capítulo 11 - política, poder e estado

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ítulo 11 - Política, Poder e Es Grafite de Banksy em frente à sede do Parlamento, em Londres, Inglaterra, em foto de 2006. Esse grafite faz parte da campanha do cidadão inglês Brian Haw (1949-2011), que viveu durante quase dez anos, desde 2001, acampado na praça em frente à sede do Parlamento britânico. Protestando contra a política externa do Reino Unido e dos Estados Unidos, Brian Haw tornou-se um símbolo do movimento contra a invasão do Afeganistão e do Iraque.

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Capítulo 11 - Política, Poder e Estado

Grafite de Banksy em frente à sede do Parlamento, em Londres, Inglaterra, em foto de 2006. Esse grafite faz parte da campanha do cidadão inglês Brian Haw (1949-2011), que viveu durante quase dez anos, desde 2001, acampado na praça em frente à sede do Parlamento britânico. Protestando contra a política externa do Reino Unido e dos Estados Unidos, Brian Haw tornou-se um símbolo do movimento contra a invasão do Afeganistão e do Iraque.

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Quando você pensa em política, o que vem à sua cabeça? Provavelmente algo relacionado ao governo, às pessoas que administram a cidade, o estado ou o país. Você talvez pense nas eleições, em candidatos, no voto. E talvez tenha uma opinião desfavorável sobre a política: muita gente, quando ouve falar em política, logo pensa em corrupção.Mas você já pensou em quantas coisas boas na sua vida foram conseguidas por lutas políticas? Por exemplo, hoje você pode postar na internet uma frase como “Odeio todos os políticos, o governo é corrupto”. No Brasil, há menos de trinta anos, quem criticasse o governo desse jeito poderia ser preso, torturado e até morto. Isso só deixou de ser assim graças a um movimento político forte que mudou a forma de o país ser governado. E quem achar que outros problemas graves do Brasil podem ser resolvidos sem política está seriamente iludido.A Ciência Política ajuda a entender como funcionam o governo, as leis, os partidos, e tudo aquilo que influencia ou regulamenta a vida de cidadãos como você e seus colegas.

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Na foto acima, de 1968, um cidadão da antiga Tchecoslováquia (país que se dividiu nas atuais República Tcheca e Eslováquia) tenta impedir o avanço de um tanque do exército soviético. Entre 1945 e 1989, a União Soviética impôs pela força governos comunistas em vários países da Europa. O cidadão da foto não conseguiu impedir a invasão.

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1 - Política e Poder

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11O conceito fundamental da Ciência Política é o conceito de

poder. A definição do sociólogo alemão Max Weber mostra que o centro da atividade política é a busca pelo poder. Segundo ele, a política é a luta por participar do poder ou influenciar sua repartição, seja em um Estado, seja entre os grupos de pessoas dentro de um Estado, seja na relação entre Estados. Mas o que, afinal, é o poder? Você já deve ter alguma ideia do que significa poder. Tem poder quem manda, quem é capaz de impor sua vontade sobre a dos outros. Essa é a definição clássica de poder: a possibilidade de impor sua própria vontade, mesmo que contra a vontade dos outros.

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a tradicional carismática legal

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Max Weber

Weber chamou a probabilidade de encontrar obediência em um grupo de pessoas de dominação. A dominação, para durar, precisa ser legítima: isto é, precisa, de alguma forma, convencer as pessoas de que é certo obedecer. Elas podem se convencer por motivos diferentes. Ele identificou três principais tipos de dominação legítima. Eles não são os únicos possíveis e, na prática, quase sempre se misturam em um processo de dominação. Os três tipos de dominação legítima, segundo Weber, são os seguintes:

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Max Weber

Dominação tradicional: é a dominação que se baseia no costume — quando se obedece porque “sempre foi assim” — ou em um hábito tão forte que nos pareceria estranho nos desviarmos dele. Muitas monarquias, por exemplo, foram e são legitimadas pela tradição: obedecer ao rei e à sua família já se tornou parte da maneira de viver de determinada sociedade, e os súditos achariam estranho viver de outro jeito. Em algumas religiões, é comum que os fiéis obedeçam ao líder espiritual porque esse comportamento já se tornou parte importante das crenças daquela religião.

Rei Abdullah, da Arábia Saudita, exemplo de líder que tenta se legitimar como representante das tradições do país (no caso, as tradições religiosas). Na Arábia Saudita, o rei é chamado de “Guardião das Duas Mesquitas Sagradas” (Meca e Medina, locais sagrados para a religião islâmica). O próprio nome do país deriva do nome de sua família, Saud. Foto de 2012.

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Max Weber

Dominação racional-legal: é a dominação que se baseia na crença de que é correto obedecer à lei. Não porque a lei seja inspirada por ordem ou crença divina, ou porque se concorde com todos os detalhes de todas as leis, ou porque obedecer seja sempre do seu interesse, mas porque a lei deve ser cumprida. Para entender o que é a crença na lei, basta pensar no que consideramos, na sociedade moderna, um bom funcionário público. Um bom funcionário público deve ter conseguido seu emprego por competência técnica (demonstrada em concurso público); deve sempre seguir o que diz a lei; e deve aplicá-la igualmente a todos os cidadãos, sejam eles brancos, sejam negros, ricos ou pobres, da mesma igreja do funcionário ou não, do mesmo partido político do funcionário ou não. Esse funcionário público corresponde ao ideal da dominação racional-legal.

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Max Weber

Dominação carismática: é a dominação que se baseia na crença de que o líder político possui qualidades excepcionais, dons extraordinários. Os liderados podem acreditar que o líder é inspirado por Deus, ou que é excepcionalmente capaz de compreender o verdadeiro destino da nação. É possível, a propósito, que os liderados estejam enganados — ou seja, que o líder não tenha nenhuma dessas qualidades. Mas, enquanto o líder convencer de que as tem, ele exerce poder sobre os liderados, muitas vezes inspirando-os a fazer coisas que normalmente não fariam.

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2 - O ESTADO

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11Boa parte dos trabalhos de Ciência Política estuda o Estado. A definição de

Estado mais utilizada pelos especialistas também foi formulada por Max Weber, e diz o seguinte: o Estado é o monopólio da violência legítima em um determinado território. Em outras palavras: o Estado tenta ser a única instituição à qual a população reconhece, em determinadas ocasiões, o direito de praticar a violência. A população aceita essa situação por diferentes motivos, que variam de sociedade para sociedade. Vamos discutir em separado cada parte da definição de Estado.Monopólio é uma palavra emprestada da economia e descreve uma empresa que é a única vendedora de certo produto. Quando afirma que o Estado tenta ser um monopólio da violência legítima em determinado território, Weber está dizendo que o Estado tenta se tornar a única instituição capaz de praticar a violência legítima naquele território.Mas o que é a violência “legítima”? Para compreender o que é a violência legítima, pense na seguinte situação: você está vendo, na TV, imagens de um conflito entre polícia e criminosos. Os dois lados estão praticando violência, um está atirando no outro. Mas, para você, o que cada um está fazendo não é a mesma coisa. Você provavelmente acha que a polícia tem mais direito de atirar nos criminosos do que os criminosos têm de atirar na polícia. Você acha que, em circunstâncias como aquela, a polícia tem o direito de praticar a violência; os criminosos, não. Em outras palavras, você considera que a violência praticada pela polícia no cumprimento da lei é legítima.

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11Mas o que é a violência

“legítima”? Para compreender o que é a violência legítima, pense na seguinte situação: você está vendo, na TV, imagens de um conflito entre polícia e criminosos. Os dois lados estão praticando violência, um está atirando no outro. Mas, para você, o que cada um está fazendo não é a mesma coisa. Você provavelmente acha que a polícia tem mais direito de atirar nos criminosos do que os criminosos têm de atirar na polícia. Você acha que, em circunstâncias como aquela, a polícia tem o direito de praticar a violência; os criminosos, não. Em outras palavras, você considera que a violência praticada pela polícia no cumprimento da lei é legítima.

Traficantes fogem da polícia durante operação em comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2010. A invasão foi parte do esforço do governo para tirar comunidades carentes cariocas do controle de grupos criminosos armados. Essas quadrilhas desafiavam o monopólio da violência pelo Estado e só prosperaram porque o Estado fracassou em oferecer aos moradores dessas comunidades um mínimo de segurança e bem-estar social — ou seja, falhou em legitimar-se.

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3. Os contratualistas: o que o estado pode fazer? Ca

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11A origem do Estado, como vimos, está na guerra e na conquista.

Maquiavel foi o grande pensador da fundação dos Estados. Mas o Estado é uma forma de dominação, e, como vimos, a dominação precisa ser legítima, precisa convencer quem obedece de que, de alguma forma, é certo obedecer. Por isso, quando o Estado moderno foi formado, vários pensadores tentaram resolver o seguinte problema: quando o Estado é legítimo?Durante esses debates, muitos de nossos conceitos sobre liberdade, igualdade e democracia foram formados. Vamos explorar agora três autores fundamentais para que, na nossa cultura, aceitássemos a existência do Estado e formássemos nossas opiniões sobre o que ele pode fazer. Até hoje, boa parte das ideias políticas tem origem nos livros desses pensadores, conhecidos como contratualistas, pois viam o Estado como resultado de um contrato entre os cidadãos que concordavam em obedecer a uma estrutura de poder com regras próprias. Isto é, embora o Estado tenha se formado por meio da conquista e da guerra, os contratualistas se perguntavam o seguinte: se todos nos reuníssemos e fundássemos um Estado por nossa própria vontade, como ele seria? Esse Estado seria, sem dúvida, legítimo, pois seria a expressão da vontade livre dos que obedecem.

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Contratualistas como os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704) e o franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) propõem a seguinte pergunta: como seria a vida sem o Estado? Essa fase em que o Estado não existia foi chamada de estado de natureza. Como seria o estado de natureza? E por que as pessoas que viviam no estado de natureza decidiriam criar o Estado? Para Thomas Hobbes, a vida no estado de natureza seria violenta, pobre e curta. Se você vivesse no estado de natureza, segundo Hobbes, teria medo de ser atacado pelas outras pessoas. Afinal, se duas delas se juntassem para matá-lo e roubar tudo o que você possuía, o que poderia ser feito? A melhor coisa a fazer seria se armar para se defender. Assim, todos estariam em uma guerra de todos contra todos. Em uma situação como essa, você não teria interesse em trabalhar muito, porque a qualquer momento alguém poderia roubar os frutos de seu trabalho. Sem poder trabalhar muito para se alimentar, e sempre preocupado em fazer guerra contra as outras pessoas, não é provável que você conseguisse sobreviver por muito tempo.John Locke acreditava que a vida no estado de natureza seria bem melhor do que Hobbes pensava. Para ele, as pessoas no estado de natureza seriam livres e já teriam direito à propriedade do que produzissem. Para entender por que esse direito seria reconhecido, vamos supor um exemplo: quando você cuida de uma plantação, seu trabalho fica misturado à terra. Como é impossível separar seu trabalho da terra (sem destruir a plantação), aquela plantação é sua — no contexto do estado de natureza, que fique claro. Mas, se o estado de natureza não é tão abominável como Hobbes imaginava, por que as pessoas fundariam o Estado?E aqui está a diferença entre Hobbes e Locke: o Estado, para Locke, não poderia julgar do jeito que quisesse. Quando as pessoas fundaram o Estado, elas já tinham direito à liberdade e à propriedade.

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Folha de rosto (página que abre um livro) da primeira edição de Leviatã, de 1651, principal obra de Thomas Hobbes. Note que a armadura do gigante (que representa o Estado) é formada por uma multidão de pequenas pessoas que abdicaram de sua liberdade em troca da proteção pelo gigante que construíram.

Na gravura ao lado, a rainha da Inglaterra, Elizabeth I, concede título de nobreza a Francis Drake, em 1581. Além de explorador e defensor da Inglaterra nas guerras contra a Espanha, Drake foi um corsário, ou seja, um pirata que contava com proteção oficial de um governante.

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O Estado

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11Não é possível falar da política moderna sem falar de

Nicolau Maquiavel (1469-1527). Pode-se dizer que Maquiavel foi o fundador da Ciência Política e um dos principais teóricos do Estado moderno. Como diplomata, representou sua cidade natal, Florença, em reinos importantes da Europa. Como Maquiavel via sua cidade de fora, percebeu que ela estava em uma situação muito difícil. Naquela época, Estados modernos já haviam se formado em lugares como França e Espanha, mas não no que hoje corresponde à Itália. Cidades como Florença eram autônomas — a unificação da Itália só viria a acontecer no século XIX. Diante dos poderosos exércitos espanhóis e franceses, essas cidades pareciam frágeis, o que se provou na derrubada do governo de Florença após um conflito com a Espanha. O novo governo prendeu, torturou e exilou Maquiavel. No exílio, ele escreveu O príncipe, sua obra mais famosa.

Pintura de Santi di Tito(1536-1606)

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Contratualistas como os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704) e o franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) propõem a seguinte pergunta: como seria a vida sem o Estado? Essa fase em que o Estado não existia foi chamada de estado de natureza. Como seria o estado de natureza? E por que as pessoas que viviam no estado de natureza decidiriam criar o Estado? Para Thomas Hobbes, a vida no estado de natureza seria violenta, pobre e curta. Se você vivesse no estado de natureza, segundo Hobbes, teria medo de ser atacado pelas outras pessoas. Afinal, se duas delas se juntassem para matá-lo e roubar tudo o que você possuía, o que poderia ser feito? A melhor coisa a fazer seria se armar para se defender. Assim, todos estariam em uma guerra de todos contra todos. Em uma situação como essa, você não teria interesse em trabalhar muito, porque a qualquer momento alguém poderia roubar os frutos de seu trabalho. Sem poder trabalhar muito para se alimentar, e sempre preocupado em fazer guerra contra as outras pessoas, não é provável que você conseguisse sobreviver por muito tempo.John Locke acreditava que a vida no estado de natureza seria bem melhor do que Hobbes pensava. Para ele, as pessoas no estado de natureza seriam livres e já teriam direito à propriedade do que produzissem. Para entender por que esse direito seria reconhecido, vamos supor um exemplo: quando você cuida de uma plantação, seu trabalho fica misturado à terra. Como é impossível separar seu trabalho da terra (sem destruir a plantação), aquela plantação é sua — no contexto do estado de natureza, que fique claro. Mas, se o estado de natureza não é tão abominável como Hobbes imaginava, por que as pessoas fundariam o Estado? Aqui está a diferença entre Hobbes e Locke: o Estado, para Locke, não poderia julgar do jeito que quisesse. Quando as pessoas fundaram o Estado, elas já tinham direito à liberdade e à propriedade.

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Para Jean-Jacques Rousseau, o estado de natureza era ainda melhor do que na concepção de Locke. Se você vivesse no estado de natureza de Rousseau, seria livre e feliz com o pouco que possuísse. Entretanto, o convívio levaria você a se importar cada vez mais com a opinião alheia e a tentar ser melhor que seus semelhantes. Aos poucos, deixaríamos de ser iguais, e o golpe final contra a igualdade viria com a invenção da propriedade. Após a invenção da propriedade, seria necessário criar o Estado e as leis para protegê-la.Mas a perda da liberdade natural do homem podia ao menos ser compensada pela conquista da liberdade do cidadão. Para Rousseau, a única maneira de preservar a liberdade após o surgimento do Estado seria se todos aceitassem entregar seus direitos uns aos outros (e não ao governante, como na concepção de Hobbes). Ao fazer isso, o indivíduo não teria interesse em exigir demais das outras pessoas, porque tudo o que exigisse poderia ser exigido dele também. Nesse contexto, seria preciso merecer sua liberdade, participando da vida política do país e, principalmente, da elaboração de suas leis. O Estado mereceria ser considerado legítimo quando suas leis fossem criadas pela Vontade Geral, que é a vontade do conjunto dos cidadãos que visa ao bem comum. Se pensarmos somente em nós mesmos ao escrever as leis, o Estado funcionará mal, e aos poucos acabaremos perdendo nossa liberdade.As ideias de Hobbes, Locke e Rousseau ajudam a entender melhor o que explicamos sobre política e sobre o Estado. Hobbes formulou uma justificativa consistente para a existência do Estado, e suas ideias sempre voltam à tona quando a ordem pública está seriamente ameaçada (por exemplo, quando há uma guerra civil, ou um surto de violência). Locke foi o primeiro grande defensor moderno da liberdade e dos direitos do cidadão, tanto políticos quanto econômicos. E Rousseau discutiu com especial competência as questões da democracia e da igualdade.

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Na discussão sobre os contratualistas, vimos que há opiniões diferentes sobre como o Estado deve ser organizado, quais os direitos e deveres dos cidadãos e que valores os cidadãos devem ter para que a política funcione bem. Dependendo de sua posição diante dessas questões, podemos dizer que você defende certo tipo de regime político. Segundo o Dicionário de política organizado pelos italianos Norberto Bobbio (1909-2004), Nicola Matteucci (1926-2006) e Gianfranco Pasquino (1942-), um regime político é o conjunto de instituições, leis e valores que regulam a luta pelo poder em determinada sociedade.Boa parte das diferenças entre os regimes políticos democráticos se explica pela maneira como, em cada país, se organizam três poderes fundamentais: o Legislativo (que tem o poder de escrever e votar as leis), o Executivo (que controla o poder para aplicar as leis com base na força — usando, por exemplo, a polícia) e o Judiciário (que garante que o Executivo aplique seu poder somente dentro do que diz a lei).O regime político que mais nos interessa neste livro é a democracia, que é o adotado no Brasil. Dizemos que o regime político em um país é democrático quando ele tem três características principais, propostas pelos cientistas políticos Mike Alvarez (1962-), José Antonio Cheibub (1960-), Fernando Limongi (1958-) e Adam Przeworski (1940-):1. O chefe de governo do Poder Executivo é eleito pelo voto. Isso é verdade não só quando os eleitores votam diretamente para presidente da República (como no Brasil), mas também quando votam nos parlamentares que, por sua vez, elegem o primeiro-ministro (como na Inglaterra).2. Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo. Os eleitores escolhem os deputados e senadores que vão elaborar as leis do país.

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3. Há mais de um partido. Isto é, se só um partido puder disputar eleições, elas obviamente não são livres: se só há uma opção para escolher, não há escolha. Esse último ponto é importante. Quando dizemos que numa democracia há eleições, estamos falando de eleições “limpas”, ou seja, que transcorram conforme as regras eleitorais. No Brasil do começo do século XX, por exemplo, havia eleições, mas o voto não era secreto. Portanto, os detentores do poder conseguiam obrigar os eleitores a votar em quem eles mandassem ou mesmo se vingar daqueles que tivessem votado em outro candidato. Ainda hoje, em vários países, há fraudes na contagem dos votos: o partido do governo sempre ganha, não importa quantos votos tenha tido. É claro que, nesses casos, não há democracia. Como bem disse o cientista político polonês Adam Przeworski, para existir democracia, é preciso que haja a possibilidade de o governo perder a eleição.Mesmo em países democráticos, há diferenças importantes entre os regimes políticos. A principal diferença é entre regimes parlamentaristas e presidencialistas. Nos regimes parlamentaristas, como o inglês e o alemão, os cidadãos votam nos deputados (o Poder Legislativo), que, por sua vez, elegem o chefe de governo do Poder Executivo (o primeiro-ministro). A maioria dos deputados pode, a qualquer momento, derrubar o governo, caso decida que ele não está desempenhando bem suas funções.Nos regimes presidencialistas, como o brasileiro e o norte-americano, o Poder Legislativo também é eleito pelo povo. A diferença é que o chefe do Poder Executivo é escolhido pelo povo, e não pelos deputados. O Poder Legislativo não pode derrubar o presidente apenas por considerar que ele está fazendo um mau governo.

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No Brasil, em 1993, houve um plebiscito para escolher nosso regime político. Os cidadãos foram às urnas para decidir se o regime político seria presidencialista ou parlamentarista, monarquia ou república. Venceram o presidencialismo e a república, que é o regime político brasileiro até hoje. Assim, no Brasil, por exemplo, de quatro em quatro anos votamos para presidente da República, para deputado e para senador, e, se quisermos, podemos votar em partidos diferentes para cada um dos cargos. Isso pode levar a impasses, porque o presidente, muitas vezes, não tem apoio da maioria no Poder Legislativo para aprovar as leis que defende. Vale lembrar, a propósito, que nem todos os regimes políticos são democráticos. Nos regimes autoritários, a população não tem o direito de escolher seus governantes. Nesses regimes, quem controla o Poder Executivo (isto é, a força) em geral faz as leis que bem entende e as aplica como quer. Além disso, as pessoas raramente têm liberdade para manifestar suas opiniões sobre política e não podem se defender se o Estado atacar seus direitos. No mundo atual, a China e a Arábia Saudita são exemplos de regimes autoritários.

Pichado nos muros da universidade Mackenzie, o emblema do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), grupo paramilitar que agiu no período da ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Foto de 1968. Havia eleições na época, mas só podiam participar delas duas agremiações políticas: a que reunia os partidários do governo e a que reunia os opositores que tinham permissão para atuar politicamente. Muitos outros partidos se mantiveram na ilegalidade e foram perseguidos pelo governo e por grupos como o CCC.

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Acima, uma reunião dos deputados alemães no Parlamento, em 2008.

Em foto de 2013, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos desde 2009.

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5. PARTIDOS POLÍTICOSEm uma democracia, deve haver liberdade para que todos apresentem propostas a serem discutidas com os demais cidadãos. Mas como cada cidadão, sozinho, pode ter influência sobre todos os outros? Digamos que você tenha uma boa ideia sobre uma nova lei, ou sobre como o país deve ser governado. O que você faz? Como agir para que todos os outros brasileiros ouçam sua opinião e tenham condições de avaliar se você tem razão?Uma solução é juntar-se a outros cidadãos que pensam mais ou menos como você para ampliar sua influência. Essa é a ideia por trás dos partidos políticos. Os partidos políticos são associações que têm o objetivo de disputar o poder político. Quando você resolve se filiar a um partido político, sabe que as ideias do partido não vão ser exatamente iguais às suas (afinal, os outros membros do partido também têm o direito de dar suas opiniões, que nem sempre coincidirão com a sua). Mas, se fizer uma boa escolha, você vai optar pelo partido com ideias mais próximas das suas. Boa parte da política consiste nisso: juntar-se a outras pessoas para defender ideias e interesses semelhantes. Como surgiram os partidos modernos? Sempre que há Estado, há grupos que lutam entre si para controlá-lo. Mesmo onde o rei manda em tudo, existem grupos diferentes tentando convencê-lo a fazer coisas diferentes. Porém, esses grupos não são semelhantes aos partidos modernos, que se formaram quando o direito ao voto foi se tornando mais abrangente, passando a incluir a classe média e depois os mais pobres, os negros, as mulheres, etc. A partir desse momento, todos os grupos que queriam ganhar influência sobre o Estado precisaram correr atrás do apoio dos eleitores.

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Além disso, os operários formaram seus próprios partidos assim que puderam. Por que os mais pobres se esforçaram tanto para formar partidos? Porque, como vimos, os ricos têm outras formas de se fazer ouvir na política. Podem, por exemplo, comprar espaço nos jornais para divulgar suas ideias. Os que não desejam concorrer a cargos no governo podem financiar as campanhas dos candidatos — que, em contrapartida, precisarão ouvir o que seus financiadores querem. Já os pobres não podiam (nem podem) fazer nada disso. Portanto, quando se formaram, os partidos socialistas visavam juntar a contribuição financeira de milhões de pessoas para terem chance de competir com os mais ricos pelo poder político.O surgimento dos partidos socialistas forçou a formação de outros grandes partidos, mesmo porque hoje as campanhas políticas custam caro até para milionários. Como notou o cientista político francês Maurice Duverger (1917-), em muitos países modernos a disputa basicamente se dá entre dois grandes partidos: 1. um partido de esquerda, que defende a cobrança de impostos dos mais ricos para oferecer benefícios aos mais pobres. São os partidos socialistas e semelhantes;2. um partido de direita, que defende que o Estado não interfira muito na economia, para que ela cresça mais. São os partidos liberais ou conservadores. Nos Estados Unidos, há um partido um pouco mais à esquerda (o Partido Democrata) e outro um pouco mais à direita (o Partido Republicano). Na Inglaterra, essa distinção é mais evidente, com um partido claramente de esquerda (o Partido Trabalhista) e um partido claramente de direita (o Partido Conservador). Mesmo onde há mais de dois partidos importantes (no Brasil, como veremos, há bem mais que dois), é comum que os vários partidos se organizem em dois blocos: um mais à esquerda, outro mais à direita.

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Nas disputas entre os partidos modernos, os dois partidos principais tendem a competir pelo centro. Para conquistar a maioria e vencer a eleição, os partidos precisam disputar a simpatia (o voto) do centro: pessoas que não são nem muito de esquerda, nem muito de direita. Para isso, terão que se tornar menos radicais. A esquerda, por exemplo, vai ter que aceitar cobrar menos impostos do que gostaria. A direita, por sua vez, vai ter que concordar em oferecer alguns serviços sociais à população mais pobre.Esse elemento de moderação proporcionado pela disputa por votos é, sem dúvida, importante para a manutenção da democracia moderna. Mas também traz sérios problemas. Há o risco de os partidos pararem de defender qualquer ideia que seja e se tornarem iguais. Nesse caso, as pessoas realmente interessadas em defender alguma ideia poderiam desanimar e perder o interesse na democracia. Esse é um dos grandes desafios da democracia moderna, como veremos no último capítulo deste livro.

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Cartaz de campanha do Partido Trabalhista Inglês, de 1923. O texto diz: “Use a cabeça! Apoie alguém do seu próprio time, vote nos trabalhistas”.

Capa da revista norte-americana Time edição de 25 de maio de 1992, com o milionário Ross Perot, que concorreu à Presidência dos Estados Unidos nesse ano. Perot disputou essa eleição como candidato independente — ou seja, sem ser fi liado a um partido, o que é permitido nos Estados Unidos — e pagou boa parte de sua campanha com dinheiro do próprio bolso. Para quem não pode pagar suas próprias campanhas, resta a alternativa de ingressar em um partido (ou formar um novo).

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Bibliografia:

Sociologia Hoje, Ática, 2013Henrique Amorim Celso Rocha de Barros Igor José de Renó Machado