capítulo 1 - evolucionismo e diferença

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CAPÍTULO 1 – Evolucionismo e Diferença Grafite de Banksy. Foto de 200

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CAPÍTULO 1 – Evolucionismo e Diferença

Grafite de Banksy. Foto de 2008.

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Neste capítulo vamos discutir:

1 - A construção do pensamento antropológico;2 - Parentesco e propriedade: modos de organização social;3 - Sociedades indígenas e o mundo contemporâneo; 4 - Mitos, narrativas e estruturalismo;5 - Populações indígenas no Brasil.

Iniciamos esta unidade por um fato que marcou a História: o encontro, a partir do século XVI, entre os europeus e as sociedades das Américas, da África e da Ásia, que os europeus até então desconheciam. E por que escolhemos esse momento? Porque o contato entre essas civilizações possibilitou a construção do sistema social que predomina no mundo atual. Muito mais tarde, no século XIX, o próprio nascimento das Ciências Sociais teve origem na reflexão sobre o encontro entre diferentes culturas e suas consequências. Inicialmente, vamos tomar como base os modelos que os europeus utilizaram para pensar os nativos daqueles lugares que consideravam “distantes”. A partir dessa visão de mundo, vamos refletir sobre as diferenças — sociais, culturais, étnicas, políticas, entre outras —, um tema fundamental para entender as sociedades de um ponto de vista antropológico.

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1 - A CONSTRUÇAO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO O avanço colonialista europeu não resultou apenas em dominações. Esses encontros geraram relatos de viagem, narrativas descritivas, investigações e todo tipo de documentos históricos. Essa documentação gerou a produção de um conhecimento que hoje chamamos de ANTROPOLÓGICO. Os cientistas tentaram sistematizar o conhecimento das populações ditas selvagens em narrativas que podem ser consideradas histórias de evolução. Uma dessas narrativas de evolução criada pelo antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan (1818‑1881), divide a história da humanidade em três etapas: selvageria, barbárie e civilização. Entre outros intelectuais fundamentais, podemos citar o inglês Edward B. Tylor (1832‑1917) e o escocês James G. Frazer (1854‑1941). Cada um narrou à sua maneira a história de evolução, sem chegar a um acordo sobre a posição de cada sociedade nos degraus da escada evolutiva e sobre as linhas evolutivas da humanidade. Todos eles partiam da ideia de progresso. Ou seja, pressupunham que as diferentes sociedades sempre avançavam em direção à civilização.Mas para que serve o conhecimento produzido pelas ciências sociais? Para dominar. Não é bem uma dominação. Estamos apenas civilizando, e isso é um favor. Os adeptos das teorias evolucionistas estavam convictos de que a escalada para o progresso só poderia se dar num sentido: os europeus eram os civilizados e todos os demais eram atrasados. Assim, o encontro com populações não europeias resultou tanto numa teoria sobre a história da humanidade como em justificativa para a dominação pelos europeus.

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O evolucionismo social é comumente associado ao evolucionismo biológico, proposto por Charles Darwin (1809-1882), que defendia uma evolução pela melhor adaptação ao ambiente. Os evolucionistas sociais defendiam a ideia de progresso, inspirados pelo filósofo inglês Herbert Spencer (1820‑1903). Um conjunto de teorias elaboradas na Inglaterra e nos Estados Unidos na década de 1870 se tornou conhecido como darwinismo social. Essas teorias defendiam a existência de diferenças fundamentais nos grupos humanos, que se expressavam em raças distintas. A noção de raça foi introduzida no século XIX pelo naturalista francês Georges Cuvier (1769-1832), que dividiu a humanidade em três raças: caucasiana, etíope e mongólica (branca, negra e amarela). Outros autores teceram variações dessa teoria, sempre relacionando heranças fisiológicas a distintas capacidades intelectuais e qualidades morais. A miscigenação deveria ser evitada, já que a mistura traria decadência racial e social. Sempre privilegiando a “raça” branca, essas teorias serviram de justificativa para a dominação colonial, da mesma forma que o evolucionismo social. O darwinismo social também deu origem à eugenia, teoria que busca produzir uma seleção nos grupos humanos, com base em leis genéticas. Essa teoria defende a ideia de separar as raças e até mesmo eliminar aquelas consideradas inferiores. Com base nesses princípios, políticas eugênicas foram instauradas em vários países, incentivando a separação entre as raças, proibindo casamentos inter-raciais e incitando todo tipo de exclusão racial.

Para Saber Mais: Evolucionismo × darwinismo social

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Nesta imagem da historia em quadrinhos Tintim na África, do cartunista belga Herge (1907‑1983), vemos o final da narrativa, quando Tintim parte do pais africano apos “ensinar” muito aos congoleses. Observe que ha ate um totem ou altar erigido a Tintim e ao seu cão, Milu. A figura e representativa do evolucionismo social, pois coloca no centro aquele que criou essa teoria: o europeu branco.

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2 – PARENTESCO E PROPRIEDADE: MODOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL. Ao olhar para as sociedades ditas “primitivas”, os estudiosos europeus e estadunidenses do século XIX observaram que elas não possuíam uma organização burocrática que centralizasse decisões: o governo ou Estado. Os estudiosos das sociedades ocidentais construíram uma hierarquia dos povos humanos. O progresso tecnológico é um critério que fundamentou essa hierarquização de fundamental importância para as sociedades. Quem primeiro explicitou esse critério foi Lewis Henry Morgan. e o britânico Henry Sumner Maine (1822-1888) que elaboraram uma resposta a essa questão: o que possibilitava a sociedade "primitiva" se organizar? O parentesco. O que costumamos chamar de "família" nada mais é que um nome para um sistema de parentesco. Para eles, a passagem da barbárie para a civilização se dava pela adoção da propriedade como modo de organização da vida de uma população. Eles definiam como uma sociedade avançada aquela onde existia a propriedade privada.

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O QUE FALAVAM OS ESTUDIOSOS EUROPEUS DAS SOCIEDADES PRIMITIVAS NO SÉCULO XIX?  Eles observaram que elas não possuíam uma organização

burocrática que centralizasse decisões. Não tinham um Estado, que é um elemento importante e fundamental na organização moderna do mundo. As sociedades primitivas pareciam desorganizadas.

Para eles o que chamamos de "família" nada mais é que um nome para o sistema de parentesco. Há sociedades matrilineares (descendência pela linha materna).

Em diversos lugares do mundo se tem um estilo onde não é encontrado o "padrão" que é mãe, pai e filhos;

Algumas sociedades não tem Estado, mas seguem regras baseadas no sistema de parentesco.

Numa sociedade com Estado diversas questões são resolvidas por um sistema jurídico criado para regular a vida social.

Numa sociedade sem Estado não há regras separadas, é um conjunto de regras relativas à ordem do parentesco e são elas que permitem a vida em sociedade.

Para os intelectuais, sociedades organizadas pelo parentesco representam um estágio anterior de desenvolvimento.

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Nesta foto de 1918, vemos Malinowski entre os nativos das ilhas Trobriand.

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3 - SOCIEDADES INDÍGENAS E O MUNDO CONTEMPORÂNEO

Desde o fim do século XIX, a própria Antropologia se dedicou a questionar os modelos evolucionistas. O principal recurso para a construção dessa crítica foi o conceito de cultura. A partir do século XX, as teorias evolucionistas passaram a ser vistas pelos antropólogos como etnocêntricas, isto é, construídas com base em critérios válidos para quem as formulou. Afirmar que a evolução tecnológica é um parâmetro para avaliar a evolução das sociedades só poderia ocorrer em uma sociedade cuja evolução tecnológica é muito valorizada. Ou seja, quando analisamos outras sociedades por meio de critérios próprios da nossa, estamos sendo etnocêntricos.Do final do século XIX até meados do século XX, antropólogos se dedicaram a documentar a vida indígena em vários lugares do mundo com uma preocupação generalizada: a de que os povos indígenas estavam "acabando". Havia a convicção de que o avanço do sistema capitalista levaria à extinção dessas populações. Alguns acreditavam que isso aconteceria inevitavelmente, como um fator natural da evolução social. Outros simplesmente constatavam que o capitalismo impedia aquelas sociedades de continuar a se reproduzir como vinham fazendo tradicionalmente. E como isso acontecia? Com a expansão gradual do controle e invasão de terras indígenas. Para tomar um exemplo brasileiro, o interesse pelas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas levou aos maiores abusos.

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O antropólogo brasileiro Mércio Pereira Gomes (1950‑), em seu livro Os índios e o Brasil (Vozes, 1988), cita o caso dos índios Canela Fina, na Vila de Caxias, no sul do Maranhão, que por volta de 1816 receberam como “presente” de fazendeiros interessados em suas terras roupas infectadas com varíola, que causaram o espalhamento do contágio e grande morticínio, o que levaria ao extermínio das sociedades indígenas.Uma questão crucial para as populações indígenas da atualidade é sua relação com a sociedade capitalista. Essas populações não recusam o que chamamos de tecnologia, e em muitos casos se valem dela para expressar seus pontos de vista. Muitos indígenas produzem vídeos para registrar suas cerimônias, gravar suas narrativas, expressar seus modos de ver o mundo. O uso de tecnologia não os torna menos indígenas, ao contrário do que alguns imaginam. O uso de tecnologia não impede que os indígenas reproduzam seus modos de viver.

CONCLUSÃOApesar dos números e relatos que demonstram a dizimação de grupos indígenas durante os séculos pós-conquista colonial, as nações indígenas praticaram ações e estratégias de resistência física e cultural. Ao longo do século XX, muitas delas se mobilizaram para defender seus direitos. O fim do século XX testemunhou uma revitalização das populações indígenas, embora em muitos lugares do mundo os processos de opressão permaneçam.

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Na aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu, integrantes do Coletivo Kuikuro de Cinema entrevistam visitante. Foto de 2007.

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4 - MITOS, NARRATIVAS E ESTRUTURALISMO

Nossa ideia das sociedades indígenas é bastante deturpada porque elas são diferentes demais da nossa própria sociedade e essa diferença parece uma barreira intransponível. Mas a Antropologia, desde o começo do século XX, vem procurando construir uma ponte, dando sentido à experiência das populações indígenas (e de outras populações, como as camponesas, as tribos urbanas, as elites, os grupos religiosos, os imigrantes, etc.)Ao "atravessarmos a ponte", deparamo-nos com mundos cujas complexidade e sofisticação estavam como que escondidas por nossos preconceitos. Ajudar a enxergar essa complexidade é uma das tarefas da Antropologia, e um dos efeitos dela é desestabilizar aquelas certezas evolutivas produzidas no século XIX e até hoje presentes em nossa vida. Assim, qualquer tentativa de estabelecer uma linha de evolução entre as sociedades é equivocada.O francês Claude Lévi-Strauss (1908--2009), o mais célebre antropólogo do século XX, cuja obra influenciou e continua a influenciar o pensamento social contemporâneo, desenvolveu um método de análise que chamou de ESTRUTURALISMO e fez um mergulho pela enorme complexidade dos MITOS provenientes de diversas populações, do sul até o norte das Américas, revelando por meio deles o que denominava PENSAMENTO AMERÍNDIO.

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Para Levi-Strauss, os mitos demonstram um pensamento sofisticado e complexo. Segundo ele, os mitos traduzem preocupações fundamentais das populações que os criam e fazem uma distinção entre natureza e cultura. Essas populações estariam empenhadas em se separar da natureza, aspecto que o olhar etnocêntrico tem dificuldade de entender.A essência de uma teoria complexa como o estruturalismo, que pretende demonstrar que o pensamento humano se organiza em torno de oposições (alto e baixo, fora e entro, quente e frio, etc.) deve muito ao próprio pensamento ameríndio. É como se Levi-Strauss pensasse o mito a partir do pensamento dos nativos das Américas. O estruturalismo, um método quase matemático, foi aplicado também ao estudo do parentesco, buscando reduzir a multiplicidade de sistemas e chegar a uma conjunto de sistemas genéricos, que serviriam de modelos ou padrões para todas as variedades de pensamento. A arte também foi objeto da reflexão sistemática de Lévi-Strauss, e, nesse caso, a sensibilidade artística das populações ameríndias foi fundamental para sua análise.

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expedições pelo interior brasileiro, onde estudou comunidades indígenas e teve a sua grande vocação para a etnologia desperta. É o registro dessas viagens que está presente em Tristes Trópicos (1955), livro que mescla elementos antropológicos de estudos acadêmicos com a descrição pessoal e narrativa literária.Contrário à ideia de superioridade e privilégio da civilização ocidental, acreditava e enfatizava que a mente selvagem e tribal é igual à mente civilizada. O antropólogo rejeita a ideia de privilégio do ser humano no mundo, e acredita que nós devamos mudar nosso comportamento em prol de um mundo melhor, conforme sua célebre frase dita em 2005, quando recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha: " Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".

Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi um grande antropólogo, etnólogo e professor francês. Formado em direito e filosofia na França e produtor de uma vasta obra, Lévi-Strauss foi o criador da antropologia estrutural e um dos maiores pensadores do século XX. Após completar seus primeiros estudos de graduação, foi convidado, em 1935, a lecionar na recém-criada Universidade de São Paulo através de uma missão universitária francesa. A estadia, que foi até 1939, não poderia ter sido mais produtiva: muito mais do que colaborar para o estabelecimento da maior universidade brasileira, durante esse período, Lévi-Strauss fez diversas

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Indígena com zarabatana na Aldeia Rouxinol, habitada por grupos Barasano e Tuiuca, as margens do igarapé Tarumã‑Açu. Manaus (AM), 2008.

Curare, cipó venenoso para flecha, Floresta Amazônica, 2008.

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Antes da chegada dos portugueses o que viria a ser o Brasil era uma área densamente povoada por uma enorme diversidade de populações indígenas. Os processos levados a cabo por esse contato resultaram em grandes mudanças, como o avanço da mortalidade, a desestruturação de sociedades e sua dispersão, grandes deslocamentos, que por sua vez produziram conflitos entre populações indígenas, ajuntamentos remanescentes de diferentes etnias.A história das populações indígenas no Brasil desmente a imagem fantasiosa de povos cujo modo de vida permaneceu o mesmo desde a chegada dos europeus ao continente americano. Estudos antropológicos, arqueológicos e linguísticos indicam intensos processos de transformação, adaptação e mudança entre as populações indígenas, processos dos quais temos apenas alguns vislumbres, já que as fontes para o estudo são raras ou inexistentes.Segundo a antropóloga luso-brasileira, Manuela Carneiro da Cunha, em 1500 havia entre 1 e 8,5 milhões de indígenas (as estimativas são muito imprecisas). Em 150 anos, acredita-se que até 95% dessa populações tenha sido dizimada, seja por doenças espalhadas pelos europeus, seja pelo confronto direto, seja por guerras decorrentes dos deslocamentos provocados pela colonização ou ainda pelos rigores do trabalho forçado.

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No início da colonização, os portugueses mantiveram contatos relativamente amigáveis com os indígenas, mas logo passaram a escravizá-los, obrigando-os a trabalhar. Entretanto, os indígenas foram também aliados dos colonizadores nas lutas para conter ou expulsar franceses, holandeses e espanhóis, como uma "fronteira viva", segundo afirma a antropóloga brasileira Nádia Farage. Entre os séculos XVII e XVIII, prevaleceu o modelo de catequização jesuítica, o que gerou conflitos em torno do trabalho forçado e disputas políticas com a Coroa portuguesa. No século XIX, com o avanço da escravidão africana, o foco mudou: nesse momento interessavam mais as terras do que o trabalho dos indígenas. A constituição de 1988 marcou uma virada na percepção dos indígenas: foram deixadas de lado as iniciativas de "civilizá-los" e formulados artigos que reconhecem o direito de suas populações à posse da terra e à conservação de seus costumes e tradições. Hoje, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há no Brasil cerca de 240 povos indígenas, falantes de mais de 180 línguas diferentes. De acordo com dados do Censo 2010 do IBGE, somam 817.963 pessoas, das quais 502.783 vivem em áreas rurais. Correspondem a 0,42% da população brasileira.

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Em fotografia de 1972, construção da rodovia Transamazônica no trecho iniciado em Altamira-PA.

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FIM

Bibliografia: Sociologia Hoje Henrique Amorim Celso Rocha de Barros Igor José de Renó Machado