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Paulo Victorino CAPÍTULO DEZ A CAMINHO DA GUERRA A POSIÇÃO DO BRASIL NO CONFLITO Havia, no Sul do Brasil, uma sólida colônia alemã com cerca de 1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão. Da Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em algumas pequenas cidades, os moradores até desconheciam o português. Secretamente, Hitler considerava essas colônias como sudetos que, no momento oportuno, pretendia incorporar à Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser tratado com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata, e no momento apropriado. A Ação Integralista Brasileira, que tentou, sem sucesso, tomar o poder em 1938, e o Estado Novo, que nele se instalara um ano antes, eram verso e reverso da mesma medalha. Nacionalistas extremados, ambos perseguiam os mesmos propósitos dos regimes de direita que se popularizavam na Europa. Plínio Salgado, o Chefe integralista era admirador do Primeiro Ministro de Portugal, Antônio de Oliveira Salazar, mas recebia apoio financeiro da Itália de Mussolini. Por seu lado, o ditador Getúlio Vargas tinha laços de amizade com Benito Mussolini, mas recebia apoio bélico da Alemanha de Hitler. Não havia contradições nesses triângulos políticos pois todos eram farinha do mesmo saco.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DEZ

A CAMINHO DA GUERRA

A POSIÇÃO DO BRASIL NO CONFLITO

Havia, no Sul do Brasil, uma sólida colônia alemã com cerca de

1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão.

Da Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em

algumas pequenas cidades, os moradores até desconheciam o

português. Secretamente, Hitler considerava essas colônias como

sudetos que, no momento oportuno, pretendia incorporar à

Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser tratado

com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata,

e no momento apropriado.

A Ação Integralista Brasileira, que tentou, sem sucesso, tomar o poder em

1938, e o Estado Novo, que nele se instalara um ano antes, eram verso e reverso

da mesma medalha. Nacionalistas extremados, ambos perseguiam os mesmos

propósitos dos regimes de direita que se popularizavam na Europa.

Plínio Salgado, o Chefe integralista era admirador do Primeiro Ministro de

Portugal, Antônio de Oliveira Salazar, mas recebia apoio financeiro da Itália de

Mussolini. Por seu lado, o ditador Getúlio Vargas tinha laços de amizade com

Benito Mussolini, mas recebia apoio bélico da Alemanha de Hitler. Não havia

contradições nesses triângulos políticos pois todos eram farinha do mesmo saco.

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Na remessa de armas para o Brasil, a Krupp alemã utilizava simultaneamente

os portos alemães, italianos e portugueses. Num mundo que priorizava a luta

feroz entre fascismo e comunismo, tanto a Ação Integralista Brasileira quanto o

Estado Novo polarizavam em blocos da direita. Plinio Salgado o fazia por

convicção, Getúlio Vargas por conveniência.

Na outra ponta, à extrema esquerda, reinava absoluta, no mundo, a figura de

Joseph Stalin (seu nome verdadeiro era Iosif Vissarionovich Dzhugashvili;

melhor mesmo é ficar só com o apelido).

Em 1922, Stalin tornou-se secretário do Partido Comunista. Em 1924, com a

morte de Lenin, assume o comando do Partido e, para garantir-se no poder, foi

eliminando um a um, todos os seus concorrentes: Trotsky foi exilado para o

México e mais tarde assassinado no exílio: Kamenov, Zinoviev, Rykiv e Bukharin

foram executados sem contemplação. Todos os demais que se interpuseram em

seu caminho tiveram idêntico destino.

Finalmente, em 7 de maio de 1941, Stalin torna-se o todo poderoso Primeiro

Ministro da União Soviética. Pela violência ou pelo medo, organizando uma rede

de delação e espionagem, conseguiu dominar por completo a União Soviética e

seus países satélites, mantendo-se, até a morte, como o chefe incontestável do

comunismo internacional.

Ao centro do espectro político, num equilíbrio muito precário, achavam-se a

Inglaterra, cujo Primeiro Ministro era Arthur Neville Chamberlain; a França, que

tinha como presidente do Conselho Édouard Daladier.

Finalmente, nos Estados Unidos, encontramos o presidente da República,

Franklin Delano Roosevelt, eleito pela primeira vez em 1933 mas que, na

excepcionalidade da guerra, foi reeleito seguidamente por três vezes,

permanecendo no poder até sua morte, em 1945, ironicamente dois meses antes

do Armistício na Segunda Guerra Mundial.

Roosevelt foi considerado um dos Quatro Grandes da Segunda Guerra,

juntamente com De Gaulle (França), Churchill (Inglaterra) e Stalin (União

Soviética) e teve uma forte aproximação com o Brasil, durante a guerra.

- 163 -

Janeiro de 1943 > Em Natal (RN), o encontro dos presidentes

Roosevelt (ao lado do motorista) e Getúlio (banco traseiro)

Todavia, num mundo ameaçado pelo radicalismo, não havia espaço para o

liberalismo e não tardou que os três aliados tivessem que buscar apoio armado

em um dos extremos, apresentando-se, então, como única opção, o poderio da

União Soviética.

Esse era o cenário ao final da década de 1930, quando nuvens negras

turbavam o horizonte, preparando o palco onde se desenvolveria a Segunda

Guerra Mundial.

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O prenúncio do grande embate não representava apenas confronto de armas,

mas, sobretudo, o confronto de ideias, em que a democracia passava por sua

prova de fogo, frente ao totalitarismo, oferecido ao mundo como a solução única

para os problemas universais.

A guerra começou com

o acordo de paz

O pesado fardo colocado sobre a Alemanha (a grande derrotada da Primeira

Grande Guerra) e a punição aplicada à nação alemã, com ocupação estrangeira

de seu território, a destruição de sua marinha de guerra e a proibição de manter

seu arsenal bélico, a não ser com armas defensivas, além de ter de pagar do

próprio bolso as despesas com as tropas de ocupação, representou uma

profunda humilhação à orgulhosa raça germânica. Nesse sentido, o Tratado de

Paz de Versalhes, assinado em 28 de julho de 1919, marcou o início do caminho

que levaria à Segunda Guerra Mundial.

Em 1917, o comunismo, pela primeira vez, se instalara como regime de fato,

com a formação da União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e, ato contínuo,

passou a financiar e comandar a subversão da ordem no restante do mundo,

buscando ampliar sua área de influência.

Na contrapartida, para combater o comunismo, começaram a surgir de

regimes militarizados no extremo oposto, funcionando como uma muralha para

evitar a expansão de ideais utópicos, mas que exerciam uma grande atração,

pela promessa de uma ditadura do proletariado, com a eliminação das diferenças

de classes sociais.

Nesse contexto da contra-revolução, surge na Alemanha a figura de Adolph

Hitler, um austríaco filho de camponeses, que havia participado como voluntário

na Primeira Grande Guerra.

Em 1919 Hitler filia-se ao Partido Nacional Socialista (Nationalsozialistische

Deutsche Arbeiterpartei, ou simplesmente nazi), do qual ele se torna chefe. Em

1930 ganha a cidadania alemã, é nomeado chanceler e assume o poder em

janeiro de 1933, fechando partidos políticos e perseguindo sem trégua os

opositores do novo regime.

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Captando o sentimento do povo alemão, em favor de uma revanche pela

defesa do amor próprio ferido, Hitler passa a militarizar o país, restabelecendo o

serviço militar obrigatório e incrementando a produção de armas de guerra.

Embora isso contrariasse os termos do tratado de paz, os aliados ocidentais

fingiram não ver a expansão militarista da Alemanha, levando em conta que, por

sua posição geográfica estratégica, ela serviria de barreira contra a expansão

comunista na Europa.

Essa tolerância, várias vezes repetida, custou caro ao mundo livre.

Pressionadas por Hitler, e em nome da paz, França e Inglaterra convencem a

Checoslováquia a entregar à Alemanha os sudetos na divisa entre os dois

países.

Sentindo-se fortalecido, o ditador alemão avança em suas pretensões,

invadindo a Boêmia e a Morávia. Não encontrando reação, organiza uma

ofensiva maior, apossando-se da Checoslováquia inteira, que deixou de existir

como país independente.

Finalmente, em 1º de setembro de 1939, as tropas nazistas invadem a

Polônia, dando início à conflagração mundial, com a reação, já tardia, da

Inglaterra e da França. Pouco depois, o ministro inglês Chamberlain perdia sua

sustentação, entregando o governo a Winston Churchill.

Inglaterra e França

invadidas

Na preparação para o conflito, Hitler primeiro se une à Itália de Mussolini e,

depois, aos generais do Imperador Hiroito, formando-se um eixo Berlim-Roma-

Tóquio, que ficou conhecido simplesmente como Eixo. A Itália entra na guerra

em 10 de junho de 1940, e o Japão, em 27 de setembro do mesmo ano.

O avanço do Eixo é surpreendente. Em 19 de janeiro de 1940, Noruega e

Dinamarca afirmam-se neutras; três meses depois, os germânicos invadem os

dois países. Em maio inicia-se a invasão da Holanda, da Bélgica e do Principado

de Luxemburgo.

- 166 -

Em 14 de junho, as tropas nazistas invadem Paris, contando com a

colaboração de um traidor, o marechal Petain que, em Vichy, se proclama Chefe

da França. Em 8 de agosto, a Inglaterra também é invadida. A situação dos

Aliados começa a ficar desesperadora.

Paralelamente, a Itália avança para o Norte da África, invadindo o Egito e a

Líbia e avançando em direção a Dacar, ponto estratégico no litoral Atlântico.

Felizmente, seus exércitos são detidos por forças da Inglaterra e França que, se

não os expulsaram daquele continente, pelo menos conseguiram deter o avanço.

Dacar, na África, é o ponto avançado do mapa o Atlântico Oriental, enquanto

que Natal (RN), no Brasil, é o ponto avançado do Atlântico Ocidental. Qualquer

exército que conseguisse dominar esses dois pontos e mais o arquipélago de

Fernando de Noronha, teria o domínio da rota marítima em todo o Atlântico Sul.

No Japão, em 18 de outubro de 1941, o ex-ministro da Guerra, general Hideki

Tojo assume como Primeiro Ministro. Trata-se de um acontecimento importante,

pois o Imperador Hiroito era uma figura decorativa, quase nada informado das

operações de guerra, sendo iludido por seus militares, que detinham a grande

responsabilidade pela ofensiva.

- 167 -

Os Estados Unidos

na guerra

Aparentemente, as três Américas permanecem a salvo da guerra que

grassava na Europa, até que, em 7 de dezembro de 1941, aviões japoneses

fazem um ataque de surpresa à base naval de Pearl Harbour, no arquipélago do

Havaí, destruindo toda esquadra americana ali fundeada.

Para se ter uma ideia da destruição, basta dizer que, neste único ataque, os

Estados Unidos perderam mais navios que em toda a Primeira Grande Guerra,

sem contar as baixas em soldados. Registraram-se 2.843 mortos, 1973 feridos,

com cerca de 1.000 desaparecidos.

No dia seguinte, os Estados Unidos declaram guerra ao Japão e, em

represália, a Alemanha e a Itália declaram guerra aos Estados Unidos. Se ainda

havia alguma esperança de manter as Américas na neutralidade, esta foi por

terra com o ataque à base americana. Querendo ou não, o mundo inteiro está

agora envolvido e tem de tomar uma posição, ou a favor dos Aliados, ou a favor

do Eixo.

- 168 -

O grande poderio bélico se encontrava nas mãos dos norte-americanos, mas

a geografia do continente americano dava ao Brasil uma posição de destaque

na estratégia da defesa do continente, pois o grande perigo se apresentava na

ligação atlântica, entre a África e as costas brasileiras.

Era para cá, pois, que se voltavam as atenções dos Estados Unidos,

procurando atrair o governo do Estado Novo com agrados, mas, ao mesmo

tempo, com pressões diplomáticas, às quais o Presidente vinha resistindo desde

o início da guerra.

Entre a cruz e

a espada

Não era nada fácil a situação brasileira. A sagacidade e experiência de

Getúlio Vargas em muito ajudaram a administrar, desde o início da guerra, um

relacionamento duplo com a Alemanha e com os Estados Unidos, buscando o

máximo de lucro, com um mínimo de prejuízo aos interesses nacionais.

De um lado, dentro do pan-americanismo, rebatizado como Política da Boa

Vizinhança, tínhamos compromissos de fidelidade com as nações americanas e

particularmente com os Estados Unidos, a maior potência de nosso continente.

Verdade seja dita, vínhamos sendo fiéis a esse compromisso, trocando

informações e opiniões com o embaixador americano no Brasil, Jefferson

Caffery, e com o Secretário de Estado americano Cordel Hull, ou com o sub-

secretário, Summer Hills.

Para nossa sorte, era embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o nosso

conhecido Osvaldo Aranha, experiente, habilidoso, e prestigiado junto ao

presidente Roosevelt, ajudando em muito nesses contatos.

De outro lado, havia vários motivos para continuarmos mantendo relações

diplomáticas e comerciais com a Alemanha, não convindo ao Brasil, de maneira

nenhuma, um rompimento com aquela nação.

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Primeiro que tudo, havia no Sul do nosso país uma sólida colônia alemã com

cerca de 1.900 escolas particulares, onde a língua utilizada era o alemão. Da

Alemanha vinham, também, os livros e os professores. Em algumas pequenas

cidades, os moradores até desconheciam o português. Secretamente, Hitler

considerava essas colônias como sudetos que, no momento oportuno,

pretendia incorporar à Alemanha. O problema era muito delicado e precisava ser

tratado com sensibilidade, exigindo medidas corretas, na proporção exata, e no

momento apropriado.

Além, disso, a Alemanha figurava como um parceiro comercial que o Brasil

não podia desprezar, pois as duas economias eram complementares. Tínhamos

para exportar os produtos primários de que a Alemanha necessitava e, em troca,

eles nos vendiam produtos acabados de seu destacado parque industrial e que,

a nós, faziam falta.

Por último, o Brasil precisava desesperadamente de armamento para reforçar

e atualizar nossas Forças Armadas e nenhum dos países aliados, preparando-

se para a guerra, estava em condições de nos atender. Já a Alemanha fechou

um contrato para fornecimento de armamento ao Brasil, no valor de três milhões

de libras esterlinas, que já estava pago em sua totalidade, e cujos embarques

vinham se fazendo parceladamente.

Quando o Japão atacou a base naval dos Estados Unidos, em 7 de dezembro

de 1941, trazendo a guerra para nosso continente, este último problema já

estava resolvido, não obstante as dificuldades impostas pela Inglaterra, que

estabelecera um bloqueio marítimo, apreendendo o navio Siqueira Campos, que

transportava a última remessa dessa encomenda.

O caso com a

Inglaterra

Com o avanço rápido das tropas germânicas sobre a Europa, tanto a

Inglaterra quanto a França ficaram em situação difícil, na perspectiva de invasão

e dominação estrangeira.

Usando de uma estratégia que já dera certo em outras ocasiões, a Inglaterra

estabelece no Atlântico um bloqueio ao comércio exterior alemão, impedindo o

trânsito de mercadorias destinadas à Alemanha, ou embarcadas de seus portos

em direção a outros países.

- 170 -

O Brasil já havia recebido um terço do armamento encomendado, retirando-

o do porto de Gênova, na Itália, para despistar a procedência. Todavia, o navio

Almirante Alexandrino viveu uma odisseia para fazer seu trajeto até o Brasil.

Como a Inglaterra vinha aumentando o policiamento nessa área, procurou-se

fazer o novo embarque em Lisboa, Portugal. Não deu certo. O navio Siqueira

Campos, pronto para zarpar, ficou retido no porto, aguardando uma ordem de

livre trânsito, solicitada à Inglaterra e, como essa autorização não chegasse,

partiu assim mesmo, sendo apreendido pelos ingleses, com o que se criou um

incidente internacional de gravidade, e justo com um país Aliado, como era a Grã

Bretanha.

Todo mundo interveio: o embaixador do Brasil na Inglaterra, Muniz Aragão,

mais o embaixador inglês no Brasil, Geoffrey Knox e também o embaixador do

Brasil nos Estados Unidos, Osvaldo Aranha. Até o general Góis Monteiro, chefe

do EMFA entrou na dança, ameaçando com represálias contra bens ingleses no

nosso país.

O Brasil explicou à Inglaterra que, por razões de segurança, em face da

guerra, nos primeiros embarques, as armas vieram todas incompletas. O

Siqueira Campos trazia agora as partes faltantes para que, no Brasil, fosse

realizada a montagem. Assim, sem este embarque, o armamento da remessa

anterior estaria todo inutilizado.

Não obtendo resultados, o Brasil apelou para a interferência diplomática

americana e, finalmente, em 15 de dezembro de 1940, sai a licença de livre

trânsito, permitindo que o Siqueira Campos prosseguisse em paz sua viagem.

O Brasil no sistema

pan-americano

No mais, o Brasil cooperou com o sistema de defesa do continente, desde os

primeiros dias da guerra. Participou das conferências realizadas em Lima, em

Havana e, finalmente, no Rio de Janeiro. Cedeu bases navais em Salvador e

Recife para navios americanos. Permitiu a instalação de bases aéreas,

sobretudo em Natal e Recife, e assentiu com a possibilidade de utilização, para

o mesmo fim, da ilha de Fernando de Noronha, meio caminho entre Natal (Brasil)

e Dacar (Senegal), que eram os dois pontos avançados do Atlântico Sul.

- 171 -

Quando a base americana de Pearl Harbour foi atacada pelos japoneses, o

Brasil mostrou-se solidário aos Estados Unidos, acelerando também as

providências para defesa do próprio território e, por consequência, do continente

sul-americano.

Em janeiro de 1942, um mês após esse ataque, o arquipélago de Fernando

de Noronha foi declarado Zona Militar, enviando-se para lá um contingente do

Exército brasileiro (cerca de 100 homens), que ficou estacionado na ilha principal

por três anos e oito meses. A pena de morte, que se destinava apenas a crimes

políticos, foi estendida também a sabotadores.

No decorrer da guerra, outras providências foram sendo tomadas, limitando-

se a movimentação de estrangeiros no território nacional e, a mais polêmica de

todas, a obrigatoriedade e uso do idioma nacional nas escolas, causando a maior

revolta nas colônias alemães.

Em resumo, o Brasil não faltou com suas obrigações junto ao sistema pan-

americano. O mesmo não se pode dizer de outros países sul-americanos, alguns

dos quais tiveram comportamento dúbio em face dos acontecimentos.

A “quinta-coluna”

no Brasil

Quinta-coluna é um termo surgido durante a Guerra Civil Espanhola, em

1936, atribuído a uma suposta frase do general Francisco Franco: "Se minhas

quatro Colunas fracassarem, ainda disponho de uma Quinta-Coluna para ganhar

a guerra." Referia-se ele à rede de espiões e sabotadores, infiltrados junto aos

guerrilheiros comunistas, para minar-lhes a ação.

Conquanto todos os estrangeiros residentes no país sofreram limitações,

pecisando de um salvo-conduto para deslocar-se de um a outro ponto do país,

o governo pouco teve a temer, a não ser por ações isoladas de japoneses,

italianos e espanhóis, ligados ao Eixo. O próprio Mussolini lamentou não estar

conseguindo montar, entre a colônia italiana, uma rede eficaz de colaboradores

do fascismo.

- 172 -

Sobre os italianos, escreve o jornal O Estado de São Paulo em 4 de abril de

1942:

"Prendendo todos os indivíduos de comprovada ação nefasta

ao nosso país, a polícia não tem encontrado súditos da Itália entre

os espiões totalitários, detendo, entretanto, vários espanhóis

articulados com os enviados das nações agressoras. Essa

observação deve ficar registrada em homenagem à verdade dos

fatos e à lealdade dos elementos italianos radicados em nosso

país."

O mesmo não se pode dizer dos alemães, bastante atuantes e infiltrados até

o âmago de setores importantes do governo. O jornalista David Nasser, em seu

livro Falta Alguém em Nurenberg lança um libelo contra o chefe de Polícia, Filinto

Müller, homem de confiança do Presidente:

"O chefe de Polícia não fazia esse trabalho de colaboração com

o inimigo desorganizadamente, sem plano certo. Possuía um

mentor nazista, ao qual ele prestava conta de seus atos e de quem

ele recebia instruções. Tratava-se de um conselheiro da

Embaixada Alemã. (...) O Filinto não saía de lá. Fazia visitas

frequentes e demoradas, mesmo no tempo em que devia atender

aos interesses do Brasil na chefatura de polícia. Preferia resolver

com o tal conselheiro as dificuldades da embaixada de Hitler,

representada nas pessoas de Von Cossel e outros seus amigos.

Esses agentes secretos nazistas já nem eram mais secretos, tal a

liberdade de movimento que possuíam nas dependências da

polícia, como se fosse um território alemão. E não era?"

Sobre a presença alemã no Brasil, o observador estrangeiro Ewart Turner,

escreve a obra German Influence in South Brazil nesse mesmo ano de 1942,

informando que os imigrantes alemães somavam um milhão de pessoas, em sua

quase totalidade simpatizantes do nazismo. Os mais influentes e atuantes,

segundo ele, eram os pastores protestantes, e cita um caso curioso:

"O pastor de Nova Breslau foi apanhado em atividades

subversivas. A polícia ordenou sua prisão. Ao ouvir isso, o

Consulado Alemão de Florianópolis avisou-lhe por telefone que ele

estava contratado como vice-cônsul. Isso lhe propiciou imunidade

diplomática, com a qual passou a desafiar quem o prendesse.

Quando o assunto veio a público, os nazistas mandaram-no de

volta à sua paróquia. Desde então, o nome da cidade mudou de

Nova Breslau para Getúlio Vargas."

- 173 -

E Turner, já citado acima, escreve sobre a ação de agentes alemães no

Brasil: "Os recém desembarcados professores, todos homens, foram

descobertos, organizando a juventude em unidades paramilitares." Eram as AS

(Sturmabteilung), ao pé da letra, Seção de Assalto, organizações que os nazistas

montavam em países inimigos para facilitar a tomada do poder.

Esse é o grau de dificuldade que o governo brasileiro enfrentava, em nível

interno, para a defesa nacional, em face da Segunda Guerra Mundial.

Nossos navios são

bombardeados

Desesperançado de obter o apoio do Brasil às potências do Eixo, Hitler

começa a tomar medidas de provocação, mandando afundar navios mercantes

brasileiros, numa frequência que punha em teste a paciência do nosso governo.

Em 15 de fevereiro de 1941 era torpedeado o navio mercante brasileiro Buarque.

Segue-se uma série de ataques, feitos por submarinos alemães e, seis meses

depois, já tínhamos 22 embarcações atingidas, todas da marinha mercante, vale

dizer, sem condições de envolvimento na guerra. E os ataques continuaram pelo

ano de 1942. Era a velha e perigosa tática. Contemporizando com intuito de

apaziguar, o Brasil estava aumentando o poder de fogo dos agressores.

Em 22 de agosto de 1942, o Brasil reconhece o Estado de Beligerância com

a Alemanha. Neste ponto, Osvaldo Aranha deixa a Embaixada do Brasil nos

Estados Unidos e, em solidariedade, Góis Monteiro se demite da chefia do

Estado Maior das Forças Armadas.

- 174 -

Em 31 de agosto, o Brasil, finalmente, declara Estado de Guerra em todo o

território nacional.

Não estávamos para ilusões. Ou os problemas, todos eles, eram atacados de

frente, com energia ou determinação, ou chegaríamos a um ponto onde não

haveria mais condições para conter a escalada da subversão dentro do país, e

o recrudescimento dos ataques alemães aos navios de bandeira brasileira.

A declaração de guerra à Alemanha era apenas um primeiro passo, de todo

inútil, se não fosse acompanhado de medidas efetivas visando reagir às

hostilidades do governo germânico contra o Brasil.

Getúlio Vargas, pois, fez ver ao presidente Roosevelt que tínhamos todo

interesse em enviar ao campo de batalha uma força militar para participar, ao

lado do Exército americano, na expulsão do inimigo, dos territórios por ele

invadidos.

A formação da força expedicionária, a partir desse instante, é a prioridade do

governo brasileiro. Os preparativos seguem acelerados para que, o mais rápido

possível, o Brasil se faça presente na Europa, combatendo as forças do Eixo.