capítulo i pequena história da cirurgia plástica

11
CAPÍTULO I HISTÓRIA DA CIRURGIA PLÁSTICA "O cirurgião deve tentar compreender a alma na mesma proporção em que o psicanalista procura compreender o corpo". Ivo Pitanguy in Veja, 23 de julho de 1986, pg.64. Abreviações: CP - Cirurgia Plástica CPR - Cirurgia Plástica Reparadora CPE - Cirurgia Plástica Estética Características da Cirurgia Plástica Cirurgia, tomada em seu sentido geral, é um ramo da Medicina que estuda o paciente e sua enfermidade, contribuindo para um correto diagnóstico e visando ao seu tratamento através do ato operatório que atua diretamente no órgão afetado ou que é considerado digno do evento. O termo "cirurgia plástica" (CP) foi empregado pela primeira vez em 1838 por Eduardo Zeis, dando- lhe o sentido unificado de técnica e arte em benefício sômato-funcional e conseqüente alívio psíquico. (DAVIS, 1941). A A divisão entre reparadora e estética é considerada apenas para efeitos didáticos, para a grande maioria dos residentes em CP, pois em termos pragmáticos, tanto uma orelha de abano quanto um nariz "feio" trazem problemas psicossociais (PITANGUY, 1960). No primeiro exemplo, a CP é recomendável, pois a maioria dos pacientes são beneficiados com o ato cirúrgico que os deixa "normais". A Cirurgia Plástica reparadora tem como principal objetivo a integração ou reintegração do paciente no seu grupo social. No segundo, a CP passa por, pelo menos, dois critérios: 1) o da própria pessoa (domínio pessoal) que não apresenta sintomas ou qualquer outra deformidade aparente, mas deseja retirar a qualidade de "feio", "rugoso" ou "áspero" ou acrescentar ítens de simetria, suavidade, harmonia ou leveza e 2) indicação cirúrgica: além dos critérios pessoais estéticos do cirurgião, passa a ser considerada a viabilidade técnica da cirurgia. Também é falsa a crença de que a CPE é uma atividade nobre ou elitista, enquanto que a CPR é de 2ª linha (AMARO, 1985; PAILLET & GATÉ, 1980 e PITANGUY, 1984 e 1990). A Cirurgia Plástica Reparadora é o primeiro ramo da Cirurgia Geral que cuida dos problemas relacionados com os transplantes de pele, enxertos e inclusões orgânicas e inorgânicas procurando restaurar ou estabelecer formas. A CPR também inclui o restabelecimento da função e tem conceitos próprios, ao lado de métodos particulares apropriados. (ASSUMPÇÃO, 1990). Para a formação do cirurgião plástico, além do curso de Medicina, é necessária residência em Cirurgia Geral. Após o término dessa residência, é feita a especialização em CP Estética e CP Reparadora, com exames específicos de habilitação. (RUZZANTE, 1986). É exigido do seu praticante, além de uma habilidade interpessoal e inclinação espontânea e especial para a tarefa em si, uma vocação artística para página 15

Upload: wvpolt

Post on 06-Jun-2015

8.341 views

Category:

Documents


8 download

DESCRIPTION

Pequena História da Cirurgia Plástica é o capítulo I da minha dissertação de mestrado defendida em 1995 pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

TRANSCRIPT

Page 1: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

CAPÍTULO I

HISTÓRIA DA CIRURGIA PLÁSTICA

"O cirurgião deve tentar compreender a alma na mesma proporção em que o psicanalista procura compreender o corpo".

Ivo Pitanguy in Veja,23 de julho de 1986, pg.64.

Abreviações: CP - Cirurgia Plástica CPR - Cirurgia Plástica Reparadora CPE - Cirurgia Plástica Estética

C a r a c t e r í s t i c a s d a C i r u r g i a P l á s t i c a

Cirurgia, tomada em seu sentido geral, é um ramo da Medicina que estuda o paciente e sua enfermidade, contribuindo para um correto diagnóstico e visando ao seu tratamento através do ato operatório que atua diretamente no órgão afetado ou que é considerado digno do evento. O termo

"cirurgia plástica" (CP) foi empregado pela primeira vez em 1838 por Eduardo Zeis, dando-lhe o sentido unificado de técnica e arte em benefício sômato-funcional e conseqüente alívio psíquico. (DAVIS, 1941).

AA divisão entre reparadora e estética é considerada apenas para efeitos didáticos, para a

grande maioria dos residentes em CP, pois em termos pragmáticos, tanto uma orelha de abano quanto um nariz "feio" trazem problemas psicossociais (PITANGUY, 1960). No primeiro exemplo, a CP é recomendável, pois a maioria dos pacientes são beneficiados com o ato cirúrgico que os deixa "normais". A Cirurgia Plástica reparadora tem como principal objetivo a integração ou reintegração do paciente no seu grupo social. No segundo, a CP passa por, pelo menos, dois critérios:

1) o da própria pessoa (domínio pessoal) que não apresenta sintomas ou qualquer outra deformidade aparente, mas deseja retirar a qualidade de "feio", "rugoso" ou "áspero" ou acrescentar ítens de simetria, suavidade, harmonia ou leveza e

2) indicação cirúrgica: além dos critérios pessoais estéticos do cirurgião, passa a ser considerada a viabilidade técnica da cirurgia. Também é falsa a crença de que a CPE é uma atividade nobre ou elitista, enquanto que a CPR é de 2ª linha (AMARO, 1985; PAILLET & GATÉ, 1980 e PITANGUY, 1984 e 1990).

A Cirurgia Plástica Reparadora é o primeiro ramo da Cirurgia Geral que cuida dos problemas relacionados com os transplantes de pele, enxertos e inclusões orgânicas e inorgânicas procurando restaurar ou estabelecer formas. A CPR também inclui o restabelecimento da função e tem conceitos próprios, ao lado de métodos particulares apropriados. (ASSUMPÇÃO, 1990).

Para a formação do cirurgião plástico, além do curso de Medicina, é necessária residência em Cirurgia Geral. Após o término dessa residência, é feita a especialização em CP Estética e CP Reparadora, com exames específicos de habilitação. (RUZZANTE, 1986).

É exigido do seu praticante, além de uma habilidade interpessoal e inclinação espontânea e especial para a tarefa em si, uma vocação artística para aspectos relacionados à proporção, simetria e forma (FARINA, 1946). Segundo SCHOR & FREITAS (1992) existem várias semelhanças entre o consultório do cirurgião plástico e o do psicólogo, daí a necessidade de o cirurgião ter facilidade para ouvir, compreender e orientar o paciente:

“O médico deve ouvir exaustivamente a paciente para entender suas expectativas diante da plástica das mamas, e isto é um verdadeiro dogma para nós. A opinião da paciente é também decisiva, porque se liga não só a posição ou a opiniões objetivas, mas também a sentimentos e desejos que estão ligados às suas fantasias e alguma coisa extremamente difícil de ser discutida com quem quer que seja: aquilo que ela pretende fazer do próprio corpo.” (SCHOR & FREITAS, 1992, p. 113).

O sentido estético é inerente ao ser humano, mas o conceito que cada grupo possuía sobre a noção de beleza era conservado dentro das diferentes etnias ou tribos, quando estas não eram colocadas em confronto, no qual a idéia de comparação poderia surgir. Assim, antes das grandes navegações, os conceitos de beleza e identidade eram mantidos pelo fato de os grupos viverem afastados ou isolados uns dos outros. (PITANGUY, 1992).

página 15

Page 2: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

Com o desenvolvimento das grandes navegações, o homem passou a ampliar o conceito geográfico da Terra e houve aumento do intercâmbio de pessoas entre os diversos continentes. Com o aprimoramento das comunicações e, recentemente com o enorme avanço da informática, é cada vez mais fácil o transporte de imagens e informações pelo mundo. O conceito individual de beleza e a percepção de que se está dentro de padrão do grupo social serão alterados pela forte imposição do padrão esbelto-retilíneo veiculados pela mídia, o que vai gerar o conseqüente aumento do número de cirurgias plásticas no mundo todo, como forma de se alcançar o formato corporal desejado ou imposto. (WOLF, 1992).

Atualmente, a CP ainda é cercada de inúmeros mitos, favoráveis ou não. Para citar alguns, muitas pessoas acham que a cirurgia plástica não deixa cicatrizes, o que contraria uma lei da natureza da pele: se houver um corte ou ferimento haverá cicatrizes para fechá-lo. O que acontece é que a CP consegue escondê-las bem ou razoavelmente bem. Outro mito é a confusão freqüente entre rejuvenescimento facial e elixir da juventude: pessoas que esperam um aumento da vitalidade através da retirada das rugas costumam decepcionar-se após o evento cirúrgico. (SCHOR & FREITAS, 1992).

Um outro mito que envolve a CP é achá-la com capacidade de transformar qualquer parte do corpo de acordo com o desejado pelo paciente, acreditando-se que o cirurgião goza da mesma liberdade de criação que um pintor, escultor ou poeta:

"...O cirurgião, sendo escravo da forma e da anatomia, muitas vezes sente-se frustrado, pois lidando com o ser humano, o acrescentar e o tirar estão mais sujeitos às leis do próprio corpo do que a sua força criativa...". (PITANGUY in MELLO-FILHO,1992, p.264).

A s f a s e s

Homens que possuem um padrão estético clássico sempre tiveram aversão à feiúra, à deformidade ou à assimetria. Os aspectos inestéticos, quer dos objetos, quer das pessoas também sempre causaram perplexidade. A própria aparência é fundamental no estabelecimento da primeira impressão e nas diversas relações interpessoais. A aversão inestética representou o ponto de partida da história da Cirurgia Plástica (FARINA, 1946), à medida que as pessoas tentavam corrigir a deformidade saindo de postura passiva ou de resignação e, juntamente com a necessidade de simetria, perfeição e beleza, fizeram com que a CP se desenvolvesse e se firmasse como especialidade médica e polêmica, principalmente no século XX.

Para a CP chegar ao nível de aceitação, procura, desenvolvimento e status que possui atualmente, o seu percurso foi muito longo e complexo. Houve momentos de estagnação técnica, esquecimentos e de sérios ataques por parte da Igreja (FARINA, 1946).

Quando o antropóide (nosso ancestral) conseguiu ter o dedo polegar separado, via processo evolutivo, partiu da apreensão pura para a delicadeza do gesto (motricidade fina) e, daí, para o refinamento dos seus objetos. Tal aprimoramento técnico levou o homem a conseguir elaborar objetos cada vez mais precisos e eficazes, aumentando, dessa forma, a possibilidade de expressão simbólica que é reflexo da experiência estética (DUARTE-JÚNIOR, 1986).

A CP é muito antiga e praticada desde 3.800 a.C. Seu desenvolvimento está diretamente ligado à história da Cirurgia. O ato instintivo de tapar o sangramento com as próprias mãos é reflexo da lógica que levou o homem, numa atuação racional, a preferir meios diretos para a cura das enfermidades, agindo na própria região considerada doente e desenvolvendo conhecimentos e instrumentos adequados para isso (DAVIDSON, 1986). Trata-se do primórdio de qualquer cirurgia: abrir o local, efetuar a operação e fechar. Só partir de 3.500 a.C, porém, é que sua existência pode ser comprovada através de manuscritos, objetos, inscrições etc. (FARINA, 1946)

Há informações, segundo SCHOR & FREITAS (1992), de que pedras cortantes eram usadas para lancetar o pus acumulado numa cavidade formada em meio dos tecidos orgânicos, ou mesmo num órgão cavitário, em conseqüência de processo inflamatório; ou fazer sangrias, objetivando não só um alívio ao paciente, mas também melhor aparência da ferida.

ADLER (1961) mostrou que o culto à perfeição física sempre foi observado na história da humanidade e que os gregos praticavam o infanticídio naqueles que nasciam deformados, jogando-os ao rio ou abandonando-os em lugares onde, sabidamente, seriam devorados. As leis severas de Esparta determinavam que os recém-nascidos (filhos de espartanos legítimos) com formação anormal ou defeituosa, de origem congênita ou hereditária; deveriam ser imediatamente sacrificados por razões de ordem militar, num primeiro momento e estética secundariamente, pois seriam seres com dificuldades de adaptação e teriam problemas ligados à deformidade, os quais impediriam um bom desempenho na guerra (PITANGUY, 1992).

página 16

Page 3: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

Entre os judeus havia a proibição explícita de os feios ou portadores de alguma deformidade aparente ocuparem determinados postos na sociedade. Um exemplo refere-se aos sacerdotes, cujo ofício era exercido apenas por pessoas de boa aparência (BARBOSA, 1984).

Essa prática de eliminação através do infanticídio foi sendo abandonada à medida que o homem começou a perceber que a feiúra ou a deformidade poderiam ser corrigidas ou mesmo eliminadas em alguns casos, através da cirurgia na pessoa "portadora". Outro fator contribuinte para que o infanticídio entrasse em extinção foi a noção de justiça social que colocava os novos valores espirituais como importantes, fazendo com que apenas os cidadãos gregos e romanos fossem iguais perante a lei desde o nascimento (DAVIS, 1941).

Por outro lado, a Grécia antiga deixou um legado de padrões estéticos clássicos que, pela harmonia, coesão e coerência, atravessaram os séculos e são fatores ainda influentes das várias formas de criação artística. Um exemplo dessa simbolização estética pode ser vista nas estátuas representativas do ideal de Homem ou dos cidadãos gregos (PITANGUY, 1992).

FARINA (1946) dividiu a história da CP em cinco fases, usando descobertas técnicas notáveis como critério de divisão1. Resumidamente, pode-se falar que:

- O primeiro período (3.500 a.C. até 53 a.C.) é caracterizado pelo uso de métodos rudimentares, grosseiros e empíricos, na tentativa de transformação da pele e de reconstrução nasal. Susruta, considerado o pai da cirurgia hindu, já fazia CP no nariz (rinoplastia) em pessoas acidentadas ou mutiladas. Em suas obras médicas descreveu 121 instrumentos de medicina e recomendou aos colegas de todos os tempos que um bom médico devia "vestir roupas limpas, calçar sandálias, ser gentil e ter um olhar benevolente" (SCHOR & FREITAS, 1992).

- O segundo período, de 53 a.C. até a metade do século XV, é marcado pelos trabalhos de Cornélius Celsus que introduziu a técnica de rotação de retalhos, que visavam a reparação de narizes, lábios e orelhas. Foi Celsus quem descobriu que retalhos retirados das adjacências do órgão deformado da própria pessoa tinham maiores chances de sucesso (sem perigo de necrose dos tecidos). Por essa razão, Celsus é considerado o pai da CP, uma vez que seus trabalhos foram escritos no ano 30 d.C. e representam um marco histórico, pois havia descrições bem detalhadas de cirurgias reparadoras. (ASSUMPÇÃO, 1990)

Dentro desse segundo período, Hipócrates (5 a.C.), pai da Medicina, já se preocupava com os problemas considerados do âmbito da CP, receitando pomadas e ungüentos com finalidade puramente cosmética, abordando as assimetrias dos membros inferiores como de maior gravidade em comparação aos membros superiores e recomendando que as bandagens fossem feitas de forma elegante a fim de serem mais agradáveis à vista e proporcionarem uma melhor cicatrização (FARINA, 1946).

Nessa época, já se havia propagado a idéia de tratar ou corrigir a deformidade, mas a CP era considerada uma atividade satânica, pois contrariava a vontade divina, na medida em que alterava o destino das pessoas. No século XIII, o papa Inocêncio III proibiu sua prática, fazendo com que a CP ficasse estagnada por vários séculos. (ADLER, 1961).

Dentro desse mesmo período, Gasparo Tagliacozzi (1546 - 1599) ressuscitou a cirurgia de Susruta, o clássico retalho indiano para reparação nasal: um fragmento da pele da testa é transferido para o local do nariz. Mas, em função da Inquisição, que via na CP uma forma de intervenção demoníaca, terminou sendo punido com a abertura de seu túmulo e a cremação de seus restos mortais. (ADLER, 1961; DAVIS, 1941; e FARINA, 1946).

KHOO (1982) escreveu que a CP foi deixada de lado em relação a outros procedimentos cirúrgicos, pelo fato de ser considerada supérflua (cosmética) e não-emergencial (sempre podia ser adiada). Na Inglaterra, em 1605, a CPE era tida como uma prática condenável em função de outras prioridades, tais como evitar a morte, controlar a dor, aliviar queimaduras etc. Este autor, resumiu os conceitos de beleza e de estética ao longo da história da humanidade e mostrou que práticas punitivas, principalmente no nariz, impediam a CP reparadora (CPR), pois o objetivo era "marcar" o punido para sempre, em sua face. Referiu que alguns médicos já observavam os benefícios psicológicos ao restaurar algum defeito facial ou retirar algum detalhe "feio" do paciente, sem especificar quais seriam esses benefícios.

- O terceiro período (Século XV até 1869) inicia-se com o Renascimento, época do Antropocentrismo, quando surge a necessidade de registrar e sistematizar todos os conhecimentos adquiridos pelo homem. Essa característica reaparecerá na CP, com a volta do interesse pela especialidade. Assim, os conhecimentos sobre rinoplastia, adquiridos pelos textos de Susruta e de Tagliacozzi passaram a interessar novamente aos estudiosos.

1As fases de Farina se sobrepõem, pois, sua preocupação principal foi o período em que as técnicas predominaram. Assim, as datas ou períodos históricos apresentados neste capítulo são apenas referências de duração das técnicas descritas, as quais, por sua vez, existem simultaneamente até que outra técnica mais revolucionária ou eficaz faça com que as anteriores entrem em desuso ou mesmo sejam abandonadas .

página 17

Page 4: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

Ollier, em 1860, realizou o primeiro transplante de pele de que se tem notícia, mas Jacques Joseph, em 1871, deu o verdadeiro início à CPE, realizando uma cirurgia plástica no nariz de uma mulher que "se achava feia pelo fato de o nariz ser grande", com resultados que agradaram a ambos. (GIILLIES & MILLARD, 1957).

Nessa terceira fase, houve grande avanço da Cirurgia Geral em virtude de quatro fatores conjugados:

1) perda gradual da força e do poder de influência dos teólogos da Igreja Romana, que pararam de atacar a CP;

2) em função de uma liberdade maior (item anterior), a própria CP vai desenvolver-se, aprimorando suas técnicas, refinando seus procedimentos e divulgando suas descobertas (diretamente ligados ao desenvolvimento da Medicina);

3) descoberta química dos anestésicos em 1856, que davam uma maior liberdade cirúrgica frente ao paciente ; e

4) o aumento dos cuidados de assepsia e o emprego de substâncias anti-sépticas (desinfecção) durante o ato cirúrgico.

A CP passou, então, a ganhar credibilidade e aceitação junto às autoridades, uma vez que seus riscos se tornaram menores. A dor que era inerente a qualquer evento cirúrgico foi combatida, o que gerou uma diminuição do medo por parte da população. (THORWALD, 1976).

No Renascimento a cirurgia se desenvolveu acompanhando o ritmo das descobertas anatômicas e a CP foi chamada a intervir nos casos de acidentes em virtude do uso da pólvora e da propagação das armas de fogo. Nos campos de batalha, o alvo principal do inimigo era o rosto e, em especial, o nariz.

O destaque ficou para Reverdin, em 1869, que trouxe um novo método de transplante cutâneo, onde especificava a região, a área e a profundidade da pele que deveria ser retirada para que a cirurgia fosse bem sucedida.

- O penúltimo período está compreendido entre Reverdin, em 1869, e a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918). Nesse período predominaram as experiências com enxertos e rotações de retalhos, bem como a descrição do emprego do retalho indiano. O médico alemão Dieffenbach recomendou a todos os especialistas da área que tivessem um profundo respeito para com os pacientes. Os cirurgiões deveriam levar em conta as necessidades e valores deles, bem como a área a ser operada.

A partir do final do século XIX, com o aumento do cientificismo, começou a desaparecer a figura do médico isolado, solitário herói que desafiava os mistérios da natureza ou a incompreensão da sociedade, dando lugar ao aparecimento de equipes de trabalho ou de grupos médicos. A grande maioria das novas contribuições da Ciência para a humanidade passaram a ser fruto de pesquisas e trabalhos coletivos. Outro fator importante é que os resultados ou os pequenos avanços teóricos/técnicos passaram a ser considerados dignos de publicação. (MOSCOVICI, 1985; MINAYO, 1992).

- Finalmente, o quinto e último período inicia-se com a Primeira Grande Guerra no século XX, quando a CP ganha sua verdadeira confirmação e valor, desenvolvendo novas técnicas, estratégias e instrumentos na tentativa de fornecer ao ser humano um melhor nível de vida, através de sua imagem facial e corporal.

Na I Grande Guerra Mundial, a especialidade foi obrigada a dar o maior passo em direção ao desenvolvimento, pela necessidade de fornecer ajuda real aos milhares de feridos, queimados ou mutilados. Outro fato explicativo do grande impulso recebido em direção ao aprimoramento foi a mudança do estilo de vida do homem. A evolução técnica das máquinas e dos meios de produção, as profundas transformações históricas e sociais vão determinar uma aceleração das técnicas cirúrgicas para, precisamente, acompanhar essa evolução. (ADLER, 1961; SCHOR & FREITAS, 1992; PITANGUY, 1984; POLANYI, 1980).

G r a n d e s a v a n ç o s

Desde a I Grande Guerra Mundial a CP passa por grandes avanços tecnológicos e apresenta várias sub-especializações, tais como: 1) Crânio-maxilo-facial, 2) Microcirurgia, 3) Queimados e 4) Congênitos (fissuras lábio-palatais ou formações defeituosas).

Adotando-se o critério de descobertas técnicas cirúrgicas notáveis de FARINA (1946), pode-se comprovar o grande desenvolvimento técnico da CP através de alguns avanços:

1) O Peeling químico em 1960, com o qual o combate a elevações na pele, cicatrizes derivadas da acne ou rugas finas tem mais eficácia. É também usado por dermatologistas. A evolução do peel ing fez aparecer a dermoabrasão e a microdermoabrasão, técnicas cirúrgicas em que cristais de alumínio são projetados na área a ser reparada ou trabalhada, com o objetivo de desbaste ou alisamento da superfície da pele. O princípio usado nessas técnicas é um lixamento dermatológico que estimulará as capacidades regenerativas das células e promoverá o aparecimento de uma pele mais lisa e jovem. (CORREIA & ZANI, 1977);

página 18

Page 5: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

2) A Lipoaspiração em 1976, que representa um verdadeiro marco na história da CP. Segundo AVELAR (1986) existem dois momentos na evolução da CP: antes e depois da lipoaspiração. Desenvolvida por Yves Gérard Illouz, essa técnica permite a retirada de depósitos de gorduras específicos através de cânulas ligadas a um aparelho aspirador. Essas cânulas estão cada vez mais finas (4 a 6 milímetros) e causam pouquíssimo traumatismo na área aspirada. Elas são introduzidas (apenas uma de cada vez), após anestesia da área, num pequeno orifício da pele e o risco de cicatriz inestética é mínimo. (RUZZANTE,1986).

É um procedimento no qual o cirurgião não vê a área interna a ser aspirada, não é possível manter um bom controle da perda de sangue (hemostasia) e requer bastante habilidade, perícia por parte do cirurgião, quando não um trabalho de outros profissionais (equipe). Há riscos de rompimento de vasos, perfuração de órgãos vizinhos, lesão de nervos, aspiração de uma quantidade superior de gordura e sangue, efeito estético indesejado (ondulações na pele) sem contar a própria anestesia. (SCHOR & FREITAS, 1992).

Segundo o próprio criador:

"Trata-se de uma técnica simples, mas que em compensação destina-se a resolver problemas psicológicos bastantes complexos". (Folha de São Paulo, de 27/nov/1983, pg. 11).

Atualmente, a CP tem critérios mais específicos de indicação cirúrgica e seleção de pacientes para o uso da lipoaspiração. Dependendo do volume de gordura a ser aspirado, o paciente deverá, antes da cirurgia, fazer um depósito de sangue para a autotransfusão. O início da lipoaspiração foi marcado por vários acidentes fatais ou erros de indicação ou aplicação, porque foi confundida como mais uma técnica de emagrecimento rápido2:

“A lipoaspiração provou se excelente para enfrentar camadas de gorduras localizadas em bolsões que não se desfazem com regimes alimentares, tratamentos dietéticos, ginásticas, massagens. Mas isso não quer dizer, em hipótese alguma, que a lipoaspiração substitua todos esses procedimentos. Não se pode colocar jamais, por exemplo, a idéia de uma opção: regime para emagrecer ou lipoaspiração.” (SCHOR & FREITAS, 1992, p. 101, negrito nosso).

Houve aprimoramento da técnica: cânulas com pontas afiadas a fim de facilitar o corte e desprendimento da gordura, aspirador com regulagem da intensidade de aspiração, mapeamento das áreas corporais adequadas para o evento cirúrgico, classificação e filtragem dos tipos de gorduras. (AVELAR, 1993).

Em 1985, a lipoaspiração evoluiu para a lipoescultura, por Pierre Fournier. O princípio é aproveitar a gordura do paciente nele próprio, pois não existe o risco de rejeição. A gordura retirada de áreas “nobres”, após a filtragem é reinjetada (autotransfusão) em áreas consideradas de depressão corporal, pele flácida, irregularidades da pele ou seqüelas de outra lipoaspiração. (AVELAR & ILLOUZ, 1986; COTTINI, 1994; Revista Veja, 18 de dezembro de 1985, pg. 46-47);

3) A CP em fetos. A cirurgia corretiva do lábio leporino em crianças que ainda estão no útero pode ser realizada com sucesso e sem risco de cicatrizes aparentes (visíveis a olho nu). Essa técnica, desenvolvida em 1990 pelo brasileiro Fernando Ortiz Monastério, foi apresentada no 10º Simpósio Internacional de Cirurgia Craniofacial. (O Estado de São Paulo de 20-02-90, pg. 19);

4) O Ácido Retinóico (vitamina A com propriedades dermatológicas ácidas) ou derivados do ácido glicólico. Testados no Brasil desde 1989 sob a forma de cremes, suas eficácias no combate às rugas3, estrias e manchas de pele têm sido comprovadas também na forma injetável. Não se trata de uma cirurgia no sentido estrito, mas de mais uma forma de complementação ou de adiamento da cirurgia4. ("Isto É" de 05-08-92);

2Apesar de não ser uma forma de emagrecimento, a lipoaspiração pode funcionar como uma técnica de apoio ao tratamento da obesidade.3O lifiting é uma CP predominantemente estética que retira os sinais de envelhecimento (rugas e/ou pontos depressivos) da face ou pescoço através de esticamento (tração) suave ou não da pele. Suas cicatrizes são escondidas no couro cabeludo e atrás da orelha. Se esse tracionamento for suave, ter-se-á o refrescamento da face. (FRANCO & REBELLO, 1977).4O aparecimento da Medicina Cosmética também pode ser considerado como uma evolução da especialidade, pois objetiva complementar os benefícios de uma CP ou retardar a ida à mesa de cirurgia. Outros exemplos claros são o uso da hidroquinona como clareador da pele, a maquilagem definitiva, o softlaser como um revitalizador da cútis, o colágeno e o implante de cabelos. ("Veja", 23-07-86, p. 65).

página 19

Page 6: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

5) O Computador gráfico aplicado à CP. Através da ressonância magnética acoplada a um computador com software de imagem ou de uma câmara de vídeo, essa técnica permite que os cirurgiões plásticos mostrem a seus pacientes o resultado final da cirurgia na tela do vídeo e retiram inúmeras dúvidas do pós-cirúrgico. As imagens são transferidas ao computador de forma tridimensional e permitem várias alterações por parte do cirurgião ("Folha de São Paulo" de 29-06-91, caderno 4).

Às claras ou exigindo sigilo, é cada vez maior o número de homens que procuram lipoaspiração das mamas (ginecomastia) ou do abdômen, retirada dos "pés-de-galinha" ao redor dos olhos (blefaroplastia), cirurgia plástica da calvície ou redução da adiposidade do pescoço. O fato de o paciente masculino buscar a especialidade é considerado um trunfo para alguns cirurgiões, pois, um dos mitos que cercam a CP é que ela é supérflua ou "coisa de mulher". Alguns cirurgiões plásticos sensíveis a esse fato costumam reservar horários diferenciados para os pacientes masculinos. O objetivo dessa conduta é evitar o constrangimento com a presença de mulheres na sala de espera, o que hipoteticamente despertaria curiosidade em relação ao motivo de o paciente estar lá. (CORREIA & ZANI, 1977; GALVÃO, 1978; Revista “Veja" de 18-12-85, pg. 46-47 e de 01-04-92, pg. 54-55; RUZZANTE, 1986 e SCHOR & FREITAS, 1992).

C i r u r g i a P l á s t i c a n o B r a s i l

Segundo LOEB (1993), a CP brasileira pode ser divida em três períodos bem distintos: anterior a 1842; de 1842 até 1940; e posterior a 1940. O critério utilizado está baseado no número de publicações dos cirurgiões. Não existem documentos que possam comprovar a existência ou prática da CP antes de 1842, apenas suposições de que era praticada.

Joaquim Januário Carneiro publicou, em 1842, na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro trabalho documentado na área. Nele fez considerações sobre o lábio leporino. Naquele período, era costume denominar de “Theses” tais publicações. Desde esse período até 1928, a especialidade obteve apenas 59 espaças publicações, muitas abordando queimaduras e rinoplastia. (LOEB, 1993).

O período pós-1940, LOEB (1993) denominou-o de “contemporâneo”, pois é o momento em que os cirurgiões Antônio Prudente Meirelles de Moraes e José Rebello Netto fundaram escolas de CP que atrairam alunos no resto do continente Sul-Americano. A CP tornou-se muito produtiva em relação ao número de artigos publicados e começou a ganhar destaque mundial. A produtividade aconteceu devido a dois marcos principais: 1) criação da Sociedade Latino-Americana de CP, em 1941; e 2) criação da Sociedade Brasileira de CP, em 1949. Segundo LOEB (1993) trata-se de um momento honroso:

“Coube ao Brasil a honra de ter sido o país onde foi fundada a Sociedade Latino-Americana de Cirurgia Plástica, assim como ter realizado o Primeiro Congresso dessa Sociedade.” (LOEB, 1993, p. 03).

O professor e cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1925 - ) ganhou destaque com o seu trabalho de

CPR em queimados, em 1949, dentro do período contemporâneo. Foi nessa mesma data que fundou a primeira clínica de cirurgia da mão e de CP no Brasil. Em 1952 criou na Santa Casa a oitava enfermaria, na qual realiza CP até os dias atuais. Atualmente, o professor-doutor Ivo Pitanguy faz parte do grupo dos cirurgiões plásticos mais famosos e competentes do mundo, sendo citado inclusive em filmes internacionais. Por conseqüência é um dos especialistas mais procurados para treinamentos e pesquisas diversas, pela sua reconhecida perícia na área. Ainda assim desenvolve trabalhos junto à Santa Casa de Misericórdia, onde atende, gratuitamente, pacientes carentes do mundo todo. Realiza tanto a cirurgia reparadora como estética. Sua notória especialização se deixa ver em inúmeros trabalhos publicados (vídeo ESPECIAL Ivo Pitanguy, 1993).

A popularização das cirurgias brasileiras pela multimídia é incentivada sobretudo pelas indústrias farmacêuticas e de cosméticos, bem como pela medicina de grupo que visam o lucro sobre essa fatia do mercado (vídeo didático da SMS & CEFOR). Segundo o próprio vídeo, existe um grande e nítido interesse da indústria da beleza e da medicina de grupo para que a cirurgia plástica não seja praticada pela rede pública, pois haveria queda no lucro com o aumento de CP "gratuita", bem como enfraquecimento do setor privado que financia as cirurgias.

Existem explicações jurídicas e ambientais para o grande desenvolvimento da CP brasileira. Em termos de legislação, a estrutura jurídica brasileira não possui a agilidade necessária para acompanhar a evolução técnica-cirúrgica, o que resulta atraso em relação à permissão ou não da prática. O pouco controle ético, aliado ao barateamento das cirurgias plásticas brasileiras e também ao fato de o Brasil ser predominantemente tropical (o que favorece o uso de pouca roupa, deixando o corpo mais à mostra e aumentando a necessidade de estar esteticamente perfeito) fazem do país o centro mundial da CPE. Um número crescente de pacientes procuram os cirurgiões plásticos brasileiros e é de interesse dos especialistas que o ato cirúrgico chegue a um número cada vez maior de pessoas. (CORREIA & ZANI, 1977; DAVIDSON, 1986; GALVÃO, 1978; RUZZANTE, 1986).

página 20

Page 7: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

Várias técnicas cirúrgicas são aqui desenvolvidas pelo fato de a legislação brasileira não ser tão rigorosa como a de outros países, por exemplo, a da Inglaterra ou dos EUA, e também pela grande procura mundial pelos cirurgiões plásticos brasileiros. Existem pacotes turísticos internacionais que, entre outras atividades, oferecem a possibilidade de o turista passar em consulta com um cirurgião plástico brasileiro e, se acertada a cirurgia, fazê-la ainda em passeio. ("Isto É" de 05-08-92).

O resultado da grande liberdade de pesquisa, junto com a pouca vigilância da ética médica, aliada à grande divulgação de seus resultados e conquistas permitiu que a CP brasileira se tornasse fecunda e que os especialistas ficassem entusiasmados:

"A Cirurgia Plástica com grande parte de seus representantes, merece realmente todos os méritos a ela atribuídos, e será o trabalho honesto, perfeccionista e ideológico, que determinará o progresso cada vez mais crescente da especialidade, firmando ainda mais, o orgulho de nós brasileiros em termos uma das melhores, se não a melhor cirurgia plástica do mundo". (RUZZANTE, 1986, pg. 26).

A Sociedade Brasileira de CP Estética e Reparadora agrega mais de 1800 cirurgiões filiados no país (posição em 1994), cuidando da especialidade também no seu aspecto ético e promovendo intercâmbio científico com os especialistas do mundo inteiro. Para ingresso nessa Sociedade, é necessária, além da longa formação médica de graduação e residência, a realização de trabalhos científicos e de outros exames de habilitação. Infelizmente, nem todos os cirurgiões plásticos passaram por essa longa formação, logo, nem todos pertencem à SBCP Estética e Reparadora, apesar de exercerem a especialidade. (ASSUMPÇÃO, 1990; RUZZANTE, 1986).

O f u t u r o d a C i r u r g i a P l á s t i c a

O histórico da CP mostra-nos uma evolução crescente e está em estreita relação com a Medicina no seu aspecto global. Assim, qualquer desenvolvimento técnico na Medicina poderá refletir positivamente na especialidade. Exemplificando: uma descoberta da Engenharia Genética poderá trazer a possibilidade de aplicação plástica, pois o desenvolvimento de enxertos sem risco de rejeição ou a criação de uma pele que tenha a mesma tonalidade e textura que a área receptora constituirão avanços na CP; uma nova forma de diagnóstico clínico permitirá um melhor refinamento da seleção de pacientes, pois permitirá o aceleramento do processo sem a necessidade de desenhar o plano cirúrgico.

Historicamente, as técnicas iniciais concentravam-se na face, por ser a parte do corpo mais expressiva de nossa personalidade. No entanto, padrões universais de beleza e moda foram impostos com o advento das comunicações e um maior intercâmbio dos homens, e a CP foi obrigada a desenvolver técnicas para o corpo inteiro. Com os expansores de tecidos, plástica íntima, cirurgia de mudança de sexo, lipoaspiração a laser, CP da calvície, criação de banco de pele ou de cartilagens (grande avanço para o combate às cicatrizes aparentes ou do tipo quelóide5), abriu-se uma nova etapa bem distinta na história da CP e da Medicina no seu aspecto geral: CP com o objetivo de restaurar ou melhorar a qualidade de vida daqueles que a procuram ou CP Qualitativa.

A tendência é a continuidade do aumento de pacientes masculinos procurando a especialidade. O refinamento dessas técnicas, bem como o desenvolvimento de novas, de acordo com uma parte específica do corpo, pois as comunicações humanas estarão cada vez mais rápidas, também poderá ser notado.

As chamadas técnicas inovadoras ou não tradicionais, tais como implante de fios de ouro na face para provocar o rejuvenescimento, aparecem como resposta à necessidade de procedimentos mais rápidos. As injeções de colágeno que visam a amenizar os sulcos ou rugas faciais, próteses de silicone em áreas corporais que ainda não foram testadas cientificamente ou mesmo uma nova modalidade de peel ing que exige aplicações de 3 máscaras faciais, ao longo de 10 dias, nem sempre fornecem os resultados desejados, mas acalentam esperanças de muita gente.

Um perigo sempre presente nos dias atuais é a propaganda enganosa de milagres na CP ou a inabilidade de certos cirurgiões frente a cirurgias praticamente sem riscos. Assim, pode-se esperar não apenas um aumento dos critérios de seleção dos pacientes ou dos cirurgiões plásticos para entrarem na especialidade, mas um rigoroso controle da mídia na divulgação da novidades da CP, bem como uma internalização de princípios éticos mais estreitos.

5Quelóide é uma formação irregular da cicatriz. Sem constituir um verdadeiro tumor, ela se assemelha a um “cordão torcido” que une as duas partes da pele que sofreram o corte. Sua origem, habitualmente, está ligada à cicatriz inestética da pele, seguindo-se muitas vezes a intervenções cirúrgicas e tendendo à recidiva, quando extirpada.

página 21

Page 8: Capítulo I Pequena História da Cirurgia Plástica

Não é a técnica ou a descoberta notável em si que deverão estar no foco das novas discussões que se fizerem necessárias, mesmo porque tais elementos são fruto de uma demanda crescente e evolução social. O futuro da CP é, talvez, oferecer ao homem moderno procedimentos cada vez mais rápidos, indolores e de baixo custo operatório. Os candidatos a determinada operação plástica passarão por uma criteriosa bateria de exames médicos e psicológicos, a fim de que a especialidade seja uma conquista humana efetiva. O medo que muitos candidatos possuem da anestesia ou da operação diminuirá sensivelmente e fazer uma plástica será considerado um procedimento similar ao tratamento odontológico. As temidas cicatrizes do tipo quelóide ou as famosas celulites (ambas consideradas aversivas no mundo ocidental) serão combatidas com sucesso ou, talvez, eliminadas no momento da incisão.

É muito provável que o desenvolvimento de novos produtos químicos faça com que alguns eventos cirúrgicos entrem em desuso ou que fiquem restritos apenas a determinados casos, assim como aconteceu com o peel ing cirúrgico que foi substituído, em alguns casos, pelo dermatológico. Tal desenvolvimento pode ser explicado porque é muito mais simples ingerir ou passar algum medicamento do que submeter-se à anestesia, internação ou riscos cirúrgicos.

Independente da técnica desenvolvida ou dos critérios aprimorados, sempre será o ser humano com o seu corpo e a interpretação dele que estarão no foco das discussões. Todo o conjunto de posições psicológicas, legais, morais e éticas deverá ser reformulado, adaptado ou reafirmado. O custo e os elementos que estão em volta de uma cirurgia plástica deverão ser vistos no seu aspecto de implicações que escapam ao próprio indivíduo e à própria especialidade. O objetivo maior deverá ser a manutenção do binômio cirurgião plástico-paciente para que este esteja dentro dos limites que caracterizam a medicina hipocrática atual: o bem-estar bio-psico-social do paciente. (KORNPROBST, 1972).

página 22