Caxambu, Santa Teresa, Sossego, Retiro,Fortaleza, Independência, Água-Limpa, Santo André, Serra, SantoElias, Santa Vitória, Bonsucesso, Santa Clara e Barreira.

Dentro do património territorial de Inácio ficavam os doispontos mais elevados da serra, as pedras Menina e Monte-Cris-to. O dr. Metizinger, engenheiro alemão, calculou ser de milmetros a altitude da Menina, e de 850 Monte-Cristo163. Naprimeira existe na base uma depressão retangular, exatamentecomo se fosse praticada por um bom canteiro, e que se parececom o vão de grande porta. Isso excitou a imaginação popular,surgindo entre os escravos das fazendas locais a lenda da portade entrada de um templo subterrâneo, em que os índios deoutrora adoravam seus ídolos e guardavam fabuloso tesouro.

Inácio Pereira Nunes tornou-se homem de vastíssimos re-cursos, possuidor de extensa área de matas virgens e mais demil escravos. Tinha quase 300 bestas-de-carga, que faziam opercurso de suas fazendas ao porto da Estrela levando géneros

i»». A carta fotogramétrica do IBGE, folha Paraíba do Sul na escala 1:5Ó 000,dá para Santo Cristo 985 metros. É o ponto culminante do município, •

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de toda espécie, toucinho e café. Na volta vinham com sal,sabão e petrechos necessários à lavoura. Ele reservou paratratamento dos animais-de-carga uma fazenda inteira, a do Sos-sego, nas imediações do Monte-Cristo.

Quando da revolução em Minas Gerais no ano de 1842prestou em sua fazenda da Cachoeira grande auxílio a tropalegal de Caxias, ali baseada antes da tomada de Paraibuna,sendo por esse motivo condecorado pelo imperador Pedro IIcom a Comenda- da Ordem de Cristo. Dessa data em diantepassou a ser conhecido por comendador Inácio Pereira Nunes.

Foi casado duas vezes. A primeira com Luísa, que faleceuem 1816 deixando vivos os seguintes filhos: Reginaldó, Ana,Maria, José Inácio, Balbina, Carlos e António Luís. Em segun-das núpcias com Leocádia, filha de Bento Borges de Araújo,com a qual teve os filhos Mariana, Jacinto, Brás, Vitorio, Te-resa, Clara, Emídio e Inocência. Em sua história, essa granderelação é básica, pois a cada um dos filhos deixou uma fa-zenda. E as fazendas Pereira Nunes eram todas a vertente doParaíba na serra das Abóboras a oeste do caminho de Minas,isto é, de uma linha norte-sul entre Paraíba e Paraibuna.

Dentre os filhos do comendador Inácio aquele que mais sedistinguiu nos estudos foi Brás Pereira Nunes, que se formouem Ciências Políticas em São Paulo e inventariou os bens dopai. A cada um dos 15 herdeiros coube uma fazenda com 100alqueires de matas e lavoura de café, gado e escravos. Brásherdou a fazenda Bonsucesso e foi mais tarde agraciado como título de barão pelo estadista José António Saraiva.

O barão do Rio-do-Ouro gostava imensamente de caçadase teve a vida divertida. Exerceu diversos cargos públicos emParaíba do Sul, mas sem muita convicção. Morreu solteiro defebre amarela, deixando filhos164.

Balbina Pereira Nunes herdou a fazenda de Santo Elias.Casou-se com António Pinto de Oliveira, homem trabalhador eamador da medicina homeopática, que exercia nos arredoresde sua propriedade. Foi agraciado por decreto de 15 de abrilde 1882 com o título de barão de Santo António. Fez doaçõesimportantes à Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Es-teve em Paris, onde se submeteu a operação de catarata pro-veniente de diabetes; operação aliás inútil, continuando seu so-frimento até a morte, em 1884. No testamento, juntamentecom a mulher, fez doações a seus escravos.

Maria Pereira Nunes herdou a fazenda da Serra, de ondetirou excelente pecúlio, o qual desapareceu com sua morte.

™*. Feito barão por interferência do colega na academia de São Paulo,o conselheiro Saraiva, em 24 de março de 1881. Faleceu a 8 de junho domesmo ano, deixando alforriados e com terras todos os seus escravos.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 135

Foi muito esmoler. Ofereceu elevada quantia à Santa Casa deMisericórdia de São João d'EI-Rei, dez contos-de-réis à Casa deCaridade de Paraíba do Sul. Fez importantes doações ao Asilode Nossa Senhora do Amparo, em Petrópolis, e ao Colégio dosPadres de Dom Bosco, em Niterói.

Carlos Pereira Nunes, deixando a fazenda do Inema namargem direita do Paraíba e que o pai guardara dos seus co-meços — o velho Inácio não vendia palmo de terra —, abriuuma grande lavoura na fazenda de Santo André. Aí se casoucom Florinda do Couto em 1842, nascendo deles dez filhos.

Carlos Pereira Nunes e sua mulher, com o auxílio do braçoescravo, conseguiram grande pecúlio. Não se distinguiram emartes ou ciências, mas sobrelevaram com financistas. Foi agra-ciado com o título de barão de São Carlos em 28 de agosto de1877, e fez doações à Casa de Caridade de Paraíba do Sul e àSociedade de Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, cus-teando as despesas do hospital dois meses. Sua sepultura, emfrente à capela, é a mais suntuosa do cemitério de Paraíba.Faleceu em março de 1894.

Por morte do barão de São Carlos a fazenda passou à ba-ronesa, que a legou ao filho Cristóvão Pereira Nunes, médicoe vereador em nossa Câmara. A fazenda de Santo André pos-suía ótima casa de residência, extensos terreiros de pedrapara a secagem de café e maquinismo completo de seu bene-ficiamento. Da qualidade do café que produzia tirou o barãode São Carlos a fortuna que acumulou.

Ana Pereira Nunes herdou a fazenda do Sossego. Por suamorte libertou todos os escravos, deixando a fazenda ao barãode Santo António, seu cunhado. Este passou a propriedade aFrancisco Ferreira Ribeiro, o Chico do Sossego105, seu exce-lente capataz, mas por dez anos, findos os quais passaria afazenda aos ex-escravos que ficassem com ele no trato da terra.

A fazenda do Sossego pertenceu posteriormente a Antónioda Silva Tamanqueira, depois a Agostinho Mediei, e ainda aVirgílio Augusto Fortes.

Também coube a Ana Pereira Nunes a propriedade Recreiode Santo Elias, hoje denominada Colónia.

Clara Pereira Nunes herdou as fazendas Santa Clara e Bar-rejra. Casou-se com o coronel João José Vieira, que adquiriugrande riqueza no cultivo de suas terras. Entre os filhos des-tacou-se João José Vieira Filho, juiz municipal em Juiz de Fora.ltir'. Nasceu no Sossego. Quando veio morar na cidade, em chácara nasPalhas, a habilidade e expediente fizeram dele pau-para-toda-obra. Foi quemconstruiu o coreto do Jardim Velho,.com ferragem do Augusto Batista Fer-reira, assim como o da praça de Entre-Rios. Passou ao filho Lucas Fer-reira Ribeiro muito do seu tirocínio em obras, que ele aproveitou como

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Emídio Pereira Nunes foi o herdeiro da fazenda Caxambu.Em 1868 possuía máquina a vapor para fabricação de açúcar.Adoeceu pouco depois e não mais se restabeleceu. Caxambuera famosa pelos seus candomblés e pelos jongos e cateretês.Há quem afirme ter existido em suas imediações um quilombonumeroso, chefiado por genuíno príncipe africano, de indumen-tária e jóias faustosas186.

Inocência Pereira Nunes, herdeira da fazenda do Retiro,casou-se com Gomides Xavier Rebelo, que faleceu em ,8 dedezembro de 1867 em sua fazenda vítima de apoplexia fulmi-nante. O dr. Gomides, que estabelecera de início clínica navila, granjeou simpatia geral pelos sentimentos de caridade deque sempre deu provas. Embora deixando a medicina paradedicar-se à lavoura do café, utilizava seus conhecimentos mé-dicos em benefício de escravos e pobres. Faleceu moço.

António Luís Nunes herdou a fazenda Santa Vitória. Eraum gigante fisicamente. Quase não podia andar, de tão gordo,e para fazer uma viagem de dois quilómetros eram necessáriosdois cavalos para revezamento no caminho. Na fazenda jáexistiam maquinismos para café e aguardente. Legou sua fa-zenda aos filhos Elias e Inocência. Mais tarde Santa Vitóriapassou a propriedade do dr. Bernardo Alves Pereira, médicocasado com Inocência.

O depois popular dr. Bernardo em moço se aperfeiçoou naEuropa e foi professor na Faculdade de Medicina do Rio deJaneiro. Vendendo a fazenda, veio residir em Paraíba, ondeclinicava, lecionando também francês e piano. Era médico daCasa de Caridade. Faleceu em 1925.

Famosos na Paraíba da virada-do-século eram os sarausque o doutor Bernardo regularmente promovia em seu grandesalão da casa da beira-rio — quarteirão Rosário — Jardim Ve-lho—, quando reunia amigos e suas senhoras, e ainda músicosda cidade, para apresentações de piano, canto e solos instru-mentais. Casara-se pela segunda vez em Viena e sua esposa,prendada em arte como ele próprio, se apresentava também.Madama Bernardes, ou depois simplesmente Madama, comoera conhecida, sobreviveu ao marido cerca de 20 anos e faleceubem idosa. E vivia de livro na mão.

empreiteiro da Prefeitura em vários governos (anos 20 e 30); deste é omais rico depoimento pessoal que já colhi em Paraíba (1971), aos 90 anos.io6. Fica registrado aqui o folclore negro em nossa terra. O nome da fa-zenda é naturalmente inspirador e cenário adequado aos ritos africanos.Até os anos 30, o caxambu era de tradição no encerramento de toda festade igreja, junto à fogueira e tarde da noite. Talvez dos últimos, se não oúltimo, foi o grande caxambu comemorativo do cinquentenário da Abolição,a 13 de maio de 1938, no largo de Santana (Lavapés).

capítulo 12

Os Santos Werneck

Os Werneck que passaram de Vassouras a Paraíba do Sulforam na maioria do ramo Santos Werneck. Esse ramo formou-se do casamento de Luísa Maria Angélica Werneck, filha dosargento-mor reformado das Ordenanças da Corte, Inácio deSousa Werneck, fundador da cidade de Valença e depois padre,com o capitão António Luís dos Santos, de Sacra-Família.

Os primeiros dos Santos Werneck, naturalmente, fo-ram seus sete filhos, Fernando Luís, Francisca, António Luís,Ana, Luís,. Maria Luísa e Francisco Luís. Suas fazendas emMassambará, município de Vassouras, levaram os nomes deSão Francisco do Massambará, São Fernando do Massambará,Santo António do Massambará etc.

Em 14 de agosto de 1837 o tenente António Luís dos SantosWerneck adquiriu terras^em mato virgem para abrir lavourasem lugar que hoje pertence ao distrito da Bemposta, em nossomunicípio, e assim os Werneck entram em nossa história.

A escritura da nova gleba foi do teor seguinte: "O sargen-to-mor António Barroso Pereira e sua mulher vendem ao tenenteAntónio Luís dos Santos Werneck uma data de terras, que lhestocou entre outras por legítima herança de sua falecida mãee sogra, d. Mariana Jacinta de Macedo, na fazenda da Bemposta,no curato de Sebolas, deste termo, a qual data tem de testada1 500 braças de terras com 1 562 ditas de fundo, cuja terraconfronta pela testada com terras dos herdeiros de José An-tunes Barbosa e sua mulher e, por um lado, com o tenente-coronel José Joaquim dos Santos e pelo outro lado com terrasque eles outorgantes venderam a José Vieira Afonso, e pelosfundos com terras que eles mesmos outorgantes também ven-deram ao outorgado comprador desta, cuja data de terra; assimconfrontada tinham vendido ao outorgado tenente António Luísdos Santos Werneck.

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Essa data de terras na Bemposta foi comprada pelo preçode 7:000$000. Aumentando ainda mais seu património ali, porescritura de 18 de novembro de 1837 o tenente António Luísdos Santos Werneck adquiriu do mesmo sargento-mor AntónioBarroso Pereira outras terras. Dentro de pouco tempo era se-nhor absoluto de grande património territorial, desde o Cas-telo até Santarém. .

Mais ou menos na mesma época veio instalar-se na fre-guesia de São José do Rio Preto, da qual então fazia pgrte aBemposta, um cunhado, primo e compadre do tenente, de nomeJoão de Souza Werneck. Posteriormente, em 1839, estabele-ceu-se na mesma freguesia outro parente, José Pinheiro deSouza Werneck. Assim, três Wernecks se estabeleceram emParaíba pouco depois da criação do município.

O tenente Santos Werneck era neto do depois padre Ináciode Sousa Werneck, e veio de Vassouras acompanhado de suamulher, Maria de Assunção, e filhos. Escolheu para construirsua fazenda um lugar à margem do caminho de tropa, perto dosítio onde seria mais tarde a sede da freguesia da Bemposta,e deu-lhe o nome de Boa-Vista; atualmente se chama Boa-União(não confundir com a do mesmo nome e que foi do viscondedo Rio-Novo, perto de Entre-Rios).

Em pouco ternpo o tenente transformou os matos virgensda Bemposta em grandiosas lavouras de café, e a ele se deveo povoamento da zona, sendo um verdadeiro iniciador do pro-gresso local, incentivando o plantio do café na zona leste domunicípio de Paraíba do Sul.

O tenente António Luís dos Santos Werneck demarcou emvida sua grande fazenda, de acordo com seus dez filhos, paraevitar que por sua morte surgissem demandas entre os irmãos,o que de fato se deu. Não teve ele o prazer de ver os resul-tados de suas lavouras, que tanta fortuna deram aos descen-dentes e tanto progresso e civilização trouxe àquela zona donosso município. Em 7 de junho de 1848 faleceu esse grandedesbravador, deixando os filhos seguintes:

1. José Francisco de Sousa Werneck, casado com Fran-cisca Amélia de Oliveira, que ficou com a fazenda Castelo;esta depois passou ao genro, Lázaro do Couto, e posteriormenteao médico Sinfrônio Fortunato Della-Cella, casado com Carolinade Miranda Carvalho. Atualmente essa fazenda está unida àda Bemposta, de propriedade de Arnaldo Guinle." • " .Foi dos Santos Werneck o que mais se destacou em Bem-posta. Exerceu no município os cargos de vereador, juiz-de-"pãz", delegado dê Polícia, inspetor municipal de escolas etc. Era-fazendeiro laborioso, cidadão prestante, político sincero de

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 139

crenças conservadoras, chefe de numerosa família e de nobrecaráter. Faleceu comendador em 21 de outubro de 1872.

2. Isabel Leopoldina Werneck, casada com Mariano JoséBarroso de Carvalho; ficou com a fazenda Santarém. Viúva,casou-se com o cunhado António José Barroso de Carvalho.

3. Inácio Barbosa Santos Werneck, casado com sua primaLuísa Amélia de Oliveira Werneck, filha de seu tio FernandoLuís dos Santos Werneck, ficou com a fazenda Boa-União, queera a sede ao tempo de seu pai com o nome de Boa-Vista. Foifigura de destaque na política do município e agraciado pordecreto de 1.° de maio de 1867 com o título, com grandeza, debarão da Bemposta. Em 1868 vendeu sua fazenda ao capitãoSousa Nunes e adquiriu a grande e bela fazenda do Calçado noalto rio desse nome, nossa freguesia de São José do Rio Preto.

Nasceram na Bemposta os seus filhos Inácio, médico, eAmérico, engenheiro civil; e em São José do Rio Preto o filhoNapoleão, engenheiro-agrônomo, antigo funcionário do Ministé-rio da Agricultura e pai de Francisco Klórs Werneck187, linha-gista e conhecedor profundo da genealogia da família Werneck.Esse intelectual é, assim, do ramo sulparaibano dos Werneck.

4. Fernando Luís dos Santos Werneck, casado com Gal-dina do Carmo; ficou com a fazenda Cataguá, hoje de proprie-dade dos irmãos Nonato de Araújo. Desse casamento nasceuAntónio Luís dos Santos Werneck, republicano histórico168.

ifi". Com suas comunicações ao Instituto Genealógico Brasileiro, de queera sócio conselheiro, Francisco Klôrs Werneck (1905-1986), niteroiense doramo Santos Werneck da Bemposta, enriqueceu a história da serra flumi-nense, e particularmente de Vassouras, com elementos novos baseados emfarta documentação. Francisco Tavares, o verdadeiro alferes da roça doalferes e Os primeiros povoadores de Vassouras e seus descendentes sãotrabalhos de exaustiva pesquisa e que alteram e enriquecem tudo o quefoi publicado sobre a origem daquele município.

Nosso autor se correspondeu com Klôrs Werneck, que o orientou nolevantamento da linhagem em Paraíba dos Rocha Werneck, da zona limítrofecom Vassouras, e Santos Werneck, da Bemposta.168. Figura saliente e pouco conhecida da rivalidade política entre repu-blicanos e monarquistas, que se exasperou com a República e eclodiu naRevolução de 1891. Sua candidatura a deputado geral pelo partido Repu-blicano no 9.° Distrito Eleitoral, sediado em Paraíba desde 1885, agrupou àspressas num partido Monarquista adversários de cinquenta anos na políticado Império. Reunidos em 21 de junho de 1888 em Paraíba, conservadores eliberais formaram o bloco político de apoio ao candidato monarquista, oconservador Cândido Drummond Furtado de Mendonça, que era de fora.

Os republicanos, com António Luís dos Santos Werneck, ganharam emParaíba e Sapucaia, mas perderam a eleição pelo resultado dos outros mu-nicípios do Distrito Eleitoral: Petrópolis, Estrela, Mago e Iguaçu.

A vitória de Drummond foi comemorada pelos conservadores em Pa-raíba ruidosamente, no 6 de julho seguinte, com grande manifestação noPalacete ao barão de Ribeiro de Sá, chefe do partido Conservador no mu-

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5. Luísa Maria Assunção Werneck, casada com FranciscoInácio dos Santos Werneck; ficou com a fazenda do Recreio.Nasceram desse casal os seguintes filhos: a) José Inácio San-tos Werneck; b) Virgílio Santos Werneck; c) Maria AssunçãoWerneck; d) Francisca de Assunção Werneck; e) Luísa de As-sunção Werneck, casada com Altivo de Sousa Vieira.

A fazenda do Recreio esteve sempre na posse da famíliaWerneck. Sua única proprietária atualmente, Luísa de Assun-ção Werneck Vieira, distribuiu-a a seus filhos Altivo WerneckVieira, Nair Werneck Silveira e Maria Luísa Werneck Geoffroy.

6. João Vieira das Chagas Werneck, que ficou com a fa-zenda Santa Rosa.

7. Leopoldina Chagas Werneck, casada com José Vieirados Santos Werneck ficou com a fazenda Olaria. Essa fazendapassou ao genro, José Werneck, advogado em Mar de Espanha,e deste ao dr. Barros Franco, pertencendo atualmente ao dr.Kallemback Cardoso.

8. Carolina das Chagas Werneck, casada com José Carlosde Araújo Franco; ficou com a fazenda Paciência.

9. Geraldina das Chagas Werneck, casada com ManuelLuís dos Santos Werneck; ficou com a fazenda Retiro. ManuelLuís construiu no Retiro, em 1869, um magnífico prédio, e aíhospedou o imperador Pedro II. Transmitiu a propriedade aseu genro, Mário Galvão, que a vendeu ao comendador JoséFrancisco Moreira. Hoje é de José Moreira da Rocha Macedo.

10. Josefina das Chagas Werneck, casada com MiguelSilva; ficou com a fazenda Santa Juliana.

Do que acima escrevemos verifica-se que os Santos Wer-neck muito fizeram pelo município de Paraíba do Sul, e que osdescendentes do tenente António Luís dos Santos Werneck, opioneiro da família no município e neto do fundador de Valençae primeiro Werneck na Província, casaram-se quase todos comprimos-irmãos, coisa comum entre os abastados de outrora eforma prática e segura de manterem fortuna e prestígio.

nicrpio ao final do Império. Do saco-de-gatos político que foi Paraíba e aprovíncia daí por diante, durante três anos e meio, vai sair a Revolução de1891, cem anos depois ainda confusa e rebarbativa pelo emaranhado dosgatos, mesmo já fora do saco.

Em casa desse Santos Werneck no Jatobá, como vimos, foi redigidoem outubro de 1890 o manifesto de ruptura dos republicanos, que tornarampública a oposição do bloco a Francisco Portela com menos de um ano desua posse no governo do Estado.

capítulo 13

Os Santa - Justa

Jacinto Alves Barbosa, filho do português José FranciscoRodrigues Alves Barbosa, depois de tropeiro no Caminho deMinas com o salário de 720 réis diários, resolveu adquirir terrase abrir lavouras nas margens do rio Preto. Em 1840 já erasenhor da fazenda de São Fidélis, tendo desenvolvido enormeplantação de café. Muito honesto e trabalhador, foi adquirindoterras e em pouco tempo era o senhor absoluto da encostanorte da serra das Abóboras, vertentes do rio Preto, que dividenosso município com o estado de Minas Gerais.

Adquirindo do conde de Lajes a fazenda de Cachoeira-Alta-de-Santana, plantou lavoura de 200 000 pés de café na falda doMonte-Cristo, que a dividia das terras dos Pereira Nunes.

Dentre as fazendas que Jacinto Alves Barbosa foi mais aliadquirindo destacava-se a de Santa-Justa, hoje em território per-tencente ao município de Santa Teresa de Valença (Rio-das-Fio-res), que fora propriedade de Brás de Carneiro Bellens e onde,em 1852, empregaram-se 115 famílias da província de Holstein,norte da Prússia. E em suas terras abriu mais as fazendas deSantana, São Lourenço, Serra e São Miguel.

Jacinto Alves Barbosa foi casado com Tomásia da Silveira,da qual teve onze filhos. Tornando-se grande proprietário eopulento fazendeiro, um dos maiores cafezistas do Brasil, eraconhecido do imperador certamente pela sua fama de homemhonesto e empreendedor. Foi agraciado com o título de bariíode Santa-Justa por decreto de 30 de novembro de 1866, e debarão com grandeza em 30 de janeiro de 1867.

Excessivamente modesto, interrogado corln voz polo impo-rador sobre quanto café colhia, respondeu: "Algum, majesta-de." Colhia algum café o homem que tinha porto do 2 000 en-cravos. Era conhecido como tão bom sonhor quo constituiumotivo de satisfação aos infelizes trabalharem suas fazondas.

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As terras do barão de Santa-Justa eram fertilíssimas, enelas ainda viviam selvagens em 1860, os quais se alimenta-vam de caça e pesca. Permaneciam aí porque a caça, pesca,frutas, cocos e palmitos eram abundantes.

O barão de Santa-Justa era magro, trazia o rosto e bigoderaspados, tinha os olhos azuis e era quase louro. Era cidadãode boa palestra e gostava de dar aos amigos lições de finanças,dizendo-lhes: "Por mais barato que seja um objeto, você nãoo deve comprar; mas quando você precisar de qualquer cousa,não regateie o preço."

Faleceu o barão de Santa-Justa em 20 de dezembro de 1872,deixando os seguintes filhos:

1. Jacinto Alves Barbosa Júnior, o mais velho, por forçade seus interesses tornou-se comerciante e comissário de caféno Rio de Janeiro mas, não prestando atenção aos negócios, foisurpreendido com a falência; tendo proposto aos credores pagar80%, o que foi aceito, soube depois que o pai tinha ido ao Rioe pago o restante, perto de 600 contos.

2. Maria, que se casou com Balduíno de Meneses, médico;foram os barões de Meneses, herdando a fazenda São Fidélis.

3. Leopoldina, casada com o barão de Santa-Fé, herdou afazenda São Lourenço.

4. Clara foi casada com João Batista dos Santos, maistarde visconde de Ibituruna, figura de grande projeção no Im-pério, médico do Paço, professor da Escola de Medicina do Riode Janeiro e presidente da província de Minas Gerais no últimogoverno do Império.

5. Francisco Alves Barbosa foi o segundo barão de San-ta-Justa por decreto de 28 de junho de 1876.

6. António Alves Barbosa faleceu moço, tendo sido ca-sado com uma filha do capitão Marcelino Gonçalves da CostaLima; deixou uma filha, esposa do deputado Tavares Bastos.

7. José Alves da Silveira Barbosa, terceiro barão de San-ta-Justa por decreto de 11 de abril de 1886, foi também coronelda Guarda Nacional.

8. Zeferina foi casada com João Batista de Oliveira Belo,herdando a fazenda São Miguel.

9. Carolina se casou com Lucas Alves Barbosa e herdoua fazenda Santana.

As filhas Tomásia e Bernardina não deixaram geração.Francisco Alves Barbosa, segundo barão de Santa-Justa,

casou-se com Bernardina Alves Barbosa, sua prima e mulhersingular. Vestia-se de homem e andava sempre armada, caval-gando os melhores cavalos. Depois da morte do marido aumen-tou enormemente sua riqueza, dirigindo com proveito vastasfazendas e chegando a colher cem mil arrobas de café.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 143

Contam-se muitas lendas sobre a nossa amazona, que sus-tentava grande luxo em suas propriedades. Em Paraíba do Sul,o nome da baronesa de Santa-Justa encabeçava sempre a re-lação dos festeiros. De uma feita ofereceu para um leilão daigreja de Santana dois negros escravos, trajando indumentáriaesquisita, o que foi uma das prendas de maior preço da época.Com a mesma facilidade com que obtinha dinheiro, gastava-ocom prodigalidades.

Como vimos na relação dos herdeiros, dois filhos de Ja-cinto Alves Barbosa foram barões do mesmo título. A terceirabaronesa de Santa-Justa foi agraciada depois de viúva, por de-creto de 9 de fevereiro de 1889, com o título de viscondessa,obteve-o de forma interessante: foi ao imperador e pediu quefosse retirado o título de seu cunhado, que fora também agra-ciado como barão de Santa-Justa, o que trazia confusão, pare-cendo ser ela mulher dele, o que não repercutia bem. Pedro IIentão, gentilmente, resolveu a questão de modo conciliatório,retrucando: "Vá sossegada, senhora viscondessa, que eu re-solverei o seu caso."

E no dia seguinte era a baronesa agraciada com o título.João Batista dos Santos, visconde de Ibituruna, deixou

nome em nosso município, pois era médico notável e de enor-me clientela. Já vimos na relação dos herdeiros os títulos quepossuía e os cargos que mais tarde exerceu. Cobrava de ho-norários aos clientes 2055000 a légua percorrida para atendê-los.

Um dia chegou ele à venda de um português de nome Coim-bra, nas margens do rio Preto e, observando que o vendeiroestava anêmico e magro, disse-lhe: "Sr. Coimbra, o senhorestá ficando diabético; é preciso tratar-se."

O vendeiro, apesar de analfabeto, era esperto e falante, elhe disse: "Doutor, enquanto eu tiber as mãos quentes, testafresca e clara as urinas, faço aquilo para a bossa medicina."

Longe de zangar-se, o dr. João Batista gostou da piada doportuguês e, sempre que possível, a contava aos amigos109.

Sobre o terceiro barão de Santa-Justa contam-se muitosfatos interessantes. Um deles é o de uma visita que fez aoRio, indo almoçar em casa de um atacadista português, comoera costume na época. Era o modo de agraciar os freguesesdo interior; servir-lhes bom almoço e bons vinhos, para depoisescrever os pedidos. À sobremesa, foi servido creme de goia-ba com queijo gruyère. Terminado o almoço, o negociante inda-gou: "Então, senhor barão, vamos fazer nosso pedidozinho?"

u»». Amostra do que se poderá ter na segunda parte do livro Memóriasde um garção de hotel, conforme sugeri. (Ver Apresentação.) Os originaisestão de posse da família do autor.

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144 PEDRO GOMES DA SILVA

O barão, para retribuir a gentileza, declarou que não tinhaido fazer compras, mas em todo o caso que despachassem umadúzia daquele queijo que acabara de comer.

Dias depois mandou um empregado buscar "uns queijosque estavam na estação", em Três Ilhas. Passadas horas, vol-tou o empregado dizendo que para trazer os queijos era precisoo carro-de-bois.

O barão ficou calado, não querendo dar a perceber quenão conhecia os queijos . . . Mandou o carro, que trouxe dozegruyère do tamanho de uma roda; e cada um com uns 30 quilos.

Quando apareceram as campainhas elétricas de pilhas, obarão mandou instalar uma, ficando o botão na entrada e a cam-painha na varanda. Certa vez estava na varanda, lendo, quandobatem palmas e gritam, chamando por ele.

Embora tivesse ouvido, continuou lendo, sem atender aquem insistentemente continuava a chamar até que, revoltado,gritou: "Não está vendo a campainha? Se não tocar não atendo!"

A família Alves Barbosa era aparentada com grande númerode titulares do Império. Seus parentes achavam-se localizadosdesde Mendes até Juiz de Fora. Os barões de Bemposta, Ca-pivari, Guaribu, Massambará, Ribeirão, e os viscondes de Cana-néia e Paraíba, estavam entre eles.

capítulo 14

Fazendas Pioneiras

O termo "pioneiras" é aplicado às fazendas oriundas desesmarias, ou desmembradas das três originais de Garcia. Na-turalmente, foram as devassadoras da mata; das citadas no ca-pítulo a última a se estabelecer foi a de Santana, em 1828, deum figurão do Primeiro Reinado amigo de Pedro l.

Estão incluídas algumas propriedades das quatro famíliasmais destacadas entre nossos fazendeiros. Delas, só os Bar-roso Pereira se estenderam por todo o município, inclusive aonorte e sul do rio; o autor cita deles 19 sedes.

As outras greis de fazendeiros se concentraram numa sóregião; os Santos Werneck ao oriente do município, com 11sedes na zona da Bemposta e São José do Rio Preto. Os SantaJusta (7 sedes) dividem com os Pereira Nunes (16) as verten-tes da serra das Abóboras; estes na do Paraíba, também maisextensa, aqueles na do rio Preto que nos separa de Minas.

Não está no capítulo a fazenda do Paraibuna (cf. nota 38),várias vezes referida no texto e focalizada com minúcia emapêndice a estudo no final do volume. Fundada por Garcia so-bre aquele rio, foi vendida pelos Paes Leme em 1805 aos An-drade. Dela se originou a de Serraria, de nosso primeiro presi-dente da câmara, que ali faleceu em abril de 1865 e está se-pultado em Paraíba. Pelo Natal de 1864 Hilário Joaquim de An-drade dividira entre os filhos cinco fazendas no Paraibuna.

A outra fazenda de Garcia, ao sul do Paraíba, é focalizadapelo autor a partir da venda da sede em 1832. Mas o seu des-dobramento começou muito antes, possivelmente logo após amorte de Pedro Dias Paes Leme no Rio, em 1785.

Não consideradas as fazendas de Garcia, nascidas com oCaminho, a ordem cronológica das "pioneiras" citadas no capí-tulo é aproximadamente a seguinte: Secretário, 1703; Gover-no, 1723; Sebolas, 1723 (talvez de pouco antes); Três Barras,1762; Mato-Grosso, 1775; Matozinhos, 1805/10?; Boavista, 1811;e Santana, 1828. AP

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146 PEDRO GOMES DA SILVA

FAZENDA DO SECRETÁRIO

José Ferreira da Fonte, secretário do governador do Rio deJaneiro, obteve a 7 de maio de 1703 as primeiras terras nãoconcedidas a Garcia Rodrigues Paes no território em que seformou nosso município. A fazenda que ali surgiu no Alto doPegado, do nome de seu filho e sucessor, António Pegado deCarvalho, fica no divisor de águas entre o Piabanha em Pedro-do-Rio e a atual vila de Secretário, sobre o ribeirão desse nome,afluente do Fagundes. As futuras Pedro-do-Rio e Secretárioforam ligadas por caminho quando por aí se desviou o que vi-nha da baixada pela falda da Maria Comprida.

Em 28 de agosto de 1734 o secretário obteve outra ses-maria de légua em quadra contígua à primeira no vale do ribei-rão, concedida por Gomes Freire de Andrade, recém-nomeadogovernador. Essa zona onde se abriu a grande fazenda estavaligada ao fundo da baía de Guanabara desde 1724 pelo Caminhodo Proença, e a Paraíba pelo menos desde 1721170.

Do filho do secretário as terras passaram a certo Manuelda Costa Guimarães e deste ao padre português António LealPenafiel, muito tempo radicado no Rio e que, doente de fraquezapulmonar, procurou na propriedade os bons ares da serra. Eaí viveu até 1824. Parece, adquiriu a fazenda em hasta públicae a desenvolveu bastante, construindo ampla e confortável sedeem sobrado e abrindo na grande gleba vários sítios, núcleosde seu desenvolvimento agrícola.

A um dos sítios deu o nome de Pampulha, homenagem aoseminário em que estudara em Portugal, que assim se chamava.Na subida do caminho para Sebolas, logo passada a ponte doFagundes, o pequeno arraial da Pampulha é citado em váriascrónicas de viajantes estrangeiros, que elogiam a salubridadedo clima e beleza da paisagem. Fica em nosso município.

Natural de Penafiel — como nosso barão Ribeiro de Sá,dali emigrado um século depois —, o padre, que acrescentaria

17°. A penetração de posseiros a partir do caminho de Garcia foi rápida,mas para além dos limites dos Paes Leme (de Paraibuna a Cavaru, léguaem quadra de ambos os lados), e especialmente no do Proença, livres asterras aí desde logo. Frei Estanislau (cf. nota 15) registra: "Ò vigário deInhomirim, pé. Veríssimo de Sá, deixou relatório de 30-07-1736 deste teor:"Certifico que vendo o rol dos confessados desta freguesia deste presenteano de 1736, nele achei, desde Engenhoca exclusiva até o distrito da Pa-raíba, ter 22 moradores e pessoas 343, entre brancos e negros."

"Moradores" ou fogos, é sítio ou fazenda, povoador estabelecido comfamília e agregados. E "negros" são de fato índios, ou o caboclo, tambémchamado curiboca, aí os primeiros mestiços de branco e índio na serrafluminense. Na época, toda peça da África, ou gentio da Guiné, era muitocara e não parava no Caminho, levada direto às minas para logo pagar seupreço em ouro. O café é que vai trazer a Paraíba e a todo o vale o negro.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 147

ao nome o de sua cidade, era homem inteligente e de bons tra-tos. Tinha ótimas relações com as autoridades do tempo.

Quem dirigia o serviço doméstico no Secretário era umaafilhada que ele criara, Mariana Rosa de Jesus. Vendo-a cres-cida e casadoura, mandou vir de Portugal o filho de um amigopara casar-se com ela, João Manuel Rodrigues Caldas.

João Manuel ficou administrador do Secretário, porém nãotinha tino administrativo e era mau para os escravos, o quemuito aborrecia o velho padre e sua afilhada, desacostumadosdesses modos.

Como administrador João Manuel foi logo chamado de ca-pitão. E por andar com uma palmatória enfiada na cinta, aque apelidou candelária, passou a ser conhecido, até pelos vi-zinhos, como Capitão Candelária. Com a palmatória esquen-tava de quando-em-quando os negros, não perdoando falta .. .

A negócio da fazenda do Secretário viajava amiúde ao Rioe certa vez, arrematando escravos para a fazenda no cais doValongo, entrou em contato com um rapazelho muito vivo queo quis acompanhar e viera fugido de Portugal, brigado com opai. O Capitão Candelária trouxe o garoto para o Secretário ecriou-o como filho, tornando-o homem trabalhador e de bonscostumes. Chamava-se Bernardo Ferraz de Abreu e casou-secom sua filha, Mariana Rosa, de nome igual ao da mãe. Desseconsórcio nascerá ilustre geração no Secretário.

Falecendo o padre Penafiel em 4 de julho de 1824, deixoupor testamento a seus irmãos em Portugal os prédios que pos-suía em Penafiel e inúmeras verbas para as capelas dos arre-dores e daquela localidade. E instituiu seus herdeiros os fi-lhos da afilhada com o Capitão.

No ano em que se encerrou o inventário — só em 1847! —os herdeiros eram dez, quatro mulheres e seis homens. Des-ses, vale registrar António José Rodrigues Caldas, médico,então com 30 anos e que teve papel saliente na organização daGuarda Nacional em Sebolas, onde ocupou o cargo de juiz-de-paz; Maria Adelaide, em segundas núpcias casada com o co-mendador Joaquim António dos Passos, depois fazendeiro im-portante no município; e Mariana Rosa, a filha do Capitão quese casara com o menino emigrante do Valongo, já então mortamas que deixou um filho, na ocasião de 12 anos, que iria pro-jetar-se na vida pública.

Carlos Ferraz de Abreu foi juiz de direito em Valença, chefe-de-polícia no Paraná e presidente de Santa Catarina. Adquirin-do a fazenda da Julioca, pouco a jusante de Areal sobre o Piaba-nha e aberta pelo major Júlio Frederico Koeler, ali faleceu.

O padre Penafiel, acostumado a bons ambientes e conforto,construíra no Secretário uma sede imponente, hospedando todas

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f

148PEDRO GOMES DA SILVA

as autoridades que passavam peio Caminho em viagem entreMinas e o Rio. Era geralmente o pernoite que antecedia aoda fazenda do Governo, este, o último antes do rio e Paraíba.

Na noite de 1.° para 2 de janeiro de 1831 ali se hospedouPedro l. Ele e a comitiva haviam passado a noite do Ano-Novona fazenda de Correias.

No Secretário desde o início do povoamento se levantara acapela de Nossa Senhora da Lapa, uma das quatro de serra-aci-ma pertencente à extensa freguesia de Anhum-Mirim, na bai-xada, antes da criação em 1815 da freguesia de São José doRio Preto. Essa capela, que se incendiara, foi reedificada porJoão Manuel Rodrigues Caldas, o Capitão Candelária, em 1837,com novo cemitério.

Contraindo febre amarela em viagem ao Rio e falecendo,o Capitão foi substituído, talvez até com vantagem para a fa-zenda, pela viúva, D. Mariana Rosa de Jesus, sob cuja direçãoo Secretário atingiu o seu apogeu económico. Faleceu a ma-trona bem entrada em anos, em 1870. Na sacristia da capelade Nossa Senhora da Lapa há retrato seu a óleo. Está enter-rada no cemitério do adro.

Com sua morte o co-herdeiro Bernardo Ferraz de Abreu,seu neto e homónimo do avô, comprou a parte dos demais her-deiros e ficou senhor único do Secretário. Já possuía duasmais, as fazendas da Cachoeira e Oriente, e foi feito coronelda Guarda Nacional e visconde de São Bernardo. Residia embela chácara em Petrópolis, onde foi presidente da Câmara.

Por morte do visconde dividiu-se a fazenda entre a filhaCarlota Ferraz Caldas, viúva de João Rodrigues Caldas, e seusnetos Carlos Caldas e Adelaide. Esta se casou com GustavoBittencourt Cotrim, que tomou parte na revolução contra o go-vernador Portela, iniciada em Paraíba em 1891. Posteriormen-te, aderindo no Paraná à causa dos revolucionários contra omarechal Floriano Peixoto, foi comandante do último ataque àcidade da Lapa, defendida pelo general Carneiro171. Feridonesse combate veio a falecer em Curitiba, para onde fora trans-portado moribundo.

A fazenda do Secretário ainda se compõe de todo o terri-tório de que foi senhor o visconde de São Bernardo, por teremsido as partes de outros herdeiros adquiridas pela filha Carlotae um genro, o dr. José de Barros Franco Neto.

i". Episódio da Revolução Federalista Riograndense, de 1893. GumercindoSaraiva cruzou Santa Catarina à frente de uma coluna e atacou a cidade daLapa, sul do Paraná, defendida até o fim pelos legalistas sob o comando dogeneral António Ernesto Gomes Carneiro. Lapa capitulou a 11 de fevereirode 1894, dois dias após a morte do general. O ultitnatum para a capitula-ção foi enviado aos defensores pelo general Laurentino Pinto Filho.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 149

A fazenda do Alto do Pegado, que confina com a da Ca-choeira, fez parte também do Secretário e foi desmembradapor partilha, passando ao comendador Joaquim António dosPassos e seus filhos. Pertence atualmente ao capitão JarbasCabral Werneck de Carvalho, que a herdou de seu pai, o co-ronel Guilherme José Werneck de Carvalho.

Parte da fazenda Fagundes, à qual pertencia a situaçãochamada Pampulha, também era terra do Secretário.

Ainda eram parte da grande sesmaria do século XVIII asfazendas de São José, do coronel António José Teixeira, e Rio-Pequeno, do capitão Ernesto José da Silva Leal.

O dr. José de Barros Franco Neto, proprietário da fazendaSecretário, sempre dividiu sua atividade entre os municípios deParaíba do Sul e Petrópolis, não descuidando da cultura emsuas terras ubérrimas de cereais, café e criação de gado.

A tradicional Secretário se localiza na última fração denosso município perdida para Petrópolis que, apertada entremontanhas, se expandiu Piabanha abaixo e chegou ao Fagundes.

FAZENDA DA VÁRZEA

A fazenda da Várzea, que primitivamente foi conhecida porNarchea, compunha-se de uma área de quatro sesmarias per-tencentes ao bandeirante Garcia Rodrigues Paes, o Fundador.

Com a morte de Garcia, em 1738, seu património passouao filho Pedro, que incorporou ao nome o apelido Leme. Abertoo testamento de Pedro Dias Paes Leme no Rio de Janeiro, em1785, a grande fazenda da Várzea coube ao filho José PedroFrancisco Leme, que a transmitiu à filha Joaquina Francisca daCosta Leme. Esta a vendeu ao coronel José Inocêncio de An-drade Vasconcelos em 14 de agosto de 1832. Adquirindo par-tes de outros herdeiros, fez da Várzea o coronel magnífica pro-priedade, imperando fina aristocracia mais tarde ali.

Quando José Inocêncio comprou a sede da Várzea, já parteda grande fazenda do século XVIII fora adquirida pelo sargento--mor Manuel Borges de Carvalho, senhor das grandes áreasconhecidas por Engenho do Cavam17-. Era homem de atividadesingular e grande patriota. Em setembro de 1824 hospedou emsua fazenda durante quatro dias grande número de soldados daCompanhia de Cavalaria da 2.' Linha da província de Minas Ge-

i"-'.: Já vimos que as roças do Cavaru são das primeiras do Caminho eabertas por Garcia. E o Carvalho citado, talvez p pioneiro na compra'deterras aos Paes Leme, é tronco da grande família desse nome na divisa Pa-raíba-Vassouras, a que pertencia Rubens Soeiro de Carvalho (1901-1977],jornalista e professor (e ótimo center-half do RiachueFo na mocidade!.

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150 PEDRO GOMES DA SILVA

rais, expedicionária à Corte para apoiar Pedro l, que passava aimpor sua política à força.

O coronel José inocêncio de Andrade Vasconcelos eranatural de Taubaté e se casou com Inocência de Carvalho eSousa, filha do sargento-mor Manuel Borges de Carvalho, em20 de março de 1820, constituindo assim os habitantes da Vár-zea uma só família. Eram muito unidos e de bom trato, for-mando uma sociedade de escol que vem sendo mantida atéhoje pelos descendentes.

Na Várzea havia festas alegres e pomposas, onde imperavaaprimorado gosto e duravam dias, com o dono da casa de so-brecasaca, assim como todos os convidados. Era exímio mar-cador de quadrilha e gostava da boa música. Foi cavaleiro deprestígio no município, exercendo diversos cargos públicos,como membro da primeira Câmara, em 1833.

Era a Várzea zona bastante povoada e em 1836 seus prin-cipais moradores, entre si aparentados, eram Calixto CândidoGonçalves, fundador do Sertão do Calixto, localidade na serraao sul de Cavaru; capitão João José Alves, casado com AnaVital de Carvalho; capitão Bento Borges de Carvalho, casadocom Maria Salomé e filho do senhor da fazenda do Cavaru;António da Silva Pereira de Azevedo, casado com Maria Rita deJesus Carvalho; Felisberto Borges de Carvalho, casado comMaria Cândida de Carvalho; José Esteves Pereira, casado comCândida Rita de Carvalho; Manuel Joaquim Carvalho, casadocom Maria José de Carvalho; Paulo Fernandes de Carvalho, ca-sado com Carolina Cândida de Carvalho; José Borges de Carva-lho, casado com Francisca Joaquina Borges de Carvalho; e llde-fonso Borges de Carvalho.

Por volta de 1865 a Várzea estava no seu apogeu. Nopalco da fazenda representavam artistas da Corte, especial-mente contratados. Nessa época esteve por lá, reabilitando-sedo fracasso sofrido na vila da Paraíba, onde quase faliu e per-deu algumas de suas feras, mortas por falta de alimentação, oacrobata Pedro Adams e Zoológico e Companhia Equestre.

Outra figura notável da Várzea foi o médico José AlexandreSoeiro Faria, cavaleiro sempre bem-humorado, que se aliou àimportante família casando-se com Francisca Elisa de Carvalho,neta de Manuel Borges de Carvalho, do Cavaru.

O coronel José Inocêncio de Andrade Vasconcelos173 fale-

!". Foi vereador muito operoso, mas se afastou da política. Por ser defora e ligado ao marquês, Hilário e Barroso, paraibanos e de fato os pro-motores da vila, lhe passaram os contatos que solucionaram a questão dopatrimónio municipal. Os dois maiores na fundação da vila estavam quei-mados para essa negociação, dada a longa luta de nove anos na Câmaracom os procuradores que ali conseguiu infiltrar a ambiciosa família.

í CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 151

céu de febre amarela em 27 de abril de 1878, deixando os se-guintes filhos: Joaquim Inocêncio de Andrade, Emídio, MariaAngélica, Manuel, Carolina Eufrásia (casada com João GarciaPinta), Carolina Francisca (casada na família Gomes Pereira),Mariana Rita (casada com Manuel Pedro), Mariana Augusta eAntônia Eufrásia, casada com José Cândido de Carvalho, esse,figura de destaque mais tarde no município.

Não mais existe a sede da famosa fazenda da Várzea174.

FAZENDA DO GOVERNO

Jorge Pedroso de Sousa, coronel de um regimento de Or-denança da vila de Parati, requereu uma sesmaria "onde aca-bam as terras da sesmaria de José Borges Raimundo no sertãoda serra do Frade e da Tocaia Grande na vargem do rio Paraíba,correndo por detrás da rocinha da vargem do capitão-mor Gar-cia Rodrigues Paes até o mesmo rio Paraíba, uma légua emquadra". E obteve a sesmaria em 30 de dezembro de 1725,pagando 400 réis de novos direitos, passando-a menos de cincoanos depois ao capitão José da Costa Almada por escritura de14 de agosto de 1728 no tabelião Manuel de Vasconcelos Velho.

Almada e sua mulher, Maria Ribeiro, passaram logo a ses-maria ao governador Aires de Saldanha, em 16 de agosto de1728, na pessoa do procurador José Ferreira da Fonte, o mesmoque em 1703 recebera a sesmaria que denominou Secretário175.

Tendo o governador Aires de Saldanha e Albuquerque Cou-tinho Matos e Noronha adquirido a sesmaria, esta levou pormuito tempo o nome de Sesmaria do Governo, doando ele me-tade à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, que ven-deu sua parte a Manuel Corrêa Vasques, a quem ficou depoispertencendo toda a sesmaria, como declara a escritura no tabe-lião Francisco Xavier da Silva em 11 de junho de 1741. No

i?*. Ver nota 39. Chamam hoje Vargem a fazenda existente no local.175. É evidente que esse secretário do governo do Rio de Janeiro (serviusob vários governadores) fazia especulação com terras, o que se vai inten-sificar entre os áulicos das cortes dos vice-reis, do rei e do primeiro impe-rador, alguns, testas-de-ferro dos próprios.

Adiante se verá o filho e herdeiro de Garcia fazendo o mesmo, aoadquirir em 1741 essa fazenda do Governo, que da sua Narchea (Várzea)ficava na sobre-quadra, parece, expressão usada para indicar nos fundos.passando-se sobre a quadra de alguém a contar da testada, geralmente numcaminho, para atingir-se determinada terra.

No nascedouro da fazenda das Três Barras, adiante, em 1762 essemesmo Caetano Borges da Costa que em 1750 adquire do Paes Leme oGoverno, requer como procurador para outrem, na sobre-quadra da sua asesmaria que dará origem à tal fazenda. Começou a fazer negócio tambémcom terras, o Caetano?

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152 PEDRO GOMES DA SILVA CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL t53

mesmo ano Pedro Dias Paes Leme tornou-se dono dela porcompra, a 21 de setembro.

Pedro, filho e sucessor de Garcia Rodrigues Paes, vendeua propriedade a Caetano Borges da Costa em 7 de abrii de 1750,cuja viúva se casou com Manuel José Dias e passou sua parteaos genros, sargento-mor António José da Cunha e capitão An-tónio José da Costa Barbosa; isso em 5 de dezembro de 1792.

O capitão Costa Barbosa tornou-se dono de toda a fazendado Governo, adquirindo o quinhão dos outros herdeiros e re-cebeu em 19 de junho de 1799 sesmaria de terras contíguas àsque já possuía, com requerimento do seguinte teor: "AntónioJosé da Costa Barbosa, proprietário do Governo, onde tem umengenho de açúcar e está levantando outro, pede terras nofundo da fazenda do Governo, sertão para a parte do Sardoal,onde há sobejos de terras que os seus antepassados sempreas estimaram por suas, e ermida de Nosso Senhor do Mato-zinhos, partindo por um lado com terras do mestre-de-campoFernando Dias Paes Leme e José Pedro Francisco Leme, e poroutro com terras do rev. padre Manuel Barbosa."

Já tenente-coronel, António José da Costa Barbosa mantevequestão judicial com os vizinhos por causa das suas divisas.Foi casado com Luísa de Santana, que teve as filhas FranciscaCândida, Policena.Augusta, Henriqueta Amélia e Adelaide.

Em suas terras abriu em seu tempo Costa Barbosa a pro-priedade Bela-Vista, que se dividiu na Cascatinha, e comprouas Três Barras a mais antiga no baixo Piabanha.

Por sua morte o património passou às filhas na seguintepartilha: a Henriqueta Amélia, casada com o coronel JoséJoaquim dos Santos, coube a fazenda Três-Barras; a Adelaide,casada com o capitão Francisco António da Costa Barradas, afazenda Bela-Vista, que ia até a Tocaia.

Essas terras das herdeiras mais moças eram a terça parteda fazenda do Governo original. As filhas mais velhas divi-diram entre si os terços restantes. Policena Augusta, casadacom dom José António Linhares, recebeu também a velha sede,que mais tarde passou a chamar-se Governo Velho.

Francisca Cândida, esposa do dr. Luís Nicolau Favre, mé-dico, construiu para sua residência o prédio da atual fazendaEremitório, com suntuosa capela interior em que se celebravammissas a que assistiam os escravos e vizinhos. O dr. Favreera de origem suíça.

Dom Linhares em nada melhorou sua fazenda, o GovernoVelho. Passou a maior parte da vida a questionar com vizinhos,mantendo rivalidades e ódios acesos.

Esse espanhol de pouca educação, que arrogava parantescocom a rainha Carlota Joaquina, iniciou a vida como contraban-

dista, mercadejando ferro para feitura de ferraduras para ani-mais. Burlava as leis, não pagando os direitos sobre o ferrocobrados na divisa com Minas Gerais. E de volta atravessavadiamantes, escondendo-os nas bestas-de-carga. Nos surrõesonde carregava ouro enchia o fundo de cera, para que pepitasficassem presas na pesagem para cobrança dos direitos.

Nesse criminoso comércio foi que conseguiu riqueza. Comofazendeiro foi o maior tirano conhecido no município, martiri-zando escravos, marcados a ferrete como se fossem gado.

Dom Linhares impedia de-quando-em-quando o trânsito pelaestrada pública que atravessava suas terras, o que obrigavaconstante intervenção das autoridades para atender às recla-mações da vizinhança e viajantes. Quando implicava com umvizinho, mandava à noite seus escravos sangrarem os animaisdo desafeto. E não era bom marido. Tanto que mesmo na-quela época Policena Augusta conseguiu separar-se legalmentedele. Fez partilha amigável de todos os bens do casal por sen-tença de divórcio perpétuo proferida contra o marido na cidadeda Bahia, por acórdão de 5 de julho de 1835.

Mesmo depois do divórcio dom Linhares não abandonou afazenda do Governo Velho, sendo a ex-esposa obrigada a ven-der o que lhe restava. A 27 de setembro de 1839 vendeu "osranchos na paragem João Grande176 e a sexta parte da fazendaEngenho do Governo, com gado vacum, cavalar, muar e ove-Ihum; e escravos, safra de plantações e móveis por 12:000$000ao dr. João Crisóstomo Pinto Fonseca".

Muito ao contrário de dom Linhares era o dr. Luís NicolauFavre, que levantou em sua parte da fazenda do Governo novasinstalações e modernos engenhos de açúcar, despachando oproduto para o porto da Estrela em caixas por suas tropas debestas. Fez na fazenda hospital e senzalas higiénicas. Tinhatambém lavoura de café.

Faleceu o dr. Favre em 29 de março de 1847, sem filhos.Ficando viúva, casou-se Francisca Cândida a 4 de outubro

de 1847 com o dr. Joaquim António Pereira da Cunha, advogadodo espólio, o qual se tornou assim o décimo proprietário dafazenda do Governo. Resolveu casar-so com ele "por ser umrapaz pobre" e para ajudá-lo.

Durante o tempo em que a fazenda do Govnrno pertenceuao advogado Pereira da Cunha foi visiladii por ilustres viajan-tes, entre eles Charles Ribeyrollos, oxpulso da França comVictor Hugo; o dr. Glaziou, botânico IrnncoM; o o comiolheiro

i"«. Essa paragem é citada por variem r.mnlntim nnirinuinli'"n VA-Ho a!que era sítio do Governo sobre o caminho, r.om ninclum paru tropeiros oviajantes. Creio, ficava na grande várznu diminuiu liojn Mm.ilijo».

Desconheço o citado entre aspas; ponslviiltnmiin, « proprln «nnrlturn.

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154 PEDRO GOMES DA SILVA

dr. José Saldanha da Gama, catedrático da Escola Politécnica.A princípio ele viveu em perfeita harmonia com a mulher,

melhorando sempre a fazenda. Mais tarde, porém, meteu-seem tamanha jogatina que perdeu quantias enormes. Envolven-do-se também na política, foi vereador em várias legislaturas,gastando dinheiro em catadupas. Em pouco tempo veio-lhe aruína inexorável, obrigando-o a vender a tradicional fazenda parapagar dívida hipotecária aos herdeiros do barão de Diamantina.

Sem filhos, Francisca Cândida faleceu em 22 de agosto de1863, sendo enterrada na Igreja de Matozinhos e deixando portestamento a sua afilhada Eulália, filha do dr. José Saldanha daGama, a quantia de 5:000$000,

Matias Bernardino Alexandre foi o undécimo proprietárioda fazenda do Governo.

Pessoa curiosa, polaco de nascimento, chegando ao Rio deJaneiro sem recomendação de espécie alguma, a polícia jul-gou-o vagabundo e prendeu-o. Ele porém explicou-se: "queriatrabalhar e, se a polícia lhe fornecesse meios para ganhar avida, haveria de dar provas disso". Como se arranjou com apolícia, não sabemos . . .

Homem muito inteligente e ativo, em pouco tempo conse-guiu pequeno capital, tornando-se logo mascate. Afreguesan-do-se numa fazenda em Pati do Alferes, conseguiu casar-se comsua proprietária, que era viúva. Aumentou consideravelmentea riqueza da esposa e cuidou das legítimas dos enteados, osquais se tornaram seus amigos.

Como proprietário do Governo desenvolveu grande ativi-dade, conseguindo aumentar assombrosamente seu pecúlio etornando-se protetor de todos os vizinhos. Isso lhe valeu gozarna zona grande renome, e foi em 1873 agraciado com a comendada Ordem de Cristo, em atenção aos serviços prestados à ins-trução pública da sua freguesia.

No Rio de Janeiro frequentou a melhor sociedade e hospe-dava-se no Hotel dos Estrangeiros, o da moda na época. Fez-sebanqueiro e perdeu grandes somas no trust brasileiro do café.

Matias Bernardino Alexandre era bom-garfo e tinha umventre enorme. Quando se sentava a mesa precisava comidapara três. Depois de comer uma feijoada na Encruzilhada,teve congestão cerebral e foi transportado em estado de comapara sua fazenda. Mas se disse que havia sido envenenado.

O comendador não tinha crença religiosa, usando a tradi-cional capela da fazenda como depósito de arreios para animais.E por ocasião da Guerra do Paraguai mandou ao Governo Impe-rial a importância de 10:000$000> destinada a quem conseguisseprender o ditador Só lano López,

Com a morte dele a fazenda passou a seus sobrinhos na-

CAPÍTULOS DE HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 155

turais da Polónia, Samuel Levy, Bina Salomon, nascida Jub-luscki e viúva de David Salomon, Ester Zuse Cook e seu marido,Aaron Cook, residentes em São Francisco da Califórnia; e ZyseGouzion, residente na Polónia russa.

Os sobrinhos do comendador foram os duodécimos proprie-tários da fazenda do Governo e estiveram dois anos na possedela, de 1878 a 1880.

O advogado José Gonçalves Viriato de Medeiros foi o dé-cimo-terceiro proprietário da fazenda do Governo, de 1880 a1896. Era de cultura jurídica incomum. Casou-se com SarahBlackall, natural de Londres e viúva do industrial italiano DelVecchio que, metido em conspirações políticas na Itália, tevede fugir para a Inglaterra em companhia de Mazzini. O dr. Vi-riato mudou o nome da fazenda para o da cidade em que nas-cera, no Ceará, Sobral.

Foi na época o mais notável e hábil advogado do foro deParaíba do Sul. Exerceu por várias vezes o cargo de vereadore presidente da Câmara, prestando sempre bons serviços àcausa pública. Era irmão do senador João Ernesto Viriato deMedeiros, engenheiro militar e representante da província doCeará; e de Trajano Viriato de Medeiros, desembargador daRelação da província do Rio Grande do Sul. Com louvável bri-lhantismo, José Gonçalves Viriato de Medeiros representou oEstado do Rio de Janeiro na primeira Constituinte Republicana.

D. Sarah era uma senhora extremamente bondosa. De seuprimeiro matrimónio com José dei Vecchio teve três filhos:Adolfo, formado em engenharia, Júlia e Alfredo. Do segundonasceram Eugenia, que se casou com António José de MirandaCarvalho, Armando e Ester.

O atual proprietário, décimo-quarto em ordem cronológicado antigo bom-Governo, é o dr. António José de Miranda Carva-lho, médico ilustre descendente de velha família sulparaibanade origem mineira há mais de um século domiciliada no muni-cípio. Foi presidente da Câmara Municipal, mas acabou dei-xando a política por achá-la "contrária aos interesses públicos".

Com a vitória da Revolução de 1930 foi convidado a presidiro Conselho Consultivo do município, órgão então criado a queserviu com ardor e patriotismo. Demitiu-se em 1935, tal a di-vergência de ideias e princípios com o prefeito da época.

FAZENDA DE SEBOLAS

Francisco Gonçalves Teixeira, português natural de Santanade Seráficos, arcebispado de Braga, e a mulher Ana MarianaBarbosa de Matos177, nascida no local "Santana do Caminho

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de Minas, filha legítima de Leandro Barbosa de Matos, naturalde São João de Meriti, e Ana Maria de Assunção, natural deSão Nicolau de Suruí, foram os abridores de uma grande roçaque levou o nome de sítio de Sebolas no Caminho de Minas"178.

Trabalhadores incansáveis, dentro em pouco transformaramsuas terras em ótima propriedade, escolhendo para local dasede da fazenda um sítio defronte à capela de Santana'70, cons-trunindo aí engenhos, senzala, currais e prédio assobradado,à margem da Estrada Real de Minas para o Rio de Janeiro.

Do casal Francisco Gonçalves Teixeira e Ana Mariana Bar-bosa de Matos nasceram os filhos seguintes:

1. José António Barbosa Teixeira, mais tarde o conhecidoCapitão Tiramorros; 2. Leandro Barbosa Teixeira de Matos, quese casou com Ana Maria de Assunção Proença, filha de Fran-cisco Fagundes do Amaral e Águeda Gomes de Proença, nas-cendo desse casal os filhos seguintes: a) Francisco AntónioBarbosa; b) Ana Cândida Barbosa; c) Mariana Cândida Barbosa;d) Maria Perpétua do Rosário; e) Clara Maria Barbosa; f) Felici-dade Perpétua Barbosa; g) Leandro Barbosa.

3. Maria Feliciana Barbosa, que se casou com o sargento--mor Luís António Lima, mais tarde proprietário da fazenda Fa-gundes e da situação Ingá.

4. Bernardino Barbosa. 5. Paula Barbosa de Matos, ca-sada com Domingos Marques, morador na fazenda do Governo.

Francisco Gonçalves Teixeira tinha ainda uma filha nascidaem Meriti, de nome Salomé, que se casou com Manuel LuísPereira, furriel do Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro.

Ana Mariana Barbosa de Matos foi uma mulher singular;educou todos os filhos e ela mesma tratava de os colocar. Eramulher revolucionária, fervorosa partidária das ideias liberais e,J TT. A tradição fez dessa fazendeira a grande entusiasta das ideias daInconfidência em Sebolas, onde sem dúvida (nota 114) o alferes teve suas"infames práticas", expressão da sentença do Tiradentes baseada na de-núncia de Silvério dos Reis, que disse tê-lo ouvido pregar a revolta ali.IT8. A prioridade em Sebolas de Francisco Fagundes do Amaral (nota 110)está assentada. Gonçalves Teixeira chegou depois de sua morte em 1732,t'". Resta da sede da fazenda de Sebolas do tempo de d. Ana Marianae do Tiradentes, parece, um único documento: o quadro que em 1886 man-dou pintar seu proprietário, José Laureano Mendes, e que seu neto LeãoMendes Leão cedeu ã família de Luís Carlos Tavares Coelho, nascido navila e dedicado à sua história. A reprodução fotográfica desse quadro apa-receu no opúsculo Tiradentes em Paraíba do Sul (1972), distribuído na inau-guração do Conjunto Histórico Tiradentes em Sebolas por Nelson Aguiar.

Hoje resta da fazenda apenas o lance de escadas de pedra de acessoao pequeno alpendre de entrada, avarandado e com vidraças no quadro doLeão, mas que ao tempo devia ser treliça de madeira, a gelosia colonial.Curioso no quadro, ainda, é o socavão sob a pequena varanda, de onde odelator afirmou ter ouvido a fala do alferes (cf. nota 177).

CAPÍTULOS DE HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 157

como tal, protegia tanto quanto possível o movimento que fezde Tiradentes um mártir. Por diversas vezes hospedou Tira-dentes e era admiradora do credo que ele pregava, juntamentecom seu irmão, o padre Paulo Manuel Barbosa, que foi cura emSantana de Sebolas por muitos anos.

O padre Paulo era também fazendeiro, pois em 6 de dezem-bro de 1794 comprou dos herdeiros de Manuel Lopes de Figuei-redo, por 12.000 cruzados, a fazenda Ribeirão dos Cavalos, noCaminho de Minas. Era uma figura conhecidíssima no Cami-nho, não pelos grandes haveres mas pela exótica personalidade.Era gordo, tinha um grande papo e, para manter-se de pé eandar, era preciso firmar-se em grossa bengala. Usava umenorme e artístico crucifixo de ouro pendurado ao peito, equando se zangava dizia: "Se este falhar (era o crucifixo),este não falhará!" E mostrava um respeitável bacamarte quetrazia à cinta.

Existe ainda em Sebolas um córrego que traz o seu nome:ribeirão do padre Paulo. Por certo, residiu por ali.

Já era a fazenda de Sebolas magnífica propriedade quandofaleceram Francisco Gonçalves Teixeira e Ana Mariana Barbosa,sendo a fazenda partilhada entre seus filhos.

De uma grande parte fez o guarda-mor Leandro Barbosa Tei-xeira uma boa propriedade, ficando a sede da fazenda de Sebo-las com o irmão José António Barbosa Teixeira, que era o guiada família. Ele aí viveu muitos anos e, "por fragilidade humana"nasceram-lhe de Maria Joaquina da Encarnação dois filhos:António e Mariana, os quais o capitão José António, por escri-tura pública, reconheceu como seus universais herdeiros.

António foi o cónego António José Barbosa e França, curada freguesia do Santíssimo Sacramento da Corte. Mariana ca-sou-se em primeiras núpcias com José Antunes Barbosa, comfazenda em terras que hoje pertencem ao distrito da Bemposta,de cujo matrimónio nasceram dois filhos: Leopoldina Barbosa,casada com Manuel Jacinto Ferreira, e José Antunes Barbosa.

Mariana casou-se em segundas núpcias com António LopesRibeiro de Matos, não havendo filhos desse consórcio.

O capitão José António Barbosa Teixeira era homem deatividade pouco vulgar. Derrubou matos para abrir lavoura e,como haviam feito na Mantiqueira, abriu em toda a zona deSebolas inúmeras estradas, cortando morros e substituindoassim as tradicionais picadas que coleavam pelas encostas.Chegou a ser um grande empreiteiro de obras em toda a Es-trada Real de Minas, razão pela qual foi por Dom João VI, quemuito o protegia e admirava, cognominado Capitão Tiramorros,apelido que acrescentou ao nome, passando a assinar: JoséAntónio Barbosa Teixeira Tiramorros.

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O capitão era respeitadíssimo em toda parte, não só pelabravura pessoal como pela estima que gozava do Poder Régio.

Certa vez, indo à missa em Sebolas, no adro da igreja re-cebeu o coice de um cavalo. Arrancando da espada, que nãoo desamparava nunca como a farda, cortou a perna do animal.O dono, respeitosamente, ainda lhe foi pedir desculpas.

Na fazenda de Sebolas fez o capitão grande cultura de ca-na-de-açúcar, instalando engenhos. Já era rico fazendeiro quan-do se casou com Mariana Jacinta de Macedo, viúva e sua vizi-nha, proprietária de grande extensão de terras. Nessa épocao Capitão já havia sido promovido e era conhecido por coronel.

Na fazenda de Sebolas se formou o tronco das grandes fa-mílias Barbosa e Teixeira, que desde então foram-se entrela-çando com as demais do Caminho de Minas.

FAZENDA DAS TRÊS-BARRAS

"António Cordeiro da Silva, português, morador na fregue-sia de Suruí e possuidor de muitos escravos, porém sem terraspróprias, tendo notícia de que nos sertões das sobre-quadrasdas terras da fazenda de Caetano Borges da Costa do caminhoque vai do Rio de Janeiro por Inhomirim para as Minas-Gerais",se achavam tais terras devolutas, de matas incultas, requereuque se lhe desse de sesmaria "uma légua em quadra, na pas-sagem chamada dos Freixeiras, para a parte do Nascente, con-frontando para a parte do Poente com as terras de CaetanoBorges da Costa, seguindo o rumo do Nordeste".

António Cordeiro da Silva passou procuração a CaetanoBorges da Costa e este em seu nome tomou posse judicial dasesmaria em 22 de setembro de 1762, que tinha nessa ocasiãocomo confinantes apenas Caetano Borges da Costa e Domingosda Costa Almeida180. A confirmação da sesmaria pela Metró-pole é de 10 de março de 1764.

O segundo proprietário da fazenda das Três-Barras foi An-tónio José da Costa Barbosa, que já possuía a do Governo. Em1802 requereu judicialmente a demarcação da fazenda, feitapelo piloto João Cardoso de Lemos, o qual marcou os limites"com cruzes e picos nos paus". Foi julgada por sentença de12 de março de 1804 essa demarcação.

A sesmaria tomou o nome Três-Barras por ser a sede pertodas barras dos rios Paraibuna e Piabanha no Paraíba.

Por falecimento do capitão António José da Costa Barbosa

is». Ambos pediram a ereção da capela de Sebolas, em 1769. São dosmais antigos povoadores do Sertão da Paraíba, e Caetano rastreado aí desde1750. A nota 175 o aponta como especulador. Em 1792 já era falecido.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 159

a fazenda coube em herança à filha Henriqueta Amélia, casadacom o coronel José Joaquim dos Santos. A posse é de 1819.

O coronel José Joaquim teve grande demanda com JoséAgostinho de Abreu Castelo Branco1*1, proprietário da fazendados Embargos, que limitava com a sua, por ter ele feito em1834 no córrego das Garças uma derrubada, aí levantando umrancho de pau-a-pique e plantado milho e café.

O coronel José Joaquim e sua mulher requereram judicial-mente em 12 de março de 1837 remedição da fazenda, aviven-tação dos rumos e tombamento da das Três-Barras. Dada aprovisão judicial pelo juiz municipal da vila de Paraíba do Sul,Francisco José Leite Guimarães, e pagos os direitos novos evelhos (que foram de 540 réis), foi nomeado para fazer o tom-bamento o piloto José Ferreira Leal Vieira, tendo como auxiliarManuel António Barbosa.

Demarcada as Três-Barras e antes de julgada por sentença,José Agostinho de Abreu Castelo Branco, não concordando coma demarcação, pediu vista dos autos para opor embargos. Ojuiz Leite Guimarães, que funcionou no processo de medição,deferiu esse requerimento, mandando dar vista em auto apar-tado, baseando-se na Resolução de 16 de outubro de 1834.

Não concordou Agostinho de Abreu com esse despacho,alegando que a vista em auto apartado só tinha lugar quandohá mais de um embargante, o que não havia no caso, porquesomente ele era oponente. Afinal o juiz mandou juntar o reque-rimento aos autos e fazê-los conclusos a ele, em 19 de setembrode 1837. Agostinho de Abreu constituiu advogado e em 13 demarço de 1838 o juiz de direito da Comarca julgou por sentençaa demarcação feita pelo piloto José Ferreira Leal Vieira. Coma medição da fazenda das Três-Barras foram citados seus con-frontantes, que eram:

1. capitão Luís António da Silva Braga, por si e comotutor de seus irmãos Agostinho Correia Braga, Maximiano An-tónio de Sousa Braga, Maria Leocádia de Jesus, Francisca An-gélica de Jesus, Ana Rosa de Queiroz e Inocêncio GonçalvesBraga, os quais eram senhores da fazenda de Mar de Espanhado Paraíba;

2. José Caetano Machado e sua mulher, Mariana Jacintade Jesus, de Mar de Espanha;

3. António Barroso Pereira, sua mulher e filhos menores,dos quais era tutor na fazenda da Bemposta;181. Primeiro juiz municipal da vila, foi assassinado no caminho de suafazenda do Recato (capítulo Fazendas — Filhote). Sempre que se fala nele,está em questão, o que dá a pensar ter sido homem difícil. O nome dessafazenda no baixo Piabanha — dos Embargos — parece meio cabuloso. Oupicardia do ex-juiz em cima dos vizinhos?

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160 PEDRO GOMES DA SILVA

4. Manuel Pinto da Siiva e Castro e mulher;5. capitão Francisco António da Costa Barradas e mulher;6. viúva de José Pinto de Sousa, Antônia Maria Pereira,

meeira da fazenda de Santa Maria;7. Luís Simões da Rocha, por cabeça de sua mulher meei-

ra da fazenda de Santa Maria;3. Felício José Pereira, por cabeça de sua mulher, Inocên-

cia Maria Santana, meeira da fazenda Bom-Jardim;9. Leocádia Maria de Jesus, viúva de Roque Barbosa/meei-

ra da fazenda Bom-Jardim;10. Joaquim Soares Bernardes, por cabeça de sua mulher,

Feliciana da Conceição;11. Severino Pinto de Sousa, fazenda de Santa Maria;12. António Manuel Pinto de Sousa, fazenda de Santa

Maria;

13. José Ferreira Leal Vieira, por cabeça de sua mulher,Francisca Angélica de Jesus Leal.

Por morte do coronel José Joaquim dos Santos a fazendadas Três-Barras passou a José lldefonso de Sousa Ramos, advo-gado, casado com sua filha Henriqueta. Era filho de Baependi,em Minas; advogou primeiro em Valença e foi político de pres-tígio no Império. Presidiu a província do Piauí, onde o elege-ram deputado gerai. Presidiu também as províncias de Minase Pernambuco. Em 1853 foi escolhido senador por Minas Ge-rais, sendo três vezes ministro da Justiça do Império. Com-bateu no senado a construção da Estrada de Ferro Pedro II, che-gando a dizer ali em discurso que não podia "conceber comoduas paralelas de aço pudessem levar o progresso ao interior".

Foi agraciado com o título de barão das Três-Barras em1867. Nomeado conselheiro de Estado Extraordinário, em 1871,e Ordinário em 1876, era 1.° visconde de Jaguari desde 1872.

O visconde pouco tratava da fazenda, que esteve algunsanos sem lavouras, pois sua vocação era a Política. Passavaa maior parte de seu tempo no Rio de Janeiro e morreu nasTrês-Barras em 1883, deixando-a à esposa, que não tinha capa-cidade para dirigi-la.

Por algum tempo tomou a direção da fazenda o compadree vizinho Firmino Paula de Almeida, barão de Guaraciaba, quemorava do outro lado do Paraíba na fazenda de Santa-Fé, muni-cípio de Mar de Espanha, e acabou a adquirindo, desenvolvendorapidamente lavouras e criações e instalando moderna apare-lhagem para beneficiar café. Mas pouco depois faleceu a ba-ronesa de Guaraciaba ali de febre amarela e o barão, desgos-toso, nunca mais voltou às Três-Barras, vendendo-a ao médicoJosé Cardoso de Moura Brasil a 19 de abril de 1890.

O dr. Moura Brasil, sétimo proprietário das Três-Barras,

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 161

tinha grande estima por essa propriedade. Notável oculista,fundador da Policlínica Geral do Rio de Janeiro e por quarentaanos seu diretor, fez parte de todas as associações médicasde seu tempo, tendo sido ainda presidente da Sociedade Na-cional de Agricultura.

Na fazenda das Três-Barras dava consultas gratuitas sema-nalmente aos necessitados e gastou enorme fortuna para bene-ficiá-la. Mais tarde adquiriu a São João do Barreiro, contígua.

Por morte do dr. Moura Brasil os herdeiros venderam afazenda ao coronel Urbano de Andrade Reis, o oitavo proprie-tário, compreendendo a sede e 138 alqueires de terra. O atualé o dr. Arnaldo Guinle, nono senhor das Três-Barras.

FAZENDA MATO-GROSSO

Na segunda metade do século XVIII vieram de São Joãod'EI-Rei e se instalaram com roças na variante do CaminhoNovo, José Rabelo de Macedo e sua mulher Maria de CarvalhoDuarte, trazendo uma filha de nome Mariana Jacinta de Macedocasada de novo com António Barroso Pereira. Abriram lavou-ras perto da capela de Santana de Sebolas, em terras que ru-mavam com as do alferes Francisco António de Carvalho, seuparente, e de outros conhecidos de Minas Gerais que aí vieraminstalar-se quando as minas de ouro praticamente se esgotaram.

A propriedade aberta por José Rabelo de Macedo tomou onome de Mato-Grosso por existirem no local árvores de gros-sura fora do comum.

Por morte do fundador, a nova fazenda passou ao genro,António Barroso Pereira, um verdadeiro apóstolo do trabalho.Com recursos que trouxe foi ele comprando outras terras eanexando-as à fazenda do Mato-Grosso, tornando-se grande pro-prietário na zona, não sabendo mesmo ao certo onde findavamsuas terras. Deixou dois filhos, António e Madalena.

Ficando viúva, Mariana Jacinta de Macedo continuou a di-rigir sua enorme fazenda, até que resolveu casar-se com o vizi-nho solteirão, o coronel José António Barbosa Teixeira, o depoisconhecido Capitão Tiramorros, indo residir na fazenda de Sebo-las de propriedade do novo marido. Tornou-se assim o capitãoco-proprietário das vastas áreas que pertenciam à esposa e seestendiam por Bemposta, Santana de Sebolas e São José doRio Preto. Ligando as novas terras às que já possuía por con-cessão régia de 9 de setembro de 1805, e que iam até "emfrente ao marco da vila de Anta", fez-se o capitão senhor dazona desde Sebolas a Anta, ou seja, de todo o leste do terri-tório sulparaibano.

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O coronel José António Barbosa Teixeira abriu nessas ter-ras à margem do Caminho do Mar de Espanha a fazenda a quedeu o nome de Bemposta para instalar o enteado António Bar-roso Pereira, mais tarde primeiro barão de Entre-Rios, o qualfez grandes lavouras e melhoramentos na propriedade que lhefoi confiada. Deixando a Bemposta, estabeleceu-se depois emCantagalo, onde fundou grande fazenda por volta de 1817.

Com a saída do enteado da Bemposta passaram a residir alio coronel Teixeira e sua mulher, deixando a fazenda do Mato--Grosso para a filha do primeiro casamento de D. Mariana —Madalena —, casada com o alferes Dâmaso José de Carvalho.Faleceu este ainda moço em 1832, um ano antes da sogra, edo coronel, que se findou a 18 de outubro de 1834 já comen-dador da Ordem de Cristo.

Não havendo filhos do casal, da reunião de seu patrimóniose formou entre as futuras vilas de Sebolas e Bemposta grandelatifúndio de terras férteis nas bem-instaladas fazendas do Ma-to-Grosso, Sebolas, São Lourenço e Bemposta, todas com ex-tensa lavoura de café, milho e cana-de-açúcar. além de gadoe bestas-de-carga para o transporte até o porto da Estrela. Epaióis, engenhos, senzalas e sedes confortáveis. A da Bem-posta era enorme sobrado no centro de novos cafezais com50 000 cafeeiros novos.

Foram herdeiros desse grande espólio por parte de d. Ma-riana os filhos Madalena, viúva do alferes Dâmaso José de Car-valho, e o sargento-mor António Barroso Pereira, já instaladoem Cantagalo182; e por parte do coronel Barbosa o filho natural,António José Barbosa e França, e José Antunes Barbosa porcabeça-de-casal de sua mulher, Mariana Barbosa, filha tambémnatural do Capitão Tiramorros.

Quando em 1833 faleceu d. Mariana, o coronel promoveuruidoso processo contra o primeiro juiz municipal da vila deParaíba do Sul, José Agostinho de Abreu Castelo Branco, osobrinho dele e 1.° tabelião, Joaquim Paulo Pinto Ribeiro, e o2.° tabelião, António Teixeira Chaves, "pelo furto de folhas dosautos de inventário de minha falecida mulher, d. Mariana Ja-cinta de Macedo". Motivo por que foram pronunciados a prisãoe livramento.

O processo foi julgado na Corte pelo juiz de direito Lou-renço José Ribeiro. O coronel Barbosa mandou publicar a cer-tidão de todo o caso no jornal Correspondência, do Rio de Ja-neiro, em 1834. Esse jornal era impresso na tipografia de l. F.Torres, rua da Cadeia n.° 95. Pode-se dizer que foi seu último

i8-. Sesmaria ganha em 1317. É o vereador que em 1836 ataca os PaesLeme, defendendo o direito público. Feito barão de Entre-Rios em 1852 eum dos pais do município.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 163

ato público, de homem ativo e empreendedor, pois faleceu emoutubro do mesmo ano.

O alferes Dâmaso José de Carvalho, marido de Madalena,falecera em 2 de setembro de 1832. Coube à mulher cuidar daeducação dos filhos, ainda muito jovens:

1. José, com dezesseis anos de idade, mais tarde barãoe depois visconde do Rio-Novo, grande proprietário das fazen-das Boa-União, Cantagalo e Piracema, e de prédios em São Joãod'El-Rei, Rio de Janeiro e Paraíba;

2. Carolina, de treze anos de idade, depois proprietáriada famosa fazenda do Calçado, distrito da Bemposta, casadacom o negociante abastado da praça do Rio de Janeiro, Fran-cisco Inácio Pinto;

3. Mariano, idade nove anos, mais tarde proprietário daimportante fazenda Santarém, distrito da Bemposta. casado comIsabel Werneck Barroso de Carvalho;

4. Maria José, idade três anoslíí::. "Inscreveu-lhe o des-tino no livro supremo a vida matinal das rosas, banhadas peloorvalho perfumado, pela luz vitoriosa, pelo calor radiante dosol; durou quanto dura a beleza peregrina: faleceu inda menina".

As terras que couberam a Maria José por morte de seupai foram posteriormente, pelo grande coração de sua mãe,doadas à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro para"socorrer a pobreza enferma que carrega a um tempo duas cru-zes pesadas: a da doença e a da indigência". Essas terrassão ainda ocupadas por muitas fazendas que pagam foro à SantaCasa de Misericórdia do Rio de Janeiro.

5. António, idade dois anos; por morte de seu irmão Ma-riano, proprietário da fazenda Santarém, casou-se com a cunha-da, Isabel Werneck;

6. Dâmaso, idade um ano, mais tarde o tenente-coronelDâmaso José Barroso de Carvalho Jr., proprietário das fazendasEstiva, município de Juiz de Fora, Piracema, distrito de Entre-

!8:í. Inspirando-se na comoção entre os escravos da fazenda Mato-Grossopela morte dessa menina, mudando porém a época dos anos 30 para finsdos 60 (identificada ao citar a ponta dos trilhos em Entre-Rios), e passandoa ação para o impressionante cenário do quadrado de senzalas da fazendado Calçado, o escritor Cornélio Pena (1896-1958), com A Menina Morta (J.Olympio, Rio, 1954), escreveu um dos maiores romances de nossa literatura.

Mestre do romance dito psicológico, descreve o fim repentino de grandefazenda de café a partir da consternação das senzalas pela morte da sinha-zinha querida e para os negros santa. O desfecho do romance num climadoloroso deprime o leitor; revela porém a mão de mestre com que o es-critor mineiro, homem religioso, mostra a precariedade da vida brilhantenas fazendas de café e o efeito deletério do dinheiro na alma humana.

Desconheço a autoria do excerto aspeado pelo autor após o nome damenina morta. Parece a pista encontrada por Cornélio Pena para chegarà sua grande obra.

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Rios, Calçado e Água-Fria, distrito da Bemposta, e Mato-Grosso,berço da família, em condomínio com seus irmãos. Rico pro-prietário no Rio de Janeiro e em Paraíba do Sul, foi pai do dr.António José de Miranda Carvalho e Saint-Clair de MirandaCarvalho.

Madalena Maria Pereira, ficando viúva, não quis saber denovo casamento. Continuou educando os filhos e desenvolveuem sua fazenda do Mato-Grosso a plantação de algodão, obten-do grandes colheitas. Possuía muitos teares para tecer fioscom que produzir pano.

Nos teares trabalhavam as escravas durante a gravidez.Corno possuísse muitos escravos, desenvolveu uma primitivaindústria de pano, chegando a fornecer tecido de sua fabricaçãoaos vizinhos. Tecido grosso, apenas para roupa da escravaria.

Aumentou muito sua riqueza depois de viúva, tendo arru-mado ainda em vida todos os filhos, que seguiram a tradiçãoda honrada família.

Madalena gostava de andar a cavalo, correndo suas la-vouras com arma-de-fogo presa à cabeça da montaria. E faziatenaz combate à saúva. Por ocasião dos enxames mandava osmoleques catarem tanajuras, pois lá todos trabalhavam.

Faleceu em 1870 com a idade de 81 anos, deixando portestamento 4:000$000 para serem distribuídos aos pobres dafreguesia de Sebolas no dia do seu enterro.

FAZENDA DE MATOZINHOS

O tenente Joaquim José dos Santos Silva, natural de Pi-tangui, Minas Gerais, adquirindo terras desmembradas da gran-de fazenda da Várzea, dos herdeiros de Teresa Forjaz de Ma-cedo Leme e Isabel Horta Paes Leme, descendentes do coronelJosé Pedro Francisco Leme184, fundou uma grande fazenda aque deu o nome de Engenho do Matozinho do Sardoal- Maistarde aumentou seus domínios, adquirindo outras áreas, tam-bém da fazenda da Várzea, pertencentes aos herdeiros de InácioDias Paes Leme e Martim da Câmara Leme, tornando-a magní-fica propriedade.

O tenente Joaquim José dos Santos Silva era casado comJoaquina Rosa, filha de Luís Gomes Ribeiro e irmã de três titu-lares: visconde da Paraíba, barão de Guaribu e barão de S. Luís.

Era também, além de grande proprietário, procurador deseus parentes Paes Leme, senhores das terras que hoje com-

184. Filho de Pedro Leme e neto de Garcia. A fazenda é a antiga Narchea,que não resiste ao recém-chegado café e se subdivide no começo do sé-culo passado (cf. nota 39).

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 165

põem a cidade da Paraíba do Sul185. Teve grande prestígio napolítica do município, sendo vereador à Câmara Municipal.Gostava de "negócios de grandes vantagens", sustentando porisso muitas demandas, para as quais tinha advogado de partido,por ano, fazendo terríveis inimizades.

Esteve afastado de suas funções na Câmara Municipal em1835, por se ter envolvido em processos-crimes.

Em 1839, quando vinha de Matozinho para uma sessão daCâmara, nas proximidades da Encruzilhada foi alvejado a tirospor pessoa emboscada. Atingido mortalmente faleceu ali186,e o filho menor que o acompanhava, de nome António, tevemorto o cavalo mas escapou ileso.

Do casamento do tenente Santos Silva com Joaquina Rçsanasceram cinco filhos: Virgínia, António, José, Maria e Luísa.

Maria e Virgínia casaram-se com os primos de Pitangui,Minas Gerais, Martinho da Silva Campos187 e António Álvaresde Abreu e Silva.

Martinho se enamorara de Maria nas paradas em Matozinhoquando em viagem nos tempos de estudante de medicina naCorte. Deixava então a Estrada Geral de Minas — o velho Ca-minho do Proença — na Encruzilhada e pela Várzea — Werneckde hoje — atingia a fazenda do tio Joaquim.

Em 1840 casaram-se os casais de primos e no mesmo anoMartinho e Maria se apossaram de Matozinho, herdando-a dovelho Silva assassinado no ano anterior. Foi o casal Antónioe Virgínia para as terras então adquiridas no vizinho municípiode Mar de Espanha, onde em 1842 abriu as fazendas Santo An-tónio da Cachoeira, homenagem ao novo fazendeiro homónimodo santo, e São Martinho, homenagem ao primo de Paraíba.

De Virgínia nasceram António Álvares de Abreu e SilvaJúnior e o barão de São Geraldo, Joaquim José Álvares dosSantos Silva, que, à-espanhola, teve o nome de família da mãeposto ao fim, para ficar quase homónimo do avô assassinado.

Entretanto, o filho do tenente Joaquim José dos Santos

iss. o vereador Silva era arrendatário da fazenda da Paraíba quando dacriação da vila. Em nossa primeira câmara fez a política da família PaesLeme, tendo sido eleito, evidentemente, com o voto dos proprietários deterra ligados a ela. (Não esquecer que então se exigia determinada rendapara ser eleitor.)ls«.' A última sessão da câmara a que assistiu o Silva foi a de 28 de julhode 1839. Estava-se naquele mês em sessão legislativa, e disso deve ter-seaproveitado o assassino para tocaiá-lo na estrada para a vila, prevendo asaída de sua fazenda. Era então presidente da câmara, na licença de Bar-roso, e público que a próxima sessão estava marcada para 30 de julho.

Nada há nas atas da Câmara sobre a morte do Silva. Presume-se quetenha sido bem cedo naquele 30 de julho de 1839, pois as se.ssões come-çavam às 9 horas.187. Cf. nota 61.

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Í !

Silva que o acompanhava por ocasião do crime. António, ado-tou o nome de família da mãe, assinando-se António Ribeirode Avelar; e foi o fundador da fazenda Santa-Fé, origem daestação ferroviária desse nome no município de Mar de Es-panha e próxima à margem do Paraíba.

Ficando viúvo, casou-se o dr. Martinho com a cunhada Luísa,e falecendo esta passou a terceiras núpcias com a tia das duasirmãs, Felisberta Balbina, viúva do coronel de Milícias Francisco Ribeiro de Avelar, também aparentado. Mas durou poucotambém esse casamento, pois no ano seguinte ao dar à luzfaleceu d. Felisberta, sendo enterrada na igreja de Matozinho.Martinho Álvares da Silva Campos Filho foi também senhor dagrande fazenda e político no município ao findar o Império.

Dos primeiros casamentos do dr. Martinho nasceram filhasque morreram solteiras, vindo a ser herdeiro delas o irmão.

Por morte da terceira esposa não houve inventário, talvezpor achar-se a fazenda onerada de muitas dívidas e não querero dr. Martinho valer-se da meação a que tinha direito nos bensde d. Felisberta. A política, forçando a sua ausência da dire-ção da propriedade, ocasionou a desordem em sua vida finan-ceira. Em 1874 já a fazenda estava hipotecada ao Banco doBrasil, hipoteca várias vezes reformada e resgatada somenteem 1916 pelo proprietário de então, Fernando de Barros Franco.

Em 1874 o dr. Martinho vendeu meia sesmaria da grandegleba de Matozinho a seu irmão Inácio Álvares da Silva Cam-pos, para ali abrir a fazenda da Paciência; a outra meia-ses-maria a Vicente António de Carvalho, que a desdobrou emtrês lotes e formou as fazendas Jataí, Boa-Esperança e Laran-jeiras, pertencentes depois respectivamente a Guilherme An-tónio de Carvalho, Vicente e Manuel Afra de Carvalho.

Matozinhos, como já então se popularizara o nome, com s— estava reduzida a 315 alqueires quando em 1900 José deBarros Franco Jr.188 a comprou de Martinho Filho.

Inicialmente foi explorada na fazenda a cana-de-açúcar,antes do café a grande riqueza da província e de nosso muni-cípio. Passando à cultura do café, a melhor produção da fazenda foi no período até 1915, sendo de 1901 a maior safra,de 32 500 arrobas.

Em pouco mais de um século a fazenda Matozinhos tevecinco proprietários, todos pessoas ilustres. O primeiro, tenen-te Joaquim José dos Santos Silva, descendente da importantefamília dos Álvares de Pitangui e vereador na primeira câmarade Paraíba do Sul que, em lembrança de sua morte trágicaquando no exercício do cargo, chamou rua do Silva à beira-rio,sua primejra denominação.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 167

Martinho Álvares da Silva Campos, o conhecido conse-lheiro Martinho Campos, foi o segundo proprietário de Matozi-nhos. Mineiro radicado na freguesia de Sebolas, foi por issocognominado pelo O Caricaturista, jornal de oposição a seuPartido Liberal, e pejorativamente, Martinho das Cebolas, quan-do nossa vila histórica de Sebolas nada tem a ver com o condi-mento indispensável a todo bom prato.

O conselheiro Martinho Campos foi uma figura notável noImpério e desde moço tinha pendor para a vida pública, emboramédico. Era ainda académico e já lidava nos comícios eleito-rais, pertencendo à associação política estudantil de seu tempo,"Defensora da Liberdade e Independência Nacional".

Dedicou-se francamente à carreira política. Por diversasvezes foi eleito deputado pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais,sua província natal. Em 1882 foi escolhido senador e, ao mes-mo tempo, encarregado da organização do ministério de 21 dejaneiro, de que fez parte como ministro da Fazenda. Presidiua província do Rio de Janeiro e teve tempo ainda de escreversobre medicina e política.

Em sua fazenda foram discutidos e resolvidos assuntospolíticos relevantes para o Brasil, pois em Matozinhos recebiadestacadas figuras do Império, como Cesário Alvim, SilveiraMartins, Cotegipe18" e outros. Frequentador assíduo era o ta-lentoso Eunápio Deiró, jornalista e político baiano que por mo-tivo de saúde chegou a permanecer quase um ano na fazenda,de excelente clima de montanha.

Silveira Martins, quando vinha do Rio Grande para as ses-sões da Câmara, passava sempre uma temporada na fazendade Martinho, correligionário político e amigo. Conta-se quede uma feita em sessão da Câmara, quando Silveira Martinsdiscursava criticando o imperador foi aparteado pelo amigoMartinho Campos, que lhe disse: "Essas acusações não sãode coração, pois V. Excia. tanto admira o imperador que, emtodos os seus escritos, assina Gaspar de Sua Majestade.

O conselheiro Martinho Campos fazia pilhéria, pois SilveiraMartins assinava-se Gaspar de S. M., por "Silveira Martins".Mas lhe retrucou de imediato o grande tribuno gaúcho: "Não,senhor! Não é Gaspar de Sua Majestade! É Gaspar de SãoMartinho!"

'.8!>. Os citados foram chefes do partido Liberal, como o próprio Martinho.José Cesário de Faria Alvim (1839-1903), ainda ministro dos Negócios Inte-riores em novembro de 1890, Gaspar da Silveira Martins (1835-1901), omaior tribuno no final do Império, e João Maurício Wanderley, mais conhe-cido pelo título (barão de Cotegipe), sobreviveram ao amigo mais velhoe viram a República. Martinho faleceu em 1887 quando fazia estacão-de-

águas em Caxambu.188. Reduzida, a fazenda ainda ocupava mais de 15 km-, ou 1.537 ha.

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168 PEDRO GOMES DA SILVA

O conselheiro Martinho Campos foi bom senhor de seusescravos, como homem esclarecido que era. Na política deParaíba do Su! foi vereador da Câmara diversas vezes e andousempre de acordo com o visconde da Paraíba, irmão de suasogra e enquanto viveu chefe do Partido Liberal no município.

O bom Martinho faleceu em 1887, tendo vivido sempre emdificuldade financeira.

Com a morte do conselheiro Martinho Campos a fazendade Matozinhos passou a seu filho, Martinho Campos Filho, oqual conseguiu dos credores um acordo que lhe permitiu con-tinuar a administrar a fazenda. Com a Abolição melhorou mui-to a situação do dr. Martinho Filho, pois seu tino administrativo,maneiras afáveis e reconhecida probidade atraíram os libertosdas vizinhanças, aumentando muito suas lavouras de café.Contava com as grandes colheitas futuras para solver seus com-promissos, o que não pôde realizar por motivo de saúde, tendode permanecer em repouso até falecer em 1915.

Em 1900 achava-se em condição financeira embaraçosa, jácom a fazenda hipotecada. Além da amortização da dívida, acujo pagamento se obrigara, precisava de recursos para custearas colheitas. Como solução resolveu vendê-la, e já vimos, aseu companheiro na Câmara Federal, José de Barros Franco Jr.

Foi o dr. Martrnho Filho deputado federal, vereador da Câ-mara de Paraíba do Sul e político de prestígio. Incompatibili-zou-se com o povo do município pela exploração que seus adver-sários políticos fizeram de uma frase dita em sessão da Câ-mara e mal-interpretada: "Paraíba não vale um cais!" Dis-cutia-se então, em meados da década 1880-90, o prolongamentodo cais de proteção da cidade no ímpeto das cheias do rio.

José de Barros Franco Jr., quarto proprietário de Matozi-nhos, exerceu inúmeros cargos públicos no município de Pa-raíba do Sul e no de Petrópolis. Aqui foi intendente190 e eleitodeputado estadual, como republicano histórico.

Fernando de Barros Franco sucedeu ao pai na posse deMatozinhos em abril de 1907 como seu quinto proprietário. Ve-reador da Câmara Municipal, em 1930 foi nomeado membro doConselho Consultivo do prefeito, órgão então criado. Conhe-

ini>. Era a designação dos vereadores na câmara — Conselho de Inten-dência no início da República —, quando na administração, tão criticadapelos republicanos no Império, as coisas só mudaram de nome. E até essevoltou. José de Barros Franco Jr. se projeta na política em Paraíba na Re-volução de dezembro de 1891, quando ajuda a derrubar o governador Fran-cisco Portela. A 31 de janeiro de 1892 foi eleito deputado estadual como7." mais votado, entre 40. Na década de 10 disputa com o dr. Leopoldo asituação política no município, elegendo-se em 1905 pelo nosso distrito,então o 3.°, deputado federal.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 169

cia os problemas agrícolas do Estado e o representou no Con-selho Nacional do Café.

FAZENDA DA BOAVISTA

A fazenda da Boavista, cuja sede sobre o rio e a 9 kma montante da cidade é uma das últimas no município contem-porâneas da chegada do café — é de 1834 —, formou-se dareunião de duas sesmarias concedidas em 1811, a da Cachoeirada Boavista e a do Surubiquara. Seu mais famoso proprietáriofoi o visconde da Paraíba, homem que se distinguia pelo gostodo imponente e grandioso101.

A sesmaria da Cachoeira da Boavista foi concedida a quema requereu nos termos seguintes através de um procurador:"Diz José Fernandes dos Santos, morador na freguesia de SãoPedro e São Paulo da Paraíba, que ele suplicante tem culti-vado uma quadra de terra devoluta nos fundos da fazenda doguarda-mor Fernando Dias Paes Leme da Câmara, e porque osuplicante já se acha ali estabelecido com casa e plantações1'-12,e não podendo permanecer nas mesmas sem título, por issopede a Vossa Alteza Real se digne mandar-lhe dar por sesmariaas ditas terras onde já se acha, principiando onde findarem asdo dito guarda-mor conforme o estilo. Espera receber a Mercê.,Como procurador, Joaquim José Rocha."

A sesmaria foi concedida a 27 de maio de 1811.A segunda sesmaria foi a de Manuel José da Silva de Ma-

cedo que, estando sem terras para cultivar "para manutençãode sua mulher e criar seus filhos" resolveu pedir terras, ale-gando: "achava-se trabalhando em terras alheias sitas na fre-guesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes193 sem quepossa cultivar, achando-se assim na contingência de se verprivado disso por se achar sujeito ao despótico arbítrio do pro-

191. Pelas dimensões dos três edifícios que levantou, é fácil essa conclu-são. Foram tanto quanto possível, ao tempo, imponentes: a sede dafazenda (1834), o palecete na vila (1860) e a matriz da cidade (1860-1882),cuja inauguração não viu. Faleceu em janeiro de 1879.1!>-. A fazenda é a Paraíba da época, só o arraial no Lavapés, o Registona praia do remanso e a barca. O requerente já era posseiro, o que mostraa pressão deles sobre os limites do latifúndio dos Paes Leme nesse iníciodo século XIX. A lavoura do estabelecimento na terra ainda era a da cana--deraçúcar, mormente na várzea ribeirinha ao Paraíba, como aí.103. Caso típico de pressão do latifundiário em cima do posseiro, com avalorização da terra. A abertura das estradas da Policia, para o distritoda Paraíba Nova, e Comércio, para a barranca do Paraíba no atual municípiode Vassouras, suscitou a corrida para as terras serranas entre os áulicosda corte de D. João VI. Um dos maiores aproveitadores da época foi oIntendente Geral de Polícia, Paulo Fernandes Viana, espécie de eminênciaparda no tempo do rei.

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170 PEDRO GOMES DA SILVA

prietário, e porque na mesma freguesia na paragem denominadao Sertão do Gentio se acham terras devolutas, e o suplicantetem meios proporcionados para as poder cultivar, recorre porisso à Santa Piedade de Vossa Alteza Real para que se digneconferir-lhe por sesmaria meia-légua das ditas terras, fazendotestada no rio Paraíba e junto do ribeirão fronteiro à ilha doSurubiquara""".

Manuel José da Silva Macedo obteve despacho favorávelpor doação régia em 7 de junho de 1811. Essa sesmaria, quetomou o nome de Surubiquara, rumava com terras do comen-dador João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro barão de Ubá.

José Fernandes dos Santos vendeu ao capitão Manuel Joa-quim de Azevedo pelo preço de 800SOOO a sesmaria da Ca-choeira da Boavista com todas as benfeitorias, e este logo ini-ciou onde é hoje a sede da fazenda da Boavista a instalaçãode grande engenho para açúcar10-"'. Em 26 de setembro de1819 adquiriu de Manuel José da Silva de Macedo, por 450JOOO,a sesmaria do Surubiquara, com "casa, monjolos, cafés e árvo-res de espinhos". Foram testemunhas dessa compra JoséGomes da Cruz, João Paulo da Costa, Simeão Moreira de Cas-tilho111", António Gomes da Cruz e José Porcínio Pereira.

Unindo as duas sesmarias o capitão Manuel Joaquim deAzevedo fez uma só fazenda com o nome de Boavista. Insta-lou possantes engenhos para açúcar e fez grandes culturas decana, iniciando ativo comércio, tanto no Caminho de Minas,que cruzava o rio na Paraíba, quanto no que por aquela épocajá cortara o rio no Paty-de-Ubá, nome colonial desfigurado pelaCentral como estação de Andrade Pinto.

Todo o açúcar produzido na Boavista era transportado emtropa da fazenda ao porto da Estrela, e daí para o exterior, poiso capitão Azevedo possuía algumas embarcações que navega-vam para as fndias, África e Portugal. Entre essas embarca-ções estavam a nau Carolina e o bergantim Vasco da Gama, quelevavam açúcar à África e traziam negros escravizados1'-'7.

194. Possivelmente a grande ilha na divisa com Vassouras, atravessada pelaCentral nas chamadas Três-Pontes.1!lr>. Era o grande produto na região antes da chegada do café.I!l(i. Esse Simeão foi o primeiro armador da vila, empossado a 17 de abrilde 1834 com a gratificação de "uma pataca por braça das casas que seedificarem''. Foi quem informou à câmara ser impraticável o "mapa doalinhamento da vila", por "não ter o piloto atendido à superfície local doterreno", procurando só "as quadraturas perfeitas d'agulha".. Era em de-zembro de 1836. O vereador Barroso, homem prático, propôs logo quefosse abandonado o "projeto do geômetra" Luís Abrahão Junot. Em 1844Koeler fez o plano definitivo de Paraíba (cf. nota 59).i»7. Temos aí em Paraíba a figura do negreiro, o traficante de escravos,que se costuma tachar de sinistra. Informa adiante o autor que recusou otítulo de barão. Claro, de Pedro l, que não perdia vaza na venda de títulos.

CAPÍTULOS DE HISTORIA DE PARAÍBA DO SUL 171

Com esse comércio obteve o capitão Azevedo grande ri-queza, estabelecendo-se na Corte e onde foi destacado membroda colónia portuguesa, tendo recebido o título de comendadore rejeitado o de barão.

Manuel Joaquim de Azevedo era casado com Rosa Luísae do seu consórcio nasceu uma única filha, de nome Carolina,que se casou em 15 de novembro de 1831 com João GomesRibeiro de Avelar, futuro barão e depois visconde da Paraíba.

Falecendo o comendador Azevedo, ficou a fazenda para suamulher e filha, que era ainda noiva de João Gomes Ribeiro deAvelar, membro de importante família vassourense. Casando-se, Avelar veio residir na fazenda da Boavista e, tomando ogoverno da propriedade, fez grandes lavouras de café e outrasculturas. Construiu também o atual prédio da fazenda, inaugu-rado três anos depois de seu casamento. A sogra Rosa Luísafaleceu a 9 de maio de 1857, deixando sua fazenda ao genro.

João Gomes Ribeiro de Avelar foi um grande amigo deParaíba, quer como fazendeiro, quer como político ou homemde bem. Desde 1831, antes de ser criada a vila cabeça demunicípio, começou a receber desse prestante brasileiro seusserviços na organização da legião paraibana da Guarda Nacional,criada em agosto daquele ano e da qual era um dos chefes.Presidente da Câmara e vereador desde a primeira legislaturaem 1833, exerceu todos os cargos públicos em Paraíba. Quan-do em 1855 o flagelo do cólera assolou a vila, auxiliou enorme-mente os infelizes, promovendo subscrições para ampará-los.Pelos grandes serviços que prestrou à Pátria foi agraciado commuitos títulos, tendo sido Grande do Império, dignitário e co-mendador da Imperial Ordem da Rosa, comendador da Ordemde Cristo, comandante da Guarda Nacional da Paraíba do Sule Petrópolis, barão e depois visconde da Paraíba com grandeza.

Tinha em sua fazenda centenas de escravos, que eram tra-tados com benignidade e higiene. Em 1860 mandou construirna vila um palacete para sua residência, o primeiro ali, no qualrecebeu e hospedou as figuras mais eminentes do Império, prin-cipalmente os correligionários do Partido Liberal.

Prestigiou a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II,tendo por esse motivo recebido o nome de Avelar a estaçãosituada em frente à sua fazenda. Essa estação ostenta hojeò inexpressivo nome, para os paraibanos, de Vieira Cortês.

Era cidadão de grande firmeza de carater e discreto. Em1842 Teófilo Otoni viajava incógnito a fim de aliar-se aos com-panheiros revoltosos, e pernoitou na fazenda da Boavista. JoãoGomes Ribeiro de Avelar reconheceu-o. Embora não partici-pando da revolta em Minas, que aprofundou a cisão políticados partidos do Império, tratou-o com a costumeira cordialidade,

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172 PEDRO GOMES DA SILVA

fornecendo-lhe na manhã seguinte animal descansado para quepudesse continuar viagem até o Paraibuna.

Nas terras das antigas sesmarias, Avelar abriu as fazendasMadalena, Conceição, Feliz-Consórcio e Santa Teresa, algumasem território de nossa divisa com o atual de Rio das Flores198.

Quando a vida política se estabilizou no Império, formando--se os dois partidos que detiveram a representação parlamentar,o futuro visconde optou pelo Liberal e o chefiou.

Com a morte do visconde da Paraíba, ocorrida a 13 dejaneiro de 1879, suas terras passaram aos cinco filhos. Ve-jamos o que coube a cada um e a quem passou depois o pa-trimónio herdado: a filha Rosa, casada com Francisco Quirinoda Rocha Werneck10", recebeu a fazenda Madalena, mais tardeaumentada com a da Conceição, que foi do tenente-coronel LuísCarlos; e também a fazenda Feliz-Consórcio, que coubera à mu-lher dele por herança.

Do consórcio Francisco Quirino e Rosa nasceram tambémcinco filhos: Rosa, casada com o engenheiro italiano CarlosRossi, construtor da Casa de Caridade de Paraíba do Sul200;Francisco Maria da Rocha Werneck, sempre lavrador e aindahoje proprietário de parte das terras que foram do avô; JoséInácio, engenheiro e capitão do Exército defensor de FlorianoPeixoto por ocasião da Revolta da Armada de 1893, construtorda avenida Beira-Mar no Rio de Janeiro, da Estrada de Ferrodo Rio Grande do Norte, do ramal da Central do Brasil Sabará—Sete Lagoas, foi pai de José Inácio da Rocha Werneck, queocupou os cargos de prefeito do município, deputado à Assem-bleia Estadual e secretário de Finanças do Estado; João Mariada Rocha Werneck, vereador e presidente da Câmara de Pa-raíba do Sul, deputado estadual e vice-presidente do Estado doRio de Janeiro nos anos vinte; Caetano Lourenço, lavrador.

Francisco Quirino da Rocha Werneck instalou na fazendaFeliz-Consórcio ótimos maquinismos para café, que ainda exis-tem, e do sogro ficou também com o palacete em Paraíba doSul, onde hospedou o Conde d'Eu por ocasião da inauguraçãodo Asilo Santa Isabel em Juparanã; o dr. José Leandro de Godói

i»8. Emancipado de Valença a 17 de março de 1890. Seu território foidevassado no final do século XVIII. A partir de 1799 o proprietário dafazenda Pau Grande, próximo a Avelar, iniciou a pacificação dos coroadosda região conhecida então por Sertão da Paraíba, de que resultou em 1801a fundação de Valença. Deve-se também a José Rodrigues da Cruz a fun-dação de Pati de Ubá (Andrade Pinto), em cuja fazenda por um mês Augustede Saint-Hilaire estudou a flora da nossa região, em 1816.100. Ver a fazenda Glória do Mundo (capítulo Fazendas-Filhote).

'soo.- O edifício foi inaugurado a 8 de dezembro de 1882, tendo sido a pedrafundamental lançada a 19 de setembro de 1871. Foi totalmente perdidono grande incêndio de 1955.

CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DE PARAÍBA DO SUL 173

e Vasconcelos e os padres missionários na inauguração da ma-triz em 1882, cuja construção tivera no sogro incentivador.

O segundo filho do visconde da Paraíba, Joaquim de Aze-vedo Avelar, formado em Direito e adido de legação na Europa,herdou a sede da fazenda da Boavista e a vendeu ao GovernoImperial para ser instalada uma hospedaria de imigrantes, oque só se realizou na República; morreu solteiro.

João Gomes Ribeiro de Avelar, homónimo do pai, foi o ter-ceiro filho do visconde; formado em Direito e comissário decafé no Rio de Janeiro, casou-se com Emerenciana Calvet eherdou a fazenda do Guaribu, no município de Vassouras, hojede propriedade da filha Leocádia, casada com Quirino Simões.Associando-se a Cândido Gaffré, Eduardo Guinle e outros cons-tituiu uma sociedade que fundou a Companhia Docas de Santos,obtendo concessão para explorar o porto. Faleceu antes dever o desenvolvimento do porto de Santos.

Carolina, casada com o primo-irmão, tenente-coronel deengenharia do Exército Luís Carlos Maximiano e Silva, foi aquarta herdeira e ficou com as terras da Conceição. Do seucasamento nasceu um único filho; o tenente-coronel e a mu-lher faleceram no mesmo dia, e seu filho pouco depois, extin-guindo-se assim esse ramo da família. A fazenda da Concei-ção passou então à propriedade do cunhado, Francisco Quirinoda Rocha Werneck, como vimos.

O quinto filho do visconde da Paraíba foi Luís Gomes Ri-beiro de Avelar, formado em Medicina e casado com Rosa deCastilho, filha do barão de São Roque. Herdou a fazenda deSanta Teresa, onde passou a residir.

FAZENDA DE SANTANA

Em 1828 o marechal João Vieira de Carvalho, barão deLajes, obteve nas margens fertilíssimas do rio Preto três ses-marias com as denominações de Santa Isabel, Cachoeira e SãoMiguel, onde instalou a fazenda de Santana. Fez lavouras emontou máquinas movidas a água e puxadas por animal. Suasterras rumavam com as de Jacinto Alves Barbosa, já grandesenhor no Rio Preto, Manuel Joaquim de Oliveira, Jaime Jere-mias Aires e Inácio Pereira Nunes, com este pela cumeada daserra das Abóboras, pois era dele a vertente do Paraíba inteira.

Na fazenda trabalhavam mais de 200 escravos e graçasà fertilidade das terras na vertente do rio Preto, sem dúvida dasmelhores da província, rapidamente cresceu e povoou-se a zona.

O marechal Vieira de Carvalho construiu em sua fazendaótimo sobrado para residência, com grande capela e muitas

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benfeitorias, esperando receber um dia o imperador Pedro l, dequem era partidário fiel. E por isso mandou vir louças e mó-veis diretamente da índia, tudo de primeira qualidade.

Além da sede da fazenda Santana fez construir um prédiono sítio chamado Santo-Cristo, encravado na serra densamenteflorestada da falda do pico Monte-Cristo, onde fazia retiro es-piritual dirigido por um padre português de nome Manuel.

O marechal Vieira de Carvalho teve destaque nos primeiroe segundo reinados. Nasceu em Portugal e se formou na Aca-demia Militar de Lisboa. Já oficial quando Junot em 1807 in-vadiu o país e D. João VI emigrou, conseguiu vir para o Brasile aqui permaneceu com Pedro l. Faleceu já marquês, em 1847.

Sua fazenda passou ao filho Alexandre Manuel Vieira deCarvalho, segundo conde de Lajes e bacharel-em-letras por Bru-xelas, onde foi adido de legação.

Nas suas terras de Santana teve como administrador otenente Leopoldo Henrique Botelho Magalhães, pai de BenjaminConstant, o teórico da República que, menino, viveu na fazenda.

O segundo conde de Lajes era casado com Maria Caetanade Almeida Torres, filha da viscondessa de Macaé, com a qualteve os filhos Alexandre, José Carlos, Maria-de-Santana, Luís-Gastão e Sebastião, dos quais nasceram em nosso municípioAlexandre, José Carlos e Sebastião.

Em 16 de junho de 1863 o conde de Lajes vendeu por240:000$000 a Jacinto Alves Barbosa, futuro primeiro barão deSanta-Justa, a fazenda Cachoeira Alta de Santana, que entãoconfinava com os herdeiros de Manuel Joaquim de Oliveira,Inácio Pereira Nunes (pela cumeada da serra das Abóboras,sendo deste toda a vertente do Paraíba) e o próprio comprador,Jacinto, já senhor da fazenda Santo-Cristo. Os Santa-Justa jáem 1863 chegavam assim com suas terras às imediações daatual Afonso Arinos201, e desde as nossas lindes com Rio dasFlores, dominando a vertente do rio Preto.

A sede da velha fazenda de Santana ficava no local ondeé ,hoje a estação ferroviária202 de Engenheiro Carvalhaes, juntoao rio. João Xavier Filho é o proprietário atual.

-°1. Chamava-se Barra Longa. A nova denominação é de 1916, em home-nagem ao contista mineiro Afonso Arinos de Melo Franco (1868-1916).-°2. A estação foi inaugurada a 26 de fevereiro de 1912 e o nome é home-nagem a José de Barros Carvalhaes, engenheiro da Melhoramentos do Brasile depois chefe de distrito da Central. O sub-ramal de Afonso Arinos foiextinto na década de 1950.

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A ILHA DA CAPELA

Quando na grande cheia de 1926 tomou da ponte as Por-teiras, o fotógrafo Mathias nunca poderia supor estar do-cumentando o terreno que Garcia ocupou em 1683 para garantira posse do remanso. As águas mostram nitidamente a pontade cima da i/ha em cuja parte de baixo, na praia formada pelosaluviões do remanso (o bosque atua/), teria levantado comomarco de posse a capela da tradição. £ gente sua aí deixouassegurando a paragem quase 15 anos, até que o rei orde-nasse a abertura do Caminho das minas ao fíio de Janeiro.

O canal da ilha começava nas imediações da ponte ferro-viária e corria ao pé do morro da Casa de Caridade (prédio nóalto à direita), por trás das casas na foto, cujo terreno caipara os fundos. Enquanto o sobrado de Cândido Mendes (últimoà esquerda) já foi invadido pelas águas, o casarão do dr. AbelPinto (centro) só tem água na frente e o pavilhão da fábricade rendas está quase em seco. O próprio Mathias chegou depés enxutos à ponte, pois foi apoiada na parte mais alta da ilha.

O centro da vila ocupava a área de duas ilhas compridas,separadas da margem por canal estreito (cf. nota 34). A decima é essa das Porteiras ao Jardim Velho. Começando portrás dela no jardim (área da foto na pg. 119) havia outra ilhaaté as imediações do beco do Sacramento, cujo canal de sepa-ração da margem descia entre a 15 de Novembro—Tiradentes ea Castelo Branco (beira-rio antiga). Todas as casas dessas ruastinham o terreno dos fundos mais baixos que na frente, des-cendo-se ao quintal por degraus, pois ainda em 1844 Koelerevitou traçar as ruas dentro do socavão do antigo canal, já des-secado, correndo com a 15 e Tiradentes pela antiga margemdo rio, junto ao morro, e a rua do Silva (beira-rio) pela ilha.Como na rua das Porteiras e na Coqueiros (entre a ponte e ojardim), também as casas na do Silva tinham os fundos maisbaixos que a frente. Só que davam para o canal da ilha debaixo, pois as duas se separavam na zona do atual meio dojardim por um canal que deu origem à tal lagoa do Lava-tripa,observada em 1823 pelo brigadeiro Cunha Matos por trás doRegisto (ilha de cima) e na frente dos ranchos de tropeiros,área da ilha de baixo talvez desde Garcia incorporada à margem.

É possível ter Garcia também fechado o canal nas Por-teiras, facilitando o acesso da casa-grande à barca e o deixandoapenas como dreno do córrego das Palhas. (Isso deve teragravado o "alagadiço da matriz".) Ainda no começo da vilahavia ponte na área de cima do jardim, por certo sobre o canal.

A topografia da vila sofreu transformação rápida em 1855(nota citada) e com a chegada do trem, em 1867, que cortoua aba do morro da Caridade, atulhou o canal próximo e fezaterro de acesso à estação em plena praça, causando problema.

Mathias Cezar da Roza, que morava no Rosário bem no alto,ainda estava em Paraíba em 1932. Depois cedeu lugar a Pom-pílio Lega, italiano que chegara em 1927, viveu até 1970 e setornou muito popular na cidade. Mas com as fotos do rio em26 Mathias ficou para nós o que é o Malta para o fíio de 1910.

capítulo 15

Fazendas «Filhote»

O termo "filhote" é estranho para fazenda, mas expressacom fidelidade e sinteticamente a ideia que se quer dar: "saí-da de outra", sem que seja subalterna ou secundária. Seria oresultado das pioneiras desdobradas pelo desenvolvimento desua lavoura cafeeira, que na província e município atingiu o apo-geu em torno de 1880.

A origem da "filhote" é geralmente um sítio em que vivemos agregados a lavoura mais próxima. Ganhando sede, resi-dência do adquirente do lote, ganha também foros de fazenda.

Entre as estudadas no capítulo há famosas no municípiopela grande lavoura e riqueza, como a "Glória do Mundo", saídada Várzea; ou pela eminência do proprietário na vida municipal,como a "Rio-Novo", do barão Ribeiro de Sá e também conhecidapela graça da sede. Nasceu da fazenda da Paraíba em 1845.

O fazendeiro típico e pioneiro na serra fluminense pareceter sido o mineiro que refluiu sobre o Caminho, no esgotamentodas minas. O mesmo fenómeno se verificou para as bandas deSão Paulo. Bragança, por exemplo, nos formadores do Atibaiae a poucos quilómetros da divisa, teve seus fundamentos em1763; mas tanto ela quanto a vizinha Atibaia viram passar a fa-mosa bandeira das esmeraldas de Fernão Dias em 1674.

No sul de Minas, Aiuruoca viveu o mesmo. Parece, foipouso de Fernão Dias, mas povoado quando o ouro acabou.

O café, adensando a população na serra pela multiplicaçãodas "filhotes", ativando relações comerciais e exigindo a me-lhoria dos caminhos, preparou o campo para o município. Masquando chegou a Paraíba, do segundo ao terceiro decénio doXIX, as "pioneiras" já estavam em mãos dos mineiros.

Nossos Barroso Pereira, por exemplo, emigraram das catasde São João d'EI Rei, como os Teixeira Leite de Vassouras e osNogueira da Gama de Valença. E de Mariana vieram os Corrêae Castro, via Paraíba, para Vassouras também. AP.

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FAZENDA GLÓRIA DO MUNDO

Essa fazenda foi fundada pelo capitão Inácio José de SousaWerneck em terras desmembradas da grande fazenda da Vár-zea. Passou depois a Manuel Gomes Ribeiro Leitão, casadocom Cláudia Joaquina da Conceição, irmã do visconde da Pa-raíba e que, ficando viúva, vendeu-a ao tenente-coronel LuísQuirino da Rocha em 29 de outubro de 1851 por 34:000$000.Este fez das terras da Glória do Mundo uma das ótimas proprie-dades da zona, com grandes plantações de café e cana, alémda criação de gado, trabalhando na fazenda mais de 250 es-cravos. E abriu diversos sítios anexos.

O tenente-coronel Quirino era filho de José Quirino daRocha, primeiro barão de Palmeiras, e casado em primeirasnúpcias com Francisca das Chagas Werneck, filha do comen-dador Chagas Werneck, formando-se desse casamento assimo tronco da família Rocha Werneck, estabelecida principalmenteno município de Paraíba do Sul.

Foi Luís Quirino da Rocha membro prestimoso do PartidoConservador e exerceu inúmeros cargos públicos na freguesiade Santo António da Encruzilhada, desde inspetor-de-porteirasaté o mais alto, que era o de juiz-de-paz. Do seu casamentocom Francisca das -Chagas Werneck nasceram assim os pri-meiros Rocha Werneck, que foram: Francisco Quirino da Ro-cha Werneck, bacharel em Direito e fidalgo da Casa Imperial,mais tarde dono de três fazendas desmembradas da grandegleba da Boavista por seu casamento com Rosa Ribeiro deAvelar; José Quirino da Rocha Werneck, também bacharel emDireito e barão de Werneck por decreto de 24 de agosto de1882, foi dono da fazenda das Graças e casado em primeirasnúpcias com Maria do Nascimento Avelar, filha do barão doRibeirão, e em segundas núpcias com Maria Diniz Cordeiro,irmã do conde Diniz Cordeiro; Luís Quirino da Rocha, casadocom Cândida de Avelar Rocha; Francisca Augusta, casada como médico Leopoldo Nóbrega, de cujo consórcio nasceu o co-ronel Martinho Nóbrega, deputado à Assembleia Estadual; JoãoQuirino da Rocha Werneck, de quem falaremos adiante; e InácioQuirino da Rocha Werneck, que morreu sem descendência.

De um segundo casamento teve o tenente-coronel LuísQuirino da Rocha os filhos seguintes: Laurindo, casado comBelmira de Sousa Werneck e dono da fazenda Aquidaban; MariaHenriqueta; Elisa, casada com José da Rocha Machado; Caro-lina, casada com António Joaquim Gonçalves; Emília, casadacom Fernando de Sousa Werneck; e Florindo, que morreu moço.

Por morte do tenente-coronel Luís Quirino a fazenda Glóriado Mundo passou ao filho João Quirino da Rocha Werneck,

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agraciado com o título de segundo barão de Palmeiras por de-creto de 13 de setembro de 1882.

O barão nasceu na freguesia do Pati do Alferes e passoua mocidade no município de Valença, sendo aí um dos funda-dores e diretor da Estrada de Ferro Rio das Flores, a qual partiada estação de Comércio e ia até a vila de Santa Teresa de Va-lença. Veio para nosso município com a idade de 35 anos.

Era casado com Carolina Peregrino, filha do visconde deIpiabas, e deixou dois filhos: o coronel João Quirino Wer-neck da Rocha, coletor estadual em Paraíba do Sul e pai deOsvaldo Werneck, engenheiro da Companhia Navegação Cos-teira; e André Quirino Werneck da Rocha.

Possuía patente de coronel comandante da Guarda Nacio-nal do município de Paraíba do Sul. Por muitos anos foi pre-sidente da Câmara Municipal e em duas legislaturas seu repre-sentante na Assembleia Estadual. Militou na política do mu-nicípio da Monarquia ao último governo de Nilo Peçanha.

O barão de Palmeiras facilitou muito a construção da Es-trada de Ferro da Companhia Melhoramentos, hoje Linha Auxi-liar da Central do Brasil, que cortava as terras da Glória doMundo. Em reconhecimento disso Paulo de Frontin, construtorda ferrovia e presidente da companhia, denominou Werneck aestação situada em frente à sua fazenda.

Faleceu em Paraíba do Sul a 1.° de setembro de 1924.A fazenda Glória do Mundo, já então em situação financeira

delicada, passou à família Oliveira Pena — o médico e seu che-fe Randolfo Pena falecera em 1915 —, cabendo a Judith Pena,casada com o advogado Caio Valadares.

Atualmente a Glória do Mundo é das melhores proprieda-des agrícolas do município, e de Vizeu & Irmão, que centralizamem torno da vila de Werneck uma das zonas de mais expres-siva produção da chamada pequena lavoura em todo o Estado.

FAZENDA DO RECATO

Em 1833 era senhor da fazenda do Recato o capitão-morJosé Agostinho de Abreu Castelo Branco, natural de Pitangui,Minas Gerais, e irmão do padre António Marcos de Abreu Cas-telo Branco. Foi figura de destaque no município, onde ocupoudiversos cargos públicos, e também associado a uma institui-ção bancária no Rio de Janeiro. Morreu assassinado203 nas

ao:;, já vimos que o assassinado foi o primeiro juiz municipal da vila eque em 1834 teve questão judicial com o Capitão Tiramorros por causa dotestamento da mulher. Questionou também com vizinhos na justiça em1837 por questão de terras na zona da atual ponte das Garças, onde tinha

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imediações do lugar chamado Volta d'Água, no caminho da vilaao Recato, passando a terra à viúva, Teresa Maria de Jesus.

A fazenda do Recato foi das mais lindas do município deParaíba do Sul, com ótimo pomar e grande criação de perusque merecia cuidados especiais.

Em frente à sede existia um soberbo açude cheio de lendas,pois corria entre os escravos que nele havia milhares de ca-veiras de negros vítimas de ururaus (jacarés) centenários.

Teresa Maria de Jesus, senhora muito trabalhadeira e hon-rada, governou pouco tempo a fazenda, pois se casou em se-gundas núpcias com o português Joaquim Lúcio de FigueiredoLima, o qual exercera a profissão de enfermeiro no Rio de Ja-neiro. Assumindo a direção da fazenda, Joaquim Lúcio cuidoulogo de fazer grandes melhoramentos. Era uma figura impo-nente, cavalheiro de muita pose e muito prestativo. Ocupouvários cargos públicos no município e foi agraciado com a co-menda da Ordem da Rosa, passando por esse motivo a ser cha-mado comendador Joaquim Lúcio. Teve enorme clientela nasredondezas, prático que era em medicina, sendo combatidopelos médicos da vila por exercê-la ilegalmente, os quais ochamavam de curandeiro charlatão. Todas as suas receitas,porém, eram dadas sob esta condição: "Se ficar bom, paga."

Teresa Maria de Jesus faleceu em 28 de janeiro de 1868.Enviuvando, casou de novo o comendador Lúcio no Rio de Ja-neiro com Leonor Augusta de Morais, professora, nascendodesse consórcio três filhos: Joaquim, Maria Leonor e MariaFirmina. Esta última casou-se com o célebre advogado Mar-tinho César da Silveira Garcez e deixou dois filhos, hoje tam-bém advogados no Rio de Janeiro, Umberto e César Garcez.

Ficando viúvo pela segunda vez, casou-se o comendadorcom Virgínia, irmã do médico Deocleciano Alves de Sousa204.Deste casamento nasceram Jarbas e Júlio-Lúcio de FigueiredoLima. Este foi secretário da Câmara de Paraíba do Sul e exer-ceu outros cargos públicos.

Com a morte do comendador Joaquim Lúcio originou-se umademanda pela posse da fazenda do Recato, da qual saiu ven-cedor Ulisses Brandão, advogado pernambucano e autor de umahistória da Confederação do Equador, a tentativa de repúblicano Nordeste ao tempo da Independência.

a tal fazenda dos Embargos (cf. nota 181). Quanto ao irmão citado, padreAntónio Marcos d'Abreu Castelo Branco, além de primeiro promotor dotermo em fevereiro de 1834 era também professor de primeiras letras navila, dando "classe" no prédio do Registo, junto à praia da barca.204. Residia na Encruzilhada, onde clinicou muitos anos. Seu filho AsdrubalAlves de Sousa, formado também em medicina, em 1913, faleceu dois anosdepois em Dacar, na África, como médico de bordo de navio do LóideBrasileiro. O dr. Deocleciano faleceu em 1923.

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FAZENDA DA PACIÊNCIA

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Da meia sesmaria de terras desmembradas de Matozinhose vendida ao irmão e também médico Inácio Álvares da SilvaCampos pelo conselheiro Martinho originou-se em meados doséculo passado a fazenda da Paciência, uma das melhores pro-priedades do município.

O dr. Inácio, coração magnânimo, era o médico da pobrezaem toda a região de Sebolas e foi o tronco de importante etradicional família daquela freguesia. Casou-se com Luísa Ca-rolina Álvares Ferreira da Silva, nascendo desse consórcio dezfilhos: capitão Martinho Álvares Ferreira da Silva; Jacinto Ál-vares Ferreira da Silva, médico; Inácio Álvares da Silva Cam-pos, médico; Francisco Álvares da Silva Campos, advogado;José Luís Álvares da Silva Campos, advogado e magistrado; An-tónio Álvares da Silva Campos, escrivão da Coletoria Federalem Paraíba do Sul; Maria Luísa, que se casou com BeneditoCordeiro dos Campos Valadares, advogado; Isabel, casada como capitão José António dos Passos; Luísa Álvares da Silva, pro-fessora catedrática no Distrito Federal; e Ana Álvares da Silva.

Do casamento de Benedito Valadares""-"1 com Maria Luísa,a d. Mariquita Valadares, de respeitável memória pelos serviçosà pobreza, nasceram o advogado Francisco Valadares, jornalista

-"». O último sucesso de Benedito Valadares na vida pública foi a absol-vição do filho Caio como mandante do assassinato do juiz municipal Cor-nélio de Magalhães Moraes. O júri se realizou a 24 de outubro de 1903com grande aparato policial na cidade dirigido pelo novo chefe de políciado Estado, Azevedo Cruz. Presidente do tribunal do júri, o dr. TavaresBastos, juiz municipal de Santa Teresa; promotor público, o dr. Eugênio deMoraes; advogados de defesa o conselheiro Cândido de Oliveira e os drs.Benedito (pai do réu), Francisco Valadares (tio) e Horácio de MagalhãesGomes, que atacou o ex-chefe de polícia do Estado, Álvaro de Tefé (cf.nota 206), e Quintino Bocaiuva, cujo mandato na presidência do Estado fina-lizaria a 31-12-1903. Testemunhas de acusação, o velho tabelião RaimundoFontenele (acompanhava o juiz quando assassinado), o filho dele, Virgílio, eJoão Francisco de Araújo (cf. nota 97), o velho ferreiro do Lavapés, acusadospelo dr. Benedito de se prestarem a testemunha por serem indignos e inve-josos. O jurado Francisco Furtado de Mendonça foi expulso do Fórum "abem da ordem dos trabalhos".

A absolvição foi unânime. Dois dias após, a 26 de outubro, os drs.Melo Viana e Francisco Valadares defendem Manuel Barbosa da mesmaacusação. O advogado Melo Viana foi depois famoso político em Minas.

Esse sucesso talvez tenha consolado o velho advogado Valadares deum revés de pouco antes, após grande luta na justiça e que comprometeusua honorabilidade: em 29 de agosto de 1902, acórdão da Relação decla-rava ilegítima e extinta a mesa da Casa de Caridade de que era provedor(cf. nota 94). É possível que a questão com o juiz Cornélio se originenessa ação.

No Parahyba do Sul de 29 de outubro de 1903 o dr. Alexandre Abrahãoassinou o artigo Absolvição Iníqua.

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em Juiz de Fora, deputado federal e chefe de Polícia do DistritoFederal, que se casou com Constância Vidal Leite e se bateuna Assembleia pela revogação do decreto que bania a FamíliaImperial; e Caio Valadares-"", advogado que exerceu inúmeroscargos em Paraíba e foi depois deputado no Estado do Ama-zonas, sendo pai de Caio Valadares Júnior, juiz de direito nonorte do País; e ainda Benedita e Inácio Campos Valadares.

A fazenda da Paciência passou ao advogado Benedito Va-ladares, que ali residia e fez política no município desde osfins do século passado. Tinha também residência na cidade,rua Tiradentes 42, e banca de advogado com o filho Caio!

FAZENDA DA REFORMA

Essa fazenda foi do capitão Simão Dias dos Reis-"7, umdos mais inteligentes lavradores do município de Paraíba doSul. Tinha ótimas instalações e máquinas de sua invenção,além de outros melhoramentos introduzidos na cultura da terra.

O capitão Simão Dias dos Reis era filho da província deMinas e aparentado do Tiradentes. Sem nunca ter frequentadoqualquer curso, era homem de verdadeira ilustração, tendo-sefeito por si, em seu gabinete. Foi sempre considerado o paide seus escravos. Nunca deixou de concorrer para obras decaridade e de servir a seu país, quer nos cargos de eleição

206. Era genro do médico Randolfo Pena, proprietário da fazenda Boa-União,apontada pela imprensa na época como valhacouto dos bandidos utilizadospor ele para o assassínio do juiz. O principal acusador de Caio Valadaresnos jornais foi o visconde de Entre-Rios, sogro do dr. Randolfo (cf. capítuloOs Barroso Pereira), com quem rompera publicamente muitos anos atrás.

O juiz Cornélio de Magalhães Moraes era da Paraíba do Norte, tinha26 anos e dois filhos. Viera em 1901 de Araruama, onde também fora juizmunicipal. Sua casa, no 7 da praça Marquês, a mesma do atentado aodr. Macário, foi assaltada duas vezes, em outubro e 12 de novembro de1902, tendo os bandidos deixado na segunda sobre o peitoril da janela umabomba de dinamite. Como a polícia de Paraíba nada apurasse, QuintinoBocaiuva enviou à cidade o chefe de polícia estadual, Álvaro de Tefé(em 25-11-1902), que abriu inquérito e ouviu dez pessoas.

O processo de Caio Valadares é de registro indispensável na históriade Paraíba. Mostra a que ponto chegaram os desmandos e a impunidadena vida política, às vésperas de assumir Nilo Peçanha (1.° de janeiro de1904), que atingiu os mais altos cargos da República. Nessa onda deimoralidade muitos anos se afogou o Estado do Rio de Janeiro na chamadaRepública Velha,2°T. Foi desse fazendeiro uma das mais argutas observações- sobre a in-capacidade dos libertos de se autodeterminarem, dada a dependência totaldos brancos em que viviam, caso a Abolição ocorresse abruptamente, comoocorreu e ele não viu, pois faleceu dois anos antes do descalabro da la-voura e nascimento das favelas. Foi a conclusão lógica a que chegou, aoobservar o que ocorrera a seus escravos quando das manumissões repor-tadas adiante. Não há em nossa vida púbtica outro de tanta lucidez.

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popular, quer nos de nomeação do governo, como veremos já.Celebrizou-se em toda a zona por ocasião da construção

da Estrada de Ferro Pedro II, pois quando chegaram as obrasem 1867 a Entre-Rios originaram-se ali grandes desordens, queterminavam em morticínios.

Nessa época era o capitão Simão Dias delegado de Políciae resolveu acabar com as arruaças, provocadas quase semprepor uns portuguesinhos de Serraria. Esses se uniam a pretoscapoeiras e divertiam-se provocando para briga os trabalhadoresda estrada, fato que repercutia em jornais da Corte. Com boasmaneiras, procurou o delegado resolver a situação, o que nãoconseguiu. Acompanhado então de boa escolta seguiu paraEntre-Rios e deu ordem de não ser permitida a entrada dos de-sordeiros na povoação, mas eles não se intimidaram e tentarampassar pelos soldados. Diante disso o delegado deu ordemde fogo e cinco malfeitores caíram mortos, cessando dessa dataem diante todas as ocorrências de polícia em Entre-Rios.

O capitão Simão Dias dos Reis foi mais tarde agraciadocom o título de barão pelos serviços prestados ao municípiode Paraíba do Sul e em 1883 ter libertado 63 escravos, desis-tindo também do serviço de 33 ingénuos. Muitas foram as fe-licitações que recebeu, e entre elas a do dr. Francisco Leopol-dino de Gusmão Lobo, deputado pela província de Pernambucoe diretor-geral da Secretaria de Agricultura, o qual lhe envioueste telegrama por intermédio do poeta Dias da Rocha: "Meucaro Rocha, recebi o teu telegrama acerca das manumissõesgenerosamente dadas pelo sr. Simão Dias e sua mulher. Seos conheceres, beija-lhes por mim as dadivosas mãos, que ja-mais as houve mais puras e mais dignas. Nobres e grandescorações! Todo teu. G. Lobo. 24-11-83."

O barão de Simão Dias foi casado em primeiras núpciascom Teodora da Silva, e teve os filhos seguintes: Matilde, quese casou com Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira, advogadoe irmão do conselheiro Gama Cerqueira, e Carlota, que se casoucom o dr. Jerônimo Máximo Vessiani e Castro.

Ficando viúvo, casou-se em segundas núpcias com suacunhada Maria Rosa, não havendo filhos desse consórcio.

À fazenda da Reforma, que tinha 100 alqueires de terras,pertenciam os sítios Grota-Funda e Santa-Cruz.

Faleceu o barão de Simão Dias em 1886 em nossa cidadee está enterrado no cemitério local no mais profundo e desuma-no dos esquecimentos. Seu túmulo se distingue facilmentedos demais, por ser uma coluna terminada em pirâmide, _domelhor mármore, e das poucas que ostentam a coroa de barão.

Na década de 1920 a fazenda da Reforma, das mais próxi-mas à cidade, pertencia a Manuel Cerneira Quintas.

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FAZENDA DO RIO-NOVO

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Em 23 de junho de 1845 Ana Rosa de Jesus e seu filhoAntónio de Araújo e Silva adquiriram do marquês de São JoãoMarcos e demais vinte-e-três proprietários uma porção de ter-ras no lugar denominado Rio-Novo, na fazenda da Paraíba, por4:400$000. E aí construíram casa e fizeram plantações, levandoessa situação o nome do riacho que banha os terrenos da pro-priedade, o rio Novo.

João António de Araújo e Silva casou-se com Maria daTrindade. Teve muitos filhos, mas apenas um homem, de nomePedro António de Araújo e Silva, que se tornou conhecidíssimoem toda a redondeza pela sua bravura e desassombro de agir,sendo um destemido amigo dos humildes-08.

Morrendo João António de Araújo e Silva, ficou o destinoda fazenda entregue à viúva com os filhos menores. A situa-ção financeira da propriedade era péssima, com uma dívidahipotecária superior a cem contos-de-réis, quantia enorme naépoca. Maria da Trindade casou-se, então, com Miguel Ribeirode Sá, o qual, assumindo a direção de todos os negócios dafazenda com sua incomum capacidade de trabalho, transformoua propriedade, organizando grandes lavouras; dentro de poucosanos estava a Rio-Novo livre de todas as dívidas.

Miguel Ribeiro de Sá era português e começou a vida nomunicípio de Paraíba do Sul como empregado da casa-de-negó-cio do Major Carvalhinho, depois visconde do Rio-Novo, pertoda fazenda Boa-União no futuro distrito de Entre-Rios; passa-dos alguns anos resolveu ser mascate, e começou a percorrero município com suas três ou quatro azêmolas conduzidas pelorecoveiro Roberto, seu escravo, o primeiro que possuiu e o aju-dou a vencer na vida209.

Muito ganhou Ribeiro de Sá nessas suas viagens, não sófinanceiramente mas, principalmente, em relações e boas ami-zades, que conquistou pela probidade e maneiras gentis.

Foi durante essas viagens que o jovem mascate travou

-°8. Esse traço da personalidade dele ficou patente no depoimento a quejá me referi, de Lucas Ferreira Ribeiro (cf. nota 70), que foi seu vizinhona Grama, tinha 18 anos quando ele morreu e 72 passados falava delecom admiração. No terceiro aniversário da morte, o Parahyba do Sul olembrou como "o inesquecível Pedro de Araújo".-"'•>. O autor usa os termos correntes em Portugal para besta-de-carga e ocondutor, também almocreve, sendo mais recoveiro quem usa a recova, tra-vessão sobre os ombros para o transporte de fardos comum no Brasilentre peixeiros de rua. Foram certamente os termos de início usados poresse imigrante inteligente e ativo, chegado aos> 15 anos a nossa terrapara ser — no termo caro ao autor — cidadão prestante como poucos.

conhecimento com a viúva Maria da Trindade, da fazenda doRio-Novo, com quem veio a casar-se.

Ribeiro de Sá foi uma das maiores figuras do progresso deParaíba do Sul. Exerceu todos os cargos públicos no município,sendo vereador e presidente da Câmara diversas vezes, e che-fiou o partido Conservador. Dividiu sua atividade entre a fa-zenda e a cidade, onde foi presidente da Sociedade Amantesda Instrução; concorreu muito para a edificação do TheatroGymnastico Parahybano e, em tudo quanto se prendia ao pro-gresso de Paraíba, era sempre dos primeiros. Construiu narua das Flores um magnífico palacete para sua residência, em1886-'". Doou à Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro onecessário para "fazer as despesas de mordomo do mês deagosto de 1876".

Por decreto de 15 de abril de 1882 foi Miguel Ribeiro deSá agraciado com o título de barão de Ribeiro de Sá.

Do seu casamento com Maria da Trindade — baronesa deRibeiro de Sá — nasceu um único filho, que foi o tenenteJosé Lino Ribeiro de Sá, pai de António-" e Dagoberto Ribeirode Sá, advogados em Juiz de Fora; Rubens, farmacêutico namesma cidade; e José tino-*-, médico.

Com a morte do barão Ribeiro de Sá, em 1904, a fazendado Rio-Novo passou a seu filho, e deste a Paulo Landsberg, quea transferiu a seu irmão, Gilberto Landsberg, atual proprietário.

FAZENDA CRUZ DAS PITEIRAS

Nicolau António dos Passos é o mais antigo proprietárioda fazenda Cruz das Piteiras que conseguimos identificar-13.Foi uma grande figura do progresso de Paraíba do Sul. Exerceusempre seu direito de voto, mas nunca tomou parte na política,nem quis ocupar cargos públicos.

Em sua fazenda trabalhavam centenas de pessoas e du-rante cinquenta anos agiu exclusivamente no distrito da En-

210. É desde 31 de agosto último nossa Casa da Cultura, que enche deesperança os que lutam pela elevação de seu nível na cidade.211. Autor de dois livros — consulte a bibliografia — básicos para o es-clarecimento da fundação de nossa Casa de Caridade. Um deles, também,muito útil ao esclarecimento da Revolução de 1891 vista de Paraíba.212. Com uma carta ao prefeito de Entre-Rios, em 1942, deu ensejo àpublicação das obras referidas na nota anterior.213. A sede da fazenda não mais existe. Creio ser o sítio designado porCruz pelos viajantes do início do século passado. Possível ter havido mes-mo ali uma, pois era encruzilhada, vindo o caminho do Proença tradicionalpara a sede da fazenda do Governo, e outro (hoje a estrada de Sebolas)'para o Rancho-Queimado e o Queima-Sangue, que ainda não existiam.

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cruzilhada. Foi exemplo perfeito de operosidade, honradez ejustiça para seus subordinados.

Grande parte de sua riqueza empregou na própria fazenda,a qual era um modelo de comodidade e higiene, zelando tam-bém pelo conforto de seus empregados. Utilizava máquinaspara o preparo das terras, beneficiando-as enormemente.

Em idade avançada retirou-se para a cidade onde passou aresidir até a morte, aos 85 anos.

Era o coronel Passos filho do comendador Joaquim Antóniodos Passos, proprietário da fazenda Alto do Pegado, no últimoterritório que perdemos para Petrópolis em 1892. Homem mui-to honesto e trabalhador, faleceu aos 93 anos, muito rico.

O comendador, que do primeiro matrimónio tinha uma filha,casou-se depois com Maria Adelaide, viúva de José Franciscodos Reis e filha de Mariana Rosa de Jesus Rodrigues Caldas,senhora da fazenda do Secretário. Do consórcio do comendadorPassos com Maria Adelaide nasceram os seguintes filhos:

1. Joaquina; 2. Nicolau, fazendeiro de quem já falamose que se casou com Madalena Werneck de Carvalho, nascendodesse consórcio os filhos Irineu, que foi vereador em nossomunicípio e se casou com Floriza da Silva Dias, filha de Joa-quim Bernardes Dias, médico, fazendeiro, coletor das RendasEstaduais em Paraíba do Sul e deputado federal; Elvira; AntónioWerneck dos Passos; Maria; Ernani Werneck dos Passos, mé-dico; Nicolina, casada com Manuel Sabino Silva Souto214, médicoe prefeito em nosso município; 3. Luciano, que morreu soltei-ro; 4. Joaquim, que se casou com Ana Werneck de Carvalho;5. José, o conhecido Capitão Jucá Passos, casado com Ma-riana de Santana, de cujo enlace nasceu d. Marianinha Passos,que se casando com Josino António Werneck de Carvalho teveos filhos Wagner, engenheiro eletricista formado na Bélgica,José, odontologista por Ouro Preto, e Walter, fazendeiro.

Maria, a filha do primeiro casamento do comendador Joa-quim António dos Passos, casou-se com o capitão António Cal-das, deixando os filhos Mário, Marieta e Adelaide.

FAZENDA DE SANTA ROSA

A fazenda de Santa Rosa, na margem direita do Paraíbaà montante da cidade 6 km, foi do capitão Lino Manuel da Costa,que sempre trabalhou para o progresso de Paraíba do Sul eempregou todos os esforços para que a Estrada de Ferro Pe-dro II instalasse aqui suas oficinas quando da construção.

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214 É o amigo do autor de que trata a nota 14.

Era Lino Manuel da Costa capitão da Guarda Nacional efoi vereador àa Câmara, ocupando também outros cargos pú-blicos no município, como o de delegado. Sobranceira ao rio,a sede era conhecida por causa da estrada de Ubá que pas-sava em frente. Tinha grande número de escravos e muitalavoura. Por essa época a fazenda tinha o nome de Boa-União-1"', mudado para Santa Rosa pelos herdeiros. E foi esseo nome que ficou.

O capitão Lino Manuel da Costa foi assassinado a tirospor um escravo de nome Ismael na noite de 1° de abril de1868. O crime causou grande impressão entre os fazendeirosno município-1". A abertura do processo foi o último trabalhorealizado em nosso foro pelo promotor Miguel Calmon du Pine Almeida. O jovem advogado baiano estreou na magistraturaem nossa cidade, onde chegou em 1866, com 23 anos e se ca-sou. Fez depois brilhante carreira política.

O proprietário a seguir foi Leandro Bezerra Monteiro, advo-gado cearense e parlamentar do Império. Como fazendeiro foifigura apagada. Conhecia pouco o segredo de trabalhar a terrae o seu bom coração não o deixava acumular riquezas-17.

Quando da seca do Ceará em 1877, a sua fazenda se tor-nou hospedaria para os retirantes, que em grande número aliacolheu e procurou colocar em outros lugares da província.

Eram conhecidíssimos os pomares de Santa Rosa, cujasjaboticabeiras se alinhavam à beira-rio e ficaram famosas nacidade pelos seus frutos que ali se vendiam.

O dr. Leandro deixou dois filhos notáveis: João Bezerrade Meneses, médico, e José Geraldo Bezerra de Meneses,advogado. Era cearense do Grato e compadre diversas vezesdo padre Cícero. Sendo deputado geral, deu-se a célebrequestão epíscopo-maçônica, na qual tomou decididamente a de-fesa dos bispos presos.

Hoje a fazenda de Santa Rosa pertence ao coronel Fran-cisco Quirino Pinheiro, que foi vereador em nossa Câmara218.21B. Houve três fazendas com esse nome no município; junto a Entre-Rios,de citação degradante na nota 206, na Bemposta e esta, hoje pasto de boi.-is. Foi secretário da Câmara Municipal em 1835, em substituição ao pri-meiro, Clarimundo Mariano da Silva, que se demitiu a 25 de agosto daqueleano por causa do insuficiente ordenado (ainda não vencimento) de 250SOOOpor ano. Mas ficou só até dezembro. Na sessão de 9 desse mês cedeuo lugar a Felizardo Gonçalves Rocha que, parece, não devia sentir-se tantocom aquele ordenado, que a própria Câmara achava ruim mas era impostopelo artigo 1." da Lei de Orçamento Municipal, que era provincial.2iT. Quem muito escreveu sobre esse advogado foi Agripino Grieco, quese diz nas Memórias afilhado do filho José Geraldo, citado a seguir.218. Parece, foi o último proprietário. Para essa fazenda, que está à belra--rio no distrito da Encruzilhada, o boi do 1." distrito atravessou o Paraíba;o que temia o autor, aconteceu. E a fazenda acabou.

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FAZENDA SÃO JOÃO DO BARREIRO

A fazenda São João do Barreiro é de meados do séculopassado. Foi fundada pelo tenente-coronel João Gomes deAguiar, chefe da importante família Gomes de Aguiar, senhorada fazenda do Piabanha e outras.

Fica a fazenda do Barreiro situada à margem do rio Pia-banha em local de grande beleza. Teve enormes plantaçõesde café e muita escravaria.

O segundo proprietário do Barreiro, como é popularmenteconhecida, foi o conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo,professor de Direito, publicista, notável parlamentar, advogadode grande valor. Foi deputado provincial e geral por MinasGerais, ministro da Guerra, presidente da província do Rio deJaneiro e presidente das sessões preparatórias da última câ-mara do Império. Sua fazenda era frequentada por seu irmão,o visconde de Ouro-Preto-1", e por outros vultos notáveis daépoca, o fim da Monarquia.

O conselheiro Carlos Afonso tomou parte em partidos polí-ticos em Paraíba do Sul e colaborou na imprensa local. Li-bertou todos os escravos antes da lei de 13 de maio, sendonesse ato assistido por seu sobrinho, o futuro conde de AfonsoCelso, filho do visconde de Ouro-Preto.

O médico Moura Brasil foi o terceiro proprietário do Bar-reiro que, por sua morte, passou ao filho Francisco de MouraBrasil. Já então a fazenda estava reincorporada à mais antigada região, a das Três-Barras, que principiou em meados doséculo XVIII. Em suas terras surgiu o povoado que levou onome do célebre oculista, o doutor Moura Brasil, oriundo daestação ali aberta em 1900 pela Leopoldina.

Afonso Celso de Assis Figueiredo (1836-1912).

Equívocos sobre Paraíba

"Um historiador que pensa que seu ofí-cio consiste em descobrir fatos poderia damesma maneira colecionar borboletas, selosou caixas de fósforos."IMoses l. Finley, em entrevista a Lê Monde. Citadopor Marcos Alvito Pereira de Sousa, professor de His-tória Antiga da Universidade Federal Fluminense, emO Passado Desmistificado, Jornal do Brasil, 10-3-1991.)

Na mais geral de todas as análises, o equívoco em História talvez possaser classificado, como glosa, em objetivo ou subjetivo, conforme venha dacarência ou falsidade do objeto que o causa, o documento, ou da incapaci-dade do sujeito que o interpreta, o falto de preparo que se mete a escreveriludido pela aparente facilidade do tema. Ao primeiro tipo estão expostosos maiores historiadores, apesar da costumeira cautela, e sua eliminaçãoé o ideal de todo pesquisador; enquanto a perenidade do segundo pareceassegurada, onde não haja vigilância e encontrem espaço ignorância e audá-cia, como se sabe, companheiras quase inseparáveis.

Aceita essa premissa e lembrando que até agora não tínhamos publi-cado nossa história mais-ou-menos concatenada, a consequência lógica é aresponsabilidade em Paraíba pelo surgimento de muitos desses equívocos,fáceis de inventar como difíceis de remover.

A demora com que se publica a primeira história da cidade, um tantosistematizada, é evidente. Enquanto Resende, Valença e Vassouras, 70, 120e 150 anos mais recentes têm há muito a origem divulgada, só agora foipossível editar os estudos de Pedro Gomes da Silva, escritos como jávimos há quase cinquenta anos. Tivéssemos dado ao autor, quando aindao Pftdro Cabrito do prefácio, a atenção que merecia, e por certo teríamossalvo nossa história, singular, de pelo menos alguns desses equívocos e damesmice costumeira dos registros históricos nas publicações oficiais, tipoSinopse dos Municípios (1948), e a ainda pior Enciclopédia dos MunicípiosBrasileiros (1959), ambos do IBGE. E certamente das contribuições no anopassado dos professores Ipanema, despreparados a escrever sobre Paraíba.

Podemos aqui porém lembrar o francês, embora não pareça, o sujeitomais otimista do mundo: "A quelque chose malheur est bon." E isso

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porque, se para alguma coisa serve a infelicidade, a contribuição infelizdesses professores encheu Paraíba de brios; e o Pedro se desencantou.Agora ai está, com suas limitações e tropeços, mas já um escudo emque esbarrar qualquer incursão aventureira em nossa história.

Antes do alinharmos essas incursões desastradas, que estropiam nossaincipiente bibliografia, vale registrar quanto é pequena e até agora poucosignificativa. E foi justamente isso que permitiu tais equívocos.

O primeiro registro na imprensa paraibana sobre história parece umartigo no Provinciano de 14 de setembro de 1878 — Estabelecimento daFreguesia —, calcado em Monsenhor Pizarro (cf. nota 22). No mesmo jor-nal, em dezembro de 1885 se. anuncia a publicação de Monographia do Mu*nicipio de Parahyba do Sul, de José Maria Vaz Pinto Coelho, advogado ejornalista. E no Parahyba em março de 1889 o tema volta, numa Monogra-phia da Parahyba do Sul de Júlio Rocha, irmão do editor do jornal republi-cano, Irineu Rocha, e do poeta e seu colaborador, Dias da Rocha Filho.

Se esses trabalhos chegaram a ser publicados, perderam-se totalmente,pois não constam do catálogo de qualquer biblioteca.

Na 2." parte do tomo 67 da Revista do I.H.G.B. apareceu O Municípioc/a Parahyba do Sul em 1904, em que se descrevem os distritos (oito, então)e se dá breve resenha da criação de cada um. O enfoque geográfico eeconómico é mais minucioso, o que se explica no ter sido a notícia vazadana Chorographia Fluminense, de António José Caetano da Silva (1896).

E vêm a seguir — e é só! — os livros aparecidos em consequênciada controvérsia sobre a fundação da Irmandade Nossa Senhora da Piedade,entre descendentes do advogado Leandro Bezerra Monteiro (cf. nota 85)e barão de Ribeiro de Sá (cf. nota 138). Isso porque Flores e Flores do padreTeófilo Dutra (cf. nota 97) é ainda reação dos Ribeiro de Sá (cf. notas 211e 212) aos ataques de Agripino Grieco ao avô deles num artigo em O Jornal,a 15 de outubro de 1927, verdadeiro ninho de cobras de equívocos e malen-tendidos sobre Paraíba e sua gente.

A diferença entre Agripino Grieco e a cidade em que nasceu é casopara psicólogo; e isso não sou.

Usavam os antigos aquele termo, diferença, e ainda o adjetivo diferente,para expressar antagonismo, incompatibilidade profunda, o que é patente noescritor sempre que se refere a Paraíba; e particularmente a Carlos Sales(cf. nota 9), de quem no entanto já era amigo e discípulo pelo menosdesde setembro de 1902, a um mês de completar 14 anos, quando seunome consta numa homenagem ao nosso maior jornalista da época. Se-tenta anos passados, Carlos Sales morto havia onze e ele próprio, Agripino,a um apenas de morrer, dedica-lhe artigo cruel em suas memórias. Talveza razão disso esteja no que era corrente na Paraíba da minha infância:que nos jornais cariocas Carlos Sales, que também poetava, descobrira terAgripino publicado como seus poemas de Soares de Sousa Jr. e Dias daRocha, mortos quando tinha apenas 5 e 7 anos e de quem recolhera aobra, esparsa em jornais da cidade, na Biblioteca Nacional.

Verídico ou não, o fato é que a veia poética dele secou. Dos 26 vo-lumes publicados, a maioria ferina crítica literária, só o primeiro é depoemas, Ânforas (Rio, 1910).

No artigo de Agripino Grieco no Suplemento Comemorativo do Bicen-tenário do Café (1927), de O Jornal, começa a fazer carreira um dos equí-vocos mais idiotas sobre nossa história, e justamente por sua falta decompetência no assunto. Os mais correntes até então, como Leme nonome do Fundador e do pai, Fernão Dias, eram devido à falta da documen-tação só publicada no início do século por Taunay e Basílio Magalhães,

Padre Dutra ainda confunde a personalidade de Garcia com a do bis-neto, dando-lhe o título de marquês de São João Marcos, a ele mateiro

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autêntico. E nas suas águas repete isso em 1944 o neto do barão deRibeiro de Sá, António Ribeiro de Sá, em Paraíba do Sul e Entre.Rios.

A ignorância de Agripino Grieco em História provocou o equívoco meyoda jornada como primeiro nome de Paraíba. Aí está com y, mesmo, paralembrar que vem da carta de Garcia de 1703, em que localiza sua fazendaa meio-caminho entre o Rio e a borda dos campos gerais, hoje Barbacena.

Evidentemente, o tal meyo chegou ao conhecimento de Agripino emcitação de outrem, não no texto da própria carta de Garcia, ou no estudode Basílio Magalhães em que é transcrita.

Quem tiver, pouco que seja, o hábito de ler História percebe logo queAgripino Grieco não lhe dava qualquer atenção, servindo-se apenas de suaspassagens pitorescas em palestras de entretenimento e artigos de rodapéde jornal. Sabido, porém, certo de suas limitações, saiu pela tangente. Ecolocou antes de meyo da jornada, um cauteloso reputado. Se não fosseisso, ao menos o leitor lhe atribuiria argúcia e cautela em ter duvidado . . .

Levantando dúvida sobre o que era mais que certo, nosso ilustre con-terrâneo deu azo a que um mais ignorante ainda tomasse o "reputado"por "incontestado", ou coisa que o valha. Lógico que isso foi logo achadopelos redatores do IBGE! E até a Secretaria de Cultura do Estado passaadiante, em sua "notícia histórica" sobre a cidade.

Acredito que nosso autor, em 1927 aos 18 anos e nos primeiros passosem História e redação, tenha sua parcela de culpa na propalação do idio-tismo (no sentido próprio, não gramatical) em alguns escritos no péssimojornal do professor Bacelar, pelos anos 47 a 50. Em seus primeiros tra-balhos tomou como a uma bíblia, modelo a ser imitado, aquele estapafúrdioParaíba do Sul, do fastígio agrícola à estagnação dos burocratas, o tal ar-tigo em O Jornal em que aos mais experientes se revela a ignorância deAgripino Grieco em Geografia, História, Economia, e a consequente inca-pacidade de compreender o drama que no momento vivia a Velha Provínciaem que nascera, nas últimas com a derrocada de sua lavoura de café.

Até os cacoetes da redação rococó, de que Agripino nunca se livrou,foram pelo jovem Pedro imitados. Ele juntava um adjetivo estrambólico atudo e, como o mestre, variando apenas a posição, antes ou depois dosubstantivo. Pois no tal artigo de Agripino em 1927, como nas Memóriasde 45 anos depois, toda barba já é argêntea, ou bíblica; todo senhor deaparência respeitável, no fundo, um frascário; e todo meirinho, voraz.

Cabe aqui lembrar mais um autor que sofreu a perniciosa influênciadesse artigo, em que Agripino lança a moda da exploração das extravagân-cias e liberalidades dos enriquecidos barões do café. Foi Brasil Gerson,pseudónimo de Brasil Gorensen (1905-1981), que explora as mesmas ve-redas pitorescas do mestre e, por uma incrível distração, exumou velhoequívoco de história já enterrado, provocando na imprensa da vizinha TrêsRios dois artigos totalmente fantasiosos sobre o caminho de Garcia.

Em louvor à inteligência e perspicácia de Pedro Gomes da Silva, sejadito que se livrou da influência de Agripino Grieco, reconhecendo maistarde sua cultura livresca e desatualizada.

Seja também dito de Brasil Gerson que foi pesquisador incessante, massem qualquer método. Parecia autodidata. Parece, sofreu perseguição po-lítica e viveu exilado no Uruguai. Mas infelizmente foi tão confuso e ata-balhoadb em suas pesquisas que acabou realizando o que antes dele seriainacreditável: num texto em que se transcrevia um equívoco só para serrefutado, copiou-o como válido. E nem viu a refutação. Parece brincadeira,mas está lá, página 18 do seu O Ouro, o café e o rio (1970). Com isso,ressuscitou o equívoco corrigido havia 50 anos, e só no trirriense O Cartazo passaram adiante pelo menos duas vezes: a 23 de dezembro de 1978e 5 de maio de 1979.

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É longo o relato da trapalhada que reviveu; ligando-se porém a fatobásico em nosa história, tentemos esclarecê-lo.

Em 1904, em sua História Antiga das Minas Gerais o historiador mineiroDiogo de Vasconcelos (1843-1927), se deixando levar por uma interpretaçãodesastrada — na verdade, reveladora de sua carência de conhecimentogeográfico —, descreveu como trajeto do Caminho ao chegar à nossadivisa com Minas, em vez da reta de 2,5 léguas que faziam as mulas etropeiros até Paraíba, a grande curva da Central do Brasil para leste, viaSerraria e Entre-Rios pelo Paraibuna abaixo, e daí outra curva de 90 kmpara oeste, margeando o Paraíba até Barra do Piraí e dali pela serra doMar ao Rio; ou seja, o trecho ferroviário construído pela Pedro II de 1856a 1876, exatos 160 anos depois do caminho de Garcia.

Esse absurdo fica ainda mais incompreensível sabendo-se que o histo-riador utilizava diariamente sua mula, conhecida de toda Ouro Preto e citadana crónica local, para ir de casa no arrabalde das Cabeças à grande praçacentral da cidade, onde a sentença de Tiradentes, hoje patrono da praça,mandou espetar sua cabeça diante do palácio do governador e da cadeia.Como prefeito, ou ainda presidente da Câmara, era seu trajeto diário;e o homem nunca viu o ajuizado animal se aventurar pela margem do Tripuí,onde poderia atolar-se, mas levá-lo pela meia-encosta em que se abriram,para ele e os seus, iodos os caminhos antigos e iodas as ruas de Vila Rica,pátria do historiador.

Como se deduz, Diogo de Vasconcelos foi historiador de gabinete,alheio ao cenário onde se passaram os fatos que narrava. E caiu do cavalo— no caso, da mula —, apesar de cultuado pelos mineiros como o maiorhistoriador das Minas Gerais. E é. Mas aí fica a lição, que poucos ouvem:historiador de gabinete, nriais cedo ou mais tarde, dá com os burros nágua.

Tivesse Diogo de Vasconcelos ficado nesse equívoco da página 158e talvez restasse ignorado entre as centenas mais que escreveu. Caiuporém em outro pior: tentou contestar a precedência dos paulistas no pla-nalto de Minas, em favor dos baianos, que ali já estariam e teriam esten-dido a mão aos bandeirantes com os "votos de boas-vindas". Aí mexeu emcasa de marimbondo (cf. nota 23).

A documentação arrasadora de Basílio Magalhães, refutação completa— Revista do IHGB Tomo 84 pg. 13 a 27 —, aponta ainda no historiadoroutra embrulhada com o nome de Garcia. Parodiando os antigos latinos,que distinguiam parentes homónimos com Sénior e Júnior pospostos aonome, tomou o "Velho", nome de família materno de Garcia RodriguesVelho, tio do nosso Garcia, por Sénior. E se achou autorizado a escreverque se tratava do mesmo quando idoso, chamado "Velho" para distinguir-sede homónimo. Com isso confundiu tio e sobrinho, atribuindo cargo a umexercido pelo outro e armando na história da época, antes de Basílio Ma-galhães, grande confusão.

O caso Diogo x Basílio teve para nós em Paraíba desfecho feliz:apressou o surgimento da documentação sobre o Caminho, e definiu a per-sonalidade do Fundador. É outro caso em que se poderia repetir com osfranceses: "À quelque chose..."

Outro equívoco sobre Paraíba, veiculado pelo menos desde Inácio Ra-poso em História de Vassouras [1935), e ainda mais pelos redatores doIBGE de 1948 e 1959, é chamá-la Paraíba Nova, denominação dá serra nooeste do Estado evidentemente criada para distinguir aquele distrito (ter-ritório) do nosso Sertão da Paraíba. Monsenhor Pizarro, em 1820, chegamesmo a se referir a nós como Paraíba Velha.

Talvez o termo tenha nascido espontaneamente, quando a zona limítrofecom São Paulo se povoou na chegada do café, que dali se espalhou pelovale, acima e abaixo. Mas foi por certo oficializado pelo padre Manuel

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Aires de Casal (1754-1821?) em sua Relação Histórica e Geographica dofíeyno do Brazil, ou Chorographia Brazilica, Imprensa Régia, Rio, 1817.

Dividiu o geógrafo a província do Rio de Janeiro (pg. 185 a 208) pelaserra dos Órgãos em dois territórios: Beira-Mar e Serra-Acima, o primeirocom quatro distritos e o segundo, dois.

Os distritos de Beira-Mar (ou Meridional) eram Ilha Grande, com duasvilas; o do Rio de Janeiro, uma cidade e quatro vilas; Cabo Frio, uma cidadee uma vila; e Goitacases, duas vilas. Todas cabeças de termo, circuns-crição judicial.

Serra-Acima (ou Setentrional) foi dividido em dois distritos por umareta que o geógrafo traçou, norte-sul, da fortaleza da Laje, na barra daGuanabara, à nascente do Piabanha, e por esse rio abaixo à foz no Paraíba.Ao distrito oriental chamou pelo nome de sua única vila, Cantagalo, e aoocidental Paraíba Nova, com as vilas de Resende e São João Marcos.

A divisão geográfica nesses distritos teve vida efémera, pois com acriação dos municípios pela Regência na reorganização da província a deno-minação da nova unidade político-administrativa rapidamente se divulgou.No território ocidental fluminense, de oeste para leste, foram criados osmunicípios de Resende, Barra Mansa, São João Marcos, Vassouras, Valençae Paraíba do Sul, sendo o nosso jogado para oriente sobre o sertão dos ín-dios brabos (cf. nota 53), território dos atuais municípios de Três Rios, SãoJosé do Vale do Rio Preto, Sapucaia e Sumidouro, e para o sul os de Itai-pava e Petrópolis.

A geografia de Aires de Casal, pouco conhecida e oportuno divulgar,apresenta ainda de interessante para nós a denominação de Três Rios paraa zona de confluência do Paraibuna, Piabanha e Paraíba; e a informaçãode nosso arraial em 1817:

"Sobre a margem setentrional do Paraíba, na passagem para o Parai-buna, está o considerável e frequentado arraial de Nossa Senhora da Con-ceição, povoado de gente branca."

O terceiro e último volume da pequena bibliografia de nossa históriafoi impresso em off-set ano passado em Paraíba, de autoria de Cibele eMarcelo de Ipanema, diplomados em Geografia e História pela Universidadedo Brasil. As "contribuições históricas", subtítulo do livro que tem o nomeda cidade, ocupam 72 páginas no total de 231; e das 72, de 40 a 50, no mí-nimo, são da história do Brasil. O que sobra para a de Paraíba contémmais equívocos que os aparecidos até agora.

Como fizemos até aqui com os autores citados, quando remetemos oleitor a notas elucidativas, é preciso informar sobre os Ipanema além doque há no currículo (pg. 5), mormente sendo forasteiros. Mais porém doque dizem ali e na apresentação da obra (pg. 11), fala deles o capítuloinicial, Paraíba do Sul — Informações Atuais.

Eles explicam que têm cinco especialidades, entre as quais a de comu-nicadores. E nesta superam toda expectativa: seu guia de Paraíba, le-vantado em pouco tempo, suplanta o de qualquer Quatro-Rodas. Cobriramtudo! Até à página 47, onde acaba, já estão citadas de Paraíba 88 pes-soas, e 30 de fora. Total: 118. E ainda há o 119.°, único morto num livrode história, Carlos Lacerda, cuja presença se explica: foi pai de editor^bemvivo, citado. E alguns aparecem várias vezes, como o prefeito, sempre "ope-roso". E o "conhecido político", presidente da Câmara. Desta, as funcio-nárias são "zelosas", como também os motoristas da Salutaris.

Tanto adjetivo, e bem colocado, faz lembrar o Agripino. E este, se deum pesquisador incansável como Taunay disse que não deixou cova debandeirante sem cruz, que diria desses professores em Paraíba? No míni-mo, que não deixaram cadeira vazia.

Os professores Ipanema, cuja especialidade abrange "as áreas de His-

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tória, Comunicação, Património Cultural, Documentação e Meio Ambiente''(pg. 3), criaram um tipo de redação esteriotipada num esquema de títulos,subtítulos, itens, alíneas e quantas subgradações mais necessárias à adap-tação de seus trabalhos a qualquer peculiaridade do lugar em que operem.

Na fase da operação Paraíba, graças ao estereótipo, realizaram a proezaem oito meses, pois vieram para o Fórum de História (9 de dezembro de1989), "integrando-se à comunidade" (pg. 8), e publicaram as contribuiçõesem agosto de 1990.

Como o esquema desses professores é inusitado em trabalhos histó-ricos, ideia só se pode dar com um exemplo de como o aplicaram numcapítulo sobre a história de Paraíba (pg. 55 a 62):

"3. OS PORTUGUESES E SEUS PROCEDIMENTOS (1502-1733)

3.1 O Rio de Janeiro entre 1502 e 15653.2 A Governadoria do Rio (1565-1733)3.3 Troca de culturas3.4 A ação produtiva e eliminadora da cobertura vegetal3.5 Mão-de-obra3.6 Moradas e lazer3.7 Ermidas e igrejas3.8 Instrução e cultura

E por aí vão em nossa história ...Ainda na Explicação — pg. 11 a 15 — ficamos sabendo que operam

através da SIEC (Sociedade Ipanema de Educação e Cultura), "criada noRio de Janeiro em 1989 com o objetivo de interiorizar, essencialmente, aeducação e a cultura" (pg'. 7), e "a obstinação de conquistar ensino su-perior para o Vale do Paraíba fluminense" (pg. 11), "e, neste, elegeu acidade de Paraíba do Sul para sua sede e foro" (pg. 7).

E, de fato, na mesma página 7 dão seu registro no cartório de nosso1." ofício (Livro C-1, f l. 37 v, n." 14). Na 8 está a notícia de sua utilidadepública municipal conferida pela Câmara na Lei 1459, de 17 de maio de 1990.

A linha-mestra dos trabalhos dos autores, de resultados tão rápidos esatisfatórios, é a inserção da comunidade "nos iodos que a contiveram emvários momentos" (pg. 52), ou seja, em nosso caso, Estado do Rio e Brasilem várias fases de sua história. E distinguem 14 momentos (o termo édeles, ainda na 52), sendo 8 do Brasil (nisso o iodo Estado não entra)e 6 nossos, em Paraíba desde o "Segundo Reinado" (1840-1889)" ao "Retornoao Civilismo (1985-...)"; assim mesmo, com as reticências de mau-agouro.

Mas ainda não se dão por satisfeitos com a inserção de Paraíba sóno Estado e Brasil: "Lamentamos que no curso (compreenda-se, do livro)pouco a tenhamos ligado com a Europa, a África e o resto do planeta"(pg. 52 ainda).

Aí já me parece exagero, confiança demais dos professores no talvolume esquemático. Acho que precisariam no mínimo mais um, ou dois,talvez três — quem sabe? —, para inserir Paraíba nos fodos negligenciadosno 1.° volume.

Bom, aí estão os autores. Vejamos agora o livro e alguns equívocos,razão por que é focalizado aqui.

Mas antes se impõe o relato de um encontro com o professor Marcelo(que aonheci em Paraíba) no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, doqual é sócio. Na biblioteca lhe mostrei e pedi que intercedesse pela pu-blicação do Tombo da Fazenda do Paraibuna, de 1822.

Pedi-lhe também que me ajudasse a conscientizar Paraíba do seu pas-sado, cooperando na campanha pela Praça Garcia, o primeiro passo. O

nome assim curto, para o povo de fato o usar. E a adoção seria rápida,desde que os ônibus urbanos viessem dos bairros com a nova denominaçãono cartaz, em vez do atual "Rodoviária".

Mas ficamos nisso.Seu livro nos termos em que apareceu foi uma surpresa.O nível do trabalho dos professores Ipanema não condiz com os títulos

que apresentam. Sei que diploma não confere qualidade de produção aninguém; mas responsabilidade, sim. É apenas atestado de que se recebeuorientação superior na ciência que se elegeu. O desenvolvimento da capa-cidade é de cada um, na pesquisa e leituras paralelas, que História exigesem cessar, abrangente como é, coroa dos conhecimentos humanos.

Absorvidos porém em sua coleção de normas e decretos, de que éespelho o que deixaram em Paraíba ano passado e nos dois trabalhosdeste ano em Angra dos Reis, parece, não a desenvolveram; e em Geo-grafia e História de Paraíba, pelo menos, nada têm a dizer.

Vejamos amostra do que está na 3." parte do seu livro e trouxeramdo Rio para "interiorização da cultura", expondo-a no Fórum de Históriapara que foram convidados: a carta de Pedro l, nu, escrita no Registo,possivelmente após um banho de rio. (Mas só Agripino e Brasil Gersonfalaram dela umas dez vezes!) Um bilhete maf-redigido por Pedro II.(Acharam que fosse contribuição à nossa história porque escrito na Boa-vista.) O apedrejamento de Silva Jardim (1860-1891) no sobradão da Di-reita, já contado demais, para nosso desgosto, e coisa de que não nosdeixa esquecer gente como a citada e eles; e há 100 anos, pois tantos fazque no Vesúvio pereceu nossa vítima. E para concluir, o batismo do Ga-leão por um vice-almirante, o barão de Angra, celebrado a 1." de outubrode 1912 na abertura da estação. E, o contando, lhes escapou a sutilezada Central, adequando ao lugar tal padrinho.

Mas quase 80 anos dessa adequação, já chega! Em nome de nossastradições, queremos Galeão de volta. E o barão que volte para sua Angra,onde aliás já o precederam os professores Ipanema.

Tentativa de sumário do seu trajeto chamaram ao que pensam ter sidoo de Paraíba. Longe de expressar modéstia, tentativa é adequado reco-nhecimento da falta de preparo no que se propuseram fazer, mesmo su-mário. E, sumário, ainda o enquadram no estereótipo de exposição quecriaram. Os trabalhos anteriores ao de Paraíba, três, se conformam noesquema, assim como os dois publicados até setembro, este ano, o deAngra dos Reis em dois opúsculos de 50 páginas.

Ordenamento jurídico e administrativo no espaço fluminense/carioca, aoutra produção de 1991 e livreto de 15 x 11 cm com 78 páginas, é relaçãoesquemática, como sempre, de todas as constituições do País e fluminenses,com as respectivas emendas e decretos que nos "regimes de exceção"fizeram as suas vezes. Foi editado pela Livraria e Editora Marcello deIpanema, fundada no Rio este ano, e não mais pela SIEC, de Paraíba,editora da produção que examinamos.

Quanto a Angra dos Reis no Segundo Reinado, título que sugere es-tudo, é apenas reprodução facsimilar do momento 1844/48 daquela cidadeno Almarjak Laemmert daqueles anos.

Nesses momentos, criação dos professores fácil de adaptar à apresen-tação esquemática, e extraídos dos almanaques Laemmert, nossa cidadefoi também facsimilada três vezes (1854, 1876 e 1929), ainda em laemmert,o almanaque do Segundo Reinado protótipo dos atuais guias de cidade quemostraram aqui fazer tão rápido, e bem.

Na apresentação do livreto de Angra informa-se que também colecionamesses almanaques, "hoje raridade bibliográfica", além de normas, decretose fatos do tipo dos trazidos ao Fórum.

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É válido a meu ver o exame do momento 1991 dos professores emAngra, e a seguir o dos ordenamentos no Rio, para esclarecer a verdadeiramotivação do momento 1989/90 SIEC — Paraíba, que é só o que nos inte-ressa e se afigura inusitado em seu currículo, à luz do exame que vimosfazendo ern suas produções, aníes e depois.

Sim, pois se até aqui chegarem se haviam limitado às coleções denormas, decretos, fatos e almanaques, por que essa tentativa de escreverhistória em Paraíba?

A legislação normativa de que dão notícia no guia deste ano no Rio,comunicadores excelentes como provaram aqui, "ordenada jurídica e admi-nistrativamente", tem o fim utilitário de indicar ao estudioso de leis ondeachar o que procura. Vale, ao estudante de Direito, como aquele cartaz aomotorista no trevo aberto no patamar onde se assentava a sede da fazendade Cantagalo, cuja perda foi tão chorada por nosso Pedro: "Paraíba doSul, 9 km." E a seta a indicar o rumo.

Vendo-o, como o casal Ipanema em 1989 pela primeira vez, ele podevir até cá e conhecer a cidade; mas para escrever sobre ela, naturalmente,terá que estudar, abrir livro, pesquisar com paciência, como o estudanteque comprar o guia Ipanema irá procurar as leis que precisa estudar.

Assim, como o cartaz de Cantagalo, o livrete do casal este ano noRio, baseado na coleção de normas e decretos, é coisa útil.

Não nos julgue o leitor em digressão ao examinarmos a produção 91dos professores. Continuamos fiéis a equívocos, e na pista do maior dostrês sobre história cometidos aqui no momento 89-90 SIEC; pois os outros,muitos, em nada afetam Paraíba, comprovando apenas a nenhuma pesquisa.

Assim, no meu tema, e ainda examinando o guia Ordenamento, regis-tremos para memória duas passagens de recuo significativo sobre o queescreveram na Tentativa de 90 aqui, Serra-Acima.

Na página mais fantasiosa que já li, a 86, tentaram a criação de mu-nicípios no Brasil antes da lei de 1828, julgando-a talvez no âmbito res-trito de uma publicação em off-set, "pequena na tiragem e número de pá-ginas" (pg. 11). Todavia, este ano no Rio se desdizem e na página 53transcrevem ipsis-litterís a mesma relação de "municípios" de Serra-Acima,mas já como de "cidades (Rio e Cabo Frio) e vilas fluminenses".

Mas são tão inábeis no recuo, ao darem o que chama o vulgo desculpaesfarrapada, que ainda mais o realçam; e trinta-e-duas páginas antes, ten-tando uma justificação descabida e só reveladora de falta de argúcia; équando escrevem na pg. 21 e no único comentário, desastrado, do pequenoguia de leis:

"Da descoberta (do Brasil) até 1828, contudo, quando os municípioseram designados vilas". E logo a seguir: "vilas também era designaçãousada no Império", admitindo ali mesmo, na 21, a "gestão municipal pelalei de 1." de outubro de 1828."

Nessa altura, há-de pensar o leitor: se existiam antes os municípios,embora "designados" vilas, para que a Lei dos Municípios (1.° de outubrode 1828)? E conclui, lógico: ou, ao contrário, as vilas até 1828 foram desig-nadas municípios por dois professores equivocados; ou melhor, dois autoresagora desarvorados?

Antes de prosseguir, o leitor permita uma pequena incursão no pas-sado. Não há erudição alguma aqui, é o b-a-bá no curso superior de Geo-grafia e História, mais que sabido pelos que procuram fazê-Io bem.

Tanto aos autores quanto a mim, o catedrático de História Geral, Ere-mildo Viana, falou da po7/s grega e da urbs romana, centro irradiador deuma civilização que conquistou o mundo. Portugal, diante da tarefa decolonizar o Brasil, toma pé na costa com os engenhos de açúcar em tornodo núcleo que por tradição chamava de vila; e ali ficou à espera de que

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as condições apareçam para desenvolver, nos ciclos económicos da caça-ao-índio, do ouro e do café a civilização que semeara cujo ponto-de-partida,como no mundo antigo, há-de ser a organização judiciária, sem a qual vidacomunitária não existe.

A vila colonial é assim a lei, foco de civilização, não município ou oque seja com uma administração sertão a-dentro até a linha Belém-Lagunatraçada em Tordesilhas. Da costa, o sertão era guardado como Portugalpudesse pelo governo de seus capitães; daí a capitania.

Gregos, romanos e portugueses não seriam loucos de organizar adminis-tração para o vazio, mas local e na sede da justiça real para a "vida conver-sável" (convívio social, vizinhança), conforme crónica colonial. (MonsenhorPizarro dá para a enorme freguesia da Paraíba uns 500 moradores em 1820,baseado nos "fogos" relatados pelos curas.)

No fim do período colonial, sobretudo, criando vilas a pedido "dospovos", o rei concedia terras para seu património, a ser aforado, masexigia a ereção da casa-da-câmara e cadeia à custa dos moradores bene-ficiados pela proximidade da justiça.

Parece, na controvérsia sobre quem deveria fornecer área para ereçãoda vila começaram os problemas de Pati do Alferes, que nunca teve câmara,cadeia e fracassou (cf. nota 46) antes do advento dos municípios. Nadase sabe dela desde 1826/27, não tendo participado do diálogo intensoentre as câmaras e a secretaria do Império, troca de dúvidas por decisões,quando do surgimento da legislação inovadora que criou municípios e as-sembleias provinciais. Na coleção Leis do Império do Brasil, que abrangeas Decisões, a mudez da câmara da vila que não vingou é total; e desde1820, quando foi criada.

Pati não tinha na época mais de 4 casas; e muito curioso é o comen-tário de Saint-Hilaire a respeito de sua criação, embora nunca se imiscuísseem coisas nossas, estrangeiro e preocupado com sua ciência apenas. Pas-sara porém por Pati em 1816; voltando em 1822, e sabendo-a vila do rei,comenta em seu diário; "Para satisfazer à vaidade, o último governo (D.João VI) multiplicou as vilas e criou cidades" (cf. bibliografia).

Fazemos referência a Pati porque toda a embrulhada armada pelosautores em Paraíba sobre a criação do município visava a "provar" (em"n" passagens diferentes) que saiu da pequena vila extinta. E tomandoparte na controvérsia em torno de uma placa. Volto à estória adiante, paranão perder aqui o fio-da-meada.

Não acredito terem eles qualquer estudo da instituição municipium emRoma, de que o nosso no Brasil só tem o nome. Confusão com a nossainstituição, sim, é quase certo, por terem lido aqui e ali referência a câ-maras de vilas antigas como "municipais", por autores que confundem asua função administrativa, local, com a exclusivamente jurídica e localdo municipium romano. E isso talvez por ser a vila colonial cabeça determo jurídico, e ter ainda o governo local de seus próprios (imóveis) e osforos e laudêmios do terreno aforado, fonte de renda para se manter.

Municipium na Roma antiga era a regalia de conservarem suas leisdada a certas cidades conquistadas, que podiam ainda nomear magistradose onde era aberto aos cidadãos o exercício de cargos públicos em compe-tição com o patrício, o cidadão romano. Naturalmente, instituição para ci-dades que tivessem legislação compatível com o desenvolvimento da ro-mana, e cuja manutenção só poderia contribuir para a estabilidade das re-lações entre conquistador e vencido.

Os historiadores apontam o municipium como das mais inteligentesinstituições romanas.

Como criado no Brasil pela Regência, o município é a micro-admlnis-tração regional, que ainda se exerce em área menor, o distrito-de-paz (cf.

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198 ARNAUD PIERflE

nota 47). Neles se subdivide a província, a cuja assembleia se liga, intima-mente. Assembleia e município já foram chamados irmãos-germanos.

Curioso é que o Ato Adicional (12-8-1834), coroa do processo de cons-titucionalização do País sustentado em luta com Pedro l até o Sete de abrilde 1831, ainda nomeie o município no artigo 1." como distrito, por certo pelaforte conotação do termo com território, que ele é. "Distrito" depoissubstituiu o "freguesia" da nomenclatura eclesiástica colonial.

O Ato criou e designou "município neutro" o da capital do Império.É possível ter a designação influído na sua adoção para os demais daprovíncia, embora os mais afinados com os novos tempos, como Hilário,nosso primeiro presidente (cf. nota 49), já o utilizassem desde 1833.

Para concluir a explanação, longa mas indispensável, nada melhor quedar a palavra a um especialista do Municipalismo no Brasil, Aureliano deSousa e Oliveira Coutinho (cf. nota 45).

Estão em apêndice as decisões que tomou como ministro do Impérioe da Justiça em consultas das câmaras de Cabo Frio e Campos, cidade evila antigas cujos vereadores se enrolavam nas malhas da legislação muni-cipal, nova. A de Cabo Frio levou um pito por querer derrubar o pelou-rinho com as gloriosas quinas portuguesas; a de Campos, por recusar-sea passar título e tomar juramento aos oficiais de justiça, sob o pretextode "ser corporação administrativa, e não judiciária".

Essa velha função da vila colonial, como cabeça de termo judiciário,o município algum tempo ainda exerceu.

Continuemos porém estudando a origem de equívocos sobre Paraíba,na intenção de lhes obstar a carreira. E nisso, uma contribuição como ade Cibele e Marcelo de Ipanema, que os triplica, é de desanimar qualquer um.

E foi essa a primeira impressão. Uma segunda leitura, no entanto,revelou que o inverossírriel do relato não escapa ao mais ingénuo leitor. Odescrédito dos autores, consequência lógica, anula o efeito pernicioso quepudesse ter, essa contribuição, no necessário esclarecimento do passadode nossa cidade.

Mas o que estamos dizendo será mais bem julgado pelo leitor no pe-queno trecho que adiante extraímos do relato. Antes, uma palavra sobrea "classificação" de equívocos, inventada, com que iniciei este assunto,abordado com desgosto mas pelo interesse de Paraíba. É evidente queo tal equívoco subjetivo tem endereço certo.

Vejamos porém de que maneira balizam os autores o trajeto que ten-tam "sumarizar" como o de nossos antepassados na Independência.

Não é gratuita a escolha da época; antes se prende a ideia bastanteprecisa do que seria o povoado logo depois da Independência. E a deve-mos ao brigadeiro Cunha Matos, autor da mais arguta descrição de Paraíbaao tempo da barca. Passou para Goiás e o Norte em abril de 1823.

Afora os doze do destacamento de veteranos aquartelado no Registo(comando de tenente, com sargento, cabo e nove praças), os moradoresdo povoado seriam os barqueiros e demais empregados do Capitão Tira-morros, que explorava a passagem na barca, cuja capacidade era de 20bestas carregadas; e caixeiros das tavernas, vendas e algumas lojas defazenda, isso já para a ponta-de-rua que era o Lavapés, onde moravam asfamílias, apartadas do bulício no rossio fronteiro à barca. No centro dele,os ranchos para os viandantes e tropeiros. Rio-abaixo pastavam as mulase moravam as cunhas, sempre presentes no pouso movimentado de per-noite, mas por recato ausentes do relato do brigadeiro, que se refere apenasàs cafuas delas à beira-rio, cobertas de sapé.

Pois essa gente, na aparência tão simples, os autores já encontraramsurpreendentemente afinada com o que ia pelo mundo, vibrando de indig-

EQUIVOCOS SOBRE PARAÍBA 199

nação com as manobras das Cortes do Reino, na tentativa de recolonizaro Brasil, e ansiosa pela sorte da Causa em seu ardor patriótico.

Mas vamos lhes dar a palavra. Afinal, é gente sua:"O povoado tomou conhecimento da Revolução Liberal do Porto (1820),

que entrou em linha de colisão com o Brasil. O entusiasmo inicial (en-tenda-se, pela "Marcha-Batida-para-a-lndependência") deu lugar à realidade"(pg. 79). Isso, no item 7.1; porém, no 7.4...

"a Paraíba do Sul sobravam razões para comemorar a Independência!Seu solo guardava, orgulhoso, parte do corpo de um grande sonhador doFeito: Joaquim José da Silva... etc." (pg. 81).

O leitor compreende o corte abrupto. Como deixar o Homem nessabrincadeira?

A falta de lógica dessa abordagem aborrece ao mais distraído, masnos tranquiliza e assegura da inocuidade de equívocos assim. No fundo,mostra que os autores não levam História a sério; ou a de Paraíba.

Volta agora a desagradável tarefa de examinar mais equívocos — otema ingrato que Paraíba nos impõe — mas, paradoxalmente, começamospor um que nada tem a ver conosco, como o jornalista Gonçalves Ledotambém não. Mas que tem ele de, numa história de Paraíba, escapar dapolícia de José Bonifácio "foragido na Argentina"? (pg. 81). E como pôde,naquele ano de 1823?

Esse equívoco dos malogrados cronistas (conhecido em didática deHistória por anacronismo), o de dar tal nome ao país 30 anos antes deadotado em 1853 pelas Províncias Unidas do Rio da Prata, é tolerável emautodidata, mas imperdoável em licenciado em História. Revela não sódesconhecimento de História da América (do currículo na Faculdade), comofalta da já referida leitura paralela; e na didática, de história comparada,ou seja, a contemporânea nos demais países.

Esse equívoco é invocado não para desdouro dos autores, mas paralançar mais luz sobre o outro, já examinado, o da criação do município,mostrando não passar também de anacronismo.

Já disse não acreditar conheçam eles a natureza do municipium ro-mano, instituto de Direito que nada tem a ver com circunscrição, mesmojurídica como a vila colonial, e muito menos administrativa, qual nossomunicípio. Donde se conclui: tivesse sido dada ao município outra de-signação que não a da instituição romana, e não o confundiriam com avila só por ter sido a câmara colonial, indevidamente, denominada "muni-cipal" por desavisados antigos.

Mas se o casal endossa o equívoco antigo, gente estudiosa e pes-quisadora, não; e tanto em História quanto Geografia, como vimos na in-cursão que de-propósito fizemos em Aires de Casal. Em sua Brazilicade 1817, como o admirável Monsenhor Pizarro nas Memórias de 1820, umae outra publicadas sob os auspícios do "vaidoso" criador das vilas reais,estas aparecem como tal.

Donde, e pela segunda vez, se conclui e em definitivo: o equívoco dosautores sobre a criação do município é o típico anacronismo, interpretaçãode uma época pela ótica de outra (instituições, costumes, ideias etc.), sin-tomático da carência daquilo que fica depois que se esquece tudo o quese aprendeu.

•A deixa da referência à Geografia de Casal faz-nos antecipar ao se-gundo, quanto à nocividade a nossa história, o terceiro equívoco do casal,e sem trocadilho, pois ligado àquela ciência em que também está auto-rizado a lecionar pela Nacional de Filosofia. Foi também o mais difícil dedescobrir a origem, esse em Geografia.

Pela citação de Monsenhor Pizarro na "linha" desse equívoco, julguei-oconsultado, admirado de haver o casal pesquisado o historiador na edição

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disponível, a 2.a e do l. N. L., coleção de onze volumes da dimensão do seuguia de leis deste ano, mas de 600 a 700 páginas, pequeno tijolo difícil atéde manter aberto.

Diante da trapalhada que armaram com a freguesia de São José do RioPreto (pg. 156), mas lembrando da "serra das Abóboras" em Fernandes Pi-nheiro, numa se/a aproveitada pela Central apenas a 47 m sobre o nivel-de-base no Paraíba em Três Rios, (pg. 176) localizada na "Folhinha Laemmertpara o ano de 1862" (pg. 177), imaginei que os conhecimentos geográficosdos autores bem os pudessem ter feito inferir em Pizarro aquele "São Joséda Serra do Sumidouro" (que é o nosso e está no volume 5.°, pg. 269),consultado o mapa, como Sumidouro no Paquequer, muito ao oriente e, porisso, relegado com um "não vem ao caso ..."

Pois nem isso fizeram. Desanimados de antemão pela espessura dovolume e longos períodos de Monsenhor — vazados no latim, absoluta-mente corretos, meridianamente claros, e cheios de erudição de toda or-dem —, limitaram-se a citá-lo via o excelente Alberto Ribeiro Lamego, geó-grafo que não precisava ater-se à origem das freguesias, apenas ao geo-gráfico e económico, que também se encontram em Monsenhor. Mas essenão era o caso dos consulentes, que lançam mão de geógrafo, embora decultura invulgar, para escrever sobre história. De modo que, ignorandoa origem de São José do Rio Preto, criam sobre ela enorme confusão,divulgando equívocos "em série", e numa só página, a desastrada 156.

É também a mais engraçada página dos autores, depois das descritivasdas emoções de nossos antepassados em várias passagens da história do'Brasil. Além de equivocados, alertam os leitores para que não se equi-voquem, escrevendo sobre a freguesia de São José da Serra, paraibanade 1833 a 1874, sapucaíense até 1892, daí a 1987 petropolitana, e desdeentão a emancipada cidade de São José do Vale do Rio Preto:

"Não confundir o citado São José do Rio Preto — que é na atual Sa-pucaia — com o de Petrópolis, tornado (1987) município de São José doVale do Rio Preto" (pg. 156).

E linhas abaixo, escrevendo sobre a perda de área para Sapucaia:"Em 1874, a primeira amputação: a freguesia de São José do Rio

Preto é desmembrada etc."Como se lê em Pedro Gomes da Silva, precedida de cisões em 1842

(Sumidouro e Aparecida) e 1846 (sul de Petrópolis), foi a terceira cisãoem nosso território. Assim, parece aí confirmar-se a velha observação sobreaudácia: que necessidade tinham os autores de proclamar a própria, naperemptória afirmativa "primeira amputação"?

O terceiro equívoco a examinar, já que levanta dúvida quanto à origemda cidade, a muitos passa despercebido, mas é o que mais revela faltade perspicácia, não sei se inata ou por naturalmente pouco exercitada, nafaina habitual da coleta de dados para as coleções.

É falta de perspicácia admitir uma data — no caso, 1683 — comotradição oral, ideia coletiva sobre fato ocorrido, ou de visu conhecido,passado de geração a outra e sempre registrado, como tal, pelo histo-riador ou cronista perspicaz, que o respeita. Pois os autores cometeramem Paraíba a proeza de tomar por tradição uma data, registro cuja origemse pressupõe intelectual, evidentemente, ainda se equívoco, e no caso doDicionário de Saint-Adolphe (cf. nota 3), o que de melhor temos catalogadosobre o País até o momento 1845, para citar criação deles e tão do uso eagrado. E tacitamente confessam o desconhecimento da obra, o que jánessa altura não causa surpresa, quando na pg. 64 escrevem:

"É corrente no município que o assentamento inicial de Garcia teriaocorrido em 1683,"

Registrada em pequeno marco e placa no largo de Santana (praça da

Bandeira) desde 1928, talvez reacão do prefeito José Inácio às provocaçõesde Agripino Grieco no artigo do ano anterior, a data foi de novo gravadaem bronze no obelisco do Centenário do Município (que na pg. 41 os Ipa-nema julgam ser da cidade), por iniciativa de Herbert Abrahão |1901-1968).

Os demais equívocos no livro em nada podem desvirtuar o levanta-tamento da história de Paraíba, rematando apenas a falta de discernimentoe estudo. Mas como a eles me referi, tenho por obrigação citar alguns.

Que os petropolitanos, por exemplo, protestem pelo fundador que lhesinventaram (pg. 35 e 116), o major Júlio Frederico Koeler, administradorda fazenda do Córrego Seco e depois delineador do plano da cidade paraPedro II. Ouvindo porém "algo" sobre o plano, na avenida Koeler, dedu-ziram o fundador com a costumeira segurança. Mas o conhecem tão bemque na pg. 176 o põem em 1857 "na implantação da estrada (a União eIndústria), engenheiro que era", exatos dez anos depois de morto (cf. nota59) e o confundindo com o filho, José Koeler, de quem naturalmente nuncaouviram falar.

Isso de fazer história por placa de rua parece costume: sabendo aqui' de José Miranda dono de jornal, e vendo a rua nas Palhas, deduziram o

"ativo jornalista" (pg. 233), o que não foi nem pretendeu; sim o músicomantenedor da Sociedade Três de Maio depois da morte do maestro Guerra,com os três filhos, o maestro Revermar de Oliveira e o amigo JuvêncioSantana, entre outros. A rua o homenageia, e justamente, por esse serviçoà cidade; música também é cultura.

Pela cidade, ainda se equivocam ao instalarem a câmara no pequenosobrado da Tiradentes (pg. 36), apenas a segunda cadeia em substituiçãoà primeira, nos baixos do Registo, sobre o qual também se equivocam(pg. 80), deduzindo-o "protegido pelo quartel" quando eram a mesma cons-trução. E ainda deduziram "a justiça distante" (pg. 87), julgando-a exclu-siva de comarca por não saberem o que seja termo judiciário.

Ainda na mesma página 87 confundem o Código Criminal com o doProcesso e, para os autores e encerrar, em 1834 "a província" (do Rio deJaneiro) "acontece", ou seja, é criada pelo Ato Adicional. Mas o que fosseaté então não explicam. Nem lhes foi perguntado.

Quanto à tentativa de trajeto pretendido pelos Ipanema em Paraíba,liga-se às suas intenções qualquer juízo final, a que se expuseram com olivro. É já agora esperado pelo leitor, sei, como sulparaibano talvez atéo exigindo de mim. Me excuso porém de fazê-lo, passando dados extra-livro para que julgue por si.

Mas dou opinião: boas as intenções, o que parecia certo até o livretodeste ano no Rio, claro que apesar dos equívocos absolvidos, pois "o solnasce para todos", verdade que conheci na parede do armazém do "seu"Zé-Maria, pai do Nilo. E isso eles vieram invocar sob nosso sol, "nocampus em que se efetivará" (ou efetivaria) "o projeto integralizador daSIEC, com hortos botânico e zoológico e espelhos dágua, havendo espaçopara diversão e lazer para todas as faixas etárias" (pg. 7), concluídos "es-tudo e planejamento" por dois especialistas, de quem citam o nome, "queem 11 de maio estiveram em Paraíba do Sul, visitando a área" (pg. 11).

Trata-se de terreno de propriedade do município, soube na Prefeitura,de 250 000 m'2 e na periferia da cidade, zona do Morro Seco, o mesmoque já entrou na dança dos contrastes do Pedro (cf. nota 18) e agora, aindaem sua pureza original, vemos sob ameaça de nela entrar de novo.

Que o livro dos Ipanema revelasse a própria incapacidade de realizaremaqui o que se propunham, "ensino superior para o Vale Fluminense" (pg.11), foi problema que para si criaram. O nosso é procurar neste final esclarecer um capítulo, parece de última hora e estrategicamente inseridona parte III do livro, a dos fatos pitorescos trazidos ao Fórum de 89.

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202 ARNAUD PIERRE

Nesse capítulo, em "n" passagens como dito, procuraram "tirar" omunicípio de outro, por eles criado em Serra-Acima e renegado em Beira-Mar, este ano, no livreto já examinado. Com isso, se envolveram na po-lémica em torno de uma placa de bronze sobre a história de Paraíba,restrita há três anos aos bastidores da Prefeitura e Câmara mas agoraoportuno divulgar.

Em janeiro de 1988, o prefeito da época afixou na fachada do edifício,que já servia 118 anos ao governo do município, uma grande placa de bronze,comemorando o aniversário de criação. Desastradamente, porém, semsaber de quem, de onde ou quando — verificou-se isso depois —, "eman-ciparam" o município, utilizando termo próprio ao direito de família, muitoconhecido, desnecessário explicar e utilizado, apropriada e figuradamente,em todos os municípios que cercam Paraíba ou Vassouras, por exemplo.Mas por simples ignorância da história do município (e aí vemos comotardou esfe Pedro), não com a intenção de baixar a crista de Paraíba, o seu"panache".

Mas assim não entendeu um vereador, justamente o mais jovem nacâmara passada. Mal-começou a legislatura do ano, Carlos Domingos deAguiar requereu a retirada da placa (requerimento em apêndice). E ela caiu.

O moço e os colegas de requerimento agiram em sigilo de modo que,em março, gabinete e secretaria do prefeito foram pegados de surpresa.Antes da retirada da placa, tentou-se preservá-la de qualquer modo: houveconsultas, suposições, procura de onde tirar o município, como salvação.Um momento de esperança esteve no século XVI e capitania hereditáriada Paraíba do Sul, de que ninguém mais se lembrava, desde o "Grupo".

Não se encontrou saída para fazer o município sair de outro: até oFórum de 89, quando conheceram a cidade os Ipanema, licenciados emHistória pela Nacional de Filosofia.

E aqui se acaba a estória da placa, pois do resto o leitor já sabe.Em meu tempo de estudante, o último ato do universitário era o braço

estendido, no Municipal. Vivi o momento duas vezes. A infração a umdeles sei chamar-se chicana', ao outro, felizmente, é tão rara que o povoaté agora pelo menos não se preocupou em arranjar designação.

Arnaud Pierre

EQUÍVOCOS SOBRE PARAÍBA

APÊNDICE 1

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Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1989. limo. sr. Professor AméricoJacobina Lacombe, dd. presidente do l. H. G. B. Ilustre Professor.

Esse Instituto há 81 anos é depositário do Tombo da Fazenda do Parai-buna — Arquivo 1. 3. 6. — conforme ata da sessão de 29 de agosto de1908. Trata-se de traslado de autos de ação judicial julgada em 1822 sobrea posse da fazenda. Pela simples leitura do índice dos assuntos nelesventilados, em boa-hora organizado pelo doador e apenso logo após a pá-gina-de-rosto, pode-se aquilatar a importância da doação para nossa História,já que parece conter a transcrição de documentos talvez desconhecidossobre o desbravamento da zona limítrofe das antigas capitanias do Rio deJaneiro e Minas Gerais. Se assim for, sua leitura paleográfica, que orasolicitamos, e publicação na Revista do Instituto, ao preparo da qual gra-ciosamente nos propomos, podem significar a divulgação de mais uma páginainédita da gloriosa saga bandeirante.

O VOLUME: folha-de-rosto e estado.

Em excelente estado de conservação, o volume contém 1268 folhastamanho-ofício, cuja transcrição datilográfica não exceda, talvez, a 100,dadas as largas margens de ambos os lados do manuscrito e a caligrafiaaberta do notário.

A folha-de-rosto reza o seguinte:

"Rio de JaneiroSentença Civil de Apelação passada a favor ded. Anna Esmeria de Pontesviuva do Cap.m Christovão Rodrigues de Andrade,

apelanteContra

Marcelino Pinto RibeiroJosé de Cerqueira LeiteMarianna Rita de Oliveira,

apelados.Anno de 1822.

Em outra caligrafia:

"Pertencem estes autos ao Coronel António José Barbosa de An-drade (filho do Barão do Piabanha)."

À margem, ainda em outra caligrafia:

"O Barão do Piabanha (Hilário Joaquim de Andrade) filho do Cap.m

Mor Christovão Rodrigues de Andrade e de D. Anna Esmeria de Pontesmandou encadernar no anno de 1859. Fazenda da Serraria 1860."

A FAZENDA DO PARAIBUNA — Geografia.

Na margem direita do rio do mesmo nome, a fluminense, e a cercade 3 km a jusante da atual vila de MonfSerrat, cujo nome lembra a devoçãode Garcia à Madona e a igreja guarda a imagem levada de sua fazenda,foi uma das três abertas por Garcia Rodrigues Paes (São Paulo, 1661 —Paraíba, 07-03-1738) na enorme sesmaria recebida de Pedro II pela aberturado Caminho Novo de 1698 a 1703. É dessa época e ocupava seu extremonorte. Ao sul do Paraíba o bandeirante abriu a fazenda de Narchea, e sobreo rio a da Paraíba (1683), origem da mais antiga cidade fluminense de serra-acima, Paraíba do Sul.

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204 ARNAUD PIERREEQUÍVOCOS SOBRE PARAÍBA 205

Os limites dessa imensa gleba sobre o Caminho estariam no morrodo Cabaru ao sul, e ao norte no dos Três Irmãos, cujo "reconhecimento",de 1818 e assunto do item 16 do índice, folha 292, será dos mais interes-santes esclarecimentos da leitura do Tombo.

O morro dos Três Irmãos parece demorar em terras hoje mineiras, enão à margem do Paraibuna, como supunha Pedro Gomes da Silva (1909-1971),autor de uma inédita História de Paraíba do Sul para a qual, com o apoiodo I. H. G. B. e l. N. L., esperamos chamar a atenção dos editores.

Da nunca realizada demarcação das terras de Garcia parece tratar-seo item 3 do índice, fl. 18 — "Provisão de D. José l, 1758".

A FAZENDA DO PARAIBUNA — HistóriaSegundo filho varão e único herdeiro de Garcia Rodrigues Paes, Pedro

Dias Paes Leme (Rio 1705-1785), rico de terras e cumulado de títulos' epensões valiosas, lembrou-se de juntar ao nome o Lems flamengo, distante9 gerações em Portugal e na capitania de São Vicente mas nobilitado noséculo XV por Afonso V por façanhas na África. Por sua morte, a fazendapassou ao também segundo filho, Garcia Rodrigues Paes Leme, na partilhade seus bens pelo tabelião Inácio Félix de Carvalho, no Rio, a 7 de abrilde 1785. Foi de sua viúva que comprou a fazenda em 1805 o capitão Cris-tóvão Rodrigues de Andrade, avô do doador do Tombo.

Quem seria o capitão? Um dos mineiros desiludidos com o esgota-mento do ouro, que refluíram sobre o Caminho e o povoaram, desde finsdo século XVIII, e foram pais dos barões do café? A identidade e origemdo capitão Cristóvão taivez sejam reveladas pela leitura do item n." 4 doíndice, fl. 74, que trata da compra-e-venda da fazenda em 1805.

Segundo Pedro Gomes da Silva, o capitão teria sido comerciante grossona Paraíba, antes de fazendeiro. Provado temos que foi aí testemunha decasamento em 1803, por assinatura em livro de assentamento da paróquia,aberto em 9 de junho de 1795 por Monsenhor Pizarro.

A sede do Paraibuna já em 1867, pelo menos, fora alienada pelos An-drade, pois então já estava à venda por Cândida Carolina Carvalho. DosAndrade à época era a fazenda de Serraria, com nova e grande sede sobreo Paraibuna, mais a jusante sobre o rio e próximo à vila daquele nome.

Finalmente, Serraria foi vendida em 1902 ao major Francisco da RochaVaz e seu filho, Libânio de Sousa Vaz, de Sousa Aguiar e sobre o Paraibunano lado mineiro. A sede da fazenda hoje está em ruínas.

O DOADOR DO TOMBO

Ao fim do índice que organizou para orientar a leitura, o coronel Lau-riano Rodrigues de Andrade, terceiro filho varão do barão do Piabanha(1796-1865), declara que "organizou este resumido índice e lançou as notasã margem em tinta vermelha". Data a declaração do Rio, a 23 de agostode 1908. Parece, era então o sobrevivente dos irmãos Andrade que, em-bora se afastando da política, dominaram a vida social e económica donorte do município de Paraíba do Sul até o fim do século XIX. Eramtodos da Guarda Nacional e, quando da morte do pai, tanto Hilário, o maisvelho, como António José, o segundo, tenentes-coronéis.

O ÍNDICE — resumo

O coronel Lauriano assinalou e numerou nos autos 41 passagens deinteresse, por nós transcritas apenas as que, ã primeira leitura, parecemconter maior novidade. Destacou de cada uma o ano a que se refere ea folha do Tombo em que se encontra.

N.° 2 — provisão do Desembargo do Paço com referência às conces-sões a Garcia Rodrigues Paes — ano de 1817 — f l. 08;

N.° 5 — carta de Pedro Dias Paes Leme a Hipólito Gonçalves — 17G5fl. 139;

N." 7 — carta de sesmaria de Matias Barbosa da Silva (trata-se dofundador da cidade mineira desse nome) — 1709 — fl. 169;

N." 8 — carta de sesmaria de Tomé Corrêa Vasques — 1780 — fl. 180;N." 9 — carta de sesmaria do tenente-general Manuel de Borba Gato

(famoso bandeirante da época de pesquisa do ouro, genro de Fernão DiasPaes e cunhado de Garcia Rodrigues Paes, fundador de Paraíba do Sul) —1707 — fl. 191;

N.° 13 — carta de sesmaria do coronel Domingos Rodrigues da Fon-seca (cunhado de Garcia, um dos fundadores de Barbacena e que, depoisde 1703, ajudou na conclusão do Caminho na região serrana da futura MinasGerais) — 1713 — fl. 246;

N." 23 — carta de sesmaria do Ten. Gen. Manuel de Borba Gato —1707 — fl. 323;

N.° 27 — carta de sesmaria do Cap.m João Ferreira da Cunha — 1783— fl. 639;

N." 28 — Tiradentes como procurador de Cunha, e fiador — 1783 —f l. 640;

N.° 29 — procuração de Tiradentes — 1783 — fl. 649;N.° 39 — carta de sesmaria de Inácio Dias Velho (trata-se do filho mais

moço de Garcia Rodrigues Paes) — 1743 — fl. 1141.Na expectativa da boa acolhida a este pedido, desde já agradecido e

Muito Atenciosamente,

(a) Arnaud Pierre.

APÊNDICE 2

DECISÃO N. 345 — IMPÉRIO — EM 28 DE JUNHO DE 1833

Declara á Camará Municipal da Cidade de Cabo Frio que não pôde serdemolido o Pelourinho existente na mesma cidade, sem deliberação doPoder Legislativo.

Sendo presente á Regência o officio da Camará Municipal da Cidadede Cabo Frio na data de 7 de Maio próximo passado, acompanhando a pro-posta de um dos seus membros para se demolir o Pelourinho da dita cidade,por ser a sua conservação contraria ao actual systema de Governo adoptadoneste Império, e só própria dos costumes bárbaros, hoje inteiramente abo-lidos: Manda a mesma Regência, em Nome do Imperador, pela Secretariade Estado dos Negócios do Império, declarar á referida Camará, que deveconservar o dito Pelourinho, enquanto por alguma deliberação do PoderLegislativo se não mandarem destruir todos os que existirem no Império:cumprindo que abandone a idéa de terror, e de escândalo, que pretendeuincutir á mencionada proposta a respeito desse monumento, que já desdemui remotas épocas não tem outro destino mais, do que indicar ser a po-voação, em que está collocado, revestida do caracter de Cidade ou Villa,cabeça de um Termo, sede principal das autoridades judiciaes, encarregadasde administrar nelle justiça.

Palácio do Rio de Janeiro, em 28 de Junho de 1833. — Aureliano deSouza e Oliveira Coutinho.

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206 ARNAUD PIERRE

APÊNDICE 3

DECISÃO N. 630 — JUSTIÇA — EM 22 DE OUTUBRO DE 1833

Ordena que a Camará Municipal da Villa de Campos cumpra o dispostono artigo 50 do Código do Processo Criminal.

O artigo 50 do Código do Processo Criminal incumbe ás Camarás Mu-nicipaes dar os títulos e o juramento aos officiaes de Justiça nomeados pelosJuizes Municipaes, e tendo o da Villa de São Salvador dos Campos repre-sentado que a Camará da mesma Villa recusara passar os ditos Títuloscom o pretexto de ser corporação administrativa e não judiciaria; Mandaa Regência, em Nome do Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negóciosda Justiça, que a sobredita Camará cumpra o disposto no mencionado artigo.

Palácio do Rio de Janeiro, em 23 de Outubro de 1833. — Aureliano deSouza e Oliveira Coutinho.

APÊNDICE 4

EXMO. SR. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PARAÍBA DO SUL.

INDICAÇÃO N.° 02/88

Nos termos regimentais, após aprovado, os vereadores que esta subs-crevem solicitam e fazem ver ao Sr. Prefeito Municipal a necessidade decorrigir a placa afixada na parte externa do prédio desta Prefeitura, cujainauguração teve efeito no dia 15 de janeiro, comemorando o 155° Aniver-sário do Município.

Em virtude da falta de conhecimento histórico e dos princípios decriação do Município de Paraíba do Sul, encontra-se de forma incorreta, alidevendo constar da seguinte:

1) Palácio Tiradentes2) Sede da Câmara Municipal e

Prefeitura Municipal de Paraíba do Sul3) Criação do Município: 15 de janeiro de 1833

Enaltecemos a intenção de dotar a frente deste prédio de uma placa,identificando as funções nele exercidas, mas ao autor dos dados inseridos,por falta de maiores conhecimentos e no afã de inaugurá-la, passaram des-percebidos fatos importantes e verdadeiros da identidade do Município.

Desnecessário aqui reportar aos dados que deram denominação ao pré-dio e da criação do Município, por ser do conhecimento de quantos seinteressam pela história de nossa cidade.

Contamos com a compreensão e as providências que por certo dis-pensará ao acima denunciado.

,Sala das Sessões, 3 de março de 1988.

(a) Carlos Domingos de Aguiar

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baronesa do Piabanha - Cartório

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Enquanto o normal énascerem os municí-pios da concórdia entrevizinhos, o de Paraíbado Sul foi criado na bri-ga com os donos da fa-zenda ali aberta haviaentão exatos 150 anos,que não queriam abrirespaço a mais ninguém.

Poucas terras no Bra-sil despertaram tantacobiça, tanto na cama-rilha que cercava os go-vernadores do Rio deJaneiro quanto na cor-te dos vice-reis, do reie até do imperador.

Todas as mazelas ine-rentes ao latifúndio eabsenteísmo a passa-gem do Paraíba conhe-ceu, povoado "para ser-vir", em todos os sen-tidos, rixento, mal-afa-mado e de que os cro-nistas só falavam mal.

Até que chegou o ca-fé, a população se aden-sou e a situação se re-verteu nos ares pro-gressistas da Regência.

Desde há cem anosse explora como pri-meira indústria o veiode turismo das ÁguasSalutaris, mas na calhado Paraíba a indústriaé fatai, como no valefoi o fim da monocultu-ra do café. Microcosmodo País, industrial é oporvir de Paraíba do Sulrumo ao 4.° centenário.

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