capítulo 1 - o que é jornalismo

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    Captulo 1o que o jornalismo?

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    E absurdo pensar que possamos responder pergunta"O que o jornalismo? " numa frase, ou at mesmo numlivro. Mas sejamos corajosos e tentemos. Poeticamen-te podia-se dizer queto jornalismo a vidJtal como contadanas notcias de nascimentos e de mortes, tal como o nascimentodo primeiro filho de uma cantora famosa ou a morte de um soci-logo conhecido mundialmente. a vida em[jdas as suas di-menses, como uma enciclopdia]Uma breve passagem pelosjornais dirios v a vida dividida em sees que vo da socieda-de, a economia, a cincia e o ambiente, educao, cultura, arte, aos livros, aos media, televiso, e cobre o planeta com adiviso do mundo em local, regional, nacional (onde est essen-cialmente a poltica do pas) e internacional. Um exame da maio-ria dos livros e manuais sobre jornalismo define as notcias emltima anlise como tudo o que importante elou interessante.Isto inclui praticamente a vida, o mundo e o outer /imits.Os jornalistas responderiam prontamente, como define aideologia profissional desta comunidade, que o jornalismo arealidade. H verdade nesta afirmao. Existe um acordo tcito

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    entre os que escolhem esta profisso de jornalista e o leitor!ouvinteltelespectador que torna possvel dar credibilidade aojornalismo:f?" principal produto do jornalismo contemporneo, anotcia, no fico] isto , os acontecimentos ou personagensdas notcias no so inveno dos jornalistas.fb- transgresso dafronteira entre realidade e fico um dos maiores p~ecados_daprofisso de jornalista, merece a violenta condenao da comu-nidade e quase o fim de qualquer promissora carreira de jorna-lista. No entanto, dever-se-ia acrescentar rapidamente que mui-tas vezes essa "realidade" contada como uma telenovela, eaparece quase sempre em pedaos, em acontecimentos, umaavalanche de acontecimentos perante a qual os jornalistas sen-tem como primeira obrigao dar resposta com notcias, rigoro-sas e se possvel confirmadas, o mais rapidamente possvel, pe-rante a tirania do fator tempo.O jornalismo pode ser explicado pela frase de que a res-posta pergunta que muita gente se faz todos os dias - o que que aconteceu/est acontecendo no mundo?, no Timor? no meupas?, na minha "terra"? - o que aconteceu no julgamento de umex-presidente de um clube desportivo desde ontem - quem ga-nhou o jogo? Ao longo dos sculos, as pessoas (muitas delas,pelo menos) tm desejado ser informadas sobre o que as rodeia,usando o jornalismo (ou uma forma pr-moderna do jornalismo)para se manterem em dia com os ltimos acontecimentos, paraos combinarem com um conhecimento dos tpicos que lhes per-mita participar de conversas pessoais e de grupo, talvez para sesentirem reasseguradas de que atravs dos vrios produtos dojornalismo no esto a perder algo, ou para serem fascinadaspelas alegrias ou tragdias da vida. Em 11 de setembro de 2001,a notcia de que dois avies se chocaram com o World TradeCenter fez com que muitas pessoas em muitos pases do mundolargassem o que estavam a fazer e corressem para a televiso ouo rdio mais prximos para obter informao sobre o que estava

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    a acontecer. Estaes de televiso em muitos locais interr mp -ram a emisso normal para mostrarem cmaras focada na t r-res gigantes, capturando ao vivo o seu colapso.[Poder-se-ia dizer que o jornalismo um conjunto d ' st I_rias', 'estrias' da vida, 'estrias' das estrelas, 'estrias' de triunfoe tragdi Ser apenas coincidncia que os membros da comu-nidade jornalstica se refiram s notcias, a sua principal preocu-pao, como 'estrias'? I9s jornalistas vem os acontecimentocomo 'estrias' e as notcias so construdas como 'estrias',como narrativas, que no esto isoladas de 'estrias' e narrati-vas passadas] O jornalista feito acadmico Robert Darnton(1975) descobriu que a notcia que estava a escrever sobre oacontecimento trivial de um rapaz cujo bicicleta tinha sido rou-bada j tinha sido contada antes. O ex-jornalista e atualmenteprofessor Jack Lule (2001) v nos acontecimentos do dia-a-dia'estrias' eternas que ecoam narrativas mais antigas que, ao lon-go do tempo, criaram figuras mticas sob a forma de arqutiposcomo o heri, o vilo ou a vtima inocente. Poder-se-ia dizerque}:?s jornalistas so os modernos contadores de 'estrias' dasociedade contemporneaj parte de uma tradio mais longa de, /.,contar estonas.

    Pode mesmo parecer absurdo pensar que podemos respon-der pergunta "O que jornalismo?" num nico livro.Primeiro, deixemos claro que este livro no pretende serum manual para a prtica jornalstica, com lies sobre comoescrever um lead da notcia de agncia, ou como fazer a cobertu-ra de uma manifestao, ou quais so os truques do jornalismode investigao. Este livro, destinado ao jovem que sonha ouambiciona ser membro desta profisso, pretende fornecer umacompreenso terica do jornalismo. Poder-se-ia dizer que c n-titui um manual terico para a prtica jornalstica, um manualencarado como indispensvel para o futuro jornalista

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    [No entanto, o jornalismo demasiadas vezes reduzido aodomnio tcnico de uma linguagem e seus formatos, e os jorna-listas reduzidos a meros empregados, t8h.alhadores numa fbri-ca de notcias. ste livro escrito na convico de que h muitomais no jornlismo, para alm do domnio das tcnicas jorna-lsticas, e que os jornalistas fazem parte de uma profisso, tal-vez uma das profisses mais difceis e com maiores responsabi-lidades sociais.Para comear,f? jornalismo uma atividade intelectual] Acompreenso da crtica do jornalismo feita pelo recm-falecidosocilogo francs Pierre Bourdieu (1997), em particular a suaveemncia, est na compreenso de que ele um "concorrente"do mesmo espao, o "campo intelectual", e detesta estar depen-dente dos jornalistas para ter um maior acesso ao pblico.Bourdieu contesta e condena o chamado monoplio que os jor-nalistas so acusados de exercer dentro do campo intelectual.

    Basta um olhar distrado aos diversos produtos jornalsticospara confirmar que uma atividade criativa, plenamente demons-trada, de forma peridica, pela inveno de novas palavras epela construo do mundo em notcias, embora seja umacriatividade restringida pela tirania do tempo, dos formatos, edas hierarquias superiores, possivelmente do prprio dono daempresa. E os jornalistas no so apenas trabalhadores contra-tados, mas membros de uma comunidade profissional que hmais de 150 anos de luta est empenhada na sua profissiona-lizao com o objetivo de conquistar maior independncia e ummelhor estatuto social.A pergunta "O que o jornalismo?" devia ser, para estarmais em sintonia com o teor deste livro, "O que o jornalismonuma democracia?". A democracia no pode ser imaginada comosendo um sistema de governo sem liberdade e o papel central dojornalismo, na teoria democrtica, de informar o pblico semcensura. Os pais fundadores da teoria democrtica tm insisti-

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    do, desde o filsofo Milton, na liberdade como sendo essencialpara a troca de idias e opinies, e reservaram ao jornalismo noapenas o papel de informar os cidados, mas tambm, num qua-dro de checks a nd ba la nces (a diviso do poder entre poderes), aresponsabilidade de ser o guardio (w a tchd o;j do governo. Talcomo a democracia sem uma imprensa livre impensvellP jor-nalismo sem liberdade ou farsa ou tragdi;? O que o jor-nalismo num sistema totalitrio, seja nas suas' ormas seculares,como, por exemplo, o fascismo, seja numa forma religiosa, como,por exemplo, o ex-regime dos Taleban no Afeganisto, fcil dedefinir: o jornalismo seria propaganda a servio do poder insta-lado] Existe uma relao simbitica entre jornalismo e demo-cracia na teoria democrtica. Mas a teoria democrtica defineclaramente um papel adversarial entre o poder poltico e o jor-nalismo, historicamente desde o sculo XIX chamado o "Quar-to Poder", talvez porque sculos de domnio autocrtico e porvezes desptico criaram um legado de desconfiana, suspeita emedo em relao ao poder poltico. Mesmo nas chamadas de-mocracias estveis, a defesa da liberdade festejada como umavitria da comunidade jornalstica e, ocasionalmente, marcadapor batalhas em defesa da liberdade dos jornalistas, acerbamentedemonstrada em Portugal nos anos 90quando os jornalistas par-lamentares iniciaram um boicote para defender a sua liberdadede movimento na Assemblia da Repblica10s jornalistas estona frente de batalha da liberdade, prontos a vir em sua defesa.]Trs meses aps os ataques de 11 de Setembro, o presidente edono de um prestigiado jornal norte-americano defendeu o pa-pel de guardio do jornalismo na democracia e o dever do jorna-lismo de publicar pontos de vista divergentes. Perguntou[comomantm as organizaes jornalsticas a sua credibilidade, se opblico sabe que o governo tem a capacidade de censurar noti-cias. (Mesquita, 2002).]

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    Este livro sobre o jornalismo exercido em sociedades emque as liberdades bsicas, incluindo a liberdade de imprensa,esto consagradas. Os captulos 2 e 3 oferecem uma trajetriahistrica da evoluo do jornalismo nas sociedades democrti-cas: a emergncia de um "campo" em que um recurso social- anotcia - o objeto de um enjeu, isto , de uma luta na definioe construo das notcias, em que um grupo profissional (os jor-nalistas) reivindica um monoplio de saber, precisamente a de-finio e construo da notcia. Dois plos comearam a tornar-se dominantes na emergncia do campo jornalstico contempo-rneo: o plo econmico (a definio das notcias como um ne-gcio) e o plo ideolgico (a definio das notcias como umservio pblico).No captulo 4, a questo colocada se o jornalismo ouno uma "profisso", definida uma profisso a partir do "tipoideal" da profisso dos mdicos. A resposta oferecida que apergunta est mal formulada e, com base na literatura sobre asprofisses, a pergunta precisa ser reformulada: o jornalismo ca-minha ou no na direo do "tipo ideal" das profisses. Aqui aresposta , indubitavelmente, sim. Quem ainda responde "no"ignora mais de 150 anos de histria do jornalismo.Como j foi sublinhado, segundo Bourdieu, a existncia deum campo implica a existncia de uma "autonomia relativa" dosprofissionais do campo. Assim, para Bourdieu, os fatores exter-nos apenas no explicam porque as notcias so como so; hfatores internos ',No captulo 5, aprofundamos a questo do plo ideolgi-co do campo jornalistico, precisamente porque a existncia deuma "autonomia relativa" do campo jornalstico implica que osjornalistas tm poder. Assim, torna-se imperativo ver os contor-nos do plo ideolgico - uma referncia ao modo como os jor-IEm Portugal, faauais ir/temos.

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    nalistas devem atuar na profisso - um fator a se levar em contaquando posta a questo do papel social do jornalismo.As liberdades so reais, mas seria uma viso romntica daprofisso imaginar que o jornalismo a soma de todos os jorna-listas a agir em plena liberdade. Uma pergunta permanente precisamentejgt que ponto um jornalista livre e so livres osjornalistaslA resposta terica deste livro reconhece uma "auto-nomia relativa" do jornalismo, mas reconhece tambm que a ati-vidade jornalstica altamente condicionada. Muitas vezes o tra-balho jornalstico realiza-se em situaes difceis, marcadas pormltiplas incertezas O trabalho jornalstico condicionado pelapresso das horas de fechamento", pelas prticas levadas a cabopara responder s exigncias da tirania do fator tempo, pelas hie-rarquias superiores da prpria empresa, e, s vezes o(s) prprio(s)dono(s), pelos imperativos do jornalismo como um negcio, pelabrutal cornpetitividade, pelas aes de diversos agentes sociaisque fazem a "promoo" dos seus acontecimentos para figurarnas primeiras pginas dos jornais ou na notcia de abertura dostelejornais da noite.]Compreender porque as notcias so como so tem sidoobjeto de longa pesquisa e tm surgido diferentes teorias paraexplicar as notcias. No captulo 6, sero expostas diversas teo-rias que foram elaboradas ao longo do tempo para explicar por-que as notcias so como so. significativo refletir sobre aevoluo que as diversas abordagens oferecem do jornalismocomo um "espao" aberto aos diversos agentes sociais. Afinal, ojornalismo um "contra-poder" ou um "poder" a servio dos"poderosos"? As diversas respostas oferecidas sero objeto dereflexol.O jornalismo apenas um espao fechado de reprodu-o ideolgica do sistema dominante, ou pode ser um espaoaberto a todos os agentes sociais na luta poltica e socialfl A2 Em Porttlga4 horas defecho.

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    resposta deste livro que 0l.campo jornalstico" pode ser utili-zado como um recurso pelos agentes sociais que oferecem "vo-zes alternativas:ilmas para isso precisam saber jogar o "xadrez.jornalstico" .Como j foi sugerido, a nossa proposta terica reconheceque o trabalho jornalstico altamente condicionado, mas tam-bm reconhece que o jornalismo, devido sua "autonomia rela-tiva", tem "poder", e, por conseqncia, os seus profissionaistm poder.ps jornalistas so participantes ativos na definio ena construo das notcias, e, por conseqncia, na construoda realidade. alguns momentos, ao nvel individual, durantea realizao de uma reportagem ou na redao da notcia, quan-do decidido quem entrevistar ou que palavras sero utilizadaspara escrever a matria}, de mais poder consoante a sua posiona hierarquia da empresa, e coletivamente como os profissio-nais de um campo de mediao que adquiriu cada vez mais in-fluncia com a exploso miditica, tornando evidente que osjornalistas exercem poder.{pma concluso terica deste livro precisamente que no podemos compreender porque as notciasso como so apenas por fatores externos. Uma concluso destelivro que no podemos compreender porque as notcias socomo so sem compreender a cultura profissional da comunida-de jornalstica:.JO principal objetivo deste manual oferecer uma com-preenso terica do jornalismo, baseada numa panplia de estu-dos ernpiricos realizados em diversos pases, e de uma formacada vez mais intensiva nas dcadas recentes, com o apareci-mento de duas novas revistas acadmicas sobre o jornalismo noano de 2000.Seguindo esse objetivo, voltamos importncia do con-ceito de "campo jornalstico". Iremos preferir utilizar o conceitoJ E m P ortu g a l, p e a.

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    de "campo jornalstico" no lugar de jornalismo. ar. rt't ,I!li11!." ,a existncia de um "campo" implica a existncia d I) \ 1 1 1 1 1 1 1 "mero ilimitado de "jogadores", isto , agentes so iais \lI(' q\ll'rem mobilizar o jornalismo como recurso para as uas t'sll . 1 1 ( 'gias de comunicao; 2 ) um enje ou prmio que os "jogado: 's"disputam, nomeadamente as notcias; e 3) um grupo esp' - i a l i " , , 1do, isto , profissionais do campo, que reivindicam po u i r 1I1!!monoplio de conhecimentos ou saberes especializados, n 111(':!damente o que notcia e a sua construo. Para o socic I gofrancs Pierre Bourdieu, o campo um "espao social tru-turado, um campo de foras".Imaginem, por um momento, que o campo um cammagntico com dois plos. O plo positivo o "plo ideol' i-co" em queE ideologia profissional que se tem desenvolvid alongo do tempo define o&rnalismo como um servio pblique fornece cidados com a informao de que precisam par:tvotar e participar na democracia e age como guardio que defendos cidados dos eventuais abusos de podeilNo entanto, tal comos jornalistas desenvolveram a sua ideologia profissional em con-sonncia com a teoria democrtica e inspirados por ela, con-comitantemente, mesmo desde antes do sculo XIX,[ jornali -mo tem sido um negcio e as notcias uma mercadoria que t 1alimentado o desenvolvimento de companhias altamente lucra-tivasJPara o socilogo francs Pierre Bourdieu os dois plo dcampo jornalstico contemporneo - o plo intelectual e o p '}econmico - tornaram-se dominantes no jornalismo ao 1 ndo sculo XIX, diminuindo a importncia do "plo politic ".Para os jornalistas e para muitas vozes na soei dad ,plo negativo do campo jornalstico o plo econmi ,qll'associa o jornalismo ao cheiro do dinheiro e a prtica 1 1) Isensacionalismo, em que o principal intuito vender j 1 '1 1 : 1 1 1telejornal como um produto que agarra os leitores/ Ivint 'si

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    audincia, esquecendo valores associados ideologia profissio-nal. A tenso entre os dois plos permanente e insolvel massofre intensificaes, como verificado nas duas ltimas dcadasdo sculo XX, sobretudo na Europa, com a desregulamentao,s vezes selvagem, da atividade televisiva. Num pano de fundodesta tenso, os diversos "jogadores" tentam mobilizar, para as

    I suas estratgias cornurucacionais, os seus acontecimentos, os seusassuntos, ou as suas idias e valores. So "promotores" que avan-am as suas "necessidades de acontecimentos". Interagem comos profissionais do campo jornalstico, os jornalistas, que, emltima instncia, decidem, em interao com outros jornalistas,o que notcia, qual a sua importncia, e como definida.Nessas interaes, os jornalistas atuam como agentes que tmas suas prprias "necessidades de acontecimentos", ou no h oimperativo de "fechar" a edio do jornal ou comear o notici-rio principal do dia a tempo?A compreenso terica que este manual pretende ofereceraos futuros jornalistas ver as notcias como uma "construo"social, o resultado de inmeras interaes entre diversos agen-tes sociais que pretendem mobilizar as notcias como um recur-so social em prol das suas estratgias de comunicao, e os pro-fissionais do campo, que reivindicam o monoplio de um saber,precisamente o que notcia. A promoo das estratgias decomunicao legtima e s "manipulao" quando mtodosilegtimos, como a mentira ou documentos forjados, so utiliza-dos. Em um nvel, os jornalistas interagem com diversas fontesde informao, umas com acesso regular aos jornalistas, enquantooutras precisam perturbar a ordem vigente. Muitos, se no to-dos, agem intencionalmente com o intuito de mobilizar as not-cias como parte da sua estratgia comunicacional, criando mes-mo acontecimentos, os pseudo-euents na terminologia de Boorstein.

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    Por exemplo, um partido poltico tem um acontecimento quequer ver aparecer como notcia nas primeiras p~nas dos jor-nais ou como tema de abertura dos noticirios da 'eleviso; pro-move o seu acontecimento, enquanto outro parti o agenda parao mesmo dia um discurso do seu lder.Em um segundo nvel, a interao tem lugar entre jornalis-tas como membros de uma comunidade que partilha uma identi-dade profissional, valores e cultura comuns. Com o objetivo co-mum de pr as notcias na rua antes da hora do fechamento, ouo mais rapidamente possvel, porque algumas organizaes jorna-lsticas tm uma hora de fechamento constante, as interaestm lugar dentro e fora da sala de redao, e crescente mentenum ambiente global de notcias, sem parar, 24 horas por dia.Uma importante afirmao terica deste livro precisamenteque os profissionais do campo jornalstico definem em ltimaanlise para ns as notcias e contribuem ativamente na cons-truo da realidade.Num terceiro nvel, na sua definio das notcias, os jor-nalistas tambm interagem silenciosamente com a sociedade, porvia dos limites com que os valores sociais marcam as fronteirasentre normal e anormal, legtimo e ilegtimo, aceitvel e des-viante. As notcias tm uma estrutura profunda de valores queos jornalistas partilham, como membros da sociedade, com asociedade. Como um todo. Como seus membros.Nos captulos 1 e 2 do Volume Dois deste livro, sero apre-sentados, de uma maneira mais aprofundada, os contornos daidentidade jornalstica nas sociedades democrticas e os elemen-tos cruciais de toda uma cultura profissional, como, por exem-plo, os valores que se utilizam na definio das notcias. O estu-do do jornalismo demonstra claramente que o jornalismo estorientado para os acontecimentos e no para as problemticas,tornando necessrio estabelecer uma tipologia dos acontecimen-

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    tos. Afinal, que tipos de acontecimentos? E os acontecimentosso de quem?Segundo Pierre Bourdieu, os jornalistas partilham estrutu-ras invisveis, "culos", atravs das quais vem certas coisas eno vem outras. O jornalismo acaba por ser uma parte seletivada realidade. Nesta construo terica do jornalismo, aponta-mos que os membros da comunidade profissional partilham nos uma maneira de ver, mas tambm uma maneira de agir e umamaneira de falar, o "jornals".A cultura jornalstica fornece toda uma panplia de mitosacerca da sua prpria profisso em que certamente o jornalismo visto como a melhor profisso. Est na sua ideologia profissio-nal, acompanhado como est pela aura de mitos magnficos quetransformaram os prprios jornalistas em heris discretos, como,por exemplo, os famosos jornalistas do caso "Watergate",Woodward e Bernstein. Na frente para cobrir a guerra no Afe-ganisto, os jornalistas so chamados a arriscar a sua vida a ser-vio da misso de nos informar. O perigo que os jornalistas en-frentam, sejam eles ou elas correspondentes de guerra ou no es-trangeiro, ou apenas simples reprteres, real, como nos recor-da o nmero de jornalistas que deram o ltimo sacrifcio emnome da profisso.Nos captulos 3 e 4 do Volume Dois deste livro, a hipteseterica de que a comunidade jornalstica j uma comunidadeinterpretativa transnacional ser posta prova por via de duasvertentes metodolgicas: 1) no terceiro captulo, a coberturajornalstica comparativa de cinco jornais Dirio de Notcias (Por-tugal); Correio de Manh (Portugal); Folha de So Paulo (Brasil);EI PaJ (Espanha); e o New York Times (Estados Unidos), situ-

    ados em trs continentes diferentes, de uma problemtica social- AIDS; e 2 ) no quarto captulo, a anlise de um estudo compa-rativo, baseado em pesquisas representativas da comunidadejornalstica de cada pas, de cinco comunidades jornalsticas da30

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    Alemanha, Estados Unidos, Gr-Bretanha, Itlia I Su 'e ia.(Patterson e Donsbach, 1998)Esta apresentao dos dois volumes do livro '['006tl,I' t i oJornalismo, no seria completa sem a explicitao de qu j r -nalismo uma profisso de enorme responsabilidade social, \ j-gente, difcil e, em ltima anlise, perigosa, em que os jornalis-tas enfrentam decises difceis sob intensas presses.O jornalismo atrai muitos jovens porque visto com aanttese da rotina das "9 s 5", anttese essa onde o inesperadest sempre a acontecer. Mais um mito, porm, porque para almdo inesperado o jornalismo tambm uma profisso marcadapor rotinas. As organizaes jornalsticas necessitam impor or-dem no espao e no tempo porque os acontecimentos noticiveipodem muito bem emergir a qualquer hora e em qualquer lugar,perto da meia-noite do ltimo sbado de agosto, numa avenidaparisiense, ou numa tera-feira de outono, do que parecia serum dia normal de trabalho.Poucas profisses e poucos profissionais tm sido objetode tanto escrutnio intensivo e tanta crtica escaldante quanto ojornalismo e os jornalistas. O jornalismo e os jornalistas torna-ram-se notcia. O que o jornalismo? Essa uma questo queprovoca outras questes, muitas questes. Demasiadas para se-rem todas respondidas num s livro. Ao responder questo "oque jornalismo?", este livro tentar responder a certas ques-tes chaves que so essenciais para uma compreenso do jorna-lismo. O que notcia? O que so as notcias? Por que as not-cias so como so? O que ser jornalista numa democracia? Ojornalismo um "Quarto Poder"? um "contra-poder"? um "quartodo poder"?