capítulo livro letramento alfabetização em saúde

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Capítulo 7 Letramento em Saúde e Promocão da Saúde " Fábio Luiz Mialhe Maria Teresa Carthery-Goulart Introdução O presente texto aborda o letramento em saúde, expressão traduzida para o português do termo inglês health literacy, definido pelo Institute of Medi- cine - EUA, como "o grau com que os indivíduos são capazes de obter, processar e compreender informações e serviços básicos de saúde necessários para tomarem decisões apropriadas em saúde" (10M, 2004). É um campo de conhecimentos emergente na área da Educação e Promoção da Saúde e ainda muito pouco estudado em nosso país, apesar de as pesquisas na área virem sen- do desenvolvidas desde o início da década de 1990, principalmente nos EUA. O conceito e o campo de estudos do letramento em saúde ainda não apre- sentam um consenso entre os pesquisadores, entretanto envolve muito mais do que a simples habilidade de ler as informações em saúde, ou seja, compreende habilidades influenciadas pela cultura e pela sociedade, como saber ouvir, ler, escrever, expressar-se oralmente, habilidades de numeramento" e de tomar de- cisões relacionadas à saúde (Cutilli, 2005). Indivíduos com baixos níveis de letramento em saúde apresentam, mais di- ficuldades de compreender as informações fornecidas de forma escrita e oral pelos profissionais de saúde, de seguir as recomendações contidas em bulas de medicamentos, entender como funciona o sistema de saúde, entre muitos outros entraves, que podem comprometer a qualidade da saúde e aumentar os custos para o sistema (Schwartzberg et al., 2005). Assim, o letramento em saúde é considerado um recurso fundamental para a vida, pois seus níveis afe- tam diretamente as habilidades das pessoas de agirem não somente sobre as • Numeramento é a tradução, ainda não dicionarizada, para o português, da palavra numeracy. Refere-se à ca- pacidade do indivíduo de aliar habilidades do letramento às habilidades matemáticas, a partir do domínio de ambas. Segundo Cal et a!. (2003),o numeramento é um conjunto de conhecimentos e habilidades que permite ao indivíduo manejar e responder às demandas matemáticas nas mais diversas situações. 133

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  • Captulo 7Letramento em Sade ePromoco da Sade

    "Fbio Luiz Mialhe

    Maria Teresa Carthery-Goulart

    Introduo

    Opresente texto aborda o letramento em sade, expresso traduzida para oportugus do termo ingls health literacy, definido pelo Institute of Medi-cine - EUA, como "o grau com que os indivduos so capazes de obter,processar e compreender informaes e servios bsicos de sade necessriospara tomarem decises apropriadas em sade" (10M, 2004). um campo deconhecimentos emergente na rea da Educao e Promoo da Sade e aindamuito pouco estudado em nosso pas, apesar de as pesquisas na rea virem sen-do desenvolvidas desde o incio da dcada de 1990, principalmente nos EUA.

    O conceito e o campo de estudos do letramento em sade ainda no apre-sentam um consenso entre os pesquisadores, entretanto envolve muito mais doque a simples habilidade de ler as informaes em sade, ou seja, compreendehabilidades influenciadas pela cultura e pela sociedade, como saber ouvir, ler,escrever, expressar-se oralmente, habilidades de numeramento" e de tomar de-cises relacionadas sade (Cutilli, 2005).

    Indivduos com baixos nveis de letramento em sade apresentam, mais di-ficuldades de compreender as informaes fornecidas de forma escrita e oralpelos profissionais de sade, de seguir as recomendaes contidas em bulasde medicamentos, entender como funciona o sistema de sade, entre muitosoutros entraves, que podem comprometer a qualidade da sade e aumentaros custos para o sistema (Schwartzberg et al., 2005). Assim, o letramento emsade considerado um recurso fundamental para a vida, pois seus nveis afe-tam diretamente as habilidades das pessoas de agirem no somente sobre as

    Numeramento a traduo, ainda no dicionarizada, para o portugus, da palavra numeracy. Refere-se ca-pacidade do indivduo de aliar habilidades do letramento s habilidades matemticas, a partir do domnio deambas. Segundo Cal et a!. (2003),o numeramento um conjunto de conhecimentos e habilidades que permite aoindivduo manejar e responder s demandas matemticas nas mais diversas situaes.

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    informaes em sade, mas tambm como terem mais controle de sua sadecomo indivduos, famlias e comunidades. Portanto, o conceito est intricadoao de empoderamento (empowerment) pessoal e comunitrio, princpios estra-tgicos bsicos do movimento de Promoo de Sade (WHO, 2009).

    A 7 Conferncia Internacional de Promoo de Sade, realizada em Nai-robi, Knia, em outrubro de 2009, identificou a importncia do letramento emsade como importante meio para promover o encorajamento individual eaes coletivas visando influenciar os determinantes da sade. O documen-to de trabalho intitulado "Health Literacy and Health Promotion. Definitions,Concepts and Examples in the Eastern Mediterranean Regions. IndividualEmpowerment Conference Working Document", preparado para, e discutidona Conferncia, focou em quatro tpicos principais relacionados ao tema: oaumento do acesso da informao em sade atravs de tecnologias de infor-mao e comunicao, aumento do uso da informao em sade por meio doempowerment, aumento do fluxo de informaes atravs de colaboraes in-tersetoriais, desenvolvimento de meios apropriados de se mensurar e reportarprogressos dos nveis de letrament (WHO, 2009).

    Visto que nosso pas, bem como outros da Amrica Latina, ainda apre-senta uma boa parcela de jovens e adultos analfabetos ou analfabetos funcio-nais (UNESCO/OREAL, 2004; INAF, 2009), urgente que os servios de sadeavaliem como esto desenvolvendo seus processos de comunicao com essesusurios, pois, segundo Baker (2006), um sistema de sade universal no deve serapenas acessvel a todos, mas tambm compreendido por todos.

    No se pretende aqui esgotar o tema, dada sua grande complexidade, masapresentar ao leitor uma viso geral dos conceitos e ideias que permeiam essecampo de conhecimentos e propor algumas estratgias de interveno, visan-do a melhorar os nveis de letramento em sade da populao.

    De "Literacy" a "Letramento"Embora a palavra literacy j estivesse dicionarizada em pases como Es-

    tados Unidos e Inglaterra, desde o final do sculo XIX, foi apenas no final dosculo XX que o vocbulo comeou a adquirir um significado distinto de rea-ding instruction ou beginning literacy nas reas de educao e linguagem, como objetivo de reconhecer, nomear e avaliar prticas mais complexas do que amera aquisio da 'tecnologia' de ler e de escrever (Soares, 2003).

    Assim, em meados dos anos 1980, com o surgimento do novo campo deestudos aplicado ao termo literacy e aos conhecimentos que ele compreende,tambm apareceram, no Brasil, na Frana e em Portugal, as palavras, letra-mento, illettrisme e literacia, respectivamente, como tradues do termo literacy,em funo de uma necessidade, mundialmente percebida, de discutir e avaliar

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    da lngua escrita em prticas sociais, ou seja, para alm do processo debetzao (Soares, 2003; Mortatti, 2004).Uma das primeiras aparies da palavra letramento no nosso pas parece

    ocorrido no livro de Mary Kato, intitulado No mundo da escrita: uma perspec-- rsicoingietica, publicado em 1986 (Mortatti, 2004, Soares, 2009).Em 1988, a palavra apareceu novamente no captulo introdutrio do livro

    Leda Verdiani Founi, intitulado Adultos no alfabetizados: o avesso do avesso, a autora distingue alfabetizao de letramento e, provavelmente nesse mo-to, letramento ganhou estatuto de termo tcnico (Mortatti, 2004; Soares,- I.

    A palavra tambm aparece, em 1995, no livro de ngela Kleiman, inti-do Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prtica social da

    """"";:-a,e em vrias publicaes posteriores, entre elas, Letramento: um tema em~.:generos (Soares, 1998) e Educao e Letramento (Mortatti, 2004).

    Dessa forma, letramento, embora seja uma palavra nova no dicionrio, vemimpondo na rea da educao e das cincias lingusticas, apesar de haver- :usses se no seria mais adequado o uso a palavra alfabetismo, j dicionari-a h algum tempo.

    Segundo Soares (2009):"Implcita neste conceito (literacy) est a ideia de que a escrita traz conse-qncias sociais, culturais, polticas, econmicas, cognitivas, lingsticas,quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivduoque aprenda a us-la. Em outras palavras: do ponto de vista individual, oaprender a ler e escrever.[...] O "estado" ou a "condio" que o indivduoou o grupo social passam a ter, sob o impacto dessas mudanas, que designado por literacy. "

    Mas, afinal, por que a necessidade de mais essa palavra no nosso vocbulo?E = ares (2009) continua a reflexo:

    " medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um nmero cadavez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e medida que, concomi-tantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita(cada vez mais grafocntrica), um novo enfoque se evidencia: no bastaapenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem aler e a escrever, mas no necessariamente incorporam a prtica da leitura eda escrita, no necessariamente adquirem competncia para usar a leiturae a escrita, para envolver-se em prticas sociais da escrita: no lem livros,jornais, revistas, no sabem redigir um ofcio, um requerimento, uma de-clarao, no sabem preencher um formulrio, sentem dificuldade para es-crever um simples telegrama, uma carta, no conseguem encontrar infor-maes num catlogo telefnico, num contrato de trabalho, numa conta de

  • luz, numa bula de remdio ...Esse novo fenmeno s ganha visibilidade de-pois que minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que odesenvolvimento social, cultural, econmico e poltico traz novas, intensase variadas prticas de leitura e de escrita, fazendo surgirem novas neces-sidades, alm de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenmeno,foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na lngua, que um novo fenmeno surgiu e teve de ser nomeado. Para isso, e paranomear este novo fenmeno, surgiu a palavra letramento. /IAssim, letramento considerado o "estado ou condio de quem no ape-

    nas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as prticas sociais que usam a es-crita", enquanto alfabetizao a "ao de ensinar/aprender a ler e escrever"(Soares, 2009).Nesse sentido, o ideal seria que os indivduos aprendessem a lere escrever no contexto das prticas sociais, tornando-se alfabetizados e letradosao mesmo tempo, pois, muitas vezes, a aquisio da leitura e escrita, por si s,no garante a utilizao satisfatria em prticas sociais que envolvem o uso dalngua escrita (Mortatti, 2004).

    Letramento e alfabetizao no so, portanto, palavras sinnimas, emboraainda se veja no Brasil certa mescla entre elas, provavelmente porque remetama uma concepo plural e dinmica, no havendo, at o momento, uma defini-o universalmente aceita que defina e capture todas as facetas desses concei-tos. Isso se observa tambm em muitos dicionrios da lngua inglesa, em que aacepo de literacy ainda se confunde com a de alfabetizao.

    Alm disso, a pouca dicionarizao do termo letramento em dicionriosbrasileiros, devido introduo relativamente recente na nossa lngua, podeser considerada outra justificativa para confuses ainda existentes, quando datraduo do termo literacy. Por exemplo, em relatrio publicado pela UNES-CO, em 2005, elaborado a partir de um encontro de especialistas que discuti-ram como avaliar os nveis de letramento das populaes, literacy foi definidocomo:

    "Literacy is the ability to identify, understand, interpret, create, commu-nicate and compute, using printed and written materiaIs associated withvarying contexts. Literacy involves a continuum of learning in enablingindividuaIs to achieve his or her goals, develop his or her knowledge andpotential and participa te fully in community and wider society (grifo nos-so, UNESCO, 2005, p.21).

    E a traduo para o portugus foi concebida como:"A alfabetizao a habilidade de identificar, compreender, interpretar,criar, comunicar e assimilar, utilizando materiais impressos e escritos as-sociados a diversos contextos. A alfabetizao envolve um continuum deaprendizagem que permite que indivduos atinjam seus objetivos, desen-

    1361 Educao e Promoo da Sade - Teoria e Prtica

  • Letramentoem Sade e Promooda Sade 1137

    volvam seus conhecimentos e potencial e participem plenamente na sua co-munidade e na sociedade em geral" (grifo nosso, UNESCO, 2009, p.1S).Como se observa, no campo das formulaes polticas internacionais, a

    acepo que a UNESCO atribui literacy muito mais abrangente que a sim-ples habilidade de saber ler e escrever. Alm disso, visto que o conceito abran-ge um continuum de aprendizagem, ele considerado uma varivel contnua,e no dicotmica, por isso no h uma distino clara entre letrados e no-letrados, mas diferentes nveis de competncias de letramento e habilidades(Soares, 2009).

    Assim, visto que o fenmeno "cobre uma vasta gama de conhecimentos,habilidades, capacidades, valores, usos e funes sociais" (Soares, 2009) qua-se impossvel formular-se uma nica definio precisa e universal. Alm domais, verificam-se atualmente a identificao e o estudo de diferentes tipos deletramentos em vrios contextos. Portanto, uma pessoa pode ser consideradaletrada dentro de um determinado contexto de termos e contedos, mas fun-cionalmente iletrada quando requerida a compreender conceitos ou termosno familiares, como o caso daqueles encontrados nos vrios contextos dasade."

    Em razo do crescente interesse de pesquisas sobre os usos e funes so-ciais da modalidade escrita, o fenmeno do letramento tem sido incorporado avrias reas do conhecimento, gerando, assim, expresses como letramento es-colar, letramento em qumica, letramento cientfico e tecnolgico, letramentodigital ou eletrnico, letramento escolar, letramento infantil, letramento reli-gioso, letramento em sade, entre vrios outros (D'ambrsio, 2005; Schwartz-berg et al., 2005; Calhe ta, 2006; Pan, 2006; Santos, 2006;Arajo e Glotz, 2009).

    Entretanto, para Descardeci (2002):"O problema com essas amplas definies que, por um lado, perde-se aessncia do significado da palavra; e por outro, abre-se espao para usosdiscriminatrios do termo. De uma definio de sujeito letrado como sendoaquele que faz uso do cdigo escrito para interagir socialmente, passa-sea uma definio de sujeito letrado como aquele que seja "expert" em umarea qualquer do conhecimento, como se o envolvimento com outras prti-cas passasse necessariamente pelo domnio do cdigo escrito. Acredito quetodos j tenhamos conhecido pelo menos uma pessoa que seja "expert" emsua rea de conhecimento, sem, contudo ser conhecedora do cdigo escrito.Tornar-se letrado um processo que se inicia logo aps a aprendizagemdo cdigo escrito, e que no se encerra, desde que o indivduo se encontreexposto a demandas de letramento" .

    .. Contextos em sade aqui se referem a todas as situaes em que os indivduos tomam contato e interagem comobjetos, medicamentos, informaes, intervenes, profissionais e sistemas de sade.

  • 1381 Educaoe Promoo da Sade - Teoriae Prtica

    A autora ainda nos chama a ateno sobre alguns mitos do letramentopredominantes no senso comum, como o fato de pensarmos que /I aquele queno faz uso do cdigo escrito para se comunicar seja incapaz de raciocinar logi-camente, de inferir informaes ou de se expressar oralmente."

    Outro mito, segundo a autora :"... se pensar que o adulto iletrado deva ser tratado como uma criana, por-que ele pensa como criana. [...] H de se considerar, contudo, que adultosque retornam escola, ou que a procuram pela primeira vez, vm de umaexperincia de vida completamente diferente daquela das crianas, bemcomo com objetivos completamente distintos" (idem).Esse dado importante, pois, muitas vezes, nos servios de sade, po-

    pulaes analfabetas ou semianalfabetas so tratadas equivocadamente comototalmente ignorantes em sade.

    Estudos sobre Letramento

    Os primeiros estudos de avaliao direta de competncias relacionadas aocampo do letramento (literacy) realizaram-se nos Estados Unidos da Amrica(EUA). Entre 1917 e 1990, vrios levantamentos foram realizados com milita-res, verificando quais tipos de recrutas deveriam ser aceitos e quais serviosseriam apropriados a eles. Tambm foram feitos estudos com civis, avaliando aproporo da populao que no possua as competncias mnimas para umaparticipao integral na sociedade e no mercado de trabalho. Visto que nestapoca o conceito de letramento estava associado a uma condio que a pessoatinha ou no, eram falhos em reconhecer a complexidade do problema do le-tramento e, portanto, avaliavam, na verdade, o nmero de adultos iletrados(Kirsch et al., 2002; Schwartzberg et al., 2005).

    Em 1992, o governo dos EUA empreendeu o National Assessment of AdultLiteracy (NALS), em uma amostra representativa de mais de 26.000 americanoscom mais de 16 anos de idade, a fim de avaliar a natureza e a extenso dashabilidades de literacy na populao (Kirsch et al., 2002). Esse levantamentodestacou-se, pois foi um dos primeiros a se pautar por um conceito diferencia-do de literacy, entendido como um contnuo de competncias e no uma qua-lidade dicotmica. Assim, o comit responsvel pelo NALS adotou a seguintedefinio para a palavra:

    Literacy is using printed and written information to function in society,to achieve one s goal, and to develop one' s knowledge and potential (Kirsch,2001)***.

    Traduo: letramento a utilizao de informaes impressas e escritas para funcionar na sociedade, para al-canar suas metas pessoais, e para desenvolver seus conhecimentos e potenciais.

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade i 139

    Como se observa, identifica-se literacy como um conjunto de conhecimen-:05 e habilidades com o uso da escrita e leitura que podem ser utilizados para.:-ropsitos especficos em determinados contextos na vida dos adultos, seja navida pblica ou privada, na escola ou no trabalho, permitindo que as pessoascontribuam e se beneficiem da sociedade onde vivem (Kirsch, 2001).

    Para se avaliarem os nveis de letramento, foram aplicados testes de leitu-ra, escrita e numeramento, utilizando materiais e questes que simulavam asdemandas de letramento, a partir de seis domnios da vida cotidiana: 1 - casae famlia; 2 - sade e segurana; 3 - comunidade e cidadania; 4 - economia doconsumidor; 5 - trabalho; 6 - lazer e recreao. O NALS mensurou os nveis deliteracu por meio de trs escalas:

    a) prose literacy, abrangia conhecimentos e habilidades necessrios para lo-calizar e usar as informaes contidas em textos, tais como editoriais, notcias,histrias, poesias e fico.

    b) document literacy, abrangia conhecimentos e habilidades necessrios paralocalizar e utilizar informaes contidas em anncios de proposta de emprego,folhas de pagamento, mapas, tabelas, grficos e outros documentos comuns.

    c) quantitative literacy, abrangia os conhecimentos e habilidades necessriospara realizar operaes aritmticas, como o balano de um talo de cheques,o clculo do valor de uma gorjeta, entre outras (Schwartzberg et al., 2005). ONALS mensurou cada uma dessas trs habilidades em uma escala contnuade O a 500 pontos. Os pontos, ento, foram divididos em 5 nveis, em que osadultos pertencentes ao nvel 1 eram considerados apresentando nveis muitolimitados de letramento, enquanto aqueles pertencentes ao nvel 5 eram con-siderados capazes de realizar praticamente qualquer tipo de leitura, qualquerleitura ou tarefa de matemtica avaliada. Os resultados demonstraram que en-tre 21 e 23% dos adultos americanos apresentavam habilidades em nvel 1 eoutros 25 a 28% de pessoas, representando cerca de 50 milhes de americanos,demonstraram habilidades no segundo nvel de proficincia. Dessa forma, olevantamento indicou que, na poca, quase metade dos adultos americanosapresentavam baixos nveis de letramento. interessante notar que o NALS en-controu uma relao importante entre os nveis de escolaridade e letramento,ou seja, quanto menor o primeiro, menor o segundo. Assim, as pessoas compoucos anos de escolaridade, os estrangeiros e os idosos foram maioria nosnveis 1 e 2 do NALS.

    Dois anos aps os resultados dessa pesquisa, sob coordenao de um or-ganismo canadense (Statistics Canada) e com o apoio da Organization for Eco-nomic Cooperation and Development (OECD), foi realizado o International AdultLiteracy Survey (IALS),que seguiu um formato muito parecido com o do NALS,limitando-se, entretanto, a populaes entre 16 a 65 anos de idade. O IALS foiconduzido em trs fases (1994, 1996 e 1998) em 20 naes, incluindo os EUA.

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade 1141

    .iioital e de comunicao, para acessar, gerir, integrar e avaliar informa-tes, construir novos conhecimentos, e se comunicar com os outros [...] O::,rogramaentrar em operao em 2011".Corno se observa, as atuais tendncias utilizadas em estudos interna cio-

    - para mensurar os nveis de letramento focam na avaliao de nveis di-tes e tipos de competncias e habilidades de letramento que podem ser

    _.:ados na vida cotidiana._.o Brasil, entretanto, a principal preocupao dos governantes tem sido

    nveis de alfabetizao da populao, verificados, por exemplo, a partir: .evantamentos realizados pelo IEGE, que considera 'analfabeto funcional',: ssoas com menos de 4 anos de estudo (Ferrari, 2002). Por outro lado, os~ "'05 do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), realizados pelo Insti-Paulo Montenegro e a ONG Ao Educativa, desde 2001, tm procuradotificar as habilidades de letramento da populao brasileira entre os 15 e 64: e idade, a partir da aplicao de entrevistas e testes cognitivos em amos-- representativas. O estudo considera analfabeta funcional "a pessoa que,5ITlO sabendo ler e escrever, no tem as habilidades de leitura, de escrita e de- o necessrias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional"-_.\f, 2009).

    O INAF define quatro nveis de alfabetismo.1. Analfabetismo: corresponde condio dos que no conseguem realizar ta-

    _ -.: simples que envolvam a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela dos-~-:'betos consiga ler nmeros familiares (nmeros de telefone, preos eic.).

    _. Alfabetismo nvel rudimentar: corresponde capacidade de localizar uma in-ui explcita em textos curtos efamiliares (como um anncio ou pequena carta), ler

    : -rei: er nmeros usuais e realizar operaes simples, como manusear dinheiro para o-:. nenio de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando afita mtrica.

    3. Alfabetismo nvel bsico: as pessoas classificadas neste nvel podem ser consi-- ias funcionalmente alfabetizadas, pois j lem e compreendem textos de mdia exten-

    =- .ocalizam informaes mesmo que seja necessrio realizar pequenas inferncias, lemieros na casa dos milhes, resolvem problemas envolvendo uma sequncia simples de

    ~""1ese tm noo de proporcional idade. Mostram, no entanto, limitaes quando aso""1esrequeridas envolvem maior nmero de elementos, etapas ou relaes.

    4. Alfabetismo nvel pleno: classificadas neste nvel esto as pessoas cujas habi-':-ies no mais impem restries para compreender e interpretar textos em situaeszr ais: leem textos mais longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e

    - - oiam informaes, distinguem fato de opinio, realizam inferncias e snteses. Quan-- maiemiica, resolvem problemas que exigem mais planejamento e controle, envol-

    _tio percentuais, propores e clculo de rea, alm de interpretarem tabelas de duplairida, mapas e grficos.

  • 1421 Educao e Promoo da Sade - Teoria e Prtica

    o quadro 7.1 apresenta a evoluo do indicador de alfabetismo para oconjunto da populao brasileira de 15 a 64 anos de iade, ao longo do perodo2001 a 2009.

    A partir dos resultados obtidos, verificou-se que: a proporo dos brasileiros de 15 a 64 anos de idade classificados pelo

    INAF como "analfabetos absolutos" ou "nvel rudimentar de alfabetis-mo" vem caindo ao longo dos anos;

    vem aumentando a proporo de brasileiros apresentando nveis bsicosde alfabetismo, que passou de 34% em 2001-2002para 47% em 2009;

    o nvel pleno no tem mostrado tendncia de melhora, oscilando, desde2001-2002,por volta de 1/4 do total de brasileiros.

    Somando-se a proporo de brasileiros analfabetos e aqueles com nvelbsico de alfabetismo, nota-se que quase 1/3 da populao brasileira possuihabilidades de letramento que permitem a elas, no mximo, localizar informa-es explcitas em textos curtos ou efetuar operaes matemticas simples.

    Os dados do ltimo INAF confirmaram mais uma vez que a escolarizaofoi o principal fator de promoo das habilidades de alfabetismo da populao,ou seja, quanto mais alto o nvel de escolaridade, maior a chance de atingirbons nveis de alfabetismo. Entretanto, o indicador aponta que apenas 38%dos que cursaram alguma srie ou completaram o ensino mdio atingem o n-vel pleno de alfabetismo, apesar de esperado 100%para esse grupo. O mesmoocorre com aqueles que possuem nvel superior, ou seja, 68% apresentavamdomnios plenos das habilidades de leitura/escrita e das habilidades matem-ticas. Assim, verificou-se que, em nmero no desprezvel de casos, no ocorreuma relao direta entre escolarizao e nveis de letramento. Outro dado im-portante referiu-se renda familiar, pois os ndices de analfabetismo funcio-nal predominaram entre pessoas pertencentes a famlias com renda de at umsalrio mnimo, sendo que 20% desse grupo estava no nvel de analfabetismoabsoluto (INAF, 2009).

    Fonte: INAF, 2009

    Quadro 7.1- Evoluo do Indicador de Alfabetismo Funcional no Brasil.

    INAF / BRASIL - Evoluo do Indicador de Alfabetismo(populao de 15 a 64 anos)

    20012002 20022003 20032004 20042005 2007 2009

    Analfabeto 12% 13% 12% 11% 9% 7%

    Rudimentar 27% 26% 26% 26% 25% 21%

    Bsico 34% 36% 37% 38% 38% 47%

    Pleno 26% 25% 25% 26% 28% 25%

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade 1143

    Em relao ao comportamento por faixas etrias, o INAF observou que os- veis de alfabetizao funcional eram melhores nas geraes mais novas (jo-

    entre 15 a 24 anos de idade) e piores entre o grupo etrio de 50 a 64 anos.A mesma tendncia foi observada no estudo realizado pelo SESC Nacional,~::- C-SP e Fundao Perseu Abramo, em abril de 2006, com 2.136 pessoas com

    anos de idade ou mais em 204 municpios de todas as regies do pas. Deacordo com o documento Idosos no Brasil: vivncias, desafios e expectativas na 3- -.~e,49% dos idosos do pas eram analfabetos funcionais, sendo que 23% dos

    -=- trevistados disseram no saber ler ou escrever, 4% afirmaram saber apenasescrever o prprio nome e 22% declararam ter dificuldade com a lngua escrita,se a por escolaridade insuficiente ou por problemas de sade. O fato de haver:::-3orproporo de analfabetos funcionais entre indivduos idosos no to--:=" ente surpreendente, visto que nas dcadas de 1930 at 1950 a educao:-.:iSica(4 anos) era restrita a apenas alguns segmentos sociais, estabelecendo,~ rtanto, uma mdia de anos de escolaridade entre os idosos no Brasil ainda::-".lltobaixa (Neri, 2007).

    Dessa forma, observa-se que a prevalncia de pessoas com baixos nveisae .etramento no pas bem maior do que se pensa, sobressaindo-se naquelas:..:.e apresentam poucos anos de escolaridade, nveis de renda familiar mais_aixos e nas mais velhas, apresentando reflexos importantes na sade das po-_ulaes, como veremos adiante.

    etramento e os estados de sadeA Organizao Mundial da Sade (OMS), por meio da Commission on 50-

    -. -: Determinants of Health, identificou o letramento como um dos determinantes~ "':ais da sade, pois sua posse pode melhorar as habilidades do indivduo=::-. acessar, compreender, avaliar e comunicar as informaes, de forma a pro-::-over, manter e melhorar sua sade, de seus familiares e de sua comunidade~-DH, 2008; Rootman & EI-Bihbety, 2008)

    Estudos tm verificado que usurios com baixos nveis de letramento so::-enos capazes de compreender as informaes recebidas pelos profissionais:::servios de sade, tais como os diagnsticos dos seus estados de sade e::: regimes teraputicos que devem seguir. Eles apresentam mais dificuldadese compreender as informaes disponibilizadas em bulas de medicamentos,

    ~,:..::eitasmdicas, materiais impressos, atividades educativas, termos de con-5c... timento, placas e outras sinalizaes nos servios de sade (DeWalt et al.,:_ ..,;,;10M, 2004).

    :\:"essesentido, a partir da avaliao do impacto dos nveis de letramento.~=,:tcy)sobre os estados de sade e o uso dos servios mdicos pelos usurios,

  • 1441 Educao e Promoo da Sade - Teoria e Prtica

    surgiu na lngua inglesa o termo e o campo de estudos denominado health lite-racy, que estuda a influncia do letramento no contexto da sade. Assim como otermo literacy, o termo health literacy tambm vem sofrendo mudanas em seusentido ao longo do tempo e no apresenta uma definio totalmente consen-sual entre os pesquisadores (Nutbeam, 2009; Mancuso, 2009).

    Letramento em Sade (Health Literacy)

    Histricoo termo health literacy foi publicado pela primeira vez em 1974, em um

    documento intitulado Health Education as Social Policy, e redigido por Scott Si-monds. Nele, o autor discute a importncia dos estudantes tornarem-se literatein health da mesma forma que se tornavam literate em outras disciplinas, levan-tando a questo da importncia da educao em sade para o sistema educa-cional e o da sade (Simonds, 1974 apud Ratzan, 2001).

    Entretanto poucas referncias ao termo podem ser encontradas na lite-ratura at 1992, ano em que foram divulgados os resultados da pesquisa daNational Adult Literacy Survey, realizado nos EUA, na qual se identificou quegrande parcela dos adultos norte-americanos era "funcionalmente iletrada"(junctionally illiterate) ou apresentava baixos nveis de letramento. Esse fato des-pertou o interesse dos pesquisadores norte-americanos sobre os possveis im-pactos que a falta de letramento poderia exercer na sade das populaes (Leeet al., 2004).

    Para avaliar esses aspectos, mdicos afiliados ao Emory University e aUCLAMedical Centre, ambos localizados nos EUA, conduziram um estudo de2 anos de durao para testar as habilidades de leitura e de matemtica reque-ridas para atuar, de forma satisfatria, no sistema de cuidados em sade, pormeio de um instrumento conhecido como TOFHLA - Test of Functional HealthLiteracy in Adults, desenvolvido para mensurar as habilidades de letramento emsade de adultos que falavam as lnguas inglesa e espanhola (Williams et al.,1995; Speros, 2005). Assim, nesse estudo, o termo health literacy ressurgiu e foidefinido como a habilidade de executar tarefas relacionadas sade que requeremhabilidades de leitura e computacionais, referindo-se queles indivduos que pos-suem capacidades de letramento especficas para atuarem de forma satisfatriano contexto da sade.

    Posteriormente, numerosos estudos relacionados rea do health literacyforam publicados na literatura mdica internacional e, em busca rpida pormeio da base de dados Pubmed, em maro de 2010, mais de mil trabalhosrelacionados ao tema foram encontrados, mesmo no havendo ainda um

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade 1145

    consenso entre os estudiosos sobre as definies, objetivos e as formas demensur-lo.

    Nos Estados Unidos, em 2003, o National Assessment of Adult Literacy(NAAL) avaliou as habilidades de letramento de uma amostra representativade 18.000 adultos com mais de 16 anos de idade, e verificou que 36% possuamlimitadas habilidades de letramento em sade. De acordo com tal levantamento,78 milhes de norte-americanos eram incapazes de realizar atividades bsicasem sade, como seguir um esquema de imunizao, interpretar uma curva decrescimento contida em um carto da criana, ou seguir as recomendaes for-necidas de forma escrita pelo profissional de sade aps uma consulta (Kutneret al., 2006; Sanders, 2009). Na avaliao do NAAL, os adultos que pertenciamao grupo com nveis de letramento em sade mais baixos apresentavam menosprobabilidades de obterem informaes relacionadas sade, publicadas emjornais, livros, revistas ou divulgadas pela internet, do que aqueles com nveismais altos. Eles tambm apresentavam mais dificuldade, do que aqueles comaltos nveis de letramento para poderem obter informaes relacionadas sa-de, mesmo quando provenientes de familiares, amigos, colegas de trabalho ouprofissionais de sade, mas recebiam mais facilmente essas informaes pormeio da televiso ou rdio, o que refora a importncia da acessibilidade a v-rios tipos de mdia para promover a educao em sade nesse grupo.

    Estima-se, nos EUA, que o custo extra para tratar usurios de seguros desade que apresentam baixos nveis de letramento relacionados sade seja emtorno de 50 bilhes de dlares ao ano (Weiss, 2003). Uma reviso sistemticarealizada por Eichler et al. (2009)concluiu que, apesar dos poucos estudos exis-tentes e dos resultados heterogneos, a falta de letramento em sade dos usuriosgerou custos adicionais para os sistema de sade, que variaram em torno de 3a 5% do custo mdico total por ano. No nvel do usurio, as despesas adicionaispor ano por pessoa com nveis de letramento em sade inadequados variaramentre 143 e 7.798 dlares.

    Alm dos problemas relacionados aos custos para os sistemas de sade,sabe-se que indivduos com baixas habilidades de letramento apresentam: co-nhecimentos limitados sobre seus problemas de sade, piores estados de sa-de fsica e mental; taxas de hospitalizao e utilizao de servios curativos eemergenciais mais baixas em relao aos preventivos; mais frequncia de pro-blemas de sobredosagem para si e para as crianas, visto que no conseguementender as explicaes contidas em bulas ou nos rtulos de frascos de medica-mentos (William et al., 1995;Baker et al. 1998;Williams et al. 1998;Simon, 1999;Estrada et al. 2000;Wilson et al. 2000; Shwartzberg et al, 2005).

    Diversos rgos internacionais tm se preocupado com a problemticada alfabetizao e do letramento e sua relao com a sade das populaes. AUNESCO, por exemplo: em 2008, escolheu para o Dia Internacional da Alfa-

  • 146 Educao e Promoo da Sade - Teoria e Prtica

    betizao, O tema: A alfabetizao o melhor remdio, enfatizando a relao entrealfabetizao e sade e tambm a importncia da educao para a construode sociedades saudveis (UNESCO, 2008).

    No Brasil, ainda so poucos os estudos realizados na rea do health literacy,traduzidos ou como alfabetizao em sade ou letramento em sade (Carthery-Goulart et al. 2009;Griebeler et al., 2009,Valer et al., 2009). No presente texto,traduzimos como letramento em sade, adotando como pressupostos conceituaisas teses de Mortatti (2004) e Soares (2009) para a traduo da palavra lteracye as definies da Organizao Mundial da Sade e de Don Nutbeam para ocampo do health literacy (Nutbeam 1998, 1999,2000,2008,2009).

    Apesar de o campo do letramento em sade focar especificamente o campodo letramento no contexto da sade, estudos indicam que h uma forte correla-o entre as habilidades gerais de letramento de sade, mais problemticas entreadultos com pouca escolaridade e entre os mais pobres (Schwartzberg et al.,2005;Kutner et al., 2006).

    Tipos de letramento e letramento em sadeNutbeam (2000)afirma que o letramento em sade envolve um conjunto de

    habilidades complexas necessrias para o indivduo funcionar de forma ade-quada nos contextos da sade. Assim, acreditar-se que esse campo de estudorestringe-se apenas s habilidades dos indivduos de lerem e entenderem asinformaes em sade apresentar uma viso muito estreita da questo. Paraentender sua complexidade, o autor inicialmente prope a diviso do campodo letramento em trs tipos, classificados (Freebody & Luke, 1990; Nutbeam,1999;2000) em:

    letramento bsico ou funcional: refere-se s habilidades bsicas de leiturae escrita que permitem ao indivduo funcionar efetivamente em situaesdo dia a dia. Essa definio amplamente compatvel com a definioestreita de letramento em sade referida no pargrafo anterior;

    letramento comunicativo/interativo: refere-se s habilidades cognitivas ede letramento mais avanadas, as quais, junto com as habilidades sociais,podem ser utilizadas para permitir a participao ativa nas atividadesdirias, para extrair informaes e deduzir os significados provenientesde diferentes formas de comunicao, bem como para aplicar novas in-formaes para mudar circunstncias;

    letramento crtico: habilidades cognitivas mais avanadas ainda, que,com as habilidades sociais, podem ser aplicadas para criticamente ana-lisarem as informaes e utiliz-Ias para exercer mais controle sobre oseventos e situaes da vida.

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade 1147

    Para o autor, tais classificaes indicam que os diferentes nveis de letra-mento progressivamente permitem aos indivduos alcanarem maiores nveis deautonomia e empoderamento (empowerment). A progresso entre os nveis no apenas dependente do desenvolvimento cognitivo, mas tambm do nvel de ex-posio aos diferentes tipos de informaes ou mensagens (mtodos e contedosde comunicao). Essas habilidades poderiam ser desenvolvidas por meio dosistema de educao formal e por meio de experincias informais (Nutbeam,1999;2000).

    Tomando como base as divises dos tipos de letramento j apresentados, Nu-tbeam props tambm categorizar o campo do letramento em sade em trs dife-rentes nveis, os quais tambm refletem graus crescentes de autonomia e empode-ramento (empowerment) pessoais para agir nos contextos da Sade (Quadro 7.2).

    Visto que os processos de educao e comunicao em sade so essen-ciais para se promoverem nveis de letramento em sade adequados, o quadro7.2 tambm descreve quais os objetivos educacionais a serem alcanados paracada nvel, os contedos de cada forma particular de atividade, os resultadosesperados, tanto em nvel individual como comunitrio e, por fim, as aes quepodem ser desenvolvidas pelos trabalhadores da sade para que os nveis deletramento sejam alcanados (Nutbeam, 2000).

    O nvel 1 - Letramento Funcional em Sade (Functional Health Literacy)- visa a aperfeioar as competncias bsicas de leitura e escrita relacionadas sade, de forma a melhorar o desempenho das pessoas em situaes di-rias relacionadas sade, tais como entender e seguir mensagens simples. Asaes de educao em sade neste nvel apresentam objetivos limitados e di-recionados a melhorar os conhecimentos relacionados aos riscos sade, aosservios de sade e tambm a adeso dos usurios s prescries profissionais.Geralmente, as aes resultaro em benefcios individuais, mas tambm no dapopulao (p. ex., promovendo a participao em programas de imunizaoe triagem). Geralmente, as abordagens no convidam a processos de comu-nicao interativos, nem promovem o desenvolvimento de habilidades e au-tonomia. resultado das aes de educao em sade tradicionais, baseadasna comunicao de informaes factuais de riscos sade e de como utilizaros sistemas de sade. Exemplos desse tipo de ao incluem a produo de fo-lhetos e cartazes informativos. Assim, com este nvel de letramento, o indivduoapresenta habilidades bsicas de leitura e escrita para entender e adotar infor-maes bsicas em sade (Nutbeam, 1999,2000).

    O nvel 2 - Letramento em Sade Interativo ou Comunicativo (InteractiveHealth Literacy) - a abordagem educacional focada no desenvolvimento dehabilidades pessoais em um ambiente de apoio ou suporte (supportive enuiron-ment), com o objetivo de promover a autonomia pessoal em sade a partir dosconhecimentos adquiridos, melhorando a motivao e a autoconfiana. Reflete

  • 1481 Educao e Promoo da Sade - Teoria e Prtica

    os resultados das abordagens de educao em sade desenvolvidas durante osltimos 30 anos de atividades, voltados a formar cidados autnomos e crti-cos. Exemplos dessa ao podem ser encontrados em vrios programas atuaisde educao em sade nas escolas, direcionados ao desenvolvimento de habili-dades sociais e pessoais e comportamentos em sade. Neste nvel de letramento,o indivduo apresenta habilidades interpessoais e de comunicao necessriaspara cuidar de sua sade em parceria com os profissionais da rea (Nutbeam,1999;2000).

    O nvel 3 - Letramento Crtico em Sade (Critical Health Literacy) - refleteos resultados do desenvolvimento de habilidades cognitivas que so direcio-nadas a promover suporte social efetivo e aes polticas, assim como aesindividuais. Dentro deste paradigma, a educao em sade pode envolver asatividades tradicionais de comunicao de informaes, mas tambm o desen-volvimento de habilidades que permitem aos indivduos descobrirem as via-bilidades polticas e as possibilidades organizacionais da formas de ao quepossam impactar nos determinantes sociais, econmicos e ambientais da sa-de. Este tipo de letramento, obviamente, pode apresentar os maiores benefciospara melhor qualidade de vida do indivduo e da populao como um todo.As atividades educativas, neste caso, deveriam ser direcionadas para melhoraras capacidades individuais e comunitrias para impactar nos determinantessocioeconmicos da sade (Nutbeam, 1999;2000).

    Apesar de o letramento em sade ser significantemente mediado pelashabilidades de letramento bsicas, importante reconhecer que altos nveisde letramento no so garantia de que a pessoa responder de forma desej-vel s atividades educativas e de comunicao em sade. Assim, quando doplanejamento das atividades educativas nos servios, importante trabalharo letramento crtico a partir das ideias de Paulo Freire e daqueles que de-senvolveram programas educativos baseados nos seus mtodos. Os estudosdemonstram que quando se trabalham atividades educativas baseadas na'conscincia crtica', mesmo daqueles que possuem poucas habilidades deleitura e escrita, o impacto na melhoria de suas condies de vida maiordo que quando das atividades tradicionalmente conhecidas como "educaobancria" (Wallerstein e Bernstein, 1988; Wallerstein 2002; Nutbeam, 1999;2000; Freire, 2006).

    Da mesma forma que ocorre no campo do letramento em geral, a progressode um nvel de letramento em sade a outro no depende apenas do desenvol-vimento cognitivo, mas tambm de quanto a pessoa est exposta a diferentesformas de comunicao e contedos das mensagens, tanto na mdia em geralcomo nos servios de sade (Nutbeam, 1999).

    Como visto, o avano dos nveis de letramento em sade permite que as pes-soas interajam com o contexto da sade, que pode compreender desde a ado-

  • Letramento em Sade e Promoo da Sade 1149

    o de estilos de vida saudveis, o melhor uso dos servios de sade, at umpapel mais ativo na luta contra os determinantes sociais da sade. Entretanto,segundo Nutbeam (1999), o uso potencial da educao como ferramenta paramudanas sociais e aes polticas tem ficado um pouco obscurecido atual-mente. Assim, necessrio redes cobrir a importncia da educao em sadejuntamente bem como expandir os contedos e os mtodos utilizados por elaat ento. Alm disso, sero necessrias alianas entre os setores da sade e daeducao, visando a aumentar os nveis de letramento da populao.

    A partir da anlise dos tipos de letramento em sade (funcional, interativoe crtico) e da amplitude das definies encontradas internacionalmente parao termo, Nutbeam (2008) afirma que esse campo de conhecimentos em geral abordado pelos estudiosos como um fator de risco sade ou como um recur-so para a sade.

    Quadro 7.2 - Classificao dos nveis de letramento e suas implicaes para as aes de Promoo da Sade.

    Nvel de Resultados/Consequnciais

    letramento Contedos da Beneficios Exemplos deem sade e Habilidades educao em Beneficios Sociais/para atividadesobjetivos sade individuais a comuni- educacionais

    educacionais dade

    Nvel 1: Letra-Melhora dos Transmisso de

    mento bsico Habilidades bsicas Transmisso deconhecimen- Aumento da informaes por

    ou functional de leitura e escrita, informaes(Functional para entender e seguir factuais sobre

    tos sobre os participao meios dos canaisriscos sade da populao j existentes, nas

    Health Lite- mensagens simples os riscos parae os servios oportunidades

    racy) em sade, de forma a asadeeaem programas

    de sade, de sade de contatosObjetivos: tornar eficiente o seu utilizao dos

    adeso s (triagens, pessoais e porComunicao desempenho nas situa- servios de

    aes pres- imunizaes) meio das mdiasda informa- es do dia a dia sade

    critas disponveiso

    Nvel 2:Habilidades cognitivas

    Alm das Adequarae de letramento mais

    Letramentoavanadas que, em con-

    informaes Incremento comunicaoem Sade

    junto com competnciascitadas, opor- da capacidade em sade para

    Interativo ousociais, podem ser utili-

    tunidades para de agir de Melhora da necessidadesComunicativo o desenvol- forma inde- capacidade especficas: pro-(/nteractive

    zadas para participar ati-vimento de pendente, a de influenciar moo de pro-

    vamente nas atividadesHealth Lite-

    do dia a dia, extrair ehabilidades partir dos co- as normas cessos grupais

    racy)selecionar informaes

    em ambientes nhecimentos sociais e ou comunitriosOjetivos:

    de diferentes formas deapoiadores adquiridos, interagir com de autoajuda e

    Desenvol-comunicao e dar-Ihes

    ou favorveis melhorando a grupos sociais suporte social,vimento de

    significados, aplicar(suportive motivao e a combinao de

    habilidades environment) autoconfiana diferentes canaispessoais

    novas informaes paraa isso de comunicao

    mudar situaes