capÍtulo 1 - rl.art.br · padre januário — (voz) pode ser que um dia deixemos de nos falar ......
TRANSCRIPT
1
CAPÍTULO 1
SETE VIDAS
NOVELA CRIADA E ESCRITA POR
RÔMULO GUILHERME
Personagens deste capítuloAMBROSINHAÁGATHABETÂNIACALINDACARMINHACATARINACLARISSE
DAGUALBERTODJALMAEVA
EVANDROGORETEJANUÁRIOJEFERSONJOAQUIMMARINHOMARISAMOISÉSNARCISANECO
NICOLAUOLAVO
PACHECOREBECARUFINOSARA
VIOLETA
2
VITORVLADIMIRZINHA
Participação especialSECRETÁRIA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES (PROTAGONISTAS PRIMEIRA FASE)
CENA 1. PLANO GERAL DO SÍTIO. EXTERIOR. DIA
Planos gerais do sítio de padre Januário. Imagens áreas,
bonita, sem pressa.
Corta para as crianças brincando espalhas pelo sítio. Idade
entre cinco, seis anos. Através de algum efeito aparece o
nome de cada um:
1. Catarina brinca de boneca com Calinda.
2. Gorete brinca com um coelho, ou talvez outro animal
dócil.
3. Vitor, Djalma e Moisés jogam pedras do riacho, fazendo
elas pularem na água.
4. Rufino é o mais isolado de todos, distante, desenhando
encostado numa árvore. Apenas lembrando que ele é o mais
velho de todos.
Depois de brincarem, Catarina, Gorete, Calinda, Vitor,
Djalma e Moisés se juntam e fazem uma ciranda, e começam a
rodar. Eles chamam Rufino, que não vai. Vitor, Djalma e
Moisés vão até Rufino e o levam para a roda. Os sete amigos
começam a rodar. Sobre as imagens ouvimos:
Padre Januário — (voz) Pode ser que um dia deixemos
de nos falar... Mas enquanto houver
amizade, faremos as pazes de novo.
Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer, um de
outro se há-de lembrar. Pode ser que
um dia nos afastemos... Mas, se
formos amigos de verdade, a amizade
3
nos reaproximará. Pode ser que um
dia não mais existamos... Mas, com a
amizade construiremos tudo de
novamente, cada vez de forma de
forma diferente. Sendo único e
inesquecível cada momento. Que
juntos viveremos e nos lembraremos
para sempre. Há duas formas para
viver a vida: uma é acreditar que
não existe milagre, a outra é
acreditar que todas as coisas são um
milagre. Albert Einstein.
Corta para:
CENA 2. CASA SÍTIO. INTERIOR. DIA
Padre Januário está terminando suas orações em frente ao
altar. Ele se benze e caminha em direção a porta, que leva
ao exterior do sítio.
No caminho, Januário pega uma maquina fotográfica antiga,
daquelas que a foto saí na hora, e segue com ela.
Corta para:
CENA 3. SÍTIO. EXTERIOR. DIA
Padre Januário pára na porta e observa por um instante suas
sete crianças, que agora já estão mais velhas, com idade
entre dose e dezessete anos, mostrando que uma pequena
passagem de tempo aconteceu.
1. Rufino, o mais velho, está lendo a bíblia encostado na
mesma árvore que ele desenhava anteriormente.
2. Calinda e Djalma jogam Banco Imobiliário. Calinda conta
dinheiro.
3. Gorete amassa algumas folhas, alguns frutos, em pequenos
potinhos.
4. Vitor e Clarisse jogam pedrinhas no riacho.
5. Moisés pesca no mesmo riacho, um pouco distante de Vitor
e Clarisse.
Corta para:
4
CENA 4. RIACHO. EXTERIOR. DIA
Vitor e Clarisse estão sentados na beira do riacho que corre
num ponto do sítio. Eles estão de mãos dadas, num clima bem
romântico. Depois de muito se olharem acabam dando um
selinho. Moisés vê os dois se beijando e dá uma risada
baixa.
Vitor — Eu te amo.
Clarisse — Eu te amo.
Vitor — Vamos ser felizes pra sempre.
Clarisse — Pra sempre.
Desse momento de carinho entre Vitor e Clarisse, corta para:
CENA 5. SÍTIO. EXTERIOR. DIA
Padre Januário.
Januário — Vamos tirar foto crianças?
Corta para os sete já na posição da fotografia: Moisés,
Vitor, Djalma e Rufino estão em pé. Calinda e Catarina estão
sentadas na cadeira. Clarisse está do lado de padre
Januário, que se preparar para fotografar.
Januário — Olha o passarinho.
Januário aperta o botão e tira a foto. O flash espouca e no
lugar onde estão os sete ainda adolescentes, vemos agora os
sete já adultos, na fase atual, que se passa a história.
Corta para os sete amigos na mesma posição da primeira foto,
ainda adolescentes. Padre Januário está com eles agora, em
pé, atrás dos meninos.
Clarisse — Posso tirar?
Todos — Pode.
Clarisse tira a foto.
5
Januário — (para os sete amigos) Vocês sempre serão
amigos, não importa o quanto o tempo
passe, não importa se sigam por outros
caminhos, quero vocês ligados pela
amizade.
Os sete — Seremos sempre amigos!
Gorete, Djalma, Calinda, Catarina, Moisés, Vitor e Rufino se
dão um abraço bem apertado.
Corta para:
CENA 6. PASSAGEM DE TEMPO: ATUALMENTE
Corta para:
CENA 7. CARRO VITOR. RUAS MOVIMENTADAS. RIO. EXT. DIA
Vitor está nervoso no trânsito congestionado. Buzina,
reclama.
Vitor — É mais fácil acabar com a violência no
Rio, do que acabar com o congestionamento
diário.
Vitor buzina de novo. Olha no relógio.
Corta para:
CENA 8. CORRETORA. INTERIOR. DIA
Movimentação da corretora. Telefone tocando, muito vai e
vem. Joaquim acaba de sair de sua sala. Ele caminha pelo
escritório e entra na sala de Vitor.
Corta para:
CENA 9. SALA DE VITOR. INTERIOR. DIA
Vitor está assinando vários documentos que sua secretária
lhe entrega. Joaquim entra e senta.
Secretária— (entregando) Esse é o último.
Vitor — Até quem fim!
Vitor acaba de assinar o papel e sua secretária pega.
6
Secretária— Aceitam alguma coisa?
Vitor — Não, obrigado, pode ir.
Secretária saí. Joaquim fala, enquanto Vitor continua
trabalhando, mexendo no computador.
Joaquim — Nunca vi um cara trabalhar tanto igual
você, Vitor! Tá pra nascer um cara assim.
Vitor — Gosto de trabalhar. Gosto do que faço.
Joaquim — Trabalhar de mais deveria ser crime. Não
vejo a hora de chegar o fim de semana.
Vitor — Quem tem duas esposas como as nossas,
tem que trabalhar dobrado para dar conta
Joaquim.
Joaquim — Marisa e Ágatha fazem os cartões de
crédito tremerem, suarem frio. Nunca vi
gastarem tanto...
Vitor — Pois então, meu amigo, temos que
trabalhar muito para dar conta delas, da
casa... Família é isso, meu amigo, muitos
gastos e pouco descanso.
Joaquim — Mas tu anda trabalhando de mais, Vitor.
Tem que dar um tempo, uma relaxada. O
corpo uma hora não agüenta.
Vitor — Eu sei, mas tô atolado de coisas...
Joaquim — Quanto tempo a gente não joga uma
partida de tênis no clube, pra tu levar
aquela surra. Sempre joguei melhor.
Vitor — Falou o Gustavo Kuerten.
Joaquim — Sério, só! Vamos marcar uma partida no
sábado.
Vitor — (fugindo) Vamos ver, Joaquim... Agora me
deixa trabalhar cara!
Joaquim levanta e caminha para porta.
Joaquim — (brinca) Tô achando que tu tá é com medo
de perder!
7
Vitor joga uma bolinha que fez com o papel que acabou de
amassar em Joaquim.
Vitor — Saí fora, Joaquim.
Joaquim — Uma hora tu vai entrar em curto, meu
amigo. Tô te avisando!
Joaquim sai, deixando Vitor trabalhar.
Corta para:
CENA 10. SHOPPING. INTERIOR. DIA
Ágatha e Marisa estão fazendo compras, cheias de sacolas.
Entram nas lojas, saem com mais sacolas, riem, se divertem.
Corta para elas tomando um suco na praça de alimentação.
Marisa — Acho que estourei o cartão de crédito.
Ágatha — Temos mais de um pra isso. Caso um
estoure, temos outro, ou melhor, outros...
Cê tá preocupada com isso?
Marisa — É que...
Ágatha — (cortando) Somos esposas de dois
empresários ricos e poderosos. Temos que
andar super bem arrumadas, produzidas.
Eles trabalham para, além de outras
coisas, nos darem essa vida.
Marisa — Você é tão franca, Ágatha. Fraca, direta
e debochada.
Ágatha — Sou realista, verdadeira. Essa é novo
universo: fazer compras, cuidar da casa,
enquanto os homens trabalham.
Marisa — Você não cansa dessa vida fútil que nos
levamos? Tenho horas que fico tão ociosa
que até penso em arrumar emprego. Mas na
mesma hora volto atrás, já que não sei
fazer nada, a não ser gastar.
Ágatha — Não que eu tenha nada contra as mulheres
que trabalham, mas eu não tenho a menor
vocação para ser uma assalariada, ter hora
para chegar, para sair, eca!
8
Marisa — Acho que por hoje está bom né? Vamos
embora?
Ágatha — Se você quer né. Eu por mim passava o
dia todo aqui.
Marisa e Ágatha levantam e vão embora.
Corta para:
CENA 11. JANDAÍA. EXTERIOR. DIA
Planos gerais da cidade. Legenda: Jandaía - Santa Catarina
Corta para:
CENA 12. PRAÇA JANDAÍA. EXTERIOR. DIA
Evandro está inaugurando uma obra na praça da cidade. A obra
é uma enorme fonte, muito bonita, feita de mármore. Em cima
da fonte tem um anjo nu. Sai água do seu genital. Do seu
lado de Evandro está Clarisse, Nicolau, Pacheco, Rufino,
Vladimir. Alguns poucos moradores estão presentes, como:
padre Januário, Zinha, Marinho, Narcisa. e outros
figurantes, além de jornalistas, fotógrafos. Licurgo está
distante, esculpindo suas imagens. Olha com desconfia para
o furdunço na praça.
Evandro — Povo jandaiense, é com muito prazer que
eu, como prefeito de Jandaía, eleito por
vocês, entrego mais uma obra. Uma
prestação de contas do dinheiro que vocês
pagam para a prefeitura.
Corta para:
CENA 13. CONFEITARIA SUSPIRO. INTERIOR. DIA
Calinda está na entrada, vendo a inauguração da obra. Djalma
acaba de entregar para Jeferson, que trabalha como garçom,
duas lindas e saborosas tortas.
Calinda — Coitada da minha amiga. Ter que aturar
um homem desse não deve ser mamão com
açúcar não.
Djalma se aproxima de Calinda e lhe abraça por trás.
9
Djalma — O que você disse meu pudim de leite?
Calinda — Que tenho pena da nossa amiga. A
Clarisse merecia um marido melhor.
Djalma — Você quer dizer que ela merecia o Vitor
né?
Calinda — Um foi feito para o outro. Era o casal
perfeito.
Djalma — (completando) Assim como nós somos...
Jeferson se aproxima dos pais.
Jeferson — Que bonito hen, namorando em pleno
expediente.
Djalma — Nós podemos.
Calinda — Quando você tiver seu próprio negócio,
seus próprios funcionários, você pode
namorar no expediente...
Jeferson saí contrariado.
Djalma — Vou para cozinha que tenho algumas bolos
para terminar...
Djalma dá um beijo em Calinda e volta para a cozinha.
Calinda continua observando a movimentação na praça.
Corta para:
CENA 14. MERCADO DE PEIXE. JANDAÍA. EXTERIOR. DIA
Moisés acaba de virar uma cesta de peixe. Neco está na lida
também, separando alguns peixes. Movimentação de pescadores,
mulheres comprando, escolhendo.
Neco — Não vai na praça não Moisés, ver a
inauguração?
Moisés — Perder meu precioso tempo? Tenho mais o
que fazer. Nunca fui com a cara do
Evandro.
Neco — Mas ele é um bom prefeito para Jandaía.
Dagualberto vem trazendo uma cesta cheia de peixe que ele
tirou do barco. Entrega para Moisés.
10
Dagualberto— Posso ir pai?
Moisés — Pode ir, filho. Eu cuido do resto.
Dagualberto vai pra casa.
Moisés — Se eu pudesse dava uma vida melhor para
meus filhos, tudo o que eles merecem.
Neco — Quem sabe tu não ganha na loteria? Eu
sempre aposto!
Moisés — Eu aposto uma vez ou outras, mas não
tenho esperanças de ganhar. Tem que ter
uma sorte danada!
Neco — E muita fé! Tu tem que ter fé Moisés,
que tudo vai mudar, que as coisas vão
melhorar.
Moisés — É complicado ter fé nos dias de hoje,
num mundo onde tudo mundo quer se dar bem
às custas dos outros. Mas você tem razão
Neco! Se não tivermos fé e esperanças,
nada mais nos restas.
Neco — Tu pode ficar milionário de outras
formas...
Moisés — Achando um poço de petróleo?
Neco — Uma maleta cheia de dinheiro!
Neco e Moisés caem na risada.
Moisés — Só em filmes e novelas que isso
acontece. Na vida real é bem diferente.
Neco — Mas não impossível. (t) Um dia, meu
amigo, e não vai demorar, vamos estar
montado na grana, cheio das verdinhas,
usufruindo do bom e do melhor, sem
precisar trabalhar nem nada!
Moisés — Iria ser muito bom, viu! Mas não sei se
agüentaria ficar sem trabalhar. Trabalhei
durante toda minha vida, e ficar atoa não
é comigo.
11
Uma freguesa se aproxima e Moisés corta o papo, atendendo
muito bem a cliente.
Neco — Eu sim, eu não me incomodaria nada em
ficar de pernas pro ar, só mandando, como
patrão!
Corta para:
CENA 15. PRAÇA JANDAÍA. EXTERIOR. DIA
Mesmas pessoas da cena 12. Continuação. Rufino e Evandro.
Rufino — O que você aprontou Evandro?
Evandro — Uma surpresa pra você e pra todos.
Rufino — Olha lá em Evandro! Se nunca foi bom em
fazer surpresas...
Evandro — Não se preocupa Rufino, tenho certeza
que toda a cidade vai gostar dessa obra.
Evandro faz um sinal para Pacheco, que aciona algum
mecanismo que levanta o pano que cobre a fonte e faz a fonte
funcionar. A imagem da água saindo do piu-piu do anjo choca
a todos.
Evandro — Está inaugura a fonte de Jandaía. Um
pedaço da Itália em nossa cidade.
Narcisa, Zinha e padre Januário se benzem.
Narcisa — (para Zinha) Aquilo é aquilo que estou
pensando que é?
Zinha — É isso.
Narcisa e Zinha tapam os olhos, de uma forma que elas
conseguem enxergar por entre os dedos.
Marinho — (debochando) Coitado do anjinho, foi
bastante prejudicado nas partes baixas...
12
Nicolau — Até o meu é maior do que o dele.
Evandro — (satisfeito, orgulhoso) Não é uma
beleza. Sabia que vocês iriam gostar. Tem
uma igualzinha a essa na Itália. Ficaram
até sem palavras né? Vocês vão ver quando
anoitecer, o efeito especial que
aparecerá. É uma coisa de deixar qualquer
um babando.
Todos ficam em silêncio.
Corta para:
CENA 16. POSTO DE SAÚDE. JANDAÍA. INTERIOR. DIA
Rebeca está tratando de um ferimento em um garoto. Betânia
está perto dela.
Betânia — Não vai ver a inauguração da obra que
seu pai mandou construir na praça?
Rebeca — Ver uma fonte? Eu não! Meu trabalho é
mais importante.
Betânia — Aquilo é uma fonte?
Rebeca — É, uma fonte! O que você pensou que era?
A replica dá Torre Eiffel?
Betânia — Sei lá. Mas não esperava ser uma fonte.
E como anda os preparativos para o
casamento?
Rebeca — Os pais do Jeferson estão cuidando de
tudo.
Betânia — Não tô te achando com cara de noiva que
vai se casar daqui a alguns dias.
Rebeca — Estou feliz. O Jeferson é um cara super
legal.
Betânia — Mas ser legal basta pra casar?
Rebeca e Betânia se dão conta que o garoto está de orelha em
pé prestando atenção na conversa. As duas riem. Rebeca já
acabou de fazer o curativo.
Rebeca — (para criança) Pode ir garotão. E vê se
tem mais cuidado na hora de empinar pipa.
13
O garoto sai. A mãe o espera do lado de fora. Rebeca retoma
o papo com Betânia.
Rebeca — O que você perguntou mesmo?
Betânia — No fundo sabe o que eu acho?
Rebeca — O que?
Betânia — Que você não ama o Jeferson o suficiente
para se casar com ele. O homem de sua vida
continua sendo o Pedro.
Rebeca pensa um pouco.
Rebeca — Você tem razão, Betânia. Eu ainda sou
apaixonada pelo Pedro, mesmo passado todos
esses anos. Mas agora é um amor
impossível. Ele se ordenou padre.
Betânia — Foi forçado a ser um padre.
Rebeca — Mas agora isso não importa. Padre não
pode se apaixonar, se envolver
amorosamente. O melhor que eu faço é
esquecer Pedro de uma vez por todos me
casando com Jeferson, mesmo não o amando
da mesma forma que ele me ama.
Betânia — Casando com um para esquecer o outro?
Rebeca — O amor é tão contraditória algumas
vezes... Pode nos proporcionar a maior
felicidade do mundo, como também uma
enorme tristeza.
Corta para:
CENA 17. PRAÇA JANDAÍA. EXTERIOR. DIA
Padre Januário rasga o silêncio, soltando o verbo.
Januário — Isso é um atentado a moral e aos bons
costumes. Cubram essa imagem pecadora.
Rufino — (para Pacheco) Não ouviu seu tapado,
cubra essa imagem pecadora.
Pacheco logo trata de descer o pano que levantou.
14
Rufino — Como você teve coragem de construir essa
fonte, com um anjo nesse estado, na frente
da igreja.
Clarisse — E o que tem de mal nisso? É apenas um
anjo. Um ser puro, sem maldade, sem
pecado.
Evandro — É arte gente, uma obra de arte. Pra se
apreciar.
Clarisse — O pecado está no olho de quem vê.
Evandro — Isso mesmo, minha esposa. (para Pacheco)
Sobe o pano!
Pacheco sobe o pano. Narcisa e Zinha topam o olho novamente.
Pacheco — Já estou cansado de subir, descer, subir
o pano... Entrem num acordo.
Um bate boca começa. Vladimir corta a discussão.
Vladimir — Vocês estão discutindo por causa desse
pequeno detalhe? Se o mal todo é esse...
Vladimir se aproxima da fonte e com uma bengalada certeira
acerta na piu-piu do anjinho, que cai na fonte.
Vladimir — Pronto! Cortei o mal pela raíz! Já
cansei desse circo todo, vou embora pra
casa.
Vladimir passa por Narcisa.
Vladimir — Vê se não demora empregada. Meu almoço
é na hora certa.
Narcisa — Mas eu não sou sua emprega, seu
Vladimir.
Vladimir — Não discuta comigo, emprega insolente.
Vladimir vai pra casa, reclamando.
15
Vladimir — Não fazem mais empregadas como
antigamente...
Narcisa acha é graça da situação.
Januário — Assim ficou melhor!
Januário vai pra igreja.
Evandro — Não vai abençoar a fonte?
Januário — É melhor não. Ainda não vejo essa fonte
com bons olhos para abençoa-la.
As pessoas começam a se dispersar, deixando Evandro,
Clarisse, Nicolau e Rufino.
Evandro — Minha estátua... estragada.
Rufino — Foi um erro essa fonte Evandro. Um erro.
Se eu soubesse que sua surpresa era essa
tinha te impedido.
Evandro — Sou o prefeito de Jandaía e você é o
vice. Minha ordem prevalece sobre a sua.
Você pode mandar no seu hotel, nos seus
barcos, mas quem manda nessa cidade sou
eu. Se construi essa fonte foi para trazer
um pouco de arte para essa cidade.
Rufino vai embora.
Clarisse — (para Evandro) Vamos pra casa, Evandro.
Nicolau — Eu tenho uma ideia pai.
Evandro — Qual filho?
Corta para:
CENA 18. CASA EVANDRO. SALA. INTERIOR. DIA
Evandro, Clarisse e Nicolau entram em casa. Evandro abre a
porta e já começa falar.
16
Evandro — Uma folha de parreira! Que idéia genial,
meu filho.
Nicolau — Puxei ao senhor, meu pai! Igual a folha
do Adão!
Evandro — Vou providenciar isso ainda hoje. Mas
antes vamos almoçar, estou roxo de fome.
Clarisse — Esse calor está de matar! Vou trocar de
roupa e já volto!
Clarisse sobe para o quarto. Vladimir começa a dar piti na
sala de jantar.
Vladimir — (off) Essa comida está horrível...
Nicolau — O que está acontecendo?
Os dois seguem para sala de jantar.
Corta rápido para:
CENA 19. CASA EVANDRO. SALA JANTAR. INTERIOR. DIA
Vladimir briga com Ambrosinha. Ele joga o prato de comida no
chão.
Evandro — Posso saber o que está acontecendo?
Corta para:
CENA 20. HOTEL RUFINO. INTERIOR. DIA
Um casal acaba de sair. Outro chegando, com uma criança.
Corta para:
CENA 21. HOTEL. ESCRITÓRIO RUFINO. INTERIOR. DIA
Rufino entra na sala soltando raios e trovões. Olavo vem
logo atrás, fechando a porta em seguida.
Rufino — (raiva) Ele me humilhou, me humilhou na
frente de todos!
Olavo — Ele quem, doutor Rufino? Posso saber?
Rufino — (zombando) O cretino daquele prefeito.
Um bosta, pois é isso que ele é, um bosta!
17
Quem ele pensa que é pra falar comigo
daquele jeito? Graças a minha influência,
ao meu poder, que ele conseguiu se eleger
e se reeleger. Sem mim Evandro não é nada.
Olavo — É uma afronta humilhar o senhor.
Rufino — O pai dele sim era um grande homem, mas
o Evandro não passa de um zero a esquerda,
que não herdou nada da sabedoria política
do pai.
Olavo — Tem toda razão, doutor Rufino. Por isso
que eu não votei nele!
Rufino — (surpreso) Cê não voltou no Evandro,
Olavo. Não voto em mim?
Olavo fica apertado.
Olavo — (atrapalhado) Claro que votei, eu me
confundi com as eleições... (corta)
Podemos tratar daquele assunto agora?
Rufino — Não! Minha cabeça tá fervendo! Me deixe
sozinho, se não vai acabar sobrando pro cê
também Olavo.
Olavo — (apressado) Já estou saindo, já estou
saindo... Eu nem estive aqui!
Olavo saí mais do que de pressa da sala.
Corta para:
CENA 22. ESCRITÓRIO RUFINO. EXTERIOR. DIA
Olavo acaba de sair da sala.
Olavo — Com esse homem nervoso nem o diabo pode!
Olavo caminha pelo corredor. Ele escuta um barulho vindo do
carinho de limpeza das faxineiras, que está num canto. A
vassoura caía. Filipa e Basílio estão se agarrando, se
beijando.
Filipa — (baixo) Olha o que você fez.
18
Basílio — (baixo) É só a vassoura que caiu. Deixa
de papo, me beija vai.
Olavo se aproxima tentando fazer o mínimo de barulho
possível. Pega os dois no flagra.
Olavo — Que bonito hen!
Filipa — (espantado) Pai!!!
Filipa e Basílio ficam desconcertados.
Basílio — Como vai, seu Olavo. Não é isso que o
senhor está pensando hen!
Filipa — É pai. O Basílio só me ajudou. Eu quase
desmaiei. Me deu uma bambeza de repente.
Acho que é fome!
Olavo — Eu sei bem o que vocês estavam fazendo.
Não precisam ficar inventando desculpas.
Basílio — Eu amo sua filha, seu Olavo.
Olavo — Precisa de amar em pleno horário de
serviço. Se ao invés de mim tivesse
passando um hospede, ou o doutro Rufino...
Filipa — Aquele velho carrancudo!
Olavo — (reprimindo) Não fale assim, filha. Seu
Rufino é um homem muito bom. Só tem que
saber lidar com ele.
Basílio — Foi mal, seu Olavo. Promete que isso não
vai mais se repetir.
Olavo — Eu não aprovo esse namoro, mas como não
consigo dizer não pra minha princesinha
acabei concordando. Mas é bom não abusarem
da minha benevolência. Posso muito bem
proibir esse namoro de uma vez por
todas... E agora chega. Vai pro seu quarto
Filipa!
Filipa vai pro quarto. Ela rouba um beijo de Basílio e corre
para o quarto.
19
Olavo — (para Basílio) Estou de olho em você
garoto. Tua batata tá assando, quase
queimando.
Basílio — Vou ser o genro mais comportado que você
já teve!
Olavo — O que tá esperando para voltar pro
trabalho?
Basílio corre para a portaria. Olavo fica ali.
Olavo — Por que não tive um filho ao invés de
uma filha?
Corta para:
CENA 23. CASA EVANDRO. SALA JANTAR. INTERIOR. DIA
Continuação da cena 19. Evandro, Nicolau. Clarisse aparece,
já com uma vestido mais leve.
Vladimir — Manda essa empregada embora. Está
querendo nos envenenar com essa comida
horrível.
Clarisse — O que foi?
Ambrosinha — (atingida) Não tem nada de ruim na minha
comida não. É a língua do senhor que é
azeda. Seu Vladimir está falando que minha
comida tá ruim, envenenada!
Vladimir — (retruca) Olha como ela falou comigo,
meu sobrinho. Olha só!
Ambrosinha chora. Vladimir saí resmungando.
Ambrosinha — (para Clarisse) Não tem nada de
diferente na minha comida não, dona
Clarisse. É o meu tempero de sempre. Nunca
que eu ia tentar contra a vida dos cês.
Pra mim cês são como a minha família.
Clarisse consola Ambrosinha.
20
Clarisse — Não fique assim, Ambrosinha. Vai pra
cozinha, tome uma água e tente se acalmar.
Ambrosinha saía. Clarisse começa a catar os pedaços do
prato.
Clarisse — Vou pegar a vassoura.
Nicolau — E a comida? Não quero comer comida
envenenada!
Evandro — Isso é coisa do seu tio, filho. Com a
fome que estou acho que como até pedra.
Corta para:
CENA 24. RIO DE JANEIRO. EXTERIOR. DIA
Corta para:
CENA 25. SALA VITOR. INTERIOR. DIA
Vitor mexe no computador, concentrado. De repente ele sente
uma pontada no coração, que o incomoda muito. Vitor respira
fundo, recosta na cadeira, desafrouxa o nó da gravata. Vitor
liga para a empregada.
Vitor — (tel) Trás um copo de água bem gelada
pra mim, por favor!
Secretária— Sim senhor!
Vitor desliga.
Vitor — (voz) Que mal estar estranho!
A secretária entra com a água. Vitor bebe e relaxa um pouco.
Secretária — Está tudo bem? Tô achando o senhor meio
pálido.
Vitor — É só o calor.
Secretária — Quer que aumente o ar condicionado?
Vitor — Quero sim.
A secretária aumenta o ar condicionado e saí. O celular de
Vitor toca.
21
Vitor — (cel) Fala, meu bem.
Corta para:
CENA 26. CASA VITOR. PISCINA. EXTERIOR. DIA
Ágatha está foliando uma revista, sentadinha debaixo do
guarda-sol. Sarah acaba de deixar uma jarra de suco bem
gelado na mesa, onde já encontra uma porção de morangos e
uvas deliciosas. Sarah fica olhando para Ágatha.
Sara — (voz) Um dia vou ser uma perua igual tu,
madame! Ainda vou subir nessa vida.
Ágatha faz sinal para Sarah dar o fora, sair. Sarah sai.
Ágatha — (cel) Que voz é essa?
Corta para:
CENA 27. SALA VITOR. INTERIOR. DIA
Vitor no cel.
Vitor — Minha voz de sempre. O que foi, Ágatha?
Estou trabalhando.
Corta para:
CENA 28. CASA VITOR. PISCINA. EXTERIOR. DIA
Ágatha no cel.
Ágatha — Eu sei! Só liguei te convidando pra
gente almoçar fora. Vamos Vitor, vamos...
tem tanto tempo que não almoçamos fora. Ou
melhor, tem tanto tempo que não fazemos
nada fora. Você só trabalha, trabalha, não
tem mais tempo pra mim, pra sua linda
esposa, que te ama tanto!
Vitor — (off) Trabalho muito pra te dar a vida
boa que você tem. E o Bruno, já chegou!
Ágatha — (fria) Não, ainda não. Mas então, o que
você me responde?
22
Corta para:
CENA 29. SALA VITOR. INTERIOR. DIA
Vitor no celular. Ele massageia levemente a região do
coração.
Vitor — Pode ser! Assim que o Bruno chegar você
me liga.
Ágatha — (off) Estava pensando num almoço a dois.
Vitor — Mas nós somos três, o Bruno é nosso
filho, ou você se esqueceu disso?
Ágatha — (off) Tudo bem! É que hoje ele tem aula
de hipismo...
Vitor — (cortando) Vai dar tempo....
Corta para:
CENA 30. CASA VITOR. PISCINA. EXTERIOR. DIA
Ágatha desliga o celular.
Ágatha — (raiva) Droga!
Bruno chega da escola chupando um pirulito.
Bruno — (feliz) Cheguei mãe!
Ágatha indiferente, continua foliando sua revista.
Ágatha — Tô vendo! O que quer que eu faça? Uma
festa por você ter chegado, como chega
todo dia da escola?
Bruno beija Ágatha.
Ágatha — (brava) Cê tá me melando toda com esse
pirulito. Quem comprou esse pirulito pra
você?
Bruno — Eu, com meu dinheiro! Meu pai me deu.
23
Ágatha — É por isso que está assim! Não para de
comer bobagem.
Bruno — Assim, como?
Ágatha está pronta para chama-lo de gordo, mas se retém.
Ágatha — Vai trocar de roupa Bruno, que vamos
almoçar fora com seu pai.
Bruno — Tenho que ir treinar hoje?
Ágatha — Sim, tem sim. Seu pai gasta um dinheirão
nas aulas de hipismo para você ir, e não
para faltar! Já vai pronto. E anda logo!
Bruno olha profundamente para Ágatha, que sente o olhar e
olha de volta.
Ágatha — O que foi?
Bruno — Nada.
Bruno vai pro seu quarto.
Corta para:
CENA 31. ÔNIBUS. INTERIOR. DIA
Catarina está sentada dentro do ônibus. Olha para o relógio,
preocupada com as horas. Chega seu ponto, ela levanta e saí.
Corta para:
CENA 32. CASA VIOLETA. EXTERIOR. DIA
Catarina chega no portão e entra.
Carminha — (off) Está sentindo alguma coisa, dona
Violeta?
Corta rápido para:
CENA 33. CASA VIOLETA. SALA JANTAR. INTERIOR. DIA
Violeta está almoçando. Uma mesa grande e ela lá ponta,
dando sensação de solidão. Carminha está do seu lado.
Violeta para de comer, deixando os talhes de lado.
Violeta — Estou bem! Não se preocupe Carminha.
24
Carminha — O que foi então?
Violeta — Tantos anos que estou sozinha e até hoje
não me acostumei com minha solidão.
Carminha — Mas a senhora não está sozinha.
Violeta — Eu sei. Mas quero dizer sozinha de
família. Não tenho ninguém... Não sei se
meu filho está vivo, se um dia Deus vai me
conceder a graça de revê-lo.
Carminha — A senhora tá falando do Moisés?
Violeta — Como será que ele é agora adulto? Só
lembro dele pequenino. Será que tem filho,
família? É feliz? São perguntas que não
sei responder.
Catarina aparece.
Catarina — Com licença, dona Violeta. Eu queria me
desculpar pelo atraso.
Violeta — Não se preocupe Catarina, a Carminha me
deu o recado. Nem precisava ligar, eu
confio em você e sei que se atrasou foi
por um motivo realmente importe.
Catarina — Não podia perder minha consulta no
posto. É tão difícil de marcar...
Violeta — Posso imaginar, Catarina. Mas você está
bem, não está?
Catarina — Sim! É apenas exame de rotina. Vou
deixar a senhora almoçar agora, com
licença.
Catarina saí.
Violeta — Eu admiro muito essa mulher! Não é fácil
ser mãe solteira, criar quatro filhos e
ainda dar conta da casa... (T) Senta e
almoça comigo, Carminha.
Carminha — Mas, dona Violeta...
Violeta — Isso é uma ordem!
25
Carminha senta e faz seu prato. Violeta fica contente.
Violeta — Sabe Carminha, mesmo passado todos esse
anos, meu coração me diz que meu filho
está vivo. E que um dia vou encontrá-lo.
Carminha — Peço a Deus que lhe dê muita saúde, para
que, além de tudo, possa rever seu filho.
A Maria não saiu de dentro de mim, mas só
de imaginar perdê-la, nunca mais vê-la,
fico com meu coração pequenininho,
apertado.
Violeta — Filho é uma dadiva de Deus, Carminha.
Não importa como ele tenha vindo,
naturalmente ou como um presente da vida.
E é para sempre!
Corta para:
CENA 34. CASA RUFINO. SALA. INTERIOR. DIA
Rufino entra em casa e caminha. Ele pára de repente e olha
para cima. Do buraco no telhado vemos um olho, que
rapidamente some. Narcisa vem da cozinha.
Narcisa — Posso servir o almoço, doutor Rufino?
Rufino — Pode sim, Narcisa. Já alimentou a
pecadora?
Narcisa — Ainda não, só estava esperando o senhor
chegar.
Rufino — Faça o prato que eu mesmo levo.
Narcisa — Sim senhor!
Narcisa vai para cozinha. Rufino vai até o enorme oratório.
Acende uma nova vela e se benze. A foto de Pedro, vestido
com a batina, bem alinhado, está do lado da imagem de um
santo. Rufino pega a foto.
Rufino — Tenho muito orgulho de você, meu filho.
Um padre... Era tudo o que eu queria ser!
Corta para:
CENA 35. SÓTÃO EVA. INTERIOR. DIA
26
Rufino abre a porta e entra, trazendo uma bandeja com o
almoço, um copo de suco e uma fruta. No canto escuro vemos
um vulto.
Rufino — Pecadora também se alimenta.
Rufino caminha em direção ao vulto no escuro. Ele entrega a
bandeja pra Eva e se afasta, voltando para o claro.
Rufino — Não vai falar nada, nem ao mesmo
agradecer?
Eva, com uma voz muito fraca, responde.
Eva — Obrigado.
Rufino — Obrigado e o que mais?
Eva — (sarcástica) Obrigado, ô bondoso Rufino.
Rufino — É bom viver assim né, comendo e bebendo
do melhor, sem precisar trabalhar, se
esforçar para fazer nada. Como você mesma
disse sou um homem muito bom. E foi por
ser um homem muito bom que lhe abriguei
aqui na minha casa.
Eva aparece, muito maltratada.
Eva — Me prendeu, você quer dizer, não é?
Rufino — (cínico) Eu prendi você Eva, quando?
Você é livre, não tenho poder de prender
ninguém. Mas você sabe o que acontecerá
caso você coloque os pés pra fora desse
sótão. Eu não desejo que isso aconteça,
você deseja? Principalmente agora, que
nosso pecado foi purificado e convertido
para um ser de Deus, um instrumento do
senhor.
Eva — Como ele está Rufino? O que você fez com
nosso filho?
Rufino — Com meu filho! O Pedro é meu filho. Fiz
dele o que eu queria ter sido: um padre.
Mas por culpa sua não consegui realizar
27
meu sonho de criança. Desde pequeno me
imaginava padre, realizando missas,
batizados, extrema unção... Um servo
direto de Deus na Terra.
Eva — Não acha que já me castigou o
suficiente? Você me culpa de ter estragado
seu sonho de infância, mas eu não te
forcei a nada. Você quis ir pra cama
comigo, Rufino. Lembro até hoje dos seus
olhos de desejo, seu corpo suando frio
quando eu me aproximava de você. Você me
queria, me desejava meu corpo...
Rufino dá um tapa em Eva.
Rufino — Você me corrompeu, cobra imunda! Eu era
um jovem puro, preste a entrar para o
seminário. Por sua culpa não pude, quando
disse para meus pais que estava grávida de
Pedro.
Eva — (grita) Você é louco, Rufino! Louco! Uma
pessoa como você nunca vai ter lugar no
céu. Deus não permitirá. Só pessoas boas
vão para o paraíso. Seu lugar é no
inferno, junto comigo!
Rufino dá um novo tapa em Eva.
Corta rápido para:
CENA 36. CASA RUFINO. SALA. INTERIOR. DIA
Narcisa limpa os móveis. Ela escuta a discussão no sótão.
Olha para cima e se benze.
Corta rápido para:
CENA 37. CASA RUFINO. SÓTÃO. INTERIOR. DIA
Rufino e Eva.
Eva — Pode me bater o quanto quiser. Não sinto
mais dor. Não tenho mais lágrimas para
chorar. Tudo em mim secou. Sou uma estatua
viva. Só lamento pelo Pedro, meu filho,
28
por ter um pai como você, que acabou com
a vida dele quando o obrigou a ser um
padre.
Rufino — Purifiquei a alma do Pedro com essa
atitude. Ele quis ser padre. Não o forcei
a nada.
Eva — E nem precisava. Ele cresceu com isso na
cabeça, essa culpa. Você enfiou na cabeça
do Pedro, desde quando ele era criança,
que ele era o culpado de ter arruinado sua
vida quando nasceu. Estragou seu sonho, o
impossibilitando de ir para o seminário,
já que para ser um padre não pode ter tido
um filho, ser pai... Foi bem feito! Muito
bem feito o que te aconteceu!
Rufino — (distante, em cima) Você não aprende não
é mulher pecadora. Imunda. Ser das trevas.
Durante todo esse tempo tentei faze-la ser
um ser de luz, pura, sem pecado, mas não
adianta, uma vez do ser das trevas,
sempre um ser das trevas. (t) Todos dessa
cidade vão ver o ser de luz que meu filho
se transformou. Pedro será o novo padre.
Eva — Como? Padre Januário morreu?
Rufino — Não, ainda não! Mas isso é questão de
tempo...
Eva — O que você vai aprontar, Rufino?...
(surpresa) Não vai me dizer... Você terá
coragem?
Rufino — Pedro será o novo padre de Jandaía.
Rufino dá as costas e vai embora.
Eva — (grita) Monstro... você é um monstro.
Rufino fecha a porta. Eva vai até o criado e tira de lá uma
foto de Pedro ainda criança.
Eva — O que seu pai fez com você meu filho?
29
Corta para:
FIM DO CAPÍTULO 1