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CAPÍTULO VI O processo de validação dos instrumentos - Dados Psicométricos

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CAPÍTULO VI

O processo de validação dos instrumentos -

Dados Psicométricos

O processo de validação dos instrumentos

INTRODUÇÃO

Este capítulo é dedicado exclusivamente à validação de três escalas de

autorelato, a utilizar nesta investigação, que tem como foco privilegiado as

crianças e a sua experiência de exposição à violência na família.

Analisaremos as características destes instrumentos de forma a concluir se

estes possuem ou não as qualidades psicométricas recomendadas para

poderem ser usados no nossos estudos.

As variáveis avaliadas por estas escalas (e.g., crenças, percepções)

são referenciadas como factores mediadores do impacto da exposição à

violência, o que situa estas medidas numa linha de abordagem cognitivo-

comportamental. Tratam-se de escalas cujos itens estão organizados de

forma a traduzir diferentes graus de intensidade, duas delas (E.C.C.V. e

S.A.N.I.) com cinco posicionamentos distintos e uma outra (C.P.I.C.) de três

pontos. A escala S.A.N.I. apresenta ainda outra possibilidade de resposta, e

que consiste na identificação de um dado aspecto relativo à violência,

nomeadamente a sinalização da(s) vítima(s).

Seguir-se-á um procedimento de análise uniforme, que inclui o estudo

sobre a validade dos itens através do uso de medidas de tendência central, o

exame da fidelidade (precisão) através da análise da consistência interna dos

itens e da validade de constructo mediante o verificação da estrutura factorial.

Para a escala E.C.C.V. e para a S.A.N.I. usámos o método tradicional de

extracção de factores que consistiu na análise dos componentes principais,

seguida de rotação varimax, enquanto que na C.P.I.C. foram usados os

procedimentos dos autores da escala, os quais optaram pelo uso do método

dos quadrados mínimos generalizados e pela rotação oblíqua. À medida que

formos apresentando os resultados iremos discutindo o seu significado e

explicando as nossas opções metodológicas.

CAPÍTULO VI 205

O processo de validação dos instrumentos

1. VALIDAÇÃO DA ESCALA DE CRENÇAS DA CRIANÇA SOBRE A VIOLÊNCIA

(E.C.C.V.)

Iniciando pela análise descritiva dos resultados da E.C.C.V. verificámos

pelo quadro 6.1, que o grupo I apresenta, para a maioria dos itens da escala,

valores que rondam os 2 pontos (na escala de 1 a 4). Esta pontuação pode

ser confirmada se atendermos à média obtida para o total que foi de 75,92

(com um desvio-padrão de 12,99) e que dividida pelos 36 itens que compõem

a escala, traduz-se num resultado médio de 2,11.

QUADRO 6.1 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (E.C.C.V.)

no Grupo I

E.C.C.V Média Des. Pd. E.C.C.V Média Des. Pd. Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6

Item 7

Item 8

Item 9

Item 10

Item 11

Item 12

Item 13

Item 14

Item 15

Item 16

Item 17

Item 18

3,15

2,60

3,06

1,86

2,36

3,28

1,94

2,18

3,46

2,15

1,43

1,45

2,06

1,63

2,91

2,18

1,46

1,67

,95

1,01

1,06

1,08

1,03

1,02

1,01

1,08

,73

1,00

,73

,75

,91

,96

1,04

,89

,77

,83

Item 19

Item 20

Item 21

Item 22

Item 23

Item 24

Item 25

Item 26

Item 27

Item 28

Item 29

Item 30

Item 31

Item 32

Item 33

Item 34

Item 35

Item 36

2,45

2,58

1,97

1,74

1,47

1,64

1,34

1,47

2,61

1,51

1,43

2,34

2,23

2,37

2,12

2,17

1,59

2,03

1,11

1,09

1,03

,96

,88

,98

,71

,83

1,15

,82

,83

,95

1,02

1,04

,97

,96

,93

1,14

CAPÍTULO VI 206

O processo de validação dos instrumentos

A obtenção de um valor médio perto de dois (correspondente a

concordo pouco), permite-nos dizer que, no que respeita às crenças sobre a

violência, este grupo de 605 crianças não apresenta, no geral, crenças

distorcidas ou ideias erradas sobre o fenómeno. Há, no entanto, algumas

excepções (e.g., o item 1 “Para uma pessoa magoar outra tem de haver um

motivo”; o item 3 “Não ajudar alguém que está a ser maltratado é como

estarmos também a maltratar essa pessoa”; o item 6 “As pessoas

desconhecidas não têm direito de bater ou tratar mal”; item 9 “O álcool é

responsável pela violência de algumas pessoas”), itens cujas médias rondam

os 3 valores e que apontam para ideias algo erróneas sobre a violência.

Assim, nesta amostra constituída por sujeitos sem história de exposição a

situações interpessoais violentas na família, alguns aspectos surgem com

alguma convicção relacionados com o problema da violência, como sejam a

motivação do ofensor (item 1), a percepção sobre a capacidade de confronto

com as situações (item 3), a familiaridade ofensor – vítima (item 6) ou o

consumo de álcool (item 9). Aquando da reflexão falada da escala denotou-

se, de facto, que havia algumas ideias que com uma certa regularidade eram

partilhadas pelas crianças deste grupo (e.g., associação álcool e violência) e

que, no fundo, traduzem algumas das ideias do senso comum acerca violência

interpessoal, tal como refere alguma da literatura (cf. Leonard, 1999). Estas

crenças específicas (e.g., cf. itens acima) são algumas vezes desmontadas

pela experiência de exposição à violência, enquanto muitas outras, pelo

contrário, emergem depois de uma experiência pessoal desses incidentes (cf.

item 23, 26, 28, 29). Esta reflexão parece-nos importante para percebermos,

aquando do estudo comparativo, que a experiência de violência pode

contribuir com um duplo efeito, construtivo e desconstrutivo. Neste aspecto,

os estudos qualitativos (e.g., Sani & Gonçalves, 2000; Sani, 2002) são, com

certeza, os que mais informação nos poderão dar a esse respeito.

CAPÍTULO VI 207

O processo de validação dos instrumentos

Validade dos itens

A análise da matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf.

em anexo), permite-nos afirmar que foram obtidos índices altamente

significativos (p< .001), à excepção do item 3 (r=-.047, p=.254). Este item,

para além de não mostrar correlação significativa com o total da escala (valor

não corrigido), revela na análise das correlações dos vários itens da E.C.C.V.

coeficientes bastante baixos e em alguns casos, valores que sendo

significativos para p<.01 e p<.05, correlacionam-se negativamente com

outros itens deste instrumento. Assim sendo, propõe-se a retirada do item 3.

Os restantes itens apresentam correlações significativas entre si e com o total

da escala. As valores indiciam, na generalidade, correlações que embora não

muito altas são positivas e significativas, muitas delas, para p<.001 (cf.

anexo).

Estudos relativos à fidelidade

Para análise da precisão da E.C.C.V. procedemos ao cálculo da

consistência interna, mais concretamente o coeficiente alpha de Cronbach.

Os resultados obtidos revelaram que alguns itens não contribuíam para

consistência do próprio instrumento. Nesta situação específica encontrava-se

o item 3, que efectivamente decidimos retirar por apresentar um valor

negativo de -.05. Outros itens que apresentam correlações inferiores a .20

(e.g., 6, 9, 15) ou cujo conteúdo se afasta do objectivo da escala (e.g., 21)

foram também convenientemente analisados, no que concerne ao seu valor

estatístico e teórico para a globalidade da escala. Qualquer um dos itens

acima exemplificados, apresenta uma correlação corrigida item – total que

CAPÍTULO VI 208

O processo de validação dos instrumentos

apoia a exclusão do respectivo item, por forma a aumentar a consistência

interna da escala. Assim, do ponto de vista estatístico valeria a pena eliminar

os quatro itens, contudo um deles (item 9) é teoricamente relevante na

análise das crenças de crianças sobre a violência, não surgindo representado

em nenhum outro item. Perante estes factos, procedemos à análise da

consistência dos itens, testada com a ausência ou presença, individual ou

conjunta, de cada um dos itens supracitados, chegando a conclusão de que,

em qualquer dos casos, o valor de alpha sobe para .84. Se excepcionalmente

mantivermos o item 9, que teoricamente parece-nos importante, o valor de

alpha mantém-se.

Voltando um pouco atrás, note-se que a observação atenta do quadro

6.1 referente à análise descritiva dos itens da escala, revela-nos que o item 9

apresenta uma média de 3,46, um valor alto atendendo à pontuação máxima

da escala que é 4 e um desvio-padrão de 0,73, um valor baixo e que reforça a

ideia de que a generalidade das crianças da amostra, evidenciam respostas de

concordância com a ideia formulada nesse item. Na busca de razões para tal

distribuição, deparamo-nos com um aspecto na formulação do item, que pode

ter influenciado os valores obtidos. O termo “algumas” presente na afirmação

do item 9 (“O álcool é responsável pela violência de algumas pessoas”),

relativiza o problema da associação do álcool e a violência, o que favorece a

aceitabilidade da ideia. Pensamos assim, que a simples eliminação dessa

palavra originaria resultados diferentes, o que nos faz afirmar que é

sobretudo a formulação do item e não tanto a ideia em discussão nessa

afirmação, que terá gerado alguma dissonância pelo que, dada a importância

teórica do mesmo, propomos mantê-lo.

CAPÍTULO VI 209

O processo de validação dos instrumentos

Portanto, após todas estas apreciações e atendendo à importância

teórica dos itens, decidimos que avançamos para a validação da escala,

excluindo o itens 3, 6, 15, e 21. No quadro 6.2 indicamos os principais

valores obtidos item a item a propósito da validade e precisão, sendo que o

coeficiente alpha é de .84

QUADRO 6.2 - Correlações item – total e valores do alpha de Cronbach

para a E.C.C.V. no Grupo I

E.C.C.V

r Item – Total corrigida

ALPHA (s/ item)

E.C.C.V

r Item – Total corrigida

ALPHA (s/ item)

Item 1

Item 2

Item 4

Item 5

Item 7

Item 8

Item 9

Item 10

Item 11

Item 12

Item 13

Item 14

Item 16

Item 17

Item 18

Item 19

,27

,36

,23

,24

,38

,25

,14

,30

,43

,27

,38

,34

,29

,39

,45

,40

,84

,84

,84

,84

,83

,83

,84

,84

,83

,84

,83

,84

,84

,84

,83

,83

Item 20

Item 22

Item 23

Item 24

Item 25

Item 26

Item 27

Item 28

Item 29

Item 30

Item 31

Item 32

Item 33

Item 34

Item 35

Item 36

,38

,42

,39

,26

,44

,55

,28

,31

,46

,44

,44

,28

,27

,24

,39

,49

,83

,83

,83

,84

,83

,83

,84

,84

,83

,83

,83

,84

,84

,84

,83

,83

No quadro 6.3 são apresentados os coeficientes de consistência interna

para a globalidade da respectiva escala, considerando a idade, nível de

escolaridade e o sexo, assim como os agrupamentos considerados por idade e

ano de escolaridade.

CAPÍTULO VI 210

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.3 - Coeficientes alpha de Cronbach para a globalidade da escala

(E.C.C.V.) e algumas variáveis demográficas dos sujeitos no Grupo I

IDADE

TOTAL 10 11 12 13 14 15 16 17 18

ALFA DE CRONBACH .84 .82 .79 .79 .80 .84 .87 .84 .81 .86

ESCOLARIDADE SEXO

5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º M S

ALFA DE CRONBACH .79 .84 .65 .86 .83 .83 .84 .68 .83 .83

GRUPOS ETÁRIOS GRUPOS POR ANO ESCOLAR

10 - 12 13-15 16-18 5º - 6º 7º - 9º 10º - 12º

ALFA DE CRONBACH .80 .83 .86 .82 .87 .85

Para a E.C.C.V., o valor da consistência interna é alto (.84), sendo

superior a .70, valor que segundo Kline (1986, cit. Simões, 1994) é

considerado como mínimo aceitável. O alpha de Cronbach para as variáveis

demográficas anteriormente referidas apresenta, na sua generalidade, valores

francamente aceitáveis, à excepção do alpha para o 8º e 12º anos de

escolaridade, que mostra valores razoáveis, de .65 e .68 respectivamente.

Note-se, ainda, no que respeita à organização por grupos etários que o valor

de alpha é ligeira e sistematicamente mais elevado com a idade. No entanto,

o mesmo não parece suceder com o nível de escolaridade. Relativamente à

variável sexo, os valores são semelhantes.

Parece-nos importante frisar que na apreciação das crenças dos

sujeitos, a variável escolaridade seja menos pertinente, enquanto que a

variável idade (mais associada à maturidade física e cognitiva e ao

CAPÍTULO VI 211

O processo de validação dos instrumentos

desenvolvimento psicológico em geral) possa ter um papel relevante na

compreensão dessas mesmas crenças. A distribuição por idade nem sempre

acompanha a da escolaridade devido às retenções de ano que podem suceder

no percurso escolar de um aluno (cf. quadro 5.6).

Os valores obtidos foram altos, todavia há quem considere (e.g.,

Green, Lissitz & Mulaik, 1977, cit. Simões, 1994) que o índice elevado de

consistência interna não constitui um indicador preciso de

unidimensionalidade dos itens do teste. A homogeneidade da

unidimensionalidade é diferente da consistência interna. Os dados relativos à

análise factorial poderão esclarecer-nos a este respeito.

Depois de termos decidido pela eliminação de quatro itens, quisemos,

ainda, ver como se correlacionavam as variáveis demográficas, idade e

escolaridade, com a pontuação total da E.C.C.V. (cf. Quadro 6.4), concluindo

que há correlações significativas (p<.001) e negativas, que mostram que à

medida que a idade e escolaridade aumentam, diminui o total. Assim, a

evolução em termos maturacionais e escolares associam-se a uma menor

tendência das crianças e jovens para cognições distorcidas sobre a violência,

o que serve a validade do próprio instrumento.

QUADRO 6.4 - Coeficientes de Correlação de Pearson para a totalidade da

amostra relativas às variáveis idade, escolaridade e total no Grupo I

Coef. Corr. Pearson

IDADE

ESCOLARIDADE

ESCOLARIDADE .905*** _

TOTAL -.239*** -.265***

*** p < .001

CAPÍTULO VI 212

O processo de validação dos instrumentos

A nossa curiosidade em saber como se apresentariam os valores,

atendendo somente ao sexo masculino ou ao sexo feminino da amostra,

permitiu que verificássemos, também, a existência de correlações

significativas (p<0.01) e negativas, sendo estas particularmente relevantes

na população feminina (cf. Quadro 6.5).

QUADRO 6.5 - Coeficientes de Correlação de Pearson para a população

masculina e para a feminina da amostra relativas às

variáveis idade, escolaridade e total no Grupo I

Coef. Corr. Pearson Sexo IDADE ESCOLARIDADE

Masculino .906*** _ ESCOLARIDADE

Feminino .906*** _

Masculino -.229*** -.235*** TOTAL

Feminino -.286*** -.315***

** *p < .001 N = 289 rapazes N = 316 raparigas

Realizámos ainda, um teste de T Student para amostras independentes

para análise de eventuais diferenças nas médias obtidas pelos rapazes

(média=67,07 e desvio-padrão=12,63) e raparigas (média=61,50 e desvio-

padrão=11,23) desta amostra, o qual revelou a existência de diferenças

significativas (t=5,71; p<.001). Os resultados revelam que os rapazes

tendem a apresentar níveis mais elevados de crenças disfuncionais sobre a

violência. Assim, é importante que em análises posteriores, nomeadamente

aquando da realização do estudo comparativo com grupos distintos (cf.

capítulo VIII), tomemos em consideração a variável género.

CAPÍTULO VI 213

O processo de validação dos instrumentos

Validade de construto

No que diz respeito à validade de construto utilizámos a análise

factorial (análise em componentes principais das correlações entre variáveis),

dado tratar-se de uma das técnicas mais usadas na identificação de

construtos subjacentes aos resultados. A validade de construto permite-nos

saber, a partir dos resultados num instrumento, se é possível encontrarmos

um ou mais construtos teóricos das variáveis que a escala pretende avaliar

(Anastasi, 1988). Esta técnica parte do pressuposto de que as

intercorrelações entre os itens podem ser explicadas por um conjunto menor

de factores, que representam relações entre conjuntos de variáveis

interrelacionadas. Através da análise factorial procurar-se-á verificar a

validade interna do instrumento, tentando encontrar uma explicação para a

variância dos resultados, recorrendo-se para tal à ajuda de componentes

independentes36 (obtidos a partir das variáveis originais).

Um dos critérios de adequação para a realização da análise em

componentes principais foi dado pelo teste de esfericidade de Bartlett, que

nos permite saber se o conjunto das correlações na matriz eram diferentes de

zero (Pestana & Gageiro, 1998). O teste de Bartlett tem associado um nível

de significância de inferior a p<.05, o que leva à rejeição da hipótese da

matriz das correlações na população ser a matriz identidade (com

determinante igual a 1), mostrando que existem correlações entre as

variáveis. O valor do teste de qui-quadrado é 3278,68 para p<.001. O

Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que compara correlações simples com correlações

parciais observadas nas variáveis, apresenta um valor de 0,84 que segundo a

36 Os componentes constituem assim um conjunto de variáveis não correlacionadas que surgem da transformação de variáveis correlacionadas.

CAPÍTULO VI 214

O processo de validação dos instrumentos

tabela respectiva é um valor bom e indica-nos que a análise em componentes

principais pode ser feita (Pereira, 1999). O KMO perto de 1 indica coeficientes

parciais pequenos, enquanto valores próximos de zero indicam que a análise

factorial pode não ser uma boa ideia, dado que a correlação entre variáveis é

baixa (Pestana & Gageiro, 1998). Por último, a análise factorial atendendo ao

critério de decisão de Guttman-Kaiser (valores próprios >1.0) revelou a

existência de 10 factores.

A análise em componentes principais foi seguida de rotação varimax,

um método usado quando se pretende obter uma estrutura simples, uma vez

que se trata de uma técnica que maximiza as saturações mais elevadas e

reduz a saturações mais baixas. Desta forma, ao minimizar o número de

variáveis que apresentam saturações num factor, esta técnica vai facilitar sua

interpretação.

No quadro 6.6 são apresentados os resultados da análise em

componentes principais, seguida de rotação varimax, com a descrição da

saturação factorial de cada item nos vários factores, valores próprios,

percentagem da variância total e percentagem de variância acumulada

explicadas para cada factor, assim como as comunalidades (h2), i. é, a

proporção da variância de cada variável explicada pelas componentes

principais.

Os 10 factores retidos explicam 56% da variância total. Embora o

valor esteja um pouco abaixo do critério teórico por vezes sugerido (70 –

75%), e que é todavia difícil de atingir, a percentagem que obtivemos é

perfeitamente satisfatória. Quanto ao critério de decisão de Kaiser, este tem

por vezes um senão, que advém, por exemplo, da sobrestimação do número

CAPÍTULO VI 215

O processo de validação dos instrumentos

de factores (Simões, 1994), o qual pode resultar do tamanho elevado da

amostra o que, de certa forma, pudemos constatar no nosso estudo.

QUADRO 6.6 - Matriz de componentes extraídos a partir da análise de

componentes principais seguida de rotação varimax (E.C.C.V.) no Grupo I

FACTORES

E.C.C.V. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

h2

Item 25 Item 26 Item 35 Item 11 Item 23 Item 30 Item 31 Item 36 Item 12 Item 28 Item 14 Item 13 Item 29 Item 5 Item 33 Item 32 Item 27 Item 2 Item 1 Item 7 Item 16 Item 8 Item 22 Item 4 Item 17 Item 18 Item 10 Item 9 Item 19 Item 24 Item 20 Item 34

,72 ,64 ,56 ,56 ,54

,44

,31

-,38

,75 ,69 ,56 ,50

,42

,68 ,54 ,48 ,46 ,42

,33

,77 ,77 ,52

,80 ,76

,33

,32

,65 ,62 ,53 ,38

,33

,44

,69 ,58 ,55

,38

,79 ,42 ,41

,51

,71 ,40

-,33

,33

,69

,59 ,57 ,44 ,59 ,56 ,67 ,58 ,58 ,59 ,65 ,54 ,48 ,53 ,39 ,67 ,65 ,44 ,67 ,61 ,52 ,54 ,59 ,49 ,54 ,57 ,58 ,71 ,55 ,40 ,55 ,47 ,57

Valor - próprio 2,84 2,11 1,75 1,73 1,72 1,72 1,71 1,54 1,52 1,21 % Variância 8,89 6,60 5,48 5,39 5,39 5,39 5,34 4,81 4,76 3,79 % Acumula. 8,89 15,48 20,96 26,35 31,74 37,13 42,47 47,28 52,04 55,83

CAPÍTULO VI 216

O processo de validação dos instrumentos

No que toca à decisão dos factores ou componentes a reter Simões

(1994), citando alguns autores, refere que quando um factor explica pelo

menos 3% (e.g., Harman, 1977) ou 5% da variância (e.g., Stevens, 1986)

não deve ser eliminado. Atendendo a estes critérios, note-se que no nosso

estudo da E.C.C.V., o último componente ou factor explica 3,8%. Todavia,

note-se pelo quadro 6.6, a grande dispersão dos itens pelos 10 factores

encontrados após a tentativa de maximização das saturações (>.30) através

da rotação varimax.

O primeiro componente explica 8,9% da variância, o segundo

componente 6,6%, sendo que os quatro que se seguem apresentam valores

iguais a 5,4%. Verificámos que a rotação não reduz a dispersão, existindo

vários itens que apresentam índices de saturação próximos, em pelo menos

dois componentes (e.g., item 9, 12, 20, 22, 23, 29, etc.). Atendendo a esta

distribuição, teoricamente é-nos difícil apoiar a interpretação dos mesmos,

talvez porque estejamos a trabalhar crenças, o que pressupõe estarem

envolvidos processos cognitivos comuns (e.g., percepções, atribuições, etc.).

Ainda que de acordo com a scree plot (cf. gráfico 6A) pudesse ser

plausível uma análise a partir de cinco ou somente três componentes, a nossa

decisão de reter determinado número de factores, não obedeceu

forçosamente ao critério estatístico.

CAPÍTULO VI 217

O processo de validação dos instrumentos

GRÁFICO 6A - Scree Plot para a E.C.C.V. no Grupo I

Número de itens

Valores

Próprios

7

6

5

4

3

2

1

0 1 27 29 25 23 21 19 17 15 7 13 11 9 5 3 31

Verificámos que a opção por três factores era estatística e

teoricamente mais satisfatória que a decisão por cinco componentes. Porém,

analisando o conteúdo dos itens de cada um dos três agrupamentos, denota-

se que o terceiro componente acaba por reunir itens que teoricamente não se

enquadram numa definição clara desse factor. Observámos, ainda, que

forçando a análise factorial à obtenção de quatro factores (cf. quadro 6.7),

esses itens desenquadrados e formulados de maneira algo diferente dos

restantes, ficam reunidos separadamente no quarto componente.

Estatisticamente esta opção é igualmente satisfatória e teoricamente parece

uma melhor solução, como podemos constatar de seguida.

CAPÍTULO VI 218

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.7- Matriz de componentes retidos seguida de rotação varimax

(E.C.C.V.) no Grupo I

FACTORES

h2

E.C.C.V.

1 2 3 4

Item 26 Item 25 Item 29 Item 23 Item 35 Item 11 Item 28 Item 14 Item 22 Item 13 Item 7 Item 24 Item 2 Item 9 Item 1 Item 8 Item 19 Item 5 Item 36 Item 16 Item 20 Item 10 Item 34 Item 18 Item 12 Item 30 Item 4 Item 31 Item 17 Item 33 Item 32 Item 27

,67 ,65 ,63 ,59 ,59 ,55 ,52 ,44 ,43 ,42 ,39 ,35

,41

,33

,34

,57 ,54 ,52 ,50 ,47 ,44 ,41 ,40 ,40 ,39 ,31

,67 ,65 ,64 ,48 ,45 ,42

,33

,78 ,68 ,50

,53 ,45 ,44 ,37 ,39 ,37 ,29 ,29 ,30 ,23 ,27 ,14 ,36 ,37 ,28 ,31 ,31 ,20 ,34 ,19 ,31 ,13 ,13 ,54 ,47 ,52 ,26 ,35 ,38 ,63 ,49 ,31

Valor - próprio 4,02 2,84 2,32 1,83 % Variância 12,55 8,84 7,26 5,70

% Acumulada 12,55 21,39 28,64 34,34

A análise do quadro 6.7 revela que os quatro factores retidos explicam

34% da variância total (o primeiro factor explica 13%). Na organização dos

itens por factores optámos pela sua colocação exclusiva num só componente

(valores de saturação a escuro), todavia alguns destes apresentam

saturações próximas noutro factor (cf. valores de saturação mais claros).

Refira-se ainda, que a distribuição factorial tem em conta um critério

estatístico, mas é fortemente orientada por critérios teóricos.

CAPÍTULO VI 219

O processo de validação dos instrumentos

O factor 1 engloba 11 itens no total (7, 11, 13, 14, 23, 24, 25, 26, 28,

29, 35) e explica 12,6% da variância dos resultados. A este factor atribuímos

a designação de Determinantes Socioculturais, na medida em que o conteúdo

dos itens, remetem-nos no geral para as assimetrias históricas e culturais que

numa sociedade podem servir de fundamento para o exercício da violência

(Bowker, Arbitell & McFerron, 1990; Summer, 1997). Summer (1997) refere

que a violência é um sinal cultural e histórico, sujeito aos usuais filtros de

interesses, prejuízos e princípios. Segundo Straus (1999) existem algumas

normas culturais implícitas (e.g., infidelidade, correção da criança) que

permitem à pessoa ‘perder o controlo’ ou que sugerem que sob estas

circunstâncias a violência é culturalmente esperada.

Factor 1 – Determinantes socioculturais

Item Conteúdo do item

7 Só controla a violência quem a exerce, os outros nada podem fazer.

11 A violência entre dois adultos é normal e aceitável.

13 A violência entre crianças não passa de brincadeira.

14 Só conseguimos lidar com a violência se formos violentos também.

23 É mais grave uma mulher bater num homem do que um homem bater

numa mulher.

24 É mais grave uma criança bater num adulto do que um adulto bater

numa criança.

25 As mulheres têm direitos diferentes dos homens e por isso mais vale

aguentar a violência.

26 As crianças têm direitos diferentes dos adultos e por isso mais vale não

contar que são maltratadas.

28 A violência é um dos métodos para tentar resolver um problema.

29 Os homens têm mais direito de bater nos outros do que as mulheres. 35 A violência não pode ser controlada.

CAPÍTULO VI 220

O processo de validação dos instrumentos

Alguns desses determinantes podem ligar-se a processos de

discriminação, relacionados com a idade (cf. 11, 13, 24, 26) ou o género (cf.

itens 23, 25, 29), os quais apoiam, por vezes, o exercer de violência de certos

indivíduos sobre outros. A aceitação de tais diferenças pode modelar uma

tolerância diferenciada da pessoa à violência, mesmo que a violência seja um

acto intolerável.

Este primeiro factor integra, ainda, outras crenças relacionadas com o

coping com a violência e que se destacam quer pela aceitação da

impossibilidade de confronto com esta (cf. 7 e 35) quer pela assunção da

própria violência como uma estratégia em si mesma para resolver um

problema, inclusive o da própria violência (cf. 14 e 28). Digamos que a

valoração de uma ou outra ideia podem delinear comportamentos e atitudes

passivas ou mesmo agressivas, em vez de um posicionamento sensato e

intermédio de respeito por si e pelos outros.

O factor 2 é, porventura, o mais complexo, pois engloba 12 itens (1, 2,

5, 8, 9, 10, 16, 19, 20, 22, 34 e 36), reunindo uma variedade de razões

pessoais para a ocorrência de violência entre os indivíduos, pelo que

designámos este factor de Determinantes Individuais. Alguns dos aspectos

presentes nestas afirmações são frequentemente apontados como causas

próximas para a violência entre as pessoas, como é o caso da patologia (cf.

item 8) ou os comportamentos aditivos (cf. itens 9 e 10) do ofensor. A

aceitação destes aspectos pode pressupor uma desculpabilização da conduta

violenta e/ou do ofensor.

A existência de um motivo indefinido (cf. item 1) ou específico como o

cometimento de erros (cf. item 2), a proximidade afectiva (cf. itens 5, 16, 34)

são razões, por vezes, evocadas para justificar a violência, aspectos cuja

concordância extrema pode fazer supor a culpabilização da vítima.

CAPÍTULO VI 221

O processo de validação dos instrumentos

Factor 2 – Determinantes Individuais

Item Conteúdo do item

1 Para uma pessoa magoar outra tem que haver um motivo.

2 Quando se bate em alguém é porque essa pessoa fez algo errado.

5 É porque se confia nas pessoas que algumas abusam ou magoam

outras.

8 As pessoas violentas são doentes da cabeça e por isso não sabem o que

fazem.

9 O álcool é responsável pela violência de algumas pessoas.

10 Quem se droga não tem culpa de ser violento.

16 A violência sobre as pessoas é sobretudo cometida por estranhos.

19 Quando a violência ocorre em casa é dentro de casa que tem que ser

resolvida. Ninguém deve meter-se.

20 Só quando a violência ocorre na rua ou noutros sítios públicos devemos

metermo-nos para acabar com a situação.

22 As pessoas que são maltratadas e não pedem ajuda é porque não se

importam de apanhar.

34 A violência está sobretudo ligada com relacionamentos pobres entre as

pessoas.

36 A violência deve ser uma preocupação somente para quem é violento.

A definição do problema como mais ou menos particular (cf. itens 22 e

36), por vezes, atendendo ao contexto de ocorrência (cf. itens 19 e 20) da

violência, pode igualmente orientar um maior ou menor posicionamento

pessoal no confronto com o mesmo. A crença na violência como problema

privado conduz geralmente a adopção de uma posição distanciada daquilo que

é um problema social.

O factor 3 é composto por 6 itens (4, 12, 17, 18, 30, 31) e explica

7,3% da variância dos resultados. Este factor foi designado de Determinantes

Educativos, uma vez que o conteúdo destes itens faz subentender que a

violência seria justificada quando usada como estratégia punitiva para educar

CAPÍTULO VI 222

O processo de validação dos instrumentos

uma pessoa. A violência física pode enquadrar-se em algumas famílias e

outros contextos educativos (e.g., escola) como estratégia privilegiada de

educação, fazendo com que a criança desenvolva ideias que legitimam a

violência se esta tiver como objectivo disciplinar e educar.

Factor 3 – Determinantes Educativos

Item Conteúdo do item

4 Só as pessoas da família (ex: pais) têm direito de bater ou tratar mal.

12 Um adulto (ex: pai, professor) tem direito a magoar uma criança para a

educar.

17 Um pai ou uma mãe tem direito a tratar mal o seu filho, porque eles é

que mandam em casa.

18 Quem cuida (ex: pais) tem todo o direito de bater. 30 Quando os pais batem nos filhos é para eles se corrigirem.

31 Algumas pessoas merecem apanhar para aprenderem.

O factor 4 é constituído por 3 itens (27, 32 e 33) e explica 5,7% do

total da variância. Nomeámos este factor de Etiologia da violência, querendo

este reunir crenças centrais sobre a origem da violência, considerando-se

basicamente duas posições: i) uma com argumento biológico: de que a

violência não é aprendida, logo é inata (cf. 27); ii) outra com argumento

psicossocial: de que a violência não emerge das diferenças criadas pelos e

entre os indivíduos, logo há igualdade psicológica e social (cf. 32, 33). De

certa forma, os itens contidos neste agrupamento, reflectem a ideia geral

subjacente aos itens do factor 3 (reveja-se o conteúdo do item 27) e mesmo

do factor 1 (cf. conteúdos dos itens 32 e 33).

CAPÍTULO VI 223

O processo de validação dos instrumentos

Factor 4 – Etiologia da violência

Item Conteúdo do item

27 A violência não é algo que se aprende.

32 A violência nada tem a ver com poder ou desigualdade.

33 A violência nada tem a ver com o querer exercer controlo.

A formulação na negativa destes itens, obriga a uma maior reflexão

sobre o problema em causa, mas pode igualmente dificultar a interpretação e

consequentemente a decisão de resposta, pelo que pode ser desejável a

reformulação final destes itens pela positiva.

Atendendo aos resultados das análises estatísticas, concluímos

igualmente que é insuficiente, a representação de um construto referente à

etiologia da violência, baseados em apenas três itens. Num estudo posterior

com esta escala, uma das tarefas deverá passar necessariamente pelo

desenvolvimento de mais alguns itens ou, em último caso, prescindir destes

itens, eliminando o quarto factor.

Em conclusão, com base nos resultados do nosso estudo podemos

afirmar que a E.C.C.V. é uma escala que apresenta um estrutura diferenciada

(heterogénea), que originou a emergência de quatro factores. Tendo em

consideração isoladamente cada um dos factores obtidos na E.C.C.V.

verificámos que esta apresenta uma estrutura consistente (cf. quadro 6.8). O

alpha para os quatro componentes oscila entre .54 e .77, sendo este valor

satisfatório, permitindo-nos dizer que esta escala, pelo menos ao nível dos

três primeiros factores, aproxima-se dos critérios de fidelidade exigidos.

CAPÍTULO VI 224

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.8 - Coeficientes alpha de Cronbach para cada um dos factores da

escala (E.C.C.V.) no Grupo I

Factores

Itens da S.A.N.I.

ALPHA

Factor 1

Factor 2

Factor 3

Factor 4

7, 11, 13, 14, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 35

1, 2, 5, 8, 9, 10, 16, 19, 20, 22, 34, 36

4, 12, 17, 18, 30, 31

27, 32, 33

.77

.68

.66

.54

Somos da opinião de que a análise factorial foi sobretudo útil na

explicitação de agrupamentos de itens, permitindo-nos reconhecer alguns

factores subjacentes a um conjunto determinado de crenças,

operacionalizadas sob a forma de afirmações. Julgamos que uma maior ou

menor concordância com determinada crença não nos remete

necessariamente para um resultado algo similar do sujeito num outro item do

mesmo agrupamento (e.g., não é porque o sujeito acha que o álcool é

responsável pela violência das pessoas, que vai achar que a droga também o

é). Por outro lado, o sujeito pode assumir um grau de concordância

semelhante por ideias agrupadas em factores distintos (e.g. achar que a

violência não é algo que se aprende e aceitar também que as pessoas

violentas são doentes da cabeça), como possível seria também posicionar-se

de forma antagónica.

Do ponto de vista clínico, consideramos que este instrumento pode ter

contributos importantes quer para a avaliação quer para a intervenção, na

medida em que da análise de algumas das crenças do sujeito, podemos

favorecer com o debate lógico, a desconstrução e reconstrução de ideias mais

racionais sobre a violência.

CAPÍTULO VI 225

O processo de validação dos instrumentos

2. VALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO: SINALIZAÇÃO DO AMBIENTE NATURAL

INFANTIL (S.A.N.I.)

A análise descritiva dos resultados da S.A.N.I. revela que nesta escala

o grupo específico das 605 crianças (grupo I) se caracteriza pela quase

ausência de situações, mormente, passíveis de tipificar condições de violência

diversa. Como podemos apreciar pelo quadro 6.9, as médias para os vários

itens da escala situam-se com valores abaixo de 1 (que correspondia na

escala a poucas vezes, i. é, registo de determinado episódio 1 ou 2 vezes no

último ano) e muito próximo de 0 (que equivalia a nunca ou não observância

da situação referenciada).

QUADRO 6.9 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (S.A.N.I.)

no Grupo I

S.A.N.I. Média Des. Pd. S.A.N.I. Média Des. Pd. Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6

Item 7

Item 8

Item 9

Item 10

Item 11

Item 12

Item 13

Item 14

Item 15

,67

,88

,30

,22

,13

,21

,26

,28

,39

,27

,21

,18

,20

,07

,19

1,05

1,09

,83

,67

,52

,75

,73

,79

,85

,70

,65

,61

,63

,35

,64

Item 16

Item 17

Item 18

Item 19

Item 20

Item 21

Item 22

Item 23

Item 24

Item 25

Item 26

Item 27

Item 28

Item 29

Item 30

,39

,47

,71

,26

,38

,05

,14

,11

,15

,07

,06

,21

,14

,09

,20

,83

,95

1,06

,71

,80

,34

,60

,50

,57

,45

,34

,64

,50

,45

,65

CAPÍTULO VI 226

O processo de validação dos instrumentos

Apenas quatro itens, designadamente o item 1 (“Insultar ou chamar

nomes feios a uma pessoa”), o item 2 (“Gritar muito ou muito alto com

alguém”), o item 17 (“Estar sempre a controlar tudo”) e o item 18 (“Não

deixar sair uma pessoa de casa para alguns sítios”) apresentam, tomando os

valores arredondados, médias mais próximas de 1, que embora com

significado ligeiramente diferente se referem a situações passíveis de ocorrer

mesmo em famílias não violentas. Quase que poderíamos correr o risco de

afirmar, que a ausência de um registo diferente de 0, em pelo menos um

destes itens, traduziria alguma dissimulação ou desejabilidade social por parte

da criança. Estes poderiam ser, talvez, itens concorrentes para uma

subescala de mentira.

No que respeita, à média total da S.A.N.I. obteve-se um valor de 7,86

(desvio-padrão = 11,6), o qual por referência ao máximo possível (120) é

extremamente baixo. Recorde-se que o instrumento pretende identificar

comportamentos problemáticos relacionados com a violência interpessoal,

constatando-se que o grupo I é, na sua generalidade, composto por crianças

que caracterizam o seu ambiente familiar como um contexto sem violência. O

instrumento após as primeiras análises estatísticas de validado será aplicado

a um grupo de crianças com história de exposição à violência familiar (cf.

capítulo VIII), testando-se o poder discriminativo deste instrumento.

Neste escala, uma segunda coluna permitia à criança qualificar o tipo

de interações conflituosas que possa ter observado, atendendo às figuras

envolvidas (cf. 6.10). Os vários itens representam diferentes situações de

conflito, que se sinalizadas poderiam retratar interações conflituosas entre

adultos ou adulto – criança, sendo possível identificar-se a co-ocorrência de

ambas as situações.

CAPÍTULO VI 227

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.10 - Estatística descritiva para as situações

de vitimação detectadas no Grupo I

Percentagem válida em cada categoria

S.A.N.I. Violência

sb. cônjuge Violência

sb. a criança Violência sb. ambos

Sem registo de violência

Item 1 Item 2 Item 3 Item 4 Item 5 Item 6 Item 7 Item 8 Item 9 Item 10 Item 11 Item 12 Item 13 Item 14 Item 15 Item 16 Item 17 Item 18 Item 19 Item 20 Item 21 Item 22 Item 23 Item 24 Item 25 Item 26 Item 27 Item 28 Item 29 Item 30

20,2 22,0 5,4 5,5 1,3 8,4 6,5 5,2 8,1 7,4 4,2 3,8 2,7 1,2 2,8 7,1 12,8 11,0 4,6 12,7 2,0 5,7 2,8 3,8 1,7 1,2 6,8 3,0 1,3 3,2

16,5 23,7 9,4 6,9 6,5 1,3 7,2 8,8 13,1 7,9 11,9 7,1 8,8 3,2 7,2 14,7 8,4 25,9 1,2 9,2 1,0 1,0 1,7 4,0 1,5 1,8 5,7 4,3 3,7 7,0

2,5 4,5 0,8 0,7 0,2 0,7 0,3 0,2 1,9 1,0 0,5 0,3 0,5 0

0,3 1,4 2,5 1,2 1,2 1,7 0,2 0,2 0,5 0,3 0,2 0,3 0,3 0,7 0,2 1,2

60,8 49,7 84,4 86,9 92,0 89,6 85,9 85,9 76,9 83,7 87,6 88,7 88,0 95,7 89,7 76,9 76,2 61,9 87,2 76,4 96,8 93,2 95,0 91,8 96,7 96,7 87,1 92,0 94,8 88,7

É muito provável que as situações de conflito referenciadas sobre a

criança (e.g., item 18) possam retratar apenas episódios de disciplina,

eventualmente física, mas que não transcendem os limites do tolerável ou

que consubstanciem episódios violentos. A fronteira é obviamente ténue,

mas mais uma vez o que importa é recolher as percepções da criança sobre o

seu ambiente familiar.

CAPÍTULO VI 228

O processo de validação dos instrumentos

Assim sendo, e ainda sem suporte em novos empíricos, parece-nos

que esta escala avalia satisfatoriamente o grupo constituído, pela análise que

cada sujeito fez individualmente do seu sistema familiar.

Validade dos itens

A análise da matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf.

em anexo) revela correlações positivas e significativas para p<.001. Os

valores obtidos sugerem que a sinalização de determinados comportamentos

violentos implica que outros possam ser também identificados. A confirmação

da relação entre itens permitem-nos avançar para a procura de componentes

principais através da análise factorial.

Estudos relativos à fidelidade

Uma vez mais, para análise da coerência existente nas respostas dos

sujeitos a cada um dos itens da S.A.N.I., foi usado o coeficiente alfa de

Cronbach (cf. quadro 6.11), que evidenciou bons níveis de consistência

interna (Alpha = .92), apresentado todos os itens desta escala valores

superiores a .20. Esta escala garante, assim, uma das propriedades

psicométricas exigíveis, mais concretamente a fidelidade dos seus resultados.

CAPÍTULO VI 229

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.11- Correlações item – total e valores do alpha de Cronbach

para escala a S.A.N.I. no Grupo I

S.A.N.I.

r Item – Total corrigida

ALPHA (s/ item)

S.A.N.I.

r Item – Total corrigida

ALPHA (s/ item)

Item 1

Item 2

Item 3

Item 4

Item 5

Item 6

Item 7

Item 8

Item 9

Item 10

Item 11

Item 12

Item 13

Item 14

Item 15

,58

,60

,72

,55

,32

,30

,41

,57

,69

,60

,72

,67

,65

,48

,54

,92

,92

,91

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

Item 16

Item 17

Item 18

Item 19

Item 20

Item 21

Item 22

Item 23

Item 24

Item 25

Item 26

Item 27

Item 28

Item 29

Item 30

,59

,40

,38

,50

,42

,39

,51

,53

,60

,42

,50

,57

,49

,54

,62

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

,92

Igualmente para esta escala analisamos os coeficientes de consistência

interna, considerando a nota total e variáveis demográficas como a idade, o

nível de escolaridade e o sexo, bem como os agrupamentos criados a partir

da idade e da escolaridade. Ao olharmos o quadro 6.12 verificamos que o

alpha de Cronbach obtido para qualquer das variáveis referidas é alto (entre

.86 e .97), confirmando o bom índice de fidelidade desta escala.

CAPÍTULO VI 230

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.12 - Coeficientes alpha de Cronbach para a globalidade da escala

(S.A.N.I.) e algumas variáveis demográficas dos sujeitos no Grupo I

IDADE

TOTAL 10 11 12 13 14 15 16 17 18

ALFA DE CRONBACH .92 .91 .97 .86 .96 .90 .89 .93 .95 .90

ESCOLARIDADE SEXO

5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º M S

ALFA DE CRONBACH .91 .96 .91 .92 .88 .92 .96 .89 .90 .93

GRUPOS ETÁRIOS GRUPOS POR ANO ESCOLAR

10 - 12 13-15 16-18 5º - 6º 7º - 8º 10º - 12º

ALFA DE CRONBACH .93 .91 .93 .94 .90 .93

Validade de construto

A análise da validade de construto para a S.A.N.I. segue as mesmas

etapas das adoptadas no instrumento anterior. Prévio à análise factorial dos

itens, procedemos à aplicação do teste de esfericidade de Bartlett e ao

coeficiente KMO. O teste de Bartlett tem associado um nível de significância

inferior a p<.05. O valor do teste de Qui-quadrado é de 8118,98 para p<.001

e o valor do KMO é de 0,91. Portanto, os valores referidos são adequados à

realização da análise factorial dos itens.

A análise factorial atendendo ao critério de decisão de Guttman-Kaiser

(valores próprios >1.0) revelou a existência de 7 factores que explicam 62%

da variância total (cf. quadro 6.13 à frente), percentagem perfeitamente

satisfatória.

CAPÍTULO VI 231

O processo de validação dos instrumentos

A análise em componentes principais foi seguida de rotação varimax,

cujos resultados são apresentados no quadro 6.13, com a descrição da

saturação factorial de cada item nos vários factores, valores próprios,

percentagem da variância total e percentagem de variância acumulada

explicadas para cada factor, bem como as comunalidades (h2).

QUADRO 6.13 - Matriz de componentes extraídos a partir da análise de

componentes principais seguida de rotação varimax (S.A.N.I.) no Grupo I

FACTORES S.A.N.I.

1 2 3 4 5 6 7

h2

Item 14 Item 25 Item 12 Item 13 Item 11 Item 15 Item 26 Item 23 Item 1 Item 2 Item 3 Item 9 Item 10 Item 16 Item 21 Item 22 Item 29 Item 18 Item 17 Item 19 Item 27 Item 30 Item 28 Item 5 Item 4 Item 8 Item 24 Item 6 Item 7 Item 20

,76 ,75 ,71 ,64 ,61 ,56 ,49 ,41

,44

,46

,35 ,41

,74 ,73 ,65 ,60 ,59 ,59

,36

,41

,36

,36

,83 ,72 ,48

,36

,41

,73 ,70 ,54 ,42

,37

,39 ,46

,43 ,52

,55 ,39

,35

,48

,67 ,51 ,45 ,42

,83 ,56 ,40

,65 ,64 ,70 ,69 ,68 ,56 ,75 ,51 ,62 ,64 ,68 ,64 ,60 ,67 ,74 ,68 ,58 ,60 ,68 ,59 ,48 ,65 ,44 ,56 ,56 ,59 ,67 ,71 ,50 ,51

Valor - próprio 4,22 3,98 2,48 2,28 2,02 1,84 1,73 % Variância 14,07 13,28 8,25 7,60 6,73 6,13 5,77 % Acumulada 14,07 27,35 35,60 43,20 49,93 56,05 61,83

CAPÍTULO VI 232

O processo de validação dos instrumentos

A análise revela-nos que os vários itens da escala surgem distribuídos

nestes sete componentes de um modo disperso, existindo saturações nos

factores, por vezes, pouco diferenciadas, mesmo depois de tentarmos

maximizá-las através da rotação varimax (e.g., itens 8, 16, 24, 26, 29, etc.).

O primeiro componente explica 14,1% e o segundo componente 13,3% da

variância. Nesta análise exploratória à totalidade dos itens, assumimos um

valor de saturação superior a .35 (valor mínimo encontrado atendendo ao

quadro 6.13), no entanto achamos que se usarmos valores um pouco

superiores podemos reduzir essa dispersão. Por outro lado, não há uma

distribuição satisfatória dos itens pelos sete componentes, que apoie com

alguma facilidade e lógica a interpretação dos factores, quer do ponto de vista

estatístico quer do ponto de vista teórico. Assim, tomando como referência a

percentagem de variância explicada pelos factores (a partir do quarto

componente o valor inicial era superior a 4,5%) e atendendo a uma possível

organização teórica dos itens optámos por reter quatro componentes (cf.

Gráfico 6B), que explicam 50% da variância total.

CAPÍTULO VI 233

29 27 25 23 21 19 17 15 13 11 9 7 5 3 1

Valores

Próprios

12

GRÁFICO 6B - Grupo I – Scree Plot para a totalidade itens da S.A.N.I.

10

8

6

4

2

0

Número de itens

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.14 - Matriz de componentes retidos

seguida de rotação varimax (S.A.N.I.) no Grupo I

FACTORES

S.A.N.I. 1 2 3 4

h2

Item25 Item12 Item14 Item13 Item15 Item11 Item26 Item30 Item9 Item2 Item3 Item1 Item10 Item16 Item5 Item22 Item24 Item21 Item4 Item8 Item29 Item28 Item19 Item20 Item18 Item23 Item17 Item27 Item7 Item6

,77 ,73 ,71 ,69 ,62 ,60 ,60 ,58

,42 ,38

,37 ,68 ,68 ,67 ,67 ,65 ,62 ,45

,46

,36

,41

,69 ,68 ,56 ,53 ,45 ,43 ,41

,65 ,60 ,56 ,50 ,47 ,46 ,43 ,34

,62 ,70 ,54 ,67 ,50 ,64 ,53 ,53 ,62 ,55 ,66 ,54 ,52 ,49 ,31 ,59 ,62 ,43 ,52 ,43 ,43 ,39 ,56 ,46 ,43 ,48 ,31 ,44 ,33 ,26

Total extraído 4,67 4,51 3,08 2,83 % Variância 15,56 15,03 10,28 9,41 % Acumulada 15,56 30,59 40,86 50,27

A análise do quadro 6.14 permite-nos verificar a saturação de cada

item nos quatro factores isolados. Assumindo agora um valor de saturação

superior a .40, reduzimos a dispersão dos itens pelos factores. Somente o

item 6 (“Não dar dinheiro para as despesas da casa”) apresenta um valor de

saturação inferior a .40 (especificamente .34), mas que por ter um valor

aceitável (>.30) decidimos manter.

CAPÍTULO VI 234

O processo de validação dos instrumentos

No quadro 6.14 são apresentados em duas tonalidades os valores de

saturação dos itens nos factores. Os tons a escuro indicam a organização

factorial que assumimos para os itens, atendendo não somente ao resultado

estatístico, mas obedecendo a uma coerência teórica baseada no

conhecimento cientifico sobre as diversas tipologias e formas de maus tratos

infantis (e.g., cf. Almeida, André & Almeida, 1999 a, b; Briere, 1992; Wilson,

1997). Os tons mais claros revelam que certos itens possuem saturações

próximas ou significativas noutros factores, o que pode ter interesse para um

posterior estudo com esta mesma escala. De acordo com a estrutura

factorial, os componentes principais encontrados cobrem, em termos globais,

situações de violência física e violência psicológica.

O factor 1 é constituído por 6 itens (11, 12, 13, 14, 15 e 25) e explica

15,5% da variância, podendo ser designado de Abuso Físico, uma vez que

reúne um conjunto de dimensões claramente associadas a acções que podem

resultar em dano físico para a vítima. Tais itens referem-se a actos como

bater, atirar coisas, puxar ou empurrar, prender, dar pontapés ou murros e o

uso de objectos perigosos (e.g., facas, armas) como meio para violentar uma

pessoa.

Factor 1 – Abuso Físico

Item Conteúdo do item

11 Bater ou tentar bater com coisas em alguém.

12 Atirar com coisas contra uma pessoa de propósito.

13 Puxar ou empurrar alguém com força até essa pessoa cair.

14 Prender alguém para não se poder mexer do sítio.

15 Dar pontapés ou murros numa pessoa.

25 Meter medo a uma pessoa com armas ou outros objectos perigosos.

CAPÍTULO VI 235

O processo de validação dos instrumentos

Note-se pelo quadro 6.14 que existem outros itens que saturam,

ainda, neste primeiro componente, mas que optámos por não incluir aqui,

seja porque têm valores superiores noutro factor (e.g., 23, 28, 29), seja

porque teoricamente ficam melhor agrupados noutro componente, no qual

também saturam (e.g., 26, 30). Alguma da sobreposição que possamos

encontrar entre os vários factores desta escala são a prova de que as

dimensões avaliadas se intercruzam, reflectindo a realidade do fenómeno da

violência, cujas diversas tipologias de actos surgem muitas vezes associadas

(e.g., violência física associada à violência psicológica).

Os factores que iremos explicar de seguida, demonstram bem a

associação supracitada, na medida em que representam diversas

subdimensões de uma mesma categoria mais abrangente que é a violência

psicológica. Assim, definimos o factor 2 como Abuso Emocional, uma forma

de mau trato, à qual alguns autores (e.g., Iwaniec, 1995; Iwaniec & Herbert,

1999) dedicam especial atenção. Este factor reúne 9 itens (1, 2, 3, 4, 5, 9,

10, 16, 30) explicando 15% da variância dos resultados desta escala.

Factor 2 – Abuso Emocional

Item Conteúdo do item

1 Insultar ou chamar nomes feios a uma pessoa.

2 Gritar muito e muito alto com alguém.

3 Ameaçar que vai magoar seriamente alguém.

4 Dizer que destrói ou destruir mesmo qualquer coisa de valor

(ex: roupas, objectos, etc.).

5 Prender alguém numa parte da casa (ex: quarto).

9 Dizer coisas que envergonhem muito uma pessoa.

10 Fazer acusações que não são verdadeiras só para magoar uma pessoa.

16 Gozar ou rir de alguém para a fazer sentir-se mal.

30 Dizer coisas que assustem muito a pessoa.

CAPÍTULO VI 236

O processo de validação dos instrumentos

Os itens descritos representam um conjunto de actos intencionais

orientados, basicamente, para o infligir (acção) de dano psicológico na vítima,

afectando-a sobretudo a nível afectivo. Nesta categoria estão presentes

acções de ameaça, que visam especialmente amedrontar a pessoa (cf. item 2,

3, 4, 30), assim como actos de violência verbal, em que o objectivo é magoar

alguém pela desvalorização dessa pessoa (cf. item 1, 9, 10, 16). Para além

destes comportamentos, inclui-se ainda neste factor, condutas que visam pela

privação, impedir a pessoa de qualquer tipo de estimulação (cf. item 5),

pressupondo uma intencionalidade de causar dano psicológico. À semelhança

do factor 1, existem outros itens que saturam também neste segundo factor,

mas que teórica e estatisticamente estão melhor agrupados noutro

componente.

O terceiro e quarto factores representam, em graus diferentes, uma

dimensão mais cognitiva da violência psicológica. Entendemos que a violência

interpessoal pode ser traçada ao longo de um contínuo invisível, desde

imperceptíveis (e mesmo não relatados) actos de coerção, a acções extremas

e agressões de ameaça à própria vida. Concordamos com Wolfe, Wekerle e

Scott (1997) quando definem que a violência é qualquer tentativa de controlo

e domínio de outra pessoa. De acordo com esta definição considera-se que a

violência não se limita ao abuso físico (retratado no factor 1), mas engloba

formas de violência psicológica explícita (cf. factor 2) e outras menos

declaradas que podem ocorrer através do isolamento, do limitar ou controlar

o exercício de certas tarefas ou papéis, do domínio sob ameaça de dano a si

próprio ou a outros, intimidação, ciúme, etc..

CAPÍTULO VI 237

O processo de validação dos instrumentos

Assim, o factor 3 que explica 10,2 % da variância, caracteriza-se pela

existência de 7 itens (8, 21, 22, 24, 26, 28, 29) e pode ser definido como

Coerção. Os itens que compõem este factor referem-se a comportamentos de

obrigação (e.g., 8, 24, 26, 28, 29) que visam exercer, com algum

imediatismo, poder sobre a vítima. Os actos desta categoria caracterizam-se

como acções marcadas de repressão (cf. item 21, 22) constituindo violações

graves dos direitos dos outros.

Factor 3 – Coerção

Item Conteúdo do item

8 Obrigar uma pessoa a trabalhar muito.

21 Pôr uma pessoa fora de casa.

22 Ameaçar com separações de pessoas da família.

24 Obrigar uma pessoa a fazer tudo o que se quer como se fosse um(a) criado(a).

26 Obrigar uma pessoa a fazer coisas feias ou que a envergonham.

28 Obrigar a guardar segredo de coisas feias ou más.

29 Levar à força uma pessoa para certos sítios.

Em relação ao conjunto de comportamentos que iremos descrever a

seguir, neste factor agrupam-se itens que destacam o autoritarismo ou o forte

poder exercido pelo ofensor, em geral, modos imediatamente reconhecidos

pela vítima como violência.

Verificámos que três dos itens deste factor (26, 28 e 29) apresentam

também saturação no factor 1. Pensamos que a inclusão de tais itens neste

último componente poderia não ser totalmente ajustada, mesmo os de forte

saturação (e.g., item 26), dado não ser claro que retratem ‘acções que podem

resultar em dano físico para a vítima’, enquanto como comportamentos

coercivos é mais evidente.

CAPÍTULO VI 238

O processo de validação dos instrumentos

Por fim, o quarto factor é composto por 8 itens (6, 7, 17, 18, 19, 20,

23, 27) e explica 9,4% da variância dos resultados. Este componente

principal foi definido como Controlo, na medida em que o objectivo das acções

relatadas visam exercer influência sobre a pessoa, porém com menor grau de

coacção, comparativamente aos comportamentos descritos anteriormente no

factor 3.

Factor 4 – Controlo

Item Conteúdo do item

6 Não dar dinheiro para as despesas da casa

7 Não deixar fazer tarefas que têm de ser feitas (ex: trabalhos de casa,

arrumações, compras).

17 Estar sempre a controlar tudo (ex: o que se compra, o que se come ou bebe).

18 Não deixar sair uma pessoa de casa para alguns sítios.

19 Não deixar conversar com certas pessoas (ex: amigos, familiares).

20 Deixar de falar com uma pessoa durante algum tempo.

23 Perseguir ou seguir uma pessoa para onde quer que esta pessoa vá.

27 Mostrar ter ciúmes ou desconfiar muito de alguém.

Assim, neste factor incluímos itens que descrevem comportamentos de

controlo em geral (e.g., item 17), mas igualmente controlo especifico, por

exemplo, a nível financeiro (e.g., item 6), das tarefas (e.g., item 7), das

saídas (e.g., item 18) ou dos relacionamentos (e.g., item 19). Incluem–se

ainda itens referentes a outro tipo de acções que visam também o exercer

autoridade sobre a vítima, as quais podem não ser imediatamente percebidas

como formas de violência (cf. itens 20, 23 e 27).

CAPÍTULO VI 239

O processo de validação dos instrumentos

Podemos concluir que a S.A.N.I. é uma escala que apresenta um

estrutura diferenciada (heterogénea), composta por 4 factores, que agregam

de um modo bem distribuído os 30 itens que compõem esta escala.

A análise da consistência interna da escala, tomando agora somente os

factores retidos revela valores satisfatórios, como podemos observar no

quadro 6.15. Os dados comprovam, uma vez mais, a estrutura consistente

da escala, que nos permite afirmar que a S.A.N.I. responde ao critério da

fidelidade como propriedade exigida na validação de escalas de avaliação.

QUADRO 6.15- Coeficientes alpha de Cronbach para os 4 factores da escala

(S.A.N.I.) no Grupo I

Factores

Itens da S.A.N.I.

ALPHA

Factor 1

Factor 2

Factor 3

Factor 4

11, 12, 13, 14, 15, 25

1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 16, 30

8, 21, 22, 24, 26, 28, 29

6, 7, 17, 18, 19, 20, 23, 27

.86

.86

.79

.73

Na apresentação da versão final desta escala proporemos uma

reorganização dos itens (cf. anexo), de modo que estes se encontrem melhor

misturados, dado que se olharmos para as várias composições dos factores,

verificamos que existe uma sequência numérica de itens, cuja especificidade

do seu conteúdo se encerra numa mesma categoria.

CAPÍTULO VI 240

O processo de validação dos instrumentos

3. ADAPTAÇÃO DA ESCALA CHILDREN PERCEPTION OF INTERPARENTAL

CONFLICT (C.P.I.C.)

A C.P.I.C. apresenta um total de 48 itens, cujas opções de resposta

variam 0, 1 e 2, existindo itens de cotação invertida. No quadro 6.16

podemos observar que as médias obtidas para cada item apresentam valores

que se situam maioritariamente entre 0 e 1.

QUADRO 6.16 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (C.P.I.C.)

no Grupo I

C.P.I.C. Média Des. Pd. C.P.I.C. Média Des. Pd. Item 1 Item 2 Item 3 Item 4 Item 5 Item 6 Item 7 Item 8 Item 9 Item 10 Item 11 Item 12 Item 13 Item 14 Item 15 Item 16 Item 17 Item 18 Item 19 Item 20 Item 21 Item 22 Item 23 Item 24

,96 ,17 ,30 ,34 ,62 ,76 ,91 ,50 ,84 ,44 ,44 1,16 ,52 ,84 ,27 1,01 1,03 ,29 ,54 ,42 ,31 ,44 ,79 ,87

,70 ,50 ,57 ,61 ,72 ,81 ,84 ,71 ,83 ,68 ,64 ,86 ,70 ,85 ,58 ,88 ,84 ,55 ,72 ,67 ,54 ,67 ,75 ,88

Item 25 Item 26 Item 27 Item 28 Item 29 Item 30 Item 31 Item 32 Item 33 Item 34 Item 35 Item 36 Item 37 Item 38 Item 39 Item 40 Item 41 Item 42 Item 43 Item 44 Item 45 Item 46 Item 47 Item 48

,36 ,31 ,64 ,44 ,45 ,60 ,58 ,62 1,01 ,65 ,32 ,72 ,39 ,13 ,42 ,65 ,19 ,25 ,15 ,67 ,78 ,33 ,69 ,61

,66 ,57 ,76 ,66 ,66 ,75 ,73 ,73 ,89 ,78 ,60 ,79 ,60 ,43 ,68 ,77 ,49 ,56 ,43 ,73 ,86 ,59 ,83 ,70

Todavia, a análise destes valores só tem significado, quando se

consideram os itens organizados nas várias escalas, que por sua vez se

agrupam em diversas dimensões ou subescalas: Propriedades do conflito

(intensidade, frequência, resolução), Ameaça (ameaça percebida, eficácia no

CAPÍTULO VI 241

O processo de validação dos instrumentos

coping) e Culpa (conteúdo, culpa) (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992). Os

itens são somados para criar essas subescalas, dependendo assim o valor

máximo da escala do número de itens que a compõem (e.g., 7 itens x 2 = 14

nota máxima).

QUADRO 6.17 – Apresentação das subescalas da C.P.I.C. e respectivos itens

Escalas globais Subescalas da C.P.I.C.

Itens

Propriedades do

conflito

Intensidade

Frequência

Resolução

5, 13, 22, 31, 36, 38, 43

1, 10, 15, 19, 27, 35

2, 11, 20, 28, 39, 46

Ameaça Ameaça percebida

Eficácia no coping

7, 16, 24, 33, 40, 45

6, 14, 23, 32, 44, 48

Culpa Culpa

Conteúdo

9, 18, 26, 41, 47

3, 21, 29, 37

- Triangulação* 4, 8, 12, 17, 25, 30, 34, 42

* A escala Triangulação tem sido expandida após as análises à fidelidade.

Neste momento, é importante referir que esta organização dos itens

nas várias subescalas não coincide, na numeração, com a apresentada pelos

autores no seu artigo (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992), no entanto o

conteúdo dos itens mantém-se o mesmo. A partir de um documento pessoal

que nos foi enviado pelos autores (cf. anexo), foi-nos dada a conhecer a nova

composição da escala (agora com 48 itens) e respectiva distribuição dos itens

pelas várias subescalas, a qual pode ser observada no quadro acima

apresentado. A única subescala que mudou substancialmente a partir da

versão publicada em 1992 foi a da Triangulação, que é passível de ser

analisada, como podemos constatar no documento pessoal, muito embora não

integre as escalas gerais (propriedades do conflito, ameaça e culpa). A esta

CAPÍTULO VI 242

O processo de validação dos instrumentos

subescala foram adicionados novos itens, especificamente três (itens 4 , 12 e

30) cujo conteúdo não surgia em nenhum item da primeira versão. Outros

itens (e subescalas) foram retirados após o estudo, como teremos

oportunidade de constatar mais adiante.

É com base nesse documento pessoal que realizámos a nossa

investigação de validação da C.P.I.C. para Portugal, muito embora a base de

discussão sejam os resultados obtidos no estudo original apresentado no

artigo publicado pelos autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992)37.

Validade dos itens e subescalas

Primeiramente, foi nosso intuito conhecer como é que se relacionavam

estatisticamente os vários itens que compõem esta escala. A análise da

matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf. anexo) revelou

correlações positivas e significativas para p<.001, à excepção dos itens 17

cujo valor de correlação item – total (r=.046), embora positivo, não é

estatisticamente significativo e o item 23 que apresenta uma correlação

(r=.118) significativa para p<.01. Após uma avaliação cuidada do item 17

pensámos que é possível que a expressão ‘tomar partido’ não tenha sido

facilmente percebida por todas as crianças, influenciando as suas respostas,

muita embora essa expressão tenha sido usado no item 34. De qualquer

modo achámos melhor propor uma alteração da expressão por outra mais

perceptível (e.g., ‘tomar uma posição’; ‘posicionar-me’; ‘ficar do lado de’)

numa versão definitiva para esta escala. Em relação ao item 23, não

detectámos nada que pudesse explicar a menor significância estatística.

37 No texto não publicado que nos foi fornecido pelos autores e que anexamos, os mesmos apelam à consulta desse artigo de 1992 para obtenção de informação mais detalhada sobre a C.P.I.C..

CAPÍTULO VI 243

O processo de validação dos instrumentos

A análise das correlações item – total constituiu uma primeira tentativa

de verificarmos as características deste instrumento junto da nossa amostra.

Porém, os autores procedem às várias análises estatísticas usando as

subescalas, que agrupam os diversos itens por categorias, daí não termos

proposto, anteriormente, a exclusão de nenhum item. Assim, a análise das

intercorrelações das subescalas (cf. quadro 6.18) mostra que estas surgem

associadas entre si, sendo que algumas delas (e.g., frequência e intensidade)

estão fortemente correlacionadas. Segundo os autores tal pode indicar que

estas não representam dimensões diferentes ou que certas dimensões

reflectem um constructo subjacente comum (Grych, Seid & Fincham, 1992).

Esta possibilidade de redução da escala a um número mais pequeno de

dimensões será examinada com a análise factorial, a partir da qual iremos

verificar se, no nosso estudo, obtemos ou não idêntico número de factores.

Os valores mais baixos obtidos com a nossa amostra situam-se

igualmente nas subescalas Conteúdo e Culpa, sendo estes resultados, em

geral, inferiores aos do estudo original. Em contrapartida, encontrámos

valores altos nas mesmas subescalas, apresentando em alguns casos (e.g.,

resolução – frequência; resolução – intensidade) correlações superiores às

encontradas no estudo original (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992).

QUADRO 6.18- Matriz de Correlações das subescalas da C.P.I.C. no Grupo I

Freq. Inten. Resol. Cont. Amea. Coping Culpa Intensidade ,75***

Resolução ,63*** ,69***

Conteúdo ,21*** ,20*** ,11**

Ameaça percebida ,42*** ,43*** ,23*** ,23***

Eficácia coping ,42*** ,45*** ,42*** ,14*** ,33***

Culpa ,25*** ,24*** ,24*** ,50*** ,13** ,12**

Triangulação ,43*** ,41*** ,31*** ,41*** ,49*** ,09* ,36***

*** p < .001 ** p < .01 * p < .05

CAPÍTULO VI 244

O processo de validação dos instrumentos

Estudos relativos à fidelidade

A análise da consistência interna da C.P.I.C. através coeficiente alfa de

Cronbach revelou tomando os vários itens da escala um valor de .90.

Todavia, adoptando os procedimentos de análise dos autores fizemos o

cálculo do alpha para as várias subescalas, verificando-se que estas

apresentam valores aceitáveis e que se aproximam dos obtidos no estudo

original de Grych, Seid e Fincham (1992), feito com duas amostras (cf.

quadro 6.19).

QUADRO 6.19- Coeficientes alpha de Cronbach para as

subescalas da C.P.I.C. no Grupo I

ESTUDO

PORTUGUÊS

ESTUDO ORIGINAL

Subescalas da C.P.I.C. Grupo I Amostra 1 Amostra 2

Intensidade

Frequência

Resolução

.78

.73

.77

.82

.70

.83

.80

.68

.82

Ameaça percebida

Eficácia no coping

.80

.55

.82

.69

.83

.65

Culpa

Conteúdo

.52

.68

.61

.74

.69

.82

Triangulação .55 .71 .62

Em relação ao estudo original, os valores obtidos no nosso estudo

situam-se entre .52 e .80. Os valores de alpha apurados no estudo português

são ligeiramente mais baixos do que os do estudo original, à excepção da

subescala Frequência. No entanto, há concordância entre os estudos quando

comparamos as subescalas que obtiveram valores mais altos e as que tiveram

valores mais baixos.

CAPÍTULO VI 245

O processo de validação dos instrumentos

Validade construto

Para testarmos a validade de construto deste instrumento na nossa

amostra, primeiramente, decidimos fazer algumas análises especificas e só

depois seguimos os procedimentos de análise estatística usados pelos

autores. Assim, partindo do conjunto dos itens da escala quisemos saber que

tipo de estrutura factorial caracterizava a C.P.I.C., e verificar se era possível

obter-se uma aproximação de certos itens à organização por dimensões ou

subescalas na versão original apresentada pelos autores.

Prévio à análise factorial, analisámos as correlações entre os itens a

considerar. O teste de Bartlett tem associado um nível de significância

inferior a p<.05. O valor do teste do Qui-quadrado foi de 7820,15 (g.l.

=1128; p<.001) e o coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) revelou um

valor de .90, permitindo-nos avançar para a análise factorial. Assim,

partimos para esta análise usando o método de extracção escolhido pelos

autores - método dos quadrados mínimos generalizados (generalized least

squares, GLS). Os autores explicam a sua opção, dizendo que este método à

semelhança do método da máxima verosimilhança permite um teste de

significância para encaixe na solução factorial, mas ao contrário do método da

máxima verosimilhança não requer que os dados apresentem uma

distribuição normal multivariada (Grych, Seid & Fincham, 1992).

Numa primeira análise exploratória com a totalidade dos itens

verificamos que a estrutura factorial obtida era constituída por 10

componentes, surgindo os itens agrupados de modo algo disperso. A

variância total explicada equivalia inicialmente a 54,4% (valor-próprio >1)

(cf. quadro 6.20).

CAPÍTULO VI 246

O processo de validação dos instrumentos

Após a extração factorial utilizou-se a rotação oblíqua, método

seleccionado pelos autores por considerarem que os factores, que

representam diferentes aspectos do conflito marital, estão relacionados

(Grych, Seid & Fincham, 1992). De facto, os métodos oblíquos (não

ortogonais) são usados quando se parte do pressuposto que não há

independência dos componentes, ou seja, que os factores estão

correlacionados (Pereira, 1999; Pestana & Gageiro, 1998).

QUADRO 6.20 - Componentes extraídos a partir do método dos quadrados

mínimos generalizados (C.P.I.C.) no Grupo I

VALORES – PRÓPRIO INICIAIS FACTOR

Total % Variância % Acumul.

1 10,15 21,14 21,14

2 3,75 7,81 28,95

3 2,94 6,13 35,08

4 1,78 3,71 38,79

5 1,68 3,51 42,29

6 1,39 2,89 45,18

7 1,19 2,48 47,65

8 1,15 2,40 50,05

9 1,07 2,23 52,29

10 1,02 2,12 54,40

Verificámos que as oito dimensões referenciadas pelos autores não

emergiam nesta estrutura. Daí que, apoiados na organização teórica dos

itens por dimensões pelos autores, forçamos a análise factorial à obtenção de

oito factores (cf. quadro 6.21).

CAPÍTULO VI 247

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.21- Componentes retidos a partir do método dos quadrados

mínimos generalizados seguida de rotação Oblíqua (C.P.I.C.) no Grupo I

FACTORES Itens C.P.I.C.

1 2 3 4 5 6 7 8 Resolução 28

Frequência 27 Intensidade 5

Intensidade 36 Intensidade 31

Resolução 11 Intensidade 13

Resolução 39 Resolução 46 Frequência 1

Intensidade 22 Resolução 20

Frequência 15 Resolução 2

Frequência 19 Frequência 35

Triangulação 42 Triangulação 25

Conteúdo 21 Conteúdo 29

Culpa 18 Conteúdo 37

Culpa 26 Culpa 41

Conteúdo 3 Percepção ameaça 24 Percepção ameaça 45 Percepção ameaça 7

Percepção ameaça 16 Eficácia coping 14

Percepção ameaça 40 Percepção ameaça 33

Triangulação 34 Eficácia coping 44

Triangulação 12 Eficácia coping 23 Eficácia coping 6

Eficácia coping 32 Eficácia coping 48

Triangulação 17 Culpa 47 Culpa 9

Triangulação 30 Triangulação 8 Triangulação 4 Frequência 10

Intensidade 38 Intensidade 43

,69 ,61 ,59 ,58 ,58 ,57 ,52 ,52 ,47 ,47 ,40 ,35 ,35 ,33 ,33 ,32

,30

-1,03 -,51

,82 ,71 ,65 ,54 ,39 ,39 ,37

-,80 -,65 -,64 -,62 -,50 -,49 -,48 -,34 -,22

-,71 ,65 ,36 ,30 ,23

,49 ,45 ,43 ,39

-,68 -,64 -,32

,33

,31

,30

,71 ,64

CAPÍTULO VI 248

O processo de validação dos instrumentos

Após esta análise é possível reconhecer-se alguma aproximação entre

os componentes da escala (e.g., itens relativos à frequência, à intensidade e à

resolução maioritariamente reunidos num factor comum), mas de modo

algum se confirma a organização proposta pelos autores.

A representação gráfica dos resultados (cf. Gráfico 6C) mostra

claramente três componentes que se diferenciam dos restantes, estes últimos

pouco afastados entre si em termos de variância.

GRÁFICO 6C- Scree Plot para a totalidade itens da C.P.I.C. no Grupo I

46434037343128252219161310741

12

10

8

6

4

2

0

Valores

Próprios

Número de itens

Concentrando-nos nesses três factores, achamos que este instrumento

pode funcionar na nossa amostra de uma forma similar à da população onde

este instrumento foi construído e validado. O pedido de redução para três

CAPÍTULO VI 249

O processo de validação dos instrumentos

factores (cf. quadro 6.22) faz supor uma estrutura não muito diferente à que

os autores obtiveram.

CAPÍTULO VI 250

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.22- Componentes retidos a partir do método dos quadrados

mínimos generalizados seguida de rotação Oblíqua (C.P.I.C.) no Grupo I

FACTORES

Itens C.P.I.C. 1 2 3

Resolução 28 Resolução 46

Intensidade 13 Resolução 39

Frequência 27 Intensidade 31

Resolução 11 Intensidade 36 Intensidade 22 Intensidade 5 Frequência 15

Resolução 2 Frequência 35 Frequência 10 Resolução 20

Frequência 19 Frequência 1

Intensidade 43 Eficácia coping 48 Eficácia coping 23 Eficácia coping 32

Intensidade 38 Triangulação 25

Eficácia coping 44 Eficácia coping 6

Conteúdo 21 Conteúdo 29

Culpa 18 Culpa 26 Culpa 41

Conteúdo 37 Conteúdo 3

Triangulação 4 Triangulação 30

Culpa 47 Triangulação 42

Culpa 9 Percepção ameaça 24 Percepção ameaça 7

Percepção ameaça 16 Percepção ameaça 45 Percepção ameaça 33

Eficácia coping 14 Percepção ameaça 40

Triangulação 34 Triangulação 12 Triangulação 8

Triangulação 17

,75 ,68 ,65 ,64 ,63 ,63 ,62 ,59 ,57 ,56 ,50 ,50 ,47 ,46 ,46 ,45 ,41 ,40 ,38 ,38 ,37 ,34 ,31 ,19 ,19

,79 ,73 ,70 ,59 ,53 ,50 ,49 ,41 ,35 ,31 ,29 ,21

-,31

-,31

-,70 -,65 -,57 -,54 -,51 -,49 -,47 -,44 -,42 -,40 ,19

CAPÍTULO VI 251

O processo de validação dos instrumentos

Os itens das subescalas Frequência, Intensidade e Resolução

associam-se num factor e os das subescalas Culpa e Conteúdo aparecem

juntos num outro componente. Os itens da subescala Percepção de ameaça

diferenciam-se claramente num terceiro factor. Existem depois outros itens

referentes a outras subescalas que se dispersam por vários factores. É o caso

dos itens da subescala Triangulação que aparecem nos três componentes e os

itens da subescala Eficácia no coping, que não aparecem claramente definidos

num dos factores (tendo inclusive itens com saturações inferiores a .30 – cf.

valores a cinzento), mas que a agrupá-los resultariam melhor no primeiro

factor. Os resultados obtidos tomando os itens para a realização das análises

estatísticas são similares ao que obtivemos, quando procedemos à validação

destes instrumentos seguindo os passos adoptados pelos autores no estudo

original (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992). Neste estudo, as análises

estatísticas foram realizadas com as subescalas, não sendo referido pelos

autores, os procedimentos que deram origem às mesmas. Uma das razões

que Grych, Seid e Fincham (1992) apontam para trabalhar com as

subescalas, resulta do facto do tamanho das suas amostras não ser

suficientemente grande para proporcionar uma boa apreciação do modelo

proposto (cf. Grych & Fincham, 1990), se os itens individuais fossem usados.

O estudo original, apresenta duas amostras independentes, tendo uma

sido sujeita a uma análise factorial exploratória e a outra, citando o autor, a

uma análise factorial confirmatória (Grych, Seid & Fincham, 1992). No

entanto, o que constatámos foi que com a segunda amostra, fizeram as

mesmas análises estatísticas na tentativa de replicar a estrutura factorial

obtida com a primeira. A nossa amostra é bastante superior em número, que

a duas juntas apresentadas pelos autores, daí termos testado as

características do instrumento, primeiramente, com os itens todos e, somente

agora, adoptarmos os procedimentos exactos do autores no estudo original.

CAPÍTULO VI 252

O processo de validação dos instrumentos

No estudo americano, as decisões respeitantes ao número de factores

a extrair, a partir da análise factorial, tiveram por base considerações teóricas

e estatísticas. Referem os autores (Grych, Seid & Fincham, 1992) que, dada

a ausência de um critério estatístico definitivo para a selecção do modelo, o

significado teórico dos factores teve um papel predominante na determinação

da melhor solução. Assim, de acordo com o estudo original obtiveram-se três

factores (com saturações >.30), em resultado da retenção de um componente

com valor próprio inferior a 1.0., garantindo esta opção uma boa

percentagem de variância explicada (72,6% para a amostra 1 e 72,7% na

amostra 2) (cf. quadro 6.23). Por outro lado, os autores explicam que a

retenção de três factores têm conceptualmente mais significado, do que se

optasse por um ou dois componentes. O objectivo principal do estudo era

distinguir vários aspectos do conflito e a solução apresentada de três factores

permite separar as características do conflito (e.g., intensidade, frequência)

das apreciações da criança (e.g., ameaça percebida). Referem os autores do

estudo, que se se optasse por dois factores, todas as dimensões, excepto a

referentes à Culpa e ao Conteúdo, seriam colocadas num único factor, cuja

interpretação seria menos clara (Grych, Seid & Fincham, 1992).

QUADRO 6.23 – Componentes extraídos a partir do método dos quadrados

mínimos generalizados para a C.P.I.C. no Estudo Original

Amostra 1 Amostra 2 C.P.I.C.

1 2 3 1 2 3 Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação Estabilidade

- - - - -

,54 1,04

- -

- - -

,94 ,56 - -

,50 -

,83 ,68 ,85 - - - - -

,56

- - -

1,03 ,48 - - - -

- - - - -

,93 ,79 ,53 ,49

,91 ,68 ,70 - - - - - -

Valor próprio 4,54 1,17 ,83 4,30 1,27 ,97 % Variância 50,40 13,00 9,20 47,80 14,20 10,70

Variância acumulada 50,40 63,40 72,60 47,80 62,00 72,70

CAPÍTULO VI 253

O processo de validação dos instrumentos

Os dados do quadro 6.23, referente ao estudo original, revelam que os

resultados da análise factorial para as duas amostras são muito semelhantes,

mas não idênticas (Grych, Seid & Fincham, 1992). As saturações nos três

factores obtidos são algo variáveis numa e noutra amostra, sendo que sete

das subescalas mostram valores claros e consistentes nas duas amostras,

enquanto a subescala Triangulação e a subescala Estabilidade não

apresentam valores constantes.

Nas duas amostras, as subescalas Intensidade, Frequência e Resolução

saturam com valores elevados no mesmo factor, sustentando a proposta

teórica de que essas dimensões quando juntas, definiriam um tipo de conflito

marital destrutivo (Grych, Seid & Fincham, 1992). As subescalas Ameaça

percebida e Eficácia no coping, surgem também no mesmo factor numa e

noutra amostra, sugerindo segundo os autores, que o grau em que a criança

se sente ameaçada pelos conflitos está associado à sua capacidade percebida

para se confrontar com o conflito. A subescala Conteúdo do conflito

(relacionado ou não com aspectos da criança) apresenta valores que saturam

no mesmo factor que a subescala Culpa, isto nas duas amostras. Assim,

sugere-se que a tendência da criança para se culpabilizar pelo conflito marital,

associa-se ao grau em que o assunto do conflito está relacionado com a

criança (Grych, Seid & Fincham, 1992).

A subescala Triangulação aparece na amostra 1 juntamente com as

subescalas Ameaça e o Coping, mas na amostra 2 surge no mesmo factor das

subescalas Culpa e Conteúdo. A subescala Estabilidade revela variações

semelhantes, surgindo na amostra 1 no factor que agrupa as subescalas

Frequência, Intensidade e Resolução, todavia na amostra 2 saturam no

componente que reúne as subescalas Conteúdo e Culpa. Assim, estas

subescalas foram, neste estudo e após a análise factorial, eliminadas por não

saturarem consistentemente num componente específico. Após terem sido

CAPÍTULO VI 254

O processo de validação dos instrumentos

eliminadas, as restantes subescalas foram sujeitas a nova análise factorial,

mantendo-se os factores e a organização das dimensões nos mesmos (Grych,

Seid & Fincham, 1992).

No nosso estudo, o valor de qui-quadrado foi de 54,18, com 7 graus de

liberdade e p<.001. Operando à semelhança do estudo original, obtivemos

igualmente 3 factores (com saturações > .30), apresentando o terceiro

componente, também, um valor próprio inferior a 1.0 (especificamente de

,91). A percentagem de variância total explicada mostrou-se bastante

satisfatória (72,8%), como podemos observar no quadro 6.24. O factor 1

explica a maior percentagem de variância (43,9%), o factor 2 (17,5%) e

finalmente do factor 3 (11,4%).

QUADRO 6.24 - Componentes extraídos a partir do método dos quadrados

mínimos generalizados para a C.P.I.C. no Estudo Português (G I)

FACTORES C.P.I.C.

1 2 3

h2

Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação

- - -

,98 - - -

,44

,86 ,78 ,85 -

,49 - - -

- - - - -

,65 ,80 -

.79

.70

.65

.99

.39

.44

.62

.53 Valor próprio 3,52 1,40 ,91 % Variância 43,94 17,51 11,37

Variância acumulada 43,94 61,45 72,83

A análise do quadro 6.24 revela que a distribuição factorial apurada no

nosso estudo é algo diferente da encontrada no estudo original. Note-se que

as subescalas Intensidade, Frequência e Resolução surgem num único factor,

no qual aparece também a subescala Eficácia no coping, sugerindo que o grau

CAPÍTULO VI 255

O processo de validação dos instrumentos

de destruição percebido no conflito marital estará associado à capacidade da

criança para se confrontar com este. Contrariamente ao que sucedia no

estudo original, a subescala Ameaça percebida surge sem outra subescala

associada no factor 1. O factor 3 associa as subescalas Culpa e Conteúdo,

sugerindo uma relação entre o sentimento de culpa experienciado pela criança

e o conteúdo do conflito marital. Inclui-se, também, neste terceiro factor, a

Subescala Triangulação, que como referido pelos autores pode ser ponderada

para o cômputo geral deste instrumento, muito embora estes não ao incluam

especificamente em nenhum dos factores por não obter valores consistentes

entre os estudos (Grych, Seid & Fincham, 1992).

Assim, no estudo português, não é possível separar-se as

características do conflito (intensidade, frequência e resolução) das

apreciações relativas à própria criança, como é a eficácia percebida no

confronto com essa situação de conflito. O confronto inesperado com uma

estrutura factorial diferente à do estudo original levou a que

reconfirmássemos tal organização por factores, tomando como critério alguns

aspectos. Deste modo, partindo da nossa amostra de 605 sujeitos, criámos

uma outra, composta somente por crianças com idades compreendidas entre

os 10 e os 12 anos, por forma a aproximar-nos o mais possível da faixa etária

(9-12 anos) das amostras 1 e 2 usadas pelos autores, no seu estudo com este

instrumento. Com esta nova amostra (grupo I A) que perfez 188 crianças (85

rapazes e 103 raparigas), voltámos a tentar a redução dos dados, pedindo

igual número de factores e o resultado obtido em termos de distribuição foi

bastante idêntico. Por curiosidade científica, quisemos saber o que ocorreria

se a população em estudo não fosse a normativa, mas o grupo II (grupo de

risco) que participará no nosso estudo comparativo, apresentado mais à

frente. As análises estatísticas uma vez mais repetiram a organização

factorial anteriormente discutida (cf. quadro 6.25).

CAPÍTULO VI 256

O processo de validação dos instrumentos

QUADRO 6.25 – Análise factorial para os grupos I, IA e II

(método dos quadrados mínimos generalizados com rotação oblíqua)

GRUPO I GRUPO IA GRUPO II

Factores Factores Factores

SUBESCALAS

C.P.I.C. 1 2 3 1 2 3 1 2 3

Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação

- - -

,98 - - - -

,86 ,79 ,81 -

,48 - - -

- - - - -

,65 ,80 ,44

- - - - -

,71 ,80 ,53

- - -

,96 - - - -

,88 ,60 ,75 -

,53 - - -

- - - - -

,54 1,00

-

,90 ,70 ,45 -

,63 - - -

- - -

,93 - - -

,40 Valor próprio 3,52 1,40 ,91 3,87 1,09 ,97 3,18 1,49 1,05 % Variância 43,9 17,5 11,4 48,4 13,6 12,2 39,7 18,7 13,1

Variância acum. 43,9 61,5 72,8 48,4 62,0 74,2 39,7 58,4 71,4

A associação entre as características de intensidade, frequência e

resolução do conflito e a eficácia no coping, parece-nos bastante coerente,

uma vez que baseados na nossa experiência clínica com crianças é muito

comum que a percepção que cada uma tem sobre a sua capacidade e eficácia

no confronto com situações de stress, dependa muito das representações

construídas sobre a severidade dos eventos (Sani, 2002). Num estudo

qualitativo concluído em 2000, identificámos um construto teórico que

definimos como ‘gravidade’, o qual pretendeu definir a percepção da

seriedade para a criança da situação experienciada. Esta representação de

gravidade era construída tendo por referência, entre outros, aspectos como a

frequência, a continuidade e escalada dos episódios de stress / violência, os

quais interagiam com outras dimensões como a intensidade, algumas vezes

constatada pelas descrições que estas faziam sobre o tipo de violência

infligida às vítimas e consequências desta (Sani, 2002). Tais representações

têm influência ao nível do impacto, do investimento da criança na resolução

do problema (estratégias de coping), bem como na percepção de controlo e

de competência da própria criança.

CAPÍTULO VI 257

O processo de validação dos instrumentos

O facto da subescala Eficácia no coping não aparecer associada à

subescala Ameaça percebida, tal qual surge no estudo original, é como vimos

perfeitamente justificável. Aliás, se a análise factorial não fosse orientada por

um critério teórico, segundo o qual os autores justificam o pedido de redução

a três factores, os resultados obtidos, atendendo ao critério dos valores

próprios superiores a 1, corresponderiam a dois únicos factores. Haveria um

factor que associava a subescala Culpa e Conteúdo, tal como acontece com a

actual alternativa factorial, e um outro factor que agrupava as restantes

subescalas, ou seja, Intensidade, Frequência, Resolução, Eficácia no coping e

ainda a da Ameaça percebida38. A inclusão da última subescala nesse último

factor, não nos pareceria difícil de compreender, uma vez que consideramos

que, à semelhança do que se passa com a percepção sobre a eficácia no

coping, a percepção de ameaça depende muito de pistas externas à pessoa,

geralmente associadas às características do conflito. Por exemplo, é provável

que a criança se sinta mais ameaçada quanto maior for a severidade

percepcionada sobre o conflito interparental (Sani, 2002).

Relativamente às subescalas Culpa e Conteúdo, a solução factorial

encontrada, seja qual for o critério de extração, parece-nos perfeitamente

justificada teoricamente. É bastante comum a percepção de culpa das

pessoas ser modelada pelo conteúdo das discussões, tanto mais se tais

conflitos fazem subentender algum grau de participação ou envolvimento no

problema (Cummings & Davies, 1994). Assim, achamos que são, sobretudo,

aspectos pessoais (pistas internas à pessoa) que orientam a percepção de

Culpa e os julgamentos sobre o Conteúdo do conflito, pelo que é de todo

38 Tal como referem os autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992), esta organização factorial foi também obtida, todavia não se apresentou como significativa do ponto de vista conceptual, pelo que foi abandonada, optando pela solução factorial com três factores.

CAPÍTULO VI 258

O processo de validação dos instrumentos

aceitável que esta duas subescalas se apresentam num solução factorial

comum e distinta das restantes.

Posto isto, importa justificar a nossa opção por uma organização das

várias dimensões em três factores ou escalas de nível superior. A retenção de

apenas dois factores foi imediatamente desconsiderada, quando verificamos

que, após a rotação oblíqua, a subescala Ameaça percebida apresentava

valores de saturação, que além de baixos, eram pouco diferenciados num e

noutro factores encontrados (.30 e .38). A opção por três factores é

teoricamente sustentável e dá origem a que a subescala Ameaça percebida

surja num único factor, com níveis de saturação bastante altos e uma boa

percentagem de variância explicada (melhor que a do factor 3 com duas

subescalas e que a do factor 2 com 4 subescalas).

Quanto à designação dos factores propõem-se, por adequação ao

estudo português, uma pequena alteração na designação das escalas gerais.

Partindo da proposta dos autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992) achamos

que o factor que reúne as subescalas Intensidade, Frequência, Resolução e

Eficácia no coping deverá chamar-se Propriedades do conflito e Eficácia no

coping, dada a inclusão da última dimensão. Quanto aos outros dois factores

decidimos manter as designações: para uma Ameaça, porque representa

univocamente a dimensão que a compõe e; Culpa, pois a associação

encontrada é a mesma que a do estudo original. Achámos que este

agrupamento das dimensões ou subescalas em categorias mais gerais tem,

sobretudo, interesse para nos ajudar a compreender teoricamente como é

que determinadas variáveis, identificadas como mediadoras do impacto da

violência interparental, se relacionam e contribuem para explicar o

ajustamento psicológico da criança. As três categorias gerais encontradas

não são proporcionais, pelo que tivemos alguma dificuldade em denominá-las

de factores. Assumimos esta organização global, porque tal é apoiada

CAPÍTULO VI 259

O processo de validação dos instrumentos

estatisticamente, embora consideremos que a análise por subescalas nos

possa fornecer pistas importantes para a compreensão das percepções e a

sua relação com o ajustamento da criança.

A seguir fazemos uma apresentação das três escalas gerais

encontradas, com as respectivas dimensões e descrição dos itens que

compõem cada uma delas, pela ordem com que as nomeamos atrás.

a) PROPRIEDADES DO CONFLITO E EFICÁCIA NO COPING

Item Conteúdo do item

5 Os meus pais ficam realmente zangados quando discutem

13 Quando os meus pais têm um desentendimento eles discutem isto calmamente.

22 Quando os meus pais têm uma discussão eles dizem coisas más um ao outro

31 Quando os meus pais têm uma discussão eles gritam um ao outro

36 Os meus pais quase nunca gritam quando têm um desentendimento.

38 Os meus pais quebram ou atiram coisas durante uma discussão

43 Os meus pais empurraram-se um ao outro durante uma discussão

1 Eu nunca vejo os meus pais discutindo ou discordando.

10 Eles podem não pensar que eu sei, mas os meus pais discutem e discordam muito

15 Os meus pais são muitas vezes maus um com o outro mesmo quando estou presente

19 Frequentemente vejo ou ouço os meus pais discutindo

27 Os meus pais quase nunca discutem.

35 Os meus pais frequentemente chateiam e queixam-se um do outro por toda a casa

2 Quando meus pais têm uma discussão normalmente resolvem o assunto.

11 Mesmo depois dos meus pais pararem de discutir eles ficam zangados um com o outro

20 Quando os meus pais discordam sobre algo, eles normalmente propõem uma solução.

28 Quando os meus pais discutem eles normalmente fazem as pazes imediatamente.

39 Depois que os meus pais deixam de discutir, eles são amigáveis um para o outro.

46 Os meus pais continuam a agir mal depois de terem tido uma discussão

6 Quando os meus pais discutem eu consigo fazer algo para sentir-me melhor.

14 Eu não sei o que fazer quando os meus pais têm discussões

23 Quando os meus pais discutem ou discordam posso normalmente ajudar a melhorar as

coisas.

32 Quando os meus pais discutem não há nada que eu possa fazer para pará-los

44 Quando os meus pais discutem ou discordam não há nada que possa fazer para sentir-

me melhor

48 Quando os meus pais discutem eles não ligam a nada do que eu digo

INTENSIDADE

CAPÍTULO VI 260

FREQUÊNCI

A

EFI C. COP ING

RESOLUÇÃO

O processo de validação dos instrumentos

Um dos agrupamentos correspondente a uma das escalas globais, é

composto por quatro subescalas e um total de 25 itens. Três das subescalas

referem-se à percepção pela criança de características inerentes ao conflito

marital, designadamente a intensidade das discussões, a frequência da sua

ocorrência e a resolução ou não da situação problemática. Uma outra

dimensão que integra igualmente este grupo, porque bastante associada às

dimensões supracitadas, relaciona-se esta com a percepção da criança sobre

a sua eficácia no coping com as situações de conflito interparental.

O coping representa, quer esforços comportamentais, quer cognitivos

para lidar com exigências internas e externas causadas por um stressor, neste

caso a violência interparental. Segundo Prisco e Fontaine (1999), as origens

do coping encontram-se tanto na pessoa como no meio, pois ambas

determinam a forma como o coping é expresso numa situação particular. Os

estilos de coping podem ser focados no problema, sendo o objectivo principal

o controlo do stressor com vista a reduzir ou eliminar pressão exercida por

este (e.g., item 32) ou focados na emoção, orientados sobretudo para o

controlo da resposta emocional associada ao stressor (e.g., item 6). Destes

estilos poderão decorrente o uso de estratégias de coping activas (implicam

normalmente assertividade, intimidade e auto-revelação) ou passivas

(envolvem geralmente uma reavaliação, distorção da realidade e o enganar-

se a si próprio) (Sani, 2002). Assim, como já afirmamos são basicamente

pistas externas, isto é, aspectos relacionados com o conflito marital, que

orientam a construção de tais percepções, daí se compreenda que neste

factor, para além das propriedades que possam caracterizar o conflito, se

inclua também a eficácia no coping, uma vez que a percepção construída pela

criança sobre a sua capacidade de confronto pode decorrer em muito da

associação que faz a determinados aspectos do conflito, sobretudo se adoptar

um estilo de coping mais centrado no problema.

CAPÍTULO VI 261

O processo de validação dos instrumentos

b) AMEAÇA

Item Conteúdo do item

7 Fico assustado/a quando os meus pais discutem

16 Quando os meus pais discutem eu preocupo-me sobre o que me acontecerá

24 Quando os meus pais discutem tenho medo que algo mau possa acontecer

33 Quando os meus pais discutem preocupo-me que um deles saia magoado

40 Quando os meus pais discutem tenho medo que eles também possam gritar comigo

45 Quando os meus pais discutem preocupa-me que eles possam divorciar-se

AMEAÇA

A escala global Ameaça, embora assuma neste estudo, a mesma

designação da encontrada no estudo original, esta é qualitativamente

diferente na sua composição, uma vez que integra apenas a subescala da

Ameaça percebida. Compõem-se apenas de seis itens, todos eles relativos ao

sentimento de ameaça experienciado pela criança em relação aos conflitos

interparentais. A percepção de ameaça embora possa ser construída com

base em pistas externas, nota-se pelo conteúdo dos itens ser mais

descentrada do problema em si e mais focado nas pessoas e nas

consequências que estas poderão ter que suportar.

c) CULPA

Item Conteúdo do item

9 Não me culpo quando os meus pais têm discussões.

18 É normalmente minha a culpa dos meus pais discutirem

26 Mesmo que não o digam, eu sei que sou culpado quando os meus pais discutem

41 Os meus pais culpam-me quando têm discussões

47 Normalmente não é culpa minha quando os meus pais têm discussões.

3 Os meus pais entram frequentemente em discussão sobre coisas que eu faço na escola

21 As discussões dos meus pais são normalmente sobre mim

29 Os meus pais normalmente discutem ou discordam por causa de coisas que eu faço

37 Os meus pais entram frequentemente em discussão quando eu faço algo errado

CONTEÚDO

CULPA

CAPÍTULO VI 262

O processo de validação dos instrumentos

O terceiro factor inclui duas dimensões, uma relacionada com a

existência de conflitos cujo conteúdo das discussões versam sobre aspectos

da criança e outra o sentimento de culpa que possa advir pela ocorrência de

tais conflitos interparentais. A experiência clínica revelou-nos como algumas

crianças se culpabilizam, porque entendem ser por vezes um dos motivos das

discussões do casal ou do sofrimento da vítima (cf. Sani, 2002). Compreende-

se, portanto, a associação estatisticamente encontrada entre estas duas

dimensões, que conjuntamente apresentam nove itens.

Importa ainda referir, uma dimensão designada de triangulação e que

agrupa oito itens, que descrevem as relações diádicas e/ou triádicas

ocasionadas pelos conflitos interparentais, subentendendo particularmente o

posicionamento da criança face ao problema. Os autores admitem a

possibilidade de cálculo desta dimensão, muito embora, não a incluam na

composição de nenhuma das escalas gerais, dado nos estudos que

realizaram, esta dimensão se apresentar como muito instável em termos de

saturar um determinado factor.

Triangulação

Item Conteúdo do item

4 Quando os meus pais discutem eu acabo por ser envolvido de alguma maneira

8 Sinto-me apanhado/a no meio quando os meus pais discutem

12 Quando os meus pais discutem eu tento fazer algo para pará-los

17 Não sinto que tenha que tomar partido quando os meus pais têm um

desentendimento.

25 A minha mãe quer que eu esteja do lado dela quando ela e meu pai discutem

30 Eu não sou envolvido quando os meus pais discutem.

34 Sinto como se tivesse que tomar partido quando os meus pais têm um

desentendimento

42 O meu pai quer que eu esteja do lado dele quando ele e minha mãe discutem

CAPÍTULO VI 263

O processo de validação dos instrumentos

No nosso estudo, tivemos apenas uma amostra, mas ao nível da

análise factorial realizada para este instrumento detectámos também algumas

oscilações. Inicialmente, ao nível da análise factorial exploratória, esta

dimensão surge-nos juntamente com a dimensão da Ameaça percebida,

depois após a rotação oblíqua, surge com as dimensões Culpa e Conteúdo. A

mesma variação foi encontrada com a amostra dos 10 aos 12 anos (N=188),

contudo como grupo II, primeiramente surge no grupo das subescalas ligadas

às propriedades do conflito e após a rotação, no grupo da ameaça percebida.

Em qualquer um dos casos os valores apurados foram sempre mais baixos

dos que os encontrados nas outras subescalas. Assim, pareceu-nos sensato

analisar esta dimensão à parte, sem inclui-la necessariamente neste ou

naquele factor mais específicos.

A análise da consistência interna da escala, tomando agora somente os

factores retidos revela valores satisfatórios, como podemos observar no

quadro 6.26.

QUADRO 6.26 - Coeficientes alpha de Cronbach para as componentes globais

da escala (C.P.I.C.) no estudo original e no estudo português

Estudo Original

Est. Português

ESCALAS Amostra 1 / Amostra 2

ESCALAS Amostra (GI)

Propriedades

do conflito

.90 / .89

Propriedades do

conflito e eficácia no coping

.89

Ameaça

.83 / .83

Ameaça

.80

Culpa

.78 / .84

Culpa

.71

CAPÍTULO VI 264

O processo de validação dos instrumentos

Os dados revelam valores mais baixos um pouco do que os obtidos no

estudo original, no entanto, recorde-se que a estrutura factorial é igual em

número, mas distinta na composição. Tomando os três factores, o resultado

do Alpha de Cronbach para a este instrumento é de .89, um valor bastante

satisfatório para se afirmar a estrutura consistente da escala e responder ao

critério da fidelidade para a validação de escalas de avaliação.

CONCLUSÃO

A análises realizadas visaram a validação das três escalas, que

constituem os instrumentos privilegiados para procedemos à análise das

crenças e percepções de crianças sobre a violência. Os resultados apontam

para valores bastante satisfatórios, que garantem aos instrumentos boas

qualidades psicométricas, designadamente de validade e de fidelidade. O

mesmo grupo (GI) serviu de base a esse estudo das características dos

instrumentos e agora um outro grupo (GII) será utilizado para procedermos a

um estudo comparativo, que apresentaremos no capítulo seguinte. A partir

deste estudo poderemos aperceber-nos, também, de se estes instrumentos

têm potencialidades de discriminação de grupos, uma vez que iremos

trabalhar com amostras distintas em termos de experienciação da violência.

Portanto, a nossa próxima tarefa passa por examinarmos semelhanças e

diferenças ao nível das crenças (através da E.C.C.V.) e percepções (através

da C.P.I.C.) entre crianças com e sem experiência de exposição à violência na

família (distinção através da S.A.N.I.). Apesar das análises estatísticas já

realizadas, os instrumentos só terão interesse para a prática de investigação

se forem capazes de apreender diferenças individuais nos constructos

avaliados (Freire & Almeida, 2001).

CAPÍTULO VI 265