capítulo 1 – as teorias de justiça

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ECONOMIA CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS HUGO SANTIAGO DE ALBUQUERQUE DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADE NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO BRASIL. Niterói 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ECONOMIA

CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

HUGO SANTIAGO DE ALBUQUERQUE

DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADE NA EDUCAÇÃO

BÁSICA DO BRASIL.

Niterói

2012

2

Hugo Santiago de Albuquerque

DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADE NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO

BRASIL.

Monografia apresentada ao Curso de

Ciências Econômicas da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para a

obtenção do título de bacharel em Ciências

Econômicas .

Orientador: Prof. Dr. Fábio Waltenberg

Niterói

2012

3

Hugo Santiago de Albuquerque

DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADE NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO

BRASIL.

Monografia apresentada ao Curso de

Ciências Econômicas da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para a

obtenção do título de bacharel em Ciências

Econômicas .

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________

Prof. Dr. Fábio Waltenberg - Orientador

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________________

Profª. Drª. Danielle Carusi Machado

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________________

Prof. Dr. André Guimarães

Universidade Federal Fluminense

Niterói

2012

4

AGRADECIMENTOS

Ao Bom Deus, pois a Ele eu devo todas as coisas boas da minha vida e o próprio dom da

vida.

À minha família, em especial aos meus pais David Salviano e Maria Célia, que sempre

apoiaram minha educação e me deram bons exemplos.

Aos meus amigos padres e seminaristas que me ensinaram o verdadeiro valor da educação e

da ciência.

Ao meu orientador, Profesor Fábio Waltenberg, agradeço toda a sua ajuda, seu exemplo,

paciência e esforço.

À professora Danielle Carusi, pela sua ajuda ao longo de 2011, seu esforço e paciência.

Aos professores, amigos e colegas de faculdade que estiveram presentes nestes 4 anos de

caminhada, que Deus abençoe a todos.

5

RESUMO

O debate sobre a desigualdade está sempre presente nos estudos das ciências sociais e também

marca presença nos estudos sobre economia da educação. Seguindo a concepção de justiça

introduzida na literatura econômica por John Roemer no seu livro Equality of Opportunity

(1998), existiriam dois tipos de desigualdades: a desigualdade que é considerada justa, pois é

fruto dos esforços e das escolhas de cada individuo, tornando-os responsáveis pelos seus

resultados. E a desigualdade de oportunidade que é injusta, porque provém das diferentes

“circunstâncias” das pessoas, que são fatores que estão fora do controle dos indivíduos e, dessa

forma, são fatores pelos quais eles não poderiam ser responsabilizados. Nesse trabalho, vamos

mensurar as desigualdades de oportunidades educacionais existentes entre os alunos da educação

básica brasileira, utilizando os dados provenientes do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação

Básica 2005) e a abordagem de análise baseada na metodologia Chechi-Peragine, que foi

desenvolvida tendo como base a teoria de Roemer e a aplicação de índices de desigualdade.

Tentaremos mostrar a relevância desse tipo de desigualdade para explicar a desigualdade total

existente entre os resultados desses alunos.

Palavras-Chave: Desigualdade de Oportunidade, circunstâncias, esforços e tipos.

6

ABSTRACT

The debate about inequality is always present in studies of social sciences and it is also present in

the economics of education studies. Following the conception of justice that was introduced in

the economic literature by John Roemer in his book Equality of Opportunity (1998), there would

exist two kinds of inequality: the inequality that is considered fair, because it is the result of

efforts and individual choices of each individual, making them accountable for their results. And

the inequality of opportunity, which is unfair, because it comes from people’s different

"circumstances", which are factors that are beyond the control of individuals and, thus, they are

factors for which they could not be held accountable. In this work, we measure the educational

inequalities of opportunities among the students of Brazilian basic education, through the data

from the SAEB (Evaluation System of Basic Education 2005) and the approach based on

methodology Chechi-Peragine, which was based on Roemer’s theory and the application of

inequality indices. We will try to show the relevance of this kind of inequality to explain the

overall inequality between the results of these students.

Keywords: Inequality of Opportunity, circumstances, efforts and types.

7

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 : Dados estatísticos de PROFIC...................................................................................45

Tabela 2 : Análise de PROFIC em relação à rede de ensino..................................................... 46

Tabela 3 : Análise de PROFIC em relação ao gênero do estudante...........................................46

Tabela 4: Análise de PROFIC em relação à região de moradia do aluno..................................47

Tabela 5: Análise de PROFIC em relação à escolaridade da mãe do aluno...............................47

Tabela 6: Resultados Principais..................................................................................................59

Tabela 7: Desigualdade de Oportunidade calculada pelo GE(0) para países da América latina

utilizando os resultados da prova de leitura do PISA 2006. (Valores em % total da

desigualdade)................................................................................................................................. 50

Tabela 8: Desigualdade de Oportunidade calculada pelo GE(0) para países da OCDE utilizando

os resultados da prova de leitura do PISA 2006. (Valores em % total da desigualdade)...............52

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Representação Gráfica do Utilitarismo.....................................................................15

Gráfico 2: Representação gráfica da teoria de John Rawls........................................................20

Gráfico 3: Ilustração gráfica da teoria de Sen............................................................................25

Gráfico 4: Gráfico criado para ilustrar o método da análise de dominância a partir dos dados do

PISA 2006.......................................................................................................................................33

Gráfico 5: Histograma de PROFIC............................................................................................45

9

Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11

Capítulo 1 – As Teorias de Justiça .............................................................................................. 13

1.1. O Utilitarismo .................................................................................................................... 13

1.1.1 Interpretação Gráfica ..................................................................................................... 15 1.1.2. Limites e Problemas do Utilitarismo ............................................................................ 17

1.2. A Teoria de John Rawls .................................................................................................... 17

1.2.1 Posição Original, “Véu de Ignorância” e Maximin ..................................................... 19

1.2.2 Rawls e o Utilitarismo ................................................................................................... 21

1.2.3 Limitações de Rawls ..................................................................................................... 21

1.3. Sen ....................................................................................................................................... 22

1.3.1. Funcionamentos e Capacidades ................................................................................... 23

1.3.2 Interpretação Gráfica e Comparação Interpessoal ........................................................ 24 1.3.3. Críticas a Sen ................................................................................................................ 26

1.4. Roemer ............................................................................................................................... 27

1.4.1 Esforços, Circunstâncias e Tipos .................................................................................. 27

1.4.2 Esforços Absolutos e Esforços Relativos ...................................................................... 28 1.4.3 Críticas a Roemer .......................................................................................................... 30

1.5. Considerações Finais ..................................................................................................... 31

Capítulo 2 – Formas de Mensurar a Desigualdade de Oportunidade ..................................... 32

2.1 Análise de Dominância ....................................................................................................... 32

2.1.1 Igualdade de Oportunidade Fraca e Forte ..................................................................... 34

2.1.2 Limitações dessa metodologia ...................................................................................... 35

2.2. Análise pelo Índice de Oportunidade Humana .............................................................. 35

2.2.1 O Índice D ..................................................................................................................... 36 2.2.2 Como calcular o Índice de Oportunidade Humana ....................................................... 37 2.2.3 Limitações desse Índice ................................................................................................ 38

2.3. Análise por Índices Específicos (metodologia Checchi-Peragine) ................................ 38

2.3.1 Tipos e Bandas .............................................................................................................. 38 2.3.2 Interpretação Gráfica do conceito de bandas: ............................................................... 39 2.3.2 Aplicação da Metodologia ............................................................................................ 40 2.3.3 Limitações dessa metodologia ...................................................................................... 41

2.4 Considerações Finais .......................................................................................................... 41

10

Capítulo 3 – Uma estimativa do grau de desigualdade de oportunidades na educação básica

brasileira ....................................................................................................................................... 43

3.1 O que é o Saeb? ................................................................................................................... 43

3.3 Estatísticas Descritivas ...................................................................................................... 44

3.3 Aplicação da Metodologia e Análise de Resultados ........................................................ 48

3.4.1 Resultados Principais .................................................................................................... 49 3.4.2 Magnitude e Relevância dos Resultados ....................................................................... 50

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 54

Referências .................................................................................................................................... 56

11

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso busca promover o debate teórico, metodológico e a

aplicação empírica da teoria de desigualdade de oportunidade que é introduzida na economia pelo

trabalho de Roemer (1998). O nosso principal escopo é a utilização dos conceitos abordados por

esse autor para analisar a desigualdade de oportunidade existente na educação básica no Brasil,

pois a educação é um fator considerado, em grande parte da literatura econômica, essencial para o

desenvolvimento do país e, portanto, para a melhor compreensão das desigualdades existentes

como um todo.

No primeiro capítulo, tentaremos apresentar de forma sucinta alguma das principais teorias de

justiça que dialogam com a teoria que utilizaremos como base neste trabalho. O capítulo será

dividido em quatro seções. Na primeira, apresentaremos os principais aspectos do Utilitarismo

Clássico, pois é a teoria mais clássica e conhecida na economia, além de, cronologicamente, ser a

primeira entre as teorias que serão apresentadas. Na segunda seção, abordaremos a teoria

desenvolvida por John Rawls, que critica a visão Utilitarista e mostra uma nova abordagem. A

terceira seção será dedicada a explicar os principais aspectos da visão teórica de Amartya Sen,

que constrói sua teoria baseado em Rawls, mas apresenta limitações da visão rawlsiana e na

utilitarista. E, por último, apresentaremos o trabalho de John Roemer, que, como já dito, será a

base teórica desse trabalho e é influenciado tanto por Sen como, em parte, pelo próprio trabalho

de Rawls. Na quinta seção, concluiremos com as considerações finais referentes aos assuntos

abordados e introduziremos o que será discutido no segundo capítulo.

No capítulo seguinte, apresentaremos algumas formas de utilizar o conceito de desigualdade de

oportunidades apresentado por Roemer (1998) em trabalhos empíricos. As duas primeiras seções

serão uma breve explicação do método de análise de dominância e o método de análise através

do índice de oportunidades humanas (IOH), que são duas formas utilizadas pelos pesquisadores

da área para observar e medir a desigualdade de oportunidade. Por último, falaremos do método

de cálculo da desigualdade por índices específicos, de Checchi-Peragine que será utilizado no

12

capítulo aplicado desse estudo. Concluiremos com a justificativa para tal escolha e as suas

limitações práticas e analíticas.

No último capítulo, explicamos o que é o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb),

que será a base de dados utilizada em nosso trabalho; depois fazemos uma análise da estatística

descritiva das variáveis que interessam ao nosso estudo. Após essa análise, mensuramos a

desigualdade de oportunidade existente entre os alunos do ensino básico no Brasil utilizando o

método de Checchi-Peragine apresentado no capítulo anterior. E, por último, analisamos os

resultados obtidos comparando-os com outros trabalhos que utilizaram a mesma metodologia

para entendermos melhor a magnitude e relevância de nossos resultados.

Por último, nas considerações finais, faremos uma última análise baseadas nos resultados

encontrados, tendo como objetivo observar a relevância empírica da teoria abordada por Roemer

para estudar os resultados educacionais dos alunos e a desigualdade existente entre os mesmos.

13

Capítulo 1 – As Teorias de Justiça

Ao longo desse capítulo tentaremos explicar alguma das principais teorias de justiça que

dialogam com a teoria de Roemer (1998). Começaremos pelo Utilitarismo Clássico, pois é a

teoria mais clássica e conhecida na economia. Depois, estudaremos a teoria desenvolvida por

John Rawls, que faz uma critica ao Utilitarismo, e constrói uma nova abordagem. Na seção

seguinte, será dedicada à explicação da visão teórica de Amartya Sen, que constrói sua teoria

baseado em Rawls, mas apresenta suas limitações. Por último, apresentaremos o trabalho de John

Roemer, que será a base teórica desse trabalho e é influenciado pelo trabalho de Sem e, em parte,

pelo próprio trabalho de Rawls. Concluiremos com as considerações finais referentes aos

assuntos abordados e a justificativa para nossa escolha.

1.1. O Utilitarismo

De acordo com Arnsperger e Van Parijs (2004), o Utilitarismo, durante um longo tempo, foi o

quadro exclusivo de reflexão ética dos economistas e ainda hoje possui muitos adeptos na ciência

econômica. Para esses autores, o utilitarismo teria sido fundado por Bentham (1789),

popularizado por Mill (1861) e sistematizado por Sidgwick (1874), e possuiria, como idéia

central, o conceito de que uma sociedade justa é uma sociedade satisfeita.

Bentham (1789) afirma que o ser humano possuiria dois “senhores” que regem de forma

primordial as suas escolhas: a dor e o prazer. Para ele, por princípio de utilidade, entende-se um

princípio que serve para aprovar ou reprovar qualquer ação segundo a tendência que a mesma

possui em aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo, pois seria

inútil falar sobre o interesse de uma comunidade sem analisar e compreender o interesse do

indivíduo.

14

Arnsperger e Van Parijs (2004) afirmam que, ao raciocinar em termos de prazer ou dor,

Bentham estaria deixando de lado outros fatores da vida humana, como o prazer estético e

intelectual, ou o sofrimento psíquico, ou algum mal-estar espiritual dos indivíduos;

complementando com a idéia de que Mill, ao contrário do seu antecessor, procuraria alargar e

integrar outras dimensões mais sutis nos conceitos de prazer e dor anteriormente apresentados.

Em seu trabalho, Mill (1861) procura desenvolver o conceito de prazer de forma mais ampla,

analisando a existência de prazeres que seriam mais nobres que os outros e proporcionariam uma

maior soma de felicidade total para a sociedade.

Para Arnsperger e Van Parijs (2004), o Utilitarismo Clássico pode ser caracterizado como:

uma teoria consequencialista, pois as ações não seriam julgadas por seu valor ou alguma espécie

de natureza intrínseca, mas pelos efeitos finais que ela gera para os indivíduos; uma teoria

“welfarista”1, porque o nível de bem-estar subjetivo dos indivíduos seria a única coisa que

deveria intervir na análise das consequências de cada ação; e, por último, uma teoria

individualista, pois o interesse coletivo seria o somatório dos interesses de cada individuo.

Sen (1999), de forma similar, também destaca esses três componentes como fundamentais

para entender o Utilitarismo e chama o componente individualista de “ranking pela soma” (sum-

ranking), no qual a utilidade agregada que chamaremos de “W” representará o somatório das

utilidades individuais que serão representadas por Ui(Xi), onde “U” é a utilidade do individuo “i”

e Xi representa a cesta de bens desse indivíduo “i”. Portanto, o somatório das utilidades deve ser

maximizado sem levar em conta as possíveis desigualdades nas distribuições de utilidades entre

os indivíduos.

1 Esse termo deriva da palavra “welfare”, que significa bem-estar em inglês.

15

1.1.1 Interpretação Gráfica

Agora utilizaremos um exemplo gráfico da teoria abordada até agora e, para que isso seja

possível, usaremos uma sociedade composta por dois indivíduos2, permitindo assim a

interpretação gráfica a seguir. Logo, se W = uk (xk) + uj(xj), temos:

Gráfico 1: Representação Gráfica do Utilitarismo

Fonte: Waltenberg (2004).

Como podemos observar na figura 1, o ponto w* representa o ponto ótimo (nesse exemplo, é

igualitário, pois, o conjunto de possibilidades de utilidade dos indivíduos é simétrico). Esse

2 De modo mais interessante pode-se fazer uma analogia a esse caso demonstrado relacionando-o a dois

grupos de indivíduos ou grupos distintos da sociedade. Exemplo: homens e mulheres.

16

conjunto de possibilidades de utilidade é delimitado pela curva de fronteira de possibilidade de

utilidade, que representa o conjunto de pares de utilidade eficientes no sentido de Pareto; os

pontos F e F’ dessa curva representam o bem-estar máximo que cada um pode alcançar se

dispuser de todos os recursos de forma individual. As diferentes retas S representam as diferentes

curvas iso bem-estar, que representam diferentes níveis de bem-estar agregado que os dois

indivíduos podem alcançar.

Sen (1999) afirma que, na visão utilitarista, haveria injustiça quando houvesse uma ação ou

política onde a perda da utilidade agregada fosse maior que o ganho de utilidade gerado pela

mesma. Portanto, o ponto w* retrocederia para uma linha Sn anterior à que se encontrava

inicialmente no gráfico e, logicamente, passando a um nível agregado de utilidade menor.

Ao analisar a questão das desigualdades, Arnsperger e Van Parijs (2004) mostram a

necessidade da adoção de duas premissas para que o Utilitarismo conduza a um W* igualitário. A

primeira é a de utilidades marginais iguais entre os indivíduos, pois, do contrário, seria vantajoso

reduzir a utilidade do individuo com menor utilidade marginal para aumentar a daquele que

possui uma utilidade marginal maior, compensando a perda do que teve a sua reduzida e gerando

algo a mais. A segunda é a da utilidade marginal decrescente, na qual uma pessoa que tem um

rendimento maior ganha um bem-estar menor por um acréscimo no seu rendimento, do que uma

pessoa que tem um rendimento menor e recebe o mesmo acréscimo. A partir disso poderia se

justificar uma política distributiva de forma a, por exemplo, realizar, através de tributação, uma

transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres aumentando a utilidade agregada da

sociedade. Formalização das premissas apresentadas nesse parágrafo:

1) 2)

3

3 A 1˚ derivada seria , pois se pressupõe que um acréscimo do nível da cesta de bens do individuo

aumenta sua utilidade.

17

Por último, os autores destacam a importância de os indivíduos possuírem a mesma

“produtividade” em bem-estar, pois, do contrário, o conjunto de possibilidade de utilidades não

seria simétrico e, a partir disso, seria vantajoso para a sociedade proporcionar maiores recursos

para aqueles que atribuem um maior valor a esse aumento no rendimento.

1.1.2. Limites e Problemas do Utilitarismo

Sen(1999) apresenta algumas da principais limitações do utilitarismo, a primeira das quais

seria a indiferença distributiva, pois os utilitarista não levariam em consideração desigualdades na

distribuição de utilidade dos indivíduos. Ele também critica o descaso com os direitos, liberdade

e outras considerações desvinculadas da utilidade, porque a abordagem utilitarista não atribuiria

importância intrínseca a reivindicação de direitos e liberdades.

Por último, o autor critica a questão da adaptação e condicionamento mental, pois, para ele, a

visão do bem-estar individual da abordagem utilitarista não é muito sólida e poderia ser

facilmente influenciada por condicionamento mental e atitudes adaptativas. Sen (1999) afirma

que a medida mental do prazer ou desejo utilizada pelo Utilitarismo é maleável demais para

poder constituir um guia confiável para a privação e desvantagem do individuo. Ele afirma que

tal métrica não seria intuitiva, dado que as pessoas possuiriam desejos e habilidades para sentir

prazer que se ajustam às suas circunstâncias; sobretudo em condições adversas como, por

exemplo, pessoas em situações de trabalho precárias ou minorias perseguidas.

1.2. A Teoria de John Rawls

O filósofo norte-americano John Rawls(1921-2002) é considerado uma referência fundamental

da ética econômica e social por seu livro Teoria da Justiça que foi publicado em 1971. Para Barr

(2004), Rawls coloca como principal objetivo de sua análise a justiça social, pois cada indivíduo

teria um direito, inviolável, à justiça, e nem o bem-estar da sociedade pode ser colocado acima

18

desse fundamento. É importante destacar que Rawls não é economista e tem como principal

objeto de estudo a justiça e não o bem-estar. No entanto, ao longo deste capítulo mostramos que é

possível “traduzir” a teoria rawlsiana para o quadro de análise da economia do bem-estar, ainda

que de maneira imperfeita e incompleta.

Na visão de Arnsperger e Van Parijs (2004), Rawls estaria se propondo a formular uma teoria

de justiça em termos de bens primários, que seriam os meios necessários para formar uma

concepção de vida boa e dar continuidade a sua realização. Os bens primários seriam divisíveis

em naturais, como saúde e talento, e os sociais, como liberdades fundamentais, oportunidades de

acesso a posições sociais e vantagens sócio-econômicas.

Arnsperger e Van Parijs (2004) afirmam que Rawls teria definido dois princípios (que, para

esses autores, na verdade, seriam três) necessários para que houvesse uma distribuição equitativa

dos bens primários. Esses princípios seriam: o princípio da igual liberdade, o princípio da

igualdade equitativa das oportunidades e o princípio da diferença.

O princípio da igual liberdade garante a todos os indivíduos uma lista determinada de

liberdades fundamentais ao nível mais elevado que possa ser garantido de forma igual aos

mesmos. O princípio da igualdade equitativa das oportunidades exige que pessoas com as

mesmas aptidões tenham chances iguais de alcançar determinadas posições na sociedade. E, por

último, o princípio da diferença, que afirma que desigualdades econômicas e sociais que possam

existir devem ter por objetivo proporcionar o maior benefício aos membros menos favorecidos da

sociedade. Portanto, Rawls demonstrava uma clara preocupação com a liberdade e igualdade,

justificando o fato de esse autor ser considerado precursor do igualitarismo liberal.

Por último, Rawls teria estabelecido uma hierarquia entre os três princípios, estabelecendo que

o princípio de igual liberdade tem prioridade estrita em relação aos demais. Isto significa, por

exemplo, que liberdades fundamentais não podem ser oferecidas em troca de benefícios aos

indivíduos mais desfavorecidos: esses benefícios têm que ser maximizados respeitando-se a

restrição imposta pelo princípio de igual liberdade. Por exemplo, para Rawls seria inaceitável

19

proibir os indivíduos de formar uma família, mesmo alegando-se que as famílias são

fomentadoras de desigualdades individuais, pois formar família é uma liberdade fundamental.

1.2.1 Posição Original, “Véu de Ignorância” e Maximin

Para Barr (2004), a posição original, seria um ponto de partida usado por Rawls, no qual

contemplamos um grupo de indivíduos racionais, cada um deles preocupado com seu próprio

interesse e que escolheram juntos os princípios para determinar a distribuição dos bens entre os

mesmos. A partir dessa posição original, os indivíduos aceitariam ser colocados por detrás de

uma espécie de “véu de ignorância”, no qual eles procurariam abstrair-se de sua posição real na

sociedade, ignorando qualquer concepção particular de vida boa e buscando atender apenas aos

seus conhecimentos da natureza humana e do funcionamento das sociedades.

Portanto, a partir desses pressupostos, os indivíduos submetem-se a um constrangimento de

imparcialidade, podendo colocar-se em posição de fazer as exigências de equidade, pois, nesta

posição original, cada individuo pode ser caracterizado pelas suas preferências crescentes de bens

primários e, dessa forma, buscar realizar uma concepção de vida boa. Logo, a partir da suposição

de Rawls, a sociedade justa liberal-igualitária seria aquela que confere o mais alto nível de “bens

primários” aos indivíduos mais desfavorecidos da mesma; atendendo, dessa maneira, ao próprio

interesse deles por esses bens e, portanto, aumentando sua capacidade de realizar seus conceitos

de uma vida boa. Portanto, com base no princípio de diferenciação, a política social buscará

maximizar o nível mínimo de BP.:

BP1 Bens Primários do Individuo 1

BP2 Bens Primários do Individuo 2

A Função de Agregação seria: min{BP1, BP2.}

20

Gráfico 2: Representação gráfica da teoria de John Rawls

Elaboração Própria

O gráfico nos mostra a função que maximiza o nível de Bens Primários alcançados pelos

indivíduos a partir dos pontos de mínimo do gráfico, sendo Z* o ponto ótimo a ser escolhido pelo

realizador da política pública para o In máximo que ele conseguir alcançar, que, nesse exemplo, é

o I2.

21

Caso se deseje fazer uma analogia com a teoria do consumidor, o Utilitarismo poderia ser

entendido como o caso no qual as pessoas seriam “substitutos perfeitos”; portanto, não importaria

quanta utilidade cada individuo possui, mas apenas o total entre elas. E a teoria de Rawls poderia

ser compreendida como a situação na qual as pessoas seriam “complementares perfeitos”, na qual

só seria possível saltar de uma curva iso-bem-estar para outra aumentando a utilidade de ambos.

1.2.2 Rawls e o Utilitarismo

Para Barr (2004), Rawls seria um oponente explícito do Utilitarismo, pois essa teoria seria

ilógica, dado que os indivíduos racionais, negociando a partir da posição original e sob um “véu

de ignorância”, não saberiam se seriam beneficiados ou prejudicados por uma política utilitarista,

dado que essa seria capaz de aprovar situações injustiças, já que teria como principal objetivo

maximizar o bem-estar total. Para exemplificar, podemos imaginar uma situação em que se

aumenta a utilidade agregada da sociedade abrindo-se mão de alguma liberdade fundamental

do(s) indivíduo(s); em uma sociedade rawlsiana essa ação seria inaceitável, enquanto para o

Utilitarismo seria um ganho de bem-estar agregado para a sociedade. Problema decorrente do

fato de o Utilitarismo ser, como já dito anteriormente, uma teoria consequencialista.

1.2.3 Limitações de Rawls

Sen(1999) critica Rawls afirmando que, se o objetivo é promover a liberdade real do

individuo, não bastaria apenas observar o estoque de bens primários que esse indivíduo possui,

mas seria necessário levar em consideração as características pessoais desse indivíduo que

interferem da sua capacidade de transformar os seus bens primários em sua realização pessoal de

um boa vida. O autor afirma, por exemplo, que uma pessoa fisicamente incapacitada, mas que

possui uma cesta de bens primários maior, ainda assim pode ter menos chance de levar uma vida

normal que um indivíduo fisicamente capaz, mas que possui uma cesta de bens primários menor.

Da mesma forma, uma pessoa idosa e mais propensa a doenças pode ser desfavorecida, mesmo

possuindo um avantajado pacote de bens primários.

22

Miller (1976) apud Barr (2004) também critica Rawls afirmando que os indivíduos sob um

“véu de ignorância”, portanto, tendo sido removidos todos os seus conhecimentos culturais,

estariam incapacitados de negociarem e, em contrapartida, se fosse permitido aos indivíduos

negociar fora de tal constrangimento, obteríamos uma definição de justiça vinculada à cultura dos

indivíduos, ou seja, a definição de justiça dependeria crucialmente do tipo de sociedade à qual os

indivíduos pertencem.

Harsanyi (1975) critica o trabalho de Rawls, pois o sistema de Maximin,se for seguido de

forma séria, levaria a sociedade a basear suas escolhas sempre na pior situação possível, o que,

para esse autor, seria extremamente irracional e contra-intuitivo, pois as decisões seriam baseadas

em uma espécie de “paranóia”. Harsanyi utiliza o seguinte exemplo, digamos que uma sociedade

seja composta por um médico e dois pacientes, na qual o paciente A está com pneumonia e o

paciente B é uma vítima de câncer terminal que também contraiu pneumonia. Caso a sociedade

só possua recursos para o tratamento de um individuo o principio de maximin escolheria gastar

esse recurso com o individuo B, que é o individuo em piores condições, o que prolongaria sua

vida por alguns meses. De acordo com Harsanyi, se utilizarmos a ética Utiliratista, analisando a

situação através da utilidade esperada, e o senso comum, escolheríamos o individuo A, pois este

poderia ser completamente curado e recuperar sua saúde normal.

1.3. Sen

Amartya Sen é um economista indiano que recebeu o Prêmio Nobel em 1998, pela sua

contribuição para a teoria da escolha social.

Sen(1999) afirma que o espaço ideal para a analisar o bem-estar e realizar avaliações sobre os

indivíduos seria o das liberdades substantivas de cada um, pois o importante seria a capacidade

que cada indivíduo possui de escolher o que ele próprio valoriza. Para esse autor, se o objetivo

concentra-se na oportunidade real que o indivíduo tem de promover seus objetivos, não bastaria

levar em consideração apenas o acesso aos bens primários, como defende Rawls, mas também a

capacidade da pessoa em converter o acesso aos bens primários em seus objetivos.

23

Portanto, se fossem utilizadas rendas ou mercadorias como base material para o bem-estar,

ainda seria possível identificar, no mínimo, cinco fatores de diversidade entre os indivíduos, que

tornam distinta a relação entre a renda ou mercadoria possuída e as vantagens reais obtidas pelo

indivíduo. Esses fatores são:

1. Heterogeneidades pessoais (ex: metabolismo)

2. Diversidades ambientais (ex: circunstâncias climáticas)

3. Variações no clima social (ex: prevalência ou ausência de crime na localidade específica)

4. Diferenças de perspectivas relativas (ex: pobreza relativa)

5. Distribuição intra-familiar de recursos( ex: o modo como a renda é distribuída em uma

família entre os seus membros)

Logo, Sen não explica as condições subjetivamente pelas utilidades, pois não leva em conta

apenas o que as pessoas valoram como defende o Utilitarismo, ou pelos bens primários, pois não

analisaria apenas o que os indivíduos possuem como Rawls, mas, ao em vez disso, ele procura

utilizar os conceitos de funcionamentos e capacidades que terão sua explicação desenvolvida no

tópico seguinte.

1.3.1. Funcionamentos e Capacidades

De acordo com Sen(1999; 2001), o conceito de “funcionamentos” refletiria coisas que uma

pessoa pode considerar valioso fazer ou ter. Os funcionamentos podem ser elementares, como

estar nutrido, estar livre de doenças, ter educação, ou podem conter atividades e estados pessoais

mais complexos como, por exemplo, participar da vida da comunidade e ter respeito próprio.

Viver, para o autor, poderia ser considerado como consistindo num conjunto desses

“funcionamentos” inter-relacionados, que compreenderiam estados e ações. A realização de uma

pessoa, portanto, poderia ser vista como um vetor de funcionamentos.

24

O conceito de capacidade é definido por Sen como consistindo nas combinações alternativas

de funcionamentos cuja realização seria factível para determinado indivíduo. Logo seriam as

varias combinações de estados e ações que uma pessoa pode realizar. O “conjunto capacitário”,

portanto, consistiria em um conjunto de vetores de funcionamentos que refletem um tipo de

liberdade da pessoa, essa seria a liberdade substantiva de realizar, dentro desse conjunto, as

possíveis combinações alternativas de funcionamento.

Para Sen, os funcionamentos realizados constituem o bem-estar de uma pessoa e a capacidade

para realizá-los constituiria a liberdade do indivíduo em realizar diferentes níveis de qualidade de

vida. Portanto, para ele a liberdade poderia ser vista como intrinsecamente importante para uma

boa estrutura social e, nesta concepção, uma boa sociedade seria uma sociedade de liberdade. O

conjunto capacitário, além de permitir diferentes realizações de níveis de padrão de vida, também

seria importante pelo fato de a capacidade estar diretamente ligada com a geração de bem-estar,

logo, o bem-estar realizado também dependeria da capacidade para gerar funcionamentos.

1.3.2 Interpretação Gráfica e Comparação Interpessoal

Nesse tópico vamos procurar utilizar uma análise gráfica dos conceitos apresentados até agora

para exemplificar uma possível comparação interpessoal a partir da teoria de Sen. No gráfico

representaremos os conjuntos capacitários pela letra “S”, no quais “SA” representará o conjunto

capacitário do individuo A e “SB” representará o conjunto capacitário do indivíduo B. Os eixos

F1 e F2 representam o universo das possíveis combinações de dois funcionamentos fundamentais

para esses indivíduos.

No gráfico abaixo, o indivíduo B possui claramente um conjunto capacitário mais amplo que o

indivíduo A. Digamos que os dois indivíduos optassem por uma combinação de funcionamentos

dentro do conjunto capacitário do indivíduo A, por exemplo, o ponto (F1’, F2’). Dado que ambos

optaram pelo mesmo ponto, o bem-estar gerado pelos funcionamentos escolhidos seria o mesmo.

No entanto, podemos dizer que o indivíduo B possui uma qualidade de vida mais elevada, pois o

seu conjunto capacitário, além de lhe permitir uma liberdade maior em realizar sua concepção de

25

qualidade de vida que o indivíduo A, é, por si só, uma fonte de bem-estar, porque, para Sen

(2001), uma das conexões entre qualidade de vida e capacidade consiste diretamente em fazer a

própria qualidade de vida realizada depender da capacidade para realizar funcionamentos.

Gráfico 3: Ilustração gráfica da teoria de Sen

Elaboração Própria

Para exemplificar o que foi dito até agora, podemos analisar o caso de dois indivíduos e dois

funcionamentos possíveis representados pelo gráfico acima. Por exemplo, digamos que os

funcionamentos sejam: Ser educado e Estar nutrido. SB representa o conjunto capacitário de um

individuo rico e SA o de uma pobre. Se o individuo rico optar por “jejuar” e por não estudar,

realizando assim o mesmo funcionamento de individuo pobre (ser analfabeto, passar fome).

Ambos os indivíduos possuiriam funcionamentos iguais, mas como o rico tem opção de não

passar fome e de estudar, podemos dizer que as capacidades são diferentes. Logo, o rico teria

uma qualidade de vida maior que o pobre, pois ele tem um nível de liberdade maior; podendo ter

acesso a uma boa educação e alimentação.

26

1.3.3. Críticas a Sen

Arnsperger e Van Parijs (2004) afirmam que Sen se equivoca ao deixar uma questão

fundamental sem resposta, que seria a questão de quais capacidades são fundamentais para os

indivíduos; sem essa delimitação não seria viável realizar uma concepção de vida boa específica.

Com a abordagem de Roemer(1998) poderíamos afirmar que Sen não leva em consideração

em sua análise os esforços dos indivíduos, ou seja, a responsabilidade individual de cada um no

seu resultado. Para Sen o individuo seria fruto apenas de suas circunstâncias, o que tornaria sua

capacidade de alcançar determinado resultado fruto, apenas, dos fatores que englobam suas

diversidades.

Logo, se dois indivíduos fossem iguais em todos esses fatores eles deveriam obter os mesmos

resultados ao tentarem realizar sua concepção de vida boa. Para Roemer tal resultado não seria o

habitual, mas sim um caso isolado e mais próximo da visão rawlsiana, pois não levaria em

consideração, como já mencionado, a influência da responsabilidade pessoal dos indivíduos.

Benicourt (2002) critica a aproximação por “capacidades” de Sen, pois ela afirma que o autor,

apesar de se propor a superar as deficiências da abordagem utilitarista e rawlsiana, criou uma

abordagem teórica que nada mais é que uma variação muito similar à abordagem utilitarista

tradicional. Ela afirmar que a lógica de Sen é a de sair da análise em termos de um número

definido de bens, para uma análise em termos de funcionamentos. Para ela, os funcionamentos

nada mais seriam que o resultado de uma escolha de um vetor de bens como em uma função

utilidade qualquer. E a capacidade seria todas as funções utilidade que o indivíduo poderia

realizar.

27

1.4. Roemer

John Roemer é um professor de ciências políticas e economia da universidade de Yale que em

seu trabalho “Equality of Opportunity”, lançado em 1998, procura criar uma modelagem

matemática a partir de uma inspiração de literatura de filosofia política sobre o tema desigualdade

de oportunidade. Roemer (1998) debate a questão da desigualdade de oportunidades existente

entre as pessoas e critica o consequencialismo, pois essa visão não discriminatória ente os

indivíduos não levaria em consideração aspectos importantes do resultado alcançado por cada

pessoa, como a responsabilidade pessoal de cada individuo sobre os seus resultados na sociedade.

Portanto, ele procura fazer uma diferenciação entre a desigualdade existente, separando-a em

desigualdade de resultados justa e a desigualdade de resultados injusta, procurando defini-las a

partir dos conceitos de esforços, circunstâncias e tipos.

1.4.1 Esforços, Circunstâncias e Tipos

Para Roemer (1998), a desigualdade existente no resultado dos indivíduos deve ser analisada

perante dois conceitos fundamentais:

Circunstâncias: todos os fatores que estão fora do controle do individuo e, portanto, pelos

quais ele não pode ser responsabilizado; mas são fatores que podem afetar sua capacidade

ou restringir seu acesso de atingir um determinado resultado. Exemplo: cor de pele,

gênero, nível educacional dos pais, etc.

Esforços: todos os fatores que são determinados pelas escolhas pessoais dos indivíduos e

suas ações de responsabilidade individual. Exemplo: Horas gastas com estudo e lazer,

horas de trabalho e etc.

28

Segundo Roemer, a desigualdade eticamente aceitável, ou legítima, seria aquela causada por

diferenças no nível de esforço de cada indivíduo, a qual não precisaria de compensação alguma,

pois essa escolha é de responsabilidade individual de cada pessoa. Por outro lado, a desigualdade

que seria eticamente inaceitável, ou ilegítima, seria a desigualdade causada pelas circunstâncias,

portanto, fatores que estão fora do controle do indivíduo. Tal desigualdade precisaria ser

compensada pela sociedade.

Por último, o autor define o conceito de “tipo”(type), que seria uma forma de separar os

indivíduos em grupos que possuem circunstâncias iguais ou tão similares quanto possível logo,

seria uma espécie de grupo de pessoas com o vetor circunstancial mais próximo possível.

1.4.2 Esforços Absolutos e Esforços Relativos

Para Roemer(1998), os resultados alcançados por um indivíduo poderiam ser divididos em

duas partes, a influenciada pelo grau de esforço e a determinada pelas circunstâncias. No

entanto, para o autor o individuo deve ter seus resultados na sociedade influenciados apenas pelo

nível de esforço que ele exerceu e não pelas circunstâncias, que, como já dito, são fatores fora de

seu controle que acabam gerando desigualdades injustas. Logo, para Roemer, o importante não

será o grau de esforço absoluto que cada indivíduo exerceu, mas esforço relativo, que é o esforço

do individuo em relação às outras pessoas de seu mesmo tipo, ou seja, as pessoas que estão

sujeitas às mesmas circunstâncias.

Para exemplificar, digamos que estamos analisando dois indivíduos o primeiro pertence ao

Tipo 1 e o segundo ao Tipo 2. Nesse exemplo, o Tipo 2 é composto por indivíduos de classe

média alta, que estudam em colégio privado e o Tipo 1 são os indivíduos que são pobres e

estudam em colégio público. Digamos que os níveis de esforços desses indivíduos possuam as

seguintes distribuições de resultados hipotéticas, por exemplo, resultados do ENEM (Exame

Nacional do Ensino Médio):

29

Fonte: Carvalho, 2011.

Digamos que Lucas pertence ao tipo 1 e exerceu um nível de esforço absoluto de 5 e está no

90˚ centil de sua distribuição, portanto, exerceu um grau de esforço relativo de 90 em relação às

pessoas de seu tipo. Já Fernando, que pertence ao tipo 2, exerceu um nível de esforço de 7 e

também está no 90˚ centil de sua distribuição, portanto, os dois exerceram o mesmo grau de

esforço relativo.

Para Roemer, haveria uma situação de igualdade de oportunidade quando esses indivíduos, ao

competirem por uma determinada posição na sociedade, alcancem resultados condizentes com

grau de esforço relativo igual exercido pelos mesmos, pois, como já mencionado, os indivíduos

só devem ser responsabilizados pelo seu grau de esforço e não pelas suas circunstâncias.

Portanto, para esse autor, a sociedade deve atuar de formar a “nivelar o terreno” (“level the

playing field”) entre esses indivíduos de forma a permitir que, ao competirem por determinadas

posições na sociedade, de forma a buscar realizar seu conceito de vida boa, essas pessoas possam

obter resultados condizentes com o grau de esforço relativo empregado pelas mesmas. Uma

aplicação possível dessa teoria é a questão do acesso à universidade pública através de cotas, no

qual as cotas tentam compensar os indivíduos que possuem circunstâncias que dificultam seu

acesso ao ensino superior. Portanto, a cota beneficiaria àquele que exerceu maior grau de esforço

relativo em relação ao seu tipo, ou seja, as maiores notas entre os indivíduos que concorrem para

pelo regime de cotas garantiriam seu acesso à universidade pública.

Distribuição do Tipo 2

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

2

- 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 6,5 7,0 7,5 8,0

Distribuição do Tipo 1

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

2

- 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 6,5 7,0

30

1.4.3 Críticas a Roemer

Uma possível critica a Roemer (1998) é o fato de ele não ter determinado tipos específicos de

indivíduos para a atuação das políticas públicas, pois o autor alega que seu trabalho tem um

objetivo pluralista4, no sentido de permitir que cada sociedade determine seus próprios conceitos

de justiça distributiva e, portanto, quais circunstâncias são realmente relevantes.

Também vale destacar que poderia ser impossível separar as circunstâncias dos esforços, pois

os indivíduos estariam sujeitos a infinitas circunstâncias e muitas delas não seriam observáveis

através dos “tipos”, porque estariam muito difusas na formação do individuo. Os esforços que

observamos são aqueles que obtemos como resíduo, pois tudo que não é explicado como

circunstância é colocado como esforço.

De acordo com De Villé (2003), não existiria uma responsabilidade individual absoluta pelo

grau de esforço para todos os indivíduos da mesma maneira, pois o esforço exercido pelos

indivíduos também seria influenciado por outros fatores exógenos. Para ele, jovens estudantes,

por exemplo, não poderiam ser responsabilizadas pelo seu grau de esforço relativo ao estudar,

pois esse esforço seria influenciado por fatores que vão além do controle dos mesmos e que

alterariam suas preferências como “desejos”, “motivações” e “expectativas” de cada aluno. Esse

autor considera que o grau de esforço relativo, por não levar em conta esses fatores exógenos,

não pode ser considerado uma boa medida para a capacidade do individuo de fazer uma escolha

livre, que o torne plenamente responsável pela mesma. Para ele, uma política de igualdade de

oportunidade não deve levar em conta apenas os tipos dos indivíduos, mas deve procurar

satisfazer da forma mais apropriada possível as motivações e expectativas de cada estudante.

Fleurbaey (1995) faz uma critica à teoria de igualdade de oportunidade, pois, para esse autor,

quando levada ao extremo a questão da responsabilidade individual e da livre vontade de cada um

sobre seus atos e escolhas, poderíamos chegar a resultados “cruéis” e não aceitáveis. O autor

4 Essa possível crítica também pode ser vista como uma vantagem, pois permite que a abordagem do autor

seja utilizada por diferentes visões teóricas e em diversas situações.

31

utiliza como exemplo um indivíduo, que, apesar de ter recebido uma boa formação normal e

balanceada da sociedade, decide, por livre vontade, adotar uma atitude negligente ao andar de

moto sem capacete. Certo dia, ele sofre um acidente e machuca gravemente a cabeça. Ao ser

levado para o hospital é constatado que ele necessita de uma operação, no entanto, ele não possui

recursos financeiros suficientes. Para Fleurbaey, se aplicarmos a teoria da igualdade de

oportunidade a essa situação, o governo não deveria financiar a operação do individuo, pois a

situação é conseqüência da escolha livre que ele teve e não foi influenciada por circunstância

alguma. Logo, por essa teoria, o sujeito acabaria morrendo sem ser operado, pois ele deve

assumir a plena responsabilidade pessoal sobre sua escolha, o que Fleurbaey destaca como um

resultado, obviamente, exagerado e inaceitável.

1.5. Considerações Finais

Portanto, ao escolhermos a teoria de Roemer (1998) como base teórica para o estudo da

desigualdade de oportunidade, não estamos excluindo o fato de essa teoria também ser sujeita a

críticas e limitações, principalmente em relação a dificuldades como a escolha das circunstâncias

mais relevantes para os estudos aplicados.

No entanto, acreditamos que, dada as limitações que foram apresentadas ao longo desse

capítulo por cada uma das teorias de justiça, o trabalho de Roemer seria uma boa base para a

realização de um estudo empírico sobre a desigualdade de oportunidades existente entre os alunos

do ensino fundamental no Brasil.

No próximo capitulo apresentaremos algumas formas de mensurar a desigualdade de

oportunidades e utilizar os conceitos de Roemer em trabalhos empíricos. E, ao final,

apresentaremos a metodologia que será utilizada no último capítulo desse trabalho para um

estudo aplicado abordando esses conceitos.

.

32

Capítulo 2 – Formas de Mensurar a Desigualdade de Oportunidade

Ao longo do capítulo, explicaremos algumas formas desenvolvidas por diversos autores para

utilizar o conceito de desigualdade de oportunidades apresentado por Roemer (1998) em

trabalhos empíricos. Na primeira seção apresentaremos o método de análise de dominância,

demonstrando sua interpretação e algumas de suas principais limitações. Na seção seguinte,

estudaremos o método de análise através do índice de oportunidades humanas (IOH) e algumas

limitações do mesmo. Por último, falaremos do método de cálculo da desigualdade por índices

específicos, de Checchi-Peragine que será utilizado no capítulo aplicado desse estudo.

Concluiremos com a justificativa para tal escolha e as suas limitações práticas e analíticas.

2.1 Análise de Dominância

Esta análise é uma contribuição do trabalho de Pistolesi, Lefranc e Trannoy (2008), que nos

permite comparar diferentes distribuições em termos do grau de desigualdade de oportunidade

que elas refletem, e para isso, os autores utilizam uma análise de dominância entre as funções de

distribuição acumuladas dos resultados dos indivíduos observados.

Na visão desses autores, digamos que existem algumas circunstâncias t e outro conjunto de

circunstâncias t’ qualquer. Se tivéssemos uma situação qualquer na qual os indivíduos fossem

autorizados a escolher suas circunstâncias, e todos os indivíduos em questão preferissem estar

associados ao vetor de circunstância t ao invés de t’, poderíamos concluir que as circunstâncias t

possuem alguma vantagem sobre t’. Dado um conjunto T={1,..., t} que possui todos os grupos de

circunstâncias possíveis, os autores concluem que há igualdade de oportunidade quando nenhum

t pertencente a T apresenta vantagens sobre alguma outra circunstância t’ qualquer.

A partir de uma distribuição s de resultados dos indivíduos condicionada a sua circunstância t,

que eles denotam por F(s/t), podemos observar dois grupos de tipos diferentes na sociedade,

33

F(s/t) e G(s/t’), se F(s/t) dominar estocasticamente em segunda ordem o grupo G(s/t’), temos uma

situação na qual um grupo é preferível ao outro e, consequentemente, t possui vantagem sobre t’.

Portanto, nesse caso a distribuição do grupo t é preferível à distribuição do grupo t’, logo nessa

sociedade existe desigualdade de oportunidade.

Este caso é exemplificado no gráfico abaixo, que foi construído a partir dos dados do PISA

2006, utilizando como resultado as notas dos alunos brasileiros na prova de matemática e, como

circunstância, o país no qual o aluno estuda.

Gráfico 4: Gráfico criado para ilustrar o método da análise de dominância a

partir dos dados do PISA 2006.

Fonte: Gamboa et al (2009).

Podemos observar que a função de distribuição acumulada dos estudantes, que possuem como

circunstância pertencer a diferentes países, claramente é superior à distribuição de função

34

acumulada dos estudantes que pertencem ao Uruguai em relação, por exemplo, aos estudantes do

Brasil. Se observarmos o ponto 400 no eixo da pontuação da prova de matemática, por exemplo,

podemos observar que, de acordo com a distribuição acumulada, há mais alunos do Brasil que

alunos do Uruguai com a pontuação abaixo de 400. Portanto, podemos afirmar que, de acordo

com esses autores, nessa situação existe, claramente, uma desigualdade de oportunidade entre os

indivíduos quando os tipos são definidos em termos do país do estudante.

2.1.1 Igualdade de Oportunidade Fraca e Forte

Para Pistolesi, Lefranc e Trannoy (2008), a partir dessa metodologia, haveria dois tipos de

igualdade de oportunidade possível, a Igualdade de Oportunidade Fraca (“Weak Equality of

Opportunity”) e a Igualdade de Oportunidade Forte (“Strong Equality of Opportunity”).

A Igualdade de Oportunidade Fraca ocorreria quando as curvas de dois grupos qualquer de

distribuição acumuladas se cruzassem pelo menos uma vez, pois, nesse caso, não haveria uma

curva que domine a outra. Portanto, a partir de uma posição ex-ante o indivíduo não seria capaz

de escolher a qual tipo ele preferiria pertencer se ao tipo t ou a algum tipo t’ qualquer. (ex.: as

curvas dos alunos do Brasil em relação à curva da Argentina, que claramente se cruzam)

A Igualdade de Oportunidade Forte existe quando nenhuma função de distribuição cumulativa

domina a outra, e, ao invés disso, os dois grupos possuem uma função de distribuição cumulativa

idêntica. Nessa situação, qualquer observação ex ante não nos dará qualquer motivo para

acreditar que um tipo t será preferível a um tipo t’ qualquer. (ex.: as curvas dos alunos do Brasil

em relação à curva dos alunos da Colômbia, que são praticamente coincidentes)

A partir dessa abordagem esses autores afirmam que Igualdade de Oportunidade Forte seria

um caso específico dentro da Igualdade de Oportunidade fraca. Além disso, eles advertem que

essa situação específica corresponderia exatamente à concepção de Roemer sobre Igualdade de

Oportunidade.

35

Portanto, em um trabalho empírico, a oportunidade oferecida a um indivíduo de um

determinado tipo pode ser resumida por sua função de distribuição cumulativa. E, através dessas

funções, podemos verificar se existe entre eles desigualdade de oportunidade (quando as curvas

de suas funções não se cruzam), igualdade de oportunidade fraca (quando as curvas se cruzam) e

igualdade de oportunidade forte (quando as curvas são idênticas).

2.1.2 Limitações dessa metodologia

De acordo com Waltenberg (2009), uma das principais limitações que era apresentada por essa

abordagem seria que, ao contrário da análise por índices específicos (que será apresentada a

seguir), essa abordagem não nos permitiria mensurar o nível de desigualdade de oportunidade

existente. Por não haver uma medida de desigualdade, essa abordagem também não nos permite,

por exemplo, comparar a intensidade da desigualdade entre diferentes regiões ou países, o que se

constitui em outra limitação desse método.

2.2. Análise pelo Índice de Oportunidade Humana

O Índice de Oportunidade Humana (IOH) é uma metodologia para a análise da desigualdade

de oportunidade apresentada por Barros et al. (2009), que, de acordo com o autor, pode ser

utilizada para mensurar, através de um único indicador, o nível absoluto de oportunidade básica

de acesso a um determinado serviço (Ex: ingressar na faculdade) na sociedade e o grau de

igualdade da distribuição dessas oportunidades. Portanto, é um índice usado par avariáveis

binárias e possui a seguinte fórmula:

A variável “ ” é a taxa média de acesso ao serviço ou resultado que está sendo estudado e

D é a medida de desigualdade de oportunidade, logo, é a proporção de oportunidades que

deveriam ser “realocadas”. Portanto 1-D é a proporção alocada devidamente entre os indivíduos.

36

De acordo com Barros et al. (2009), a medida de desigualdade de oportunidade usada nessa

fórmula seria uma versão do índice de Dissimilaridade (D) que é utilizado largamente na

sociologia. O Índice D serviria para medir a dissimilaridade existente no grau de acesso a

determinado serviço por grupos definidos através das características circunstâncias (Ex.: gênero,

localização, nível de educação dos pais)5 em comparação com a taxa média de acesso a esse

mesmo serviço por todo a população que está sendo analisada. Podemos entender esse grupo

definido pelas circunstâncias dos indivíduos através do conceito de “tipos” apresentados na seção

1.4.1 desse trabalho.

Para Barros et al. (2009), se o princípio de igualdade de oportunidade é consistente em uma

sociedade, deve haver uma distribuição exata entre a população e as oportunidades. O autor

utiliza o seguinte exemplo: digamos que metade da população se encontra em um grupo de

circunstâncias A, 35% em um grupo B e 15% em um grupo C. As oportunidades devem se

distribuídas seguindo essa mesma proporção. (ex.: distribuição de oportunidade de acesso ao

ensino superior entre os estudantes de diferentes raças ou gênero)

2.2.1 O Índice D

Barros et al. (2009) apresenta a seguinte fórmula para calcular o Índice D:

Nessa fórmula, é a taxa média de acesso ao serviço ou resultado, pi é a probabilidade de

acesso de um grupo de circunstâncias i qualquer, e Wi é a proporção da população total da

amostra que cada grupo i possui.

5 Esses exemplos são sugeridos pelos próprios autores, em Barros et al. (2009) na p. 5.

37

O índice D varia de 0 a 1 (em termos de porcentagem, significa de 0 a 100) e, na situação de

perfeita igualdade de oportunidade, D é igual a zero. De acordo com Carvalho (2011) a situação

ideal ocorre quando há igualdade entre os grupos de circunstâncias, logo, pi = e quando todos

tem acesso ao serviço, portanto, = 1.

2.2.2 Como calcular o Índice de Oportunidade Humana

De acordo com Carvalho (2011), o primeiro passo, para calcular o IOH, é a estimação de uma

regressão logística apresentada abaixo:

Nessa regressão, a variável dependente (Y) é uma variável dummy que representa o acesso a

um determinado serviço ou resultado, por exemplo, Yi=1 se a casa do individuo “i” tem acesso à

rede de esgoto e Yi= 0 se a casa não tem acesso à rede de esgoto. O “α” é a constante da

regressão, βK são os parâmetros que serão estimados através dessa regressão para cada um dos

“k” regressores da equação. O Xik representa cada uma das “k” variáveis utilizadas na regressão,

que representam as circunstâncias que estão sendo analisadas nesse estudo. Por último, “Ui” é o

termo de erro.

Após estimar os parâmetros, o passo seguinte é calcular, para cada combinação de

circunstâncias, ou seja, para cada tipo de individuo, a probabilidade de acesso ao serviço ou

resultado que está sendo analisado pela regressão. Portanto, deve-se estimar, para cada grupo, o pi

que observamos na fórmula do índice D.

Por último, deve-se calcular o índice D através da fórmula demonstrada na seção 2.4.1 desse

trabalho e utilizado na fórmula do IOH demonstrada na seção 2.4. Para Carvalho (2011), o nível

38

de oportunidade medido por esse índice pode ser interpretado como o nível de oportunidades

existentes em uma dada sociedade que têm sido alocadas de acordo com o princípio de igualdade

de oportunidades sugerido por Roemer (1998).

2.2.3 Limitações desse Índice

Podemos destacar como principal limitação do IOH o fato dele só poder ser utilizado para a

análise de oportunidade em relação a variáveis binárias, o que pode vir a limitar

consideravelmente o campo de utilização e estudo desse índice. Portanto, ao contrário da análise

por índices específicos, não podemos utilizar o IOH para analisar variáveis continuas como o

resultado dos alunos em uma determinada avaliação.

2.3. Análise por Índices Específicos (metodologia Checchi-Peragine)

A metodologia de Checchi e Peragine (2005, 2010) nos permite observar separadamente as

desigualdades que ocorrem pelas circunstâncias e as desigualdades provenientes dos diferentes

graus de esforço, analisando a magnitude e importância relativa de ambos os tipos de

desigualdade. Essa separação é possível através da utilização de índices específicos que, além de

mensurar a desigualdade, têm como propriedade matemática a capacidade de serem decompostos.

2.3.1 Tipos e Bandas

Esses autores utilizam dois conceitos fundamentais para sua análise, o primeiro é o “tipo” de

cada individuo (Ver seção 1.4.1 desse trabalho) e o segundo é o conceito de “tranches”( Checchi

e Peragine, 2005, p. 3), que aqui vamos traduzir como “bandas”. Para eles, pertenceriam a uma

determinada banda indivíduos que pertencem a um mesmo tipo e exerceram graus de esforço

semelhante. Portanto, seria possível realizar uma simplificação da análise empírica colocando-os

39

no mesmo quantil na distribuição do resultado por tipos, ou seja, colocando todos os indivíduos

em uma mesma banda.

2.3.2 Interpretação Gráfica do conceito de bandas:

Fonte: elaboração própria a partir do gráfico da p. 20 deste trabalho.

Nesse exemplo, separamos a distribuição de resultado dos alunos do tipo 1 e tipo 2 em cinco

bandas, cada uma equivale a um quintil da distribuição de resultado desses tipos. Os indivíduos

que pertencem a uma mesma banda teriam exercido - aproximadamente, é claro - o mesmo grau

de esforço, portanto, estariam localizados no mesmo quintil nessa distribuição. As bandas dos

resultados mais elevados seriam a dos indivíduos que exerceram maior grau de esforço, logo, em

relação ao grau de esforço exercido B5>B4> B3> B2> B1. Da mesma forma, para o tipo 2,

B5’>B4’> B3’> B2’> B1’.

Portanto a desigualdade considerada justa seria a desigualdade inter-bandas, por exemplo,

dentro do tipo 1, B1 e B5 ou B2 e B4 e etc. A desigualdade injusta seria a desigualdade intra-

bandas, ou seja, a desigualdade existente entre os indivíduos que pertencem à mesma banda de

tipos diferentes, por exemplo B3 e B3’, pois, apesar de os indivíduos terem os mesmo grau de

esforço, possuem resultados diferentes. Uma forma de observar essa diferença é olhar a mediana

40

dessas duas bandas que são respectivamente 3,5 e 5,5, uma diferença considerável na escala desse

gráfico.

2.3.2 Aplicação da Metodologia

Após definir os conceitos de tipo e banda, os autores apresentam, como passo seguinte,

substituir os valores observados dos resultados de cada indivíduo (Ex.: a nota do vestibular de

cada aluno) por uma média aritmética calculada para o tipo e a banda à qual cada indivíduo

pertence. Desta forma, substituem-se os valores originais dos resultados por valores artificiais,

nos quais não existem desigualdades dentro de cada banda para um determinado tipo. Portanto,

os resultados das pessoas se tornam especificamente uma função6 do tipo à qual elas pertencem e

da faixa de nível de esforço que elas exerceram.

Para exemplificar, vamos observar o gráfico da seção anterior e imaginar os indivíduos que

pertencem à Banda 3’ do tipo 2. Digamos que esse gráfico representasse a distribuição de notas

em uma prova e os alunos que pertencem a essa banda possuem resultados variando entre 5,0 e

6,0. As notas de cada aluno seriam substituídas por uma média aritmética das notas de todos que

pertencem a B3’. Logo, todos os indivíduos do tipo 2 e B3’ ficariam com o mesmo resultado.

Essa simplificação será realizada para todos os tipos e todas as bandas, criando assim uma

distribuição artificial das notas.

O passo seguinte sugerido por esses autores é a determinação da desigualdade total existente

na distribuição criada artificialmente. Depois, determinar as desigualdades existentes, que seria a

desigualdade entre pessoas que exerceram o mesmo grau de esforço relativo, mas pertencem a

tipos, portanto, circunstâncias diferentes (desigualdade intra-bandas). E, por último, medir a

desigualdade dentro dos tipos, que existiria devido à diferença entre o grau de esforço empregado

por cada uma das pessoas (desigualdade inter-bandas).

6 R = f (t, e). R é o resultado, “t” é o vetor de circunstâncias, ou seja, o tipo e “e” é a banda a qual o indivíduo

pertence. A primeira derivada de R em relação a “e” é considerada positiva, pois quanto maior o esforço

maior seria o resultado alcançado.

41

Por último, para realizar essa decomposição da desigualdade total encontrada em desigualdade

de oportunidade e desigualdade devida aos diferentes níveis de esforços, os autores aplicam um

índice que pertencem à classe de índices de entropia generalizada, o índice GE(0), que também é

conhecido como Segundo Coeficiente de Theil ou MLD (mean logarithmic deviation). Esse

índice é útil por respeitar certas propriedades matemáticas que favorecem a decomposição de

resultado, permitindo assim realizar essa decomposição da desigualdade total em desigualdade

inter-bandas e intra-bandas.

2.3.3 Limitações dessa metodologia

Para Waltenberg (2009), nessa análise, por não observarmos a dominância ao compararmos as

desigualdades de diferentes regiões, dificilmente teríamos como saber se o resultado encontrado

seria robusto para outros índices. Essa seria a vantagem da análise de dominância em relação à

aproximação por índices específicos.

De acordo com Waltenberg (2009), outra limitação desse método é a substituição do resultado

dos indivíduos por uma média aritmética calculada para o tipo e a banda ao qual cada pessoa

pertence, o que teria como objetivo excluir uma parte “irrelevante” da desigualdade. Essa

aproximação discreta da distribuição contínua dos resultados seria arbitrária e, embora necessária

para aplicação empírica, não possui contraparte teórica.

2.4 Considerações Finais

A partir desse capítulo, podemos observar que diversos instrumentos têm sido desenvolvidos

para traduzir a teoria de Roemer (1998) em trabalhos empíricos e cada um deles apresentam

vantagens, aplicações específicas e limitações. No entanto, como a variável que será utilizada

para analisar o desempenho dos alunos nesse trabalho é continua (o que nos leva a descartar o uso

42

do IOH) e nosso objetivo é mensurar a desigualdade de oportunidade, vamos optar pela análise

por índices específicos.

Outro motivo que nos leva a essa escolha seria o fato da aproximação por índices específicos

ser muito próxima à concepção de Roemer (1998), enquanto, na análise de por dominância,

Roemer é apresentado como um caso particular.

Por último, vale destacar, que ao optarmos por tal metodologia de trabalho, também temos em

vista a sua vantagem de nos possibilitar a realização de comparações entre o resultado obtido por

nosso trabalho e os resultados encontrados em outros trabalhos que buscam medir a desigualdade

de oportunidade. Através de tal comparação buscaremos compreender a real magnitude e

relevância dos resultados que obtivemos.

43

Capítulo 3 – Uma estimativa do grau de desigualdade de oportunidades na

educação básica brasileira

Ao longo deste capítulo, explicamos o que é o Sistema de Avaliação da Educação Básica

(Saeb), pois será utilizado como base de dados. Na seção seguinte, fazemos uma análise da

estatística descritiva das variáveis de resultado dos alunos levando em consideração determinados

fatores. Após essa análise, mensuramos a desigualdade de oportunidade existente entre os alunos

do ensino básico no Brasil utilizando o método de Checchi-Peragine. E, por último, analisamos

os resultados obtidos comparando-os com outros trabalhos que utilizaram a mesma metodologia

para entendermos sua magnitude e relevância.

3.1 O que é o Saeb?

De acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é um sistema de avaliações que

procura, a partir da aplicação de testes padronizados, diagnosticar e avaliar a qualidade do ensino

oferecido pelo sistema educacional brasileiro. Nesses testes, os estudantes respondem questões de

língua portuguesa e matemática, focando na capacidade de leitura e de resolução de problemas.

Os estudantes também respondem a questionários socieconômicos, que fornecem informações

sobre o contexto no qual os mesmos estão inseridos e podem influenciar o seu desempenho

escolar. Os professores e diretores das turmas selecionadas para participarem do exame também

respondem a questionários que coletam dados demográficos, dados do perfil pessoal e de

condições do trabalho.

O Saeb é uma avaliação amostral, logo, nem todas as turmas e estudantes das séries avaliadas

participam da prova. A amostra de turmas e escolas sorteadas para participarem do Saeb é

44

representativa das redes estadual, municipal e particular no âmbito do país, das regiões e dos

estados. Portanto, não há resultado do Saeb por escola e por município.

Participam do Saeb alunos de 5°e 9° anos do ensino fundamental, e também os da 3ª série

do ensino médio regular, tanto da rede pública quanto da rede privada, em área urbana e rural

(neste último caso, apenas para a 5° ano, no nível das regiões geográficas). Os dados dessas

avaliações são comparáveis ao longo do tempo, ou seja, pode-se acompanhar a evolução dos

resultados das escolas, das redes e do sistema educacional brasileiro como um todo.

3.3 Estatísticas Descritivas

Nessa seção, analisamos as estatísticas descritivas dos microdados do Saeb 2005, esses dados

estão disponíveis para download no site7 do inep e o ano de 2005 é o mais recente disponível no

site. Escolhemos estudar as notas da prova de português dos alunos de 5˚ e possuímos,

inicialmente, um banco de dados com o total de 42146 observações. No entanto, tivemos que

eliminar 15239 observações de nossa análise por não possuírem algumas informações necessárias

para o nosso estudo (14785 não informaram o nível de educação da mãe e 454 não informaram o

seu gênero). Portanto, vamos trabalhar com uma amostra de 26907 observações.

Escolhemos português por ser uma matéria fundamental que influência na capacidade do

aluno de se desenvolver em todas as outras matérias e escolhemos os alunos de 5˚ ano por ser das

três opções possíveis ( 5˚e 9˚ ano do ensino fundamental ou 3˚ ano do ensino médio) a que

possui a menor taxa de abandono do colégio e, por isso, teria uma maior capacidade amostral em

relação ao sistema educacional brasileiro. A nossa desvantagem é o fato de muitos alunos não

informarem a escolaridades dos pais, o que nos leva a perder muitas observações dos nossos

dados.

A principal variável a ser estudada será a PROFIC, que representa a proficiência dos alunos.

7 http://www.inep.gov.br/

45

Tabela 1: Dados estatísticos de PROFIC.

Variável Obs Peso Amostral Média Desvio Padrão Min. Max.

PROFIC 26907 23690447,4 175,4141 45,05342 64,454 346,44

Fonte: Elaboração própria. Números obtidos a partir do software Stata.

Na Tabela 1, observamos uma média de 175,41 e o desvio-padrão de 45,05 para todos os

indivíduos nossa amostra de 26907 observações, que tem como peso amostral o valor de

2369044,74. Esse peso amostral significa que essas observações representam uma realidade

equivalente a uma população de 2.369.044,74 indivíduos. Outro valor que podemos observar é o

valor máximo e o mínimo que existe nessa amostra. Logo abaixo, temos um histograma da

distribuição dessa variável:

Gráfico 5: Histograma de PROFIC

Fonte: Elaboração própria utilizando software gretl.

46

Na tabela 2, analisamos PROFIC levando em conta o tipo de rede de ensino na qual o aluno

está inserido. Obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 2: Análise de PROFIC em relação à rede de ensino.

Rede de Ensino Obs Peso Amostral Média Desvio Padrão Min. Max

Pública 18342 2095639,7 170,3249 42,75914 64,45418 334,504

Particular 8565 273405,04 214,4221 43,06074 74,12031 346,4398

Fonte:Elaboração própria. Números obtidos através do software Stata.

Podemos concluir que existe uma clara diferença nos resultados dos alunos que estudam em

colégios particulares e os colégios públicos, pois a média dos alunos que estudam em colégio

particular é significativamente maior que a média da amostra de alunos que estudam na rede de

ensino pública. A diferença entre as duas médias é de 25,88% (aproximadamente um desvio-

padrão) e os valores de mínimo e máximo também apresentam diferenças relevantes.

Tabela 3: Análise de PROFICem relação ao gênero do estudante.

Gênero Obs Peso Amostral Média Desvio Padrão Min. Max

Homem 13439 1183413,04 168,5733 44,64572 64,45418 339,2364

Mulher 13468 1185631,69 182,242 44,41989 65,78854 346,4398

Fonte:Elaboração própria. Números obtidos a partir do software Stata.

Na tabela 3, ao analisarmos os resultados entre indivíduos de sexo diferente, observamos que

as mulheres apresentam uma média maior que a dos alunos homens. A diferença é de cerca de

1/3 de desvio-padrão, o que pode vir a indicar possíveis diferenças de capacidade entre os

diferentes gêneros ou, talvez, uma facilidade maior das mulheres em português em relação aos

homens.

47

Tabela 4: Análise de PROFIC em relação à região de moradia do aluno.

Região Obs Peso Amostral Média Desvio Padrão Min. Max

Norte 5300 206057,579 160,8335 39,2087 68,51649 334,504

Nordeste 9626 690487,836 157,1193 40,47282 64,45418 346,4398

Sudeste 4367 975452,547 188,1304 45,60036 72,7767 342,4779

Sul 3750 318211,088 184,9704 41,34337 65,3354 339,2364

Centro-Oeste 3864 178835,69 176,4859 42,78716 65,51792 333,856

Fonte:Elaboração própria. Números obtidos a partir do software Stata.

Os alunos da região Sudeste possuem claramente uma média maior que os da outras,

principalmente as regiões Nordeste e Norte do país. Tal discrepância poderia vir a ser um

indicador, por exemplo, de uma maior qualidade da rede de ensino da região Sudeste em

comparação com as outras. A diferença nos resultados também pode estar refletindo diferenças

socioeconômicas entre as regiões, pois regiões nas quais encontramos alunos mais pobres teriam,

muito provavelmente, resultados piores do que regiões que nas quais há menos alunos pobres.

Tabela 5: Análise de PROFIC em relação à escolaridade da mãe do aluno.

Escolaridade da Mãe Obs Peso Amostral Média Desvio Padrão Min. Max

Educação Primária ou Abaixo 10527 1199733,05 163,828 40,75921 64,45418 334,504

Fundamental Completo 4056 39.534.050 176,476 44,69319 65,3354 326,383

Ensino Médio Completo 3813 32.217.339 189,221 43,87635 64,97475 339,236

Superior Completo ou Incompleto 8511 45179779,9 195,406 47,10895 65,78854 346,44

Fonte:Elaboração própria. Números obtidos a partir do software Stata.

Ao observarmos a tabela 5, podemos averiguar o que é dito, usualmente, na literatura que

estuda a influência da educação dos pais, principalmente a da mãe, sobre o nível educacional dos

filhos, pois podemos observar claramente que o grau de instrução da mãe afeta o resultado

48

educacional dos filhos. Logo, a média das notas aumenta conforme a escolaridade da mãe do

aluno se eleva.

Ao observarmos PROFIC levando em considerações fatores fora do controle dos alunos,

como a rede de ensino, a região, o gênero e o nível de instrução da mãe; podemos observar

indícios da existência de desigualdades injustas entre eles, ou seja, a desigualdade proveniente

das circunstâncias. Esses fatores escolhidos se mostram importantes para explicar a distribuição

das notas dos alunos e podemos usá-los como uma forma de representar aquilo que está fora da

capacidade de controle dos alunos e influencia seus resultados. Portanto, podemos criar uma

“proxy” para o “tipo” ao qual o aluno pertence.

3.3 Aplicação da Metodologia e Análise de Resultados

O primeiro passo da aplicação da metodologia de índices específicos foi definir os fatores a

serem utilizados como circunstâncias para a criação dos tipos. Optamos por definir como

circunstâncias o grau de instrução da mãe, o gênero do aluno e a rede de ensino à qual ele

pertence, pois são fatores que estão fora do controle dos alunos e são tipicamente utilizados na

literatura. Tal escolha foi realizada tendo como base as limitações do nosso banco de dados, pois,

conforme se aumenta o número de variáveis utilizadas como circunstâncias, perde-se mais em

número de observações, tanto devido às informações faltantes como devido ao número de

observações que teremos por cada tipo.

O passo seguinte foi dividir nossas 26907 observações em 16 tipos8 diferentes e, em cada tipo,

separar as observações em 10 bandas, ou seja, cada observação foi colocada em um determinado

decil dentro da distribuição de resultados do seu tipo, formando assim o que nós chamamos de

“células” (Ex. de célula: homem, colégio público, mãe com fundamental completo, primeiro decil

de PROFIC dentro do seu tipo). No total, obtivemos 160 células diferentes (10 bandas X 16

8 Esse número é gerado a partir da escolha entre dois gêneros possíveis ( homem ou mulher), duas redes de

ensino possíveis ( pública ou privada) e quatro graus de escolaridade da mães (Ver tabela 5 deste trabalho)..

Portanto 2 X 2 X 4 = 16 tipos (Ex. de tipo: homem, colégio público, mãe com fundamental completo).

49

tipos), na qual cada uma tem um número específico de observações, que equivale,

aproximadamente, a 10% de todas as observações contidas em seu tipo. O passo seguinte foi

calcular a média aritmética das notas dentro de cada célula e substituir o valor do resultado

original de cada individuo pertencente a essa célula por essa média que acabamos de calcular.

Portanto, para cada um dos 16 tipos que havíamos criados, geramos essas distribuições artificiais

de resultados.

3.4.1 Resultados Principais

Na tabela 6 podemos observar os resultados principais obtidos após a criação das distribuições

artificiais e a aplicação do índice GE(0). As colunas que possuem maior importância para nossa

análise são a A e a A/C , que nos mostram a mensuração da desigualdade de oportunidade

existente entre esses alunos da educação básica no Brasil.

Tabela 6: Resultados Principais

Desigualdade Porcentagem

...de Oportunidade (Intra-Bandas)

... de esforço (Inter-Bandas) Total Oportunidade/Total

(A) (B) (C) (A/C)

Brazil 0.00571 0.02768 0.03339 16,84% Fonte: Calculado através do Software Stata.

A desigualdade de Oportunidade encontrada entre esses alunos foi de 16,84% em uma escala

que varia entre 0% e 100%; na qual 0% seria uma situação em que toda a desigualdade existente

entre os alunos seria gerada pelos diferentes graus de esforço de cada individuo e, portanto,

haveria apenas a desigualdade justa. No caso de 100% de desigualdade de oportunidade, toda a

desigualdade existente seria proveniente de fatores que estão fora do controle dos indivíduos,

logo, toda desigualdade existente seria injusta. Nosso resultado indica que 16,84% de toda a

desigualdade existente nos resultados educacionais dos alunos de 5˚ ano na avaliação de

português no ano de 2005 é proveniente de desigualdades de oportunidades, portanto, é uma

50

desigualdade injusta entre eles. Devemos lembrar também que essa amostra representa uma

população significativa de 2.369.044,74 indivíduos devido ao seu peso amostral.

Também é preciso observar aqui que a definição de tipo utilizada para medir a desigualdade é

simples, pois só leva em conta três circunstâncias (gênero, rede de ensino e educação da mãe), o

que nos leva a uma provável subestimação da desigualdade de oportunidade total. No entanto,

como já explicado anteriormente, o aumento da utilização de circunstâncias possíveis é limitado

pela perda de observações, principalmente quando separamos os tipos em 10 e bandas, pois

muitas das bandas criadas possuem um número reduzido de observações por se encontrarem

dentro de tipos que já não tinham muitos indivíduos associados a ele.

3.4.2 Magnitude e Relevância dos Resultados

Para nos ajudas a entender melhor a magnitude e a relevância de nossos resultados vamos

observar o resultado encontrado por outros autores ao mensurar a desigualdade de oportunidade

para outros tipos formados através das mesmas circunstâncias, mas em diferentes países e

utilizando outro banco de dados.

Tabela 7: Desigualdade de Oportunidade calculada pelo GE(0) para países da

América latina utilizando os resultados da prova de leitura do PISA 2006.

(Valores em % total da desigualdade)

ARG BRA CHI COL MEX URU

READING I 5,55 7,73 14,30 6,04 12,12 10,69

II 7,76 3,79 1,20 2,03 3,59 5,38

III 17,01 14,59 6,80 3,01 5,04 10,99

A 15,65 12,46 15,92 8,15 15,84 17,08

B 21,42 18,90 18,28 12,09 14,54 16,96

C 23,40 18,10 8,24 5,21 8,39 15,99

I: Parents schooling II: Gender III: Type of school

A=Parents Schooling + Gender; B=Parents schooling + Type of School; C=Gender + Type of

51

School

Fonte: Gamboa e Waltenberg (2011).

Na tabela 7, podemos observar as desigualdades de oportunidade medida para os países da

América latina usando como banco de dados o PISA9 de 2006 para vários tipos, dos quais os

mais próximos do nosso trabalho são os Tipos A, B e C. Ao observamos, por exemplo, os

resultados obtidos utilizando como Tipo “B” (Educação dos Pais + Tipo de escola), que tem

como circunstâncias o nível educacional dos pais e tipo de escola do aluno (Pública ou Privada),

os resultados parecem condizentes em magnitude com os encontrados nesse trabalho. O Brasil,

por exemplo, em 2006 tem o nível total de desigualdade de oportunidade de 18,90 % e o Chile

apresenta 18,28% de desigualdade de oportunidade para esse tipo. Esses valores são próximos ao

16,84% que encontramos com nossos cálculos utilizando como tipo as três circunstâncias ao

mesmo tempo I, II e III da tabela 7.

O mesmo pode ser dito ao analisarmos o através do Tipo “C” (Gênero + Tipo de Escola), que

tem como circunstâncias o gênero do aluno e o tipo de escola. O Brasil apresenta valores de

18,10% em 2006 e o Uruguai, por exemplo, mostra uma desigualdade de 15,99%. Podemos

afirmar também que os países da América latina mostram desigualdades de oportunidade

similares para esses tipos. Por último, vale destacar que os valores encontrados de desigualdade

para esses países são de alunos pertencentes à faixa etária de 15 anos, pois o PISA é aplicado a

alunos com essa idade, o que pode ajudar a explicar a pequena diferença entre os resultados

encontrados por nós e os da tabela 7.

9 OCDE Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Para mais informações acessar o site

http://www.pisa.oecd.org/pages/0,2987,en_32252351_32235731_1_1_1_1_1,00.html .

52

Tabela 8: Desigualdade de Oportunidade calculada pelo GE(0) para países da

OCDE10

utilizando os resultados da prova de leitura do PISA 2006. (Valores

em % total da desigualdade)

CAN GER JAP KOR SPA USA

READING I 4,78 13,71 7,89 3,79 8,8 10,69

II 4,1 5,74 3,02 4,98 5,59 5,38

III 2,2 0,82 0,38 0,06 6,25 10,99

A 8,82 18,9 11,42 9,21 14,79 17,08

B 6,27 14,56 8,84 3,9 12,83 16,96

C 6,12 6,57 3,62 5,06 11,46 15,99

I: Parents schooling II: Gender III: Type of school

A=Parents Schooling + Gender; B=Parents schooling + Type of School; C=Gender + Type of School

Fonte: Informação providenciada pelo professor orientador.

Ao observarmos os resultados dos tipos A, B e C para os alguns dos países pertencentes à

OECD na Tabela 8, observamos uma considerável discrepância em relação ao valor da

desigualdade de oportunidade que encontramos nesse trabalho. Países como a Coréia do Sul,

Canadá e Japão, por exemplo, apresentam níveis de desigualdade de oportunidade baixos se

comparados com o valor encontrado em nosso trabalho (Tabela 6) e os observado na Tabela 7. As

desigualdades calculadas para esses países se encontram abaixo dos 10%. Também devemos

levar em consideração que nessa tabela a desigualdade é calculada para tipos de no máximo duas

circunstâncias, enquanto em nosso cálculo levamos em consideração três circunstâncias

(educação da mãe, rede de ensino e gênero), o que tenderia a aumentar a desigualdade de

oportunidade total.

Ao comparamos nosso resultado com o de países que são considerados mais ricos e

desenvolvidos como a Alemanha e os Estados Unidos, podemos observar que o valor da

desigualdade de oportunidade é muito próximo. Para o tipo B, por exemplo, esse países

10 OCDE: Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.

53

apresentam respectivamente 14,56% e 16,96% , o que fica muito próximo do nosso 16,84%,

mostrando que a desigualdade injusta na educação desses países ainda é muito alta.

No entanto, mesmo com essa diminuição das circunstâncias, os valores que encontramos

ainda se mostra muito superior às desigualdades calculadas países como Coréia do Sul e Japão, o

que nos mostra que o Brasil aparenta ter, em relação a esses países de menor desigualdade social,

um grau relevante de desigualdade de oportunidade educacional. O que nos mostra a existência

de uma quantidade relevante de desigualdade injusta contida na desigualdade total encontrada

nesse nível da educação.

54

CONCLUSÃO

Após ser realizado um debate teórico, metodológico e aplicado da teoria de desigualdade de

oportunidade apresentada por Roemer (1998), podemos concluir que tal abordagem se apresenta

como uma relevante ferramenta para estudar as desigualdades existentes na capacidade dos

indivíduos de alcançar determinados resultados na sociedade. Apesar de suas limitações teóricas

e metodológicas, essa abordagem nos permitiria incluir no debate da desigualdade questões como

a responsabilidade de cada pessoa sobre os seus resultados, pois somos capazes de separar a

desigualdade em justa e injusta; o que nos possibilita observar a questão da desigualdade de

forma mais ampla e complexa.

Aplicado ao estudo da educação, tivemos como escopo observar a questão da desigualdade de

oportunidade na ótica do ensino básico no Brasil, e conseguimos concluir que tal desigualdade

compõe 16,84% de toda a desigualdade existente entre os resultados dos alunos nesse nível de

ensino. Também devemos lembrar que nosso resultado subestima o nível total de desigualdade de

oportunidade por pelo menos três razões: os alunos fora da escola não são avaliados nesse

cálculo, os tipos são construídos de forma simples e certamente não capturam todas as

circunstâncias e, como já explicado, forma excluídos muitas observações de alunos que não

quiseram informar ou não foram capazes de informar o grau de escolaridade da sua mãe e o seu

gênero, o que possivelmente poder ter reduzido a desigualdade de oportunidade.

Ao comparar nosso resultado com o de outros países, conseguimos analisar a magnitude de

nossos resultados e a sua relevância, mostrando-nos que o valor que encontramos através de

nossos cálculos permanece em linha com o valor encontrado por outros autores em seus trabalhos

empíricos para o Brasil. Também fomos capazes de observar que em países que a desigualdade

social é menor e que a qualidade da educação é reconhecidamente maior que a Brasileira como,

por exemplo, o Japão ou a Coréia, a desigualdade de oportunidade tende a ser para certos tipos

metade da encontrada no Brasil.

55

Os resultados que apresentamos nesse trabalho nos indicam que o Brasil ainda tem muito a

caminhar para diminuir a desigualdade de oportunidade na educação e permitir que todos os

possuam o mesmo nível de oportunidade de acesso a uma boa educação e a bons resultados.

Acreditamos que essa questão é de fundamental relevância para os elaboradores das políticas

públicas, pois a educação é considerada uma variável essencial na formação dos indivíduos.

Logo, acreditamos que parte da injustiça existente na sociedade e na economia pode existir como

reflexo da desigualdade injusta que observamos na base educacional de nossos cidadãos.

56

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