capítulo iii inserção profissional e...

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109 Capítulo III Inserção profissional e Emprego Os finais dos anos setenta são acompanhados por um aumento sem precedentes da taxa de desemprego juvenil e os percursos de inserção, em particular dos jovens menos escolarizados, começam a pautar-se pela vivência recorrente de situações de desemprego. A inserção profissional constitui-se, então, numa área de actuação das políticas públicas multiplicando-se as medidas e os dispositivos que visam responder às dificuldades com que os jovens se confrontam para se inserirem no mercado de trabalho. Do problema do desemprego às soluções para o resolver Não é nosso objectivo proceder a uma análise exaustiva dos dispositivos e das medidas lançados nos países da União Europeia para dar resposta ao que, do ponto de vista político, é considerado o problema da inserção profissional: o desemprego juvenil. No entanto, na medida em que as políticas de inserção constituem a resposta política às dificuldades com que os jovens se confrontam quando transitam da escola para o sistema de emprego, não podemos, naturalmente, deixar de as referir. Embora estas políticas apresentem traços comuns 1 , em praticamente todos os países, nem todos optam pelo mesmo tipo de dispositivos e de medidas e, mesmo quando o fazem, partem, muitas vezes, de pressupostos ideológicos e de diagnósticos da situação bastante diferentes. São precisamente estes aspectos que nos levam a incidir a nossa análise sobre a forma como os estados alemão, britânico, francês, sueco e português têm vindo a responder às dificuldades dos jovens se inserirem no mercado de trabalho. 1 O traço comum a todos os países, sem excepção, é a aposta na formação e qualificação da mão-de-obra juvenil quer ao nível da formação inicial quer depois de os jovens terem concluído a respectiva trajectória escolar, como comprova o levantamento das várias medidas de política de inserção levadas a cabo pelos países da EU, apresentado por Rodríguez (1997: 39-41). Subjacente a esta linha de intervenção está a ideia, inspirada nas teorias adequacionistas dominantes nas décadas de cinquenta e sessenta, de que a causa do desemprego juvenil reside na desadequação entre as qualificações disponíveis e as qualificações requeridas. Dito de outra forma, as ofertas de emprego existem, o problema reside na qualificação insuficiente de alguns jovens e, uma vez resolvido este problema, o desemprego desaparece. A estas medidas que actuam sobre a oferta de mão-de-obra, alguns países acrescentam outras que se destinam a encorajar a procura por parte dos empresários e que contemplam vários estímulos de natureza económica e fiscal à contratação de trabalhadores jovens, bem como a regulamentação do salário mínimo juvenil.

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Capítulo III Inserção profissional e Emprego

Os finais dos anos setenta são acompanhados por um aumento sem precedentes da taxa de

desemprego juvenil e os percursos de inserção, em particular dos jovens menos

escolarizados, começam a pautar-se pela vivência recorrente de situações de desemprego.

A inserção profissional constitui-se, então, numa área de actuação das políticas públicas

multiplicando-se as medidas e os dispositivos que visam responder às dificuldades com que

os jovens se confrontam para se inserirem no mercado de trabalho.

Do problema do desemprego às soluções para o resolver

Não é nosso objectivo proceder a uma análise exaustiva dos dispositivos e das

medidas lançados nos países da União Europeia para dar resposta ao que, do ponto de vista

político, é considerado o problema da inserção profissional: o desemprego juvenil. No

entanto, na medida em que as políticas de inserção constituem a resposta política às

dificuldades com que os jovens se confrontam quando transitam da escola para o sistema de

emprego, não podemos, naturalmente, deixar de as referir. Embora estas políticas

apresentem traços comuns1, em praticamente todos os países, nem todos optam pelo

mesmo tipo de dispositivos e de medidas e, mesmo quando o fazem, partem, muitas vezes,

de pressupostos ideológicos e de diagnósticos da situação bastante diferentes. São

precisamente estes aspectos que nos levam a incidir a nossa análise sobre a forma como os

estados alemão, britânico, francês, sueco e português têm vindo a responder às dificuldades

dos jovens se inserirem no mercado de trabalho. 1 O traço comum a todos os países, sem excepção, é a aposta na formação e qualificação da mão-de-obra juvenil quer ao nível da formação inicial quer depois de os jovens terem concluído a respectiva trajectória escolar, como comprova o levantamento das várias medidas de política de inserção levadas a cabo pelos países da EU, apresentado por Rodríguez (1997: 39-41). Subjacente a esta linha de intervenção está a ideia, inspirada nas teorias adequacionistas dominantes nas décadas de cinquenta e sessenta, de que a causa do desemprego juvenil reside na desadequação entre as qualificações disponíveis e as qualificações requeridas. Dito de outra forma, as ofertas de emprego existem, o problema reside na qualificação insuficiente de alguns jovens e, uma vez resolvido este problema, o desemprego desaparece. A estas medidas que actuam sobre a oferta de mão-de-obra, alguns países acrescentam outras que se destinam a encorajar a procura por parte dos empresários e que contemplam vários estímulos de natureza económica e fiscal à contratação de trabalhadores jovens, bem como a regulamentação do salário mínimo juvenil.

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A Alemanha, um dos países onde o desemprego juvenil tem menor expressão e a

formação profissional inicial é a garantia de uma inserção qualificante no mercado de

trabalho, aposta, quase exclusivamente, na qualificação dos jovens. Ao contrário das

estratégias seguidas pela maioria dos países da União Europeia, a resposta do governo

alemão ao aumento do desemprego não consistiu na introdução de novas medidas, como

defendem Roberts, Clark e Wallace (1994: 42), mas sim na revitalização do Sistema Dual.

Aceitando a interpretação de que o desemprego juvenil reside na ausência de qualificações

profissionais e procurando assegurar o acesso à formação ministrada pelo Sistema Dual ao

maior número de jovens possível, o governo alemão incentiva, como vimos anteriormente, as

empresas a não desinvestirem da formação inicial e a manterem o número de aprendizes.

No entanto, a constatação de que em cada cohorte, entre 10% a 15% dos indivíduos não

tem ingresso no Sistema Dual ou não termina a formação, leva o Estado a lançar medidas

específicas que elegem estes jovens como público-alvo (Rodríguez, 1997, Williamson, 1993).

Para este grupo “em dificuldade” constituído, principalmente, por jovens oriundos de minorias

étnicas e por aqueles que terminam a formação de nove anos, com ou sem diploma, são

criados dispositivos especiais como as medidas de formação preparatória para o emprego

que contemplam um ano de formação e os cursos de formação pré-profissional destinados

aos que não ingressaram no Sistema Dual (Williamson, 1983: 155), bem como «formação

profissional para jovens estrangeiros ou alemães com problemas de inserção ou handicaps

sociais» (Rodríguez, 1997: 43). É a aposta na dinamização do Sistema Dual, como

estratégia fundamental da política de inserção alemã, que conduz Cochón e Lefresne (1999:

95) a afirmarem que ela é regida por uma lógica de profissionalidade.

Na sociedade britânica, as medidas de combate ao desemprego juvenil vão assumir

contornos totalmente diferentes. Numa sociedade onde a formação da mão-de-obra de

juvenil sempre foi deixada à livre iniciativa das empresas, o despoletar do desemprego dos

jovens veio atrair as atenções sobre a escola e sobre o que na época foi diagnosticado como

a sua “ineficácia” na sua preparação para o trabalho. O Grande Debate2 (Great Debate),

2 O Grande Debate é definido por Jamieson (1989: 26) como um diálogo público sobre o sistema educativo em Inglaterra e no País de Gales. É a partir desta auscultação pública que irá nascer uma iniciativa inscrita no sistema educativo destinada a aumentar a ligação entre a escola e a indústria designada por TVEI (Technical Vocational Iniciative). Esta iniciativa vai ser acusada por alguns autores (Gleeson, 1989, Finn, 1989, Brown, 1987b) de ser responsável pela introdução do vocacionalismo nas escolas. Golby (1987: 13) enuncia da seguinte forma os pressupostos por que se rege o vocacionalismo: «1. A educação deve preparar os jovens para o mundo do trabalho; 2. Esta preparação deve incidir, principalmente, sobre as necessidades da indústria; 3. As competências devem ser de natureza predominantemente técnica; 4. As escolas têm perpetuado uma cultura anti-indústria; 5. As escolas têm negligenciado uma minoria substancial em favor dos alunos que seguem percursos predominantemente académicos».

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lançado em 1977, pelo então Primeiro-Ministro, traz para a discussão pública a relação entre

a indústria e a educação criando as condições para o que alguns autores designam por um

“ataque feroz à escola única” (Jamieson, 1989, Finn, 1989, Raffe, 1988). As críticas

endereçadas à escola são múltiplas3. Ela é acusada de ensinar cada vez menos4; de não

assegurar a aquisição nem dos conhecimentos básicos nos domínios da leitura e do cálculo

nem das atitudes positivas face ao trabalho; de formar jovens que se mostram incapazes de

lidar com a vida adulta e com a transição para o trabalho; de ser demasiado académica; de

não desenvolver competências sociais essenciais à integração no mundo do trabalho, como

o respeito pelas hierarquias, a disciplina ou o cumprimento dos horários. Em suma, mais do

que uma crítica à falta de saberes profissionais o que está aqui em causa é, como defende

Dale (1989: 47), um problema de atitudes e comportamentos dos jovens que corresponde à

versão moderna das inquietações da burguesia do século XIX com as classes trabalhadoras

e com uma juventude considerada perigosa. É precisamente para combater o que é

diagnosticado como o afastamento da escola da indústria e considerado como a principal

causa do desemprego juvenil que, no início dos anos oitenta, o governo inglês lança a

Technical and Vocational Education Iniciative (TVEI).

Esta medida de natureza educativa tem, segundo Dale (1989: 44), três grandes

objectivos: tornar os jovens mais aptos para acederem aos empregos; torná-los melhores

trabalhadores e mais conhecedores do mundo do trabalho. Destinada a jovens que

concluíram a escolaridade obrigatória, a TVEI cria as condições legais para que os

estabelecimentos de ensino passem a oferecer cursos de formação profissional que

combinem componentes de formação geral, técnica e vocacional, incluam uma experiência

de trabalho e conduzam a uma qualificação profissional reconhecida. Todavia, as

intervenções mais sistemáticas de combate ao desemprego juvenil vão ter lugar no mercado

de trabalho. Ao mesmo tempo, que o Great Debate lança a discussão sobre as relações da

3 As críticas à escola têm sido elencadas por um vasto conjunto de autores dos quais retemos Dale (1989), Jamieson (1989), Finn (1989), McCulloch, (1991), Cumming (1988), Ashton (1992), Moore (1984, 1989), Finn (1984), Sherman (1991), Roberts (1984). 4 Esta crítica, que assenta na crença de que se tem vindo a verificar uma diminuição do nível de conhecimentos dos alunos, encontra adesão junto de um leque diversificado de actores onde se incluem responsáveis políticos, “opinion makers”, professores e cidadãos em geral. Portugal não foge a esta tendência. António Barreto, Filomena Mónica, Clara Ferreira Alves e José Manuel Fernandes são alguns dos nomes que, no nosso país, mais têm defendido esta ideia, nos vários artigos de opinião publicados na imprensa, ao longo dos últimos anos. A esta ideia aderem também alguns professores, principalmente do ensino secundário que povoam os seus discursos com críticas ao facilitismo e aos reduzidos conhecimentos dos alunos actuais (Cf. Alves e Canário, 1994, Nóvoa, Alves e Canário, 2001). No entanto, a acusação de que os alunos sabem cada vez menos é contrariada pelos resultados de vários estudos empíricos que demonstram um aumento generalizado no domínio da literacia, a partir dos anos cinquenta em países como a França (Baudelot e Estabelet, 1989, Queiroz, 1995) e no Reino Unido (Roberts, 1984).

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escola com a indústria, é criado um programa com o objectivo de proporcionar aos jovens

desempregados com menos de 19 anos uma experiência de trabalho que lhes permita

aceder a um emprego estável: o Youth Opportunities Program (YOP). Através da frequência

deste programa, que os governantes definem, metaforicamente, como “uma avenida para o

emprego estável e a tempo inteiro” (Finn, 1989: 115), os jovens deveriam adquirir saberes e

comportamentos relevantes para o emprego, através de uma experiência de trabalho que

teria lugar sob a supervisão de um trabalhador adulto e a troco da qual aufeririam de uma

bolsa. Apesar de abranger um elevado número de jovens5, este programa foi alvo de várias

críticas organizadas em torno de três argumentos essenciais. Por um lado, este dispositivo

de formação foi censurado por não contribuir para a diminuição efectiva do desemprego, mas

apenas para o adiar6; por outro lado, foi acusado de contribuir para a exploração da mão-de-

obra juvenil, ao constituir-se num instrumento que contribuía para a redução do seu custo

salarial (Finn, 1989; Raffe, 1988, Farley, 1989); por outro ainda, foi criticado por não

contemplar uma componente de formação geral (Gleeson, 1989).

Em 1983, com a chegada ao poder do Partido Conservador, o YOP vai ser

substituído pelo Youth Training System (YTS). O YTS destina-se a oferecer, aos jovens que

terminam a escolaridade obrigatória e não estão empregados, um ano de formação

profissional que passa agora a contemplar treze semanas de formação geral. Mas, o aspecto

mais significativo do ponto de vista político é, nas palavras de Finn (1989: 119), a renúncia

deste programa em assumir a responsabilidade por empregar os jovens desempregados. Ele

passa agora a auto-definir-se como uma “ponte para o trabalho”. As críticas ao YTS não se

fazem esperar e recuperam todas as que eram endereçadas ao programa anterior e às quais

se juntam, agora, as elevadas taxas de abandono (Balchan e Ashton, 1995), o não

reconhecimento das qualificações obtidas no mercado de trabalho (Gleeson, 1989) e a

colocação dos jovens numa situação ambígua, “suspensa” entre a escola e o mercado de

trabalho (Finn, 1989).

No início da década de noventa, o YTS é substituído pelo Youth Training (YT). Com

esta mudança são introduzidas algumas alterações referidas por Rodríguez (1997: 46-47): a

formação passa de um para dois anos, no final dos quais é atribuída uma qualificação

5 Finn (1989: 115) afirma que se «no primeiro ano, o YOP abrangia um em cada oito jovens que concluíam a escolaridade obrigatória, em 1982 já cobria metade e em 1983 havia mais jovens envolvidos no programa do que os que acediam a um emprego». 6 Na origem deste argumento está a constatação de que a maioria dos jovens, depois de concluída a experiência de trabalho, não acedia a um emprego, mas sim ao desemprego (Farley, 1989, Finn, 1989), o que leva Raffe (1989: 51) a referir-se a este programa como «uma medida temporária de combate ao desemprego».

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profissional de nível 2; a formação fora do contexto de trabalho é aumentada para vinte

semanas; o público-alvo é agora constituído por todos os jovens de dezasseis e dezassete

anos que dão por concluída a sua trajectória escolar7. Apesar destas mudanças, as críticas

mantêm-se em torno da reduzida qualidade da formação ministrada, das elevadas taxas de

abandono, do pequeno montante das bolsas e da utilização deste dispositivo, por parte dos

empresários, para reduzirem as despesas com os processos de selecção e recrutamento da

mão-de-obra juvenil. No entanto, apesar destas críticas quer o anterior YTS quer o actual YT

tendem a constituir-se, efectivamente, numa porta de entrada para o mercado de trabalho,

principalmente para os jovens com baixos níveis de qualificação profissional8.

A posição do governo britânico, relativamente às dificuldades com que os jovens se

debatem na transição da escola para o trabalho, é marcada por uma forte ambiguidade. Se,

por um lado, adere à tese de que desemprego juvenil é um problema de falta de qualificação

profissional dos jovens e assume a responsabilidade política pela resolução deste problema,

criando um dispositivo de formação profissional inicial, por outro, aceita a ideia de que a

população juvenil partilha um ethos de rejeição do trabalho que a leva a optar

voluntariamente pelo desemprego9 (Finn, 1989: 113). Aderindo à explicação produzida pela

teoria económica neoclássica que define o desemprego como voluntário10, o governo

britânico admite que a privação do emprego é uma situação da estrita responsabilidade dos

jovens que se recusam a aceitar a disciplina e o rigor do mundo do trabalho (Finn, 1989;

Roberts, 1984). A aceitação desta explicação para o desemprego, e as causas que lhe são

atribuídas, reforçam uma imagem negativa dos jovens na sociedade britânica e que tem o

seu corolário na versão moderna da ideia de juventude perigosa a que se refere Dale (1989). 7 A par destas alterações, o YT introduz também uma modificação significativa no modo de gestão do dispositivo, reflexo da influência da doutrina neoliberal na sociedade britânica. Definido e financiado pelo Estado, o YT é gerido por organismos privados locais, os Training Entreprises Councils, sob o controle das grandes empresas locais (Lefresne, 2003, Roberts, 1995). Ironicamente, Roberts (1995: 70) apelida este dispositivo de “franchising scheme”. 8 Os dados recolhidos através dos inquéritos sobre a transição da escola para o trabalho na Escócia, Inglaterra e no País de Gales demonstram que no caso do YTS, ele permitiu aumentar as qualificações e as oportunidades de emprego aos jovens que participaram na formação (Raffe, 1988, Lee et alli, 1987), mas não os seus salários como demonstram Main e Shelly (1988: 154): os jovens que passam pelo YTS auferem salários menos elevados do que os que não frequentaram o dispositivo. Os menores salários auferidos pelos jovens são explicados por Gaude (1997: 17) a partir de dois argumentos: do ponto de vista dos jovens, a passagem pelo dispositivo ao atribuir-lhes uma bolsa cujo montante é muito reduzido tem como consequência a diminuição do salário de reserva; do lado dos empresários, a passagem pelo dispositivo tem um efeito estigmatizante que funciona como sinal de uma fraca produtividade potencial. Também no que respeita ao YT, os dados apresentados por Rodríguez (1997: 47) apontam para o facto de cerca de dois terços dos formandos terem um emprego apesar de só 40% ter obtido uma qualificação de nível 2 e 5% uma de nível 3. 9 Esta ideia, de que os jovens rejeitam o trabalho, instala-se à revelia de todos os resultados dos estudos empíricos realizados por vários sociólogos como, Raffe (1987), Furlong (1988) Lee, Marsden, Hardey, Rickman e Masters (1987) e que demonstram que a larguíssima maioria dos jovens deseja ter um emprego. O Japão é um outro país onde as autoridades consideram o desemprego juvenil como voluntário (Ribault, 2004: 63). 10 Na teoria neoclássica o desemprego é imputável ao desrespeito pelas regras do mercado, por parte dos agentes económicos, como é o caso das exigências salariais excessivas, do demasiado poder das organizações sindicais ou da intervenção dos poderes públicos (Rose, 1998, Giret, 2000).

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Mas esta concepção de juventude não tem apenas repercussões no plano simbólico, ela vai

também influenciar a actuação política do governo conservador. Vimos no capítulo anterior

que as várias medidas de política de juventude, levadas a cabo na década de oitenta, tinham

por objectivo alterar os modos de regulação do acesso dos jovens à independência e à

autonomia, relocalizando o seu locus de acção na esfera familiar. Contudo, a abolição do

direito ao subsídio de desemprego, primeiro para os menores de dezoito anos, e depois

alargada aos jovens com menos de vinte e um anos (Lindley, 1996), não é apenas mais uma

das medidas com vista à privatização da juventude11. Ela é também uma forma de

“domesticar” uma juventude acusada de trocar o trabalho pelo desemprego. Extinta a única

fonte de rendimento a que os jovens privados de emprego tinham acesso, apenas lhes resta

uma de duas alternativas socialmente aceites: ou permanecer no sistema educativo, como

demonstra Lindley (1996), prolongando as suas trajectórias escolares na tentativa de

aumentar as vantagens comparativas no mercado de trabalho, ou ingressar no YTS, como

argumenta Dean (1997), na esperança de, no final, acederem a um emprego.

A rigidez salarial é apontada pelos economistas neoclássicos como uma das causas

do desemprego, em geral, e do juvenil, em particular12. Ora, na sua versão mais ortodoxa, a

teoria neoclássica atribui esta rigidez quer aos comportamentos dos agentes económicos

que procuram emprego quer à intervenção estatal, por via da estipulação de um salário

mínimo.

Com o aumento do desemprego, a análise do impacto do salário mínimo sobre o

emprego constitui-se num dos objecto de estudo dos economistas e num tema presente nas

medidas de política activa de emprego apesar de não existir, como refere Ryan (2001: 62)

um consenso nem empírico nem teórico sobre esta temática, em particular quando se trata

do salário mínimo juvenil. Com efeito, se, apesar dos estudos empíricos não serem 11 A noção de privatização da juventude é apresentada por Wallace e Kovatcheva (1998) para dar conta da intensificação da dependência da população juvenil das respectivas famílias, em consequência do desinvestimento do Estado na manutenção das condições que a essa população aceder à autonomia e independência económica e habitacional 12 Para esta perspectiva teórica, o desemprego é o resultado dos comportamentos voluntários dos jovens que se recusam a baixar as suas expectativas salariais. Numa formulação mais recente, a teoria da procura de emprego desenvolvida por Stigler (1962), e a reformulação introduzida por Mac Call (1970), com a introdução do conceito de salário de reserva, relativiza a interpretação mais ortodoxa do desemprego ao aceitar que a rigidez do salário é transitória e tende a ser absorvida à medida que se desenrola o processo de procura de emprego. Uma versão diferente é aquela que é desenvolvida no quadro das teorias do salário de eficiência e dos insiders/outsiders (Lindbeck, Snower, 1988). Em ambos os modelos analíticos, a rigidez salarial faz parte integrante dos comportamentos dos empresários que não atribuem vantagens à redução dos níveis salariais. Na teoria do salário de eficiência, referida por Lefresne (2003: 32), a diminuição dos salários é rejeitada pelos empresários que temem o surgimento de comportamentos anti-produtivos, por parte dos assalariados, no caso de optarem por essa estratégia de minimização dos custo de produção. No modelo proposto por Lindbeck e Snower, (1988) e que se aplica fundamentalmente a empresas onde existem mercados internos fortes, a substituição dos insiders por outsiders dispostos a auferirem salários inferiores aos primeiros não é percepcionada como vantajosa pelos empresários, na medida em que a redução salarial dos novos assalariados não compensa os custos associados à rotação da mão-de-obra e que contemplam o pagamento de indemnizações no caso dos despedimentos e os custos de adaptação dos novos recrutamentos.

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conclusivos, parece existir um quase consenso político sobre o reduzido efeito do salário

mínimo sobre o emprego13, Ryan (2001) e Lefresne (2003) são unânimes em concordar que

o mesmo não se verifica quando se trata do salário mínimo juvenil14. Na Holanda, o caso

melhor documentado por Ryan (2001: 64), a diminuição no salário mínimo juvenil permitiu

aumentar ligeiramente o emprego juvenil, mas apenas ao nível dos empregos pouco

qualificados. Nos Estados Unidos, por seu turno, os estudos realizados apontam, segundo

Lefresne (2003: 33), para que até ao início dos anos oitenta um aumento de 10% no salário

mínimo tenha implicado uma diminuição do emprego dos jovens entre 1% e 3%. Todavia,

como a própria autora afirma, estes resultados foram postos em causa nos anos seguintes,

uma vez que nem a forte redução no seu montante pecuniário até aos finais da década de

oitenta nem o aumento nos anos noventa tiveram os efeitos esperados sobre o emprego

juvenil15. Face a estes resultados, não é de estranhar a afirmação de Ryan (2001: 65),

quando declara que o aumento da flexibilidade salarial pouco tem contribuído para a tarefa

de aumentar o emprego juvenil, principalmente, acrescentamos nós, quando os numerosos

dispositivos entretanto criados, na maior parte dos países europeus, permitem aos

empresários contornar eficazmente os possíveis constrangimentos decorrentes da existência

do salário mínimo juvenil. Independentemente desta controvérsia, o governo britânico, no

quadro das suas políticas neoliberais, decide actuar sobre a procura, abolindo, em meados

da década de oitenta, o salário mínimo para jovens com idades inferiores a vinte e um anos16

o qual só volta a ser instituído já nos finais dos anos noventa, com o governo trabalhista. A

decisão de abolir o salário mínimo juvenil é fortemente criticada por Lindley (1996: 185), não

13 Esta ideia tende a ser contestada pelas evidências da economia americana na qual a flexibilização dos salários é apresentada como a principal responsável pela criação de empregos, onde os baixos salários imperam (Esping-Andersen 1997a, Myles, 1997, Zemsky et alli, 1998). A questão que se coloca é que, se por um lado, este tipo de empregos funciona como portas de entrada para o mercado de trabalho, permitindo diminuir o desemprego principalmente entre a população juvenil, as mulheres e os trabalhadores imigrantes, por outro, ele tem contribuído para engrossar o contigente dos “working poor” (Zemsky et alli, 1997: 25), levando os estados americano e canadiano a criarem um subsídio salarial (wage salary) destinado a compensar os “salários de miséria” auferidos pelas famílias com descendentes a cargo (Myles, 1997: 132). 14 É importante referir que nem todos os países estabeleceram um salário mínimo (SM). No estudo realizado por Ryan (2001: 61), nem na Alemanha nem na Suécia existe salário mínimo. No entanto, a importância que a contratação colectiva assume nestes países, na determinação dos salários, contribui para que os salários mais baixos nestas sociedades sejam superiores aos estipulados nos restantes países que fazem parte deste estudo. Simultaneamente, a França, o Japão a Holanda, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, esta última em 1999, instituíram um salário mínimo juvenil que oscila entre 52% do valor do SM no caso da Grã-Bretanha e 76% na Holanda. A introdução do SM juvenil teve, segundo Ryan (2001: 64), várias consequências, documentadas nos resultados de vários estudos: diminuiu a formação por parte das empresas, aumentou a exploração da mão-de-obra juvenil por via de uma redução drástica dos rendimentos do trabalho, em particular nos países anglo-saxónicos; serviu de incentivo ao prolongamento das trajectórias escolares ou à manutenção da condição de inactivo. 15 Aliás, um estudo realizado por Wellington (1989: 45) vem mesmo questionar os resultados relativos à década de setenta, concluindo que a diminuição de 1% no emprego dos jovens com menos de dezoito anos estava sobre-estimada, situando-se apenas em 0,6% e que nem o aumento dessa década nem redução que se verificou na seguinte tiveram qualquer impacto sobre o emprego dos jovens adultos. 16 Relembremos que, segundo Esping-Anderson (1997a), a estratégia seguida pelos países anglo-saxónicos para fazer face à crise consistiu na desregulação, na qual flexibilização salarial, em geral e a legislação sobre a redução do montante do salário mínimo, em particular, se inscrevem.

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só por não ter contribuído para diminuir o desemprego juvenil, mas também por ter retirado

uma espécie de compensação económica aos jovens pouco qualificados, que pouco

beneficiaram do investimento estatal em capital humano, penalizando duplamente uma

população já por si desfavorecida.

A reacção do governo sueco ao desemprego juvenil caracteriza-se pela aposta no

desenvolvimento de políticas activas de emprego, nas quais se incluem a criação de

empregos temporários no sector público, o incentivo à formação profissional inicial e

contínua e a atribuição de subsídios para a criação de emprego quer no sector público quer

privado (Stephens, 1997). Numa sociedade onde um dos pilares da política económica é o

pleno emprego, como defende Stephens (1997: 39), não é de estranhar que, mesmo nos

finais dos anos setenta, quando o desemprego juvenil era o mais reduzido dos países da

União Europeia, o governo sueco tenha criado programas de formação e empregos

temporários no sector público e privado para os jovens desempregados. Caracterizada por

uma grande flexibilidade, uma enorme capacidade de reacção às variações da conjuntura

económica, como defendem Bourdet e Persson (1995: 172), e por um forte envolvimento dos

parceiros sociais17, a política de emprego juvenil tem apostado em três dimensões

fundamentais: o emprego, a orientação profissional e a educação/formação. Com o aumento

do desemprego a partir dos anos oitenta e com as profundas mudanças tecnológicas em

curso nas empresas suecas, o Estado vai incentivar uma maior permanência no sistema

educativo, com vista a aumentar a qualificação da mão-de-obra juvenil18. Simultaneamente,

afirmam os autores (Bourdet e Persson, 1995: 177), intensifica as actividades de

aconselhamento e de orientação vocacional com o objectivo de motivar os jovens a

retomarem a trajectória educativa; lança os “empregos jovens” com uma duração de seis

meses no sector público ou privado e substitui os antigos empregos temporários pelos

“trabalhos de utilidade pública”. Este tipo de empregos em part-time, no sector público, que

se destinam a jovens com idades compreendidas entre os dezoito e os dezanove anos irão

17 Para os jovens com mais de dezoito anos, os dispositivos de inserção estão incluídos na contratação colectiva e a concertação com os sindicatos é obrigatória, para definir as modalidades de acesso aos empregos subvencionados pelo Estado, no quadro das empresas bem como as modalidades de formação associadas a esses empregos (Lefresne, 2003: 100). 18 De acordo com os dados apresentados por Azevedo (2000: 293), no ano lectivo de 1992/93, 97% dos jovens que concluíram a escolaridade prosseguiram estudos e mais de metade optou por um percurso de formação profissional. A grande procura do ensino técnico e profissional na sociedade sueca é explicada pelo autor (Azevedo, 2000: 295) com base em três razões: «(a) a condição dos empregos que mudou muito, nomeadamente a reorganização do trabalho; (b) o sistema de ensino atribuiu à formação profissional escolar um estatuto equivalente ao dos cursos gerais e académicos; (c) a estrutura salarial, em que o leque é diminuto, acaba por valorizar socialmente as categorias socioprofissionais mais baixas». Ao apostar na qualificação da mão-de-obra juvenil como uma estratégia para combater o desemprego, o sistema escolar tornou-se, segundo Azevedo, no responsável pela formação de todos os jovens até aos vinte anos de idade.

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dar lugar, no final dos anos oitenta, aos “estágios especiais de inserção”. A par destas

medidas, e para incentivar a criação de emprego no sector privado, o Estado sueco subsidia

50% do salário de cada jovem contratado, durante um período de seis meses.

No entanto, todas estas medidas são insuficientes para conter o desemprego juvenil

que não cessa de aumentar, ao mesmo tempo que se acentuam as pressões para diminuir

os gastos com as políticas sociais (Stephens, 1997). Neste contexto de degradação do

mercado de trabalho e de crise do Estado Providência, o governo sueco vai substituir os

recém-criados “estágios especiais de inserção” por um programa de formação de jovens com

carácter de urgência, como o apelidam Bourdet e Persson (1995: 185). Ele apresenta como

característica o seu carácter conjuntural - seria suprimido assim que o relançamento da

economia ocorresse e o emprego aumentasse - e é ilustrativo da vocação contracíclica dos

dispositivos de inserção profissional neste país. Com uma duração de seis meses,

prorrogável por outros seis, este programa de formação elege como público-alvo os jovens

com idades entre os dezoito e os vinte e quatro anos, que estabelecem com a empresa um

plano individual de formação. No entanto, o aspecto mais significativo deste programa reside,

em nosso entender, na atribuição não de um salário, mas sim de uma bolsa de formação. Ao

optar por este tipo de remuneração, este dispositivo inaugura uma nova era no quadro das

políticas de emprego na sociedade sueca, na qual os custos associados à inserção

profissional dos jovens deixam de ser suportados na sua totalidade pelo Estado e passam a

ser comparticipados pela população juvenil.

A França é, de todos os países que integram esta análise, aquele que mais cedo

aposta na criação de dispositivos destinados a facilitar a inserção profissional dos jovens. As

primeiras experiências, que segundo Dubar et alli (1987: 38) vão estar na génese dos actuais

dispositivos têm lugar ainda na década de sessenta, quando o desemprego juvenil começa a

aumentar, mas não é ainda considerado um problema social. A Associação para a Formação

Profissional de Adultos é o primeiro organismo público a lançar um programa de estágios

destinados aos jovens desempregados com reduzidas qualificações escolares. A equipa

liderada por Dubar (Dubar et alli, 1987: 38) atribui ao programa lançado pela Educação

Nacional a definição dos princípios por que se irão reger os futuros dispositivos de inserção

profissional: a importância atribuída aos estágios e à formação em alternância e a definição

dos destinatários a partir de critérios etários, escolares e sociais. Apesar disto, a maioria dos

autores é unânime em consagrar o lançamento, em 1975, do primeiro programa

118

interministerial de emprego-formação para jovens com idades entre os dezasseis e os vinte

anos “não escolarizados e sem emprego” (Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002: 77),

conhecido por “estágios Granet”19, como o início da política de inserção profissional na

sociedade francesa. A especificidade da política de combate ao desemprego juvenil em

França não se limita ao seu carácter precoce, como as palavras de Lefresne (1995: 102)

permitem concluir. Defende a autora, que a intervenção do Estado se tem pautado pela

instabilidade, pela heterogeneidade, quer das modalidades quer do estatuto dos beneficiários

e pela quantidade: desde 1975, foram adoptadas mais de cinquenta medidas diferentes.

As políticas desenvolvidas pelo Estado francês, para responder ao desemprego

juvenil, têm privilegiado duas áreas de intervenção distintas: a qualificação da mão-de-obra

juvenil e o emprego. O aumento dos níveis de formação da população juvenil tem sido, na

sociedade francesa, uma constante desde os anos sessenta, resultado do efeito conjugado

de uma procura social crescente e de elevado investimento público na oferta educativa. No

entanto, este movimento acentua-se durante os anos oitenta e é politicamente consagrado

numa lei aprovada em 1989 que define como objectivo a ser atingido até ao final do século

XX que 80% da cada cohorte de jovens obtenha o diploma do ensino secundário20.

Simultaneamente, a aposta na revitalização do ensino técnico e profissional21 mostra-se

incapaz de contrariar o estatuto desvalorizado destas ofertas formativas que continuam a ser

fileiras de relegação para os jovens das classes populares com trajectórias de insucesso

escolar (Duru-Bellat e Zanten, 1992, Prost, 1992, Tanguy, 1991). A aposta na qualificação da

mão-de-obra juvenil não se circunscreve às intervenções sobre o sistema formal de ensino.

Ela estende-se também ao mercado de emprego por via dos vários dispositivos de formação

em alternância que se começam a “popularizar” à medida que o desemprego aumenta junto

das camadas juvenis, principalmente das menos escolarizadas. Fortemente influenciada pela

filosofia formativa do Sistema Dual alemão, a formação em alternância vai assumir várias

configurações em torno de duas ideias-chave: profissionalizar os alunos e formar os jovens

19 Estes estágios, que articulavam emprego e formação, destinavam-se aos jovens de 16 a 20 anos, sem diploma profissional, com uma formação inadequada e que se encontravam desempregados. Eles contemplam três tipos distintos: os estágios de reconversão, quando a formação era diagnosticada como inadaptada às necessidades do mercado de trabalho; os estágios de pré-qualificação, quando os conhecimentos de base eram insuficientes para seguir uma formação profissional e de qualificação quando os conhecimentos permitiram frequentar uma formação (Dubar et alli, 1987: 42) 20 Em 1992, 63% de uma classe de idade estava inscrita no último ano do ensino secundário (Verdier, 1995: 19). 21 Esta revitalização consiste, nas palavras de Verdier (1995), na criação de novos diplomas e fileiras longas no ensino profissional permitindo uma progressão que se inicia com a obtenção de um CAP e pode terminar na obtenção de um diploma universitário em tecnologia (DUT), na renovação dos diplomas profissionais e na construção de novos curricula. No entanto, estas alterações são fortemente criticadas por Verdier (1995: 21) por terem subjacente uma perspectiva adequacionista da formação, resultado de uma correspondência que se pretende linear entre os níveis hierárquicos do emprego e os níveis de formação.

119

assalariados. No primeiro caso, trata-se como defendem Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger

(2002: 88), de uma alternância sob o estatuto escolar, materializada na introdução de

estágios curriculares nos cursos de matriz profissionalizante, instituída em 1981. No segundo

caso, a formação dos jovens trabalhadores decorre da celebração do que os mesmo autores

designam por contratos de trabalho em alternância, que consagram períodos de formação

que decorrem no exterior das empresas e cuja contrapartida é a redução dos salários

auferidos pelos jovens eles abrangidos22. Os contratos de trabalho em alternância nascem

em 1983, com a assinatura de um acordo interprofissional e contemplam três tipos distintos:

o contrato de qualificação23, o contrato de adaptação24 e os SIVP (Stage d’Iniciation à la Vie

Professionnelle). Enquanto que os dois primeiros se mantêm ainda em vigor, o mesmo não

se verifica com os SIVP. Originalmente concebidos para permitir a aquisição de uma

experiência profissional, da qual a formação estava excluída, estes estágios a tempo parcial,

destinados a jovens entre os dezasseis e os vinte e dois anos e cuja remuneração variava

entre 43% e 63% do salário mínimo, foram alvo de fortes críticas (Nicole-Drancourt e

Roulleau-Berger, 2002, Lefresne, 2003, 1995, Eyssartier e Gautié, 1996). A apropriação

deste dispositivo por parte das PME com o objectivo de substituir os contratos de trabalho

convencionais foi entendida como uma nova forma de exploração da mão-de-obra e

conduziu à sua substituição pelos contratos de orientação25. Estes dispositivos de formação

em alternância apresentam alguns atributos que lhes conferem uma especificidade própria

que os distingue dos anteriores e que analisaremos em seguida. Em primeiro lugar, são

caracterizados pelo que designamos de uma dupla valência: ao mesmo tempo que

contribuem para a qualificação profissional da mão-de-obra juvenil, eles são também

espaços de socialização profissional, se utilizarmos a terminologia de Nicole-Drancourt e

Roulleau-Berger (2001), ou de aquisição de experiência profissional, se optarmos por um

registo mais económico. Em segundo lugar, o requisito que permite o acesso a estas 22 Adoptando uma outra perspectiva de análise, Lefresne (2003: 89) inscreve os dispositivos de formação em alternância na categoria das medidas de política de emprego que se destinam a facilitar o acesso dos jovens às empresas por via da redução do respectivo custo salarial e na qual se englobam também os subsídios e as exonerações de encargos financeiros com a contratação dos jovens. Nesta perspectiva, a redução salarial dos jovens envolvidos nestes dispositivos é compensada pela obtenção de uma formação profissional. 23 O contrato de qualificação consiste num contrato de trabalho a termo certo ou indeterminado, destinado a fornecer aos jovens, com idades entre 18 e 25 anos, a possibilidade de adquirir ou completar uma formação profissional durante um período de seis a doze meses do qual, no mínimo um quarto é destinado à formação. A remuneração da responsabilidade da empresa varia entre 17% e 75% do salário mínimo (Lefresne, 2003: 90). 24 O contrato de adaptação apresenta as mesmas características contratuais do contrato de qualificação e destina-se a adaptar os jovens aos postos de trabalho. Com um período de formação mais reduzido, o salário auferido corresponde a 80% do salário mínimo (Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002: 89). 25 O contrato de orientação destina-se a permitir uma primeira experiência de trabalho acompanhada de orientação profissional num período de seis a nove meses, durante o qual a remuneração salarial varia entre 30% e 65% do salário mínimo, consoante a idade do beneficiário (Lefresne, 2003, Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002)

120

medidas decorre, exclusivamente, do atributo idade. Em terceiro, lugar trata-se de medidas

que se inscrevem no sector da economia capitalista, constituindo, nas palavras de Nicole-

Drancourt e Roulleau–Berger (2002: 90), o principal contributo das empresas privadas para a

inserção profissional dos jovens e que Dale (1989) sintetiza numa espécie de palavra de

ordem: formar em vez de empregar.

O segundo grupo de medidas de inserção profissional apresenta características

diferentes das daqueles que acabámos de enunciar. Por um lado, as populações-alvo são

definidas pelas suas dificuldades manifestas de inserção e pelos atributos sócio-educativos

que lhe são associados - baixos níveis de qualificação académica e/ou profissional,

abandono e insucesso escolares, vulnerabilidade social; por outro, as medidas inscrevem-se

no sector não capitalista da economia que compreende o sector público, territorial, local e

associativo26. Este segundo grupo de dispositivos insere-se na tradição das primeiras

medidas destinadas exclusivamente aos “jovens em dificuldade”, lançadas nos finais da

década de sessenta27 e cujo marco histórico, como lhe chama Rose (1998: 117), é o

dispositivo conhecido por «16-18 anos» criado em 1982, destinado a fornecer formação

profissional a todos os jovens sem qualificação e sem emprego. As inovações introduzidas

por este dispositivo residem, segundo Dubar et alli (1987: 48), não só numa abordagem

global da problemática da inserção, mas também na definição de itinerários de formação

diferenciados, conducentes à obtenção de uma qualificação validada por um diploma, e na

criação de redes de acolhimento e orientação dos jovens em dificuldade, como as missões

locais28 e os PAIO (Permanences d’Accueil d’Information et d’Orientation)29.

Actualmente, apenas um programa pretende dar resposta às dificuldades de inserção

dos “jovens mais desfavorecidos”, através de uma intervenção que concilia a qualificação

profissional desta população juvenil, com incentivos à criação de empregos que respondam

às necessidades colectivas não satisfeitas pelo sector capitalista da economia. O Programa

TRACE (Traject d’Accès à l’Emploi), criado já nos finais da década de noventa, surge na

26 Tal como é definido na sociedade francesa, o sector não capitalista é mais abrangente do que o conceito de mercado social de emprego que, no caso português, se limita «às actividades desenvolvidas por entidades privadas sem fins lucrativos, de direito ou de facto, que têm como objectivo determinante a prevenção e solução de problemas de emprego e de outros problemas sociais» (Catarino, 1998: 9) 27 A análise detalhada deste tipo de medidas, até 1985, é realizada por Dubar et alli (1987: 42-74). 28 As missões locais, da responsabilidade das colectividades locais, são criadas em zonas onde os problemas dos jovens são particularmente graves e preocupam-se com a globalidade dos seus problemas de inserção – saúde, habitação, tempos livres - (Dubar et alli, 1987: 51), respondendo ao desafio colocado por B. Schwartz no relatório que está na origem da criação deste dispositivo. 29 Os PAIO são estruturas encarregues do acolhimento, informação e orientação dos jovens com vista à sua participação em estágios profissionais, retorno à formação ou obtenção de emprego, devendo assegurar o seu acompanhamento quer em termos de formação quer de emprego (Dubar et alli, 1987: 51).

121

sequência de um conjunto de medidas30 todas elas fortemente criticadas pela reduzida

qualidade da formação, pela ineficácia na diminuição do desemprego juvenil e pela

selectividade no acesso a esses dispositivos, penalizadora do público a quem se destinavam

(Lefresne, 2003, Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002). Inscrito num quadro mais

abrangente de luta contra a exclusão, este programa dirige-se a jovens com menos de vinte

e seis anos em dificuldades, em virtude da ausência de qualificação e handicaps sociais e

familiares, como refere Lefresne (2003: 89), e propõe um acompanhamento personalizado e

contínuo, que se pode estender até dois anos, durante o qual têm lugar acções de

socialização, de formação e de qualificação profissional que devem permitir a obtenção de

um emprego. Igualmente destinado à criação de emprego no sector não capitalista da

economia foi lançado, já em 2002, um novo dispositivo denominado CIVIS (contrato de

inserção na vida social) destinado a jovens com idades entre os dezoito e os vinte e cinco

anos, detentores de um nível de qualificação académica mínima, equivalente ao ensino

secundário e que tivessem projectos profissionais no domínio social e humano31 (Lefresne,

2003: 91).

Um último conjunto de medidas tem por objectivo incentivar a contratação da mão-

de-obra juvenil, por parte das empresas privadas, através da redução do seu custo salarial e

que contemplam quer a isenção dos encargos fiscais com segurança social quer o

financiamento directo de parte dos salários. Estas medidas que estão na origem de uma

categoria específica de empregos na sociedade francesa – os emplois aidés32 – foram

recentemente ampliadas com a criação dos “contratos jovens”. Este dispositivo permite a

celebração de um contrato de trabalho sem termo com jovens de idades inferiores a vinte e

dois anos, que não concluíram o ensino secundário, dispensando a entidade patronal do

pagamento da totalidade dos encargos com a segurança social durante os dois primeiros

anos (Lefresne, 2003: 90).

30 O historial destas medidas, apresentado por Lefresne (2003) e Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2002) inicia-se com a criação dos “trabalhos de utilidade pública” (TUC) no início dos anos oitenta substituídos, alguns anos mais tarde, pelos “contratos emprego-solidariedade” (CES) e pelos “ contratos empregos consolidados” (CEC). Simultaneamente, é lançado o “crédito formação individualizado” (CFI), considerado um dispositivo de segunda oportunidade destinado a permitir o acesso a uma formação validada por um diploma. Demasiado selectivo, o CFI ao PAQUE (Préparation Active à la Qualification et à l’Emploi), acabando este último por ser também extinto. 31 Este dispositivo vem substituir o Programa “novos serviços - novos empregos” também conhecido por “empregos jovens”, que se baseava na celebração de um contrato a tempo inteiro durante um período de cinco anos, renovável anualmente com uma instituição que permitisse uma experiência de trabalho qualificante que permitisse a construção de um verdadeiro projecto profissional. Os beneficiários deste programa, detentores, no mínimo, do diploma do ensino secundário auferiam de uma remuneração mensal equivalente ao salário mínimo, 80% do qual era suportado pelo Estado (Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002: 93-94). 32 Este tipo de empregos é definido por Rose (1998: 109) como empregos parcialmente financiados pelas finanças públicas.

122

Apesar dos múltiplos dispositivos destinados a facilitar a inserção profissional dos

jovens franceses, as numerosas avaliações efectuadas mostram que os resultados têm

ficado muito aquém das expectativas e que a forma como algumas destas medidas são

apropriadas pelos actores sociais induzem efeitos perversos, que se reflectem sobre a sua

eficácia na diminuição do desemprego juvenil. A avaliação do efeito das políticas de inserção

sobre a criação líquida de emprego, realizada por Eyssartier e Gautié (1996: 41), leva os

autores a concluir que, se é verdade que estas políticas permitiram uma criação real de

emprego, é igualmente verdade que, no plano quantitativo, ela ficou bastante abaixo dos

objectivos estipulados pelo poder político. Face a estes resultados, não é de estranhar que o

seu impacto sobre o desemprego juvenil tenha sido reduzido, como defendem alguns

autores (Eysartier e Gautier, 1996, Lechêne e Magnac, 1996). No entanto, apesar da

modéstia dos resultados em termos macro-económicos, Verdier (1995) e Werquin (1996b)

são unânimes em defender que as medidas criadas tiveram um efeito positivo sobre o

desemprego dos jovens que nelas participaram, em particular, fazendo diminuir o

desemprego de inserção.

Os resultados do efeito das políticas de inserção sobre a redução da selectividade no

acesso ao mercado de trabalho são também pouco animadores. Rose (1996: 126) defende

que estas medidas contribuíram mais para manter a segmentação do sistema de emprego e

para a reprodução das desigualdades do que para modificar as suas regras de

funcionamento e Verdier (1995: 34) fala do seu papel no reforço da marginalização e da

precarização dos jovens menos qualificados no mercado de trabalho. O efeito potenciador da

inserção associado a estas medidas, e avaliado em termos de acesso ao emprego, é muito

variável. No que respeita a este indicador, Lefresne é taxativa. Afirma a autora (Lefresne,

1995: 113) que globalmente não existe vantagem em passar pelos dispositivos. Acrescenta,

contudo, que, quanto maior é a proximidade do dispositivo ao mercado de trabalho maior é a

probabilidade dos seus beneficiários acederem a um emprego. A influência dos dispositivos

sobre o futuro profissional dos jovens é corroborada por Aucouturier e Gélot (1994), quando

demonstram que os contratos de adaptação são mais eficazes do que os de qualificação, e

que estes são melhores do que os estágios de iniciação à vida profissional e do que os

contratos emprego/solidariedade. Na mesma linha de argumentação, Werquin (1996a)

defende que algumas medidas têm um efeito estigmatizante, dificultando o acesso aos

empregos regulares e afirma que, se para alguns jovens, os dispositivos asseguram uma

123

passagem progressiva para o emprego, para outros, os mais desmunidos, eles pouco mais

oferecem do que um compasso de espera para o desemprego (Werquin, 1996b: 3).

Mas, mais do que alimentar a selectividade no acesso ao mercado de trabalho, estes

dispositivos reproduzem-na no seu interior ao privilegiarem o acesso dos jovens mais

qualificados, mesmo quando estes não constituem o público-alvo, legalmente definido. Este

efeito perverso documentado em vários estudos (Werquin, 1997, 1996 a, Aucourturier e

Gélot, 1994, Gautié, 1996, Dubar et alli, 1987) traduz-se na elevada segmentação social que

se reproduz no acesso ao mercado de trabalho. Assim, enquanto os jovens mais qualificados

têm acesso privilegiado aos dispositivos socialmente mais valorizados e que permitem uma

inserção, ainda que precária, no mercado de trabalho, os menos qualificados ficam

confinados às medidas no sector não capitalista, onde as probabilidades de emprego são

muito reduzidas como demonstram Demazière e Pélage (2001). Por último, todas estas

medidas têm alimentado o movimento de precarização da mão-de-obra (Rose, 1996, Sigot e

Werquin, 1993, Dupaquier et alli, 1986) e contribuído para uma redução dos rendimentos do

trabalho dos jovens assalariados (Verdier, 1995, Lechêne e Magnac, 1996).

Em suma, o Estado francês é, sem dúvida, como afirma Verdier (1996: 22), o grande

tutor do mercado de trabalho dos jovens e o grande responsável pela existência de uma

política estrutural de transição profissional, como é designada por Rose (1998: 126). Porém,

a sua intervenção tem vacilado, segundo (Verdier, 1995: 25-27), entre três vias dificilmente

conciliáveis: a via alemã, com a revalorização do ensino profissional e o desenvolvimento da

formação em alternância; a via japonesa, com a aposta na formação geral proporcionando às

empresas uma mão-de-obra juvenil com maior capacidade de iniciativa, de assumir

responsabilidades e de se adaptar às mudanças tecnológicas e organizacionais; e a via

britânica, com a redução dos custos salariais dos trabalhadores jovens.

Se aplicarmos a proposta analítica, apresentada por Verdier (1995), à realidade

portuguesa, somos levados a admitir que a política de inserção profissional levada a cabo

pelo Estado português tem privilegiado, principalmente, a via alemã e a anglo-saxónica,

enquanto que a japonesa tem estado pouco presente no contexto nacional, a não ser por via

do aumento da escolaridade obrigatória para nove anos33. De facto, o governo português

33 No entanto, este aumento é bastante recente, quando comparado com os outros países a que nos temos vindo a referir. A escolaridade obrigatória de nove anos é aprovada em 1986 e apenas contempla os alunos que ingressaram pela primeira vez no sistema educativo no ano lectivo de 1986/87. Simultaneamente, se é verdade que o Programa PEPT (programa Educação para Todos) elegia como um dos seus objectivos promover o acesso às formações de nível secundário, os resultados ficaram muito aquém do esperado. Segundo dados divulgados pela Comissão Europeia e publicados no jornal Público de 12.05.2005, Portugal

124

privilegiou o aumento da qualificação da mão-de-obra juvenil através da reconstrução da

fileira profissionalizante, na década de oitenta, com o lançamento do ensino técnico-

profissional, substituído anos mais tarde pelos cursos tecnológicos, e com a criação do

Sistema de Aprendizagem e das Escolas Profissionais. A criação desta fileira no sistema

educativo português procura dar resposta, segundo Azevedo (1991a), a três imperativos

distintos: um de natureza política, outro de matriz económica e outro de natureza social. No

primeiro caso, procura-se, por um lado, responder à crise de legitimidade do Estado

decorrente do desfasamento entre o aumento das expectativas escolares de um número

crescente de jovens, que elege a obtenção de um diploma do ensino superior como meta

formativa, e a institucionalização do numerus clausus no ano lectivo de 1977/78, decisão que

provoca, nas palavras de Grácio (1992: 216), uma travagem brutal das trajectórias e das

expectativas mantidas até ao último momento; por outro lado, pretende-se responder às

exigências de aceleração do processo de preparação de Portugal com vista à adesão à CEE,

aproximando o figurino do nosso sistema educativo do modelo dominante na Europa

Comunitária. No plano económico, a adesão à corrente vocacionalista tem por objectivo

formar uma mão-de-obra qualificada que sustente a modernização do tecido empresarial, de

modo a vencer os “desafios da competitividade”. Em termos sociais, a fileira

profissionalizante é concebida como a resposta mais eficaz para responder ao desemprego

juvenil, que não parava de aumentar, e para satisfazer as pressões dos empresários que

criticavam a extinção do ensino técnico, acusavam a escola de ineficácia e de incapacidade

de preparar para a vida activa e clamavam pela reintrodução do ensino profissionalizante no

sistema educativo. Nos anos noventa, esta opção volta a ser reforçada agora com a criação

dos currículos alternativos34, dos cursos educação e formação, conhecidos por “9º ano +1”35,

é o segundo país, dos vinte e cinco que integram a UE, com piores resultados: 39,5% dos jovens conclui apenas a escolaridade obrigatória e apenas 49% obtém um diploma do ensino secundário enquanto que a média europeia se situa nos 76%. 34 Inscritos no Programa de Combate à Exclusão escolar e social na Educação Básica, os “currículos alternativos”, criados em 1996, têm subjacente uma ideologia da inclusão, como lhe chama Correia (1999), e contribuem para o que o mesmo autor designa por flexibilização interna do sistema educativo. Estes currículos, que contemplam uma formação escolar e profissional, destinam-se a jovens que se encontram numa situação de insucesso recorrente, correm o risco de abandonar a escola antes de concluírem a escolaridade obrigatória, apresentam problemas de integração na comunidade escolar e têm dificuldades de aprendizagem (Canário e Alves, 2004: 51). 35 Estes cursos, criados em 1997, e englobados no Programa de Combate à Exclusão Escolar e Social na Educação Básica, têm por objectivo assegurar o cumprimento da escolaridade básica e proporcionar uma formação qualificante de nível II. Os cursos são da responsabilidade da escola e contemplam três componentes de formação: geral, sócio-cultural e técnica às quais se junta, sempre que possível, um estágio em contexto real de trabalho (MTS, 2000: 105-106). Em 2004, e no âmbito do Plano Nacional para Prevenção do Abandono Escolar (PNAPAE), estes cursos foram alargados aos alunos que tendo concluído o 12º ano pretendem obter uma qualificação profissional.

125

do Programa PIEF (Programa Integrado de Educação e de Formação)36 e com a introdução

de estágios curriculares nos cursos tecnológicos.

As críticas ao retorno a uma concepção instrumental da educação, durante a década

de oitenta, fazem-se imediatamente ouvir em Portugal pelas vozes de Stephen Stoer, José

Alberto Correia e Alain Stoleroff37 que acusam as ofertas profissionalizantes de elegerem

como vector estruturante o eixo escola/empresa/mercado de trabalho, relegando para

segundo plano o eixo educação/democracia; de partilharem uma concepção fragmentada do

actor social, em que se valoriza a formação do trabalhador, como se esse papel fosse

autónomo do de cidadão; de corresponderem a uma subordinação da política educativa a

uma política económica, cuja principal função é a de ajustar o sistema económico português

às modificações da divisão internacional do trabalho; de contribuírem para a manutenção do

modelo fordista de organização do trabalho38 e para a reinstitucionalização de modos de

inculcação moral fundamentais para a aprendizagem da relação salarial. Estes modos de

inculcação moral adquirem materialidade sob a forma de aprendizagens de saberes-ser

relacionados com o respeito pelas hierarquias, a assiduidade, a pontualidade que, como

demonstra Cabrito (1994), ao potenciarem um processo de socialização antecipada no

mundo do trabalho, mais não fazem do que inculcar um conjunto de comportamentos tidos

como essenciais à condição de futuros assalariados. Estas modalidades de formação são

também criticadas por Grácio (1991), por introduzirem uma divisão do trabalho no seio da

formação resultante de estar acometida ao Sistema de Aprendizagem a tarefa de preparar

trabalhadores qualificados, preferencialmente para a indústria, e ao ensino técnico-

profissional de competir a formação de técnicos intermédios e pessoal altamente

36 Criado no quadro do Plano para a eliminação do trabalho infantil, o PIEF tem por objectivo permitir a conclusão da escolaridade obrigatória e a obtenção de uma certificação profissional. Destina-se a jovens com quinze anos que se encontram numa situação de exploração do trabalho infantil ou a jovens com dezasseis anos que possuam um contrato de trabalho e compreende uma componente de formação geral, uma outra de formação profissional e uma formação prática em contexto de trabalho (Canário e Alves, 2004: 52). 37 Referimo-nos, concretamente, aos artigos publicados por estes três sociólogos (Correia, Stoleroff e Stoer, 1993; Stoer, Stoleroff e Correia, 1990, Stoleroff, 1991, Correia, 1999), bem como o artigo de Cabrito (1998) e ao livro de Pais (2001), em particular, ao primeiro capítulo onde questiona a função ideológica dos discursos que atribuam à formação profissional a solução para o desemprego juvenil. A estes trabalhos que tecem críticas ao vocacionalismo português, em geral, há ainda a acrescentar aqueles que questionam cada uma das ofertas formativas: ensino técnico-profissional (Grácio, 1986, 1992; Azevedo, 1991a e 1991b, Pedroso, 1993); Sistema de Aprendizagem (Pedroso, 1993, Ferreira, 1988; Neves, Pedroso e Matias, 1993, Cabrito, 1994, Alves et alli, 2001, Alves, 1992, 1996), Escolas Profissionais (Pedroso, 1993, Candeias, 1993, Cabrito, 1994, Alves et alli, 2001, Alves, 1992, 1996), Cursos Tecnológicos (Azevedo, 2000 e Alves et alli, 2001). 38 Na mesma linha de argumentação, Rodrigues (1991a) e Ambrósio (1993) criticam as modalidades de formação profissionalizantes pela sua incapacidade em formar recursos humanos indispensáveis à consolidação de um novo paradigma sócio-técnico, em emergência.

126

qualificado39. Mas, uma das críticas mais severas, é a emitida por Augusto Santos Silva no

prefácio do livro de Joaquim Azevedo (1991). Para este sociólogo, a política educativa

dominante nos anos oitenta, ao restringir a educação tecnológica apenas à fileira

profissionalizante do sistema educativo, pode estar a contribuir para reduzir as novas

modalidades ao papel de selecção social desempenhado pelo antigo ensino técnico,

confinando-as a ofertas formativas de segunda oportunidade, destinadas ao “deserdados”.

Baseando a sua reflexão no princípio de discriminação, que presidiu à introdução da

educação tecnológica, Augusto Santos Silva (1991: 17) advoga que a criação das escolas

profissionais e do ensino profissionalizante foi a mudança necessária para que o secundário

nobre permanecesse “licearizado” e os “herdeiros” continuassem olimpicamente afastados

do mundo do trabalho.

Os estudos mais recentes realizados sobre estas modalidades de formação e os

seus públicos (Alves et alli, 2000, São Pedro et alli, 2002) vêm precisamente confirmar o seu

carácter socialmente discriminante, que tende a transformá-las em ghetos habitados,

predominantemente por jovens das classes populares marcados por trajectórias de

insucesso, como já no início dos anos noventa Grácio (1991) denunciava, e que lhes confere

um estatuto de segunda oportunidade no interior do sistema educativo, agora ainda mais

reforçado com a criação dos currículos alternativos e dos cursos de educação e formação na

escolaridade obrigatória. Com efeito, o lançamento destas alternativas de formação vem

alimentar a imagem estigmatizante que está associada à relação educação e trabalho na

sociedade portuguesa, ao difundirem a ideia de que a formação para o trabalho se destina a

todos os que não possuem as competências cognitivas que lhes permitam acompanhar um

curriculum dito normal. Legitimadas à luz da ideologia da inclusão (Correia, 1999), estas

alternativas à escolaridade obrigatória mais não fazem do que constituírem-se no que Dubet,

numa expressão particularmente feliz, designa por exclusão doce, desferindo uma

machadada simbólica na tentativa de reabilitação social das formações para o trabalho.

A subalternidade destas ofertas reflecte-se também no mercado de trabalho com os

seus diplomados a terem, proporcionalmente, menos oportunidades de promoção na carreira

e a tirarem uma menor rentabilidade dos seus diplomas do ensino secundário do que os

seus colegas do ensino superior, como demonstram os estudos realizados por Grácio

39 A criação das escolas profissionais e o aumento da escolaridade obrigatória para nove anos contribuíram para alterar esta divisão de trabalho. A hierarquia das diferentes modalidades constrói-se agora com base nas características sócio-educativas dos públicos que as frequentam (Alves et alli, 2001).

127

(1997), Portugal (2004) e São Pedro e Baptista (1992). Simultaneamente, os diplomas do

ensino profissionalizante não parecem aumentar as vantagens comparativas dos seus

detentores, no mercado de trabalho, em particular no que respeita ao desemprego. O estudo

realizado sobre a inserção profissional dos diplomados de nível secundário que concluíram a

formação em 1997, realizado por São Pedro et alli (2002) e o que incidiu sobre os formandos

da formação profissional inicial inscrita no mercado de emprego40 (Carimbo, 2001) e

terminaram o seu percurso formativo em 1997 e 1998, demonstram que o tipo de formação

não tem uma influência significativa sobre a situação face ao desemprego41.

Aproximadamente um ano após a conclusão do percurso formativo, a percentagem de

desempregados era de 18% entre os jovens que terminaram os cursos gerais do ensino

secundário, 19% entre os diplomados dos cursos tecnológicos, 15% entre os das escolas

profissionais (São Pedro et alli, 2002: 28). Contudo, não só a posse de um diploma do ensino

profissionalizante não estabelece uma discriminação positiva face ao desemprego como, à

revelia de todos os discursos políticos e gestionários, o desemprego tem vindo, nos últimos

anos, a aumentar junto dos jovens com mais qualificações académicas (ensino secundário e

superior), como demonstra o trabalho realizado por Ferreira (1999) e as estatísticas do

emprego continuam a confirmar. Estamos assim, uma vez mais, perante uma

descoincidência entre a política voluntarista do Estado, por um lado, e a estratégias

empresariais, por outro, já identificada por Grácio (1986) quando analisa as reformas do

ensino técnico no século XX, mas que agora assume uma nova reformulação: à coincidência

dos discursos políticos e gestionários sobre a escassez de mão-de-obra qualificada

contrapõe-se uma descoincidência profunda ao nível das práticas42.

40 Esta formação compreende os cursos do Sistema de Aprendizagem e as acções de qualificação inicial ministradas nos centros de formação de gestão directa ou participada, sob a tutela do IEFP. 41 A tese de existência de uma relação virtuosa entre formação profissionalizante e emprego já nos finais da década de oitenta era questionada por Wilms (1988) e por Raffe (1988), quando demonstram que no processo de recrutamento e selecção os empresários mostram pouca tendência para valorizar as competências técnicas. Eles tendem a optar por jovens com competências sociais e individuais percepcionadas como fundamentais para se transformarem em bons trabalhadores, capazes de aprender. Esta mesma tendência é confirmada por um estudo mais recente realizado nos Estados Unidos e referido por Zemsky et alli (1998: 35). A hierarquização das características que os empresários privilegiam a partir das médias das respostas a um questionário é a seguinte: atitude (4,6), capacidade de comunicação (4,07), desempenho no emprego anterior (4,04), experiência de trabalho a tempo inteiro (3,75), nível de habilitação escolar (2,89), conciliação do emprego com os estudos e empregos durante as férias (2,62), curso de matriz profissionalizante (2,52), resultados escolares (2,47), actividades extra-curriculares (2,31), curso geral (2,30) e reputação do estabelecimento de ensino (2,00). Em contrapartida, os trabalhos de Gangl, (2003b) e de Velden e Wolbers (2003) demonstram que estas formações são particularmente eficazes contra o desemprego. 42 Esta descoincidência é confirmada por um estudo da OCDE, referido no Jornal Expresso, Caderno de Economia, de 8 de Maio de 2004 no qual se afirmava que o défice de qualificações académicas em Portugal era responsável por uma diminuição no crescimento do PIB de –1,2% entre 1979 e 1990, atribuindo parte das razões da baixa produtividade à criação de empregos muito orientada para trabalhadores com competências reduzidas e salários baixos. Estes dados colocam em evidência um modelo de especialização económica que, de acordo com a tipologia apresentada por Rodrigues (1991b), continua a construir as suas vantagens comparativas nos baixos custos da força de trabalho.

128

Por último, as medidas vocacionalistas da década de noventa e em particular

aquelas que apostam na diferenciação dos percursos ao nível da escolaridade básica, vêm

reforçar a deslocação do locus de discussão do conceito de igualdade de oportunidades do

universo educativo para o mundo do trabalho: a igualdade de oportunidades de sucesso

deixa de ser uma referência central da política educativa, sendo substituída pela igualdade

de oportunidades na obtenção de um emprego. Mas estas medidas são também criticadas

por Canário e Alves (2004: 53), pela tónica que colocam na institucionalização de percursos

diferenciados na escolaridade obrigatória, pela orientação precoce para formações

profissionalizantes e pela subordinação da política educativa a uma racionalidade económica

que não só acentua as desigualdades como também, acrescentamos nós, oculta o papel

destas modalidades nos processos de reprodução social.

Como seria de esperar, as políticas de inserção em vigor na década de oitenta não

se circunscrevem a uma intervenção junto do sistema de ensino. Elas contemplam também

medidas que se destinam a actuar sobre o sistema de emprego quer fomentando a aquisição

de experiência profissional a jovens desempregados43 quer através do lançamento de

programas de criação e manutenção de emprego44 quer, ainda, diminuindo o custo salarial

da mão-de-obra juvenil através da introdução de algumas “especificidades” ao salário

mínimo. Estas “especificidades”, como são designadas por Correia et alli (1992: 51),

destinam-se, segundo os autores, a criar condições propiciadoras do emprego dos jovens

através da redução do montante do salário mínimo45 e correspondem a uma transposição

para a sociedade portuguesa de uma das medidas mais emblemáticas das políticas

neoliberais levadas a cabo na Grã-Bretanha. 43 Inscrevem-se neste tipo de medidas o Programa IJOVIP (Inserção de jovens na vida profissional) destinado a desempregados candidatos ao primeiro emprego, com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos e habilitados, no mínimo, com a escolaridade obrigatória e que auferem uma remuneração equivalente ao salário mínimo; e o FIQ (formação e integração de quadros) que elege como público-alvo jovens diplomados do ensino secundário ou superior que se encontrem numa situação de desemprego (Correia et alli, 1992: 44-45). Estes dois programas foram, no final da década de noventa, substituídos pelo Plano Nacional de Estágios que se destina a promover a realização de estágios profissionais nas empresas. 44 Este conjunto de medidas, descrito por Correia et alli (1992: 45-46), contempla o apoio à contratação por tempo indeterminado de jovens com menos de 25 anos; o apoio ao artesanato destinado a jovens à procura do primeiro emprego e que se destina a contribuir para a criação e manutenção de empregos na actividade artesanal mediante a atribuição de subsídios ou de empréstimos sem juros; o programa de apoio à criação do próprio emprego (ACEP), que define como público-alvo os jovens entre os 18 e os 25 anos, e que consiste no apoio à elaboração do projecto e na atribuição de dois subsídios: um não reembolsável correspondente a doze vezes o salário mínimo e outro destinado à frequência de uma acção de formação em gestão; o apoio à criação de actividades independentes destinado a jovens à procura do primeiro emprego e que consiste num apoio financeiro a fundo perdido equivalente a doze vezes o salário mínimo; e, por último, as ILE (Iniciativas Locais de Emprego) que visam a criação de emprego por parte de candidatos ao primeiro emprego e de desempregados mediante a atribuição de um subsídio ou empréstimos sem juros. Esta última medida tem vindo a sofrer diversas transformações tendo passado de uma lógica de apoio à criação de emprego para uma lógica de apoio ao empreendedorismo, como defende Almeida (2005). 45 As reduções no montante do salário mínimo correspondem a 25%, no caso de trabalhadores com menos de 18 anos, e a 20% quando se trata de praticantes, aprendizes e estagiários com menos de 25 anos (Correia et alli, 1992: 51). Ao criar esta medida, o governo português, tal como britânico, está a aderir a uma explicação do desemprego juvenil que atribui ao elevado custo salarial da mão-de-obra juvenil, a principal causa desse desemprego.

129

Nos últimos anos, as políticas de inserção têm vindo a ser objecto de algumas

alterações sem que, contudo, se tenham modificado as áreas de intervenção privilegiadas: a

qualificação da mão-de-obra e o emprego. No que respeita ao aumento da qualificação da

mão-de-obra juvenil, a estratégia governamental46 vai no sentido de combater o abandono

escolar, em particular o que ocorre no ensino secundário, e de defender o reforço das

formações profissionalizantes inscritas quer no sistema educativo quer no sistema de

emprego47. A Iniciativa Novas Oportunidades é, desde os finais de 2005, o projecto

governamental mais emblemático de uma estratégia que atribui à formação o principal papel

no combate ao desemprego juvenil48. Já em termos de mercado de trabalho, o Plano

Nacional de Estágios surge como a medida de eleição para proporcionar a inserção da

população juvenil na vida activa, mas não é a única. A iniciativa INSERJOVEM49, o Programa

Prime Jovem50, o Programa de Estímulo à oferta de emprego51, as UNIVA52 e o Plano de

Acção para promover o emprego científico e qualificado são outras tantas medidas que

elegem como objectivo diminuir o desemprego juvenil e promover a criação de emprego, no

sector capitalista da economia. No entanto, o Plano de Acção para promover o emprego

científico e qualificado merece, em nosso entender, uma atenção especial dado que se trata

de uma medida exclusivamente vocacionada para os jovens desempregados, detentores de

um diploma do ensino superior, e que surge como a resposta política ao aumento do

desemprego destes diplomados, nos últimos anos. Se, do ponto de vista estritamente

económico, esta medida pode ser entendida como uma tentativa do Estado em recuperar o

46 Esta e outras estratégias estão definidas no Plano Nacional de Emprego para 2004, publicado no Diário da República de 18 de Janeiro de 2005. 47 As modalidades profissionalizantes inscritas no sistema educativo contemplam os cursos tecnológicos e profissionais, os currículos alternativos e os cursos de educação formação. A formação inscrita no sistema de emprego reporta-se ao Sistema de Aprendizagem, às acções de qualificação inicial e à aprendizagem tradicional. 48 Esta perspectiva que escamoteia a discussão sobre o presente modelo de acumulação capitalista é criticada por Canário (2006) num artigo recente. 49 A iniciativa INSERJOVEM, criada em 1998, é definida como uma metodologia de abordagem precoce do desemprego juvenil. Esta metodologia consiste no acompanhamento individualizado dos jovens inscritos nos centros de emprego, antes de completarem os seis meses de inscrição como desempregados, com vista à construção de perfis de inserção, de modo a viabilizar uma resposta adequada às necessidades individuais e potenciadora da efectiva integração no mercado de trabalho (Capucha e Paixão, 2000: 165). 50 O Programa Prime Jovem, criado em 2004, tem por objectivo fomentar a iniciativa empresarial de jovens entre os 18 e os 35 anos, apoiando projectos com um elevado potencial de inovação. 51 O Programa de estímulo à oferta de emprego contempla três linhas de intervenção: o apoio à criação de ILE, o apoio à criação do próprio emprego destinada a desempregados jovens e adultos, e que consiste no pagamento por inteiro das prestações de desemprego devidas, e os incentivos à conversão de contratos a termo em contratos sem termo e à promoção de actividades profissionais de acordo com as novas modalidades de organização do trabalho como o trabalho a tempo parcial, o teletrabalho e o trabalho ao domicílio. Curiosamente, esta última área de intervenção é reveladora de uma ambiguidade profunda no que respeita à forma como o governo aborda a questão da precariedade. Ao mesmo tempo, que incentiva a estabilidade, pelo menos formal do emprego, por outro, subsidia a precarização da relação salarial ao atribuir incentivos à contratação a tempo parcial e ao trabalho domiciliário. 52 As UNIVA (unidades de inserção na vida activa), sediadas maioritariamente nos estabelecimentos de ensino têm por objectivo desenvolver uma intervenção diferenciada e precoce sobre os desempregados jovens, à procura do primeiro emprego.

130

investimento realizado em capital humano, como diria Lindley (1996), ainda que para tal

tenha de proporcionar mais formação53 e suportar os custos do seu financiamento54, em

termos políticos ela corresponde, em nosso entender, a uma tentativa de repor uma

legitimidade que se vê ameaçada. Aplicando o raciocínio de Sérgio Grácio (1986) à situação

dos diplomados do ensino superior, somos tentados a admitir que o confronto entre as

expectativas criadas pelo ingresso nesta fileira do sistema educativo e a situação de

desemprego que enfrentam no final do curso está a criar um mal-estar social, uma frustração

entre os jovens, como argumenta Pais (2001), que pode conduzir a um questionamento da

legitimidade do Estado, como aconteceu nos finais da década de setenta e ao qual este se

procura antecipar. Mas, ao mesmo tempo, que procura responder ao desemprego dos

licenciados, o governo português tenta também intervir preventivamente junto dos

assalariados jovens, com baixos níveis de qualificação académica e profissional,

regulamentando o acesso à formação de menores contratados que não tenham concluído a

escolaridade obrigatória ou não possuam qualquer qualificação profissional55. À diversidade

de medidas destinadas ao sector capitalista da economia contrapõe-se o reduzido número

das vocacionadas para o mercado social de emprego. Com efeito, no Plano Nacional de

Emprego para 2004, apenas encontramos referência aos programas ocupacionais

destinados aos desempregados de longa duração e aos contratos de emprego-solidariedade,

cujo objectivo é permitir a aquisição de hábitos de trabalho, a valorização pessoal e

profissional e a integração social de jovens desempregados em risco de exclusão. Em suma,

as políticas de inserção em Portugal baseiam-se em três interpretações distintas para o

desemprego juvenil: uma que o atribui a um défice de qualificação da mão-de-obra juvenil e

que legitima as medidas vocacionalistas que têm caracterizado a política educativa nas

últimas décadas; outra que o explica através do custo tido como excessivo dos trabalhadores

jovens e que está na origem das medidas que se destinam a diminuir os encargos salariais

das empresas com esta categoria de assalariados; e uma terceira que tem subjacente a ideia

de que a diminuição do desemprego passa por incentivos à criação do próprio emprego.

53 As medidas contempladas neste plano compreendem: a requalificação de titulares de curso superior em áreas estratégicas, que correspondam às exigências resultantes da evolução da sociedade do conhecimento, e às necessidades emergentes da formação ao longo da vida; cursos de especialização complementar (nível V) e complementar avançada (nível VI) bem como incentivos à inserção de doutores no tecido empresarial. 54 O Estado não só financia as universidades que oferecem estes custos como atribui uma bolsa de formação no montante de 400 euros mensais. 55 Esta formação é assegurada pela entidade patronal, no caso de se destinar a obter uma qualificação profissional e/ou pelo IEFP no caso de conferir uma certificação escolar, não podendo a sua duração ser inferior a mil horas. Contempla ainda atribuição de uma compensação monetária ao empresário pelos custos da formação do jovem e, a este último, com o intuito de compensar a redução do respectivo salário.

131

Concluído que está o roteiro das políticas de inserção levadas a cabo nos países que

seleccionámos, fica-nos a ideia de que todas elas têm em comum uma concepção específica

de juventude: a de uma juventude deficitária, como a designa Pascual (1999: 63). Afirma a

autora que as medidas de inserção têm contribuído para a (re)produção de uma imagem da

juventude em termos deficitários. Os jovens com maiores dificuldades de inserção

profissional são aqueles a quem falta formação, ética de trabalho, motivação e projecto, sem

que nunca se ponha a questão de que o que falta verdadeiramente são empregos, como

numerosos autores não se cansam de assinalar (Lefresne, 2003, Finn, 1989, Beck, 2001,

Roberts, 1995, Castel, 1999, Canário, 2006). Mas esta concepção de juventude tem também

outras implicações: ela responsabiliza individualmente os jovens pelas suas dificuldades de

inserção profissional, deslocando a solução de um problema que é de natureza económica

para a esfera individual; e está na origem do que Cachón e Lefresne (1999: 73) afirmam ser

a eleição da escolarização como o principal elemento das políticas de emprego europeias.

Se a juventude deficitária é a concepção dominante, ela é acompanhada de perto

pela ideia da juventude em perigo: em perigo, porque está afastada do acesso ao emprego;

em perigo, porque corre riscos de iniciar um processo que conduz à exclusão social; em

perigo, porque é “inempregável” como diria Ebersold (2001); em perigo, porque em risco de

deixar de acreditar na legitimidade do Estado. Com efeito, basta determo-nos sobre os

atributos dos beneficiários da maior parte dos dispositivos para percebemos que eles se

destinam, maioritariamente, às fracções da população juvenil mais “desmunidas” e que,

portanto, correm maiores perigos, porque abandonaram a escola depois de cumprida a

escolaridade obrigatória, como acontece com os jovens ingleses e portugueses; porque não

concluíram o ensino secundário como é o caso dos franceses e dos suecos; porque não

possuem uma qualificação profissional como se verifica nos jovens germânicos. No entanto,

o exemplo mais paradigmático desta concepção, encontrámo-lo na sociedade francesa e no

processo de categorização de que são alvo estes públicos. “Jovens em risco” e “jovens em

dificuldade” são, nesta perspectiva, as duas designações que, de uma forma inequívoca,

melhor espelham a concepção de uma juventude em perigo. Menos difundida do que as

anteriores, a ideia de uma juventude perigosa, particularmente presente na sociedade

inglesa, está na origem da extinção do subsídio de desemprego para os jovens britânicos,

acusados de trocarem o trabalho pelo desemprego, e está subjacente ao lançamento de

ofertas de formação que se destinam a retirar os jovens da rua, como refere Finn (1989:

132

119). Porém, esta concepção encontra também eco na sociedade francesa na qual, segundo

Rose (1998: 117), a criação de alguns dispositivos na década de setenta elegiam como

objectivo combater a ociosidade de uma parte da população juvenil.

Ao mesmo tempo que as políticas de inserção têm subjacente diferentes concepções

de juventude, elas são também marcadas por entendimentos distintos quanto às causas do

desemprego juvenil, unanimemente considerado, pela classe política dos países europeus,

como o principal problema que afecta a inserção profissional dos jovens56. A atribuição da

explicação do fenómeno do desemprego a diferentes razões, nem sempre teoricamente

compatíveis, está na origem da diversidade de medidas e de dispositivos criados nalguns

dos países analisados. No quadro do pensamento económico neoclássico, e excluindo a

teoria da procura de emprego (Stigler, 1962 e Mac Call, 1970)57, o desemprego é explicado a

partir de três causas distintas enunciadas por Rose (1998: 109-110): insuficiência ou

inadequação da mão-de-obra juvenil; elevado custo desta categoria de trabalhadores;

diminuição do volume de emprego em virtude de um menor dinamismo económico58. Aceitar

esta última explicação é aceitar que a questão do emprego, ou da sua falta, é uma questão

global, como defende Rose, que exige não uma intervenção sobre as pessoas, mas antes o

desenvolvimento de políticas económicas e fiscais que tenham por objectivo o relançamento

da economia e a criação de emprego, em particular no sector público, propõe Rose (1998),

principalmente no privado, defende (Gaude, 1997). Esta não é, todavia, uma opção fácil de

concretizar: a globalização económica, por um lado, a redução da autonomia relativa dos

Estados-Nação europeus na definição das suas políticas nacionais, por outro, e os limites

impostos à dívida pública são alguns factores que, no presente, limitam o campo de

intervenção dos governos nacionais. É à luz desta interpretação do desemprego e dos

condicionalismos impostos pela crescente integração económica e política a nível supra-

nacional que se compreende a estratégia sueca de criação de empregos no sector público,

posteriormente abandonada, e os incentivos do governo português, mas principalmente os

56 Já, do ponto de vista científico, o problema da inserção profissional assume contornos diferentes. Se na Grã-Bretanha, na Espanha e na Itália existe um consenso na identificação do desemprego como o principal problema que afecta a transição da escola para o trabalho, nos Estados-Unidos a principal questão foi, até recentemente, colocada em termos salariais, na França, as opiniões começam a dividir-se entre os que consideram o desemprego como o maior problema e os que colocam a tónica na precariedade. Em Portugal, os resultados dos estudos realizados apontam para que o maior problema dos jovens é mais a precariedade do que o desemprego. 57 A exclusão destas teorias deve-se ao facto de ambas considerarem o desemprego como voluntário, a primeira explicitamente, a segunda, implicitamente. 58 Curiosamente, não encontrámos, em nenhum dos autores consultados, uma teorização sobre a relação entre precarização da relação salarial e desemprego. É certo que ela é referida como uma constatação de facto, mas não se constitui num objecto de reflexão.

133

do francês, à criação de empregos no sector não capitalista da economia, mas cujos efeitos

em termos de aumento do volume de emprego se têm mostrado bastante reduzidos

(Eyssartier e Gautié, 1996).

Mais complexa é, sem dúvida, a explicação que atribui à falta de formação da

população juvenil a causa do desemprego. Como se pode falar de falta de formação se

nunca, como actualmente, os jovens foram detentores de níveis de qualificação académica

tão elevados? Como explicar a maior incidência do desemprego na população juvenil quando

esta é mais escolarizada do que a adulta? A resposta à primeira pergunta já a referimos

várias vezes: mais do que um problema de formação, o desemprego é um problema que

resulta, fundamentalmente, de escassez de empregos disponíveis. Porquê, então, continuar

a insistir na falta de formação, como fazem os responsáveis políticos? Finn (1989: 113)

responde-nos parcialmente a esta questão. Mesmo que possuíssem as competências

“adequadas”, argumenta o autor, não existem empregos disponíveis para todos os jovens. A

questão fundamental que se coloca é que o desemprego juvenil tem de ser tratado como um

problema educativo e não como um problema de emprego, por uma razão política: não

podendo mudar a organização do trabalho das empresas nem intervir directamente na

criação de emprego, aos governos pouco mais lhes resta do que actuar sobre uma área da

sua estrita responsabilidade - a área educativa. No entanto, a aposta na formação dos jovens

cumpre duas finalidades que não podem deixar de ser referidas. Ela constitui-se, do ponto de

vista político, numa forma de diminuir as taxas de desemprego juvenil (Criado, 1999, Ryan,

2001, Lefresne, 2003), transformando a escola no parque de estacionamento do

desemprego, como lhe chama Pais (2001), ou em sala de espera, como a designa Roberts

(1995), onde os jovens aguardam por melhores oportunidades para acederem aos empregos

disponíveis, evitando o estigma de percursos profissionais marcados por situações de

desemprego prolongado59. Simultaneamente, a aposta na formação é a uma solução

cientificamente legitimada, para responder à maior incidência do desemprego entre os jovens

portadores de baixos níveis de qualificação académica e profissional. Com efeito, quer a

teoria do capital humano (Schultz, 1961, Becker, 1964) quer as teorias credencialistas como

a do sinal (Spence, 1973), do filtro na versão original (Arrow, 1973) ou na variante da teoria

da concorrência no acesso ao emprego proposta por Thurow (1974, 1975), colocam a tónica

59 Giret (2000: 21), na mesma linha de argumentação, defende que os empresários escolhem preferencialmente os indivíduos com menor tempo de desemprego, uma vez que longos períodos de desemprego são sinónimo de uma depreciação das qualificações e são percepcionados como uma falta de dinamismo na procura de emprego.

134

na formação enquanto critério de selecção quer porque ela é percepcionada como um

indicador da produtividade dos candidatos ao emprego quer porque permite estimar os

custos de formação que a empresa terá de suportar com o novo trabalhador. Embora a teoria

do capital humano não discuta o acesso ao emprego, mas sim as diferenças salariais como

decorre do trabalho de Becker (1964) ou a relação entre nível de qualificação, produtividade

individual e crescimento económico (Schultz, 1961), ela é uma referência omnipresente

quando se enfatiza a importância de aumentar as qualificações da população juvenil (Rose,

2003). Já as outras propostas teóricas, ao analisarem não as decisões de investimento

individual em capital humano e a sua rentabilidade individual e colectiva, mas sim o papel

que a formação desempenha nos processos de recrutamento das empresas permitem, em

nosso entender, compreender de uma forma mais precisa a maior vulnerabilidade dos jovens

menos qualificados ao desemprego. Para a teoria do sinal desenvolvida por Spence (1973),

o empresário não conhece a produtividade individual dos candidatos ao emprego. No

entanto, com base em sinais, como o diploma ou a experiência anterior, e em indícios, como

o sexo ou a etnia, e a partir da sua experiência de recrutamentos anteriores, ele é capaz de

estabelecer uma relação entre indícios, sinais e produtividade individual. Nesta perspectiva,

o diploma é percepcionado como um factor de redução da incerteza quanto à qualidade da

mão-de-obra, exercendo o efeito de um sinal relativamente às capacidades individuais:

quanto mais elevado é o nível de qualificação, maiores são as suas capacidades. Assim, o

empresário tende a preferir os candidatos mais capazes, logo os detentores de qualificações

escolares mais elevadas.

A teoria do filtro, desenvolvida por Arrow (1973)60, rejeita alguns dos postulados

defendidos pela teoria do capital humano e pela teoria do sinal. No primeiro caso, afirma que

a educação não contribui para o crescimento económico; no segundo, sustenta que o

empresário possui uma boa informação estatística sobre a produtividade associada a um

dado diploma. Qual é então o papel da formação? O de um filtro que permite ordenar os

indivíduos de acordo com as suas capacidades, assumindo a escola um papel de dupla

selecção: ela selecciona à entrada, por via do estabelecimento de uma nota mínima ou de

numerus clausus; ela selecciona à saída, quando atribui ou não um diploma. Ao ser o

resultado de uma dupla filtragem, a obtenção de um diploma garante ao empresário um nível

60 A análise desenvolvida por Arrow (1973) centra-se sobre a formação de nível universitário, mas Giret (2006: 86) propõe a sua extensão a toda a educação pós-obrigatória.

135

mínimo de inteligência e de capacidades por parte do seu detentor61, embora a sua

adequação às exigências específicas do emprego só possa ser avaliada no exercício

concreto da actividade profissional. Contudo, um dos aspectos mais interessantes desta

proposta reside no facto de Arrow (1973: 215) afirmar que um aumento do número de

diplomados com níveis de escolaridade mais elevados vai contribuir para a depreciação dos

menos qualificados, o que explicaria, embora o autor não o refira, a sua maior taxa de

desemprego.

A teoria da concorrência pelo emprego, desenvolvida por Thurow (1975), repousa

sobre dois postulados fundamentais. Um desses postulados defende que a produtividade

está associada ao emprego e não ao trabalhador, pelo que este necessita sempre de ser

formado pela empresa para ocupar esse mesmo emprego; o outro sustenta que os

empresários recrutam os trabalhadores, não em função de uma determinada produtividade

esperada, mas sim na sua capacidade para serem formados. Como o empresário

desconhece à partida as capacidades formativas dos indivíduos, o diploma surge como um

sinal dessa capacidade e permite estimar os custos associados a essa formação62. Com

base nestas informações, os empresários hierarquizam os candidatos ao emprego que se

distribuem por uma “fila de espera”, encabeçada por aqueles cujos custos de formação são

mais reduzidos e que são, em geral, os que possuem qualificações mais elevadas. No

entanto, como Thurow (1975: 86) faz questão de salientar, nem sempre os primeiros lugares

na fila são ocupados pelos candidatos mais escolarizados, uma vez que os critérios por que

se rege a constituição da fila dependem das características dos empregos disponíveis. Mas,

se é verdade que não existe uma norma universal para a constituição da fila de espera, é

igualmente verdade que os jovens menos qualificados são aqueles que, maioritariamente,

ocupam os últimos lugares quando não são mesmo dela excluídos. Assim, permitir a estes

jovens aumentar as respectivas qualificações é, em teoria, dar-lhes uma oportunidade de se

reposicionarem na fila de espera e de aumentarem as suas possibilidades de acederem aos

empregos disponíveis.

Todas estas teorias, ao objectivarem o papel da formação nos processos de

recrutamento e selecção, são um contributo importante para perceber a marginalização dos

61 Os estudos realizados em França por Martinelli e Vergnies (1999) e por Martinelli et alli (1997) demonstram que os diplomados do ensino superior que acedem a cursos onde a selecção à entrada é mais rigorosa são os que têm mais facilidade de acesso ao emprego, confirmando a tese de Arrow (1973). 62 Estes custos de formação correspondem, segundo Thurow (1975), aos custos de aprendizagem das normas industriais, dos hábitos de trabalho como a assiduidade e a pontualidade ou ainda os custos associados à incerteza que resulta na impossibilidade de calcular com total precisão os custos de formação do novo trabalhador.

136

jovens menos qualificados no mercado de trabalho; constituem-se em elementos

legitimadores da aposta que os vários governos têm feito na criação de dispositivos

destinados a aumentar a qualificação escolar e profissional dos jovens e, em particular, dos

menos qualificados e permitem compreender o investimento individual em capital humano63.

Porém, as políticas públicas que elegem como objectivo o aumento dos níveis de formação

da população juvenil e as estratégias individuais que as alimentam são geradoras de efeitos

perversos: a desvalorização dos diplomas que, em virtude do aumento da oferta, vêem

diminuir o seu valor de troca no mercado de trabalho64, por um lado; a desclassificação, se

utilizarmos a terminologia francesa, ou a sobrequalificação, se optarmos pela designação

anglo-saxónica.

Este fenómeno, que é o resultado do efeito conjugado das estratégias dos

empresários65 e das dos candidatos ao emprego que, num contexto de taxas de desemprego

elevadas, aceitam, como defende Thurow (1975: 85), empregos e salários que numa outra

conjuntura económica teriam recusado, tem como consequência uma desclassificação geral

da mão-de-obra e o aumento das dificuldades de acesso ao emprego dos indivíduos que se

situam no fundo da fila os quais, independentemente do seu nível de formação em termos

absolutos, são os menos qualificados em termos relativos. Sem querermos pôr em causa a

importância individual e colectiva do investimento na educação/formação, este é o

argumento que nos faltava para questionarmos o carácter paliativo das políticas de inserção

que elegem como elemento constitutivo o aumento da escolarização e da qualificação da

população juvenil. Com efeito, por maior que seja este aumento ele não esbate a

hierarquização dos diplomas e o acesso diferenciado ao emprego que eles sancionam.

Neste sentido, e principalmente em períodos de crise económica, os candidatos que ocupam

os últimos lugares nas filas de espera, qualquer que seja o nível de formação, serão sempre

63 Este investimento, que no quadro da teoria do capital humano tem por base uma análise de custo-benefício, tem por objectivo aumentar a produtividade individual que se reflecte nos salários auferidos. No quadro da teoria do sinal, investir na formação corresponde a melhorar o sinal emitido pelo diploma, aumentando as possibilidades de recrutamento. Para a teoria da concorrência pelo emprego investir na formação é assegurar uma melhor posição na fila de espera pelo emprego. 64 Baudelot e Glaude (1989), por exemplo, verificam uma diminuição no rendimento dos diplomas. Um terço dessa diminuição é explicado por uma maior rigidez na hierarquia dos salários e os restantes dois terços pela concorrência provocada pelo aumento do número de diplomados. Aliás, o aumento da procura para fazer face a esta desvalorização gera um fenómeno que Dubet (1996b: 502) apelida de ciclo perverso inflacionista. No entanto, Béduwé e Germe (2004: 10) falam de uma estabilização da procura de educação pelas gerações nascidas entre 1978-1982 e defendem que ela será, muito provavelmente, durável. A verificar-se tal facto, é de admitir que o ciclo inflacionista possa vir a alterar-se. 65 Rawlis e Ullman (1974) demonstram que o crescimento dos diplomados, do ensino secundário nos Estados Unidos, aumentou o número de candidatos aos empregos fazendo disparar os custos dos processos de recrutamento e selecção. Para minimizar esses custos, os empresários aumentaram o nível de qualificação exigido o que despoletou um processo de inflação dos diplomas e que vem penalizar, como já vimos, todos os que não possuem o ensino secundário (Zemsky et alli, 1998, Lewis et alli, 1998).

137

os mais penalizados e aqueles entre os quais as taxas de desemprego serão,

tendencialmente, mais elevadas.

Estando nós a discutir a interpretação que atribui o desemprego juvenil à falta de

formação, falta-nos ainda responder a uma outra interrogação: Como explicar a maior taxa

de desemprego juvenil, se os jovens são mais qualificados do que os trabalhadores adultos?

A resposta reside na experiência profissional ou, neste caso, na sua ausência. Como afirma

Giret (2000: 85), a experiência adquirida no mercado de trabalho é um indicador não

negligenciável das capacidades dos candidatos ao emprego e a sua ausência é

particularmente penalizadora para os recém saídos do sistema educativo. Para a teoria do

capital humano (Becker, 1964), a produtividade individual é o resultado da formação escolar

e da formação no emprego resultante da experiência ou da formação contínua; para a teoria

do sinal, a experiência é um sinal que, em conjunto com o diploma, permite avaliar as

capacidades individuais dos candidatos ao emprego; para a teoria da concorrência pelo

emprego, a experiência é um atributo individual que, em conjunto com o diploma, permite

reduzir os custos de formação.

Mas como definir, afinal, experiência profissional? Distanciando-se da forma como

ela é entendida pelos economistas, que a associam à antiguidade no mercado de trabalho,

Grasser e Rose (2000: 5) afirmam que a experiência profissional é constituída por três tipos

de elementos: os elementos cognitivos que englobam os saberes e os saberes-fazer,

adquiridos através do exercício da actividade, e que participam na construção da

competência individual; os elementos económicos, como a aprendizagem dos

constrangimentos decorrentes dos processos e dos modelos de organização do trabalho, e

os de socialização no contexto de trabalho, que integram o domínio das regras que

estruturam as relações com as hierarquias e a organização do trabalho. Contudo, a

experiência profissional não se circunscreve apenas ao trabalho, ela é também uma

experiência de emprego que, como afirmam os autores (Grasser e Rose, 2000: 6), se traduz

numa experiência da condição salarial, da profissão e do estatuto. Por tudo isto, a

experiência é a expressão de um processo e não uma qualidade intrínseca, definitivamente

adquirida ou totalmente ausente (Grasser e Rose, 2000: 11). Processo esse que se inicia

durante o percurso escolar66, que assume uma importância fundamental nos primeiros anos

66 Embora presente em qualquer itinerário escolar, a aquisição de experiência está mais formalizada nas modalidades de educação que privilegiam a formação em alternância, como argumentam Grasser e Rose (2000:10), na medida em que este tipo

138

da vida activa e que se prolonga durante toda a trajectória profissional. Construída de

múltiplos modos67, e assumindo diferentes funções ao longo da trajectória profissional dos

indivíduos68, a experiência profissional é, para os jovens em inserção, um elemento não só

importante para escapar ao desemprego, mas também para aceder a empregos estáveis,

como defendem Nicole Drancourt e Roulleau-Berger (2001) e vários estudos empíricos têm

demonstrado (Nicole-Drancourt, 1991, 1992, Pottier, 1992, Schomann, 1995, Lochet, 1997,

Grelet, 1997, Giret, 2000). É, precisamente, porque a experiência profissional é um elemento

importante no acesso ao emprego, e porque as empresas se recusam a custear este período

de inserção69, como lhe chama Vernières (1997: 13), que os governos têm vindo a apostar,

por um lado, nos dispositivos de formação em alternância e, por outro, em medidas que se

destinam a proporcionar aos jovens uma experiência profissional, como é o caso dos

estágios. Todavia, é também a esta luz que se pode compreender as medidas de

flexibilização do emprego apresentadas, expressamente, quer em Portugal quer em Espanha

(Espejo, Gutiérrez e Ibánez, 1999, Iannelli e Soro-Bonmatí, 2003) como uma forma de

combater o desemprego, mas utilizadas também noutros países, como na Suécia, aquando

da criação dos empregos em part-time no sector público ou em França, com os empregos

temporários no sector da economia não capitalista. Aliás, como afirma Giret (2000: 120) as

medidas destinadas aos jovens, como os empregos precários, o trabalho a tempo parcial ou

de formação permite a experiência das condições de trabalho e a integração no colectivo de trabalho, torna operativos os conhecimentos teóricos obtidos e reduz o tempo de adaptação ao emprego. 67 Grasser e Rose (2000: 14) defendem que a aquisição da experiência profissional se adquire de vários modos: através da mobilidade interna dentro de um grupo económico, como acontece com os quadros; através da mobilidade voluntária entre empresas e/ou sectores de actividade, através da mobilidade involuntária decorrente das formas atípicas de emprego; através da mobilidade interna na empresa; ou através da participação em dispositivos de emprego-formação destinados a facilitar a inserção profissional dos jovens. 68 Esta ideia é defendida por Vincens (1999 cit in Giret, 2000:119). Dessas várias funções, Giret (2000: 119) retém as três que considera serem mais pertinentes para compreender a inserção dos jovens: a experiência integrativa, a experiência produtiva e a experiência qualificativa. A primeira, adquirida pelos jovens no início da vida activa, contempla uma componente social (assiduidade, pontualidade, integração numa equipa) e uma outra técnica (adaptação ao emprego e à norma de produtividade). De um modo geral, os empresários, na medida em que procuram reduzir o tempo e os custos de adaptação ao emprego, preferem recrutar jovens que já possuem este tipo de experiência que não é substituível por um diploma de formação geral. A experiência produtiva é adquirida através do exercício do trabalho e corresponde ao acréscimo de produtividade que esse exercício proporciona. Este tipo de experiência está associado a um tipo específico de emprego e pode dar origem a aumentos salariais. Ela é tanto mais valorizada quanto é passível de ser transferido para uma outra empresa. A experiência qualificativa está associada à hierarquia dos empregos e dos salários e prende-se com a antiguidade. É este tipo de experiência que qualifica os indivíduos para as promoções ou para aumentos salariais, de acordo ou com as regras vigentes na empresa, com os contratos colectivos de trabalho ou com a simples vontade da entidade patronal. 69 Até aos anos setenta, a aquisição de experiência profissional era assegurada pela empresas que a internalizavam por via da formação no posto de trabalho (Vernières, 1997, Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2001). No entanto, embora em muito menor número, continuam ainda a existir empresas que desempenham esta função. Giret (200:121) designa-as por empresas “introdutoras”. Estas empresas, em virtude dos baixos salários que pagam, são obrigadas a recrutar uma mão-de-obra pouco qualificada à qual ministram formação mesmo correndo o risco de não a conseguirem manter.

139

temporário, são estratégias com custos reduzidos para os empresários e que permitem à

população juvenil adquirir experiência profissional70.

A última interpretação do desemprego juvenil atribui-o ao elevado custo da mão-de-

obra juvenil. Este raciocínio assenta em vários pressupostos. Um desses pressupostos que

decorre da teoria do capital humano é o de que esses custos são elevados, porque estão

acima da produtividade dos jovens, como refere Rose (1998: 113). Um outro pressuposto,

também ele derivado da teoria do capital humano, é o de que a formação que um

determinado emprego proporciona tem um custo que só deve ser totalmente suportado pela

empresa no caso dos trabalhadores possuírem formação específica. Caso contrário, esses

custos devem ser suportados pelos indivíduos, aceitando auferir salários mais baixos ou

comparticipados pelo Estado (Giret, 2000: 42-43). Não obstante, Giret (2000: 141) afirma

também que, no actual contexto e independentemente do tipo de diploma, as empresas se

mostram cada vez menos disponíveis para suportar os custos da formação dos jovens

trabalhadores71. Não é, pois, de estranhar que alguns governos, como o português e o

francês, apostem na criação de medidas que se destinam a reduzir os custos salariais com a

mão-de-obra juvenil72 quer suportando directamente parte desses custos quer isentando as

empresas das quotizações sociais quer ainda excluindo os jovens do salário mínimo, como

fez o governo britânico, criando um salário mínimo para jovens, como foi a opção dos

governos espanhol (Espejo, Gutiérrez e Ibánez, 1999) e francês (Gaude, 1997), ou

estipulando reduções nos salários para determinadas categorias de mão-de-obra juvenil,

70 Mas elas têm também uma outra função. A teoria do job matching proposta por Jovanovic (1979) atribui uma função específica ao turnover para o qual as formas atípicas de emprego e os dispositivos de emprego-formação actualmente contribuem. Janovic (1979: 974) parte de dois postulados. O primeiro aceita que, para os trabalhadores, os empregos proporcionam diferentes produtividades, enquanto que os empresários são confrontados com diferentes produtividades individuais. O segundo postula que a informação é imperfeita: nem os empresários conhecem a produtividade individual de cada candidato ao emprego nem os candidatos conhecem a priori as condições de trabalho dos empregos a que concorrem. A única forma de reduzir esta incerteza é, defende Janovic, o trabalhador ocupar o emprego durante um certo período que funciona como um período experimental e que serve para ambas as partes rectificarem a sua decisão. Nesta perspectiva, as formas atípicas de emprego e os dispositivos de emprego-formação podem cumprir este objectivo, com a vantagem de reduzir os custos salariais para os empresários, elemento que não era tido em conta na análise de Janovic. As maiores críticas feitas a esta teoria são apresentadas por Lefresne (2003: 40) e residem no facto de ela não ter em conta que os comportamentos são influenciados pelo volume de emprego nem que, actualmente, a mobilidade voluntária, implícita nesta teoria, tem uma dimensão francamente residual. Apesar das críticas, esta teoria continua a encontrar adesão junto de alguns economistas, como é o caso de Verdier (1996). Afirma este autor (Verdier, 1996: 48-49) que as formas atípicas de emprego «não constituem apenas um meio de ajustar suavemente os efectivos às variações da procura, elas são também um meio de seleccionar mais eficazmente os candidatos aos empregos permanentes. Os contratos a termo, sejam ou não subsidiados pelos poderes públicos, oferecem a possibilidade de avaliar com mais precisão as qualidades da mão-de-obra juvenil, antes de lhe abrir o acesso aos mercados internos». 71 Esta é precisamente uma das razões avançadas por Nicole-Drancourt e Rolleau-Berger (2001) para explicar o desaparecimento dos “espaços de trabalho reservados” e a sua substituição pelos “espaços de empregos específicos” e que mais não são do que espaços de socialização profissional, de formação e de aquisição de experiência profissional. 72 Estas medidas podem ser de dois tipos como propõem (Gautié, Gazier e Silvera, 1994 cit in Gaude, 1997: 32): subsídios puros à contratação sem contrapartida de formação e mistos, quando contemplam apoios aos salários em troca de formação ministrada na empresa, como é o caso das formações em alternância.

140

como se verificou em Portugal e França, fazendo recair parte dos custos associados à

formação sobre os próprios jovens.

A multiplicidade de medidas e de dispositivos criados nas últimas décadas para

facilitar a inserção profissional da população juvenil, mesmo nos países onde as políticas

neoliberais foram levadas mais longe, como é o caso da Grã-Bretanha e dos Estados

Unidos, são o reflexo da aceitação, por parte dos Estados, de que os processos de inserção

profissional não podem continuar a permanecer sobre a alçada das leis do mercado.

Independentemente dos moldes em que ocorre a intervenção dos poderes públicos na

gestão da transição para a vida activa, mais estruturada como se verifica na sociedade

francesa, dando mesmo origem à constituição de um sistema de transição profissional como

Rose (1996) preconiza, mais conjuntural como encontramos na Suécia, há uma última

interrogação que se nos coloca: Quais são as consequências dos dispositivos de regulação

da inserção profissional sobre a população juvenil?

A primeira consequência é, sem dúvida, o aumento dos percursos formativos,

resultado do efeito conjugado da maior oferta pública de educação/formação e de uma

procura social acrescida. Se do ponto de vista dos poderes públicos, a oferta do sistema de

educação/formação surge, cada vez mais, como uma alternativa ao desemprego, como

defendem Méron e Minni (1995) ou como o principal instrumento da política de emprego, se

utilizarmos as palavras de Cachón e Lefresne (1999), já, quando nos colocamos do lado da

procura, as lógicas parecem ser mais diversificadas. Com efeito, a procura optimista da

educação que esteve na origem do crescimento dos sistemas educativos do pós-guerra, tem

vindo a dar lugar a uma procura desencantada ou mesmo a uma procura obrigada, quando

ela é o resultado de uma imposição dos poderes públicos aos jovens oficialmente

reconhecidos como desempregados73, e detentores de reduzidas qualificações escolares e

profissionais. Ora, a procura desencantada, aquela que já não acredita que o diploma abre

automaticamente as portas para o maravilhoso reino dos empregos bem remunerados e

estáveis e para a qual a educação é, como sustenta Thurow (1975: 97), uma necessidade

defensiva é, em nosso entender, alimentada por várias lógicas. Num contexto de inflação e

desvalorização dos diplomas, uma dessas lógicas consiste em aumentar os investimentos

73 Para que sejam reconhecidos como desempregados, condição para beneficiar da maior parte dos dispositivos de emprego-formação, os jovens têm de estar inscritos nas agências/centro de emprego. Ora esta inscrição é, no plano simbólico, um processo complexo como se depreende das palavras de Demazière (1995: 12) quando afirma que esse acto: «implica o reconhecimento da qualidade de desempregado, supõe uma categorização e significa a codificação de uma situação numa forma institucional».

141

escolares para resistir aos efeitos da desclassificação social. A lógica de resistência à

desclassificação social corresponde então ao que, já nos finais dos anos setenta, Bourdieu

(1978: 3) identificava como o prolongamento das trajectórias escolares, com vista à

manutenção da raridade relativa dos títulos e da posição ocupada na estrutura de classes ou

o que Boudon (1973: 215-216), num outro paradigma teórico, dizia ser o preço mais elevado

que os indivíduos têm de pagar, por um bem de valor constante e que mais não é do que as

esperanças sociais. A esta lógica de carácter defensivo acresce uma outra. A lógica da fuga

ao desemprego é, talvez, o exemplo mais paradigmático da procura desencantada de

educação e aquela que é subscrita por um maior número de autores (Raffe, 1988, Brown,

1987b, Roberts, 1995, Nicole-Drancourt, 1991, Rose, 1998, Lindley, 1996, Verdier, 1996) e

sustentada por alguns estudos empíricos realizados por economistas (Pissarides, 1982,

Kodde, 1985), Béduwé e Germe (2003)74. A lógica da fuga ao desemprego assenta na ideia

de que o prolongamento dos percursos escolares é preferível ao desemprego. Confrontados

com elevadas taxas de desemprego, os jovens e as famílias tenderão a ver na escola uma

alternativa ao desemprego, optando pela condição de estudante em detrimento da de

desempregado. No entanto, este comportamento é passível de várias leituras. Para uns, a

permanência na escola mais não será do que um compasso de espera enquanto aguardam

por melhores oportunidades para iniciarem a sua inserção na vida activa. Auto-excluídos do

mercado de trabalho, e certamente relegados para fileiras desvalorizadas dos sistemas de

educação/formação, são eles que em grande medida engrossam o contingente dos alunos

“desmotivados”, daqueles que os professores já não conseguem motivar com as vantagens

dos diplomas ou com a ameaça do desemprego, porque os primeiros já não são garantia de

integração (Dubet, 1996b: 502) e o desemprego faz com que escola não tenha sentido

(Roberts, 1984: 51). Para estes jovens, ela é a sala de espera, a que se refere Roberts

(1995), e da qual sairão na primeira oportunidade. Outros, movidos por um comportamento

mais estratégico, tenderão a aproveitar a diminuição dos custos de oportunidade dos estudos

decorrentes do aumento do desemprego para investir deliberadamente no aumento das suas

qualificações, como defende Verdier (1996: 48). Para estes jovens, que revertem uma

situação à partida desvantajosa numa outra da qual irão beneficiar, o diploma eventualmente

obtido irá funcionar como uma espécie de seguro contra as incertezas (Béduwé e Espinasse,

1995), como uma protecção contra o desemprego, como um sinal que aumenta as suas

74 Ambos os estudos demonstram que existe uma relação entre o aumento da taxa de desemprego e o aumento da procura de educação.

142

probabilidades de emprego, como diria Spence (1973), como o elemento que permite

melhorar a posição na fila de espera no acesso ao emprego, se nos situarmos no quadro

analítico da teoria da concorrência (Thurow, 1975). Para outros ainda, a permanência na

escola é, numa conjuntura de contracção do emprego, uma estratégia para manter as

expectativas quanto ao futuro profissional, mas mais do que isso, afirma Furlong (1987: 63),

é uma forma de manter a auto-estima e a imagem de si que foram construindo.

Uma segunda consequência dos dispositivos de emprego-formação consiste na

individualização dos processos de inserção, conceito predominantemente utilizado pelos

autores ingleses e alemães, ou na fragmentação desses mesmos percursos como preferem

os autores de língua francesa. Qualquer que seja a terminologia adoptada, a ideia que lhe

está subjacente é a de que as transições lineares da escola para o trabalho são agora

mediadas pela passagem, muitas vezes recorrente, por estes dispositivos75 fazendo emergir

uma pluralidade de estatutos intermédios, como demonstram vários estudos realizados. A

tradicional substituição da condição de estudante pela de activo empregado, ou

desempregado, dá agora lugar à assunção de um conjunto de estatutos: formandos,

estagiários ou tão só beneficiários da medida X ou Y. Mas estes dispositivos contribuem

também para a ambiguidade estatutária dos jovens no mercado de trabalho, como vários

autores têm chamado a atenção (Finn, 1989, Bell e Howieson, 1988, Cachón e Lefresne,

1999). No caso dos formandos que participam em modalidades de formação em alternância,

inscritas no mercado de emprego76, ou estão abrangidos pelo que Nicole-Drancourt e

Roulleau-Berger (2002) apelidam de contratos de trabalho em alternância77, eles situam-se

numa espécie de limbo entre o exercício de uma actividade profissional, quando estão na

empresa e o desempenho do ofício de aluno quando estão no estabelecimento de

ensino/formação78. Um outro exemplo desta ambiguidade, é-nos relatado por Cachón e

Lefresne (1999: 79) quando, dando o exemplo de uma medida lançada na Suécia no início

dos anos noventa, afirma que os jovens por ela abrangidos assumem um estatuto entre

formandos em formação na empresa e desempregados, já que recebem o subsídio de

75 Na Alemanha cerca de 70% dos jovens passa pelo Sistema Dual (Cachón e Lefresne, 1999, Gaude, 1997). Em França, mais de metade dos activos da mesma classe etária passaram pelo menos por um dispositivo de emprego-formação (Rose, 1998, Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002). 76 Estas modalidades compreendem o Sistema de Aprendizagem português, a Aprendizagem francesa, o Youth Training System inglês e o Sistema Dual Alemão. 77 Estes contratos de trabalho em alternância contemplam, segundo os autores (Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger, 2002: 87-90), os contratos de orientação, os contratos de adaptação e os contratos de qualificação. 78 A ambiguidade deste estatuto reflecte-se na forma como estes jovens são contabilizados nas estatísticas oficiais: em Portugal, França e Grã-Bretanha são incluídos nos inactivos estudantes, na Alemanha fazem parte dos activos trabalhadores.

143

desemprego e não beneficiam das protecções associadas à condição de assalariado. Dado

que a individualização comporta em si a ideia de responsabilização individual, como Beck

(2001) tão bem demonstrou, também estes dispositivos apelam a uma responsabilização

crescente: por via de uma gestão individual dos recursos disponíveis, argumentam Nicole-

Drancourt e Roulleau-Berger (2001: 148); por via da construção de um projecto profissional e

de formação, preconizam Cadet, Diederichs-Diop Fournié e Mahlaoui (2003: 12); por via da

transferência da gestão da inserção profissional para a responsabilidade dos jovens,

defendem Demazière e Pélage (2001: 93)79.

Uma terceira consequência é a redução dos salários da população juvenil. Esta

redução é resultado de dois efeitos: um directo e outro indirecto. O efeito directo é aquele

que decorre quer das medidas destinadas a incentivar a procura de trabalhadores jovens por

via da redução dos seus custos salariais80, fazendo com que sejam estes mesmos jovens a

suportar parte das despesas com a sua inserção profissional quer dos dispositivos que

articulam formação e emprego, e que afectam à população juvenil parte dos custos da

formação e da redução da sua produtividade individual. O efeito indirecto reside no facto de

os jovens que passam por alguns destes dispositivos virem a auferir de remunerações

salariais inferiores às daqueles que a eles nunca recorreram, como demonstram os estudos

realizados na Grã-Bretanha relativos ao Youth Training System (Main e Shelly, 1988,

Roberts, Dench e Richardson, 1987, Dolton, Makepeace e Treble, 1994) e o realizado em

França sobre os contratos de qualificação (Werquin, 1994 cit in Gaude, 1997: 21).

Uma quarta consequência reside na estigmatização dos jovens. Por um lado, porque

muitos destes instrumentos de regulação da inserção profissional reflectem a imagem de

uma juventude deficitária, como lhe chama Pascual (1999), por outro, porque ao designá-los

como vítimas passivas das transformações em curso, inscrevem o seu destino numa

perspectiva miserabilista sem retorno, argumenta Nicole-Drancourt (1996: 128), por outro

ainda, porque o trabalho de categorização e que está na origem das designações de “jovens

em risco”, “jovens em dificuldade”, “jovens precários”, reflecte uma concepção de juventude

79 Referindo-se concretamente ao dispositivo “empregos jovens”, os autores afirmam (Demazière e Pélage (2001: 92) que «lhes é atribuído o papel de criadores de novos serviços devendo, portanto experimentar novas profissões cuja consistência e legitimidade não estão asseguradas. Eles não são considerados como estando à procura da inserção profissional ou de um emprego. Eles encontram-se isolados na construção de projectos a partir de uma experiência mal definida e na definição do seu futuro profissional». As características deste dispositivo levam os autores a admitir a hipótese de estarem perante um novo modelo de inserção profissional, baseado em transacções mais individualizadas e mais concorrenciais, na medida em que são chamados a dar provas da sua empregabilidade e das suas competências num quadro liberal de profissionalismo. 80 Estas medidas englobam a criação dos salários mínimos para jovens e outros dispositivos como os estágios, os contratos emprego solidariedade, programas ocupacionais, os empregos jovens, nos quais os beneficiários são remunerados abaixo do nível salarial que aufeririam se estabelecessem com a entidade patronal um contrato de trabalho.

144

perigosa que não trabalha e não pretende trabalhar (Nicole-Drancourt, 1996, Nicole-

Drancourt e Roulleau-Berger, 2002). Por último, algumas destas medidas funcionam como

um estigma no acesso aos empregos regulares, afirma Werquin (1996 a: 132), como uma

marca social, um sinal negativo da menor produtividade destes jovens, dificultando o acesso

ao emprego, sustentam Gaude (1997: 20) e White (1990: 536). Independentemente destes

efeitos negativos, estes dispositivos permitem, como argumenta Werquin (1997: 123),

redistribuir os riscos de exclusão, ao mesmo tempo, que se constituem em portas de entrada

no mercado de trabalho: para muitos jovens eles dão acesso a um emprego ainda que este

seja precário ou exercido a tempo parcial (Rose, 1998, Lechêne e Magnac, 1996, Raffe,

1988, Lee et alli, 1987, Turbin e Stern, 1987). Por último, a passagem por estes dispositivos

permite socializar os jovens na insegurança81, como diria Castel (2003), contribuindo para o

efeito de normalização da precariedade de que falam Beck (2001) e Roberts (1995). Mas,

para além das várias consequências sobre as biografias da população juvenil, estes

dispositivos tiveram ainda outras consequências: eles permitiram diminuir a rigidez do

mercado de trabalho de acordo com Freyssenet (1996) e criar um exército de reserva de

mão-de-obra, como lhe chama (Rose, 2002)82. Com o argumento de combater o desemprego

juvenil, os governos dos vários países criaram mecanismos que permitiram flexibilizar os

salários e o emprego (Rose, 1996, Ortega, 1999, Espejo et alli, 1999), abriram caminho à

introdução de novos modos de gestão do emprego e de regulação do mercado de trabalho e

à emergência do que, na sequência de Gazier (1997), Cadet et alli (2003: 5) designam por

mercados de trabalho transicionais, querendo com isto referir-se a mercados de trabalho cujo

objectivo é (re)integrar pessoas que deles estavam excluídas, propondo-lhes empregos que

serão apenas ocupados a título provisório.

81 Alguns autores referem-se ao seu papel na socialização dos jovens, em particular dos menos qualificados na precariedade (Rose, 1984, 1996, Dubar et alli, 1987, Méhaut et alli, 1987) 82 Com esta expressão, Rose (2002: 98) pretende dar conta do papel desempenhado por uma parte da mão-de-obra juvenil, a menos qualificada, nos processos de ajustamento de acumulação de capital e de redução salarial.

145

O que nos dizem os estudos sobre a inserção profissional

Os estudos sobre a inserção profissional dos jovens têm em países como a França e

a Grã-Bretanha, ou os Estados Unidos83, uma longa tradição e são ou da responsabilidade

de centros de investigação universitária, como acontece na Grã-Bretanha, ou contam com a

colaboração de equipas de investigadores, como se verifica em França84. Neste último país,

eles remontam a meados dos anos sessenta e têm privilegiado uma abordagem

predominantemente longitudinal de seguimento de cohortes, como demonstram os trabalhos

realizados pelo Departamento de Entradas na Vida Activa do CEREQ85. Os inquéritos de

percurso do CEREQ, baseados numa metodologia própria86, destinam-se a reconstituir as

trajectórias de inserção durante um período de três ou de cinco anos, desde a saída do

sistema educativo, tempo considerado necessário para que essas mesmas trajectórias

adquiram uma certa estabilidade (Eckert, 2001, Viney, 1983). No entanto, como estes

inquéritos longitudinais se têm circunscrito ao estudo dos percursos de inserção dos

diplomados de um determinado nível de formação e se desenrolam em períodos temporais

diferentes eles não têm permitido comparar esses mesmos percursos. Para ultrapassar os

efeitos da conjuntura económica sobre as trajectórias, os últimos estudos realizados por este

centro elegem como objecto de estudo todos os jovens que entraram no mercado de

trabalho em 1992 e em 1998, independentemente do seu nível de formação87.

Na Escócia, por seu turno, entre 1971 e 1985 foi lançado, pelo CES um questionário

bi-anual aos jovens que abandonavam o sistema educativo88: o Scottish School Leavers

83 Ryan (2001: 129) refere que desde os anos sessenta que neste país o “National Longitudinal Studies of Youth” segue cohortes de jovens no mercado de trabalho. 84 Na Escócia, o CES (Center of Educational Sociology), da Universidade de Edimburgo, é responsável pelo desenho, aplicação e análise do questionário sobre os percursos de educação, formação e transição para o trabalho dos jovens escoceses entre os 14 e os 19 anos (Raffe, 1988). Em França, o CEREQ desenvolve os estudos em colaboração com o CEJEE da Universidade de Ciências Sociais de Toulouse e com o IREDU da Universidade de Dijon (Pottier, 1993). O envolvimento dos cientistas nestes trabalhos permite ultrapassar o carácter meramente descritivo da análise dos dados e contribui para que a inserção profissional se comece a constituir num domínio autónomo de produção científica, apesar de todas as limitações anteriormente referidas. Uma outra consequência desta colaboração reside nos numerosos artigos e livros científicos publicados a partir dos dados recolhidos. A título de exemplo, e para além dos artigos das revistas Formation Emploi e Économie et Statistique, basta-nos referir o livro editado por David Raffe (1988) cujos capítulos se baseiam na exploração dos dados do Scottish Young Peoples Surveys e no England and Wales Cohort Study ou o coordenado por M. Arliaut e H. Eckert (2002), que tem por base os resultados do inquérito Geração 92. 85 A par dos estudos realizados pelo CEREQ, o inquérito “Emprego” da responsabilidade do INSEE, o inquérito complementar “Jovens” e o inquérito “IVA”, da responsabilidade do Ministério da Educação, fornecem igualmente dados sobre a inserção dos jovens. Os dados do “IVA” são tornados públicos todos os anos no mês de Março e fazem um retrato da situação dos jovens sete meses depois da saída do sistema educativo (Giret, 2000: 24). 86 Esta metodologia consiste no preenchimento de um calendário, mês a mês, o que permite traçar um retrato pormenorizado da situação dos jovens no mercado de trabalho. 87 O primeiro estudo, denominado “Geração 92”, abrangeu 27 000 jovens de todos os níveis de formação e permitiu comparar os seus percursos de inserção durante um período de cinco anos (Simon-Zarca, 2002). O segundo, apelidado de “Geração 98”, segue a mesma metodologia do anterior e abrange 55 000 jovens (Paola e Moullet, 2003: 51). 88 Até 1976 este questionário foi aplicado apenas aos jovens que concluíam a escolaridade obrigatória, a partir deste ano passa a ser aplicado a todos os que abandonam o sistema educatico (Raffe, 2001).

146

Survey (Raffe, 1988). Em 1985, este questionário é substituído pelo Scottish Young People

Survey destinado ao estudo longitudinal do percurso, durante três anos, dos jovens que

saem do sistema educativo. No mesmo ano, um inquérito semelhante é lançado aos jovens

ingleses e galeses: Youth Cohort Survey. Ambos os questionários permitem, como refere

Raffe (1995: 181), seguir os percursos dos jovens entre os dezasseis e os dezanove anos

em termos de continuação de estudos, frequência de cursos de formação profissional,

situação face ao emprego e ao desemprego. Esta opção por uma análise que incide,

simultaneamente, sobre os percursos formativos e os de inserção no mercado de trabalho

conduz o mesmo autor (Raffe, 2001: 119) a afirmar, alguns anos mais tarde, que os

inquéritos no Reino Unido reenviam mais para o conceito de transições do que para o de

inserção profissional, dominante na investigação de língua francesa. Naturalmente que estes

estudos, de carácter quantitativo, longitudinal e estatisticamente representativos do universo

de estudo, são acompanhados por muitos outros que optam ou por metodologias mais

qualitativas89 ou que articulam os dois tipos, mas sem pretensões quanto à

representatividade estatística.

Na sua larga maioria, estes estudos sobre os processos de inserção profissional dos

jovens baseiam a sua análise nas características individuais da oferta de trabalho e na forma

como elas influenciam esses processos. Eles constituem o que designamos por estudos de

inserção profissional centrados na oferta por oposição aqueles outros que começam a surgir

a partir da década de oitenta e que privilegiam o papel desempenhado pelas empresas e

pelas suas políticas de gestão de recursos humanos. Estas investigações constituem o que

designamos por estudos centrados na procura seguindo de perto a ideia defendida por

Dupaquier et alli (1986), quando se referiam aos processos de inserção profissional

estruturados pela procura.

Os estudos que analisam a inserção profissional dos jovens a partir das suas

características individuais, colocam em evidência o papel que a idade, o sexo, o nível de

formação académica e o curso frequentado assumem na configuração desses processos.

Grelet e Mansuy (2004), Lollivier (2000) e Balsan, Hauchane e Werquin (1996) são alguns

dos autores que mais se debruçaram sobre a influência da idade90 na integração da

89 Investigações que optam por abordagens qualitativas são, por exemplo, as realizadas por Dubar et alli (1987), Denantes (1987), Demazière e Dubar (1987), Pialoux (1979), Brown (1987 a), Linhart e Malan (1990). O estudo realizado por Nicole-Drancourt (1991) é, por sua vez, um bom exemplo da conjugação dos dois tipos de abordagem. 90 Mais do que uma interpretação demográfica, a idade é, no quadro destes estudos, um indicador indirecto da experiência profissional ou, se preferirmos uma leitura mais económica, da antiguidade no mercado de trabalho. Não é por isso de estranhar

147

população jovem no mercado de trabalho, defendendo que quanto menor ela é maior é a

vulnerabilidade face à precariedade e ao desemprego, apesar de, em geral, este ter uma

duração menor do que entre os adultos. No entanto, Lollivier (2000: 57) chama a atenção

para um outro efeito da idade. Defende o autor que esta pereniza as situações, querendo

com isto dizer que com o aumento da idade os episódios de emprego são, em geral, mais

longos e as probabilidades de ficarem desempregados são menores. Porém, quando tal

situação acontece, adianta, a duração do desemprego tende a prolongar-se, principalmente

para os mais vulneráveis, aumentando a sua estigmatização no mercado de trabalho.

O sexo é um dos atributos individuais a que os investigadores têm prestado mais

atenção. De um modo geral, todos concordam que as raparigas se debatem com mais

dificuldades no processo de inserção profissional (Grelet, 1997, Marry, 1993, Eckert, 2002,

Tessier, 2002, Lollivier, 2000, Bonnal, Fleury e Rochard, 1999), apesar de, como

demonstram Eckert (2001) e Couppié, Epiphane e Fournier (1997), as diferenças

relativamente ao contingente masculino diminuírem quando o nível de escolaridade

aumenta91. Afinal em que consistem exactamente essas diferenças? Na maior dificuldade em

obter emprego, na maior vulnerabilidade ao desemprego e à precariedade, sustentam todos.

Mas também no maior risco de desclassificação sócio-profissional e salarial como

demonstram Forgeot e Gautié (1997), relativamente ao primeiro tipo de desclassificação e

Nauze-Fichet e Tomasini (2002), no que respeita ao segundo; na maior duração e

diversidade dos percursos de inserção das raparigas mesmo quando detentoras de diplomas

do ensino secundário ou superior, defende Vergnies (1994); nos salários mais reduzidos que

auferem, ainda que possuam o mesmo diploma, argumentam Poulet (1996), Couppié e

Epiphane (2001) e Forgeot (1997) ou tenham a mesma categoria sócio-profissional,

sustentam Joséph e Lemière (2004)92.

De todos os atributos individuais o diploma é, sem dúvida, aquele que mais influencia

a inserção profissional e a unanimidade é geral: quanto maior é o nível de qualificação

que, à medida que a idade aumenta, aumente também a estabilidade no mercado de trabalho fruto da maior experiência da mão-de-obra juvenil. 91 Apesar de estas diferenças serem globalmente explicadas pelas orientações escolares das raparigas que as conduzem para formações com menor valor de troca no mercado de trabalho, o estudo realizado por Couppié e Epiphane ( 2001: 1), com base nos dados do questionário Geração 92, demonstra que «o facto de seguirem formações atípicas, pode-se revelar, sob determinadas condições benéfico para a inserção das raparigas. Paradoxalmente, parece que as formações mais mistas não fazem diminuir as disparidades tradicionalmente observadas entre rapazes e raparigas». 92 No estudo realizado por estes autores (Joseph e Lemière, 2004: 207-210), a partir de uma sub-amostra da geração 98, eles demonstram que a discriminação salarial das raparigas, medida através das diferenças salariais para uma mesma categoria sócio-profissional, tanto se faz sentir ao nível da empresa quando tiveram apenas um emprego como ao nível do mercado de trabalho, isto é, quando tiveram outras experiências de trabalho e tende a aumentar ao longo do período de inserção.

148

académica que ele certifica menor é o risco do desemprego e da precariedade (Pottier, 1992

Marry, 1992, Lollivier, 2000, Martinelli, Simon-Zarca, Wequin, 1999), e menor é também a

probabilidade de passar por dispositivos de emprego-formação (Werquin, 1997), e da

desvalorização salarial que tem vindo a afectar, em particular, os diplomas do ensino

secundário a partir dos anos 80 (Poulet, 1996). A título de exemplo, da diferenciação

induzida pelo diploma, detenhamos os dados apresentados por Lollivier (2000), relativos a

uma amostra representativa dos jovens que entraram no mercado de trabalho em 1993 e

foram acompanhados durante os cinco anos seguintes. O autor verifica (Lollivier, 2000: 54)

que, entre os que possuem uma formação inferior ao ensino secundário, 31% desse período

foi passado no desemprego, 45% em empregos temporários e 24% num emprego estável.

Em contrapartida, entre os mais qualificados, em termos académicos, essas proporções são,

respectivamente, de 16%, 42% e 42%. O consenso em torno do papel do diploma é, no

entanto, quebrado por duas vozes discordantes. Moncel e Rose (1995: 58) afirmam que a

obtenção de um emprego temporário é explicado mais pela idade e pelo sector de actividade

do que pelo diploma acrescentando, em seguida, que o efeito do diploma diminui mesmo

com a idade.

Se o diploma é importante para a forma como se desenrola o processo de inserção

profissional, a modalidade de ensino/formação e curso frequentados não o são menos.

Wolbers (2000), num estudo realizado na Holanda, demonstra que, de um modo geral, os

indivíduos com formação vocacional correm menos riscos de desemprego do que os da

formação geral. Em França, autores como Grelet, Pottier e Viney (1991) e Grelet (1997)

analisam a forma como para um mesmo nível de formação, o curso frequentado influencia os

modos de inserção. Grelet (1997: 42-44), a partir das características da primo inserção dos

jovens de nível CAP e BEP que terminaram a formação, em 1987 e 1989, demonstra que os

diferentes cursos das formações tecnológicas curtas influenciam a qualidade do primeiro

emprego, medida através da rapidez na obtenção de um emprego, independentemente do

seu estatuto jurídico. No entanto, eles são dos que mais recorrem aos dispositivos de

emprego-formação. Já mais recentemente, Martinelli, Simon-Zarca e Werquin (1999: 6)

colocam igualmente em evidência a forma como as formações da área da indústria, qualquer

que seja o nível de ensino, propiciam inserções de maior qualidade quer em termos de

estabilidade de emprego quer no plano salarial.

149

A construção de trajectórias tipo é, segundo Houzel (1997: 23), uma das novas linhas

de investigação no campo da inserção profissional em França93 que permite sintetizar de

uma forma coerente os dados individuais complexos94. Esta metodologia permite, como

defende Béduwé (2001: 3), dividir uma cohorte em função do seu modo de acesso a um

“estado final”, isto é, em função dos seus modos de inserção. De um modo geral, os autores

constroem estas trajectórias a partir do estatuto do emprego obtido, demonstrando que não

existe um modelo único de percurso de inserção, no sentido da estabilização no emprego,

mas sim vários, bastante diferenciados entre si. As trajectórias-tipo de acesso ao emprego

mostram que a um percurso directo e de manutenção de um emprego estável, sancionado

por um contrato a termo indeterminado, se opõe um outro marcado pelo desemprego

recorrente e pelo não emprego. Entre um e outro, vários percursos ganham forma: acesso

indirecto a um emprego estável mais ou menos rápido (via dispositivos de inserção ou

contrato a termo certo), acesso a um emprego mais ou menos permanente ou a

estabilização no emprego sem estabilização da relação contratual (sucessão de contratos a

termo com desemprego por períodos reduzidos). Esta metodologia decorre de uma lógica

descritiva, coerente com as análises teóricas da inserção (Vincens, 1997, Vernières, 1997),

que permitem compreender o processo de inserção profissional como a descrição da

passagem de um estado inicial a um estado final como preconiza Vincens (1997), quer este

seja caracterizado por um emprego com um vínculo contratual estável ou por uma situação

estabilizada de acordo com a proposta de Vernières (1997), e determinar o resultado deste

processo em termos do número de jovens que acede ao estado que, teoricamente, permite

dar por terminado o percurso de inserção profissional. São vários os autores que recorrem a

esta metodologia, assim como são várias as tipologias criadas (Grelet, Pottier e Viney,

199195, Pottier, 199296, Grelet, 199797, Nicole-Drancourt, 1991, 199298, Marry, 1992 99, Giret,

2000)100.

93 Importa, no entanto, salientar que já em meados da década de setenta Ashton e Field (1976: 115) identificavam três modos de transição da escola para o trabalho: as carreiras extensas (extended careers) que passavam pelo ensino superior e a entrada no mercado de trabalho dos diplomados; as carreiras curtas (short-term careers), englobando períodos curtos de escolaridade pós-obrigatória e conduzindo a profissões operárias qualificadas e as não carreiras “careerless” que correspondiam à escolaridade obrigatória e no ingresso em empregos semi-qualificados ou desqualificados. 94 A primeira tipologia empírica foi construída por Combes e Zilberman (1998 cit in Pottier, 1992: 269) a partir da sucessão dos estatutos do emprego e da alternância entre desemprego e emprego dos diplomados do ensino secundário em 1986. Ela contempla duas trajectórias polarizadas: a dos jovens que se inserem rapidamente e permanecem no mesmo emprego, dois anos depois e os excluídos cuja trajectória é composta principalmente pelo desemprego. Entre estes dois pólos, os autores identificam outros três tipos de trajectórias que correspondem aos jovens que se encontram numa situação de espera mais ou menos favorável. 95 Grelet, Pottier e Viney (1991) identificam quatro percursos de inserção dos jovens que terminaram uma formação tecnológica curta: percurso de desemprego recorrente, partilhado por todos quantos conhecerem mais de um ano de desemprego nos primeiros sete semestres de actividade; os percursos de inserção lenta e difícil, combinando a integração em dispositivos de

150

Mais recentemente, Béduwé (2001) propõe a construção de trajectórias-tipo de

acesso à profissão. Neste caso, o estatuto jurídico do contrato de trabalho é substituído pela

natureza da profissão ocupada. Trata-se, como defende a autora (Béduwé, 2001: 4), de

comparar os percursos profissionais de acesso às diferentes categorias socioprofissionais,

as trajectórias através das quais se acede a uma determinada profissão e identificar o papel

que essa profissão desempenha na construção dos percursos profissionais. Com base numa

sub-amostra retirada do inquérito à Geração 92 e constituída por todos quantos

desempenharam pelo menos durante um mês a profissão de secretária/o, Béduwé e

Fourcade (2002: 235-239) identificam quatro grandes categorias de trajectórias profissionais

tipo: estabilização na profissão de secretária, ainda que essa estabilização ocorra segundo

modalidades diferentes; a profissão de secretária como porta de acesso a outras profissões

de categoria superior, o emprego de secretária como «espaço de mobilidade» entre

diferentes pólos do universo dos empregados e, por último, a profissão de secretária como

um momento isolado nas trajectórias marcadas pelas dificuldades de inserção.

Fazendo a ponte entre os estudos centrados sobre a oferta e aqueles que privilegiam

o lado da procura, duas outras investigações merecem a nossa atenção ao colocarem a

tónica no aumento dos riscos de desclassificação sócio-profissional e salarial das gerações

que iniciam, actualmente, os processos de inserção profissional. Forgeot e Gautié (1997)

emprego-formação e desemprego recorrente; percursos de instabilidade de emprego, que integram aqueles que acederam rapidamente a um emprego na área de formação, emprego esse que apesar de ter um vínculo contratual estável foi de curta duração a que se seguiu o desemprego frequente, percursos ascendentes ao fim de cinco anos têm um contrato a termo indeterminado ou a termo certo com poucas ou nenhumas passagens pelo desemprego. 96 A partir dos dados relativos a uma amostra representativa dos jovens que concluíram a formação em 1986 e que foram questionados retrospectivamente em 1989, Pottier (1992: 274-274) constrói uma tipologia de trajectórias profissionais: as trajectórias de exclusão onde o desemprego domina correspondem, para uns, a um período entre um e dois anos e, para outros, a mais de dois anos; as trajectórias de estabilização interna (apenas uma entidade patronal, na qual permanecem, independentemente do estatuto do emprego) e as trajectórias de mobilidade externa. Estas últimas compreendem várias sub-categorias: mobilidade externa involuntária antes do acesso a um emprego estável e mobilidade externa qualificante com acesso directo a um emprego com contrato a termo indeterminado, que é voluntariamente trocado por um outro que oferece melhores condições. 97 Grelet (1997: 46) identifica a inserção rápida em emprego estável, a inserção estável diferida, a inserção instável marcada pela sucessão de empregos precários, mas com desemprego reduzido, e a inserção precária onde os empregos atípicos e o desemprego imperam. 98 Com base nos dados de um inquérito aos jovens nascido em 1960, que entraram na vida activa entre 1974 e 1984 numa região francesa e da realização de entrevistas, Nicole-Drancourt (1991, 1992) dois grandes tipos de trajectórias: a de actividade contínua e a de actividade descontínua. A actividade contínua comporta ainda a estabilidade contínua (apenas um ou dois emprego) e a mobilidade contínua (três ou mais empregos). A actividade descontínua comporta a precariedade de exclusão (sucessão de despedimentos e de períodos de desemprego) e a precariedade de integração (sucessão de demissões). 99 Marry (1992: 308), com base no Inquérito “Jovens” do INSEE de 1986, identifica três trajectórias tipo: os activos imóveis, os activos móveis e os desempregados. 100 A partir de uma cohorte de jovens com o ensino secundário (1988), e questionados retrospectivamente em 1992, Giret (2000: 191-198) identifica cinco trajectórias tipo: percurso de estabilização directa num emprego com contrato a termo indeterminado, praticamente sem período de desemprego; percurso de acesso indirecto a um emprego com contrato a termo indeterminado; percurso de perenização em empregos precários, percurso galera acesso reduzido ao emprego e períodos longos de desemprego e o percurso de prosseguimento de estudos acompanhado, em muitos casos, pelo ingresso na vida activa.

151

foram dos primeiros a chamar a atenção para a intensidade101 com que está a ocorrer a

desclassificação sócio-profissional dos jovens e para as consequências deste fenómeno

sobre os processos de inserção. Afirmam os autores (Forgeot e Gautié, 1997: 56) que os

jovens desempregados se tornam mais vulneráveis a este tipo de desclassificação se

permanecem muito tempo no desemprego e possuem uma experiência de trabalho reduzida,

enquanto que para os jovens empregados a desclassificação conduz a uma permanência

temporal mais reduzida na empresa e a uma mobilidade acrescida, mas que nem sempre

conduz a um emprego correspondente ao nível de formação. Nauze-Fichet e Tomasini

(2002), por seu turno, defendem que a desclassificação sócio-profissional é acompanhada

por um outro tipo de desclassificação: a desclassificação salarial. Estes autores (Nauze-

Fichet e Tomasini, 2002: 37-39) demonstram que o risco de desclassificação salarial está

associado a vários factores: ao sexo, com o risco de desclassificação social a ser maior para

as mulheres; ao desemprego, na medida em que esta situação pode levar os indivíduos a

aceitar salários mais baixos induzindo, assim, um processo de desclassificação salarial

progressivo; ao sector de actividade, em particular à agricultura e aos serviços e, por último,

à dimensão da empresa com o risco a aumentar na razão inversa da sua dimensão. Comuns

a ambos os estudos (Nauze-Fichet e Tomasini, 2002, Forgeot e Gautié, 1997) estão várias

constatações. Uma primeira constatação é a de que a probabilidade de reclassificação sócio-

profissional e/ou salarial é mais elevada em períodos de conjuntura económica favorável;

uma segunda coloca a tónica nas repercussões decorrentes da aceitação um emprego sub-

qualificado no início do processo de inserção profissional - se nuns casos esse

comportamento parece ter o efeito de um sinal negativo nos recrutamentos subsequentes,

em particular para os detentores de níveis de qualificação mais reduzidos, noutros pode

funcionar como um emprego de espera por melhores oportunidades; uma terceira

constatação coloca a tónica nos efeitos negativos, sobre o percurso de inserção futuro, da

acumulação de uma situação de desclassificação profissional e salarial.

Os estudos centrados na procura orientam-se pelo pressuposto de que os

comportamentos no mercado de trabalho não podem ser compreendidos apenas através das

acções individuais dos agentes económicos como, aliás, já desde meados dos anos setenta

101 De acordo com os dados trabalhados pelos autores esta intensidade acentuou-se entre 1990-1995, atingindo particularmente os mais diplomados (Forgeot e Gautié, 1997: 60), acrescentando que mesmo em períodos de retoma económica os únicos que sentem os seus efeitos são os diplomados do ensino superior longo e os das Grandes Écoles.

152

Roberts tem vindo a defender102. Os processos de inserção profissional são também

estruturados pelos modos de funcionamento dos mercados de trabalho e pelas políticas de

gestão de recursos humanos das empresas, que oferecem condições diferentes de inserção,

de mobilidade, de formação, de remuneração e de estabilidade (Ashton, 1995, Marsden,

1995, Rose, 1998, Giret, 2000)103. Nesta perspectiva, estes processos de inserção adquirem

uma outra inteligibilidade, quando interpretados à luz das teorias da segmentação do

mercado de trabalho. Sem pretendermos fazer uma análise exaustiva destas teorias não

podemos deixar de referir as propostas de Doeringer e Piore (1971), Doeringer (1995) e

Marsden (1989, 1995) e, em particular, os três conceitos recorrentemente utilizados nos

estudos centrados sobre a procura: mercado de trabalho interno, mercado de trabalho

externo e mercado de trabalho profissional. O conceito de mercado interno é definido por

Doeringer e Piore (1971: 2) como «uma unidade administrativa no interior da qual a

remuneração e a afectação do trabalho são determinadas por um conjunto de regras e

procedimentos administrativos» e a sua existência é explicada pela necessidade de

desencorajar a rotatividade da mão-de-obra, com o objectivo de proteger o investimento

realizado pela entidade patronal na formação dos trabalhadores. A formação na empresa é,

assim, um dos principais elementos que permite distinguir o mercado interno do externo

como afirma Doeringer (1995: 28). Mas há mais: a hierarquia dos postos de trabalho e a

existência de mecanismos bem definidos de mobilidade e promoção no interior da empresa

(Doeringer e Piore, 1971, Doeringer, 1995). A formação e os modos de afectação da mão-

de-obra são, no quadro das teorias dualistas como lhes chamam Leclercq (1999) e Gazier

(1992), o que diferencia os mercados internos dos mercados externos. Assim, enquanto que

os primeiros promovem a formação, recrutam essencialmente no seu interior, asseguram a

estabilidade do emprego e a progressão das remunerações baseadas na antiguidade, os

segundos são, no essencial, o seu oposto. Recrutam no mercado concorrencial, a formação

é escassa e a estabilidade reduzida. Os primeiros são o resultado do período de ouro do

fordismo. Os segundos, se é verdade que sempre existiram, ganham uma importância

102 Relembremos que Roberts (1975, 1984) foi dos primeiros sociólogos a contestar a tese defendida pela teoria da occupational choice de que a posição ocupada pelos jovens no mercado de trabalho era o resultado das suas decisões individuais. Para este autor, as escolhas individuais são relativamente ineficazes para explicar o acesso a primeiro emprego, ou mesmo a sua capacidade para o obter. É o tipo de empregos disponíveis no mercado de trabalho, que ele designa por estruturas de oportunidade, que é determinante na transição da escola para o trabalho. 103 A preocupação crescente com o papel desempenhado pelas empresas reflecte-se nos próprios indicadores utilizados nos últimos inquéritos do CEREQ, que passam a contemplar questões detalhadas os períodos passados nas empresas, o modo de acesso ao emprego, as características das empresas e as razões que levaram ao abandono do emprego (Grelet e Mansuy, 2004: 97).

153

redobrada com as transformações económicas vividas nas últimas décadas e com o que

alguns autores têm vindo a designar por uma crescente contracção e desestabilização dos

mercados de trabalho internos104. Todavia, apesar desta distinção conceptual, os mercados

internos não são totalmente fechados ao recrutamento exterior. A relação entre os mercados

internos e externos estabelece-se, como argumenta Leclercq (1999: 279), através dos pólos

de entrada para as diferentes categorias de emprego e está relacionada com a própria

estrutura do mercado interno105. Aos conceitos de mercado interno e externo Marsden (1989)

acrescenta um terceiro tipo de mercado: o mercado profissional. Os mercados profissionais

caracterizam-se, segundo o autor (Marsden, 1989: 23), pela existência de um conjunto de

normas no que respeita à relação entre as capacidades adquiridas e o nível de formação

obtido por todos os que foram formados para o exercício de uma dada profissão e por uma

certa uniformidade do conteúdo dos empregos nas várias empresas, o que assegura a

transferibilidade das qualificações neste tipo de mercados. Estamos, deste modo, perante

mercados fortemente institucionalizados onde imperam normas de certificação de acesso à

profissão muito rigorosas, uma repartição dos custos de formação entre as empresas e os

trabalhadores e onde a mobilidade é, na maior parte das vezes, voluntária. Estes mercados

coincidem com as profissões regulamentadas quaisquer que sejam os níveis de formação

requeridos, mas talvez o seu exemplo mais paradigmático seja o dos analistas simbólicos a

que se refere Reich (2002). Definidos como aqueles que resolvem, identificam e criam novos

problemas (Reich, 2002: 163), os analistas simbólicos são o grupo profissional que mais

partido tem beneficiado com a globalização da economia. Altamente qualificados, formados

em áreas tão díspares como as engenharias, as relações públicas, as tecnologias da

informação e da comunicação ou as artes, estes profissionais trabalham no mercado global,

são os que mais viram aumentar os rendimentos do trabalho e os que apresentam maiores

taxas de mobilidade.

Estes três tipos de mercados de trabalho são fundamentais para compreender os

processos de inserção profissional dos jovens. Os mercados internos das empresas ou do

104 Gautié (2002) refere-se à desestabilização dos mercados internos em virtude do abrandamento do crescimento económico e do aumento do desemprego e que reduzem a necessidade das empresas estabilizarem a sua mão-de-obra. Béret (1992) coloca a ênfase no aumento da concorrência e nas mudanças organizacionais em curso e os seus efeitos na flexibilização dos salários e na introdução de sistemas salariais que tendem a substituir a antiguidade por outro tipo de elementos como a produtividade ou a assiduidade. Numa perspectiva mais sociológica, Castel (1999) fala da desestabilização dos empregos estáveis. 105 Leclercq (1999: 179) dá como exemplo uma empresa que para as profissões operárias e de enquadramento recorre ao recrutamento externo (pólos de entrada) e ao sistema de mobilidade interna para os lugares de contramestre e de quadro. Mas podem ocorrer outras situações, dizemos nós, onde a empresa, em virtude da inexistência de determinadas qualificações específicas, entre a mão-de-obra interna, tenha de recorrer ao recrutamento no externo.

154

Estado são particularmente fechados aos jovens. As entradas fazem-se pelos postos de

entrada como lhes chama Freyssenet (1996) e segundo critérios definidos internamente

pelas empresas. O problema essencial que se coloca aos jovens em inserção reside,

precisamente, no facto de essas mesmas empresas optarem, geralmente, pelo recrutamento

interno quando existem no seu interior as qualificações requeridas. A questão coloca-se de

maneira diferente quando elas não existem no seu interior da empresa ou quando os

empresários ponderam entre recrutar um jovem com mais qualificações escolares, mas

menos experiência ou um trabalhador mais experiente, mas com menos qualificações

escolares. Face a estes condicionalismos, facilmente se compreende as dificuldades dos

jovens, principalmente dos debutantes em aceder aos empregos nos mercados internos: ou

entram pelos postos menos qualificados, onde o recrutamento interno é impossível como

refere Doeringer (1995: 30), ou acedem por via dos mais qualificados mas para os quais é,

em geral, exigida experiência profissional, afirma Giret (2000: 114). Quaisquer que sejam as

portas de entrada, uma vez lá dentro, abre-se-lhes um espaço de mobilidade interna

construído em torno da antiguidade na empresa e da aquisição de qualificações que lhe são

específicas. Nos mercados externos, os jovens estão em concorrência com os outros

trabalhadores, em geral com menos qualificações escolares, porém portadores de uma maior

experiência profissional. Nestes mercados, sustenta Freyssenet (1996: 92), é o jogo da

oferta e da procura que regula o acesso ao emprego, a sua duração e os fluxos de

mobilidade. Num contexto em que predominam os empregos precários, eles são utilizados

como espaços de socialização profissional, para retomarmos a expressão de Nicole-

Drancourt e Roulleau-Berger (2001), ou como empregos ponte, como lhes chama Doeringer

(1995: 30), onde se adquire a experiência profissional essencial para melhorar a posição na

fila de espera para aceder aos mercados internos. Por último, nos mercados de trabalho

profissionais, a entrada dos jovens está sujeita, nas palavras de Freyssenet (1996: 92), a um

procedimento anterior de certificação que os mune de uma qualificação profissional

transferível e que lhes dá acesso a um espaço de mobilidade profissional inter-empresas e,

por vezes, mesmo inter-sectorial. Como o acesso aos mercados profissionais se faz por via

de uma formação específica, Giret (2000: 215) defende que é possível proceder à regulação

desses mesmos mercados, controlando, por exemplo, o efeito do desemprego, por via de

uma intervenção sobre o sistema de educação-formação instituindo ou reforçando o numerus

155

clausus no acesso a essas mesmas formações. Quando tal não acontece, acrescenta, estes

mercados regem-se pelas mesmas lógicas dos mercados externos.

Freyssenet (1996) é um dos autores que recorre a estes três conceitos para propor

uma grelha analítica dos modos de inserção dos jovens nos diferentes mercados de trabalho.

Todavia, a importância crescente dos mecanismos institucionais de transição, para que Rose

(1984, 1996, 1998, 2002) chama insistentemente a atenção, conduz o autor a complexificar a

sua análise, dando conta da forma como os diferentes dispositivos de emprego-formação se

articulam com os vários tipos de mercado, contribuindo, assim, para configurar modos

específicos de inserção, conforme fica patente no quadro que a seguir reproduzimos.

Quadro nº5 Modos de inserção dos jovens nos mercados de trabalho

Modos de transição formação inicial - emprego Estatutos Específicos Passagem directa

Profissional Sistema Dual e aprendizagem

Recrutamento de diplomados e profissões regulamentadas

Interno Dispositivos de inserção centrados sobre a aquisição de qualificações controladas pelos empresários

Modelo de “emprego para a vida” Recrutamento através de concurso

Tipo de mercado de trabalho

Externo Dispositivos centrados sobre a aquisição de experiência profissional e/ou redução dos custos salariais

Recrutamento sem experiência profissional exigida

Fonte: Feyssenet, 1996: 92

Apesar desta aparente segmentação, o autor (Freyssenet, 1996: 93) chama a

atenção para não se interpretarem estas tipologias como segmentos disjuntivos e dá como

exemplo o caso da aprendizagem. Se é verdade que a aprendizagem desempenha um papel

fundamental no acesso aos mercados profissionais, em particular na Alemanha, é

igualmente verdade que ela pode ser utilizada como uma fase de adaptação, que dá acesso

aos mercados internos, ou como um viveiro de recrutamento para os mercados externos.

Num trabalho mais recente, Couppié e Mansuy (2000) utilizam esta mesma tipologia para

analisar o lugar ocupado pelos debutantes nos mercados de trabalho europeus. Segundo os

autores, é possível identificar modos diferentes de inserção em função do tipo de mercado

de trabalho dominante em cada país. Nos países onde predominam os mercados

profissionais, como são os casos da Dinamarca, Alemanha e Áustria, que Couppié e Mansuy

(2000: 1) analisam, as condições de inserção dependem essencialmente do tipo de

qualificação adquirida na formação inicial, objecto de reconhecimento por parte das

empresas, e da experiência adquirida no mercado de trabalho que desempenha um papel

156

secundário nos processos de inserção. Os jovens concorrem, praticamente, em pé igualdade

com os trabalhadores adultos e as diferenças entre as duas categorias de mão-de-obra,

nomeadamente a nível salarial, são pouco significativas. Quando os mercados internos são

dominantes, como acontece na Grécia e na Itália, as condições de acesso ao exercício

profissional são muito diferentes entre os debutantes e os trabalhadores experimentados,

afirmam os autores (Couppié e Mansuy, 2000: 3). A formação adquirida na formação inicial é

apenas um sinal das capacidades individuais que dá acesso aos empregos menos

qualificados. O processo de inserção é lento, marcado por períodos de desemprego e com a

entrada no mundo do trabalho a fazer-se pelos mercados externos, onde predominam os

empregos mal remunerados e precários, mas que desempenham um papel fundamental

enquanto espaços de aquisição de experiência profissional, condição essencial para aceder

aos mercados internos das empresas. Em mercados de trabalho concorrenciais, como os

que caracterizam a França106 e a Grã-Bretanha, o acesso aos empregos é mais aberto e a

mobilidade maior do que nos casos referidos anteriormente. Os diplomas desempenham

nestes mercados um papel fundamental no processo de inserção onde os jovens menos

qualificados se encontram numa situação particularmente desfavorável. Neste contexto, o

acesso dos debutantes ao emprego ainda que precário, numa primeira fase, é tanto mais

fácil quanto mais elevado for o nível de qualificação escolar, e a sua posição no mercado de

trabalho tende a melhorar à medida que vão acumulando experiência profissional. Apesar de

vulneráveis ao desemprego, este tende a ter uma duração menor do que nos países onde

predominam os mercados internos e onde a mão-de-obra juvenil é fortemente estigmatizada,

mesmo quando detentora de elevados níveis de qualificação escolar107.

Garona e Ryan (1989) são outros autores que têm analisado o impacto dos modos

de funcionamento dos mercados de trabalho sobre a inserção profissional dos jovens, numa

perspectiva transnacional, com base em dois critérios: a regulação da inserção pelas

instituições ou pelo mercado e os mecanismos de inclusão ou de exclusão dos jovens dos

colectivos de trabalho. Para estes autores (Garona e Ryan, 1989: 80-82), existem três tipos

principais de regulação de entrada dos jovens no mercado de trabalho: a exclusão selectiva,

a integração regulamentada e a regulação concorrencial. A exclusão selectiva afasta os

106 Registe-se que estes autores são dos poucos, se não mesmo os únicos, que caracterizam o mercado de trabalho francês como um mercado concorrencial, isto é, onde dominam os mercados externos. Verdier (1996), Lefresne (2003), Garona e Ryan (1989), Gangl (2003 a), para citar apenas alguns, referem-se à sociedade francesa como um exemplo do predomínio de mercados internos. 107 Esta estigmatização está bem patente na análise comparativa da inserção profissional dos jovens espanhóis e italianos realizada por Iannelli e Soro-Bonmatí (2003).

157

jovens de determinados segmentos da estrutura de empregos que estão destinados aos

trabalhadores com maior experiência profissional. A formação é adquirida no sistema de

ensino-formação e os jovens estão confinados aos empregos nos mercados de trabalho

secundário, onde adquirem a experiência necessária para poderem competir pelos empregos

no mercado de trabalho primário, ou aos dispositivos públicos de emprego, como vários

autores referem insistentemente. A integração regulamentada está associada a estratégias

de recrutamento que recorrem à aprendizagem como uma forma de salvaguardar a

concorrência entre trabalhadores adultos e jovens. Os jovens são aceites nos empregos

“adultos”, mas como aprendizes e auferindo salários mais reduzidos. Na regulação

concorrencial, as empresas optam pela mão-de-obra juvenil em virtude do seu reduzido

custo imposto pelas leis de um mercado fortemente desregulamentado. Estes sistemas de

regulação da entrada dos jovens no mercado de trabalho variam, segundo Garona e Ryan

(1989: 88), em função dos países. A Grã-Bretanha dos anos trinta é o exemplo típico da

regulação concorrencial. Na Alemanha e no Japão, as empresas privilegiam a formação e a

competência da mão-de-obra juvenil, pelo que predomina a integração regulamentada,

enquanto que em França e nos Estados Unidos o peso dos mercados internos contribuem

para a importância que assume a exclusão selectiva. A tese de que em França predomina

este sistema de regulação é corroborada, alguns anos mais tarde, por Verdier (1996) e por

Lefresne (2003: 26), que afirmam categoricamente que a exclusão selectiva caracteriza a

posição dos jovens no mercado de trabalho, não só em França, mas também nos países

latinos. No entanto, o contributo desta autora estende-se para além desta afirmação. Com

base nos conceitos de mercados internos, externos e profissionais e na tipologia

desenvolvida por Garona e Ryan (1989), Lefresne (2003: 24) constrói uma outra tipologia

através da qual pretende dar conta do lugar dos jovens nos processos de mobilidade, leia-se

de inserção. Para tal, recorre a três indicadores-chave, os mesmos, aliás, que são propostos

por Maurice, Sellier e Silvestre (1982) para analisar o «efeito societal»: o modo de produção

das qualificações, o modo de afectação e de mobilidade da mão-de-obra e os sistemas de

relações profissionais. A articulação destas três dimensões analíticas – tipo de mercados,

modos de regulação da entrada dos jovens e componentes da relação salarial – permite

compreender conceptualmente a complexidade dos processos de inserção e as

configurações específicas que eles assumem, patentes no quadro elaborado pela autora e

que passamos a apresentar.

158

Quadro nº6 Tipologia dos mercados de trabalho e de inserção dos jovens

Tipos de mercado de trabalho

Mercado profissional Mercado interno da empresa

Mercado externo ou não organizado

Sistemas de mobilidade da mão-de-obra

Inter-empresas Intra-empresa Inter-empresas

Qualificação das pessoas Aprendizagem Experiência adquirida na empresa

Não reconhecida

Transferibilidade da qualificação

Á escala da profissão À escala da empresa Segundo as regras da concorrência

Organização dos trabalhadores

Fundada sobre a profissão Fundada sobre a empresa ou o ramo de actividade

Ausente

Inserção dos jovens Integração regulamentada Exclusão selectiva Regulação concorrencial Fonte: Lefresne, 2003: 25

Estes ideais-tipo, como a autora (Lefresne, 2003: 26) os designa, permitem dar conta

dos contrastes que marcam os diferentes modos de acesso ao emprego dos jovens, e da

forma como as características inerentes a cada um dos mercados de trabalho nacionais

definem estruturas de oportunidades distintas e delimitam o campo de possibilidades onde

os processos de inserção se constroem. Estas modelizações societais108 não constituem,

todavia, a única linha de investigação dos estudos centrados na procura. Um número

importante de trabalhos tem procurado analisar o que Rose (1988: 159) designa por efeito

sectorial, enquanto que outros se têm debruçado sobre o papel das políticas de gestão de

recursos humanos das empresas e a forma como elas influenciam a inserção profissional

dos jovens e outros, ainda, focalizam a sua análise nas dinâmicas dos mercados de trabalho

locais ou regionais.

Em França, Clémenceau e Géhin (1983) foram dos primeiros autores a analisar o

papel integrador da mão-de-obra debutante, desempenhado por alguns sectores de

actividade económica109. Eles demonstraram como alguns desses sectores, onde predomina

uma mão-de-obra pouco qualificada, contribuem para estruturar as trajectórias individuais

dos jovens, a partir da sua maior receptividade ao recrutamento de uma mão-de-obra juvenil

sem experiência e à sua posterior integração no mercado interno da empresa. Na indústria,

os sectores de inserção são os da construção civil e da madeira. No sector dos serviços, o

recrutamento dos jovens é mais elevado na hotelaria, no comércio a retalho e nos serviços

108 Esta designação é utilizada por Verdier (1996: 39) para se referir a este tipo de estudos de carácter macro e que pretendem identificar os modos de regulação do acesso ao emprego em vários contextos nacionais. 109 Mais recentemente, Bonnal et alli (1999) demonstram que, no caso dos jovens que frequentaram a aprendizagem e os liceus profissionais o sector de actividade da primo inserção é mais importante para o desenrolar futuro do processo de inserção do que o tipo de formação frequentado.

159

aos particulares. Em contrapartida, Clémenceau e Guéhin (1983: 16) mostram que os

trabalhadores jovens estão praticamente excluídos dos “sectores com estatuto”110 e daqueles

onde predominam os mercados internos. A análise do efeito sectorial sobre a inserção dos

jovens iniciada por Clémenceau e Guéhin (1983) encontra em Moncel e Rose (Moncel e

Rose, 1995, Moncel, 1999) dois dos seus principais seguidores. Os trabalhos desenvolvidos

por estes autores mostram como as condições de recrutamento dos jovens e os tipos de

emprego a que eles acedem variam fortemente em função das lógicas sectoriais. Na sua

investigação mais recente, com base no inquérito aos Jovens de 1992, Moncel (1997: 71-73)

identifica quatro perfis-tipo de gestão da mão-de-obra juvenil, associados a diferentes

sectores de actividade económica. O primeiro perfil corresponde aos sectores de mão-de-

obra estável e qualificada de tipo industrial, de um modo geral fechados ao recrutamento dos

jovens. São sectores caracterizados por uma forte concentração de empresas com uma

elevada intensidade capitalista, onde se tem registado uma redução de efectivos e que

quando recrutam trabalhadores jovens, eles são predominantemente rapazes com idades

entre os vinte e seis e os vinte e nove anos. O segundo perfil integra sectores do terciário em

expansão, onde predominam profissões qualificadas abertas a jovens diplomados do ensino

superior e exercidas, principalmente, a tempo parcial. Nestes sectores predominam as

profissões intermédias e dos serviços, uma mão-de-obra jovem e do sexo feminino entre os

vinte e seis e vinte e nove anos. Embora a entrada nestes sectores se faça por via das

formas atípicas de emprego, eles tendem a transformar-se em segmentos de estabilização

para as mulheres jovens detentoras de títulos académicos de nível superior. O terceiro perfil

integra sectores dos serviços, onde predominam os empregados ou os trabalhadores pouco

qualificados, maioritariamente mulheres com idades entre os dezoito e os vinte e cinco anos

e onde o emprego a tempo parcial se encontra em franca expansão. O último perfil é

composto por sectores industriais e dos serviços, abertos a jovens do sexo masculino com

idades entre os dezoito e os vinte e cinco anos, detentores de uma formação tecnológica

curta e recrutados, na sua maioria, como operários ou trabalhadores qualificados. Num

trabalho mais recente, a partir dos dados da Geração 92, Moncel (2001) identifica três

grandes grupos de sectores: os sectores precarizantes que funcionam segundo uma lógica

de introdução da mão-de-obra debutante no mercado de trabalho, mas que apresentam

elevadas taxas de saída do primeiro emprego; os sectores estabilizadores que estabilizam os

110 Expressão francesa para designar os sectores da banca, das telecomunicações, da electricidade e do gás.

160

jovens debutantes que recrutam; por último, os sectores distribuidores, que respondem a

uma lógica de distribuição da mão-de-obra no mercado de trabalho através da oferta de

empregos precários, mas que, por vezes, permitem a inscrição nestes espaços profissionais.

O principal contributo destes estudos reside no facto de colocarem em evidência a forma

como os processos de inserção são estruturados pelas lógicas sectoriais e de como essas

lógicas contribuem para estabelecer uma clivagem entre sectores de estabilização e sectores

de precarização da mão-de-obra juvenil.

Um outro conjunto de trabalhos substitui a análise do efeito sectorial pela análise do

que designamos pelo efeito das práticas de gestão, querendo com esta designação referir o

modo como as empresas utilizam os diferentes tipos de contrato de trabalho e/ou os

dispositivos públicos criados para facilitar a inserção dos jovens. É nesta linha de

investigação que se inscrevem os estudos realizados por Lochet (1997), Joseph, Lochet e

Mansuy (1997) e por Joseph e Lochet (1999)111. Com base nos resultados de um inquérito

realizado aos jovens, quatro anos após terem terminado uma formação inferior ao ensino

secundário, Lochet (1997: 99-108) identifica três grandes perfis tipo de práticas de gestão da

inserção dos jovens. Um primeiro perfil corresponde à utilização do contrato a termo

indeterminado, o qual permite um acesso selectivo e lento aos mercados internos das

grandes empresas da indústria e dos serviços. A selectividade e a lentidão a que se refere o

autor decorrem do facto de este tipo de contrato ser antecedido ou por um emprego precário

na mesma empresa ou por um período de formação. O segundo perfil caracteriza-se pela

pluralidade de utilizações que são dadas aos estatutos precários, em particular pelas PME.

Estas empresas recorrem, com frequência, aos empregos precários e aos dispositivos de

emprego quer como uma forma de recrutamento antes da celebração de um contrato sem

termo quer como uma estratégia para reduzir os custos da mão-de-obra. Um terceiro e último

perfil, caracteriza-se pelo uso atípico dos contratos a termo indeterminado. O que caracteriza

estas empresas de pequena dimensão (até dez empregados), inscritas nos sectores

dominados da actividade económica, é o facto de praticamente não recorrerem nem aos

empregos atípicos nem aos dispositivos público e de optarem por estabelecer, com os

jovens, contratos a termo indeterminado que são, paradoxalmente, de curta duração.

111 Furlong e Cartmel (1997: 29) fazem referência a um estudo publicado por Park em 1994, no qual este autor refere que na sociedade britânica os diplomados mais qualificados tendem a trabalhar nas empresas de grande dimensão, enquanto que os portadores de menores qualificações académicas tendem a estar concentrados nas pequenas empresas dos serviços.

161

O segundo estudo, elaborado por Joseph, Lochet e Mansuy (1997), adopta uma

perspectiva ligeiramente diferente. O que está agora em causa é identificar os modos de

integração dos jovens nas empresas. A integração, afirmam (Joseph, Lochet e Mansuy,

1997: 285-286), é um processo que diz respeito à empresa, às suas regras e modos de

gestão da mão-de-obra e que conduz os indivíduos a ocupar um lugar no colectivo de

trabalho. Com base neste conceito, os autores identificam cinco modos de integração. A

integração internalizada ocorre quando a adaptação ao posto de trabalho e a integração no

colectivo de trabalho é totalmente assegurada pela empresa e está materializada na

celebração de um contrato sem termo com uma mão-de-obra debutante. A integração por

alternância desenrola-se quando o acesso a um emprego estável é antecedido por um

contrato de aprendizagem ou pelo que Nicole-Drancourt (2002: 87) chama de contratos de

trabalho em alternância. A integração através das formas precárias de emprego corresponde

à utilização, por parte da empresa, dos empregos atípicos como estratégia de selecção e

recrutamento para acesso aos empregos estáveis. A integração por via de empregos

recorrentes consiste numa sucessão de contratos temporários na mesma empresa, ainda

que com interrupções curtas e que é indiciadora de uma integração que os autores (Joseph,

Lochet e Mansuy, 1997: 288) definem como sendo baseada no estabelecimento durável de

relações intermitentes de emprego112. Por último, a integração externalizada corresponde ao

que poderíamos designar como a externalização dos custos de integração. Os custos

associados à aquisição da experiência profissional são transferidos para outras empresas

que não aquela com a qual o jovem estabelece um contrato a termo indeterminado.

No último estudo referido, Joseph e Lochet (1999) partem desta mesma grelha

analítica113 e do conceito de experiência qualificante114 para analisarem a inserção nas

empresas dos jovens que concluíram o ensino secundário, em 1989, e que foram

questionados em 1993. Os autores Joseph e Lochet (1999: 10) demonstram que a obtenção

de uma experiência qualificante não implica necessariamente a integração na empresa115;

que a integração pelas formas particulares de emprego aumenta com a dimensão da

112 Transposta para uma outra perspectiva de análise, este tipo de integração pode corresponder a uma das formas que a inserção como posição estabilizada no mercado de trabalho, defendida por Vernières (1997), poderá assumir. 113 Neste estudo os autores não contemplam um dos modos de integração: a integração externalizada. 114 Joseph e Lochet (1999: 9) definem experiência profissional qualificante como aquela que corresponde «a um tempo passado numa empresa na qual o jovem teve um emprego (ou um conjunto de empregos), cuja duração total é pelo menos igual a um ano ou comporta 300 horas de formação». 115 Dos 85% dos jovens que ao longo de quarto anos e meio tiveram, pelo menos, uma experiência qualificante, só 65% conheceu pelo menos um modo de integração e cuja decomposição é a seguinte: integração internalizada – 37%; integração pelas formas particulares de emprego - 18%; integração através da recorrência de contratos – 7%, e integração por via da alternância – 3%.

162

empresa, enquanto que a integração pela alternância diminui; que a integração internalizada

é uma característica das empresas de pequena dimensão e que, globalmente, as

probabilidades de integração aumentam com a dimensão da empresa.

Numa perspectiva diferente, e fortemente ancorados nas teorias da segmentação do

mercado de trabalho, como Ashton (1995) faz questão de salientar, alguns estudos

realizados por cientistas britânicos colocam a tónica na segmentação do mercado de

trabalho em função da idade e na forma como os empresários utilizam este atributo individual

para vedarem o acesso dos jovens a determinadas profissões, falando mesmo na existência

de um mercado de trabalho juvenil. É nesta linha que se inscreve o trabalho realizado por

Ashton et alli (1987), mas também o da autoria de Furlong (1990) elaborado a partir dos

dados recolhidos pelos Youth Scottish Surveys de 1985, 1986 e 1987. O autor demonstra,

como Ashton et alli (1987: 169-172) haviam feito, que existem profissões que estão vedadas

aos trabalhadores mais jovens e que essas barreiras à entrada não dependem,

obrigatoriamente, das qualificações académicas. Elas são antes o resultado, por lado, de

uma tradição legislativa e sindical que estipula idades mínimas de acesso ao exercício de

determinadas profissões (Furlong, 1990: 254) e, por outro, das estratégias de recrutamento

dos empresários britânicos, em geral, e escoceses, em particular, e que tendem a privilegiar

os jovens adultos, com responsabilidades familiares, percepcionados como mais fiáveis e

responsáveis (Furlong, 1990: 267).

Embora não parta dos mesmos pressupostos teóricos, nem faça qualquer referência

a existência de um mercado de trabalho juvenil, Fournié (1994) vai analisar o lugar ocupado

pelos jovens saídos do sistema educativo nos recrutamentos efectuados entre 1991 e 1992,

pelas empresas francesas, demonstrando que ele varia fortemente em função do grupo

profissional (Fournié, 1994: 119). Assim, consoante o grupo profissional, as empresas ou

privilegiam os trabalhadores com experiência profissional ou os jovens recém-formados, quer

pelos seus níveis de qualificação mais elevados, quer pelo menor custo deste tipo de mão-

de-obra quer ainda por permitirem uma maior flexibilidade na gestão do emprego (Fournié,

1994: 117). Os grupos profissionais que recrutam uma mão-de-obra mais jovem, e recém

saída do sistema educativo, são os ligados às profissões intermédias do ensino, saúde e

função pública, com particular importância para as raparigas. Os rapazes, por sua vez, são

recrutados em maior número como empregados administrativos ou operários industriais

(Fournié, 1994: 119).

163

Os estudos que analisam os efeitos das dinâmicas dos mercados de trabalho locais

ou regionais sobre os processos de inserção são bastante mais reduzidos na comunidade

científica francesa. De entre os que consultámos, apenas os realizados por Grelet (1997) e

por Gendron (1997) analisam o que esta última autora designa por efeito região. Grelet

(1997) demonstra como a região influencia os diferentes tipos de percursos de inserção.

Gendron (1997), por seu turno, coloca em evidência o efeito região sobre os salários, sobre a

maior ou menor facilidade no acesso ao primeiro emprego e sobre os estatutos jurídicos dos

empregos. Na Grã-Bretanha, já nos anos oitenta, Roberts (1984) chamava a atenção para as

maiores dificuldades de transição para a vida activa nas regiões mineiras, onde o

desemprego se tinha começado a generalizar durante a década de setenta. Esta linha de

investigação, que coloca a tónica no funcionamento dos mercados de trabalho locais, está

patente, por exemplo, nos estudos realizados por Church e Ainley (1987) e por Turbin e

Stern (1987). Os primeiros mostram como a reconversão das Docklands de zona industrial

em área de serviços fez aumentar o desemprego nos jovens pouco qualificados, mas criou

uma nova estrutura de oportunidades para aqueles que permaneceram no sistema educativo

depois de concluída a escolaridade obrigatória. Turbn e Stern (1987) analisam os mercados

de trabalho rurais e a forma como eles influenciam a transição da escola para o trabalho. As

características destes mercados, onde predominam as empresas agrícolas de pequena

dimensão, as empresas industriais são em número reduzido, o sector dos serviços está sub-

desenvolvido, o sector público é um dos principais empregadores e as profissões

qualificadas são pouco numerosas, contribuem para que os problemas na transição da

escola para o trabalho se agudizem. Nestas zonas, mais do que em quaisquer outras,

afirmam os autores (Turbn e Stern, 1987: 188), os jovens estão sub-representados nas

profissões qualificadas e sobrerrepresentados nas não qualificadas, as oportunidades de

emprego são mais reduzidas e, quando acedem a um emprego, o reduzido investimento das

empresas na formação e a inexistência de estruturas locais de formação condicionam a

construção de trajectórias profissionais mais qualificadas para esta mão-de-obra juvenil.

A partir dos anos noventa uma nova linha de investigação ganha visibilidade: a dos

estudos comparados transnacionais116. A importância que estes estudos, em particular os de

116 Com esta afirmação não queremos negar nem a existência de estudos comparados nacionais nem tão pouco afirmar que os estudos comparados transnacionais são um produto exclusivo dos anos noventa. A suportar a nossa afirmação estão os estudos realizados em França por Vernières (1993), Grelet (1997) ou por Ponthieux (1997). Todos eles comparam a inserção de cohortes de diplomados de diferentes graus de ensino, que terminaram a formação em anos distintos, e todos eles são unânimes em concluírem sobre a degradação das condições de inserção: aumento do desemprego e da precariedade. Já sobre os transnacionais, basta relembrarmos o trabalho de Garona e Ryan (1989), mas também, por exemplo, o de Ashton (1988) e o de

164

natureza quantitativa, têm vindo a adquirir no domínio da inserção profissional é, em grande

medida, devedora da criação da rede de investigação europeia denominada “Transitions in

Youth” (TIY)117, como ressalta da análise apresentada por Raffe (2001: 115), sobre as

investigações que se baseiam numa abordagem comparada com base em dados de

inquéritos, apresentadas nos encontros promovidos pela TIY. Ora, é precisamente no seio

desta rede que é realizada uma das investigações mais completas sobre a inserção

profissional118, e que procura responder uma das questões que, segundo Raffe (2003: 30),

tem estado subjacente a muitas das investigações comparadas, desenvolvidas no quadro

desta TIY e que consiste em saber de que forma os diferentes sistemas de inserção119

moldam os processos de inserção e os seus resultados. Referindo-se a este projecto, a

resposta de Raffe (2003: 30) não deixa margem para dúvidas. Afirma o autor que as análises

demonstram que os diferentes sistemas de inserção têm efeitos diferentes sobre os

percursos de entrada e de integração no mercado de trabalho. Quais são os resultados em

que Raffe se baseia para fazer esta afirmação é o que veremos, sucintamente, em seguida.

Uma vez mais, os resultados das análises realizadas por Muller e Wolbers (2003),

Couppié e Mansuy (2003) e Wolbers (2003), vêm demonstrar que, no plano individual, o

factor que mais influencia os percursos de formação é, sem dúvida, a educação e que as

diferenças entre os sistemas de educação/formação europeus, que, aliás, se têm vindo a

acentuar com a segunda fase de expansão dos sistemas educativos (Muller e Wolbers,

2003: 31), são uma das principais responsáveis pelos diferentes modos de inserção

profissional das juventudes europeias. Essas diferenças estão patentes na estrutura da

oferta formativa, mais vocacionada para a formação geral nuns casos, mais orientada para o Allmendinger (1989). O primeiro, desenvolvendo uma análise comparativa dos mercados de trabalho juvenis na Grã-Bretanha e no Canadá e discutindo sua influencia sobre os processos de transição profissional; o segundo, analisando as diferenças entre os sistemas educativos alemão, norueguês e americano, a partir dos conceitos de estandardização (dos curricula, das certificações, etc) e de estratificação e o modo como essas diferenças se reflectem nos processos de transição para o trabalho. 117 A rede Transitions in Youth (TIY) foi criada em 1992. Na sua origem estiveram muitos dos investigadores responsáveis pela análise dos inquéritos nacionais sobre a inserção (Raffe, 2001: 112), pelo que ela integra alguns dos investigadores que mais se têm destacado no domínio da inserção profissional. As características dos investigadores responsáveis pela sua criação, todos eles ligados a metodologias quantitativas, contribuem para a importância que é dada a este tipo de estudos. 118 Referimo-nos ao projecto “A comparative analyses on transitions from education to work in Europe” (CATEWE), que decorreu entre 1997-2000 e cujos resultados estão publicados no livro Muller, W. E Gangl, M. (eds) (2003). Transitions from education to work in Europe. The integration of Youth into EU labour markets. Oxford: Oxford University Press. Com base nos dados do inquérito europeu à força de trabalho (European Union Labour Force Survey), entre 1985 e 2000, este estudo analisa os processos de inserção profissional nos quinze países que na época constituíam a EU a partir de três dimensões: uma individual, que remete para os níveis de qualificação com que os jovens entram no mercado de trabalho; uma institucional, que dá conta da forma como os diferentes sistemas de educação e de formação afectam a escolarização e os modos de entrada no trabalho por via dos efeitos indirectos sobre a estrutura do mercado de trabalho e, uma estrutural, que analisa as alterações nos padrões de inserção e no valor individual da formação, decorrentes das transformações macro-económicas, das mudanças nas estruturas do mercado de trabalho e do aumento da escolarização. (Muller e Gangl, 2003: 5-10). 119 O conceito de sistema de inserção é definido por Raffe (2001: 113) como «as características dos sistemas de educação e de formação nacionais, as estruturas do mercado de trabalho, as instituições que apoiam a inserção e os seus contextos socioeconómicos».

165

emprego, noutros, na maior ou menor selectividade no acesso ao ensino superior, no nível e

tipo de qualificações obtidas na formação inicial e permitem identificar três grupos distintos

de países. De acordo com Muller e Wolbers (2003: 51), um primeiro grupo é constituído

pelos países, onde a oferta de nível secundário é, predominantemente, orientada para a

aquisição de competências profissionais quer através da aprendizagem como acontece na

Alemanha, Áustria e Dinamarca, quer da formação tecnológica inscrita no sistema de ensino

como se verifica na Suécia, na Holanda e na Finlândia; as taxas de escolarização no

superior são elevadas, com excepção da Áustria e em menor grau da Alemanha, e a

percentagem de jovens que concluem a sua formação quando terminam a escolaridade

obrigatória é muito reduzida. O segundo grupo compreende o Reino Unido, a Irlanda, a

França e a Bélgica. Nestes países, apesar da percentagem de jovens que concluiu o ensino

secundário ser praticamente semelhante à dos países anteriores, a percentagem daqueles

que possuem baixos níveis de qualificação é maior assim como é menor a percentagem dos

que obtêm qualificações profissionais ao nível do ensino secundário. Portugal, Espanha,

Itália e Grécia constituem o terceiro grupo de países. Comum a todos eles estão os

reduzidos níveis de qualificação de largos sectores da população, apesar da rápida

expansão dos respectivos sistemas educativos, como Gangl, Muller e Raffe (2003: 279)

fazem notar, um ensino secundário onde a oferta de formação profissionalizante é escassa e

uma taxa de participação no ensino superior muito variável120. Mas estas diferenças estão

também patentes no prosseguimento de estudos e no acesso à formação contínua, como

demonstra Wolbers (2003). São os jovens menos qualificados dos países do Sul aqueles que

menos investem no aumento da sua formação académica, depois de ingressarem no

mercado de trabalho, e são também eles que menos acesso têm à formação ministrada

pelas empresas (Wolber, 2003: 155)121.

Couppié e Mansuy (2003) e Gangl (2003a) colocam em evidência as diferenças e as

semelhanças nos modos de transição para o trabalho. Os jovens europeus são confrontados

com períodos de desemprego e com a precariedade, quando iniciam o processo de inserção

e estão sobrerrepresentados nas profissões menos qualificadas. Todavia, as diferenças

120 Na Espanha a taxa de participação no ensino superior está muito próxima da francesa. Em Portugal, ela é semelhante à dos países escandinavos. No entanto, o nosso país distingue-se de todos os outros pela elevada percentagem de jovens entre os 21 e os 25 anos que possuem apenas a escolaridade obrigatória, mais de 50%, enquanto que a média europeia se situa nos 30% e pela reduzida percentagem dos que concluem o ensino secundário, em particular na fileira profissionalizante conforma se verifica pelos dados apresentados por Mullar e Wolbers (2003: 53). 121 Os países do Sul apresentam as mais reduzidas percentagens de trabalhadores estudantes e de estudantes que trabalham. Os primeiros são definidos como aqueles que participam em acções de formação contínua os segundos integram os estudantes que trabalham, em geral, em part-time, com contrato permanente ou a termo (Wolbers, 2003: 133).

166

adquirem visibilidade quando os autores analisam a entrada dos jovens nos diferentes

mercados de trabalho nacionais. Uma primeira diferença reside na incidência do

desemprego: maior nos países do Sul, na França e Irlanda, onde o desemprego juvenil é

consideravelmente superior ao dos trabalhadores adultos, menor nos restantes países, onde

as taxas de desemprego são muito semelhantes (Couppié e Mansuy, 2003: 104). Uma

segunda diferença consiste nos tipos de emprego a que acedem: empregos pouco

qualificados no início do processo de inserção, na maior parte dos países, empregos

correspondentes ao nível de qualificação naqueles países onde a formação

profissionalizante tem mais peso e onde predominam os mercados de trabalho profissionais

(Gangl, 2003: 116). Uma terceira diferença resulta do tipo de vínculo contratual: os contratos

a termo têm maior peso em Espanha122, Portugal, Finlândia e Suécia e estão praticamente

ausentes na Itália e na Alemanha. O emprego em part-time, por seu turno, não tem

expressão na Áustria, Dinamarca, Alemanha nem em Portugal, mas encontra-se bastante

difundido na Bélgica, Suécia, França e nos países escandinavos (Couppié e Mansuy, 2003:

102).

Constatadas estas diferenças, nos modos de inserção no mercado de trabalho, resta

saber quais são os elementos que permitem explicá-las. No plano individual, a principal

variável que explica o desemprego e a precariedade é a educação. Gangl (2003 b e c) é

peremptório nesta constatação, ao mesmo tempo que demonstra as maiores vantagens

comparativas da formação profissionalizante, em particular da aprendizagem. Esta

modalidade de formação, afirma Gangl (2003: 184), reduz os riscos de desemprego quando

comparada com a formação geral e favorece uma integração progressiva no mercado de

trabalho, em particular nos países onde predominam os mercados profissionais123. Os países

do sul constituem a excepção a estes enunciados. Nestes países, nem o tipo nem o nível de

educação são suficientes para explicar as elevadas taxas de desemprego, uma vez que elas

não diferem significativamente em função do nível de escolaridade (Gangl, 2003: 185). A

122 Em Espanha, 80% dos jovens têm contratos a termo certo (Couppié e Mansuy, 2003: 100). 123 Nos vários capítulos de que é autor (Gangl, 2003a, b e c), Gangl demonstra que existe uma relação entre os tipos de mercados de trabalho nacionais, o modelo organizativo dos sistemas de educação e formação e os padrões de entrada no mercado de trabalho. Nos países onde os mercados profissionais são dominantes (Alemanha, Áustria, Dinamarca e Holanda), os sistemas de educação/formação têm uma forte componente de formação profissionalizante, as qualificações obtidas são reconhecidas no mercado de trabalho, as taxas de desemprego são mais reduzidas, a integração ocorre progressivamente. Nos países onde predominam os mercados internos (Reino Unido, França, Bélgica e Irlanda), a formação profissionalizante tem menor peso. No mercado de trabalho, a experiência joga um papel fundamental pelo que os debutantes se encontram numa situação particularmente vulnerável ao desemprego e acedem, no início da sua carreira, a empregos pouco qualificados. Os países do Sul encontram-se numa situação particular, combinando elementos característicos do primeiro e do segundo grupo. O desemprego é muito elevado, com excepção de Portugal. No acesso ao emprego quer a qualificação quer a experiência são fundamentais.

167

explicação para este aparente paradoxo é parcialmente dada por Velden e Wolbers (2003:

208), quando demonstram que nestes países e, em particular, em Espanha, as elevadas

taxas de desemprego juvenil são explicadas por factores macro-económicos, leia-se, as

elevadas taxas de desemprego global. Aliás, as diferenças registadas quer nas taxas de

desemprego quer na intensidade da precarização da relação salarial nos países analisados

são, segundo os autores (Velden e Wolbers, 2003: 209), na sua quase totalidade explicadas

pelos efeitos macroeconómicos, pela legislação relativa à protecção do emprego e pela

presença da formação profissionalizante, em particular a aprendizagem. Mas, se é verdade

que a integração dos jovens no mercado de trabalho é estruturada pelos contextos

nacionais, é igualmente verdade que são os factores individuais como o nível de educação, o

sexo e o tipo de qualificação obtida na formação inicial que estão na origem da

especificidade dos percursos individuais (Velden e Wolbers, 2003: 100).

Este tipo de estudos tem a vantagem de nos dar uma imagem, em grande plano, de

como se processa a transição para a vida activa dos jovens europeus e de recorrer a

factores individuais, institucionais e estruturais para explicar a sua diversidade. No entanto,

estas abordagens de grande escala apresentam uma limitação, argumenta Raffe (2001:

123): utilizam um elevado número de variáveis que, apesar da sua amplitude, se mostra

incapaz de dar conta das especificidades internas dos vários países. É, precisamente, nesta

perspectiva que o autor advoga a importância dos estudos que apostam numa abordagem

em profundidade, abrangendo um número mais reduzido de países e que são, em todo o

caso, o padrão dominante dos estudos comparativos sobre a inserção profissional dos

jovens124.

124 Veja-se, por exemplo, o caso dos estudos de Allmendinger (1989) sobre os sistemas educativos na Alemanha, Noruega e Estados Unidos, o de Hillmert (2002) sobre os modos de regulação social da transição no Reino Unido e na Alemanha, o de Roberts, Clark e Wallace (1994) também sobre estes dois países e centrado na análise da individualização e flexibilização dos processos de transição, o de Scherer (2001) que compara os diferentes padrões de ingresso no trabalho na Alemanha e na Grã-Bretanha.

168

Os estudos sobre a inserção profissional em Portugal Ao contrário do que se verifica em muitos países europeus, em Portugal, os estudos

sobre a inserção profissional dos jovens125 são recentes, pouco numerosos e só há pouco

tempo começaram a despertar o interesse da comunidade científica. A maioria destes

estudos tem estado a cargo de dois organismos expressamente criados para o efeito: o

OEVA126 (Observatório de Entradas na Vida Activa) e o OPES127 (Observatório Permanente

sobre o Ensino Secundário)128. A existência destes observatórios e o facto de eles incidirem

sobre populações distintas conferem, desde logo, uma especificidade a este domínio de

investigação na sociedade portuguesa. Ora esta especificidade consiste, em nosso entender,

numa forte divisão do trabalho, no que se refere à investigação sobre a inserção profissional

dos jovens portugueses: o OEVA analisa a inserção dos ex-formandos das acções

promovidas no âmbito do IEFP, o OPES a dos diplomados das diferentes fileiras do ensino

secundário e a CIME a dos ex-formandos das acções de formação financiadas por fundos

comunitários. Esta divisão de trabalho tem várias consequências referidas quer por

Fernandes (1997) quer por Nunes, Pais e Amaro (2002) e que podem ser sintetizadas da

seguinte forma: a utilização de diferentes conceitos, metodologias e indicadores, assim como

o desfasamento temporal entre os vários estudos, impossibilitam a realização de análises

comparativas que dêem conta do papel desempenhado pelos diferentes tipos de diplomas

125 Neste ponto reportamo-nos apenas aos estudos realizados sobre os ex-formandos de acções de formação profissional inicial e os diplomados do ensino não superior. Os estudos sobre os licenciados são objecto de uma análise autónoma no próximo capítulo. São igualmente excluídos desta análise outros trabalhos que, integrando os termos transição ou inserção nos respectivos títulos, ou analisam a situação dos jovens no mercado de trabalho em termos de evolução das taxas de actividade, de desemprego e de escolarização, como é o caso dos livros da autoria de Lima (1992) e de Correia et alli (1992), ou se debruçam sobre os processos de reconversão profissional dos trabalhadores da indústria dos lanifícios na Covilhã, como acontece com a investigação realizada por Oliveira (1998). 126 O OEVA foi criado em 1986, ao abrigo de um acordo entre o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, com o objectivo de recolher e sistematizar informação sobre a transição para a vida activa dos jovens diplomados pelos subsistemas de educação e formação tutelados por ambos os Ministérios. Actualmente, o OEVA analisa exclusivamente a inserção profissional das populações que frequentaram cursos de formação profissional ou contínua em centros de formação de gestão directa ou participada, tutelados pelo IEFP. Os estudos do OEVA são os únicos que têm uma periodicidade anual. 127 O OPES foi criado por iniciativa do Ministério da Educação, em 1996, com a finalidade de construir um sistema de informação atempado e permanente, que permita conhecer os diferentes subsistemas do ensino secundário relativamente ao processo de monitorização das escolas; à inserção na vida activa e aos percursos subsequentes dos seus diplomados (Nunes, Pais e Amaro, 2002: 107). 128 A criação de um terceiro observatório, o OIPE (Observatório de Inserção e de Percurso no Emprego), é referida por Fernandes (1997: 33). De acordo com o autor, este observatório foi criado no âmbito do grupo de trabalho de estudos de inserção e percurso no emprego cujos trabalhos são realizados em articulação com a CIME (Comissão Interministerial para o Emprego). Esta Comissão integra representantes dos Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade Social e de outros Ministérios e entidades que oferecem formações qualificantes: Ministérios da Agricultura, das Pescas, da Economia, do Equipamento, da Cultura e o Instituto Nacional de formação Turística. O objectivo deste observatório é o de estudar a inserção profissional dos ex-formandos que frequentaram acções de formação promovidas por aqueles Ministérios (Fernandes, 1997: 33). Este observatório não está ainda em funcionamento e o único estudo realizado foi elaborado no âmbito da CIME.

169

sobre a inserção dos jovens no mercado de emprego, bem como dos efeitos dos ciclos

económicos.

Estes estudos apresentam ainda um outro problema que não pode ser descurado e

que se constitui numa das maiores limitações para a compreensão deste fenómeno no nosso

país. Referimo-nos, concretamente, ao período a que se reporta a recolha de informação e à

opção metodológica que lhe é inerente. Com efeito, nos estudos do OEVA129 (Cardoso e

Sousa, 1996, Menezes, Rodrigues, Fernandes e Marques, 2002 a, 2002b, 2003, Menezes,

Rodrigues e Fernandes, 2004), a informação recolhida reporta-se à situação dos ex-

formandos no mercado de trabalho na última semana do nono mês após a conclusão da

formação, no elaborado pela CIME (Carimbo, 2001: 13) os dados referem-se ao mês de

Junho do ano seguinte à obtenção do diploma. Por seu turno, os da responsabilidade do

OPES (São Pedro, Rua, Neves e Neves, 2002, São Pedro, Rua, Neves, Neves e Quintas,

2001), têm como referência a situação em que os diplomados se encontram um ano depois

de terem terminado o percurso escolar. A opção por um período temporal tão reduzido tem

várias implicações. Em primeiro lugar, permite apenas traçar um retrato estático de um

fenómeno que cada vez mais corresponde a um processo e não a um momento isolado nas

biografias individuais, como diriam Charlot e Glassman (1998). Em segundo lugar, ao

incidirem sobre um período muito curto, estes estudos não têm em conta o facto de nem

sempre as tendências observadas durante os primeiros meses de entrada na vida activa

serem confirmadas a médio prazo, como Vergnies130 (1994) demonstra e os múltiplos

estudos sobre as trajectórias de inserção confirmam. Neste sentido, estes estudos

inscrevem-se no que poderíamos designar como a primeira vaga das investigações sobre a

inserção profissional131 e cujo objectivo é fornecer informações sobre as condições em que

ocorre o que alguns autores (Rose, 1988, Lefresne, 2003) designam por primeira inserção.

Na prática, trata-se de descrever, essencialmente, o acesso e as características do primeiro

emprego. Porém, a reduzida informação obtida através deste tipo de inquéritos, e o facto de

ser cada vez menor o número de diplomados para quem o primeiro emprego é sinónimo de

129 O universo dos estudos do OEVA é constituído pelos ex-formandos que frequentaram acções de formação profissional inicial e contínua. As reflexões que desenvolvemos dizem apenas respeito ao sub-universo da formação inicial. 130 A partir dos dados relativos à situação dos diplomados do ensino superior, três anos depois de terem terminado a licenciatura (1987), e dos que concluíram o secundário (1988), Vergnies (1994: 74) defende que o tipo de entrada no sistema de emprego condiciona largamente o percurso de inserção. Os salários e a categoria profissional do primeiro e do último emprego estão fortemente relacionados e uma boa inserção inicial pressagia uma boa inserção posterior. 131 Esta designação de primeira vaga decorre do facto dos primeiros estudos realizados ainda na década de setenta, principalmente, em França, se reportarem às condições em que ocorria a inserção, num período que era inferior a um ano. Segundo Pottier (1993: 9), este tipo de inquéritos é realizado anualmente na França, na Holanda, na Itália, na Irlanda e na Bélgica.

170

estabilização no mercado de trabalho, tem contribuído para que, em muitos países europeus,

este tipo de informação seja completado com a realização de estudos longitudinais132, esses

sim capazes de dar conta das características de um processo que se prolonga no tempo e

das especificidades associadas aos vários tipos de percursos de inserção. Em Portugal, a

inexistência deste tipo de estudos não permite conhecer os modos como se desenrolam as

trajectórias de inserção dos diplomados das várias fileiras do sistema de educação/formação,

mas apenas ter uma imagem estática da sua situação no mercado de trabalho, no momento

da inquirição. Para além destas limitações, os estudos realizados pelo OEVA levantam ainda

um outro problema que se prende com a utilização do conceito de inserção que, aliás, não

chega nunca a ser definido. Neste caso concreto, estamos perante uma definição implícita

de um conceito cuja utilização nos coloca sérias reservas. É certo que existe uma discussão

sobre os critérios que permitem definir, em termos individuais, o início do processo de

inserção: elegem-se os indivíduos que nunca integraram a população activa, como defende

(Vernières, 1997: 11), ou utiliza-se como critério a conclusão do percurso formativo, como faz

a maioria dos estudos. Como defendemos anteriormente, a nossa opção é clara e consiste

na definição de um critério que ultrapasse, simultaneamente, as limitações inerentes à

proposta de Vernières, que por ser demasiado restritiva exclui o número crescente de jovens

que exerce uma actividade profissional, na maior parte dos casos a tempo parcial, e as

limitações que decorrem de uma definição demasiado abrangente e que corre o risco de nela

integrar os indivíduos já inseridos no mercado de trabalho. Os estudos realizados pelo OEVA

são bem o exemplo deste último risco. Ao inquirirem todos os ex-formandos e ao não

desenvolverem uma análise que permita distinguir entre aqueles para quem a conclusão do

curso coincide com o início do processo de inserção, e aqueles outros que já estavam

inseridos no mercado de trabalho133, estes estudos tratam do mesmo modo situações que

não são comparáveis134. Se no primeiro grupo é de inserção profissional que se trata, já no

132 Os inquéritos longitudinais, reportando-se a um período que varia entre os três e os cinco anos depois de concluído o percurso formativo, são realizados em França, Irlanda, País de Gales, Escócia, Inglaterra, Holanda, Itália, Bélgica, Catalunha e País Basco. Apesar de todos estes países e regiões referidos optarem por este tipo de abordagens, existem grandes diferenças quanto à dimensão da amostra, à metodologia utilizada (inquérito postal, entrevista em presença ou telefónica), ao número de vezes em que se desenrola a inquirição (inquirições repetidas anualmente, uma única inquirição reportando-se a todo o período em estudo) (Pottier, 1993: 10-13). 133 É certo que a partir de 2002, os estudos (Menezes et alli, 2003, 2004) passam a contemplar uma análise das trajectórias dos ex-formandos construídas com base na condição perante o trabalho antes e nove meses após a formação e que essa análise foi mesmo estendida ao período compreendido entre 1996 e 2001 (Fernandes, ST 16 e Rodrigues e Fernandes (ST21). No entanto, se a construção de trajectórias permite saber, por exemplo, a situação no mercado de trabalho dos indivíduos que eram estudantes antes de terem iniciado a formação a questão de fundo mantém-se dado que a análise desenvolvida continua a trabalhar com todos os ex-formandos, independentemente da sua situação inicial. 134 Para termos uma ideia da diversidade de situações entre os ex-formandos que concluíram a formação em 1990: 41,5% estava empregado antes de iniciar a formação, 28% era inactivo, 1,4% tinha cumprido o serviço militar obrigatório, 10,5% estava numa

171

segundo o que está em causa é o impacto da formação sobre as trajectórias profissionais, na

linha dos trabalhos desenvolvidos por Béduwé (1992) e Paul (1992). Neste sentido, falar de

inserção na vida activa como fazem os vários estudos do OEVA é, do ponto de vista teórico,

pouco rigoroso e é-o ainda menos quando esta mesma expressão é também utilizada

tratando-se dos ex-formandos da formação contínua.

O universo do estudo realizado pela CIME (Carimbo, 2001) é constituído pelos ex-

formandos que concluíram, em 1997 e 1998, acções de formação profissional, com uma

duração superior a quatrocentas horas, promovidas por instituições gestoras de fundos

comunitários no âmbito da formação ou por entidades titulares de candidaturas aos mesmos

(Carimbo, 2001: 12)135. Como facilmente se depreende, estamos perante um universo

extraordinariamente diversificado quer em termos de habilitações de acesso, que vão desde

o 4º ano de escolaridade até à licenciatura, quer em termos de perfis de qualificação à saída,

elementos que indiciam várias condições perante o trabalho antes do início da formação,

mas que não são explicitadas. De facto, se no caso dos estudos do OEVA a questão residia

na inexistência de uma análise em função da condição perante o trabalho em que se

encontravam os inquiridos antes do início da formação, neste o problema decorre, em nosso

entender, da ausência de dados que permitam traçar um retrato inicial da situação dos

formandos no mercado de trabalho. Neste sentido, estamos perante dois inquéritos que nos

fornecem dados bastante exaustivos sobre a situação profissional dos inquiridos depois da

formação, mas relativamente à qual não dispomos de informação que nos permita saber se

essa mesma situação se inscreve num processo de inserção profissional ou numa trajectória

profissional.

Dos vários estudos que temos vindo a referir, apenas os realizados pelo OPES (São

Pedro et alli, 2002, São Pedro et alli, 2001) se inscrevem na categoria dos estudos de

inserção136. O universo é constituído por todos os diplomados dos vários sub-sistemas do

ensino secundário137 que terminaram a formação em 1997, no caso do primeiro estudo, e

outra situação ou não respondeu e 18,6% era desempregado sem que seja especificado se se tratava de desempregados à procura do primeiro emprego ou de um novo (Cardoso e Sousa, 1996: 19). A distribuição dos que concluíram em 1999 era a seguinte, antes de iniciarem a formação: empregado, 35,8%, desempregado, 24,9%, SMO, 0,4%, estudante 22,9%, doméstico/a 4,8%, outra situação 7,7% e não responderam 3,5% (OEVA, 2000: 7). 135 Este critério reflecte-se na enorme diversidade de entidades formadoras (IPSS, empresas, escolas profissionais, outras instituições públicas, escolas do ensino secundário, escolas tecnológicas, centros de gestão participada e de gestão directa do IEFP) e das acções de formação (191 no total). 136 Utilizamos propositadamente esta designação porque, como vimos anteriormente, nenhum destes inquéritos se inscreve numa abordagem longitudinal que permita estudar os percursos de inserção profissional. 137 Estes subsistemas são: os cursos gerais, os cursos tecnológicos, o ensino profissional, o ensino recorrente e o ensino artístico. Estes dois últimos não foram contemplados na análise devido ao reduzido número de respostas (São Pedro et alli, 2002: 9).

172

pelos diplomados que concluíram o ensino profissional, os cursos gerais e tecnológicos em

1996, no segundo. Ambos os inquéritos foram aplicados a amostras representativas dos

diplomados das várias fileiras do ensino secundário (São Pedro et alli, 2001, São Pedro et

alli, 2002) e os indicadores utilizados são, em tudo, semelhantes aos que estão presentes na

maioria, se não mesmo na totalidade, deste tipo de estudos realizados nos vários países

europeus. Além disso, o facto de, por um lado, estarmos perante uma população que conclui

a sua formação escolar de nível secundário e, por outro, os diplomados do ensino recorrente

não serem contemplados na análise, reduzem drasticamente o risco efectivo ou hipotético da

heterogeneidade de condições perante o trabalho que caracterizavam os inquiridos dos

estudos anteriores. Contudo, estes dois estudos apresentam ainda uma outra característica

que os distingue dos referidos anteriormente: são os únicos que recorrem a uma metodologia

comparativa, que permite dar conta das diferenças e das semelhanças dos modos de

inserção dos diferentes tipos de diplomados. No entanto, eles não são caso único. O estudo

sobre a inserção profissional dos jovens que concluíram o 9º e o 12º anos de escolaridade

(São Pedro e Rua, 1997) desenvolve também ele numa análise comparativa da inserção

profissional destes dois grupos de diplomados, a partir dos dados recolhidos através da

aplicação de um questionário a duas amostras que correspondem, respectivamente, a 50%

dos jovens que terminaram o 9º ano e a 89% dos que concluíram o ensino secundário (São

Pedro e Ruas, 1997: 10).

Um outro grupo de estudos de cariz quantitativo apresenta como denominador

comum a homogeneidade das qualificações académicas. Referimo-nos especificamente aos

inquéritos de inserção dos diplomados das escolas profissionais. Todavia, apesar de ser esta

a designação genérica destes trabalhos, a análise da inserção profissional é apenas uma

das dimensões analíticas contempladas num estudo que se pretende de avaliação do ensino

profissional. Mas estes estudos apresentam ainda uma outra particularidade: encomendados

pelo PRODEP, uma vez que se trata de formações financiadas por fundos comunitários, a

sua realização é atribuída a entidades privadas ou públicas mediante concurso público138.

Ora, a dispersão de entidades tem como consequência a heterogeneidade das metodologias

e, nalguns casos, dos indicadores utilizados o que torna difícil, apesar da quantidade de

dados existentes, a análise comparativa da inserção profissional das cohortes que

138 Tanto quanto nos é dado saber, apenas o inquérito de inserção dos primeiros diplomados das escolas profissionais foi realizado por uma equipa dos serviços centrais do Ministério da Educação (Leite e Figueiredo, 1995a, 1995b).

173

anualmente concluem a formação neste sub-sistema educativo139. Num contexto em que

impera uma total ausência de explicitação do conceito de inserção profissional, como se se

admitisse que se trata de um conceito mono semântico e que, portanto, dispensa qualquer

exercício de definição conceptual, o estudo elaborado pelo IESE (2003) destaca-se dos

restantes. Ele é o único que justifica teoricamente a opção pelo uso do conceito de trajectória

de inserção140, embora depois não o operacionalize. Se este estudo se distingue pela

adopção de uma determinada perspectiva teórico-metodológica141, o realizado pela CESO

diferencia-se, não só pelas técnicas de recolha de informação adoptadas (inquérito de

resposta on-line e entrevista telefónica), mas também por propor uma estratégia

metodológica precisa, ainda que questionável. Segundo os autores (CESO, 2005: 16), este

tipo de estudo deveria contemplar dois momentos de inquirição: o primeiro entre seis meses

e um ano depois da conclusão da formação, o segundo, um ano após o primeiro. Esta opção

permitiria, argumentam (CESO, 2005: 16-17), uma recolha mais fiável de informação,

evitando o efeito memória, comparar os percursos de diferentes anos lectivos possibilitando

a identificação de resultados de eventuais alterações quer do contexto quer do próprio

ensino e das escolas profissionais e o acompanhamento da capacidade de resposta das

escolas profissionais àquelas alterações. Curiosamente, os autores não focam o elemento

consensualmente aceite na comunidade científica para aumentar o período a que se reporta

a recolha de dados: o prolongamento temporal do período que medeia entre a saída do

sistema educativo e a estabilização no mercado de trabalho (Rose, 1998, 2002, Lefresne,

2003, Giret, 2000). Ora, esta proposta é precisamente questionável por defender um

prolongamento do período de observação, como lhe chama Pottier (2003: 12), que, na

melhor das hipóteses ficaria aquém do tempo mínimo convencionado entre a comunidade

científica e, empiricamente testado, como o necessário para analisar os processos de

inserção profissional e que, como referimos anteriormente, se situa entre os três e os cinco

139 Aliás, mesmo quando os indicadores são os mesmos, a utilização de modalidades de resposta diferentes inviabiliza a realização de uma análise comparativa rigorosa. É o que acontece, por exemplo, com a pergunta sobre os meios de obtenção do emprego (cf. CESO, 2005: 125 e IESE, 2003: 106) ou com aquela que se refere ao tipo de contrato (cf. CESO, 2005: 132 e IESE, 203: 111) 140 A opção por este conceito é justificado pelos autores com base no facto de ele procurar «abranger a complexidade dos percursos profissionais que decorre, p.e., da rotatividade dos empregos, das funções desempenhadas numa organização, da natureza dos ramos de actividade de inserção, do contexto territorial de inserção e da profissão associada ao posto de trabalho, das realidades indutoras de mobilidades específicas (de emprego, funcional, sectorial, geográfica e sócio-profissional» (IESE, 2003: 14). 141 O estudo de trajectórias ou de percursos de inserção implica, como defende Pottier (1992: 262), a «substituição de indicadores de avaliação instantânea de uma formação (taxa de desemprego, de emprego desqualificado) por indicadores similares que dêem conta de um processo e não de um instante».

174

anos142. Mas ela é também questionável a partir de um dos argumentos justificativos que

avança: permitir o acompanhamento da capacidade de resposta das escolas profissionais à

mudança. Ora o que está subjacente a este argumento é a filiação numa perspectiva

adequacionista da formação às exigências do mercado de trabalho na sua versão mais

ortodoxa143, perspectiva essa que tem sido objecto de numerosas críticas e que nem

Joaquim Azevedo (2000), um dos principais responsáveis pelo lançamento das Escolas

Profissionais, subscreve. Aliás, Joaquim Azevedo (2000: 92) sintetiza mesmo, de uma forma

exemplar, as principais críticas que se colocam à concepção adequacionista da educação e

que não resistimos a transcrever:

« (...) b) sempre foi difícil e é, cada vez mais, praticamente impossível prever a evolução dos postos de trabalho e proceder a um planeamento a prazo da produção de qualificações; c) em caso algum a escola consegue proporcionar uma formação tão especializada que se possa adequar à diversidade dos empregos e à sua rápida evolução; d) a maioria dos trabalhadores, na mesma ou em várias empresas, vai ver-se repetidamente deslocada de um trabalho para outro ou terá de se adaptar a várias alterações no mesmo posto; e) a maioria dos postos de trabalho, mesmo os que incorporam novas tecnologias requer um número limitado de habilidades e de conhecimentos específicos, que se adquirem em pouco tempo e, melhor do que em qualquer outro espaço ou do que por qualquer outro processo, no posto de trabalho; f) o mercado de trabalho e as estratégias concretas de recrutamento por parte dos empregadores não são suficientemente transparentes para que, se fosse possível, os trabalhadores mais indicados ocupassem os postos de trabalho mais adequados às suas capacidades pessoais; g) a procura de mão-de-obra não se orienta predominantemente nem pelo perfil de competências nem pelo tipo de qualificações que os sistemas educativos produzem; (...) i) só muito raramente as dinâmicas do desenvolvimento económico e empresarial se articulam com e se integram em dinâmicas mais vastas de desenvolvimento social e cultural, nas quais se inscrevem os investimentos em ensino e em formação».

Apesar dos estudos analisados, com excepção do da autoria de São Pedro e Rua

(1997), recolherem informações sobre pelo menos dois momentos distintos do percurso de

inserção dos diplomados estas informações ou são escassas144 ou não são trabalhadas por

forma a dar conta do carácter dinâmico desse processo. Em todos os estudos, elas servem

apenas para traçar retratos estáticos da situação das cohortes no mercado de trabalho.

Porém, independentemente destas limitações teórico-metodológicas, e salvaguardados

todos os riscos inerentes a estarmos a comparar dados que, em rigor, não são comparáveis,

142 Estamos, no entanto, conscientes de que esta crítica pode de ser injusta na medida em que o objectivo deste estudo e de todos os outros realizados sobre esta modalidade de educação/formação não é o de analisar exclusivamente a inserção profissional dos diplomados, mas sim os percursos dos diplomados no quadro de uma avaliação da formação ministrada pelas escolas profissionais. 143 Ortodoxa quer porque defende uma adequação que deve ser rápida e imediata à exigências do mercado, quer porque se filia numa interpretação do desemprego que elege o desajustamento entre a oferta e procura de qualificações como o único elemento explicativo: «o desemprego permite avaliar em que medida a oferta de qualificações profissionais se ajusta à respectiva procura» (CESO, 2005: 44) 144 Como acontece quando se trata de caracterizar o primeiro emprego.

175

atrevemo-nos a apontar as grandes tendências145 que caracterizam a forma como se

processa a passagem da escola para o sistema de emprego. Em todos os estudos, mais de

metade dos inquiridos acede ao primeiro emprego em menos de seis meses e os familiares e

conhecidos são os principais facilitadores da primo inserção146. Passado aproximadamente

um ano, a precariedade do emprego é a característica dominante entre os empregados,

apesar de mais de metade dos inquiridos permanecer ainda na mesma empresa. A maioria

considera que exerce uma actividade profissional que corresponde, total ou parcialmente, à

sua área de formação e está satisfeita, ou mesmo muito satisfeita, com a respectiva situação

profissional. Apesar destes dados não evidenciarem problemas graves de transição para o

mercado de trabalho147, esta transição parece ser influenciada148 pelo sexo dos inquiridos149,

pela região e pelo curso, como demonstram os trabalhos do IESE e da CESO, assim como

pela modalidade de ensino frequentada150.

Para além destes estudos, outros dois merecem a nossa atenção por incidirem sobre

uma população particular: aquela que abandona a escola sem concluir a escolaridade

obrigatória e que, em muitos casos, vai engrossar as fileiras do trabalho infantil. A esta

característica comum, acresce ainda o facto de ambos se proporem analisar a inserção no

mercado de trabalho, conceito que uma vez mais parece dispensar qualquer tipo de

explicitação. O trabalho elaborado por Azevedo (1999)151 é a vários títulos elucidativo de

145 Para minimizar os riscos de comparações abusivas, baseamo-nos apenas nos indicadores que são rigorosamente iguais no que respeita à formulação da pergunta e às modalidades de resposta consagradas e aqueles que embora utilizando modalidades de resposta diferentes cobrem o mesmo campo semântico, como é o caso, por exemplo, da adequação da formação ao trabalho (Cf São Pedro et alli, 2001: 40-42, São Pedro et alli, 2002: 38, CESO, 2005: 141 e IESE, 2003: 118). 146 Primo-inserção é uma expressão utilizada por alguns autores para se referirem ao primeiro emprego (Rose, 2002, Balsan, Hachane e Werquin, 1996). 147 O problema mais grave parece ser o desemprego, mas sobre esse não nos atrevemos a tecer considerações, pois as fórmulas de cálculo, como não são explicitadas, levam-nos a crer que variam de estudo para estudo uma vez que os valores apresentados são muito díspares. Detenhamo-nos sobre os valores apresentados nos dois estudos sobre os diplomados do ensino secundário. No caso dos diplomados de 1996/97 e decorrido cerca de um ano: «16% estão desempregados, a maioria deles não tendo sequer obtido o primeiro emprego» (São Pedro et alli, 2002: 28). Em relação aos que concluíram no ano anterior: «1/4 está desempregado à procura do primeiro emprego e 9% estão desempregados à procura de novo emprego». (São Pedro et alli, 2001: 29). Como explicar uma tão grande discrepância de valores no intervalo de um ano e para o mesmo tipo de diplomados? Já em relação ao estudo da CESO (2005: 108), a percentagem de desempregado é calculada sobre o total da população inquirida, estudantes incluídos, e no estudo o IESE (2003: 122) apenas nos é dito que o desemprego atinge 17,7% dos diplomados. 148 A utilização do termo “parece” é claramente intencional na medida em que nenhum destes estudos recorre a testes estatísticos que permitam validar estatisticamente as relações entre as várias variáveis. 149 Todos os estudos que analisam o comportamento das várias variáveis em função do sexo (São Pedro et alli, 2001, São Pedro et alli, 2002, CESO, 2005 e IESE, 2003) mostram que as raparigas demoram mais tempo a aceder ao primeiro emprego, são mais afectadas pela precariedade do emprego e recebem salários inferiores aos dos seus colegas do sexo masculino. 150 De um modo geral, os cursos profissionais parecem dotar os seus diplomados de algumas vantagens comparativas (São Pedro et alli, 2001, 2002) 151 Este estudo incide sobre os jovens da Região Norte que saíram da escola antes dos 15 anos e que, quando o estudo foi realizado, tinham menos de 25 anos. Os dados foram recolhidos em 1994 através de um questionário enviado às famílias. Responderam 907 famílias abarcando um total de 1797 casos de abandono (Azevedo, 1999: 26 e 29). O facto de o número de casos ser praticamente o dobro do número de famílias é indiciador de um fenómeno que curiosamente o autor não refere: a recorrência do abandono escolar nestes contextos familiares.

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duas características marcantes da sociedade portuguesa: a pouca importância que é

atribuída à escola pelos grupos mais desfavorecidos das classes populares e a receptividade

dos empresários portugueses a uma mão-de-obra pouco qualificada. A desvalorização da

escola, por parte dos grupos menos escolarizados e mais pobres da população portuguesa,

já se depreendia noutros estudos realizados (Benavente et alli 1994, Alves, 1998, Ferrão e

Neves, 1992 e 1995), mas ela é agora confirmada pelas razões apresentadas pelos pais

para justificarem o abandono escolar precoce dos filhos: não queria ir à escola (22,1%),

gostava mais de trabalhar (20,6%) e precisava do filho em casa (15,7%) (Azevedo, 1999:

42). A receptividade dos empresários portugueses a uma mão-de-obra pouco qualificada, e

que o autor documenta com base num estudo realizado aos empresários das Regiões Norte

e Centro (Azevedo, 1999: 54), é uma vez mais confirmada pelos resultados desta

investigação: para além do trabalho doméstico, só 9% dos jovens não obteve emprego

depois de deixar a escola (Azevedo: 1999: 53)152. Assim, o abandono precoce é

acompanhado por inserção, também ela precoce, na relação salarial, ainda que não no seu

núcleo duro, como diriam Nicole-Drancourt e Roulleau-Berger (2001), ao qual dificilmente

acederão, como faz questão de salientar Joaquim Azevedo (1999). Aliás, a integração destes

jovens no mercado de trabalho faz-se por via do exercício de profissões pouco qualificadas

que alimentam a reprodução sócio-profissional intergeracional153 e a perpetuação do ciclo de

pobreza em que foram criados154.

Os resultados do estudo coordenado por Ferrão e Honório (2000) dão-nos uma visão

mais diversificada desta problemática, talvez por não se circunscreverem a uma única região

e por utilizarem uma abordagem metodológica totalmente diferente155. Os jovens que

abandonaram a escola tanto provêm de famílias desfavorecidas, como aquelas que são

descritas por Azevedo, como de famílias nas quais, como referem os autores (Ferrão e

Honório, 2000: 103), o nível de vida ultrapassou já o limiar mínimo de sobrevivência, mas os 152 Esta facilidade na obtenção do primeiro emprego está também patente no estudo realizado por São Pedro e Rua (1997). Comparando o tempo necessário para aceder ao primeiro emprego dos jovens com o 9º e o 12º anos, as autoras concluem que «parece poder dizer-se que os ex-alunos do 9º ano tiveram maior facilidade em arranjar emprego do que os do 12º ano, o que vai contrariar o princípio de que maior qualificação, maior facilidade de emprego» (São Pedro e Rua, 1997: 25). 153 A maioria dos jovens (63%) exerce uma profissão semelhante à dos pais (Azevedo, 1999: 63). 154 A caracterização das famílias de origem - agregados familiares numerosos, com muito baixos rendimentos, baixos níveis de escolarização e onde os pais exercem, predominantemente, profissões manuais pouco qualificadas (Azevedo, 1999: 77) - e o facto de mais de metade dos jovens entregar a totalidade do salário aos pais (38,2%) ou dar parte para as despesas familiares (27,2%) (idem: 59) não deixa margens para dúvidas quanto às dificuldades económicas com que se debatem estas famílias. 155 Foram realizadas entrevistas em profundidade a 16 indivíduos que correspondiam a quatro contextos tipo: «jovens com idades entre os 15 e os 19 anos que muito recentemente desistiram da escolaridade, antes de terem completado o 9ºano, residentes em meio suburbano lisboeta; jovens adultos na casa dos 20 anos, socializados ou actualmente residentes na AML que abandonaram a escola antes da conclusão do 9º ano; adultos de 30-35 anos, residentes no Vale do Ave, em meio de industrialização difusa que deixaram o sistema de ensino antes de completarem 6 anos de escolaridade; adultos com uma idade entre os 40-45 anos, vivendo em freguesias rurais de Beja, sem a 4ª classe (Ferrão e Honório, 2000: 96).

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níveis de escolaridade continuam a ser baixos156. Os motivos para abandonar a escola

oscilam entre os constrangimentos da pobreza, o desinvestimento ou a recusa familiar na

escolarização dos filhos, os maus tratos e a violência na família, as fatalidades do destino ou

os acidentes de conjuntura e a tensão entre os valores e as experiências que os jovens

transportam e a lógica de funcionamento da escola (Ferrão e Honório, 2000: 111) e que se

reflectem na rejeição da disciplina escolar, no insucesso e no absentismo crónico. Tal como

no estudo anterior, também neste ao abandono precoce segue-se a entrada no trabalho:

desqualificado, precário e correspondendo a baixíssimas remunerações (Ferrão e Honório,

2000: 123), mas não para todos. Os autores encontram, entre os entrevistados, alguns

percursos de sucesso profissional, fruto do inconformismo, de uma inesgotável perseverança

e capacidade de trabalho (Ferrão e Honório, 2000: 128) que permitem antever processos de

mobilidade ascendente no mercado de emprego e na sociedade em geral. Mas a excepção

apenas confirma a regra e concluem afirmando que o abandono escolar, enquanto produto

mais ou menos remoto das desigualdades sociais, contribui para reproduzir, quase sempre,

as desfavoráveis posições de partida (Ferrão e Honório, 2000: 130).

Realizado este périplo por alguns estudos sobre a inserção profissional dos jovens,

somos levados a concluir que o panorama é francamente desolador. Do ponto de vista

teórico, a reflexão em torno dos conceitos fundamentais como os de inserção profissional ou

trajectórias de inserção são praticamente inexistentes; do ponto de vista metodológico, a

incidência dos estudos quantitativos sobre períodos de observação muito curtos não é

compensada pela realização de outros, de carácter longitudinal, que permitam acompanhar

os percursos de inserção e profissional de cohortes durante um período temporal alargado

controlando, por esta via, os efeitos da conjuntura económica e da flexibilização dos

empregos; do ponto de vista teórico-metodológico, nenhum dos trabalhos a que tivemos

acesso constrói tipologias de inserção profissional que permitam dar conta dos modos

diferenciados como os jovens diplomados se inscrevem na relação salarial. Por último, talvez

porque os organismos oficiais estão pouco disponíveis para facilitarem o acesso aos dados

que recolhem ou porque a comunidade científica se mostra pouco interessada por esta

156 A idade dos entrevistados é, neste estudo, um factor explicativo desta diferença. Enquanto os mais velhos foram criados em famílias numerosas em que a pobreza impera e nas quais existe uma utilização e uma rentabilização precoce do trabalho infantil, os mais novos, filhos únicos ou com um irmão, provêm de agregados familiares que lhes asseguram as condições de habitação, alimentação, saúde e higiene (Ferrão, André e Almeida, 2000: 16-17). Estes dois tipos de condições socioeconómicas estão na origem de dois tipos distintos de abandono: o abandono “pré-moderno” em que os jovens deixavam a escola, eram postos a trabalhar e entregavam aos pais a totalidade ou parte do salário; e o abandono moderno associado também ele à integração no mercado de trabalho só que agora o emprego permite: «ganhar dinheiro para si e, com ele, aceder a bens “supérfluos” e a serviços de consumo que estão na moda, que de outro modo lhes estariam vedados na modesta economia familiar» (idem: 19).

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temática ou ainda porque ambas as hipóteses coexistem, não encontramos, em Portugal,

trabalhos científicos que se baseiem no tratamento secundário do material empírico existente

como aqueles que encontramos noutros países europeus.