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Janeiro de 2005 • Ano 2 • nº 6 www.desafios.org.br do desenvolvimento TELECOMUNICAÇÕES O avanço da tecnologia atropela a regulamentação ENTREVISTA António Guterres: democracia e crescimento INTERNET PARA TODOS Piraí, no Rio de Janeiro, é uma das cidades digitais do planeta R$ 8,90 ApontoZ.com ÁGUA janeiro de 2005 • Ano 2 • nº 6 desafios O projeto que pretende dar melhor aproveitamento ao rio São Francisco desafios no sertão Capadesafios06 23.12.04 12:36 Page 1

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J a n e i r o d e 2 0 0 5 • A n o 2 • n º 6 w w w . d e s a f i o s . o r g . b r

do desenvolvimento

TELECOMUNICAÇÕESO avanço da tecnologia

atropela a regulamentação

ENTREVISTAAntónio Guterres:

democracia e crescimento

INTERNET PARA TODOSPiraí, no Rio de Janeiro,

é uma das cidades digitais do planeta

R$ 8,90

Apon

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com

ÁGUA

janeiro de 20

05

• Ano 2

• nº 6

desafios

O projeto que pretende dar melhor aproveitamento ao rio São Francisco

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Desaf ios • janeiro de 2005 3

Kamal MalhotraA globalização e os Objetivos do Milênio

Armando Castelar PinheiroReforma do Judiciário: uma nova fase

Gesner OliveiraReforma das agências reguladoras

Luis Claudio KubotaDesafios para a política de software

José Aroudo MotaOs limites da transposição do rio São Francisco

Raul WassermannLivros, leitura, desenvolvimento

desafiosdo desenvolvimento

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16

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32

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54

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Entrevista António GuterresEm favor da democracia

Justiça Uma questão de direitoComeçou a reforma do Judiciário brasileiro

Regulamentação Admirável mundo novoA evolução tecnológica demanda novas regras para o setor de telecomunicações

Software Exportar já é mais que promessaEmpresas brasileiras pegam a onda do offshoring

Ação Social Retrato em branco e pretoPesquisa produz o mais completo mapa das organizações sem fins lucrativos no país

Desenvolvimento Regional O sertão vai virar mar?Entenda o debate em torno da transposição do rio São Francisco

Educação Lição de casaO Brasil começa a tomar providências para ampliar o acesso ao livro

Melhores Práticas Tecnologia na veiaEm Piraí, no Rio de Janeiro, todos têm acesso à internet

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Sumário

Artigos

Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

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Seções

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4 Desafios • janeiro de 2005

www.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

DIRETOR Ottoni Fernandes Jr.

RedaçãoEDITORAS Andréa Wolffenbüttel, Maysa Provedello

EDITORES ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos, Pedro Ivo Alcântara

COLABORADORES Eliana Simonetti, Felipe Lindoso, Mônica Teixeira (redação), Anderson Schneider, Paulo Jabur, Ricardo Labastier,Samuel Iavelberg, Sommer Andrey (fotografia), Ivana Gomes (revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Sugino • ASSISTENTE DE ARTE Rafaela Ranzani

CAPA ApontoZ.com TRATAMENTO DE IMAGEM E FINALIZAÇÃO Inovater

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • e-mail: [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • e-mail: [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • e-mail: [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • e-mail: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01 - Edifício BNDES, sala 801, CEP 70076-900 – Brasília, DFTel.: (61) 315-5188 Fax (61) 315-5031

Circulação e PublicidadeRua Urussuí, 93, 13° andar, CEP 04542-050 – São Paulo, SPTel./Fax.: (11) 3073-0722

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Assinaturas TeletargetTel.: (11) 3038-1479, Fax (11) 3038-1415 • [email protected]

Atendimento ao Jornaleiro LM&X - Tel.: (11) 3865-4949

Impressão Globo-Cochrane Gráfica e Editora

Distribuição Dinap SA Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

Tiragem: 30.000 exemplares

DIRETOR RESPONSÁVEL • Ottoni Fernandes Jr.

desafiosdo desenvolvimento

A reportagem de capa desta edição de Desafios trata de uma polêmica que tem esquentado, por todo o país,nos últimos tempos: a necessidade de dar melhor aproveitamento às águas do rio São Francisco para atender a demanda de 12 milhões de brasileiros que vivem no semi-árido. O debate vem se dando em torno do projeto do governo de integrar a baciado Velho Chico às demais bacias da região. Com a construção de

dutos e canais por estados e municípios, a obra permitirá quepequenos proprietários rurais desenvolvam agricultura irrigada e melhorem suas condições de vida e saúde. Se começar, como estáprevisto, em 2005, a empreitada estará pronta em 15 ou 20 anos.Muitos temem que ela ponha em risco o rio que é considerado um símbolo da união nacional. Mas os técnicos envolvidos na proposta federal cuidaram de fazer estudos detalhados e complementaram as obras de engenharia com outras, de cunhoambiental e social, para minimizar os riscos. Para entender as questões que envolvem a transposição do rio São Francisco,leia a reportagem que começa na página 44.

Uma experiência bastante interessante está relatada em outramatéria, intitulada “Tecnologia na veia”, na página 60. Refere-se à cidade de Piraí, no Rio de Janeiro, que figura ao lado de Auckland,na Nova Zelândia, e Seul, na Coréia do Sul, como uma das cidadesdigitais do planeta. Foi citada em reportagem da revista americanaNewsweek depois que a prefeitura plantou quiosques com computadores plugados à internet em diversos pontos da cidade,dando acesso ao mundo digital a toda a população.A experiência foi tão bem sucedida que já está sendo replicada.

O cardápio oferecido ao leitor de Desafios tem muito mais.Em entrevista exclusiva, o ex-primeiro-ministro de Portugal,presidente da Internacional Socialista,António Guterres, fala sobredemocracia e desenvolvimento econômico.A matéria “Admirávelmundo novo”mostra como o avanço tecnológico está atropelando a regulamentação na área das telecomunicações. E a reportagem que começa na página 16 faz um balanço das necessidades e dosavanços já obtidos para a modernização do Judiciário.

A equipe de Desafios inicia 2005 com votos de que o ano sejapleno de realizações para seus leitores e para o país como um todo.

Ottoni Fernandes Jr., diretor de redação

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: [email protected] de redaçãoSBS Quadra 01-Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet:www.desafios.org.br

Carta ao leitor

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6 Desafios • janeiro de 2005

GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

O Atlas Racial Brasileiro,maiscompleto mapeamento sobre asituação da população negra noBrasil, aponta que a desigual-dade racial, apesar dos avanços,continua firme e forte. O traba-lho, realizado pelo Programadas Nações Unidas para o De-senvolvimento (Pnud) e peloCentro de Desenvolvimento ePlanejamento Regional da Uni-versidade Federal de Minas Ge-rais,confirma que os negros têmmenos chances de desenvolvi-mento pessoal se comparadoscom a população branca. O da-do mais alarmante: 60% dospobres e 70% dos indigentes dopaís são negros, e eles são so-mente 6,2% da população. Issoacaba influindo nos demais in-dicadores de condição de vida.O acesso aos serviços públicosde saúde é mais difícil para osnegros. Enquanto os brancos fa-zem, em média, 2,29 consultasmédicas ao ano, os negros sóconseguem 1,83. No caso detratamentos odontológicos, adiferença é ainda maior: 24%dos negros nunca foram ao den-tista.Entre os brancos,o percen-tual cai para quase a metade, ouseja, 14%. O resultado é que aexpectativa de vida para os ne-gros nascidos em 2000 é, emmédia, 5,3 anos inferior à de umbranco nascido na mesma data.

Agricultura

Embrapa sonha alto

“A demanda mundial de trigo deve crescer 50%nos próximos 30 anos e o Brasil tem condições departicipar efetivamente nesse mercado”, diz Erivel-ton Scherer-Roman, chefe-geral da unidade PassoFundo (RS) da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa). Para colher o suficientepara atender ao consumo interno e ainda exportar, oBrasil precisa ocupar áreas até pouco tempo consi-deradas inadequadas ao cultivo de trigo, como o cer-

rado do Centro-Oeste. Roman acredita que essas re-giões têm tanto potencial como as terras do Sul, tra-dicionais produtoras de trigo, desde que sejam usa-das em rotação com outras culturas, como a soja e omilho. Ele ressalta que as novas fronteiras a ser ex-ploradas apresentam duas vantagens significativas:não registram chuvas fora de época e a colheita se dájustamente na entressafra, quando o produto atingemelhor cotação no mercado internacional.

Meio Ambiente

Lixo rentável

Polícia

Quem manda são eles

NovaGerar, aterro sanitário em construção na ci-dade de Nova Iguaçu (RJ), é o primeiro projeto domundo a ser aprovado nos termos do Mecanismode Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolode Quioto. A diferença entre o NovaGerar e os ater-ros tradicionais é que o metano, gás com alto teorpoluente, liberado na decomposição do lixo, nãoserá lançado na atmosfera: será usado numa usinatermelétrica. A certificação permite que o metanonão despejado no ar seja transformado em créditosque podem ser comprados por países que nãocumprirem as cotas estabelecidas pelo Protocolo.Além de diminuir os custos do aterro, o processoreduz a poluição atmosférica e gera energia a partirde uma fonte renovável.

No início do mês passado, um grupo de 33 mu-lheres fardadas reuniu-se em Brasília para discutiro resultado de uma pesquisa que traçou o perfil dapresença feminina nas polícia militar brasileira. Oestudo, feito pelo Centro de Estudos de Segurançae Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, doRio de Janeiro, constatou que as mulheres são mi-noria nas PMs: não passam de sete por cento. Mos-trou que, proporcionalmente, há mais oficiais entreas mulheres do que entre os homens. Enquanto ocontingente masculino conta com 7% de oficiais, ofeminino registra 10%. Mesmo assim, elas estãolonge do comando. Entre os 411 coronéis da cor-poração, somente três são mulheres, uma partici-pação insignificante de 0,7%.

Justiça Social

Retrato dadiferença

Foto

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ação

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Dois estudos do Pnud mos-tram que a eletricidade é fortealiada no combate à pobreza. Es-timula a criação de empresas,melhora as condições de estudo ediminui a poluição, expulsandoos fogareiros. No Brasil, o projeto

“Luz para Todos” pretende levarenergia a 12 milhões de pessoasaté 2008. O Ministério das Minase Energia está capacitando os“recém-iluminados” para queobtenham um aumento de rendaque cubra a conta de luz.

Estados Unidos

Desafios dodesenvolvimento

Inclusão Social

Energia x Pobreza

Educação

Escola de índio

Mercado de ações

Latibex taxeia, mas não decolaAo comemorar cinco anos, a

Latibex, bolsa criada para nego-ciar, em euros, ações de empresaslatino-americanas, está longe deatingir as metas. Abalada pelacrise argentina, pelos atentadosterroristas de 2001 e pela onda deinsegurança que varreu o Brasil

antes das eleições presidenciais,amargou profunda desconfiançados investidores e viu, em 2002,seu índice cair abaixo da metadeda cotação inicial. A partir desseponto os negócios melhoraram esete novas empresas brasileirasincorporaram-se à Latibex, que

fecha 2004 operando ações de 34companhias. Mesmo assim, omontante negociado no ano fi-cou em 500 bilhões de euros, oque corresponde a menos de umquinto do movimento diário dabolsa de Madri, onde a Latibexfunciona.

Professores indígenas estãosendo treinados para alfabetizaralunos em português e em suaslínguas maternas. O programafoi desenvolvido pelo Ministérioda Educação, aproveitando que ametodologia de ensino não va-ria de idioma para idioma. Sóna Bahia, mais de cem professo-ras participam do curso. Traba-lharão nas 49 escolas para índios

do estado, com o objetivo duplode inserir os estudantes no“mundo civilizado” e preservar acultura nativa.

Os pescadores das regiões Sule Sudeste estão bastante organi-zados e trabalham de formamais produtiva, mas a recém-criada Secretaria de Aqüiculturae Pesca está preocupada eminvestir seus esforços junto aospescadores das regiões Norte eNordeste. Um estudo encomen-dado pela Secretaria indica queos recursos pesqueiros no litoraldo Sul e do Sudeste estão emcolapso. O “Diagnóstico da Pes-ca Artesanal no Brasil” foi ela-borado para orientar a criaçãodas políticas públicas para osetor da pesca e deverá ser lan-çado em fevereiro de 2005.

Pesca

Mudando deáguas

O ano passado deixou umsaldo sangrento entre os profis-sionais da imprensa: 54 jorna-listas foram assassinados emcircunstâncias decorrentes dotrabalho. Os dados são do Co-mitê de Proteção aos Jornalis-tas, organização internacionalque desde 1992 acompanha edenuncia atos de violência con-tra jornalistas e contra a liber-dade de imprensa. O númerode vítimas em 2004 é o maiorem dez anos, tendo sido supe-rado apenas em 1994, quando66 jornalistas foram mortos.As regiões mais perigosas, noano passado, foram o Iraque,onde ocorreram 23 homicí-dios, e as Filipinas, onde 8 jor-nalistas foram assassinados. Olevantamento do Comitê mos-tra que na última década 12profissionais perderam a vidano Brasil.

Violência

Profissão perigo

Dois pesos pesados da eco-nomia mundial falaram na Uni-versidade da Pensilvânia pro-pondo saídas para o que classi-ficaram como “estado lastimávelda economia norte-americana”.Pete Peterson, alinhado aos re-publicanos atualmente no po-der, reclama do corte de impos-tos e da gastança do governoBush e recomenda maior aus-teridade fiscal e reforma da Pre-vidência Social, desvinculandoo reajuste das pensões dos au-mentos salariais dos ativos –discussão semelhante à travadano Brasil. O prêmio Nobel deeconomia Joseph Stiglitz sim-patizante dos democratas, pro-põe a concessão de mais benefí-cios às famílias operárias e declasse média e o aumento dosvalores pagos aos desemprega-dos. Em um ponto ambos con-cordam: as políticas tributáriasde Clinton e Bush concentra-ram ainda mais a riqueza.“Cos-tumávamos pensar nos anos 20como um período conturbado– a era do Grande Gatsby –, emque os 5% mais ricos eram do-nos de cerca de 30% da rendadisponível. Hoje, 1% das famí-lias mais abonadas são donas de38% das riquezas”, diz Stiglitz.

Desaf ios • janeiro de 2005 7

Pnud

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8 Desafios • janeiro de 2005

Desafios – Pesquisas de opinião realizadas na

América Latina revelaram certo desconsolo com a de-

mocracia, especialmente devido ao fato de que em mui-

tas economias os resultados das reformas neoliberais

dos anos 90 não resultaram em benefícios para a

maioria da população, mas sim em desemprego e que-

da da renda. A maioria da população diz preferir regi-

mes autoritários caso resultem em benefícios econô-

micos. Em sua avaliação, qual a causa desse desencan-

to? É uma realidade específ ica da América Latina?

Guterres – Esse é um problema sérioe revela o desprestígio da política, dospolíticos e dos partidos. Reflete a de-gradação profunda do prestígio dasinstituições. Indica que para muitaspessoas a vida política se assemelhamais a um reality show do que a umdebate permanente sobre as soluçõesdos problemas nacionais. Essa é umarealidade global, mas é mais grave naAmérica Latina. Aqui a democraciaevoluiu de maneira admirável, mas opovo não a valoriza na prática. Emgrande medida, os países da América

ENTREVISTA

esquisa encomendada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) erealizada com 19 mil pessoas na América Latina aponta que 54,7% aceitariam um regime au-toritário se ele resolvesse problemas econômicos. Para o presidente da Internacional Socia-

lista, que agrupa mais de cem organizações em escala mundial, o ex-primeiro-ministro de PortugalAntónio Guterres, esse é um problema global a ser enfrentado com urgência. Segundo ele, a exclusãoé responsável pelo surgimento de governos populistas. Guterres esteve na conferência “Democracia,Participação Cidadã e Federalismo”, organizada pelo Pnud e pela Secretaria Geral da Presidência daRepública, em Brasília. Participou da entrevista o diretor de Desafios e do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), Luiz Henrique Proença Soares.

p o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e B r a s í l i a

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Em favor da democraciaAntónio Guterres

O ex-primeiro-ministro português diz que o desenvolvimento, a inclusão

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Desaf ios • janeiro de 2005 9

O engenheiro que foi primeiro-ministrode Portugal de 1995 a 2002 e hoje presidea Internacional Socialista, liderando os tra-balhos de proposição de reformas da Orga-nização das Nações Unidas, é um homem fir-me, ativo, que fala com fluência o inglês, ofrancês, o espanhol e o alemão.Aos 55 anosde idade tem um currículo impressionante.Participou do movimento da Revolução dosCravos, que reinstaurou a democracia emPortugal, esteve no centro da política portu-guesa por mais de duas décadas, liderou aUnião Européia e hoje, embora negue suasintenções de concorrer, é tido como um fortecandidato do Partido Socialista às próximaseleições presidenciais em seu país.

Nascido numa família católica, AntónioGuterres começou sua carreira política co-mo militante da Juventude Universitária Ca-tólica quando estava na escola. A experiên-cia levou-o a entrar em contato com a popu-lação mais pobre de Portugal e, em 1974,inconformado com a injustiça e as dispari-dades sociais, e atraído pela ideologia mar-xista, ele aderiu ao Partido Socialista.Aos 25anos abandonou a carreira de professor uni-versitário recém-iniciada para dedicar-se ex-clusivamente à política.

Coordenou o grupo de trabalho queelaborou o documento "10 anos para mudarPortugal - Programa do Partido Socialistapara os anos 80", foi membro da ComissãoNegociadora da adesão de Portugal à Co-munidade Européia e diretor de Desenvolvi-mento Estratégico do Investimento e Partici-pação de Estado. Em 1988 tornou-se presi-dente do Grupo Parlamentar do PS e um anomais tarde entrou para o Conselho de Esta-do. Em 1992 passou a ser líder do partido.Seu governo como primeiro-ministro foi mar-cado pelo diálogo entre forças políticas epor paixões como a educação. Nesse perío-do houve grande investimento de empresasportuguesas no Brasil. Mas a crise econô-mica do início do século resultou na derro-ta do PS nas eleições municipais de 2002,o que o levou a renunciar.Viúvo, casado pelasegunda vez, Guterres é pai de dois filhos.

Uma vidade militância

Latina vivem uma situação de depen-dência no contexto da economia glo-bal, o que deixa seus governos comuma margem de manobra muito re-duzida. Eles acabam tendo enormedificuldade em corresponder às ex-pectativas criadas no eleitorado. Háuma disfunção entre aquilo que o de-bate político promete e o que é reali-zado. Outro problema, criado pelo de-sencanto com as reformas neoliberais,é o surgimento de regimes populistasna América Latina. Também se perce-be que os jovens estão se distanciandoda vida política.

Desafios – Além do ressurgimento do populismo, o

retorno de governos autoritários é uma possibilidade ou

a democracia já está consolidada na América Latina?

Guterres – Não ocorrerão golpes deestado militares na América Latina. Éminha convicção. Penso que vamos tera degradação da qualidade da demo-cracia com o triunfo de lógicas popu-listas. Em alguns países, de alguma for-ma, isso já vem acontecendo. E estáassociado a um problema estrutural emcertos países latino-americanos, poisgrande parte da população está, naprática, distante da vida democráticae institucional. É o caso de países compopulações indígenas muito signifi-cativas, distantes do sistema políticodemocrático.

Desafios – A inclusão social de populações que es-

tão totalmente marginalizadas é pré-condição para que

aumentem sua participação política?

Guterres – As duas coisas têm de sersimultâneas. Isto é, a participação po-lítica é condição para a emancipaçãosocial, para o combate à pobreza e ainclusão social. Não é possível pri-meiro fazer cirurgicamente um pro-grama econômico social de inclusãopara ter as pessoas preparadas paraparticipar da vida política. Acho queas duas coisas têm de acontecer aomesmo tempo, o que diminuirá o ris-co do populismo.

Desafios – Essa participação passa pelos parti-

dos políticos ou a atuação em ações de cidadania é

suf iciente?

Guterres – O aumento do poder dapopulação é um fenômeno global. Épolítico, econômico e social. Eu gos-taria que os partidos políticos fossemo melhor caminho, mas hoje eles en-frentam uma grande dificuldade deimplantação. Os partidos políticosdevem abrir-se e compreender a ne-cessidade de um diálogo mais amplocom a sociedade civil e com outras for-mas de organização. Enquanto isso nãoocorrer, devemos procurar uma lógicade democracia participativa que com-plemente a democracia representativae que não se oponha a ela.As duas for-mas têm de se articular, pois um con-fronto entre elas seria fatal.

Desafios – Os partidos f iliados à Internacional So-

cialista têm clareza, no geral, da necessidade de bus-

car essa convergência?

Guterres – A evolução dos últimoscinco anos tem se dado nesse sentido.Por exemplo, no início o movimentosocial democrático internacional ob-servava à distância o movimento con-tra a globalização econômica e hojeparticipa dele com grande entusiasmo.Também contribui para essa articula-ção o fato de que cada vez mais gentepercebe que uma lógica meramente ne-gativa não conduz a nada e que é pre-ciso encontrar os caminhos para con-trolar a globalização.

Desafios – Existe algum paralelismo entre o resul-

tado da pesquisa na América Latina, que mostrou cer-

to desencanto com a democracia, e o que vem aconte-

cendo nos Estados Unidos, onde a preocupação com a

segurança ameaça alguns valores democráticos?

Guterres – Os dois fenômenos são re-lativamente distintos. Aquilo a que as-sistimos nos Estados Unidos nos últi-mos tempos é preocupante. É a emer-gência de um fundamentalismo reli-gioso no centro do poder político. Oque, de alguma forma, põe em causa

soc i a l e a democrac i a de vem anda r de mãos dadas

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10 Desafios • janeiro de 2005

aquilo estava aparentemente consoli-dado nos estados ocidentais, ou seja, otriunfo definitivo dos valores demo-cráticos. Na minha perspectiva, ogrande risco da sociedade moderna éo da irracionalidade, pois leva ao na-cionalismo exacerbado, ao funda-mentalismo religioso, às reações xe-nófobas e neonazistas e ao populismopolítico. Ver a irracionalidade pene-trar no centro do centro do sistema po-lítico da maior potência mundial émuito preocupante. Espero, no entan-to, que isso seja transitório.

Desafios – No caso específ ico de Portugal, depois

da Revolução dos Cravos houve um aumento da parti-

cipação política, especialmente entre os jovens. Essa

realidade mudou?

Guterres – A situação em Portugal é amesma de todos os outros países eu-ropeus e me parece ser uma realidadeglobal. Há um divórcio crescente en-tre a juventude e os partidos políticose mesmo em relação à vida democrá-tica. Essa é uma questão muito preo-

cupante para a qual, sejamos hones-tos, ainda não se encontrou uma res-posta eficaz. Há que se pensar em for-mas que possam propiciar uma me-lhor integração da juventude à vidapolítica de modo consistente.

Desafios – Os jovens de hoje deixaram de ser

idealistas?

Guterres – Seguramente.Vivemos ho-je num contexto tecnológico que tema ver com a sociedade da comunica-

ção. Os mecanismos da vida políticaestão de alguma forma desatualizadosem relação à maneira como as pessoashoje se relacionam e se comunicam, es-pecialmente os jovens. Nessa época derevolução tecnológica, a democraciarepresentativa tem de encontrar meca-nismos para tornar-se atraente.

Desafios – Em que medida o ingresso de países do

Leste Europeu como membros da União Européia pode

provocar impactos negativos em Portugal?

Guterres – Portugal era um país queoferecia mão-de-obra barata quandoentrou para a União Européia, o queserviu para atrair investimentos e pro-piciou taxas de crescimento elevadas esustentáveis. Hoje Portugal tem plenacompetitividade estrutural, mas serápreciso adquirir novas vantagenscompetitivas para conviver com o in-gresso desses novos membros daUnião Européia que oferecem mão-de-obra muito barata. Portugal estáfazendo um enorme esforço de adap-tação à economia do conhecimento

“Os partidos políticos

devem abrir-se e

compreender a necessidade

de um diálogo mais

amplo com a sociedade

civil e com outras formas

de organização”

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para poder enfrentar com êxito onovo desafio da competitividade.

Desafios – A renda média per capita de Portugal é

30% inferior à dos países mais desenvolvidos da União

Européia. Como será possível superar essa diferença?

Guterres – Nos últimos 30 anos Portu-gal foi um dos países da Europa quemais cresceu e no longo prazo supera-rá esse déficit. Mas primeiro terá de so-lucionar o problema de competitivi-dade e se colocar num outro patamarna divisão do trabalho. Caso contrário,corre o risco de enfrentar uma realida-de negativa. A baixa qualificação dapopulação cria um déficit de produti-vidade em relação à União Européia,pois apenas 23% da população portu-guesa tem educação secundária ou su-perior completa, enquanto nos demaispaíses,mesmo os do Leste Europeu,es-se indicador está acima de 50%.

Desafios – Como enfrentar o problema demográ-

f ico em Portugal, onde a população tende a decrescer

rapidamente?

Guterres – Aconteceu em Portugal umfenômeno idêntico ao verificado emoutros países da Europa. Nos últimosdez anos a taxa de fertilidade da mu-lher caiu de dois filhos para 1,3 filho.Por isso é necessária uma política ati-va de imigração. Quando vejo muitosbrasileiros em Portugal fico felicíssi-mo, pois o país não tem condições de-mográficas para sustentar sua econo-mia sem imigração.

Desafios – Apesar dos problemas demográficos,

cresce a resistência aos imigrantes, especialmente dos

países da África. Como a Internacional Socialista está

se posicionando para combater a xenofobia na Europa?

Guterres – Temos uma intervençãopolítica permanente e muito ativa.Criamos recentemente um comitê so-bre imigração e sua próxima reuniãovai, simbolicamente, ser realizada emTanger, no Marrocos. A sociedade eu-ropéia tem de ser multicultural, mul-tiétnica e multirreligiosa. Isso tem deser alcançado de forma harmoniosa.Não basta garantir aos imigrantes os

mesmos direitos dos cidadãos euro-peus. É necessário respeito e tolerânciaem relação às identidades.

Desafios – Quais são as novas ameaças em escala

mundial ao convívio democrático?

Guterres – As ameaças atuais, como oterrorismo, as mudanças climáticas, adegradação da natureza, são de natu-reza global. Logo as respostas não de-vem ser nacionais, mas globais. Ocor-re que a nossa democracia é nacional,o nosso espaço público é nacional, anossa opinião pública é nacional. Nãoexiste nenhum sistema democráticoglobal nem existe uma sociedade civilorganizada em escala global. A pri-meira vez em que a opinião públicaglobal se manifestou foi quando osEstados Unidos decidiram, unilate-ralmente, invadir o Iraque. Houve umaenorme mobilização da opinião pú-blica, mas terminado o impacto públi-co do problema o movimento se des-balanceou.

Desafios – Pode-se dizer que esse foi um indício

da necessidade de reavaliar o papel dos organismos

multilaterais, especialmente da Organização das Na-

ções Unidas?

Guterres – É muito importante esta-belecer mecanismos transparentes eque possam ser contabilizados, nãoapenas em relação aos governos, mastambém aos parlamentos e à socieda-de civil. As organizações multilateraistêm de ter muito mais interação com asociedade e têm de ter muito mais ca-pacidade de responder à expectativa.

“O grande risco da

sociedade moderna é o da

irracionalidade, pois leva

ao nacionalismo exacerbado,

ao fundamentalismo religioso,

às reações xenófobas e

neonazistas e ao populismo”

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12 Desafios • janeiro de 2005

Eu sou defensor de uma renovação nosistema das Nações Unidas, baseadoem dois grandes pilares: um Conselhode Segurança renovado ou reforma-do, com melhor equilíbrio entre ospaíses do hemisfério Norte e do he-misfério Sul, com melhor capacidadede intervenção; e um conselho específi-co para tratar do desenvolvimentosustentável, econômico e social, isto é,do desenvolvimento humano. Esseconselho ligado ao desenvolvimentohumano deve agir como entidade coor-denadora em escala global de todas asagências das Nações Unidas envolvi-das nas questões econômicas, sociais eambientais.

Desafios – Essa reforma deve f icar restrita à Or-

ganização das Nações Unidas?

Guterres – A forma como são desig-nados os responsáveis pelo FundoMonetário e pelo Banco Mundial éinaceitável. O FMI geralmente tem di-retor-geral europeu, mas sujeito ao ve-to dos Estados Unidos, enquanto opresidente do Banco Mundial deve ser

norte-americano. Não há critérios decompetência e qualidade. É uma ló-gica clientelista que não faz nenhumsentido.

Desafios – No começo de dezembro foi apresenta-

da a proposta para a reforma da ONU que será ava-

liada na próxima Assembléia Geral, em setembro de

2005. Qual a sua opinião sobre o aumento do número

de membros permanentes do Conselho de Segurança

da ONU, com direito a veto, e sobre uma possível par-

ticipação do Brasil?

Guterres – A proposta é rever o papelda entidade em face de uma nova rea-lidade mundial, muito centrada sobreas questões de segurança, incluindonão apenas ameaças como o terroris-mo ou o uso de armas de destruiçãode massa, mas também ameaças aomeio ambiente, o problema da fome edas doenças. É um repertório ilimita-do. É importante que o debate nãofique restrito à discussão da compo-sição do Conselho de Segurança. Eusou defensor da necessidade de reba-lancear o Conselho, adaptando-o ànova realidade mundial, com um

“Vejo com bons olhos a

presença de países como

Brasil, Índia e África do Sul

como membros permanentes

do Conselho de Segurança

da ONU. Mas o direito

a veto deve ser limitado”

maior peso dos países em desenvolvi-mento em relação aos países desen-volvidos. Vejo com bons olhos a pre-sença de países da América Latina, daÁfrica e da Ásia como membros per-manentes do Conselho de Segurança.Mas, em meu entender, eles não de-vem ter direito a veto. O objetivo deveser limitar o direito a veto e não colo-car mais países com direito a veto.Acho que Brasil, Índia e África do Sulsão soluções óbvias.

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Desafios – O Banco Mundial fez, de certa forma,

uma autocrítica sobre suas políticas que vigoraram até

os anos 80. Qual a sua opinião sobre a posição do

Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas propostas

de ajuste econômico não foram acompanhadas de cres-

cimento sustentável nem resolveram o problema da in-

clusão social?

Guterres – O FMI precisa alterar suasregras para que os países sob seu escru-tínio criem condições estruturais paraobter o crescimento econômico susten-tável e a inclusão social, além de alcan-çarem equilíbrio financeiro e fiscal.

Desafios – O Brasil tem um acordo com FMI que

não deve ser estendido para 2005. Mas o país tem

reivindicado que os investimentos para a área social

ou os investimentos que dêem retorno f iscal positivo

não sejam contabilizados no superávit primário. Como

o senhor vê essa proposta?

Guterres - Não faz nenhum sentidoencarar esse tipo de investimento co-mo uma despesa comum, sujeita àsnormas de cálculo do superávit primá-rio. A lógica estritamente financeira jánão tem sentido. É necessário levar emconta a qualidade da despesa pública.Questões dessa natureza também es-tão sendo discutidas atualmente naUnião Européia no tocante ao pacto deestabilidade. Essa lógica financeira éhoje manifestamente inadequada.

Desafios – É possível um acordo comercial com

bases sólidas entre a União Européia e o Mercosul?

Guterres – Eu tenho defendido den-tro da União Européia a importânciaestratégica do Mercosul. O problemaé a enorme concentração de subsídiospara a agricultura na Europa,que trans-fere 15% do orçamento para 0,15%das famílias.

Desafios – As relações entre Brasil e Portugal

mudaram muito nestes últimos 15 anos. Hoje Portu-

gal é uma das principais potências investidoras no

Brasil e existe um fluxo grande de brasileiros buscan-

do oportunidade de emprego em Portugal. Qual o fu-

turo dessa relação?

Guterres – Quando eu fui primeiro-ministro, a prioridade da nossa políti-ca externa era o Brasil. Mas Portugalmergulhou na União Européia de uma

maneira um pouco obcecada. Haviaem relação ao Brasil uma impressãomuito simpática, mas sem nenhumaconsistência prática. É preciso consi-derar o Brasil como área natural decrescimento, especialmente porque asempresas portuguesas são muito pe-quenas comparadas a seus concor-rentes europeus. É difícil concorrer naEuropa, e na África não há oportuni-dades fáceis, mas o mercado brasileirooferece excelentes oportunidades. Foipor isso que houve, no final dos anos90, um fluxo muito significativo de in-vestimentos de Portugal para o Brasil,que começou pelas grandes empresas,de telecomunicações e energia, e de-pois se generalizou com as pequenas emédias. Há também investimento cres-cente do Brasil em Portugal, o que é ne-cessário estimular e apoiar.

Desafios – A Irlanda tem sido vista como um mode-

lo na União Européia, pois tinha sérios problemas eco-

nômicos, desequilíbrios f iscais e hoje é um dos países

europeus que crescem mais depressa. Em que medi-

da é possível generalizar a experiência irlandesa?

Guterres – É sempre difícil genera-lizar. A língua inglesa e o fato de exis-tir uma grande comunidade de ori-gem irlandesa nos Estados Unidos ser-viram para atrair investimentos norte-americanos para a Irlanda, mas cria-ram uma relação de dependência mui-to grande. Por outro lado, a Irlanda fezum grande investimento na qualifica-ção das pessoas nos anos 40, 50, 60 ehoje possui índices educacionais mui-to elevados. Além disso, ofereceu in-

centivos fiscais muito atraentes. Ecomo não precisou fazer investimen-tos vultuosos na infra-estrutura, co-mo Portugal, pôde concentrar recur-sos na esfera do conhecimento.

Desafios – Portugal está fazendo um grande inves-

timento em infra-estrutura, até para reduzir as diferen-

ças regionais, e usa bastante as parcerias público-pri-

vadas. Esse tipo de iniciativa tem sido bem sucedida?

Guterres – A parceria público-priva-da é um instrumento muito bomquando queremos ultrapassar rapida-mente um grande atraso na infra-es-trutura e existem limitações orça-mentárias. Em Portugal funcionoumuito bem no setor de rodovias. Masos marcos regulatórios têm de sermuito bem feitos, caso contrário po-dem surgir situações de conflito quese arrastarão por décadas. Tambémfomos bem sucedidos no setor por-tuário e agora estamos avançando nosetor de saúde.

Desafios – Onde é mais complicado medir os resul-

tados de uma parceria público-privada: no setor de

serviços ou na infra-estrutura?

Guterres – É muito mais complicadono setor de serviços. No setor de saúde,por exemplo, a questão essencial é ga-rantir o fornecimento de um bem pú-blico com melhor qualidade e a umcusto mais baixo. Mas ainda não háum sistema de avaliação suficiente-mente seguro para saber em que me-dida isso foi garantido em todas as cir-cunstâncias.

Desafios – As eleições parlamentares serão convo-

cadas em Portugal e o Partido Socialista está na frente

nas pesquisas. Ele tem chance de voltar ao poder?

Guterres – Tenho firme convicçãoque sim.

Desafios – Quando o partido vai tomar uma decisão

sobre as eleições presidenciais de janeiro de 2006?

Guterres – Essa é uma questão para olíder do partido.

Desafios – O senhor é candidato?

Guterres – Como já disse muitas vezes,não sou sequer candidato a candidato.

“Há que se pensar

em formas que possam

propiciar uma melhor

integração da juventude

à vida política

de modo consistente”

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K a m a l M a l h o t r aARTIGO

realização dos Objetivos do Mi-lênio para o Desenvolvimento(OMD) não será possível se nãohouver um processo de globali-

zação mais justo e mais abrangente.Julgava-se que o crescimento econômi-

co seria suficiente para reduzir a pobreza eque a liberalização do comércio seria a me-lhor forma para acelerar o crescimento. Otempo mostrou, no entanto, que isso nãobasta para promover a redução da pobre-za. E hoje compreendemos que a pobrezadecorre não apenas da falta de renda e deempregos, mas também da falta de acessoa serviços sociais básicos, da falta de igual-dade e da impotência.A erradicação da po-breza pressupõe que todos possam ter osuficiente para comer, um trabalho decen-te, um lugar para dormir, acesso à educa-ção básica e à saúde, proteção contra a vio-lência e a possibilidade de opinar em ques-tões que dizem respeito à sua vida e à suacomunidade.

Os OMD refletem o consenso segundoo qual o desenvolvimento visa, em últimainstância, à redução da pobreza e à prote-ção dos direitos humanos. Na Cúpula doMilênio da ONU, em 2000, os líderes re-solveram “não poupar nenhum esforçopara libertar homens, mulheres e crianças,nossos semelhantes, das condições abjetase desumanizadoras da extrema pobreza”.

A maior parte das discussões concen-tra-se nos sete primeiros objetivos. Este ar-tigo analisará o progersso realizado no oi-tavo objetivo sobre a parceria global para odesenvolvimento, pois ele abrange muitosdos aspectos mais polêmicos da globali-zação econômica e financeira. O avançonos compromissos globais com o aumentoda ajuda aos países menos desenvolvidosno que diz respeito ao comércio e ao paga-mento das dívidas determinará, em gran-

de parte, a realização dos demais objetivosaté 2015.

A assistência privada aos países em de-senvolvimento caiu de modo considerávelnos últimos anos, e esse declínio não tevecomo contrapartida um aumento da assis-tência oficial ao desenvolvimento (AOD).A proporção entre AOD e PIB caiu umterço na década de 90, de uma média de0,33% em 1990-91 para uma média de0,22% em 2000-01, e subiu ligeiramentepara 0,23% em 2002. Em Monterrey, osEstados Unidos comprometeram-se a ele-var suas contribuições anuais em cinco bi-lhões de dólares até 2006 para a Conta doDesafio do Milênio, além de cerca de doisbilhões de dólares para o combate à Aids.AUnião Européia prometeu aumentar aAOD para uma média de 0,39% do PIB até2006. O cumprimento de ambas as pro-messas elevaria a AOD, em termos reais,em 31% (cerca de 16 bilhões de dólares) –mas isso ainda ficaria bastante abaixo donível alcançado antes de 1992, e pior: oscompromissos não se materializaram. Se-rá necessário, portanto, um novo conjun-to de metas para garantir o cumprimentodos OMD até 2015 – no mínimo, será pre-ciso dobrar os atuais recursos. E os esfor-ços terão de concentrar-se nos países doG-7, responsáveis por cerca de três quar-tos da AOD global.

No que diz respeito ao comércio, o pro-gresso obtido na rodada de Doha foi bas-tante modesto. Como a agricultura conti-nua sendo o meio de subsistência da maio-ria dos pobres, o acordo da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) sobre a agri-cultura tem importantes implicações. Duaspropostas são vitais: a necessidade de con-ceder aos países em desenvolvimento maiorflexibilidade, a fim de garantir-lhes a segu-rança dos alimentos e de promover o de-

A globalização e os Objetivos do Milênio

“A erradicação

da pobreza pressupõe

que todos possam ter

o suficiente para comer,

um trabalho decente,

um lugar para dormir,

acesso à educação básica

e à saúde, proteção contra a

violência e a possibilidade

de opinar em questões que

dizem respeito à sua vida

e à sua comunidade”

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senvolvimento humano; e a necessidade deaumentar o acesso aos mercados mediantereduções de subsídios, cortes de tarifas e deproteção não-tarifária, e cessação das prá-ticas de dumping nas exportações.

O acordo de Doha exige a redução dossubsídios à exportação “visando à sua eli-minação gradual”, mas não fixa prazo. Taissubsídios precisam ser paulatinamente eli-minados muito antes de 2015.Também de-veria ser acertado o prazo de 2015 para aeliminação de outros subsídios relaciona-dos à produção, que prejudicam os paísesem desenvolvimento. Não obstante, os paí-ses da Organização para a Cooperação e oDesenvolvimento Econômico (OCDE)continuam concedendo generosos subsí-dios ao setor agrícola – mais de 300 bilhõesde dólares anuais,ou aproximadamente seisvezes a injeção prometida à AOD.

A Declaração de Doha reafirma tam-bém o direito dos países em desenvolvi-mento de interpretar o acordo sobre os di-reitos de propriedade intelectual relativosao comércio (Trips, na sigla em inglês) daperspectiva da saúde pública, e reconheceo direito dos países de determinar as con-dições em que são concedidas as licenças.Entretanto, o progresso real nessa questãocontinua lento.

O conceito de “acordo único” significaque os países devem aceitar todos os as-pectos de um conjunto de normas acerta-das internacionalmente. Uma maior flexi-bilidade seria bem-vinda para que cada umpudesse optar por não adotar pontos in-coerentes com seus objetivos, mantendouma base de princípios e práticas inego-ciáveis adotados por todos. O tratamentoespecial e diferenciado deveria ser amplia-do para abranger educação, medicina pre-ventiva, medicamentos essenciais, transfe-rência de tecnologia, direito de utilizaçãode conhecimentos tradicionais, medidasque garantam a igualdade dos sexos e oacesso dos pobres à energia. Uma declara-ção ministerial sobre o Tratamento Espe-cial e Diferenciado e o DesenvolvimentoHumano semelhante à Declaração de Dohasobre Trips e Saúde Pública seria um pas-so na direção certa.

As iniciativas para tratar da inversão dofluxo de saída de capital dos países em de-senvolvimento estão relacionadas ao ter-

ceiro elemento básico do segmento do fi-nanciamento no Consenso de Monterrey.Em 2000, esses países gastaram cerca de 6%de seu PIB conjunto com o serviço da dívi-da. O desembolso de um volume maior derecursos para o serviço da dívida do quepara os serviços sociais básicos – quandomilhões de pessoas não têm acesso a ensi-no fundamental,medicina preventiva,umaalimentação adequada e água potável –não é apenas algo moralmente errado, éuma política econômica medíocre.

Quase uma década depois de seu lan-çamento, a Iniciativa para os Países PobresAltamente Endividados (HIPC, na siglaem inglês) apresenta resultados decepcio-nantes. Embora seja verdade que o ônus dadívida decresceu na maioria desses países,ele caiu na mesma proporção em outrospaíses fora da iniciativa. Os argumentosmais comuns para negar ou protelar o alí-vio da dívida são que ele premia os paísesque têm pior desempenho; que os recur-sos impossibilitam o acompanhamento doefeito da dívida sobre a redução da pobre-za; que muitos governos não têm capaci-dade institucional para reduzir a pobrezae que não há garantias de que os governosnão entrarão em outro ciclo de dívida.Entretanto, permanece o fato de que a dí-vida é uma pedra atada ao pescoço dospaíses mais pobres. O momento para operdão não é hoje, era ontem. Para cente-nas de milhares de pessoas, amanhã serátarde demais.

Atualmente 42 países são classificadoscomo HIPC – 34 deles na África. O alívioda dívida é necessário para cerca de umadezena de outros países altamente endivi-dados que não estão incluídos na iniciativa.

Concluindo, é óbvio que um processode globalização mais justo e o cumpri-mento dos OMD exigirão uma ação coe-rente e integrada para as questões da ajuda,do comércio e da dívida, assim como ques-tões mais amplas relativas à arquitetura fi-nanceira e à governança globais. A ONUtem a responsabilidade de conduzir a mu-dança do processo e o estabelecimento deuma autêntica parceria entre os países in-dustrializados e os em desenvolvimento.

Kamal Malhotra é assessor sênior para Globalização Inclusiva do

Pnud em Nova York

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Kamal Malhotra atua há cerca de 20anos em pesquisa e implementação de pro-jetos na área de desenvolvimento econô-mico e social em diversas regiões do pla-neta. Foi um dos fundadores e diretor deuma organização de pesquisa denominadaFocus on the Global South, baseada naUniversidade Chulalongkorn, de Bangkok,na Tailândia. Também dirigiu o Overseasand Aboriginal Program of Community AidAbroad (Oxfam Australia) e o Instituto In-ternacional de Reconstrução Rural das Fi-lipinas.

É formado em desenvolvimento eco-nômico pela Universidade de Delhi, na Ín-dia, e tem especialização em relações in-ternacionais e desenvolvimento politico eeconômico pela Universidade Columbia,nos Estados Unidos.

Publicou mais de 70 artigos e estu-dos sobre questões envolvendo políticasde desenvolvimento e relações multilate-rais, organizações comunitárias e créditorural, além de uma série de livros impor-tantes, entre eles Making Global TradeWork for People, patrocinado pelo Pnud elançado em janeiro de 2003.

Ligado ao Pnud desde 1999, Malho-tra atualmente é assessor sênior para Glo-balização Inclusiva no Escritório de Po-lítica do Desenvolvimento de Nova York.Es-tá sob sua responsabilidade a política deatuação do Pnud, em âmbito global, sobredívida externa, fluxo de capitais e desen-volvimento financeiro.Participou da XI Ses-são da Conferência das Nações Unidassobre o Comércio e o Desenvolvimento rea-lizada em São Paulo em junho de 2004. Naocasião defendeu, entre outras, a idéia deque a exportação de produtos de alto va-lor agregado é fundamental para que ocomércio exterior tenha impacto positivono desenvolvimento humano. No momento,lidera o projeto Comércio e Desenvolvi-mento Econômico Sustentável.

Uma vida de lutacontra a pobreza

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16 Desafios • janeiro de 2005

A Reforma do Jud ic iár io já começou, mas a inda há mu i to por fa zerJUSTIÇA

omeça a mudar o conceito entranhado no imagináriopopular brasileiro de que “a Justiça tarda, mas nãofalha”. Na realidade, ela tarda e também falha. Masdezembro de 2004 trouxe boas notícias para os que

aguardavam mudanças nessa área, no sentido de colocá-la emsintonia com a economia brasileira e também para democrati-zar o acesso à Justiça. Depois de tramitar durante 12 anos noCongresso, foi promulgada no dia 8 de dezembro a emendaconstitucional da Reforma do Judiciário, com mudanças quegarantem maior transparência nas decisões, permitem aceleraro processo decisório, definem novas regras de organização doJudiciário e facilitam o acesso à Justiça. Dias depois, em 15 dedezembro, foi firmado um pacto que possibilita a votação noCongresso Nacional, até meados de 2005, de alterações noscódigos de processo penal, civil e trabalhista.“O Congresso pôsabaixo resistências históricas. Agora, é a vez da reforma proces-sual, das propostas que têm o objetivo de agilizar os processos”,diz Sérgio Renault, secretário especial da Reforma do Judiciáriodo Ministério da Justiça.

“A súmula vinculante ajudará a aumentar a previsibilidadeda Justiça e a acelerar o processo decisório”, diz Armando Cas-telar Pinheiro, economista do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea). Ficou estabelecido que decisões sobre questõesconstitucionais adotadas por oito dos 11 membros do SupremoTribunal Federal (STF) devem ser seguidas pelos demais órgãosdo Poder Judiciário e pela administração pública, direta e indi-reta, nas esferas federal, estadual e municipal (leia quadro na

página 19). Acredita-se que o mecanismo eliminará a metadedas ações em curso nos tribunais do país. Isso porque antes deo Congresso emplacar a Reforma do Judiciário os juízes deprimeira instância não eram obrigados a seguir a jurisprudên-

Ccia firmada pelo STF, cada um decidia conforme seu entendi-mento e processos idênticos multiplicavam-se. Para Renault,mais importante do que a súmula vinculante é o instituto darepercussão geral, que permitirá ao STF analisar apenas osprocessos que sejam do interesse da sociedade como um todo.Hoje, o Supremo julga até brigas de vizinhos e de casais. Com areforma, ao impetrar o recurso, “o recorrente deverá demons-trar a repercussão geral das questões constitucionais discutidasno caso”, avalia Renault.

Investimento A importância da Reforma do Judiciário paraapoiar o investimento e a sustentabilidade do crescimentoeconômico já era apontada no texto para discussão do Ipea,Judiciário, Reforma e Economia: a Visão dos Magistrados, pu-blicado em julho de 2003. Castelar, o autor, já advertia que“uma melhoria do Judiciário, que o levasse a trabalhar compadrões de Primeiro Mundo, alavancaria o investimento, e ocrescimento, de forma significativa”. De acordo com EdsonVidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nospaíses onde o Judiciário funciona bem, a economia cresce egera empregos e renda; mas naqueles, como o Brasil, onde nãofunciona bem, a perda em termos de Produto Interno Brutopode chegar a 20% ao ano.“Essa é uma catástrofe não percep-tível a olho nu”, afirma.

Economistas e magistrados concordam que a insegurançaquanto às decisões judiciais atrapalha a decisão de novos inves-timentos e afugenta o capital estrangeiro. Em sua pesquisa,Castelar constatou: “A Justiça no Brasil é freqüentemente vistacomo parcial e imprevisível, com conseqüências negativas paraa economia em particular, que vão muito além das acarretadaspela demora em resolver litígios” (leia quadro na página 22).

Uma questão de

direito

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18 Desafios • janeiro de 2005

A insegurança quanto às decisões judiciais atrapalha a decisão de novos investimentos

27 tribunais estaduais, cada um por si. A lei é uma só para todoo país, mas as formas de cumpri-la são as mais variadas pos-síveis”, aponta Aristóteles Ateniense, que exercia a presidênciada OAB Nacional no final de dezembro. Para ele, o CNJ poderápromover a dinamização da Justiça estimulando a criação demaior número de varas judiciais, a Justiça itinerante e a troca deexperiência entre tribunais.

Desde que assumiu o STF, em julho de 2004, Jobim aumen-tou o contato com os órgãos do Executivo e do Legislativo, alémdas diversas instâncias do Judiciário. Estabeleceu um diálogofundamental para acelerar o processo de mudanças no Judi-ciário, com uma atitude bem diferente em relação a seu anteces-sor, Maurício Correia, que entrou em rota de colisão com oPalácio do Planalto a respeito da reforma. Para acelerar oprocesso, foi criada a Comissão de Modernização do Judiciário,coordenada pelo juiz federal Flávio Dino, ex-presidente daAssociação dos Juízes Federais (Ajufe).

Estatísticas Outra providência foi gerar indicadores que per-mitam medir a eficiência do Poder Judiciário e subsidiem aação do CNJ. São séries estatísticas dos últimos dez anos com onúmero de ações que dão entrada no sistema anualmente, osrecursos encaminhados, o custo de cada sentença, quanto a

Máquina A reforma do Judiciário se propõe a colocar umamáquina com a marca da primeira metade do século XX emsintonia com os tempos modernos, especialmente na questãodos códigos de processo, que remontam aos anos 40. A mo-dernização do aparelho passa pela melhoria de sua eficiência ecapacidade de planejamento. Castelar lembra que o sistema éexcessivamente fragmentado e seus diversos níveis não trocamexperiências. Ele considera que a criação do Conselho Nacionalde Justiça (CNJ) tem o potencial de funcionar como um órgãode planejamento e gestão e como agente para a modernização,“desde que não fique restrito a julgar casos disciplinares”.

O ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, e o presidentedo STF, Nelson Jobim, concordam que o CNJ deverá funcionarcomo o órgão de planejamento e padronização dos trabalhos doPoder Judiciário. As atividades do CNJ deverão ser regulamen-tadas até meados de 2005. O Conselho será composto de 15membros, dos quais nove do Judiciário e seis representantes doMinistério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) eda sociedade civil (pessoas de notório saber jurídico, uma indi-cada pela Câmara dos Deputados e outra pelo Senado Federal).

A excessiva pulverização do sistema judiciário – criminal,civil, trabalhista, federal, estadual – limita a troca de experiên-cia gerencial.“Hoje a Justiça no Brasil é muito desarticulada, são

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Cerimônia de promulgação da Reforma do Judiciário no Congresso Nacional, em dezembro, depois de 12 anos de tramitação

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sociedade paga para manter o sistema judiciário. Jobim pre-tende usar esses indicadores para prever necessidades futuras efazer o planejamento dos próximos dez anos. Os primeirosresultados foram divulgados em dezembro e revelam umquadro dramático: 6,16 milhões de processos tramitam nasvaras federais de primeira instância nos estados, nos tribunaisregionais e no STJ. Mantido o ritmo atual de funcionamento,seriam necessários 20 anos para limpar as gavetas. A maiorquantidade de processos pendentes está na 3a Região, queabrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde há 2,7 milhõesde casos em primeira e segunda instâncias. O estudo tambémrevelou que a máquina do Judiciário custa anualmente 15,34reais por habitante, sendo que na 2a Região (Rio de Janeiro eEspírito Santo) o custo sobe para 23,92 por habitante ao ano. Ademora na tramitação dos processos é um dos mais sériosproblemas da Justiça, que poderá ser minorado com a aplicaçãoda súmula vinculante e com as medidas para limitar recursosadotadas no Pacto pela Reforma do Judiciário, firmado emdezembro último (leia quadro na página 20).

Levantamento feito pela OAB de São Paulo e divulgado emnovembro de 2004 mostra um quadro bastante díspar em dife-rentes regiões do Brasil. No Rio Grande do Sul, um processodura, em média, 18 meses entre o primeiro e segundo graus e adecisão sobre a validade de recursos é imediata. Já em SãoPaulo o tempo médio de tramitação é sete anos e a distribuiçãode um recurso pode demorar cinco anos. Nada menos do que10,9 milhões de processos foram ajuizados em 2002 e 2003 e9,1 milhões foram julgados.“O déficit acumulado é de 1,8 mi-lhão de processos e, com isso, a cada dia que passa a Justiçapaulista fica mais travada”, diz Luiz Flávio Borges D’Urso,presidente da OAB-SP.

Industrialização Segundo a cientista política Maria TeresaSadek, em seu trabalho Judiciário, Mudanças e Reformas, publi-cado na edição de outubro da revista do Instituto de EstudosAvançados da Universidade de São Paulo (USP), o aumento dosprocessos judiciais “está altamente relacionado às taxas de indus-trialização e urbanização”. Em 1990 chegaram aos tribunais3,61 milhões de processos e em 2002 esse número saltou para9,76 milhões. “Enquanto o número de habitantes no períodocresceu 20%, a demanda pela Justiça de primeiro grau aumen-tou 270%”, diz. E isso considerando que existe dificuldade deacesso ao Judiciário, o que inibe a “realização da plena cidada-nia”. Especialmente porque a percepção é de que a Justiça é carae lenta. Outro problema é apresentado pela pesquisadora, quetambém é professora de pós-graduação do Departamento deCiência Política da USP: “Há setores que buscam a justiçaextraindo vantagens de suas supostas ou reais deficiências, bemcomo de constrangimentos de ordem legal. Esse é o caso tantode certos órgãos estatais como de grupos empresariais”.

e afugenta o capital estrangeiroAs novidades já aprovadasMudanças resultantes da Emenda 29

Criação do Conselho Nacional da Justiça Composto de noverepresentantes do Judiciário, dois membros do MinistérioPúblico, dois advogados indicados pela Ordem dos Advo-gados do Brasil (OAB) e dois cidadãos de notório saberjurídico, um indicado pela Câmara dos Deputados e outropelo Senado Federal. É um órgão de planejamento do PoderJudiciário, de fiscalização dos atos administrativos e decontrole disciplinar.

Súmula vinculante O Supremo Tribunal Federal poderá, deofício ou por provocação, mediante decisão de dois terçosde seus membros, após reiteradas decisões sobre matériaconstitucional, aprovar súmula que terá efeito vinculanteem relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e àadministração pública direta e indireta, nas esferas federal,estadual e municipal.

Federalização dos crimes contra direitos humanos Nashipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procu-rador-Geral da República poderá pedir ao STJ que o pro-cesso seja deslocado para a Justiça Federal.

Criação do Conselho Nacional do Ministério Público Com-posto pelo Procurador-Geral da República, quatro membrosdo Ministério Público da União, três membros dos Minis-térios Públicos dos estados, dois juízes (um indicado peloSTJ e outro pelo STF), dois advogados indicados pela OABe dois cidadãos de notório saber jurídico, um indicado pelaCâmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. É umórgão de planejamento, de fiscalização dos atos admi-nistrativos e de controle disciplinar.

Quarentena para magistrados Juízes e desembargadoresterão de esperar três anos para exercer a advocacia nostribunais de origem após aposentadoria no serviço público.A medida também valerá para membros do MinistérioPúblico.

Unificação Os critérios para o ingresso nas carreiras doMinistério Público e da magistratura foram unificados.

Autonomia As defensorias públicas nos estados poderãoapresentar proposta orçamentária própria, como ocorrecom o Poder Judiciário.

Justiça itinerante Tribunais estaduais e federais poderãoinstituir uma “Justiça itinerante”, que levará atendimentoao cidadão, principalmente em locais onde o acesso ao sis-tema judiciário é mais complicado.

Criação das Varas Especializadas Agrárias O Tribunal deJustiça de cada estado poderá propor a criação de varasdestinadas a resolver conflitos fundiários.

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Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Econô-micos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) em 1996 comempresários paulistas, e analisada no estudo Economia eJustiça: Conceitos e Evidência Empírica, escrito por Castelarem 2001, mostra “que nem sempre a demora em obter umadecisão judicial é prejudicial às empresas”. Segundo a pesquisado Idesp, 25% das empresas reconheceram ser beneficiadaspela lentidão em causas trabalhistas. “Acabam surgindo falsascontrovérsias”, alerta o desembargador Cláudio Baldino Ma-ciel, que presidiu a Associação dos Magistrados Brasileiros(AMB) até dezembro passado,“pois muitas empresas preferempagar os juros judiciais, que são muito baixos”.

Recursos “Grande parcela da responsabilidade é de atorescomo o governo federal e empresas que apelam para retardar asdecisões”, diz Jorge Antonio Maurique, presidente da Associa-ção dos Juízes Federais (Ajufe). Um relatório preliminar sobre oJudiciário brasileiro, elaborado pelo argentino Leandro Des-pouy, relator especial da Comissão de Direitos Humanos dasNações Unidas, e divulgado em dezembro de 2003, aponta oEstado como o principal responsável pela morosidade, devidoao excesso de recursos interpostos por órgãos governamentais.

O espantoso volume de processos que batem às portas doSTF e do STJ comprova o uso e abuso dos recursos às instânciassuperiores. De janeiro a outubro de 2004, foram julgados noSTJ cerca de 180 mil processos. Em média, são seis mil proces-sos para cada um dos 33 ministros. No STF, cada um dos 11ministros também lida com milhares de processos, enquanto osmembros da Suprema Corte dos Estados Unidos não exami-nam sequer uma dezena de casos por ano.“O processo civil vi-rou um fim em si mesmo, com excesso de ritualismo e forma-lismo, herdados de Portugal”, diagnostica Maciel. A Justiçademora muito, especialmente na área empresarial, que requerdecisões rápidas. Por essa razão, ele acha positivas as medidaspara conter o uso de recursos e a litigiosidade, que fazem partedo pacto pela mudança do Judiciário.

Informatização O secretário Renault considera muito impor-tante a criação de multas para advogados e empresas que recor-rerem de decisões judiciais meramente com o propósito de pro-telar o fim do processo. Outra das propostas permite ao ma-gistrado julgar o processo sem ouvir a outra parte quando casossimilares já tiverem sido julgados pelo mesmo juiz. Inventáriose separações de casais seriam executados diretamente emcartórios, na presença de advogados. Pretende-se também am-pliar a competência dos juizados especiais, estendendo-a aações contra a Fazenda pública.

Como resultado da reforma processual, as alternativas derecursos poderão cair de 47 para cerca de dez, segundo pro-jeções feitas por técnicos do STJ. “As reformas infraconstitu-

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Entre 1990 e 2002 a população brasi leira Pacto pela modernização

No dia 15 de dezembro de 2003 foi realizada sessãosolene no Palácio do Planalto, em Brasília, para anunciar oPacto de Estado em Favor de um Judiciário Mais Rápido eRepublicano, com uma série de medidas para tornar o Judi-ciário brasileiro mais ágil. O acordo prevê que as medidassejam aprovadas no Legislativo Federal até meados de 2005.Envolve alteração nos códigos de Processo Civil e de ProcessoPenal, bem como de processo trabalhista. O objetivo é simpli-ficar os trâmites, tornar mais rápido o processo decisório, sim-plificar a vida das pessoas e descongestionar os tribunais.

O pacto inclui sete projetos de lei de alteração do Códigode Processo Civil, que foram enviados ao Congresso, e seis pro-jetos de lei com mudanças no processo trabalhista. Houve tam-bém acordo para agilizar a tramitação de alterações no Códigode Processo Civil, que já estavam no Congresso.

Conheça as novidades que poderão agilizar e modernizaro Judiciário brasileiro:

Contenção da litigiosidade Pessoas ou empresas que recor-rerem de sentenças apenas para protelar seu cumprimentopoderão ser multadas. Recursos poderão ser impedidos. O paga-mento de honorários à outra parte será condição para o recur-so em instância superior.

Recursos Um juiz poderá não aceitar apelação se a sentençarecorrida estiver de acordo com súmula do STJ ou do STF. Aapelação deixa de ter efeito suspensivo. O prazo para recursosnos quais o Ministério Público ou Fazenda é parte cai à metade.

Repetição de processos Em casos de ações idênticas, o juiz deprimeira instância poderá emitir sentença, que valerá para ou-tros casos, sem ouvir as partes. Outra hipótese, no caso deações repetitivas, será o juiz mandar uma delas para o STF, quefixará diretriz a ser aplicada nos demais casos.

Agravos Em caso de acordo entre as partes, os recursosdenominados agravos poderão ter tramitação mais rápida.

Juizados especiais estaduais Criados para julgar pequenascausas, terão sua competência ampliada, passando a decidirações que envolvam a Fazenda. Serão definidas regras parauniformizar suas decisões.

Inventários, separações e divórcios Casos consensuaispoderão ser resolvidos diretamente no cartório, com a presen-ça de advogados, exceto quando o casal tiver filho menor deidade. Isso evitará tramitação judicial, que pode levar anos.

Conciliação Passará a ser obrigatória no momento em que oprocesso for instituído.

Meios eletrônicos Os tribunais estabelecerão regras para acomunicação dos atos judiciais por meios eletrônicos, deforma a agilizar os projetos.

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cionais vão dar um tiro na morosidade. Se não conseguir matá-la, vai deixá-la capenga”, diz Vidigal, presidente do STJ. Asmedidas para reduzir o número de processos e conter a liti-giosidade são muito importantes, mas também é essencial a uti-lização de meios eletrônicos para facilitar a tramitação dosprocessos e a comunicação dos resultados, pois um númerocada vez maior de pessoas toma consciência de seus direitos erecorre à Justiça, especialmente na área previdenciária.

cresceu 20% e a demanda pela Justiça de primeiro grau aumentou 270%

Um bom exemplo de modernização da Justiça a serviço dainclusão social apontado por Maurique é o Juizado EspecialFederal Previdenciário de São Paulo, instalado no bairro daLiberdade na capital paulista, onde todo o trabalho foiinformatizado. Quem tiver uma demanda contra a Previdên-cia Social vai até o balcão do Juizado ou a um de seus postosavançados – já existe um instalado em Ferraz de Vasconcelos,na periferia paulistana – e apresenta três ou quatro documen-tos, que são imediatamente digitalizados, evitando o tráfegode papéis. O tempo médio para o julgamento definitivo de umprocesso é seis meses apenas.

São experiências como essa que norteiam o Programa deModernização da Gestão do Judiciário, firmado entre oPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)e a Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justi-ça, para ampliar o acesso dos cidadãos à Justiça e reduzir otempo de tramitação dos processos. Iniciado em dezembro de2003, ele tem por objetivo “ajudar o governo a modernizar amáquina do Estado e a prevenir a criminalidade”, segundoCarlos Lopes, representante do Pnud no Brasil. Luiza Carvalho,coordenadora do programa, informa que a intenção é demo-cratizar o acesso à Justiça, e um instrumento muito importantenesse sentido são os Juizados Especiais, que decidem sobre pe-

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Jobim, presidente do STF (no alto), e Baldino, da AMB (acima): pacto

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C e r c a d e 6 m i l h õ e s d e p r o c e s s o s t r a m i t a m n o s t r i b u n a i s b r a s i l e i r o s

públicos também será ampliado. “Dessa forma poderão repre-sentar os excluídos”, diz Maciel, ex-presidente da AMB.

Segundo estimativas do Pnud, o Brasil gasta 1,78% de todaa riqueza que produz com o sistema judiciário. Mesmo assim, aJustiça vai mal no país. As mudanças constitucionais e proces-suais, aliadas ao processo de modernização, são essenciais paracolocar o Judiciário em sintonia com a economia do século XXIe ampliar seu caráter social.

* Com Octávio Costa e Clarissa Furtado, de Brasília

quenas causas. Maurique, da Ajufe, aposta que os Juizados Es-peciais, previstos na Reforma do Judiciário, que utilizarão equi-pamentos públicos e comunitários, terão grande importância.Outra novidade da Reforma do Judiciário envolve a criação devaras especializadas agrárias, com competência para resolverconflitos fundiários.

O fortalecimento das defensorias públicas, previsto naReforma do Judiciário, também é uma importante ferramentade democratização do acesso à Justiça. As defensorias terãoautonomia financeira e orçamentária, a exemplo do que jáacontece com o Ministério Público. O quadro de defensores

Para 80% dos juízes brasileiros, o princi-pal fator para a morosidade da Justiça é a in-tricada legislação processual, que abre enor-mes possibilidades para quem quer adiar umadecisão definitiva. E o governo é um dos prin-cipais responsáveis por isso. Segundo 74,5%dos juízes, a União recorre com muita freqüên-cia à Justiça para retardar o cumprimento desuas obrigações. Empresas e pessoas tambémusam a lentidão do Judiciário a seu favor, prin-cipalmente nos casos de cobrança de tributose de empréstimos.

Os dados estão contidos em uma pesquisarealizada pelo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), com 741 juízes do DistritoFederal e de 11 estados. Foram entrevistadosmagistrados das justiças estadual, federal e doTrabalho, dos que atuam em primeira instânciaa ministros dos Tribunais Superiores. O estudo,denominado Judiciário, Reforma e Economia: aVisão dos Magistrados, de Armando CastelarPinheiro, aponta como segunda causa para ademora nas decisões fatores operacionais,como a insuficiência de recursos e a falta deeficiência na administração da máquina doJudiciário. Os magistrados também citaramproblemas como a instabilidade, o anacronis-mo e a contradição entre leis.

O trabalho chama atenção para a impre-visibilidade das decisões judiciais, considera-

da por empresários e economistas um dosgrandes entraves ao desenvolvimento. ParaCastelar, a imprevisibilidade é conseqüência,em grande parte, da “politização” das deci-sões judiciais. A maioria dos entrevistados(73,1%) disse preferir tomar decisões queviolem contratos, mas busquem justiça social.Segundo Pinheiro, é possível concluir que omagistrado brasileiro não acredita que devaser neutro na aplicação da lei. O juiz não seidentifica com o papel de um intérprete do di-reito produzido pelo Poder Legislativo. “Aocontrário, o magistrado brasileiro acreditamajoritariamente que também é seu papel‘produzir’ o direito”, afirma o autor do estudo.Os juízes só defendem o respeito total ao con-trato nas causas de direito comercial.

Para os juízes pesquisados, os principaismotivos da imprevisibilidade são as deficiên-cias nas leis, o freqüente recurso a medidasliminares e a tendência a decisões tomadasem função de detalhes processuais, e não domérito da questão.

Partindo do princípio de que os juízesconstituem um dos grupos profissionais maishabilitados a identificar as propostas de modi-ficação e melhoria no desempenho do Judi-ciário, o estudo pediu aos magistrados queavaliassem diversas medidas, algumas con-templadas na Reforma do Judiciário e outras

que vêm sendo discutidas pela sociedade háum bom tempo.

Entre as medidas que contaram comrazoável apoio dos juízes estão a expansão donúmero de Juizados Especiais, o estabeleci-mento de quarentena para a indicação de mi-nistros de Estado e políticos para os TribunaisSuperiores, a redução da possibilidade deapelação aos Tribunais Superiores, a demo-cratização do Judiciário – entendida como aseleção de membros dirigentes dos tribunaispor voto direto dos juízes –, a adoção da sú-mula vinculante apenas para as decisões doSupremo Tribunal Federal (STF) e a limitaçãopara o período de eficácia das decisões limi-nares. Os juízes, em sua maioria, apoiavam acriação do Conselho Nacional de Justiça,desde que composto apenas por membros doJudiciário – o que acabou não ocorrendo naaprovação da reforma.

De modo geral, a avaliação que os juízesfazem do Judiciário é mais positiva do que avisão que os empresários ou a sociedade têmsobre o problema. Para a maioria dos juízes, aatuação é regular ou boa. A Justiça do Tra-balho é considerada a melhor entre os váriosramos e instâncias do Poder Judiciário, segui-da da Justiça Eleitoral. A Justiça estadual éconsiderada a de pior desempenho.

Entre os problemas, os juízes apontam afalta de agilidade, o elevado custo de acessoà Justiça e a falta de previsibilidade das de-cisões. O principal aspecto positivo, segundoeles, é a imparcialidade das decisões.

O que pensam os juízes

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A r m a n d o C a s t e l a r P i n h e i r oARTIGO

epois de doze anos de debate o Con-gresso aprovou o primeiro estágio dareforma do Judiciário.Foi um passo im-portante para lidar com a morosidade

da Justiça brasileira, vista como o seu principalproblema.

A súmula vinculante agilizará o trâmite dosprocessos, vários absolutamente iguais, que pe-riodicamente inundam a Justiça. São disputassobre índices de correção monetária, reajustesde tarifas, etc. Se bem usadas, as súmulas evi-tarão que muitas delas cheguem à Justiça, poisas partes, sabedoras de qual será a decisão dosmagistrados, preferirão resolver suas diferençasdiretamente. A própria agilização das decisõesdesestimulará os que hoje procuram o Judiciá-rio apenas para postergar o cumprimento desuas obrigações.

O Conselho Nacional de Justiça poderá fo-mentar a modernização administrativa do Judi-ciário e aumentar sua transparência. O Brasiltem dezenas de tribunais que funcionam comtotal autonomia administrativa e, aparentemen-te, grande variância de desempenho. Há espaçopara modernizar sua gestão, assim como paraaumentar o uso de indicadores de produtividadee qualidade, identificando onde falta celeridade esegurança jurídica – critérios que, pela Constitui-ção, deveriam servir para aferir o desempenhodos magistrados.

Outras medidas já aprovadas ou em discus-são também ajudarão. A liberdade para que oSTF se recuse a julgar casos sem repercussão ge-ral – isto é, que interessem apenas às partes – re-forçará o seu caráter de corte constitucional efechará a porta para recursos dilatórios comunshoje em dia. A súmula impeditiva de recursos,quando aprovada, terá uma função similar parao STJ e o TST. A exigência de experiência míni-ma de três anos como advogado praticante paraos novos magistrados atenuará a chamada “ju-venilização” do Judiciário.

Mas esses são apenas os primeiros passos deuma reforma que deve se estender por muitosanos. Ainda será necessário modernizar a ges-tão judiciária, reformar os códigos de processo,

aumentar a autodisciplina do setor público e mu-dar a cultura dos operadores do direito. Segun-do 80% dos magistrados, as possibilidades dadaspela legislação processual para protelar decisõesem uma mesma instância e recorrer a instânciassuperiores são uma causa muito importante damorosidade. O Estado é um usuário contumazdesses recursos – até porque seus prazos, em ge-ral, contam em dobro – e precisa se policiar.

Mas não é claro em que medida essas refor-mas serão eficazes sem uma mudança profundana cultura dos operadores do direito. A morosi-dade, por exemplo, é vista por vários deles comoalgo “natural”, como se o desejo de ter uma Jus-tiça mais ágil fosse uma imposição do “neolibe-ralismo” ou algo semelhante. Esquecem que al-guém paga por essa demora, usualmente a parteque tem razão, o que por si só já é uma injustiça.

Mas é em relação à segurança jurídica que amudança de cultura será mais importante. Gran-de proporção dos magistrados decide com basemais em suas visões políticas do que na leiturarigorosa da lei. Além disso, a maioria consideraque a busca da justiça social justifica decisões queviolem os contratos. Isso torna o Judiciário, ins-tituição que por excelência deveria zelar pela se-gurança jurídica, uma fonte adicional de riscopara as transações. Muitas razões explicam essecomportamento, incluindo a responsabilidadedireta dos juízes por lidar com conflitos em umasociedade muito desigual, como a brasileira. Masa legitimidade moral não elimina o problema: naordenação institucional de nossa sociedade, o pa-pel precípuo do Judiciário deveria ser garantir asegurança jurídica, e não promover a redistri-buição de renda.

Por tudo isso, para que as reformas efetiva-mente surtam o efeito desejado, será necessárioque a academia, a mídia e a sociedade em geralcontinuem a analisar e a discutir o Judiciário,reconhecendo seu papel fundamental para odesenvolvimento do país e buscando formas demelhorar seu desempenho.

Armando Castelar Pinheiro é pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea)

Reforma do Judiciário: uma nova fase

“Há espaço para

modernizar a

gestão dos tribunais,

assim como para

aumentar o uso de

indicadores

de produtividade

e qualidade,

identificando onde

falta celeridade e

segurança jurídica”

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REGULAMENTAÇÃO

O r i tmo ace lerado da evo lução tecno lóg ica fac i l i ta a v ida

de pessoas e empresas e demanda novas regras para o

setor de te lecomun icações

Amanda Vieira, de Brasília, que usa o programa Skype e fica à vontade para falar de graça; no alto, uma central da Telefônica, em São Paulo

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ssistir a filmes no celular? É possível. Ligação de umponto a outro do planeta pagando tarifa local? Jáexiste. Transmissão de videoconferência por umpequeno computador de mão? Acontece faz algum

tempo. E há muito mais novidades sendo gestadas nos labo-ratórios. A idéia da aldeia global está se tornando realidade. Ofenômeno que vem se verificando é a convergência das tecnolo-gias de comunicação. As descobertas recentes permitem a inte-gração entre um emaranhado de redes de transmissão de voz,dados e imagens e, com isso, mercados que antes eram distintoscomeçam a se misturar e a disputar consumidores. Foi dada alargada para a competição entre operadoras de telefonia, emis-soras de televisão e rádio, provedores de internet, fabricantes dehardware, de software e de eletroeletrônicos e, pelo menos nateoria, é o usuário final, seja ele particular ou corporativo, ogrande vencedor dessa corrida.

O ritmo alucinante dessa mudança tecnológica no setor detelecomunicação já impõe a definição de novos sistemas regu-latórios apenas seis anos após a privatização das empresas detelefonia fixa e sete anos após a aprovação, em 1997, da Lei Ge-ral das Telecomunicações (LGT) e a criação da Agência Nacio-nal de Telecomunicações (Anatel). E, também, traz riscos tantopara os consumidores quanto para as empresas. Para o usuário,o principal é a concentração do mercado, com as grandes cor-porações engolindo as pequenas, o que poderia resultar numaumento de tarifas e na queda da qualidade de serviços. Essepoderá ser o caso, por exemplo, da transmissão de conteúdos

(notícias, vídeos, música, entre outros). As gigantes do ramo datelefonia já demonstram, em nível global, bastante fôlego deinvestimento nesse filão. Se as regras não forem claras e objeti-vas, a produção e a veiculação ficará, em pouco tempo, na mãode poucas companhias.

Universalização Para Floriano de Azevedo Marques, advogadoe professor de direito público da Universidade de São Paulo(USP), o avanço da tecnologia proporciona uma sinergia entreserviços completamente distintos, como o de telefone fixo emóvel.“Isso está levando as empresas de telefonia fixa a ter umbraço móvel e vice-versa, como acontece com a Telemar e a Oi,a Embratel e a Claro e, mais recentemente, a Brasil Telecom e suasubsidiária Telecom GSM”, afirma. É bom lembrar que o cresci-mento da telefonia fixa tem sido bem mais lento do que o da

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mundo novoAdmirável

móvel nos últimos anos. Entre 2002 e 2004 o número de tele-fones fixos em operação saiu de 38,8 milhões para 39,2 milhões(expansão de apenas 0,4%), enquanto o de celulares foi de 34,8milhões para 62,1 milhões em novembro último, um cresci-mento de 78,4%. As expectativas de vendas de celulares para oúltimo Natal eram da ordem de 10 milhões de unidades.

Para o mercado, as novas tecnologias trazem inúmeras opor-tunidades e ameaças: quem não reestruturar seu modelo denegócios corre o risco de ficar fora da festa. As empresas queatuam em regime de concessão de serviços públicos, como asde telefonia fixa e de longa distância, reclamam que podem per-der altos investimentos realizados na ampliação da infra-estru-tura de rede devido às obrigações de universalização impostaspelo governo. Ronaldo Seroa da Motta, coordenador de estudosde regulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), aponta: que “todo mundo vai competir com todo mun-do, só que a regulação vendeu o direito de participação em seg-mentos diferenciados.A dúvida é: o operador deveria assumir orisco do negócio causado pelo avanço tecnológico? Ou o riscodeve ser passado para o usuário por meio de normas que impe-çam essa maior competição entre as empresas?”

Avanço À época da privatização ninguém imaginava que issopudesse ocorrer. A LGT parecia estar preparada para enfrentaras novidades que surgiriam. O ritmo de desenvolvimento tec-nológico, no entanto, superou qualquer expectativa. Mas umasérie de novos desafios se impõe, já que a tecnologia pode

P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

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vestimentos para a universalização dos serviços.Adaptações da LGT ou até a aprovação de novas leis para o

setor podem ser necessárias, mas também existe a possibilidadede resolver os futuros problemas por meio de regulamentos edi-tados caso a caso. O que a maioria dos estudiosos consideraideal é não impedir o avanço tecnológico e buscar uma tran-sição gradual entre os modelos regulatórios, porque mudançasbruscas podem prejudicar planos de negócios estabelecidos deacordo com as normas anteriores.“O dinamismo tecnológico étão grande que a regulação também tem de ser dinâmica. Odesafio é conciliar flexibilidade na regulação com estabilidadejurídica, já que ninguém investe quando as regras mudam otempo todo”, diz o consultor Gesner Oliveira, da empresa pau-lista de consultoria Tendências,ex-presidente do Conselho Admi-nistrativo de Defesa Econômica (leia artigo na pág. 31).

Futuro Numa espécie de corrida contra o relógio, o governobrasileiro busca conhecer todas as probabilidades da conver-gência para os próximos anos, bem como os planos das com-panhias envolvidas, para buscar as melhores alternativas para aárea. O secretário executivo do Ministério das Comunicações,Paulo Lustosa, prevê para o final de agosto a conclusão de umplanejamento estratégico para reestruturar o setor de telecomu-nicações e também o de comunicações (TV, rádio e internet).Ele seria válido para os próximos dez anos. Segundo Lustosa, oMinistério firmou um convênio com o Centro de Pesquisa eDesenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), de Campi-nas, para estudo de cenários para o setor. Com base nas conclu-sões, que devem estar prontas no início do ano, serão erguidasas diretrizes. Lustosa diz que a LGT deve ser revista, assim como

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Entre 2002 e 2004 o número de telefones f ixos em operação aumentou 0,4% enquanto

Não é por obra e graça do mercado ou dodestino que hoje os brasileiros têm muito maisacesso à telefonia do que há dez anos.A amplia-ção do atendimento ocorreu por imposição daLei Geral de Telecomunicações e das regrasestabelecidas pela Anatel, por meio do PlanoGeral de Metas de Universalização (PGMU)que as concessionárias se obrigaram a cum-prir quando assinaram os contratos. De 1998a 2002, o percentual de domicílios com linha

telefônica (fixa ou celular) passou de 37,6%para 61,6%. E o número de orelhões subiu de589 mil em 1998 para 1,317 milhão em 2004.

Uma maior expansão do acesso ao tele-fone esbarra no preço da assinatura básicamensal, de cerca de 35 reais, que não cabenas contas de boa parte dos brasileiros. Daslinhas fixas disponíveis, 10 milhões não sãoutilizadas. O celular pré-pago atende, em par-te, a essa demanda da população de menor

renda. A base geográfica de atendimento dasoperadoras telefonia móvel, no entanto, aindaé bem menor do que as de fixa.

Uma das razões do custo elevado do ser-viço é a baixa competição entre as empresasque atuam no setor. Na telefonia fixa local aconcorrência praticamente não existe. As em-presas-espelho alcançaram menos de 5% domercado (leia a tabela na pág. 29) e concen-tram-se na prestação de serviço ao clientecorporativo, deixando o cliente residencial comapenas uma prestadora. Em todo o mundo, érara a concorrência nas ligações locais, poisa infra-estrutura de rede que liga a casa dousuário à central telefônica pertence a apenasuma empresa e a instalação de uma nova rede

mudar o jogo de forças entre as empresas e o relacionamentodelas com os consumidores.

A convergência entre as diferentes tecnologias de telecomu-nicação foi possível pela digitalização e pelo desenvolvimentode chips mais velozes, da comunicação sem fio e do uso das“bandas largas” de freqüência. Hoje, de uma central de controlede operações automatizada, como a da Telefônica, em São Pau-lo, é possível monitorar todo o tráfego de ligações e eventuaisproblemas no sistema. As centrais fazem a conexão entre as li-nhas de maneira digital, anos-luz à frente das mesas telefônicasdos anos 40, que dependiam do trabalho de várias telefonistas.Nos Estados Unidos já está funcionando algo que também nãopassava pela cabeça de ninguém alguns anos atrás a conexão àinternet via linhas de transmissão de energia.

Surpresa É nesse cenário, em que a surpresa tornou-se rotineira,que o Brasil e o mundo se perguntam: como estabelecer ummarco regulatório adequado a um segmento que muda tão rapi-damente? A convergência das tecnologias já está nas ruas. A jor-nalista Amanda Vieira, de Brasília, utiliza o programa Skype, quepermite transmitir voz pela internet,para se comunicar com ami-gos e familiares em qualquer parte do mundo. De graça! “Eu mesinto mais à vontade para falar, já que não tem o custo do interur-bano. É uma maneira de aproveitar melhor o que pago peloserviço de banda larga”, diz. Pessoas e empresas, inclusive autar-quias federais, utilizam o mesmo sistema. O serviço de voz sobreIP (Protocolo de Internet, na sigla em inglês), como o Skype,barateia muito o preço das ligações para o usuário, porém poderepresentar uma ameaça séria aos negócios das operadoras detelefonia fixa e de longa distância, que realizaram pesados in-

Vantagens e desvantagens

para o consumidor

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o de ce lu lares reg istrou um sa l to de 78,4%. Os pré-pagos puxam a f i la

tem custo elevado. Como a Anatel não cuidou deregulamentar o unbundling, ou compartilha-mento da rede entre as operadoras, as empre-sas-espelho que se estabeleceram no Brasilficaram com sua atuação limitada. Nos EstadosUnidos, onde o compartilhamento é norma, elastêm 12% do mercado. Na Alemanha sua partici-pação chega a 35%. No Brasil, a concorrênciaficou praticamente restrita às ligações de lon-ga distância, principalmente depois que as em-presas regionais puderam entrar no mercadonacional e nas ligações internacionais, a partirde 2002 (veja quadro na pág. 28).

A conseqüência dessa situação é que,embora os serviços tenham se disseminado, osetor é campeão de reclamações nos órgãos

de defesa do consumidor. Em 2003, o Procon deSão Paulo recebeu 11.069 reclamações relati-vas ao serviço de telefonia. Esse foi, pelo sextoano seguido, o primeiro item na lista negra dosconsumidores. As principais queixas não sãomais quanto à qualidade das ligações ou à fal-ta de linhas: referem-se a erros ou problemasnas cobranças e ao alto preço das tarifas.

Antes da privatização, houve um forte rea-juste dos preços, que chegou a 2 mil pontospercentuais no caso da assinatura básica.“Imaginamos que a partir daí haveria uma es-tabilidade, mas não foi o que aconteceu.A assi-natura básica, que consideramos nem deveriaexistir, teve um reajuste de 150% de 1998 a2004, ante a uma inflação em torno de 50%”,

diz Léo Sztutman, economista e consultor doInstituto de Defesa do Consumidor (Idec). “Apromessa de que haveria competição e, comisso, os preços ficariam mais baixos não serealizou.” O modelo tarifário está sendo muda-do, com a aplicação de regras baseadas nocusto do serviço e com a criação de um índicesetorial que substituirá o questionado IGP-DI.

Outro obstáculo a ser superado pelo con-sumidor é o acesso à Anatel e às operadoras.Poucas mantêm salas de atendimento ao públi-co e, na maioria das vezes, o consumidor quese sente lesado tem de enfrentar burocracia ea padronização do atendimento de um call cen-ter, conhecidos pela dificuldade e demora naresolução dos problemas.

Sacramento, da Brasil Telecom GSM: “A integração vai beneficiar o consumidor”

a Lei Postal, que já está sendo atualizada pelo CongressoNacional.“A Lei de Radiodifusão também precisa ser objeto deuma análise crítica, até porque teremos em breve a TV e o rádiodigitais.Além disso, uma coisa que não andou até hoje, mas quepretendemos agilizar o quanto antes, é uma lei específica para acomunicação eletrônica de massa, que trataria de conteúdo nasvárias mídias”, afirma.

Por enquanto, a regulação do serviço de telecomunicaçõesestá a cargo da Anatel e a de produção de conteúdo deverá serfeita pela Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav), ainda emprocesso de criação. O conselheiro da Anatel, Plínio Aguiar, re-conhece que a agência e também a legislação têm de adequar-seà nova realidade tecnológica.“Já percebemos uma forte integra-ção nos terminais usados pelo consumidor – como computa-dores, telefones e televisores – nos serviços prestados, na infraes-trutura utilizada e também entre as empresas. Teremos de nosadaptar”, diz. Para ele, no entanto, a atuação da Anatel é limitada.“Ainda não temos uma lei que concilie as normas de radiodifusãocom as de telecomunicações, por exemplo.A Anatel, como regu-ladora, só pode seguir o que já está previsto na LGT.”

Infra-estrutura Até que cheguem as novas normas, o que aAnatel pode fazer é cuidar das questões que já estão à espera dedecisão e que possuem estreita relação com as possibilidadesabertas pelas tecnologias recentes. Um dos problemas maiscomplexos a espera de solução passa pelo compartilhamentoda infra-estrutura de rede de telecomunicações, fundamentalpara garantir que no futuro os usuários se beneficiem das opor-tunidades da integração entre as mídias, usando o celular ou atelevisão a cabo, para, por exemplo, descarregar imagens e

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A convergênc ia entre tecnolog ias de te lecomunicação fo i poss íve l pe la d ig i ta l i zação

vídeos. Como a malha de transmissão era uma só e foi privatiza-da em trechos, concedidos a diferentes operadoras, tornou-senecessária a interconexão dos serviços para que fosse possível acomunicação entre regiões atendidas por diferentes companhias.As grandes operadoras de telefonia fixa são as proprietárias daparte mais cobiçada das redes – o último quilômetro, que liga acasa ou empresa do usuário à central de distribuição – e quemprecisa do compartilhamento são, principalmente, as fornecedo-ras de serviços de conexão à internet por banda larga e as opera-doras de telefonia de longa distância (Embratel e Intelig). Não édifícil imaginar a infinidade de questionamentos, de todas aspartes envolvidas, sobre as cobranças da utilização da estrutura.São tantas que a Anatel está discutindo, por meio de consultaspúblicas, regras para um novo sistema de cobrança das operado-ras pela interconexão.As linhas gerais do modelo já foram previs-tas no decreto 4.733, de junho de 2003.

Para o diretor de projetos especiais da Telemar, Mário DiasRipper, o modelo brasileiro de regulação foi construído combase em associações entre os serviços e as plataformas tec-nológicas que eles usavam. “Isso não fará mais sentido daqui aalgum tempo, já que todos poderão usar as mesmas tecnolo-gias”, diz. Segundo ele, enquanto as concessionárias do sistemade telefonia fixa seguem uma regulamentação mais rígida eestariam sofrendo restrições para evoluir em seus modelos denegócio, as empresas que entraram na segunda fase da privati-zação (as espelhos e depois as espelhinhos), as operadoras detelefonia móvel e os provedores de internet estão sujeitos a umaregulamentação mais branda e podem modificar sua atuaçãode acordo com as novidades do mercado.

Regulação mínima Na Comunidade Européia, foram gastosquatro anos para mudar o modelo de regulação em busca deuma melhor adaptação ao novo cenário. Os europeus acabaramoptando por sair de um sistema que previa licenças para cadatipo de serviço, como ocorre hoje no Brasil, para uma normaque dispensa todos os participantes de obter autorização paraatuar, desde que se enquadrem em certo número de exigências,voltadas principalmente para o respeito ao consumidor.“O re-gulador europeu só se preocupa com quem tem um controle demercado muito grande”, diz Ripper.

Em recentes consultas públicas, a Anatel também está bus-cando seguir o caminho de regulação mínima, atuando apenasnos casos em que há risco de prática anticompetitiva e criando,para isso, a figura das operadoras com Poder de Mercado Sig-nificativo (PMS). Uma das justificativas é que o mercado a serconsiderado poderá ser revisto ao longo do tempo, contem-plando as mudanças tecnológicas e a convergência. O proble-ma, apontado por Floriano Marques, é que será preciso encon-trar um equilíbrio entre a situação das concessionárias, que jáforam sujeitas a obrigações como as metas de universalização, e

O mercado das telecomunicações

LIGAÇÕES NACIONAIS DE LONGA DISTÂNCIA(participação acumulada no ano

em minutos tarifados – %)

PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS DE TV POR ASSINATURA(outubro 2004 – %)

LIGAÇÕES INTERNACIONAIS DE LONGA DISTÂNCIA(participação acumulada no ano

em minutos tarifados – %)

PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS DE TELEFONIA MÓVEL (outubro 2004 – %)

Embratel

Telefônica

Intelig

Telemar

Outras operadoras

Vivo

Claro

TIM

Oi

Opportunity

Outras operadoras

26,1

25,121,6

20.8

2,7 3,7

60,714,8

13,1

10.50,9

41,9

20,5

20,4

10

6,4 0,8

36,1

22,1

12,6

11,8

2,4

132

Telemar

Telefônica

Embratel

Brasil Telecom

Intelig

Outras operadoras

Fonte: Anatel (dados preliminares)

Net Serviços

Sky Brasil

Abril

DirecTV

Horizon

Televisão Cidade

Outras empresas

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e pe lo desenvo lv imento da comunicação sem f io e das bandas largas de freqüênc ia

a situação das operadoras com PMS.Para o economista e professor da Universidade de Brasília

(UNB) César Mattos, dentro do conceito econômico de con-corrência, ainda não é possível dizer que o telefone móvel sejaum substituto perfeito do fixo, já que eles não têm exatamente amesma função e o mesmo público. Essa é uma dúvida que devesurgir quando forem definidas as abrangências dos mercadossignificativos. Na prática, no entanto, não se pode negar queexiste uma disputa entre os dois tipos de telefone. Em todo omundo, um número cada vez maior de pessoas opta por terapenas um número, que é móvel. No Japão, 35% do tráfego lo-cal já é na rede móvel, enquanto na Europa o percentual é de22% e nos Estados Unidos 20%. No Brasil registra-se uma si-tuação peculiar: a grande abrangência do celular pré-pago, quepossibilita o acesso à comunicação pelas pessoas de renda maisbaixa, que não têm condições de arcar com a assinatura básicado serviço de telefonia fixa.

Contabilidade A integração entre os serviços já acontece nomundo dos negócios, no Brasil. As empresas parceiras ou domesmo grupo estão oferecendo a substituição das tarifas móveispor tarifas fixas nas áreas de origem e o atendimento integradoaos consumidores. A convergência ficará ainda mais explícitaquando começarem a chegar ao país os aparelhos híbridos. Elespossibilitam a conexão pela linha fixa enquanto o usuário estáem casa ou no local de trabalho e, quando ele se desloca, conec-tam-se à rede de telefonia móvel. São os bluephones (telefonesazuis), que já funcionam na Inglaterra. Para Ripper, a partir domomento que uma empresa fixa se funde formalmente a umaoperadora de celular, surgem problemas na regulação.“Começaa se misturar um serviço que é concessão com um que é auto-rização. É preciso haver certas regras, que exijam, entre outrascoisas, contabilidade separada entre as duas partes.”

O presidente da Brasil Telecom GSM, Ricardo Sacramento,diz que as contabilidades já são separadas e garante que a inte-gração irá beneficiar o consumidor. “Não estamos forçando a

Fonte:Telecom 2004

A evolução da concorrência após a privatização

Participação por tipo de empresa no segmento de telefonia f ixa local (em %)

Ano

Concessionárias

Espelho

1998

100

0

1999

100

0

2000

96,4

3,6

2001

96,3

3,7

2002

95,6

4,4

2003

95,2

4,8

38,834,8

3,5

14,3

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Anatel

39,2

46,3

3,5

20,5

39,3

62,1

3,6

19,3

A expansão das telecomunicaçõesA modalidade que mais cresce no

país é a telefonia celular

2002 2003 2004

out. nov. jun. jun.

Estatísticas Gerais (em milhões) - Brasil

Celulares em operação

Telefones f ixos em operação

TVs por assinatura

Usuários residenciais de internet

Mattos, da UNB: “Ainda não é possível dizer que o telefone móvel seja um

substituto perfeito do f ixo”

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Pessoas e empresas já ut i l i zam o serv iço de voz sobre IP que barate ia as l igações

convergência, as pesquisas de mercado com os usuários é quenos indicaram esse caminho. Com isso, pudemos oferecer umdesconto de 45% nas tarifas ao usuário que ligue de um fixopara móvel, e vice-versa, da nossa companhia, o que nos propi-cia aumento do tráfego”, diz. O desconto foi possível porque atarifa de interconexão pelo uso da rede móvel nas ligações defixo para móvel, geralmente bastante alta, passará a ser cobradaentre empresas do mesmo grupo.

Não há como negar, no entanto, que a fragilidade na regula-mentação pode dar margem a uma série de problemas. Existemdecisões antitruste, em alguns países, determinando que asoperadoras fixas vendam seus negócios em outra área. “Oproblema é que a regulação para a telefonia fixa é mais forte. Osistema de tarifação do novo modelo que a Anatel está propon-do prevê que, quanto maior for a taxa de rentabilidade doserviço das fixas, maior deve ser a queda nas tarifas ao consu-midor. Com a união entre as duas empresas, a rentabilidadepode ser transferida para o serviço móvel e, assim, pode-seescapar da redução do preço”, diz Mattos.

Vídeo Outro ponto delicado a ser abordado pelos reguladores éa integração da telefonia com a prestação de serviços de trans-missão de vídeo e de dados. Por um lado, companhias de celularjá têm como oferecer aos clientes a possibilidade de assistir par-tes de programas de TV, filmes ou noticiários. Por outro, as ope-radoras de TV a cabo também se preparam para oferecer ser-viços de voz e de multimídia por meio de sua infra-estrutura. ATV digital também entra em cena abrindo novas fronteiras para

os dois lados: as telecom podem oferecer conteúdo e as empre-sas de radiodifusão podem oferecer serviço de voz e dados. Oproblema é que a Lei Geral de Telecomunicações, a Lei da Radio-difusão, a Lei da TV a cabo e as regras para a internet não têmmuitos pontos em comum.

O advogado Marques ressalta que a mudança é significativaporque, até hoje, a indústria de telecomunicações era a única quenão entregava nenhum conteúdo, fazia apenas o transporte doserviço, ao contrário do que ocorre com a indústria de energiaou de saneamento.“Agora, ela está se aproximando cada vez maisdo fornecimento de conteúdo, o que pode ser constatado pelogrande número de empresas provedoras de serviços de internetproprietárias de teles”, diz. Segundo ele, a possibilidade de uniãodos serviços está causando uma guerra que pega fogo, nos basti-dores, entre as empresas de radiodifusão e as de telefonia celular,cada uma delas invadiram o território das outras. Embora as te-les brasileiras estejam acertando parcerias com empresas como aGlobo para a transmissão de conteúdo, existe um receio no mer-cado de radiodifusão, primeiro porque as companhias de teleco-municações são transnacionais e podem trazer conteúdo es-trangeiro, e depois porque os grupos de mídia brasileiros estãoenfrentando crise financeira e têm menos recursos para investi-mentos do que as teles.

Para evitar maiores dificuldades, as emissoras de TV articu-laram a elaboração de uma proposta de emenda constitucional,apresentada pelo senador Maguito Vilela e já em tramitação noCongresso, que estabelece que as teles também se sujeitem àregra constitucional que limita a 30% a participação de estran-geiros na composição acionária das empresas produtoras deconteúdo.

Toda essa reviravolta acontece em um momento que não édos melhores para a Anatel. A agência, que foi a primeira criadano Brasil, está debilitada e em compasso de espera pela votaçãodo projeto de lei do governo que altera as regras para todas asagências. A proposta, elaborada pela Casa Civil, retira autono-mia e independência dos órgãos reguladores. No caso específi-co da Anatel, haveria também um enfraquecimento pela retira-da do seu poder de conceder licenças – o que passaria a sernovamente atribuição do Ministério das Comunicações.

A quantidade de novidades nessa área é mesmo notável. Noque diz respeito à tecnologia, que vem avançando em ritmo ace-lerado, no que tange aos negócios, que têm se adaptado comopodem para aproveitar as oportunidades que surgem, e tambémna esfera governamental, que faz um enorme esforço para nãoperder o controle da situação e garantir que os interesses dosusuários sejam atendidos. O que se está presenciando é o nasci-mento de um mundo novo comparável àquele que surgiu com ainvenção do telefone e da televisão, no início do século passado.De uma maneira ou de outra, os problemas deverão ser resolvi-dos. E a vida das pessoas jamais será como antes. d

Aguiar, da Anatel: “A legislação tem de se adequar à nova realidade tecnológica”

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G e s n e r O l i v e i r aARTIGO

projeto do governo de Lei Geral deAgências Reguladoras teve sua vota-ção adiada para o início de 2005. É umfato desalentador, dada a urgência em

adotar mecanismos claros para o estímulo doinvestimento privado no país. Entretanto, mes-mo se fosse aprovada em 2004, a proposta esta-ria aquém do que é necessário para aumentar aformação de capital no país.

A arquitetura institucional de agências desegmentos de infra-estrutura é crucial para a de-terminação do risco regulatório e, conseqüente-mente, do investimento. Uma agência reguladoradeve primar pela independência, transparência,delimitação precisa de competência e excelênciatécnica, de forma a garantir previsibilidade e se-gurança jurídica.

Assim, decisões em áreas cruciais de merca-dos regulados devem ser tomadas por colegiadoseminentemente técnicos, com a devida autono-mia gerencial e financeira, que atuem fiscaliza-dos pelos três poderes, com estrita observânciada legislação e máxima transparência. Defini-ções sobre disputas envolvendo o compartilha-mento de infra-estrutura, fusões e aquisições deempresas em telecomunicações, transportes eeletricidade, entre outros segmentos, requeremcritérios claros e estáveis, relativamente imunesaos ciclos político-eleitorais. Deve-se minimizar,portanto, o risco de captura dos reguladores, tan-to pelo poder político quanto pelo econômico.

Para tanto, as agências devem estar sujeitas acontrole externo. A transparência institucionalpode ser protegida caso a legislação obrigue asagências à publicação de suas decisões, parece-res e estudos técnicos na internet. Além disso, énecessário estabelecer formas de prestação decontas mediante, por exemplo, audiências e con-sultas públicas em assuntos considerados estra-tégicos.

Embora o projeto de reforma das agências emtramitação no Congresso contemple alguns des-ses pontos, ainda padece de sérias limitações. Emprimeiro lugar, prevê um contrato de gestão quesubordina excessivamente as agências regula-doras ao Executivo.Isso porque tal instituto pode

constranger o regulador em momentos de even-tual conflito de interesses com o ministério aoqual a agência estiver subordinada. Os con-tratos de gestão propostos objetivam compatibi-lizar as atividades regulatórias aos programasgovernamentais, confundindo a atuação técnicados reguladores com a plataforma política dogoverno. Em contraste, para que haja um cont-role externo adequado, deve-se abandonar aidéia de imposição geral de contratos de gestãoa todas as agências reguladoras e implementarum controle mais sistemático por meio daComissão de Infra-Estrutura do Congresso.

Em segundo lugar, o projeto transfere, nova-mente, o poder concedente aos ministérios, umretrocesso institucional. Isso aumenta a proba-bilidade de interferência política, além de elevaro potencial de duplicação de tarefas entre minis-térios e agências. A gravidade de uma reformacentralizadora das agências transcende o sabidoefeito econômico de inibição ao investimento.Um sistema de monopólios privados sem regu-lação independente pode ser ainda mais perver-so do que o monopólio estatal do passado.A cen-tralização em instâncias políticas de decisões cru-ciais para mercados de utilidades públicas do-minados por operadores privados é um convitepara a distribuição de favores e para a corrup-ção. Em vez de privilegiar o controle político-go-vernamental das agências reguladoras, melhorfaria o governo se reforçasse o controle demo-crático do trabalho das agências pelo Congressoe pela sociedade. A regulação moderna contémmecanismos nesse sentido e alguns deles estãopresentes no próprio projeto de lei.

Apesar dos avanços ocorridos no sistema deregulação de infra-estrutura do país, persistemdúvidas quanto a suas perspectivas futuras. Se aomenos as devidas correções de rumo forem feitasno projeto de reforma das agências, a espera pelaaprovação em 2005 terá tido alguma utilidade.

Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade, é consultor da Tendências, em

São Paulo

Reforma das agências reguladoras

“Um sistema de

monopólios privados

sem regulação

independente pode

ser ainda mais

perverso do que

o monopólio estatal

do passado”

OJosé

Cor

deiro

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32 Desafios • janeiro de 200532 Desafios • janeiro de 2005

Empresas brasi le iras encontram nichos de mercado para pegar a onda do offshoring

SOFTWARE

já é mais que promessa

Exportar

P o r E d m u n d o M . O l i v e i r a , d e B r a s í l i a

Departamento de proteção ao vôo do aeroporto de Congonhas, em São Paulo: o sistema desenvolvido pela empresa Atech ganha concorrências no Brasil e no exterior

Paul

o Li

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Jaguaribe, secretário de Tecnologia Industrial do Ministério doDesenvolvimento, um dos coordenadores da política de softwaredo governo.

No Brasil, por enquanto, empresas como a Stefanini são teco-tecos do offshoring. Mas a velocidade com que elas começam alevantar vôo, conquistando clientes no exterior, pode levá-las aganhar o porte de jatos regionais nos próximos anos. “Aqui naCOM os contratos até agora eram experimentais, na faixa de 1milhão de dólares, mas neste momento estamos negociando nomercado americano acordos de algumas dezenas de milhões dedólares”, informa Ricardo Saur, diretor de Relações Corporati-vas dessa que é a maior empresa da área de serviços de softwaredo país, com forte presença em soluções para o sistema finan-ceiro.As firmas sabem que do outro lado do céu há um arco-íriscom um pote de ouro. Mas é preciso ser uma Embraer para che-gar lá. E é aí que começam os desafios. Desafios que são do setorprivado e do setor público.

Barreiras A grande barreira inicial a derrubar é a do desconhe-cimento do país. “A imagem do Brasil nunca está associada àoferta de tecnologia”, aponta César Gon, um dos sócios daCi&T, de Campinas. Especializada em desenvolvimento desoluções de alto valor agregado, sua firma conta com 190 funcio-nários, basicamente engenheiros, vende às 200 maiores empresasbrasileiras e fechou o ano com faturamento de 20 milhões de

aeroporto de Maiquia, o mais movimentado da vizinhaVenezuela, usa um software desenvolvido no Brasil pa-ra o controle de vôos, o mesmo que é empregado emCongonhas, por exemplo. A Atech Tecnologias Críti-

cas, uma empresa brasileira, disputou a concorrência com a mul-tinacional Raytheon, sediada nos Estados Unidos, e ganhou ocontrato de 1,5 milhão de dólares do governo venezuelano. É umexemplo do potencial do filão de exportação de software que em-presas brasileiras começam a disputar e que tiram o sono deexecutivos como Ailton Nascimento, que migrou do setor fi-nanceiro para a indústria de software. Ele é diretor-responsávelde Serviços Financeiros da Stefanini, uma das cinco maiores em-presas brasileiras do segmento. Desde então Nascimento contri-buiu para uma mudança profunda no enfoque de mercado dacompanhia. “A exportação está deixando de ser só uma pro-messa”, diz ele, lembrando-se de seus dois primeiros anos nafirma.“Hoje, temos uma empresa totalmente comprometida como objetivo de impulsionar as exportações.” Os números impres-sionam. Os contratos de porte que obteve em 2004 nos merca-dos europeu e americano levarão a Stefanini a dar um grande sal-to.As exportações representaram de 4% a 5% do faturamento de300 milhões de reais em 2004 e podem atingir 15% em 2005 e40% em 2007, segundo Nascimento.

Especializada em serviços de tecnologia da informação (TI)para o setor financeiro, a Stefanini descobre aquilo que outrascompanhias brasileiras de software já conhecem há pelo menosdois anos: o mercado mundial de terceirização de serviços de TI,o chamado outsourcing offshoring, é um céu para muitos aviões. Étão vasto que nele cabem mais que os Jumbos habituais – IBM,EDS, HP, Accenture e outras multinacionais americanas, euro-péias e japonesas. Cabem as cada vez mais ágeis e robustas firmasindianas Tata, Infosys e Wipro, que faturam na casa do bilhão dedólares por ano.

Mercado A tendência é realmente poderosa. O instituto norte-americano de pesquisas e análises Gartner estima que o merca-do mundial de software e de TI atingiu 700 bilhões de dólaresneste ano, dos quais 608 bilhões de dólares em TI (leia tabela na

página 35). O outsourcing, que se concentra principalmente emserviços profissionais de TI, deve ter ficado em 178 bilhões dedólares este ano, com previsão de chegar a 234 bilhões de dó-lares em 2008. Só na área financeira dos Estados Unidos, ban-cos e seguradoras compraram serviços no valor de 4,8 bilhõesde dólares no ano passado. Em 2006, a previsão é de 7,5 bilhõesde dólares, segundo o Gartner. Mesmo com as pressões políti-cas contrárias aos contratos feitos em outros países (offshoring),existentes nos Estados Unidos, a guerra competitiva entre as em-presas e a possibilidade de trabalhar remotamente, a custos bemmenores, tornam irresistível a terceirização de serviços de TI.

Por isso despontam empresas a cada dia na China, Israel, LesteEuropeu,América Latina e outras partes do Globo.“Praticamentenão há país emergente hoje em dia que não tenha programa paraajudar suas empresas a pegar a onda do offshoring”, diz Roberto

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Distribuição regional de empresas

de informáticaInclui consultorias de sistema, bancos de dados, manutenção e processamento de dados

6.69157,6%

1.36111,7%

2942,5%

8827,6%

2.39120,6%

Total 11.619100%

Fonte:Ministério do Trabalho (Rais 2001)

O

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reais. É de sua autoria o sistema de controle de estocagem e abas-tecimento da Petrobras.“Começamos a investir no mercado ame-ricano em 2002 e no ano passado exportamos 500 mil dólares”,informa Gon. Em 2005, o valor dobra, e em cinco anos ele querque as exportações representem 50% do faturamento da empresa.

Mas o convencimento do cliente americano é mesmo demo-rado.“Gasto 80% da janela de vendas falando do Brasil e da suacompetência em TI”, conta o empresário, que tem viajado umavez por mês aos Estados Unidos.“Nenhum executivo de empre-sa norte-americana é demitido por contratar serviços na Índia,já o Brasil é visto basicamente como fornecedor de commoditiesagrícolas.” Para Nascimento, da Stefanini, essa barreira cairáquando houver referências de grandes volumes entregues porempresas brasileiras.

Articulação O exemplo indiano dos anos 90 ensinou algo sobreisso. Empresas e governo estruturaram um programa agressivode oferta de serviços no mercado internacional, cuja ponta maisativa é a Associação Nacional de Empresas de Software e Servi-ços (Nasscom, da sigla em inglês), uma agência de promoção daindústria de software apoiada pelo governo indiano. Líder do off-shoring entre os países emergentes, a Índia fatura de sete a oitobilhões de dólares em vendas mundiais e tem planos de chegar a50 bilhões de dólares em 2008. O país forma cerca de 100 mil en-genheiros de software por ano, com proficiência em inglês, e temsalários irrisórios se comparados aos dos americanos. Alémdisso, há uma vasta rede com milhares de trabalhadores e em-presários indianos espalhados por toda a indústria de TI dosEUA, o que funciona como um poderoso marketing natural.

O segundo grande desafio no Brasil é ter uma articulação dosempresários e do governo tão eficaz quanto a que os indianosconseguiram. A pulverização da representação empresarial naindústria de software é grande, e a articulação com o governo,ainda pequena.“Existem mais de 10 mil firmas e umas 20 enti-dades empresariais, das quais cinco com certa representativi-dade”, aponta Gon.Algumas iniciativas mais consistentes de ar-ticulação estão em andamento, no âmbito da Política Indus-trial, Tecnológica e de Comércio Exterior do governo (leia o

quadro na página 36), mas a grande barreira a vencer é a da pe-netração nos mercados.Até houve alguma articulação nos anos90, com a criação da Sociedade para Promoção da Excelência doSoftware Brasileiro (Softex), que nasceu como uma instituiçãodo governo e fixou o objetivo, frustrado, de o país atingir 2 bi-lhões de dólares de exportações em 2002. Tudo se passou, po-rém, como se a pirâmide devesse ser erguida a partir do vértice.“Hoje, a Softex fala mais a língua da indústria, mas na décadapassada ela fez feiras enormes no exterior com poucos empresá-rios e dezenas de representantes do governo e das entidades”, dizGon, que é membro do núcleo campineiro da Sociedade Softex,hoje uma instituição desvinculada do governo.

34 Desafios • janeiro de 2005

O m e r c a d o m u n d i a l d e s o f t w a r e e d e t e c n o l o g i a d a i n f o r m a ç ã o a t i n g i u

Takahashi Muta, da Atech (no alto), Nascimento, da Stefanini (no centro), e

Consentino, da Microsiga: sucesso nas vendas externas

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7 0 0 b i l h õ e s d e d ó l a r e s e m 2 0 0 4 . E a t e r c e i r i z a ç ã o f a v o r e c e o B r a s i l

Mercado de tecnologia em expansão

Despesas mundiais dos usuários f inais (em bilhões de dólares)

Tipo de serviço prof issional 2003 2004 2005 2006 2007 Variação 2003/2007

Consultoria 5,9 6,1 6,4 6,7 7,2 22,0%

Desenvolvimento e integração 23,6 24,9 26,1 28,1 31,2 32,2%

Gestão de TI 135,1 146,9 156,7 167,8 180,0 33,2%

Total 164,6 177,9 189,2 202,6 218,4 32,7%

Fonte: Gartner Dataquest, Global Insight (setembro, 2004)

Crescem as compras no exterior

Mercado de outsourcing (em bilhões de dólares)

Para penetrar nos mercados é necessário vencer uma terceiradificuldade, a do conhecimento dos mercados. E o desafio é ain-da maior para as empresas que se aventuram a vender produtos,área em que transitam nomes como Microsoft, Oracle e SAP.“Existe um espaço importante para soluções de gestão e planeja-mento empresarial, bem como softwares verticais em pequenas emédias empresas no mundo todo”, diz o engenheiro LaércioConsentino, presidente da paulistana Microsiga. Com subsi-diárias e franquias, a Microsiga, maior empresa do segmento deprodutos do país, espraia-se do México à Argentina.“O segredoé oferecer às empresas o que se chama de inteligência de negó-cios, ou seja, transformar dados em informação, informação emconhecimento e conhecimento em estratégia.”

Adaptação Mas, por mais valor que um produto tenha, ele nãovence apenas pela qualidade. As peculiaridades locais podemser determinantes. “Nem o México nem a Argentina possuemum sistema de pagamentos eficiente como o brasileiro. Assim,uma fatura vence em qualquer dia do mês nesses países, não nu-ma data certa”, diz o presidente da Microsiga. Situações comoessa fazem toda a diferença na modelagem do negócio fora dopaís.“Em nossas subsidiárias, a parte financeira sempre está nasmãos de um brasileiro, mas a operacional é dirigida por uma

2003 2004 2005 2006 2007 Variação 2003/2007

Software 87,9 92,5 98,1 104,4 111,4 26,7%

Serviços de tecnologia da informação 568,9 608,1 639,2 676,6 717,9 26,2%

Total 656,8 700,6 737,3 781,0 829,3 26,3%

pessoa do local”, explica. “A mensagem da empresa precisa serlevada na linguagem deles.”

Vantagens Em que pese a garra da Microsiga e de outras empre-sas desse segmento, existe um razoável consenso na indústriade que a maior potencialidade de mercado para as empresas bra-sileiras está nos serviços de alto valor agregado. Não está no li-cenciamento de produtos nem nos serviços do tipo commodity,como centros de atendimento ao usuário (help desks e call cen-ters), manutenção de software e outras áreas de menor valor emque a Índia é imbatível. Inúmeras empresas norte-americanastransferiram suas centrais de atendimento para a Índia, apro-veitando custos mais baixos e o grande número de pessoas fluen-tes em inglês. Nesse mercado, os indianos não podem tirar ne-gócios dos brasileiros, devido ao problema da língua e, alémdisso, muitas empresas, como a Eletropaulo, preferem mantercentrais de atendimento próprias e não-terceirizadas. Para Ri-cardo Saur, também diretor-executivo da Associação Brasileiradas Empresas de Software para Exportação (Brasscom), umaassociação fundada em meados de 2004, inspirada na Nasscom,as firmas brasileiras devem concentrar-se na busca de contratosde serviços de maior valor agregado. A terceirização de funçõescríticas das empresas americanas está avançando rapidamente e,

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nessa fase, o que conta é ter profundo conhecimento dos pro-cessos e das necessidades dos clientes. “As empresas brasileirasestão habituadas a prestar serviços na área financeira”, diz Saur.

Esse foi o caminho escolhido pela Atech,sediada em São Pauloe criada em 1997 para atuar como integradora do Sistema deVigilância da Amazônia (Sivam). Segundo o engenheiro Tarcí-sio Takashi Muta, presidente da Atech, o Brasil tem de exploraro filão de soluções de alta tecnologia e maior sofisticação, e nãoprocurar fornecer mão-de-obra para programação destinada aempresas de países desenvolvidos. Foi o que fez a Atech aovender o sistema de controle de tráfego aéreo do aeroporto ve-nezuelano de Maiquia. Superou, na concorrência aberta pelogoverno venezuelano, a gigante norte-americana Raytheon (quefoi sua parceira na implantação do Sivam) e ficou com o contra-to. A Atech já tinha fornecido os sistemas de controle de vôopara a Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Es-paço Aéreo da Aeronáutica Brasileira, incluindo o principal cen-tro de controle, o Sindacta de Brasília, e é a primeira empresa dospaíses em desenvolvimento que domina essa tecnologia.

Avesso Essa é uma diferença importante em relação aos india-nos. O país asiático exporta muito, mas tem um mercado inter-no raquítico – da ordem de 1 bilhão de dólares de negóciosanuais. Além disso, tem uma infra-estrutura de telecomunica-ções e de serviços bancários pouco desenvolvida. No Brasil, é oinverso.A infra-estrutura nas duas áreas é boa e o mercado inter-no de software gira entre sete e oito bilhões de dólares, enquan-

36 Desafios • janeiro de 2005

L í d e r do o f f sho r i ng en t r e os emergen tes , a Í nd i a fa t u ra de se te a o i to b i l h ões

Os programas de incentivo à exportaçãoestão progredindo no governo e na iniciativaprivada. Ainda em dezembro, a associaçãoBrasscom e a agência de fomento Finep, do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, firmaram umconvênio para contratar estudo de uma consul-toria internacional, a mesma que fez trabalho se-melhante para a Nasscom indiana, a americanaMckinsey. Os custos são divididos meio a meio.“O objetivo é duplo: quem ainda não conhece oscaminhos do offshoring pode aprender mais rá-pido; quem já conhece passa a ter a referênciade uma grife internacional para apresentar aos

clientes”, diz Ricardo Saur, da Brasscom.“O es-tudo visa apontar a maneira mais adequada pa-ra o Brasil tornar-se uma potência em exportaçãode software.”

Essa ação foi decidida no âmbito da políti-ca industrial do governo, lançada no fim de mar-ço de 2003. Demorou mais do que o esperadopara ser definida, mas apresentará os primei-ros resultados rapidamente, quatro meses apósa assinatura do contrato. O foco do trabalho vaise dirigir a três países: Estados Unidos, Portu-gal e Espanha.“Ele determinará quais segmen-tos de software e serviços correlatos valem mais

a pena, como os da área financeira e de segu-ros”, explica Saur.“Também demonstrará os ti-pos de expertise que os segmentos escolhidosexigem, que tecnologias mais utilizam.”

Na esteira dessa pesquisa, Saur pretendeconduzir um trabalho concentrado e específicode divulgação para firmar a imagem de compe-tência do Brasil em TI.“Vamos fazer pelo menosum seminário nos Estados Unidos e na Europareunindo os principais executivos das compa-nhias compradoras, traremos alguns deles aopaís e pediremos avaliações no final da mobili-zação”, explica Saur.Ao concluir esse trabalho,ainda em 2005, ele espera ter um material con-sistente de divulgação para entregar à Agênciade Promoção de Exportações (Apex).

Outro projeto em fase final de análise é o

Providências práticas

to as exportações conhecidas não passam de 100 milhões dedólares. Mesmo que as maiores empresas brasileiras sejam, namétrica internacional, pequenas e absorvam não mais do que20% dos segmentos de produtos e serviços, elas atuam em áreasnobres e participam de um ambiente muito competitivo e dinâ-mico. Precisam disputar cada centímetro com as grandes com-panhias internacionais, que, por sua vez, trazem práticas que me-lhoram a qualidade de toda a indústria.

Certificação Os fatores decisivos nos contratos de maior valoragregado são preço, qualificação e conhecimento do negócio.Asempresas indianas estão muito à frente das brasileiras em quali-ficação, mas em preço e conhecimento do negócio, não.A Índiaconstruiu reputação certificando maciçamente suas empresasem Capability Maturity Model (CMM, o critério de certifica-ção de competência na área de sofware) até o nível máximo. Aescala CMM vai de 1 a 5 e poucas são as empresas brasileirasque, como a Ci&T e a Stefanini, possuem certificação 3. Aindaassim, mesmo com a oferta abundante de mão-de-obra, os sa-lários para as funções mais qualificadas sobem 30% ao ano naÍndia, segundo César Gon.“Nos contratos dessa faixa superiorde mercado, o máximo que uma consultoria norte-americanapode cobrar de seus clientes no país é 100 mil dólares por pro-fissional e esse valor cai para 50 mil a 60 mil dólares tanto nas em-presas brasileiras quanto nas indianas.”

Em relação ao conhecimento do processo de negócio, Goncita um exemplo ilustrativo: “As chances de uma empresa bra-

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d e d ó l a r e s em ex po r t a ç õ e s e q u e r c h ega r a 50 b i l h õ e s d e d ó l a r e s em 2008

da Apex com a Softex.Trata-se de um programapara dois anos no valor de 20 milhões de reais,dos quais 8,3 milhões de reais financiados pe-la Apex e 11,7 milhões de reais mobilizados pe-la Softex, sendo 30% de recursos públicos e70% das 95 empresas que integram o projeto,segundo Djalma Petit, coordenador-geral daSoftex. Integram ainda o programa cinco fun-dações, como CPqD, de Campinas, Inatel, deSanta Rita do Sapucaí (MG), e Atech, de SãoPaulo.“O objetivo é gerar contratos qualificadoscom as empresas internacionais e fortalecer aimagem de excelência em tecnologia da infor-mação”, diz Petit.

O programa divide-se em três áreas:• apoio a 15 empresas brasileiras interes-

sadas em aumentar a competitividade nas dis-

putas de contratos de outsourcing offshoring;• apoio a 56 empresas dedicadas à venda

de soluções semi customizadas nas áreas de fi-nanças, telecomunicações, segurança, governoeletrônico, gestão empresarial, saúde e internet;

• apoio a 11 empresas focadas em vendade ASP (uso de software pela internet) e down-load.A primeira área engloba 35% do projeto eas duas seguintes 65%. O programa destacaainda a iniciativa de monitoramento de RFP(request for proposal), um dos mecanismosmais usados pelas grandes empresas globaispara contratar serviços e soluções. As proje-ções são entusiasmadoras. Segundo Petit, indi-cam um potencial de exportações de 16 mi-lhões de dólares no primeiro ano, 43 milhões dedólares no segundo e 200 milhões de dólares no

quarto ano, por ação direta do programa.A Softex aposta ainda em uma iniciativa

promissora com a China. Com recursos do FundoVerde-Amarelo repassados pela Finep, a Softexabriu o que chama de Tech Out Center em Cam-pina Grande, na Paraíba. Os chineses fizeram omesmo na cidade de Zhao Kiang, na região deCantão, ao sul do país. Os Tech Out Center, têma função de identificar demandas e buscar asempresas que podem desenvolver soluções.“Oprincipal projeto em andamento, agora, é umpiloto de governo eletrônico com o apoio dogoverno chinês”, informa Petit.“Se ele se mos-trar uma boa solução, poderá ser estendido atodo o país.”Nesse programa, 14 empresas bra-sileiras de software estão sendo avaliadas pe-los chineses para fornecimento de soluções.

Call center de Eletropaulo em São Paulo: o serviço cresce, mas os exportadores estão interessados em produtos com maior valor agregado

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A f l e x i b i l i d a d e e a c r i a t i v i d ad e d o s b r a s i l e i r o s g a r a n t em e s p a ç o n o me r c ad o

sileira ao disputar um contrato para um sistema de gestão decartão de crédito crescem até pelo fato de que os seus engenhei-ros possuem cartões de crédito, o que nem sempre ocorre naÍndia”. Em sua opinião, pelo histórico de instabilidades do país,o engenheiro brasileiro que faz a especificação de um sistema émais adaptado a mudanças bruscas. “Nos Estados Unidos, asempresas mudam não por causa de instabilidades, mas por in-cessante busca de competitividade.”

Outros fatores contam quando o que está em questão é essarelação mais estruturada e freqüente entre comprador e forne-cedor. Na descrição de Ricardo Saur, surge a necessidade de um“tradutor”, o profissional capaz de produzir uma especificaçãodetalhada para os programadores sem perder a noção de con-junto, garantindo sua funcionalidade no negócio.“Então, fato-res como fuso horário, distância, costumes e barreiras culturaispassam a ser importantes.”Nesses quesitos, é comum os especia-listas apontarem vantagens para as empresas brasileiras. “A fle-xibilidade e a criatividade dos brasileiros no desenvolvimentode software garantem um espaço grande para as empresas cres-cerem”, diz Ione Coco, vice-presidente do Gartner no Brasil,líder mundial em pesquisas de TI.

Limites Mesmo com essas vantagens, é preciso volume de recur-sos humanos. Hoje, o Brasil dispõe de 200 mil profissionais desoftware. Para exportar dois bilhões de dólares anuais em 2007,conforme a meta da política industrial, serão necessários mais100 mil profissionais, segundo os cálculos de Djalma Petit, coor-denador-geral da Softex. Atualmente, são formados a cada ano25 mil profissionais, 10 mil em nível técnico.“É fundamental fa-

zer um esforço de formação de engenheiros e técnicos nos pró-ximos dois anos”, diz Antenor Corrêa, da Secretaria de Políticade Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Outro ponto a solucionar é a estatística deficiente da indústriade software no país.“A rigor, não se sabe o número exato das ex-portações do Brasil, porque a estatística do Banco Central nãocapta o valor obtido na venda de serviços de software”, afirmaCorrêa.Sem dados confiáveis fica difícil a concepção dos projetose também a avaliação da eficácia. Os problemas não estão só noBanco Centrail, as empresas não ajudam, acrescenta Coco, daGartner do Brasil.“Além de o universo das firmas ser muito pulve-rizado, nunca conseguimos fazer uma pesquisa representativa.”

O ajuste da tributação será outro passo necessário, segundoCésar Gon. Ele cita como exemplo um caso vivido em sua em-presa. Para atingir o estágio 3 de certificação CMM, a Ci&T tevede trazer dos EUA um especialista reconhecido pela Universida-de Carnegie Mellon, que é a instituição criadora da norma.“Sóisso custou 50 mil dólares e tivemos de pagar impostos sobre a re-messa desse dinheiro”, afirma Gon.

Outra necessidade: ajustes internos para melhorar o offshoringdas empresas multinacionais. No momento, a Receita Federal dis-cute com a indústria a adoção de uma regra que garanta a isen-ção de impostos nos serviços e bens comprados no Brasil em-pregados na venda de serviços de TI para as matrizes e outrosmercados. O Regime Especial para Plataforma de Exportação deServiços de TI (Repes) é uma das medidas a ser adotadas bre-vemente como resultado dessas discussões.

Crédito A melhora da linha de financiamento do ProSoft Ex-portação, oferecida pelo Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), é outro ponto que vem sendosubmetido a análise, segundo Helena Teixeira, gerente de opera-ções de comércio exterior da carteira de pequenas e médias em-presas do banco. Embora a linha ProSoft Empresa do BNDES, re-formulada após o lançamento da política industrial, tenha feitoprogressos, a do ProSoft Exportação, que é nova, não decolou.Entre 1999 e 2003, o ProSoft emprestou 65 milhões de reais. Deabril a outubro de 2004, o banco recebeu consultas no valor de104 milhões de reais e desembolsou 31 milhões de reais. Já oProSoft Exportação não teve registro de operações.“O softwarenão é mercadoria física, não tem, por exemplo, uma classifica-ção na nomenclatura comum do Mercosul e é, portanto, muitodifícil comprovar o embarque, o que dificulta o financiamento”,explica Teixeira. Ela informa que o banco discute com a indústriae o governo formas de ajustar esse tipo de financiamento.

Esses e outros acertos estão na pauta do governo e das empre-sas. Embora nem sempre se caminhe com a rapidez necessária,o sentimento positivo de mudanças no setor de software pode serresumido na afirmação de César Gon: “Não dá para mudar deuma hora para outra, mas estamos aprendendo rápido”.

Saur, da CPM: serviços na área financeira

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L u i s C l a u d i o K u b o t aARTIGO

oftware é uma das opções estratégicasda Política Industrial, Tecnológica e deComércio Exterior (PITCE) do governofederal. Trata-se de um setor dinâmico,

que possui um papel central no cenário de con-vergência das tecnologias da informação e comu-nicação. O software contribui para as inovaçõesnas mais variadas áreas de atuação: medicina,educação, gestão empresarial, telecomunicações,entre outras.

A indústria brasileira de software enfrentaalgumas dificuldades nos âmbitos interno e ex-terno. Uma delas é o baixo nível de internacio-nalização das empresas. Há um número reduzi-do de técnicos estrangeiros atuando no setor nopaís e poucos brasileiros estudando ou traba-lhando com tecnologia da informação e comu-nicação (TIC) no exterior. Trata-se de uma des-vantagem quando comparamos com os casosirlandês e indiano. Executivos irlandeses emtransnacionais nos Estados Unidos atuam nosentido de desenvolver a indústria irlandesa. Eos indianos representam expressivos contingen-tes de estudantes e trabalhadores do setor de TICradicados nos países centrais. Irlanda e Índia,que possuem mercados internos pouco expres-sivos, voltaram-se para o mercado externo, con-seguindo associar sua imagem à TIC. A fluênciado idioma inglês é outro diferencial.

A indústria brasileira,ao contrário,serve a ummercado de porte. Além das tradicionais ques-tões tributárias e trabalhistas, um dos principaisgargalos no âmbito interno é o crédito.A indús-tria de software possui níveis extremamente bai-xos de ativo imobilizado, que serve de garantiaem financiamentos. O Prosoft, do BNDES, pro-grama que financia as empresas e os comprado-res, teve sua carteira dobrada em 2004, mas ain-da atende poucos. Entrevistamos empresáriosque se queixaram de ter “batido em todas as por-tas”, sem conseguir levantar recursos. No Brasil,praticamente inexiste a figura do angel, empre-sário que ajuda a financiar as empresas de tec-nologia nos seus primeiros passos. As empresasde venture capital, por sua vez, em geral só se in-teressam por empreendimentos que já atingiram

certo grau de amadurecimento e de obtenção dereceitas, devido aos riscos e aos custos de admi-nistração e controle. Uma solução seria a con-cretização do instrumento de “capital semente”(seed money) para auxiliar na geração de empre-sas de base tecnológica, como as de software. Háum grupo envolvendo governo e entidades de-senhando instrumentos específicos para capitalempreendedor (ou capital de risco), que, se efe-tivos, podem ajudar a impulsionar a indústriade software.

Certificados como o Capability Maturity Mo-del (CMM) vêm ganhando importância crescenteno mercado internacional e também em licita-ções públicas.A carência de certificadoras nacio-nais contribui para elevar ainda mais os custospara a certificação, que são significativos, espe-cialmente para as pequenas empresas.O processode certificação não só contribui para a melhoriada qualidade do processo produtivo, como exer-ce um papel de sinalização para o mercado.

Outra dificuldade diz respeito à falta de visãode negócios e de mercado por parte dos empre-sários brasileiros, que em sua maioria dirigemoperações de pequeno porte. A experiência daD’Accord – uma firma de Recife – mostra que,com um bom modelo de negócios, mesmo pe-quenas empresas podem crescer no Brasil e noexterior. A D’Accord “localizou” (traduziu eadaptou) o produto D’Accord Violão, desenvol-vendo parcerias estratégicas no exterior, pararomper o receio dos consumidores estrangeirosde negociar com uma desconhecida empresa bra-sileira. Como resultado, 60% de seu faturamentoé gerado pelas exportações, principal fonte de re-cursos para investimento em pesquisa e desen-volvimento de novos produtos.

Explorando os pontos fortes de nossa indús-tria, como flexibilidade e criatividade, sofistica-ção do mercado interno e empresas competitivasem alguns setores, e concomitantemente atacan-do os gargalos mencionados, será possível criarmelhores condições para o crescimento das em-presas brasileiras no país e no exterior.

Luiz Claudio Kubota é pesquisador do Ipea

Desafios para a política de software

“Além das

tradicionais questões

tributárias e

trabalhistas, um

dos principais

gargalos no âmbito

interno é o crédito”

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40 Desafios • janeiro de 2005

AÇÃO SOCIAL

busca de resultados para problemas que, até pouco, eram en-tregues exclusivamente à responsabilidade governamental. “Osresultados refletem a ampliação da participação da sociedadena vida social e política. A participação em ações comunitáriasde maneira organizada e a busca da defesa de direitos consoli-daram a democracia”, diz Anna Maria Peliano, diretora de Es-tudos Sociais do Ipea.

O Sudeste concentra a maior parte das Fasfil: 43,9% do total,sendo que São Paulo e Minas Gerais abrigam um terço dasorganizações existentes em todo o Brasil. Se for levada em contaa distribuição da população brasileira, o Sul engloba o maiornúmero de entidades proporcionalmente, com 23% do total.No Nordeste estão 22,2%, no Centro-Oeste 6,58% e no Norte4%. Para Leilah Landim, antropóloga e professora da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro, a pesquisa ajuda a derrubarpreconceitos e fantasias sobre o setor, além de fomentar pes-quisas e debates de aprimoramento profissional e administrati-vo.“Nessa área, como em qualquer outra, existem aspectos po-

sitivos e negativos. O mapeamento permite que os debates emtorno do tema sejam mais objetivos”.

A maior parte das organizações brasileiras sem fins lucra-tivos, 61,5%, tem hoje menos de 14 anos de existência.“A déca-da de 90 foi uma época de renovação, e os diferentes atores so-ciais passaram a buscar formas específicas de atuação quandonotaram que havia espaço para isso”, explica Landim. Nessaépoca multiplicaram-se as organizações voltadas para a defesade direitos humanos, meio ambiente, associações comunitáriase de moradores, patronais e profissionais, que quadruplicaramentre 1996 e 2002, passando de 11 mil para 45 mil.“Elas defen-dem causas sociais”, diz Peliano.

O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), deBrasília, é um exemplo de instituição voltada para a defesa dedireitos humanos, no caso, das mulheres.A atuação dos 18 pro-fissionais que ali trabalham é bastante específica.“Fazemos in-terlocução especializada junto a parlamentares de níveis fede-ral, estadual e municipal, além de gestores públicos, para influen-ciar a definição de legislação e de políticas públicas voltadaspara o público feminino”, diz a socióloga Almira Rodrigues, di-retora da entidade.

Sobre o porte das Fasfil a pesquisa constatou que 77% delasnão têm empregados. “É um mar de pequenas entidades, quetrabalham com o apoio de voluntários e serviços informais ou

caba de ser divulgado o mais completo retrato já pro-duzido no Brasil sobre as Fundações Privadas eAssociações Sem Fins Lucrativos (Fasfil). A pesquisa,realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Apli-

cada (Ipea), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), Associação Brasileira de Organizações Não-Gover-namentais (Abong) e Grupo de Institutos, Fundações e Empre-sas (Gife), revela que entre 1996 e 2002 o número dessas or-ganizações cresceu 157%. Em 2002 funcionavam no país 275,8mil entidades, com 1,5 milhão de funcionários com renda mé-dia de 4,5 salários mínimos cada um. O quadro demonstraclaramente o aumento do envolvimento dos brasileiros na

P o r M a y s a P r o v e d e l l o , d e B r a s í l i a

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terceirizados”, diz Peliano. As estimativas não oficiais são deque no Brasil, hoje, atuem aproximadamente 20 milhões devoluntários, o que equivale a 13 vezes o número de funcioná-rios registrados no setor. Por outro lado, apenas 1% das organi-zações emprega 61% dos trabalhadores do setor. Cada umaconta com mais de 100 assalariados. Isso significa que cerca de2,5 mil organizações absorvem quase um milhão de trabalha-dores. Entre elas estão as unidades de educação e de saúde con-sideradas filantrópicas, e mais da metade dos assalariados dosetor não lucrativo brasileiro – 52% – trabalham nessas duasáreas (veja gráfico abaixo).

Projetos Um caso de iniciativa bem sucedida é o Projeto Axé, naBahia. Cesare de Florio La Rocca não imaginava que sua idéiade criar um espaço educativo para meninos e meninas de Sal-vador vítimas da exclusão social fosse transformar-se numa dasmais conhecidas organizações não-governamentais do país,atualmente com 118 funcionários, responsáveis pelo atendi-mento a 1,5 mil jovens. O Projeto Axé buscou transcender oconceito de que a arte é apenas um instrumento de educaçãopara utilizá-la como “a própria educação”.Assim, os jovens têmacesso às várias linguagens artísticas com uma dupla finalidade:a formação e a profissionalização. Hoje, o projeto tem finan-ciadores nacionais e internacionais e já inspirou a criação de

Concentração de trabalhadoresAs áreas em que há maior volume de empregados

(em porcentagem do total dos que atuam no setor)

Educação 29% Saúde 23% Assistência Social 14% Outros 34%

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Os dados demonstram que a participação da sociedade em ações comunitárias cresceu

outras iniciativas semelhantes no Brasil e no exterior.Outra experiência é a Associação dos Judocas do Brasil, cria-

da pelo policial civil e atleta Altair Bezerra de Araújo. Com oobjetivo de oferecer oportunidades esportivas a crianças e ado-lescentes da periferia de Brasília, ela funciona desde julho com aajuda de 36 voluntários, em sua maioria judocas. Eles oferecemauxílio esporádico e difuso, que vai desde a manutenção deuma página na internet até a busca de recursos. Por enquanto, aentidade é mantida com doações de pessoas físicas, no valormínimo de 15 reais mensais. “O que fazemos é dar transporte,lanche e a aula de judô numa academia próxima à casa dos be-neficiados”, explica Araújo. O dinheiro arrecadado até o mo-mento permite o atendimento de 21 crianças, mas a meta para2005 é elevar esse número para 210.“Há alguns possíveis finan-ciadores em vista e estamos otimistas.”

“A pesquisa demonstra que o campo das organizações não-lucrativas tem grande importância social e política e não deveser tratado como um setor único, mas como um reflexo dacomplexidade da sociedade brasileira”, diz a professora LeilahLandim. Os dados levantados abrem campo para novas pes-quisas, para trabalhos analíticos e, o melhor de tudo, para aação propriamente dita.

Metodologia de pesquisaA pesquisa foi realizada com base numa análise dos dados do

Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE, que reúne firmase instituições que exercem alguma atividade financeira. Na análiseforam selecionadas as entidades que atendem aos seguintes cri-térios: ser privada, sem fins lucrativos, legalmente constituída,auto-administrada e voluntária. Com a triagem, das 500.155 orga-nizações privadas e sem fins lucrativos registradas no Cempre,275.895 passaram a compor a amostra.

Integrantes do Cfemea, organização dedicada à defesa dos direitos das mulheres; acima, a socióloga Almira Rodrigues, diretora da entidade

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Entenda o debate em torno do projeto de transposição

de águas do rio São Francisco, que pode resgatar da

miséria 12 mi lhões de brasi le iros no semi-árido do país

virar mar?O sertão vai

arinhosamente chamado de Ve-lho Chico, o rio São Francisco,considerado o rio da unidadenacional por ligar a região Su-

deste à Zona da Mata nordestina, tem si-do pomo de discórdias nos últimos tem-pos. Isso porque o governo ressuscitouum antigo projeto, dos tempos imperiais:o de aproveitar suas águas para minoraros efeitos da seca no semi-árido nordesti-no. A providência terá repercussão posi-tiva na vida de 12 milhões de brasileiros,que passarão a ter condições, ao menos,de manter a higiene pessoal e de desen-volver a agricultura de subsistência –fatores essenciais para que ultrapassem alinha da pobreza absoluta.

A polêmica não se dá em torno danecessidade de criar melhores condiçõesde vida para o povo que vive próximo aorio mas não tem acesso a suas águas. So-bre isso há consenso. Também é pontopacífico que a transposição do VelhoChico será insuficiente para resolver oproblema: será preciso tomar uma sériede outras iniciativas, como a construçãode cisternas (leia quadro na página 51) e arecuperação das margens do rio, que fo-ram degradadas pela exploração desor-denada. O que se discute é se uma obrade desvio seria a melhor solução. Con-trários à idéia são, principalmente, os po-líticos de estados banhados pelo SãoFrancisco, cuja população é menos sofri-

Cda. Aqueles oriundos de regiões que sebeneficiariam da obra, como Ceará, Pa-raíba, Rio Grande do Norte e o sertãopernambucano, apóiam a proposta.

Mobilização De qualquer forma, o proje-to já foi incluído no Plano Plurianual2004/2007 do governo federal e contacom recursos de 1,5 bilhão de dólares.Prevê a captação de água do São Fran-cisco entre as barragens de Sobradinho,na Bahia, e Itaparica, em Pernambuco,por meio de dois sistemas independentes(veja mapa na pág. 48). O eixo norte, comaproximadamente 402 quilômetros, vaidemandar investimento de 472 milhõesde dólares, e o eixo leste, com cerca de220 quilômetros, tem investimento pre-visto de 1,03 bilhão de dólares.A primei-ra fase, que envolve a construção dos doiseixos, poderá estar pronta já em julho de2006. E se tudo correr bem o sistemalevará de 15 a 20 anos para estar em plenaoperação. Isso porque, para que a águados açudes chegue aos usuários finais,será preciso que estados e municípios semobilizem para a construção de dutos ecanais.

“O governo federal será executor doprojeto.Aos estados caberá a distribuiçãoda água”, diz Pedro Brito, coordenador-geral do projeto no Ministério da Inte-gração Nacional (MIN) e chefe de gabi-nete do ministro Ciro Gomes. Segundo

ele, a região a ser beneficiada já contacom uma infra-estrutura de açudes, apartir dos quais existe uma rede de adu-toras implantadas, em implantação ouplanejadas.“Será função dos estados im-plementar um processo eficiente de ges-tão da água, construir um sistema deintegração de suas próprias bacias e darcontinuidade ao planejamento e à im-plantação de uma malha de adutoras quetransporte a água até as redes de dis-tribuição.” Ainda de acordo com Brito,água guardada é também água roubadapela evaporação. “O projeto de integra-ção das bacias permitirá que se use me-lhor a água armazenada nos açudes, re-duzindo as perdas, pois, se São Pedro fa-lhar e a chuva não chegar para encher osaçudes, o São Francisco garantirá a águapara as necessidades prioritárias.”

Integração No governo, essa empreitadavem sendo chamada de “integração dorio São Francisco com as bacias hidro-gráficas do nordeste setentrional”. Ainterligação do Velho Chico com os gran-des reservatórios de quatro estados ga-rantirá oferta estável de água às regiõesmais penalizadas pela seca, já que os ci-clos dos rios do Nordeste são comple-mentares. Como diz Marcondes Gade-lha, deputado federal pelo PTB da Paraí-ba,“chove nas cabeceiras do Velho Chicojustamente quando há mais necessidade

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de água no semi-árido e vice-versa”.O sistema previsto é composto por

canais, estações de bombeamento deágua, pequenos reservatórios e usinas hi-drelétricas, para atender às necessidadesde abastecimento de municípios dosemi-árido, do agreste pernambucano eda região metropolitana de Fortaleza. Asbacias hidrográficas beneficiadas seriamas do rio Jaguaribe, no Ceará, do rio Pi-ranhas-Açu, na Paraíba e no Rio Grandedo Norte, do rio Paraíba, na Paraíba, edos rios Moxotó, Terra Nova e Brígida,em Pernambuco, na bacia do São Fran-cisco.A partir dos pontos de captação emCabrobó e no reservatório de Itaparica,ambos em Pernambuco, o plano prevêque dois canais condutores levem a águapara os grandes açudes da região: Cas-tanhão, no Ceará, Armando RibeiroGonçalves, no Rio Grande do Norte,Entremontes, em Pernambuco, Pau dosFerros e Santa Cruz, também no RioGrande do Norte, Chapéu e Poço daCruz, em Pernambuco, e Boqueirão, naParaíba.

A obra é de grandes proporções. Paraviabilizá-la será preciso estabelecer omodelo de operação do sistema que vaientregar água nos grandes açudes. JulianaSarti Roscoe, geóloga e gerente de meioambiente e revitalização do projeto deintegração do MIN, estima que esse passoseja dado até o final do primeiro trimestrede 2005. Provavelmente o responsávelpela operação do sistema será a Com-panhia Hidrelétrica do São Francisco(Chesf). Nessa época, também, já deve-rão ter sido firmados os pactos entre ogoverno federal e os governos estaduaisenvolvidos. Outras questões terão de serdefinidas: qual o volume de água que oSão Francisco poderá disponibilizar, quala necessidade de cada região e que tipo decontrato será firmado.

Cenário São detalhes dos quais dependeo sucesso de todo o projeto. Os que seopõem à obra consideram muito arrisca-da a iniciativa de desviar parte do caudal

de um rio perene numa região onde aterra é como uma esponja. Para nãoameaçar a saúde do Velho Chico, serápreciso calcular tudo minuciosamente.As vantagens que podem advir do traba-lho, entretanto, são tamanhas que rela-tivizam o risco. O semi-árido inclui partedos nove estados do Nordeste, o norte deMinas Gerais e o norte do Espírito Santo.Seus cerca de 1,4 mil municípios regis-tram alguns dos piores indicadores so-ciais do país. Dos 26,4 milhões de seushabitantes, quase a metade tem até 17anos de idade. De acordo com o estudoCrianças e Adolescentes no Semi-ÁridoBrasileiro de 2003, realizado pelo Fundodas Nações Unidas para a Infância(Unicef), 75% dessas crianças e adoles-centes vivem em famílias com renda percapita inferior a meio salário mínimo.Mais pobres do que a média das famíliasangolanas, senegalesas e nicaragüenses,segundo dados do Banco Mundial(Bird).

Segurança “O projeto de integração éfundamental para o desenvolvimento dopaís porque vai garantir segurança hídri-ca a uma população estimada em 12 mi-lhões de pessoas e porque reduzirá omovimento migratório que incha osgrandes centros urbanos”, afirma Brito,do MIN. Segundo ele, antes da opçãopela interligação das bacias, foram estu-dadas alternativas, como o suprimentode água subterrânea renovável, a dessa-linização da água do mar, a construçãode novos açudes e a integração com abacia do Tocantins.“Verificamos que ne-nhuma dessas opções atende tão bem,em custo, quantidade e área de abrangên-cia, como a integração agora proposta.”Os estudos ambientais e de inserçãoregional identificaram que boa parte dapopulação residente nas proximidadesdos locais onde serão construídos oscanais vive da agropecuária de subsistên-cia. Por isso o projeto prevê a instalaçãode pontos de captação de água e cha-farizes no curso dos canais ao longo das

várzeas. O objetivo é possibilitar o abas-tecimento das comunidades rurais maisafastadas e viabilizar a agricultura irriga-da de pequenos produtores, que são osque mais sofrem com perdas de produ-ção nos anos secos.

Empregos gerados De acordo com o Re-latório de Impacto Ambiental (Rima), oprojeto de interligação do São Franciscoseria suficiente para criar cerca de 180mil empregos diretos no sertão e parasegurar pelo menos 400 mil pessoas nomeio rural. Segundo a Agência Nacionaldas Águas (ANA), a barragem de Sobra-dinho regulariza a vazão, mesmo emtempos de seca, em 1.850 metros cúbicosde água por segundo (m3/s). Entre osmúltiplos usos da água, como a geraçãode energia elétrica, por exemplo, e o con-sumo na própria bacia do rio, há umasobra de 263 m3/s.

O projeto de interligação gera intensapolêmica, mas do ponto de vista técnicovárias iniciativas semelhantes foram rea-lizadas, tanto no exterior como no Brasil.Nas décadas de 1930 e 1940, a água dosrios Paraíba do Sul e Piraí foi transpostapara um reservatório no ribeirão das La-jes, no Rio de Janeiro, com o objetivo dealimentar a usina hidrelétrica de Fontes.Em São Paulo, parte das águas dos riosPinheiros e Tietê foram transpostas parao rio Cubatão para movimentar as usinashidrelétricas de Cubatão e Henry Bor-den, no litoral do estado. O sistema Capi-vari-Cachoeira, no Paraná, transpõeágua do rio Capivari para o rio Cachoei-ra, também para gerar energia elétrica.No caso do São Francisco há uma difer-ença fundamental: o movimento nãoserá feito somente para gerar energia.

Oposição Será preciso muito debate, ar-gumentação técnica e negociação paraconvencer os setores da sociedade civilcontrários à transposição. A começar pe-los componentes do Comitê da Bacia doSão Francisco (CBSF), órgão oficial doSistema Nacional de Gerenciamento de

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O semi-árido inclui parte do Nordeste, o norte de Minas Gerais e o norte do Espír ito

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Recursos Hídricos (SINGREH), com-posto por usuários da sociedade civil epor representantes de governos munici-pais, estaduais e federal. O Comitê atuacomo um “parlamento das águas”. Tam-bém faz parte do sistema o Conselho Na-cional de Recursos Hídricos (CNRH),instância máxima do SINGREH, forma-do por 57 membros representantes dosministérios e dos órgãos do governo, etambém por integrantes indicados pelosconselhos estaduais de Recursos Hí-dricos, pelos usuários de água e por orga-nizações da sociedade civil. Ainda estãonesse cabo de força os estados doadores ereceptores, ou seja, aqueles por onde oSão Francisco passa hoje e os outros queserão beneficiados pelas obras.

O questionamento é partilhado pelaSociedade Brasileira para o Progresso daCiência (SBPC), que em outubro de2004, em Recife, realizou um encontrointernacional sobre a transferência deáguas entre grandes bacias hidrográficas.Na ocasião, divulgou um documento so-bre a transposição do São Francisco emque chega à seguinte conclusão: “Urge,assim, a construção de um plano de açãointegrada nas duas regiões, com crono-grama e fontes de recursos definidos. Ospreceitos de prioridades, de justiça social,de racionalidade dos investimentos pú-blicos devem ser obedecidos para o bemdo país”.

Trâmites A disputa é tamanha que nofinal de novembro do ano passado ajuíza substituta da 16a Vara Federal,Iolete Maria Fialho de Oliveira, con-cedeu liminar ao mandado de segurançaimpetrado pelo Ministério Público Fe-deral e pelo Ministério Público do Dis-trito Federal contra a realização da reu-nião do CNRH, que votaria um parecerda ANA segundo o qual há água emquantidade suficiente no São Franciscopara o projeto de integração. Para serdefinitivamente aprovado, o projetodeve passar por diversas instâncias.

A aprovação do parecer da ANA pelo

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A bacia do São Francisco

Fonte: Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf)

• Extensão: 2.863 km• Área da bacia: 640 mil km2

• Vazão média: 2.850 m3/s• Afluentes: 80 rios perenes e 27 intermitentes• Números de municípios: 504• População: cerca de 13 milhões• Estados integrantes: Minas Gerais, Goiás,

Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe eDistrito Federal

• Regiões fisiográficas: alto, médio, submédio ebaixo São Francisco

• Cobertura vegetal predominante: cerrado,caatinga, fragmentos de florestas, pequenasmatas de serra, mangue e vegetação litorânea

• Trechos navegáveis: 1.234 km entre o alto (cidade de Pirapora) e submédio (cidades dePetrolina e Juazeiro); 204 km no baixo SãoFrancisco entre as cidades de Piranhas e a foz

• Principais cidades: região metropolitana deBelo Horizonte, Montes Claros (MG), Januária(MG), Barreiras (BA), Bom Jesus da Lapa (BA),Juazeiro (BA), Arapiraca (AL),Petrolina (PE),Penedo (PE) e Propriá (SE)

• Área irrigável: cerca de três milhões de hectares dos quais 10% estão com projetos implantados

• Principais atividades econômicas: No alto SãoFrancisco: indústria, mineração e pecuária.

No médio: agricultura, pecuária e indústria.No submédio: agricultura, pecuária,agroindústria e geração de energia.No baixo: agricultura, pecuária e pesca

• Índice de desenvolvimento humano (IDH):Alto São Francisco: de 0,549 a 0,802.Médio: de 0,343 a 0,724.Submédio: de 0,434 a 0,664.Baixo: de 0,364 a 0,534

• Precipitação média anual em milímetros (mm) de chuvas: mínima de 350 mm emmicrorregiões do submédio e baixo,e máxima de dois mil mm em microrregiões do alto São Francisco

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também é defendida pelo CBSF, que de-pois de dois anos discutindo e analisandoo projeto e, após submetê-lo a diversasconsultas públicas que envolveram cercade 15 mil pessoas, concluiu que “os usosdas águas do São Francisco como insu-mos produtivos, para ser usadas em pro-jetos de natureza econômica, restringem-se única e exclusivamente ao desenvolvi-mento da bacia do São Francisco, ou seja,a água que existe lá só pode ser usada lámesmo”.

Resistência A única exceção aberta pelaoposição para a utilização das águas doVelho Chico por outras bacias é para oatendimento em situações de escassezcomprovada de uso humano e animal.“Isso, na prática, significa uma total rejei-ção ao projeto de transposição”, afirmaJosé Carlos Carvalho, secretário de MeioAmbiente e Desenvolvimento Sustentávelde Minas Gerais e presidente do Comitê.“O projeto é superdimensionado e o sis-tema só deverá operar a plena carga nosmomentos em que a barragem de Sobra-dinho se encontrar praticamente cheia, o

CNRH seria a primeira. Além disso, oRima tem de passar pelo crivo do Ins-tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama).O Ibama faria dez audiências públicasentre seis e 20 de dezembro, mas o gover-no federal sofreu outra derrota, já que asaudiências também foram canceladaspor uma liminar expedida pelo juiz da14a Vara da Justiça Federal, João Batistade Castro Júnior.“As audiências públicassão parte fundamental do processo delicenciamento para o início das obras detransposição. O outro componente desseprocesso longo e complexo é a análisetécnica do estudo de impacto ambiental.Enquanto o Ibama não cumprir essesdois requisitos, o licenciamento não sai”,diz Nilvo Luiz Alves da Silva, diretor delicenciamento e qualidade ambiental doIbama.

Números Os estudos da ANA indicamque há vazão suficiente no São Franciscopara atender às demandas previstas noprojeto. Mas essa não é uma conclusãounânime. Segundo João Abner Júnior,professor de recursos hídricos da Uni-versidade Federal do Rio Grande doNorte (UFRN) e membro do Fórum Per-manente de Defesa do Rio São Francisco,o rio tem uma vazão média de aproxi-madamente 1.860 m3/s, depois do lago deSobradinho. Para manter as condiçõesecológicas na foz e na zona costeira, dizele, é necessário um valor médio de 1.500m3/s a ser despejado no mar. Sobrariam360 m3/s para o abastecimento residen-cial, para matar a sede dos animais, parairrigação e para aproveitamento nasindústrias. Do total disponível hoje nabacia, 335 m3/s estariam comprometidoscom projetos de irrigação, pecuária,indústrias e abastecimento de residênciasainda não iniciados ou em andamento.“Fazer a transposição num volume de 25m3/s significaria esgotar a possibilidadede novos projetos econômicos de uso daágua nos estados da bacia do São Fran-cisco”, afirma Abner Júnior, cuja posição

que é um fato raro, que não tem ocorridoem intervalos inferiores a sete anos.”

Chuva De acordo com Abner Júnior,existe outro agravante: é grande a proba-bilidade de que na maioria dessesmomentos os grandes reservatórios dosistema receptor encontrem-se tambémcheios. Para ele, o projeto de trans-posição chove no molhado.“Com o pro-jeto, a problemática das secas mudamuito pouco porque a água do São Fran-cisco passaria muito distante dos locaismais secos, onde o quadro é mais grave.Hoje, muitas cidades localizadas a pou-cos quilômetros de um rio ou açudecontinuam sendo abastecidas por car-ros-pipa.” Segundo ele, a construção deadutoras a partir de grandes barragensda região tem se mostrado a soluçãomais viável para o abastecimento rural eurbano. “A saída para o semi-árido nãoestá em grandes obras nem na trans-posição dos rios. Essa é uma região dedéficit hídrico, isto é, não falta chuva,mas a evaporação é três vezes maior doque a precipitação e o problema só podeser solucionado com a preservação daágua em ambientes que não permitam aevaporação.” A solução, portanto, estariana multiplicação de pequenas obras queretenham as águas da chuva (leia quadro

na página 51). É o que acredita, também,Roberto Malvezzi, integrante da Articu-lação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) ecoordenador nacional da ComissãoPastoral da Terra (CPT).

Outro argumento bastante usadopelos críticos é o fato de que a análise dosplanos de recursos hídricos do NordesteSetentrional revela um quadro favorávelnos estados receptores do projeto. OCeará, com uma população de 7,5 mi-lhões de habitantes, apresenta uma ofertapotencial de 215 m3/s de água para umconsumo atual de cerca de 54 m3/s. Por-tanto, sobra água no território cearense.Já o Rio Grande do Norte, com uma po-pulação de 2,7 milhões de habitantes,dispõe de uma vazão de 70 m3/s de água

A t ranspos i ção do Ve l ho Ch i co v i ab i l i z a rá a i r r i gação de pequenas propr i edades

Irrigação: o projeto Jaíba, em Minas Gerais,

bombeia água do São Francisco para a agricultura

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50 Desafios • janeiro de 2005

A ág ua d o São Fra n c i s c o to r n ou Pe t r o l i n a uma g ra nde expo r t ado ra d e f r u t a s

beberem, não há dúvida, mas esse não éum projeto para dar água de beber, é umprojeto de desenvolvimento do país”,diz Josemá de Azevedo, secretário deRecursos Hídricos do Rio Grande doNorte. Segundo ele, o estado tem umagrande rede de adutoras, são 1,2 milquilômetros, e mesmo assim muita gen-te ainda não tem água para beber. Nascontas dos gestores do projeto de interli-gação, cada habitante das regiões queserão beneficiadas tem acesso a 500 m3

de água por ano – menos de um terçodo volume definido como necessário àsobrevivência pela Organização dasNações Unidas.

Racionalidade O rol das iniciativas pararesolver esse dramático problema incluio programa ProÁgua, cujo objetivo égarantir a ampliação da oferta de água deboa qualidade para o semi-árido com apromoção do uso racional dos recursos.O programa é administrado pela ANA,que coordena a gestão dos recursos hídri-cos, e pelo MIN, responsável pela admi-nistração das obras prioritárias execu-tadas pelos órgãos estaduais. “O progra-ma estava meio abandonado e foi res-gatado agora. Fazemos capacitação emnove estados nordestinos e em MinasGerais para auxiliar o planejamento douso dos recursos hídricos do estado e suaadministração”, explica Rogério Menes-cal, coordenador da unidade de obras doProÁgua no MIN. Cerca de 15 obras jáforam concluídas, 14 estão em andamen-to e, em 2005, 22 deverão ser terminadas.O ProÁgua é financiado com recursos doBanco Mundial e do Banco Japonês deCooperação Internacional (JBIC, eminglês).Ao todo são 261 milhões de dóla-res, dos quais 103 milhões são prove-nientes dos governos federal e estaduais,em parte financiados pelo JBIC. A previ-são era que o ProÁgua estivesse encerra-do no final de 2004 e já está sendo estu-dada a possibilidade de extensão do pro-grama nos mesmos moldes a todo oBrasil.

para uma demanda de 33 m3/s. “Issomostra que não falta água. Recursos hí-dricos existem. Falta gerenciá-los me-lhor”, diz João Suassuna, pesquisador daFundação Joaquim Nabuco.

O bom gerenciamento da água e deoutros recursos, como se sabe, não tem

sido comum ao longo da história dosestados do Nordeste brasileiro. Mas háquem diga que mesmo com a aplicaçãodas melhores práticas os problemas dosemi-árido não seriam resolvidos semuma providência mais firme. “No RioGrande do Norte tem água para todos

Seca: para a população do semi-árido a água é um bem raro e valioso

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Cofres de água

Chover, até que chove. O problema é que a chuva seconcentra no início do ano e é rapidamente absorvida pelosolo. Nos outros meses, os brasileiros que moram no semi-árido padecem com a seca. Uma solução para evitar o des-perdício de bem tão precioso como a água é a construçãode cisternas, recipientes feitos com placas de cimento pré-moldadas, capazes de guardar a água da chuva que cai dostelhados por seis a oito meses. São como cofres, queguardam a água poupada. O Programa Um Milhão deCisternas para o Semi-Árido (P1MC), uma iniciativa lideradapela Articulação do Semi-Árido (ASA), fórum composto de750 organizações da sociedade civil da região, surgiu em2002 para divulgar a tecnologia e estimular sua implan-tação. Cada cisterna custa cerca de 1,4 mil reais e armaze-na 16 mil litros de água, o suficiente para abastecer umafamília de cinco pessoas durante seis a oito meses.

“As comissões municipais da ASA são responsáveispela organização dos cursos de capacitação e dos trabalhosde mutirão e administração dos processos de compras,construção e prestação de contas”, diz Roberto Malvezzi,integrante da ASA e coordenador nacional da ComissãoPastoral da Terra.Até o começo de dezembro foram construí-das 60.114 cisternas, beneficiando 315.570 pessoas. Ocusto foi de cerca de 89 milhões de reais. O programa foiencampado pelo governo federal e a ASA já renovou a parce-ria com o MDS para a construção de mais sete mil cisternascom um investimento de aproximadamente 10,5 milhões dereais. Nesse processo, cerca de 58 mil famílias foram ca-pacitadas em gerenciamento dos recursos hídricos e doismil pedreiros foram treinados.

Nos cursos, se faz uma abordagem histórica sobre anecessidade de aprender e multiplicar as técnicas dearmazenamento e manejo da água da chuva. Também sãodeterminados os procedimentos técnicos para a localizaçãodas cisternas e é definido o volume de água a ser armazena-da com base nos cálculos de dimensão e na área de cap-tação. O sucesso do programa depende, desde o princípio,da participação popular. Isso porque quem decide quaisserão as famílias beneficiadas é uma comissão local.

A associação também tem o projeto Uma Terra, DuasÁguas, ainda em construção, que envolve quatro pontos:reforma agrária, terras regularizadas, água para consumohumano e água para produção de alimentos básicos. “Fi-zemos um projeto-piloto em Acauã, alto sertão da Paraíba,que beneficiou 130 famílias. Nossa idéia é espalhar o pro-grama pela região, mas estamos esperando recursos. O pro-jeto foi apresentado ao Ministério do DesenvolvimentoAgrário e ao MDS. Essas são iniciativas fundamentaisporque democratizam o acesso à água”, diz Malvezzi.

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As diversas

etapas da

construção

de uma cisterna

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O sem i -á r i do é che i o de pequenas p ropr i edades e j á há especu l ação imob i l i á r i a

Irrigação Petrolina, em Pernambuco, éum bom exemplo de como uma açãointegrada e bem planejada pode trazerbons frutos. Literalmente. Hoje, a cidadeé responsável pela produção de 98% dauva e 93% da manga exportadas pelopaís. A água usada nos projetos de irri-gação da cidade vem do rio São Fran-cisco. “O sucesso foi resultado de umaconvergência de fatores. Nas décadas de1970 e 1980 houve um pesado investi-mento do estado na infra-estrutura deirrigação, em estradas e na geração deenergia. A iniciativa privada acreditou nopotencial da fruticultura, o que foi fun-damental”, diz Pedro Gama, pesquisadore chefe-geral da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa) doSemi-Árido.

O semi-árido tropical tem muitasvantagens no que diz respeito ao apro-veitamento agrícola. A baixa umidadereduz a incidência de doenças nas plan-tas. Há disponibilidade de mão-de-obra.Essas e outras razões levaram a uma rá-pida expansão da agricultura na área.Hoje existem 120 mil hectares de terrasirrigadas e outros 360 mil hectares ir-

rigáveis. “O leque de atividades a serexploradas é grande: plantas ornamen-tais, hortaliças e criação de peixes deágua doce são algumas das alternativaseconomicamente viáveis para a região”,diz Gama.

Terra Então surge mais uma questão. Seo projeto de transposição do São Fran-cisco for implementado, e a água chegaràs terras que hoje abrigam tantos mise-ráveis, quem se beneficiará das riquezasque elas poderão gerar? “O que aconteceno Vale do São Francisco é sintomático.As grandes propriedades estão na beirado rio, perto das áreas irrigadas, e o semi-árido é cheio de pequenas propriedades.A especulação já aconteceu. Na verdade,o Brasil é uma confusão fundiária”, dizFernando Gaiger, agrônomo e pesqui-sador do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea), que fez parte daequipe que elaborou o estudo-base parao Plano Nacional da Reforma Agrária. Deacordo com o Ministério de Desen-volvimento Agrário, o Brasil tem cerca de250 milhões de hectares de terras semregistro, quantidade que representa qua-

se 30% do total de terras do país. “Aquestão é saber como será resguardada asegurança dessas pequenas propriedadesnos estados beneficiados pelo projeto.”Para ele,“a solução é regularizar essas ter-ras antes da transposição e capacitar aspessoas para que façam bom uso delas” .Caberá ao Ministério do Desenvol-vimento Agrário a implementação dareforma agrária ao longo dos dois eixosdo projeto.

Resumindo essa pendenga, o queacontece é o seguinte: existe uma Áfricaencravada no Brasil que as pessoas tei-mam em ignorar. É uma região tórrida emiserável. Os milhões de brasileiros queali vivem não tomam banho todos osdias, não conseguem manter uma horta efalta água para as necessidades básicas.Bem perto está o São Francisco. É de láque as comunidades ribeirinhas tiramseu sustento. É lá que elas acham seu ali-mento e lavam suas roupas. Ele estáentranhado no cotidiano dessas popu-lações. Muito mais que um rio, o VelhoChico é uma entidade mítica no ima-ginário brasileiro. Isso fica claro naquadrinha popular que diz: “Meu rio deSão Francisco, nessa maior turvação: vimte dar um gole d’água, mas pedir suabênção”.

Ministério da Integração Nacional:

www.integracao.gov.br

Ministério do Meio Ambiente:

www.mma.gov.br

Articulação no Semi-Árido:

www.asabrasil.org.br

Companhia Hidrelétrica do São Francisco

www.chesf.gov.br

Fundação Joaquim Nabuco

www.fundaj.gov.br

Comitê da Bacia do Rio São Francisco

www.cbhsaofrancisco.org.br

Agência Nacional das Águas

www.ana.gov.br

Saiba Mais:

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Rio da unidade nacional, o São Francisco vai da Zona da Mata nordestina à região Sudeste do país

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J o s é A r o u d o M o t aARTIGO

uais são os limites de ordem econômi-ca, ecológica e moral para a sociedadequanto aos diversos aspectos da trans-posição das águas do rio São Francisco?Todo brasileiro sabe das dificuldades

enfrentadas pelo povo da região semi-árida donordeste do Brasil. Uma das soluções em que setem investido nos últimos anos é transpor no má-ximo 2,5% das águas do Velho Chico, isto é, até63 mil litros de água por segundo, da sobra deágua da Barragem de Sobradinho. Todos nós sa-bemos que ao se alterar o curso da natureza vá-rios problemas surgem. Já existem técnicas paradetectar os impactos e modos apropriados deminimizá-los, mas devemos analisar a transpo-sição do rio São Francisco com responsabilida-de e parcimônia,pois sabemos que a natureza nãoperdoa e cobrará do povo da região a degradaçãodo ambiente natural.

Analisada pelo ângulo da economia regional,a transposição vai introduzir uma melhoria deindicadores de crescimento,tais como geração deemprego e renda e redução do êxodo rural; au-mento de atividades produtivas; e melhoria daqualidade do gasto público. Do ponto de vistaecológico, a transposição ocasionará impactosambientais, os quais serão mais intensos na me-dida em que o ambiente for alterado substancial-mente. Pela ótica moral, é inadmissível que o se-mi-árido brasileiro permaneça com carência deágua para abastecimento público, já que o SãoFrancisco, conforme levantamento de engenha-ria hídrica, tem vazão suficiente para abasteceraquela região, pois parte da água que sobra dasbarragens deságua no mar. Assim, é chegado omomento de ter um compromisso moral com opovo daquela região, cuidando para que os efei-tos da degradação do ambiente natural sejamminimizados.

Projetos dessa magnitude necessitam de exa-me detalhado. É necessário que haja maior deba-te não somente no âmbito dos estados nordesti-nos,mas que audiências públicas sejam realizadas

em outros estados da federação que sejam recep-tores de grande parte dos nordestinos que deixamas suas residências à procura de melhores condi-ções de vida. É importante que se estabeleçampolíticas públicas capazes de promover a fixaçãodo homem no seu hábitat natural, evitando assimo êxodo rural e a especulação imobiliária rural.Além disso, um plano de política ambiental deveser implementado com o objetivo de revitalizar orio São Francisco, com a recomposição de mataciliar, a contenção de encostas, o controle de as-soreamento e a revitalização de afluentes; a iden-tificação de áreas de relevante interesse ecológico,tais como áreas de proteção ambiental, áreas paraa implementação de parques nacionais e outraspara a preservação de espécies endêmicas dacaatinga brasileira; e por último a formação deum fundo constituído de recursos oriundos dageração de energia com as águas captadas na ba-cia do São Francisco.

Mesmo assim ainda permanecem dúvidassobre a transposição de águas do Velho Chico!Realmente, será que o rio tem vazão de águacontínua suficiente para ser desviada? Apesardos esforços da equipe técnica para definir e es-timar impactos ambientais e externalidadeseconômicas, quais as conseqüências futuras deum projeto dessa magnitude? Que outras so-luções poderiam ser utilizadas para minimizar aconvivência do povo do semi-árido nordestinocom os problemas da seca? Com a captação deágua proposta no projeto, quais os impactos nageração de energia a jusante da Barragem de So-bradinho? Quais os custos da poluição geradapor esgotos sanitário e industrial a montante daBarragem de Sobradinho? Finalmente: pro-gramas dessa grandeza devem ser submetidos àopinião pública para que todos conheçam osseus custos e benefícios econômicos, sociais,ambientais e morais.

José Aroudo Mota é diretor-adjunto da Diretoria de Estudos Regionais e

Urbanos do Ipea

Os limites da transposição do rio São Francisco

“Programas dessa

grandeza devem ser

submetidos à opinião

pública para que

todos conheçam os seus

custos e benefícios

econômicos, sociais,

ambientais e morais”

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EDUCAÇÃO

guisa de exercício, imaginemos a vida de um iletradono mundo atual. Ele não consegue tomar um ônibussem pedir ajuda a alguém. Quando vai ao supermerca-do, não é capaz de escolher o produto cujos ingredien-

tes satisfaçam as suas necessidades. Usa um produto de limpezaou um medicamento sem saber os cuidados que deve tomar.Aoatender um telefone, não é capaz de anotar um recado. Não estáapto para o trabalho mais elementar numa empresa ou numarepartição pública, e se consegue trabalho tem dificuldade parasacar seu salário num caixa automático de banco. Nem sequer écapaz de exercer seu direito de voto com responsabilidade.

Trata-se aqui não do analfabeto, mas daquele que, conhecen-do as letras e sabendo ler as palavras, não entende o significadode uma frase e não é capaz de interpretá-la e torná-la útil em seudia-a-dia. O Brasil tem milhões de pessoas nessas condições.Em 2004, as médias do Exame Nacional do Ensino Médio(Enem) ficaram abaixo dos 50 pontos tanto na redação como ona parte objetiva, que engloba 63 questões – resultado pior doque o de 2003.A prova foi feita por 1,04 milhão de pessoas como ensino médio completo. A maior dificuldade: analisar infor-mações e construir um argumento consistente sobre determi-nado assunto. Outro indicador significativo veio do Programa

P o r F e l i p e L i n d o s o , d e S ã o P a u l o

À

casaLição de

O acesso ao l i vro e o gosto pela

le i tura são fatores essencia is para

o crescimento econômico. O Brasi l

começa a tomar prov idências para

resolver seus problemas nessa área

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Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês),mantido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimen-to Econômico (OCDE). O resultado do teste aplicado em 41 paí-ses em 2003, mostrou que os estudantes brasileiros de 15 anos deidade sabem menos matemática do que os jovens da Tunísia eda Indonésia. Na área da leitura, os brasileiros não fazem nenhumprogresso desde o ano 2000. São os piores da turma.

Analfabetismo funcional Um relatório sobre a situação da edu-cação no mundo, divulgado pela Organização das Nações Uni-das para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), situa o Brasilem 72º lugar entre 127 países. E tem mais: segundo o último In-dicador de Analfabetismo Funcional, de 2003, apenas 25% dapopulação brasileira tem capacidade de leitura plena e conse-gue comparar informações contidas em diferentes textos. Osbrasileiros tecnicamente alfabetizados, mas capazes de ler tãosomente frases e enunciados curtos, são 37% da população, osque se limitam a localizar informações simples em uma únicafrase somam 30%, e 8% são totalmente analfabetos.O indicadoré calculado desde 2001 pelo Instituto Paulo Montenegro, doIbope, em parceria com a organização não-governamental AçãoEducativa, por meio de uma pesquisa sobre analfabetismo fun-

cional realizada com brasileiros de 15 a 64 anos de idade. Aocomparar os dados obtidos em 2001 e em 2003 descobre-se quea situação praticamente não sofreu alteração.

Leitores ávidos É uma realidade que precisa mudar. Nenhumpaís consegue dar um salto de produtividade e caminhar para asociedade do conhecimento sem melhorar seus indicadores dealfabetização e leitura. O desafio é transformar os brasileiros emleitores ávidos e produzir mais e melhores livros. Mas há muitoa ser feito. Em 1990 a população brasileira somava 147 milhões ea indústria vendeu 212,2 mil livros, o que equivale a 1,44 exem-plar por pessoa. Treze anos depois, a indústria do livro vendeu225,8 mil exemplares, para uma população de 179 milhões, e arelação caiu para 1,42 livro por pessoa. Na comparação compaíses desenvolvidos, percebe-se claramente o poço em que oBrasil se encontra. Nos Estados Unidos são produzidos 11 livrosper capita ao ano. Na França são sete. É claro que sempre é pos-sível argumentar que a produção brasileira é relativamente me-nor porque a renda das pessoas é, também, muito inferior. Maso fato é que as populações de países desenvolvidos não apenascompram mais livros: elas lêem mais. Informações contidas noPlano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) do governo federalsão taxativas. Atualmente, o índice de leitura no Brasil é de 1,8livro por habitante por ano. Na Colômbia o índice é de 2,4livros por habitante ao ano. Nos Estados Unidos, cinco, e naFrança, sete.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2001pela Câmara Brasileira da Indústria do Livro (CBL), SindicatoNacional das Editores de Livros (Snel) e Associação Brasileirados Editores de Livros (Abrelivros), revelou que os índices deleitura por faixa de idade crescem enquanto os jovens estão naescola. Os leitores efetivos, isto é, os que leram pelo menos umlivro nos últimos três meses, chegam a 45% da população, namédia nacional, mas esse índice cai para 23% na faixa etária dos20 aos 29 anos, quando a maioria dessas pessoas já deixou o uni-verso escolar. A pesquisa envolveu 5.503 entrevistas com pes-soas com idade superior a 14 anos e com três anos de escolari-dade, residentes em 46 cidades – o que corresponde a um uni-verso estimado de 86 milhões de pessoas.

“O Estado alfabetiza milhões de alunos na escola, e ao sairmuitos deles passam a engrossar o número dos analfabetos fun-cionais pela falta de acesso ao livro.” O diagnóstico é de GalenoAmorim, coordenador do PNLL, também chamado Fome deLivro, do Ministério da Cultura. A proposta do governo federalé criar uma nova política para o livro a leitura no Brasil.“O Pla-no Nacional de Leitura está se estruturando em torno de quatroeixos: a democratização do acesso ao livro e à leitura; o fomen-to à leitura e à formação de leitores; a valorização do livro e daleitura; e o apoio à produção e à criação.” O plano nasceu paraimplantar bibliotecas públicas, e estava sob o guarda-chuva daFundação Biblioteca Nacional (FBN), mas logo passou para aórbita do próprio Ministério da Cultura e ampliou muito seusobjetivos. Envolveu e continua envolvendo intensos debates com

Epitácio Pessoa

Biblioteca pública em São Paulo: faltam equipamentos e materiais atualizados

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Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês),mantido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimen-to Econômico (OCDE). O resultado do teste aplicado em 41 paí-ses em 2003, mostrou que os estudantes brasileiros de 15 anos deidade sabem menos matemática do que os jovens da Tunísia eda Indonésia. Na área da leitura, os brasileiros não fazem nenhumprogresso desde o ano 2000. São os piores da turma.

Analfabetismo funcional Um relatório sobre a situação da edu-cação no mundo, divulgado pela Organização das Nações Uni-das para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), situa o Brasilem 72º lugar entre 127 países. E tem mais: segundo o último In-dicador de Analfabetismo Funcional, de 2003, apenas 25% dapopulação brasileira tem capacidade de leitura plena e conse-gue comparar informações contidas em diferentes textos. Osbrasileiros tecnicamente alfabetizados, mas capazes de ler tãosomente frases e enunciados curtos, são 37% da população, osque se limitam a localizar informações simples em uma únicafrase somam 30%, e 8% são totalmente analfabetos.O indicadoré calculado desde 2001 pelo Instituto Paulo Montenegro, doIbope, em parceria com a organização não-governamental AçãoEducativa, por meio de uma pesquisa sobre analfabetismo fun-

cional realizada com brasileiros de 15 a 64 anos de idade. Aocomparar os dados obtidos em 2001 e em 2003 descobre-se quea situação praticamente não sofreu alteração.

Leitores ávidos É uma realidade que precisa mudar. Nenhumpaís consegue dar um salto de produtividade e caminhar para asociedade do conhecimento sem melhorar seus indicadores dealfabetização e leitura. O desafio é transformar os brasileiros emleitores ávidos e produzir mais e melhores livros. Mas há muitoa ser feito. Em 1990 a população brasileira somava 147 milhões ea indústria vendeu 212,2 mil livros, o que equivale a 1,44 exem-plar por pessoa. Treze anos depois, a indústria do livro vendeu225,8 mil exemplares, para uma população de 179 milhões, e arelação caiu para 1,42 livro por pessoa. Na comparação compaíses desenvolvidos, percebe-se claramente o poço em que oBrasil se encontra. Nos Estados Unidos são produzidos 11 livrosper capita ao ano. Na França são sete. É claro que sempre é pos-sível argumentar que a produção brasileira é relativamente me-nor porque a renda das pessoas é, também, muito inferior. Maso fato é que as populações de países desenvolvidos não apenascompram mais livros: elas lêem mais. Informações contidas noPlano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) do governo federalsão taxativas. Atualmente, o índice de leitura no Brasil é de 1,8livro por habitante por ano. Na Colômbia o índice é de 2,4livros por habitante ao ano. Nos Estados Unidos, cinco, e naFrança, sete.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2001pela Câmara Brasileira da Indústria do Livro (CBL), SindicatoNacional das Editores de Livros (Snel) e Associação Brasileirados Editores de Livros (Abrelivros), revelou que os índices deleitura por faixa de idade crescem enquanto os jovens estão naescola. Os leitores efetivos, isto é, os que leram pelo menos umlivro nos últimos três meses, chegam a 45% da população, namédia nacional, mas esse índice cai para 23% na faixa etária dos20 aos 29 anos, quando a maioria dessas pessoas já deixou o uni-verso escolar. A pesquisa envolveu 5.503 entrevistas com pes-soas com idade superior a 14 anos e com três anos de escolari-dade, residentes em 46 cidades – o que corresponde a um uni-verso estimado de 86 milhões de pessoas.

“O Estado alfabetiza milhões de alunos na escola, e ao sairmuitos deles passam a engrossar o número dos analfabetos fun-cionais pela falta de acesso ao livro.” O diagnóstico é de GalenoAmorim, coordenador do PNLL, também chamado Fome deLivro, do Ministério da Cultura. A proposta do governo federalé criar uma nova política para o livro a leitura no Brasil.“O Pla-no Nacional de Leitura está se estruturando em torno de quatroeixos: a democratização do acesso ao livro e à leitura; o fomen-to à leitura e à formação de leitores; a valorização do livro e daleitura; e o apoio à produção e à criação.” O plano nasceu paraimplantar bibliotecas públicas, e estava sob o guarda-chuva daFundação Biblioteca Nacional (FBN), mas logo passou para aórbita do próprio Ministério da Cultura e ampliou muito seusobjetivos. Envolveu e continua envolvendo intensos debates com

Epitácio Pessoa

Biblioteca pública em São Paulo: faltam equipamentos e materiais atualizados

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O s b r a s i l e i r o s t e c n i c ame n t e a l f a b e t i z a d o s , m a s c a p a z e s d e l e r t ã o - s ome n t e

todos os setores ligados ao livro e à leitura.“Quase duas mil pessoas participaram dessas reuniões. Re-

presentantes de entidades nacionais e locais, bibliotecários, es-critores, editores, livreiros, pesquisadores da leitura, represen-tantes de governos estaduais e municipais”, lembra Amorim. To-do esse processo foi acompanhado também, em reuniões quin-zenais, por representantes de 14 ministérios e órgãos federais,“construindo uma ação integrada como jamais foi feita pelo Es-tado brasileiro”, complementa Amorim.

Também será criada uma Câmara Setorial, com participa-ção do governo e da sociedade civil, com a missão de construiruma política para o livro com metas até 2022, ano do bicente-nário da independência. O Fome de Livro, por sua vez, terá pla-nejamento por três anos, começando pelo período 2005-2007.O governo tomou outras providências há muito reivindicadaspela indústria brasileira do livro:

• A Lei do Livro foi sancionada em outubro de 2003 e sua re-gulamentação está em tramitação no Congresso. Ela permite acriação e o desenvolvimento de uma política nacional para o li-vro e a leitura.

• Eliminou-se todo tipo de imposto e taxa sobre a comercia-lização do livro no Brasil, medida anunciada no dia 10 de no-vembro do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula daSilva juntamente com os ministros da Fazenda, AntônioPalocci, Gilberto Gil, da Cultura, e Tarso Genro, da Educação.Logo após o anúncio vários editores sinalizaram com umaredução nos preços dos livros já a partir de janeiro. GalenoAmorim estima que a desoneração deva representar uma inje-ção anual de 160 milhões de reais no mercado editorial e livrei-ro. As editoras e livrarias comprometeram-se a contribuir com1% sobre a venda de livros para constituir o Fundo Pró-Leitura,

que terá como finalidade o financiamento de ações e projetospara desenvolver a leitura. As formas de arrecadação e gestãodesse fundo serão definidas por representantes do governo, doCongresso e do mercado editorial.

• No dia 21 de dezembro último o presidente assinou a san-ção da lei que estabelece alíquota zero de PIS/Cofins sobre todotipo de operação com livro no país, inclusive a importação. Naocasião, recebeu o diploma de Amigo do Livro, concedido pelaCâmara Brasileira do Livro (CBL) aos que se destacam na pro-moção e no desenvolvimento do hábito de leitura.

Bibliotecas Essas medidas podem ajudar a reduzir o preço devenda dos livros, mas o principal canal para democratizar o aces-so ao livro e à leitura é expandir a rede de bibliotecas públicas,que ainda é muito limitada e com acervo e equipamento desa-tualizados. Um levantamento feito pelo Instituto Ecofuturo, or-ganização não-governamental sediada em São Paulo, aponta aexistência de 14.058 bibliotecas de todos os tipos no país. Delas,apenas 356 possuem computador e mais de 2,5 mil não contamsequer com uma máquina copiadora. A maior concentraçãoestá nos estados mais ricos: 41,1% na região Sudeste; 18,8% noSul; 27,1% no Nordeste; 7,6% no Centro-Oeste; e 5,4% na re-gião Norte. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) apontam que 14 milhões de brasileiros vivem emmunicípios onde não existe uma biblioteca sequer. Para que oBrasil atinja o nível da Espanha ou da Itália, seria preciso cons-truir 15 mil bibliotecas públicas, o que significa duplicar a redeexistente. Não é impossível. Na década passada o México im-plantou cinco mil bibliotecas públicas. Venezuela e Colômbiarealizaram feitos semelhantes.

O governo brasileiro tem um projeto nesse sentido. Preten-de, em três anos, aumentar em 50% o índice de leitura no Brasil.O programa Livro Aberto, implementado pela FBN, criou maisde duas mil bibliotecas desde 1996, em parceria com municí-pios, além de qualificar e treinar profissionais da área, renovaracervos e promover campanhas de leitura. Outras experiências,como as bibliotecas volantes, têm sido bem-sucedidas. O LeiaBrasil, um empreendimento privado financiado pela Petrobras,circula por escolas de municípios sem bibliotecas e atende maisde 300 mil alunos e 16 mil professores. Há, portanto, razão paraalgum otimismo.

A experiência de Ribeirão Preto, em São Paulo, comprova aimportância da expansão da rede de bibliotecas públicas. Nodia 17 de dezembro passado, a prefeitura inaugurou a 80ª biblio-teca municipal. As instituições estão instaladas em centros cul-turais, museus, escolas, clubes de serviços e presídios. Em para-lelo, a prefeitura organizou feiras de livros e promoveu apoio aescritores com ações coordenadas dentro do programa Ribei-rão das Letras, lançado em setembro de 2001, quando existiamapenas três bibliotecas públicas no município. O resultado foi o

A importância das compras

governamentais

Vendas Totais Não-didáticos Didáticos Governomilhões de exemplares (%) (%) (%)

1998 410,3 37,0 35,2 27,8

1999 289,7 43,9 33,9 22,2

2000 334,2 39,2 20,8 39,9

2001 299,4 41,5 19,5 38,9

2002 320,6 32,9 16,5 50,6

2003 255,8 37,5 19,2 43,3

Fontes: CBL/SNEL/Abrelivros

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aumento do número de exemplares lidos por habitante: de dois,no ano de 2001, para nove atualmente. O programa Ribeirão dasLetras entrou em ação quando Amorim era secretário da Cul-tura de Ribeirão Preto.

Além de servir para fomentar a leitura, a compra de acervopara bibliotecas públicas gera encomendas para as editoras econtribui para aumentar a tiragem dos livros. No ano passado,o Ministério da Cultura não fez aquisições de livros para bi-bliotecas, mas essa realidade começa a mudar. Em dezembro, aFBN lançou edital para comprar dois mil títulos de livros, queservirão para equipar as 130 primeiras bibliotecas públicas a serimplantadas pelo Fome de Livros, que prevê a instalação de1.000 unidades e a redução do custo unitário. Um dos melhoresexemplos do poder de propulsão das compras de bibliotecas é oque acontece nos Estados Unidos, onde existem 117 mil biblio-tecas de todos os tipos. Em 2001, a indústria do livro faturou 25bilhões de dólares e as bibliotecas responderam por 5,7 bilhõesde dólares de compras, ou 22,8% do total. O conjunto de biblio-tecas, segundo a Associação das Bibliotecas Americanas (ALA,

da sigla em inglês), incluí, entre outras, 9.129 bibliotecas públi-cas, 3.527 acadêmicas e 93.861 de escolas.

Editoras Apesar de o Brasil ainda estar longe do patamar norte-americano, as compras governamentais garantem o principal fi-lão da indústria do livro: em 2003 representaram 43% dos 222,5mil exemplares de livros vendidos, ou 19% do faturamento totaldo setor, que foi de 2,4 bilhões de reais, segundo o Diagnósticodo Setor Editorial Brasileiro produzido pela CBL e pelo Snel (veja

tabela na página 56). Mas as compras governamentais não foramsuficientes para reverter o quadro de queda das vendas. Dadospreliminares de um estudo encomendado pelo Banco Nacionaldo Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos econo-mistas Fábio Sá Earp e George Koonis, da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), indicam que houve queda de 48% nofaturamento real das editoras em oito anos.“Isso configura umasituação gravíssima. Os indicadores da economia brasileira co-mo um todo foram muito melhores do que os das editoras”, dizEarp.A pesquisa mostra também que o Brasil gasta muito pouco

f r a s e s e e n u n c i a d o s c u r t o s , s ã o 3 7 % d a p o p u l a ç ã o

Venda de livros despenca

1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003

290,0 277,6 374,6 348,2 289,7 299.4 255.8

871,64 930,96 1.857,38 1.845,47 1.817,83 2.267,00 2.363,58

Exemplares vendidos (em milhões)

Faturamento (em milhões de reais)

Fontes: CBL/Snel

Bienal Internacional do Livro em São Paulo: sinal de que o brasileiro valoriza a leitura como forma de crescimento pessoal e profissional

Epitá

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com suas bibliotecas e que cada uma das13 maiores editoras do mundo vende so-zinha mais do que todas as editoras insta-ladas no país. “A queda do faturamentomostra a concentração das vendas embest-sellers, por um lado, e a deterioraçãodo sistema de distribuição, com o fecha-mento de pequenas livrarias”, diz RaulWassermann, editor e ex-presidente daCâmara Brasileira do Livro (leia artigo na

página 59).Superar essa crise exige medidas de lon-

go prazo e nesse sentido a maioria dos re-presentantes do setor aposta no Plano Na-cional do Livro e da Leitura e saúda os be-nefícios fiscais concedidos pelo governofederal. Earp assinala que o momento épropício tanto para que se discutam políti-cas de longo prazo e maneiras de fazer quea indústria editorial cresça, como paracontribuir para o desenvolvimento do país com a publicação e oconsumo de mais livros.

“A desoneração das contribuições deu oxigênio ao setor, queestava à beira da asfixia”, assinala Carlos Augusto Lacerda, pre-sidente da editora Nova Fronteira. Sérgio Machado, presidenteda Record Editora e ex-presidente do Snel, acredita que o fun-damental é “aumentar o tamanho e o poder aquisitivo da classemédia, para termos um mercado de massa. Sem isso, o livro éum produto de elite”. Oswaldo Siciliano, atual presidente daCBL e dono de uma grande cadeia de livrarias e de editora, dizque “a nova regulação dos preços dependerá do comportamen-

to do mercado, do repasse dessa reduçãoentre editoras, distribuidoras e livrarias”.Ampliar as feiras do livro, como as bie-nais internacionais do livro de São Pauloe do Rio de Janeiro, bem como levar parao interior esse tipo de iniciativa são for-mas que a indústria do livro encontroupara tentar frear a queda das vendas, maisforte nos anos em que a economia foimarcada por recessão e desemprego (leia

tabela na página 57).Democratizar o acesso à leitura, tomar

medidas para fortalecer a indústria do li-vro e reduzir o preço de vendas permiti-rão atender à demanda revelada na pes-quisa Retratos da Leitura no Brasil: 89%dos entrevistados consideram o livro ummeio eficaz de transmissão de idéias; 82%acham que é uma forma fundamental dese atualizar; 81% acreditam que é impor-

tante ler para os filhos; 78% gostam de ler livros; 62% leram ouconsultaram livros no último ano; 30% leram livros nos trêsmeses que antecederam a pesquisa; 20% compraram ao menosum livro no ano; 14% estavam lendo um livro no dia da entre-vista. E o que eles lêem? Principalmente livros religiosos, inclu-sive a Bíblia, histórias em quadrinhos, livros de informática,aventura, poesia, culinária e literatura juvenil. Há, portanto, es-paço para que a indústria editorial ganhe mais viço. E para queos brasileiros se habilitem a operar a máquina do desenvolvi-mento econômico com maior competência – o que resultará emmais riqueza para todos.

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Para at ing i r o n í ve l da Espanha, o pa ís terá de tr ip l i car suas b ib l i o tecas púb l i cas

Foi por volta do século II depois de Cristoque os rolos em que ficavam registrados ostextos escritos foram substituídos por cader-nos, que podiam ser folheados. A novidade foirevolucionária. Facilitou a leitura e o trans-porte, e reduziu os custos de produção. O novodesign ainda trouxe a grande vantagem depermitiu ao leitor fazer anotações , já que nãoprecisava segurar o rolo com as duas mãos,enquanto lia.

Nos 18 séculos seguintes acontecerammuitas outras transformações. Entre as maisimportantes estão o surgimento do papel e a

impressão baseada nos tipos móveis de metal,ambos no século XV, que permitiram a demo-cratização do conhecimento. Mais recente-mente, o surgimento dos e-books, os livroseletrônicos, facilitou ainda mais o acesso àprodução literária.

Para muita gente, no entanto, comprar umlivro ou um computador é um projeto difícil derealizar. A biblioteca, então, é a saída. Asbibliotecas surgiram no Oriente Médio entre3.000 e 2.000 a.C. E a primeira biblioteca pú-blica foi criada em Roma, na mesma época emque surgiram os primeiros livros. Durante os

séculos XVII e XVIII, começaram a ser criadasbibliotecas nacionais em toda a Europa. Sur-giu, também, uma nova modalidade de biblio-teca, a circulante de literatura popular, admi-nistrada por livreiros.

No Brasil, a Biblioteca Nacional foi funda-da em 1810 por dom João VI, no Rio de Ja-neiro, com 60 mil volumes que pertenciam àBiblioteca Real da Ajuda. Até hoje ela é amaior biblioteca da América do Sul.

Calcula-se que haja em torno de 15.000bibliotecas públicas e privadas em todo opaís na atualidade. Em muitas delas há com-putadores para uso do público para consultaàs inúmeras Bibliotecas Públicas Eletrônicas,ou e-bibliotecas, disponíveis na internet.

O livro e a leitura através dos tempos

Amorim, coordenador do programa Fome de Livro

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R a u l W a s s e r m a n nARTIGO

uito se disse da pesquisa sobre o livrono Brasil que os economistas GeorgeKornis e Fabio de Sá Earp, do Institu-to de Economia da Universidade Fe-

deral do Rio de Janeiro (UFRJ), realizaram parao BNDES. Na apresentação dos resultados, ospesquisadores observaram que não entendempor que o setor não está berrando por mais apoioe fica escondendo a verdade.

E eles têm toda a razão. Há poucas décadashavia um estranho hábito no setor editorial desempre divulgar que estava tudo ótimo, estandoou não. Quando uma nova geração, mais exi-gente e mais profissionalizada, chegou ao mer-cado, os números foram ficando mais claros. Apartir de 1990 obteve-se um histórico de dadosimportantes sobre o mercado editorial, e quemlia as pesquisas com a devida atenção via umarealidade preocupante.

Aliás, a pesquisa dos economistas da UFRJnão mostra nada que já não fora obtido no Diag-nóstico do Setor Editorial (de 1990 a 2002) ou napesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2001), aprimeira feita diretamente com a produção e asvendas das editoras e a segunda pesquisando aopinião de pessoas maiores de 14 anos de todo opaís por meio de uma amostragem de cerca deseis mil entrevistas. O grande valor desse novotrabalho é confirmar os problemas e fazer umalerta consistente sobre as conseqüências que afalta de uma política de governo organizada po-dem trazer para o futuro da nação.

Infelizmente, as entidades de classe que patro-cinavam o chamado Diagnóstico do Setor Edi-torial – e cuja metodologia foi adotada em toda aAmérica Latina com apoio do Centro Regionalpara o Fomento do Livro na América Latina e noCaribe – substituíram as pesquisadoras por umainstituição sem experiência na área. Além disso,após a pesquisa referente ao ano de 2002, foi feitauma verificação do desempenho do mercadonos últimos cinco anos abstraindo-se as comprasgovernamentais, e o resultado mostrou uma que-da livre e contínua. Esse “pequeno” detalhe nãofoi divulgado e os pesquisadores da UFRJ sepreocuparam em fazer umas poucas contas

descobrindo o problema. Para ter uma idéia, ascompras de governo significam em média 50%do valor anual faturado pelo mercado. Mas issoestá longe de atender à necessidade de dar aces-so à leitura a todos, pois se trata de programasdirigidos a escolas públicas, muito importantes,mas que só atendem crianças matriculadas; já asque saem da escola...

Felizmente, ainda há alguma esperança quan-do, depois de engasgar nos planos, o ministro daCultura tirou a coordenação do Programa Fomedo Livro/ Plano Nacional do Livro e da Leiturade sob as asas da Fundação Biblioteca Nacional.Realmente, como já alertava um memorial en-tregue pela Câmara Brasileira do Livro aos presi-denciáveis em 2002, a missão da Biblioteca Na-cional deveria ser focar o importante trabalho depreservação de seu valioso acervo e deixar a po-lítica do livro e da leitura para um órgão inde-pendente, capaz de dialogar com várias instân-cias do governo para que o assunto deixasse deser tratado como “perfumaria cultural”.

Essa missão está nas mãos de Galeno Amo-rim, ex-secretário de Cultura de Ribeirão Preto eprofissional do livro, e os primeiros resultadosforam a discussão de regulamentação da Lei doLivro e de um Plano Nacional do Livro e da Lei-tura, além do decreto que substitui PIS e Cofinspor uma pequena taxa recolhida a um fundodestinado a executar o plano. Agora é necessárioque todos os envolvidos façam suas contas e des-cubram que a cascata de taxas pode mudar dedireção e levar a uma baixa no preço dos livros.

Falta, também, a volta da Secretaria do Livroe da Leitura do Ministério da Cultura, ou algoassemelhado, mas com poderes de dialogarcom os órgãos de educação, indústria, desen-volvimento, economia e até saúde. Um órgãoque atue com respeito pela aura romântica queenvolve o livro, mas consciente de que o livro émuito mais importante como fator de desen-volvimento econômico e social de uma nação,uma verdade nem sempre lembrada.

Raul Wassermann, editor e ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro

(1999 a 2003)

Livros, leitura, desenvolvimento

“O livro é um

importante fator

de desenvolvimento

econômico e social

de uma nação,

uma verdade nem

sempre lembrada”

MStef

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O ma is ambic ioso projeto de inc lusão d ig i ta l do pa ís

in jeta nova v ida em Pira í , uma pequena c idade do Rio

de Jane iro que se tornou referênc ia in ternac iona l

em matér ia de inc lusão d ig i ta l

MELHORES PRÁTICAS da Costa, um ano mais novo, presta aten-ção em tudo, procurando aprender e es-perando sua vez de experimentar o novobrinquedo. Ao todo, existem oito quios-ques, cada um com um microcomputa-dor ligado à Internet, exceto o que fica naestação rodoviária, que tem dois micro-computadores. Além disso, existem 15laboratórios de informática em escolasmunicipais, cada um com dez micros.

A alavanca que alçou o quase desco-nhecido município a referência de inclu-são digital nasceu da firme convicção deum prefeito de que o conhecimento é umdireito de todos e de que a tecnologia é oúnico meio capaz de assegurar esse direi-to.Tudo começou em 2001, quando Piraíganhou o Prêmio Gestão Pública e Cida-dania, concedido pela Fundação GetulioVargas (FGV) e pelo Banco Nacional deDesenvolvimento (BNDES), graças a umprojeto de desenvolvimento econômicolocal. Na ocasião, o prefeito Luiz Fernan-do de Souza, que era filiado ao PDT, foiconvidado pelo BNDES a elaborar umplano de inclusão digital para a cidade.Foi então que Souza, mais conhecido co-mo Pezão, justo apelido para quem calçasapatos número 47, resolveu que não fa-ria um programa para beneficiar apenasalguns, mas para contemplar toda a po-pulação. Concebeu o projeto Piraí Digi-tal, prevendo a cobertura dos 504 quilô-metros quadrados do município por meiode transmissão de alta velocidade, semcabos (wireless), interligada por antenasde rádio. A idéia era inovadora porquesubstituía o conceito tradicional de inclu-são ponto a ponto por uma inclusão totale simultânea. Além disso, também estavacerca de uma década adiante das expec-tativas nacionais, já que o plano da Anatelprevê que os municípios com menos de50 mil habitantes só estejam ligados embanda larga entre 2010 e 2014. O proble-ma era que o projeto requeria financia-mento da ordem de dois milhões de reaise, para decepção de Pezão, foi vetado peloBNDES.“Disseram que eu tinha direito aum Fusquinha e estava pedindo umaBMW”, lembra Pezão. Mas o prefeito que-ria mesmo uma BMW. Com o plano em-baixo do braço, foi bater em outras portas.

o acesso à Internet, e a seus benefícios, apraticamente todos os moradores. Desdeque foi inaugurada a rede, a pacata paisa-gem da cidade do século XVIII vem setransformando aos poucos. Quem passapela Praça da Preguiça, cujo nome se de-ve a dois tímidos bichos-preguiça que seescondem entre as árvores, não pode dei-xar de reparar na movimentação ao re-dor de um pequeno quiosque de madei-ra, onde está instalado um microcompu-tador que monopoliza a atenção, sobre-tudo, de jovens e crianças. Luiz Carlos daCosta Silva, de nove anos, está semprepor lá.“É legal porque dá para baixar jo-guinhos”, diz ele, enquanto controla comhabilidade os macaquinhos que pulamna tela.A seu lado, o primo Lucas Manoel

ncravada no topo da Serra dasAraras, no estado do Rio de Ja-neiro, a 390 metros do nível domar, a cidade de Piraí, com cerca

de 23 mil habitantes, foi repentinamenteincluída no mapa da tecnologia da infor-mação quando, em junho do ano passa-do, a respeitada revista norte-americanaNewsweek publicou uma reportagemclassificando-a entre as cidades digitaisdo planeta, ao lado de Auckland, na NovaZelândia, e Seul, na Coréia do Sul. O quecolocou o pequeno município em tãoprestigiosa companhia? Um ambiciosoprograma de inclusão digital baseado nainstalação de uma rede de alta velocidadede transmissão de dados, voz e imagemque cobre 95% de toda a sua área e permite

Tecnologia na

veia

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P o r A n d r é a W o l l f e n b u t t e l , d e P i r a í

F o t o s P a u l o J a b u r

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Crianças de Piraí

brincam no quiosque

da Praça da

Preguiça, orientados

por um monitor

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Rede Rio e a Fundação de Amparo à Pes-quisa do Rio de Janeiro deram suporte àlinha de transmissão. A partir daí tudoficou mais simples. Bastou o faro apuradodo prefeito para localizar linhas de finan-ciamento que permitissem ao municípioobter a verba necessária. Foram quase trêsanos de trabalho até o dia seis de fevereirodo ano passado, quando Piraí finalmenteficou totalmente coberta pela rede detransmissão.“É só sentar no banco da pra-ça, abrir o laptop, se conectar com aquelaantena no alto do morro e ligar-se naweb”, diz Coelho, orgulhoso de seu tra-balho, debruçado na varanda do prédioda prefeitura,um bem conservado edifíciocolonial do século XIX cercado de palmei-ras centenárias.

O problema é que quase ninguém emPiraí tem um computador. Menos aindaum laptop.A partir desse ponto começouo desafio da inclusão digital, que exigiadistribuir computadores pela cidade demodo que todos pudessem se beneficiarda rede instalada. Hoje Wellington da Sil-va Batista, de 13 anos, todas as manhãsfaz uma visita ao terminal de computa-dor da rodoviária. Ele se diverte com osgames e nem se dá conta que todas as

“Nessa época me tornei devoto de São Pi-dão”, diz, “ninguém agüentava mais mever pedindo recursos.”

Parcerias Em pouco tempo Pezão perce-beu que para construir a rede de trans-missão precisaria antes construir outrarede, a de parcerias, já que ninguém ban-caria sozinho as despesas. A primeira co-laboração veio da Universidade FederalFluminense, que emprestou um de seusprofessores, Franklin Dias Coelho, expe-riente em instalação de telecentros nas fa-velas do Rio de Janeiro, para ser o coor-denador-geral do Piraí Digital. Depoisveio a ajuda da cervejaria Cintra, uma dasprincipais empresas da cidade, que cedeuum profissional para auxílio técnico. Oengenheiro da Cintra reelaborou todo oprojeto substituindo a rede wireless poruma rede híbrida, que combina rádio, ca-beamento e power line, uma forma detransmissão que utiliza as linhas elétricas.

O novo modelo diminuiu os custospara um sexto do valor original, ou seja,para pouco mais de 300 mil reais.A Taho,fabricante de equipamentos para infor-mática, doou os primeiros materiais paraa estrutura de comunicação. A Telemar, a

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P i r a í , n o B r a s i l , A u c k l a n d , n a No v a Z e l â n d i a , e S e u l , n a C o r é i a d o S u l , s ã o a l g uma s

O que hoje é uma cidade digital surgiu por volta de 1770, quandose estabeleceu um núcleo de povoamento ao redor da Capela Nossa Se-nhora de Sant’Anna, construída por moradores vizinhos ao rio Piraí. Afertilidade da terra atraiu os produtores que deixavam Minas Gerais apóso esgotamento das jazidas de ouro, e logo surgiram plantações de café.Com a vinda da família imperial para o Brasil, foram tomadas medidasliberalizantes para o comércio e o café tornou-se a grande riqueza dolocal. Na primeira metade do século XIX, José Gonçalves de Moraes, obarão de Piraí, era um dos quatro maiores cafeicultores do país, e aregião chegou a ser responsável por 4% de todo o cultivo de café doBrasil. Foi nessa época, em 1837, que a vila conquistou sua emancipaçãotornando-se uma cidade com ritmo de crescimento intenso até ser subita-mente interrompido pela abolição da escravatura, quando muitas lavou-ras foram abandonadas.

As fazendas foram tomadas pelo mato e a atividade que ainda resta-

va era a pecuária. A grande virada veio com a instalação da usina deeletricidade da britânica Companhia Light and Power, em 1900. Apro-veitando as águas do rio Piraí e do rio Paraíba, foi construída uma imen-sa represa que até hoje responde por 92% do abastecimento de águada capital fluminense. No primeiro momento, o alagamento necessáriopara a formação da represa provocou desequilíbrio ecológico e trouxeum forte surto de malária para a região, mas aos poucos a concen-tração de funcionários da Light atraiu comerciantes e outras empresas,entre elas a Companhia Industrial de Papel Pirahy, fabricante de papelpara enrolar cigarros. A partir da década de 1950, com o saneamentodas áreas infestadas por malária e a inauguração da via Dutra, Piraí re-tomou seu antigo compasso de crescimento. O fácil acesso aos doismaiores centros econômicos do país, São Paulo e Rio de Janeiro, e afartura de oferta de água e energia trouxeram novos empreendimentos,novos investimentos, e, enfim, uma nova história.

Um pouco de história

1996 2001 2004*

O PIB quase triplicouem sete anos...(R$ mil)

341.679474.047

1.000.000

* Valores estimados. Fonte: Prefeitura de Piraí

1996 2001 2004*

...e a arrecadaçãocresceu 320%(R$ mil)

18.040

39.704

77.133

inclui impostos e repasses

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páginas que acessa são em inglês. Quan-do perguntado onde aprendeu a língua,responde surpreso:“Eu não sei inglês, masentendo todos os jogos”. Aparentemen-te, ele apenas não sabe que já sabe inglês.Aprendeu brincando na Internet. E é jus-tamente esse poder de disseminação doconhecimento que a prefeitura quer usarpara melhorar a qualidade do ensino nacidade. Por isso, uma das primeiras preo-cupações foi a instalação de laboratóriosde informática nas 20 escolas municipais,onde estão mais de 90% dos estudantesde Piraí. Mais uma vez foi necessária acolaboração da iniciativa privada. Atédezembro do ano passado, 15 escolas játinham laboratórios.

Aula “É fascinante ver a facilidade que ascrianças têm para aprender a manipularos equipamentos”, diz Ana Cláudia Ga-nem, diretora da Escola Municipal NovaEsperança, enquanto acompanha a ba-rulhenta turma da primeira série do ensi-no fundamental que faz suas primeirasincursões no mundo da web. Por en-quanto, estão livres para acessar à vontadequalquer site. Depois serão orientadospara pesquisas específicas. O Sítio do Pi-ca-Pau Amarelo é o campeão entre os me-ninos, enquanto o site da Barbie é o pre-ferido das meninas. Apesar da poucaexperiência, a diretora observa que a in-formática já está influenciando os estudos.“Eles estão mais interessados porque sen-tem que podem aplicar o que aprendem.Adoram escrever usando as teclas docomputador. E querem logo saber tudopara poder digitar sem precisar de ajuda.”Muitos ficam na escola depois do sinal dasaída para poder usar o laboratório. Foipreciso organizar os horários porque nãohá máquinas para atender toda a deman-da. Bruno César de Souza, de nove anos, éum dos aficionados. “Eu gosto de entrarno site da Recreio (revista infantil), masele é meio pesado e às vezes demora a car-regar, por isso é melhor depois da aula,quando tenho mais tempo”, diz.

Os estudantes não estão sozinhos na

d a s c i d a d e s d i g i t a i s d o p l a n e t a , s e g u n d o a r e v i s t a n o r t e - a m e r i c a n a N e w s w e e k

Antenas de rádio para acesso à Internet convivem com as palmeiras do Morro do Cruzeiro

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Foram quase três anos de trabalho até o dia seis de fevereiro do ano passado, quando

so foi um treinamento em cardiologia,aberto aos médicos e funcionários inte-ressados, ministrado por professores daUniversidade Federal do Rio de Janeiro.No momento, os técnicos da secretariade Saúde da cidade estão trabalhandopara harmonizar o sistema com outraslocalidades para que ele também possaser usado para consultas à distância, evi-tando que pacientes de Piraí tenham dedeslocar-se até os grandes centros para

serem examinados por especialistas.A febre da internet acabou por conta-

giar todos em Piraí, sem distinção algu-ma, sobretudo de idade. Entre os idosos,o interesse foi tão grande que o Núcleoda Terceira Idade decidiu promover umcurso para que os mais velhos pudessemaproveitar melhor um telecentro instala-do especialmente para eles. A iniciativafoi um sucesso e atraiu um grande grupode alunos que jamais tinha tido coragem

disputa por um tempinho na frente docomputador. Os funcionários da escolatambém foram atraídos pela novidade.Maria Fátima Irineu, que trabalha na lim-peza, aproveita qualquer folga para ficaralguns minutinhos navegando na inter-net. Ela ainda não tem muita habilidade,mas sabe acessar seu site favorito, o daapresentadora de televisão Ana MariaBraga, onde pega receitas e dicas de beleza.“Foi lá que aprendi como montar uma ár-vore de natal linda!”, conta entusiasmada.Irineu descobriu como operar o computa-dor com a ajuda de outra funcionária,Eliane da Silva Palmeiras, auxiliar de ser-viços gerais, que fez curso de informática etornou-se uma espécie de tutora dos queainda estão nos primeiros passos. “Ficamtodos ansiosos esperando a liberação dolaboratório”, diz. O corpo docente teve depassar por cursos de capacitação e sensibi-lização antes da instalação dos laborató-rios, para que os professores soubessemorientar os alunos e aplicar corretamenteos recursos da informática em suas aulas.“Esse é um caminho que estamos trilhan-do todos juntos”, diz a diretora.

Qualidade A coordenadora de informáticaeducativa do projeto Piraí Digital, MônicaNorris, lembra bem das primeiras aulas detreinamento dos professores, quando per-cebeu que, por desconhecimento, muitosdemonstraram o temor de que os com-putadores pudessem roubar seus empre-gos. “Foi preciso muito tato para mostrarque a informática é uma ferramenta quevai facilitar o trabalho deles, mas nuncasubstituí-los”, diz Norris. Agora, o quadromudou.Os professores estão montando asaulas no computador, trocando informa-ções por e-mail e animados para a novaetapa do curso de capacitação.

O livre acesso à Internet também estámelhorando a qualidade da saúde em Pi-raí.A rede de transmissão permitiu a ins-talação de um sistema de vídeo conferên-cia conectando o único hospital da cida-de às grandes instituições de saúde dopaís.A primeira aplicação do novo recur-

Maria do Carmo Tavares aprendeu a operar o caixa automático no curso de informática para terceira idade

Jovens brincam todos os dias nos terminais de acesso livre na rodoviária de Piraí

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a c idade de P i ra í f i na lmente f i cou to ta lmente cober ta pe l a rede de t ransm issão

cia e usar o caixa automático. Tinha de pe-dir ajuda às pessoas. Agora faço tudo quepreciso, saco dinheiro, pago as contas, tiroextrato. É uma maravilha! Já, já vou com-prar um computador só para mim.” Aexperiência está longe de ser isolada.DaisyLúcia Lima Botelho, coordenadora doNúcleo da Terceira Idade, percebeu que adificuldade para lidar com os terminaisbancários era algo muito comum entre osalunos do curso e que, ao se formar, quase

todos os 40 estudantes tinham superadoos temores. Marcelina Cândida Duarte, de67 anos, foi mais longe. Ao freqüentar asaulas de informática descobriu que aindatinha condições de aprender e resolveu re-tomar os estudos que havia abandonadoquando jovem. Há três meses matriculou-se e no único curso supletivo da cidade eagora espera ansiosamente o resultado dasprimeiras provas. “Tenho aula todos osdias, não falto e estou decidida a ir até o

de sequer tentar entender como funcionaessa tal informática. Maria do Carmo Sil-va Tavares, de 66 anos, estava acostuma-da a ver a neta passar horas diante de ummonitor de computador, mas nunca ti-nha se aproximado da máquina. Depoisdo curso, continua longe do computadorporque a neta não dá trégua, mas orgu-lha-se de poder entrar no banco e operarsozinha o terminal de auto-atendimento.“Antes eu era inibida para chegar na agên-

Reconhecimento noBrasil e no exterior

2001• Prêmio do Programa Gestão Pública e

Cidadania, concedido pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP),pela Fundação Ford e pelo BancoNacional de Desenvolvimento (BNDES)

• Motivo: Programa de DesenvolvimentoRegional da Prefeitura de Piraí

JUNHO/2004• Reportagem publicada pela revista

norte-americana Newsweek apresentaPiraí como uma das cidades digitais do mundo

• Prémio Latinoamericano de CiudadesDigitales, concedido pela Asociación Latinoamericana de Centros deInvestigación y Empresas deTelecomunicación

• Motivo: Projeto Piraí Digital

SETEMBRO/2004• O jornal norte-americano Chicago

Tribune publica reportagem sobre revolução tecnológica em Piraí

DEZEMBRO/2004• Pela segunda vez, Piraí recebe o

Prêmio de Gestão Pública e Cidadania,concedido pela FGV-SP, pela FundaçãoFord e pelo BNDES

• Motivo: Projeto Piraí Digital

Aluna da primeira série da Escola Municipal Nova Esperança têm aula no laboratório de informática

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fim. Vou conseguir o meu diploma!”, diz,entusiasmada.

Não muito longe da casa dela, outrogrupo de estudantes também está se bene-ficiando do livre acesso à internet: os 350alunos que cursam a única faculdade exis-tente na cidade, o Centro de Educação àDistância do Estado do Rio de Janeiro,(Cederj), fruto de uma parceria com asuniversidades públicas do estado do Riode Janeiro. Como o nome diz, não se tratade uma faculdade convencional. É ummodelo alternativo, cujo ensino é feito àdistância, justamente por meio de compu-tadores, de onde os alunos retiram todo omaterial didático, onde apresentam seustrabalhos e fazem contato com os profes-

sores. Sem o auxílio de um computador, éimpossível estudar, mas muita gente quenão tem o equipamento em casa está cur-sando faculdade.Josiane Ferreira Pinheiro,de 19 anos, está concluindo o segundosemestre de Biologia. “O curso é muitopuxado,mas com o suporte aqui no Cederjestou conseguindo acompanhar. Posso in-clusive conversar on-line com os profes-sores para tirar dúvidas”, diz. “Sem oCederj, provavelmente eu não estaria estu-dando.” Ela sonha em ser pesquisadora,mesmo consciente das limitações da cida-de onde vive. Flávia Batista de OliveiraSilva, de 26 anos, funcionária da Vigilân-cia Sanitária de Piraí, também está cursan-do Biologia, depois de ter parado os estu-

dos por seis anos. “Se não fosse por essaestrutura, dificilmente eu conseguiria vol-tar à escola”, diz. Ambas vão diariamenteao Cederj, como se fossem alunas de umaescola tradicional.

Depoimentos como esses são exata-mente o que o governo de Piraí esperavacolher quando idealizou um municípiototalmente interligado. E eles são tão elo-qüentes que estão atraindo a atenção dosmoradores das cidades vizinhas. “Daquia pouco teremos de criar a Piraitur paraatender aos romeiros digitais”, brincaCoelho, coordenador do projeto PiraíDigital. Além dos habitantes, alguns pre-feitos também estão interessados em re-plicar o modelo de Piraí. Rio das Flores,

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A rede de transmissão permi t iu a insta lação de um s is tema de v ídeo-conferênc ia

A geografia de Piraí

Localização Estado do Rio de Janeiro, àsmargens da Via Dutra, a 74 km da cidadedo Rio de Janeiro e a 300 km da cidade de São Paulo

População 23 mil habitantesUrbana 82%Rural 18%

Área 504 km2

Distritos Piraí, Vila Monumento,Arrozal e Santanésia

Saúde1 hospital14 postos de saúde

Educação20 escolas municipais de

ensino fundamental5 escolas estaduais de

ensino fundamental e médio1 estabelecimento de curso

superior (à distância)

Agências bancárias 2

Atrações turísticas hotéis-fazendas e antigos casarões coloniais

Vista da prefeitura de Piraí, um casarão construido em 1938 quando o povoado recebeu o título de Vila

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Vassouras,Valença e Barra do Piraí, todosno estado do Rio de Janeiro, foram osprimeiros a se apresentar. Como estãopróximos a Piraí, surgiu a idéia de cons-truir uma infovia de municípios digitaisque aproveite ao máximo a estrutura ins-talada em cada um deles.

Filantropia Ao ver tudo isso acontecer, oprefeito de Piraí não consegue evitar alembrança da situação que encontrou aoassumir seu primeiro mandato, em ja-neiro de 1997. Ele recebeu uma estruturaque dispunha de dois computadores euma enorme crise. A Light, maior empre-sa da cidade, acabava de ser privatizada epassava por uma reestruturação que cor-

Desaf ios • janeiro de 2005 67

conec tando o ún ico hosp i ta l da c idade às grandes inst i tu ições de saúde do pa ís

tou 1.200 vagas nos escritórios de Piraí.Como se não bastasse, a segunda maiorempresa,a Companhia Industrial de PapelPirahy, havia sido vendida à canadenseSchweitzer-Mauduit e também planejavademitir 300 funcionários. Numa cidadecom pouco mais de 22 mil habitantes, aextinção de 1.500 postos de trabalho eraquase uma situação de calamidade. Aprimeira atitude de Pezão foi procurar aLight numa tentativa de reduzir os cortes.Foi recebido com uma declaração seca deque a empresa não fazia filantropia.Revoltado, o prefeito resolveu estudarmelhor a situação. Descobriu que a Lightera dona de 53% das terras do município eque não pagava impostos. Criou uma lei

transformando todas as propriedades daLight em terras urbanas e aplicando Im-posto Predial e Territorial Urbano (IPTU),progressivo e retroativo a cinco anos, con-forme era permitido na época. No dia se-guinte foi procurado por uma comitiva daempresa, que foi recebida, obviamente,com a declaração de que a prefeitura nãofazia filantropia. O prefeito informou quenão queria todo o dinheiro referente aoIPTU atrasado, mas queria terras e recur-sos para construir condomínios indus-triais com infra-estrutura que pudessematrair novas empresas à cidade.

Sucesso A idéia do condomínio industrial,com 136 mil metros quadrados e toda ainfra-estrutura necessária à operação dasempresas deu certo e Piraí atraiu 14 com-panhias, tais como a Cervejaria Cintra, afábrica de fraldas Aloés Aloés, uma indús-tria de fontes para computador, a IMBP, ea Tecnocel, que produz isopor. Quase to-das são parceiras no projeto Piraí Digital,inclusive por interesse em ter uma boa in-fra-estrutura em tecnologia da informa-ção.Além da política de incentivo à vindade empresas, também foram criadas coo-perativas que estimularam novas ativida-des, como a piscicultura e o plantio de ma-cadâmia.Ao fim do primeiro mandato dePezão, Piraí já tinha recuperado todos osempregos perdidos, e a população condu-ziu o prefeito, já afiliado ao PMDB, à se-gunda gestão com 86% dos votos.

Foi esse programa de desenvolvimen-to econômico regional o motivo do prê-mio concedido pela FGV e pelo BNDES,em 2001, que provocou o surgimento doprojeto Piraí Digital. Em 2004, a cidadededicou um milhão de reais ao ProjetoPiraí Digital, o que representa 1,4% doorçamento municipal. Em dezembro,quando terminou o segundo mandato dePezão, sua administração foi novamentelaureada com o prêmio, dessa vez peloprograma de inclusão digital, exatamenteo projeto para o qual o BNDES negou osrecursos, alegando serem excessivos parauma cidade tão pequena. d

Franklin Dias Coelho, coordenador geral do projeto Piraí Digital aponta uma antena de recepção

Luiz Fernando Souza, prefeito de Piraí, em seu gabinete ao lado do quadro da Baronesa de Piraí

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p o r M ô n i c a

T e i x e i r a

Prêmio Finep de Inovação Tecnológica

Empresa e empresários nota 10

A Bematech nasceu há 14 anos,da percepção dos engenheiros ele-trônicos seus fundadores de que ocasamento das dissertações de mes-trado de ambos – sobre impressãomatricial – resultava numa tecnolo-gia própria. A empresa de WolneyBetiol – o Be de Bematech – e Mar-cel Malczewski – o Ma – começou adar certo quando a HP, em 1993, in-tegrou uma míni impressora desen-volvida por eles ao seu sistema deautomação de caixas de banco.A en-comenda de 7 mil unidades, quando

a produção se contava às dezenasde peças, foi histórica. Outra ino-vação da marca Bematech são asimpressoras térmicas de caixaseletrônicos, em que a tira de papelcom o registro da operação só ficaao alcance do usuário quando total-mente impressa – o que evita o em-bolamento da tira causado pelanossa tendência em puxá-la parafora.Em 2004,a Bematech chegou a100 milhões de reais de faturamen-to (5,5% vai para P&D), 270 fun-cionários, subsidiária em Atlanta,

nos Estados Unidos, e outra em Tai-wan – criada para comprar os com-ponentes eletrônicos usados em 50produtos e enviá-los à sede; e paragarantir o up-to-date tecnológico.Em Taiwan? Sim: as tecnologias dosetor nascem na Europa e nos EUA.Parte delas morre.As que vingam sedifundem a partir da Ásia – o lugarcerto para instalar o posto de ob-servação e desenvolvimento. A es-tratégia está dando certo, e a Be-matech mereceu o Prêmio Finep2004 na categoria média empresa.

Política Industrial I

Mais patentes e marcas para o Brasil

A reestruturação do InstitutoNacional de Propriedade Intelec-tual (Inpi) é uma das 57 medidasque o governo se comprometeu aimplementar no lançamento da Po-lítica Industrial, Científica, Tecno-lógica e de Comércio Exterior noúltimo 31 de março. Hoje o Inpi, doMinistério do Desenvolvimento, levaquatro anos para registrar umamarca e seis para conceder uma

patente. No credo do capitalismo,inovação e propriedade intelectualandam de mãos dadas; sem a pro-teção trazida pela patente ou pelamarca registrada, não há vigor noinvestimento privado em pesquisa edesenvolvimento. A demora na con-cessão do registro atrapalha essaequação. Por isso, a questão ope-racional é uma das prioridades danova diretoria, nomeada em agosto:

para fazer a espera cair pela me-tade, o Inpi pediu 450 novas vagasao Ministério do Planejamento,para 2005 e 2006. Em 2004, jápreencheu 100 cargos vagos; e oorçamento engordou 55 milhões dereais. Segundo Beatriz AmorimPáscoa, primeira ocupante da re-cém-criada diretoria de Articulaçãoe Informação Tecnológica, a novaestrutura tem também quase o do-

bro de gerências intermediáriasentre as divisões e a diretoria. Ameta dessas ações é aumentar aparticipação de patentes nacionais,hoje detendo 10% dos depositários.No front internacional, a reestru-turação é política: o governo quer oBrasil na liderança internacionaldo debate sobre os limites da pro-priedade intelectual na promoçãodo desenvolvimento econômico.

CIRCUITOciência&inovação

68 Desafios • janeiro de 2005

Divulgação

Wolney Betiol é diretor de

assuntos estratégicos da

Bematech. A empresa curitibana

fornece cerca de 40% de todas

as impressoras comerciais e

bancárias instaladas no país

“‘Depois daaprovaçãodessa Lei daInovaçãoTecnológica,o Brasil será outro,sobretudo naárea de ciência e tecnologia.’

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,no discurso que fez quando da sançãoda Lei de Inovação e entrega do PrêmioFinep, no Palácio do Planalto, em 2 de dezembro de 2004

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Desaf ios • janeiro de 2005 69

Texto para Discussão

O aprendizado ativo também está na base da inovação O que separa Taiwan e Coréia

do Sul do Brasil e do México? Paraos quatro países, a industrializaçãochegou no século XX. Mas, enquan-to os dois asiáticos já se aproxi-mam do padrão de economias de-senvolvidas, o passo do desenvolvi-mento econômico e da inovação noMéxico e no Brasil é claramentemais lento. Eduardo Viotti, pesqui-sador do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), doutorou-se estudando o que, para ele, faz adiferença: o fato de o país organi-

zar sistemas de aprendizado ativoou passivo quando realiza mudan-ças técnicas. As empresas daqui,argumenta Viotti no Texto para Dis-cussão 1057, publicado na páginado Ipea (www.ipea.gov.br), satisfa-zem-se em aprender a fabricar umproduto – o que as leva, por exem-plo, a aceitar caixas-pretas quandointroduzem novas tecnologias. Nospaíses asiáticos, a decisão empre-sarial é outra, de conquistar o domí-nio da nova tecnologia e aperfei-çoar os produtos – não apenas fa-

bricá-los como são. O Brasil tem aganhar se passar da passividadepara a atividade no aprendizado dastecnologias, beneficiando-se do me-nor risco envolvido e da possibilida-de de retorno dos investimentos nocurto prazo. O título do TD é: Techno-logical Learning Systems, Competi-tiveness and Development (Sistemasde Aprendizado Tecnológico, Compe-titividade e Desenvolvimento) e foiapresentado pelo autor numa confe-rência internacional para estudar odesenvolvimento de Taiwan.

Política Industrial II

Laboratório Nacional de Nanotecnologia

Nanotecnologia é uma dasáreas portadoras de futuro da Po-lítica Industrial. Em outubro, o presi-dente Lula se reuniu com assesso-res próximos e ministros no Paláciodo Planalto para ouvir Cylon Gon-çalves da Silva, secretário do Minis-tério da Ciência e Tecnologia, con-tar por que o conhecimento sobre o“muito pequeno”já tem e terá cadavez mais impactos sobre a produção

de mercadorias nas próximas déca-das.Ao final da reunião, o presiden-te determinou que lhe fosse apre-sentada a proposta de um programanacional para a área. Como já haviaum grupo de trabalho constituído noâmbito das medidas da Política In-dustrial para dar as diretrizes de umLaboratório Nacional de Micro e Na-notecnologias, presidido pelo pró-prio Cylon, e integrado por empre-

sários, cientistas e representantesdo governo, o seu relatório final foiampliado para atender ao pedido dopresidente. Em dezembro, o relatóriochegou às mãos do ministro Eduar-do Campos. Se a decisão for poracatar as recomendações do docu-mento, o governo deverá tomar adecisão de investir 130 milhões dereais em 2005: para instalar a fá-brica de prototipagem de chips no

Rio Grande do Sul – o Centro Exce-lência em Tecnologia EletrônicaAvançada, outra prioridade na Polí-tica Industrial; aproximar universi-dades e empresas por meio de pro-jetos cooperativos; fomentar redesacadêmicas de pesquisa e melhorara infra-estrutura disponível paraelas; promover difusão e educaçãono tema; e, finalmente, definir comoserá o novo Laboratório Nacional.

A revista Nature Biotechnologypublicou em dezembro suplementoespecial sobre biotecnologia parasaúde em sete países emergentes –entre eles o Brasil. No tópico “indús-tria”, o relatório informa que exis-tiam, em 2001, 354 empresas dosetor no país, ante 76 em 1993 –dados da empresa de consultorianorte-americana International Bu-siness Strategies publicados em2003. Entre as empresas, o estudodos canadenses destaca a FK Bio-tecnologia. Sediada em Porto Ale-

gre, a FK quer entrar no mercadode kits para diagnósticos no país –fornecendo, por exemplo, testespara gravidez. Segundo FernandoKreutz, seu fundador e executivoprincipal, esse mercado movimenta420 milhões de dólares anuais, e é99% dominado por empresas es-trangeiras. Médico graduado pelaUniversidade Federal do Rio Gran-de do Sul, com doutorado no Cana-dá em imunodiagnósticos – que é aárea de concentração da empresa–, Kretz conta que o faturamento da

FK – de 120 mil reais em 2004 –pode saltar para 5 milhões de reaispara 2005: a empresa acaba deimportar a máquina que vai dar es-cala à tecnologia desenvolvida nabancada.A produção poderá atingirmil testes por hora. Mas o produtode maior valor agregado potencialda FK é uma vacina para câncer depróstata, com patente depositada noInpi, e que já passou pela fase I detestes em humanos, com bons re-sultados. Essa é a razão do desta-que para a FK no estudo.

Indústria de Biotecnologia

Para substituir importações dos laboratórios de análises clínicas

Hélvi

o Ro

mero

/AE

14h16min

foi o tempo médio deconexão dos 11,6 milhões de brasileiros que navegam em suas casas,no mês de outubro. Deacordo com o Ibope, osegundo maior do mundo.

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oucos são os livros que, no mo-mento de sua publicação, podemostentar, de imediato, a classifi-cação de “clássico” ou mesmo de

“indispensável”. No terreno da teoria eco-nômica, e particularmente no das políticaseconômicas, livros costumam ser tãoefêmeros quanto as políticas e as circuns-tâncias históricas que os viram nascer. Noque se refere à história e às políticas eco-nômicas da era republicana no Brasil, umexemplo de clássico é a coletânea organiza-da por Marcelo de Paiva Abreu para sin-tetizar os primeiros cem anos de experi-mentos levados a cabo pelos mais distintosregimes políticos: A Ordem do Progresso.

Economia Brasileira Contemporânea é,igualmente, um livro que já nasce clássico,não apenas porque complementa e ampliaa discussão iniciada com aquela coletâneapublicada em 1989, mas porque descreve eanalisa, com rara maestria, o itinerário eco-nômico do Brasil contemporâneo e seusprincipais problemas: a luta pela estabili-dade, o desafio do crescimento sustentadoe do desenvolvimento, a restrição externa e

a dependência financeira, os problemas dapobreza, da desigualdade distributiva e dabaixa qualificação educacional da popu-lação brasileira. Isso se deve ao fato de quenão apenas os organizadores possuemcompetência acadêmica, experiência prá-tica e faro político, mas também souberamcercar-se dos melhores nomes. Registre-seque realizaram a proeza, tanto intelectualquanto prática, de reunir dois inimigos dahistória econômica recente, Antonio Del-fim Netto e Gustavo Franco.

O texto de Delfim analisa a evolução daeconomia brasileira entre 1947 e 2003, comênfase no processo de desenvolvimento esua principal restrição: as crises de balan-ço de pagamentos. Gustavo Franco segueo itinerário da luta contra a inflação e che-ga ao Plano Real, do qual foi um dos prin-cipais formuladores e administradores, atésair no episódio da passagem para o regimede flutuação cambial, em janeiro de 1999.Outros autores comparecem com temas re-levantes, como a restrição de poupança(Edward Amadeo e Fernando Montero),as causas do crescimento econômico (Regis

Bonelli), seu financiamento (RogérioStudart), a desigualdade distributiva (LauroRamos e Rosane Mendonça) e a terrívelescassez de educação (Sergio GuimarãesFerreira e Fernando Veloso).

Esses são os eixos temáticos dessa obraverdadeiramente indispensável, mas elesconstituem apenas a segunda parte do li-vro, pois a primeira está dedicada a ofere-cer, sob responsabilidade dos próprios or-ganizadores (com a colaboração de SérgioBesserman Vianna), uma visão panorâmi-ca e abrangente de todo o desenvolvimen-to da economia e da política econômicabrasileira entre 1945 e a atualidade. Ogrande mérito desse livro sobre outras co-letâneas, situa-se na combinação do mate-rial histórico, de enfoque propriamentecronológico, com a discussão pormeno-rizada oferecida nos capítulos temáticos.

A obra não se dirige em primeiro lugaraos economistas profissionais, mas funda-mentalmente aos estudantes universitários.Também deve interessar ao cidadão co-mum que busca entender não só as raízesda presente situação – um notável desem-penho industrial, um pujante agronegó-cio, ao lado das mazelas sociais conheci-das e de persistentes desequilíbrios ma-croeconômicos, seja no plano fiscal e dadívida interna, seja ainda na vilipendiada“dependência financeira externa” – comoas causas de nosso frustrante fracasso emalcançar os países de maior desenvolvi-mento relativo.

Paulo Roberto de Almeida

70 Desafios • janeiro de 2005

Intérpretes e protagonistas

da história econômica brasileira

Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004)Organizadores: Fabio Giambiagi, André Villela,Lavínia Barros de Castro e Jennifer HermannEditora Elsevier, 432 p., R$ 75,00

ESTANTElivros e publicações

P

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livro organizado por Ana AméliaCamarano, que conta com a co-laboração de renomados pesqui-sadores, vai muito além dos no-

vos idosos brasileiros. A primeira parteapresenta um perfil sociodemográfico dapopulação brasileira com mais de 60 anose discute o próprio conceito de idoso, con-siderando as dimensões biológicas, sociais,culturais e econômicas. Os leitores pode-rão comprovar que trata-se de um livrosobre todos e sobre cada um de nós, já quea esperança de vida está aumentando e,com ela, as probabilidades de que cadabrasileiro se torne idoso.

Na segunda parte, o trabalho chama aatenção para as possibilidades de que, numfuturo não muito distante, milhões debrasileiros estejam passando aproximada-mente um terço de sua vida na condiçãode idosos. E que a qualidade desse terço devida depende muito das políticas públicas.Ao descrever as condições de vida e as po-líticas relacionadas aos idosos na atualida-de, o livro permite ao leitor inferir quais se-rão suas condições de vida no futuro.Ainda na segunda parte são apresentadasquestões relacionadas à deficiência e aodireito de morrer dignamente – que tam-bém não são exógenas aos contratos so-ciais. Essas questões aplicam-se a todos ossegmentos da população. Inclusive àque-les, cada vez menos numerosos, que mor-rerão jovens.

O convívio entre diferentes gerações,dentro e fora do ambiente familiar, consti-tui o assunto principal da terceira parte dolivro, na qual se desfaz a visão estereotipa-da do idoso como um ônus para os paren-tes e para a sociedade. Ali são explicitadosos papéis sociais exercidos pelos idosos,além das intrincadas redes de trocas decustos e de benefícios entre gerações. Osidosos recebem cuidados, mas tambémcuidam (cada vez mais) dos mais jovens.As conclusões despertam os leitores para aimportância dos idosos na sociedade.

A quarta parte do livro analisa as po-líticas referentes aos idosos brasileiros, noâmbito da Política Nacional do Idoso e doEstatuto do Idoso, enfatizando os aspectosda Seguridade Social em seu sentido maisamplo. São abordados os custos e os bene-fícios de políticas como a da previdênciasocial e a da saúde.

Finalmente, a quinta parte da obra ava-lia detalhadamente as condições materiaise econômicas dos idosos. São analisados osrendimentos financeiros gerados pela suaatuação no mercado de trabalho, comple-mentar à previdência social. Também sãoestudados os rendimentos relacionados aosestoques de capital financeiro, material, so-cial e humano. As análises acompanham aformação dos estoques de capitais e dosrendimentos sob perspectivas dinâmicas,ao longo do ciclo de vida. Tomam por baseíndices de preços especialmente dedicadosaos idosos. A conclusão: as rendas e os ca-pitais dos idosos não são usufruídos ape-nas por eles, de modo que as suas decisõesde consumo, de poupança e de investi-mento afetam toda a sociedade brasileira.Assim, o livro demonstra que cuidar bemdos idosos é cuidar bem do Brasil.

Alexandre Marinho

terror moderno, intimidação pa-ra fins políticos, não está ligadoapenas ao fundamentalismo debase islâmica. Nasceu na Revo-

lução Francesa, e Robespierre defendeu-o:“O terror nada mais é do que justiça ime-diata, severa, inflexível...” Desde os primei-ros dias da revolução de 1917, Lênin orde-nou à Cheka, a polícia política, que fuzi-lasse opositores declarados do novo regi-me e proprietários em geral. “Estamos ex-terminando a burguesia. Esta é a essênciado Terror Vermelho” (citado por PaulJohnson em Tempos Modernos). Stalinaplicou as recomendações, incorporandocomo “clientes” da máquina de terror seuscolegas de partido.

A historiadora americana, editorialistado Washington Post e colaboradora do WallStreet Journal, realizou uma pesquisa mo-numental. O Gulag chegou a ser respon-sável pela produção de um terço do ouro,muito do carvão, da madeira e de outrasmatérias-primas na União Soviética. O sis-tema reuniu 476 campos. O número deprisioneiros passou de cerca de 200 mil noinício dos anos 1930 para 2,5 milhões nomomento da morte de Stalin. No total, 2,7milhões de cidadãos podem ter morridono sistema do Gulag.

Paulo Roberto de Almeida

Desaf ios • janeiro de 2005 71

A importância

dos idosos brasileiros

Os Novos Idosos Brasileiros:Muito Além dos 60?Organizado por Ana Amélia Camarano IPEA, 382 p., R$ 40,00.

O

Gulag: anatomia

da tragédia

Gulag: uma História dos Campos de Prisioneiros SoviéticosAnne ApplebaumEditora Ediouro, 744 p., R$ 84,90

O

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INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

72 Desafios • janeiro de 2005

Saúde

Análise do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) constatou que a participaçãodos estabelecimentos lucrativos na rede SUSestá em queda, acompanhando a tendênciamundial. O estudo baseou-se em dados de 2002e concluiu que os estabelecimentos lucrativos

são menores, oferecem menos leitos e serviços,e funcionam de modo menos intensivo do queos outros hospitais da rede SUS. A íntegra dotrabalho elaborado pelo pesquisador AlexandreMarinho está disponível no site do Ipea(www.ipea.gov.br).

É uma sigla que representa a expressãoOrganização da Sociedade Civil deInteresse Público. A expressão Oscipsurgiu em 1998 quando o governo sentiu necessidade de distinguir, entreas milhares de Organizações Não-Governamentais (Ong) existentes noBrasil, quais são as que buscam obenefício público e têm representativi-dade junto a segmentos da sociedadecivil. Para isso, foi criada uma lei queestipula uma série de normas quedevem ser atendidas pelas Ong’s quepretendem ser consideradas Oscip.Ao se transformar em Oscip, uma orga-nização passa a ser considerada idôneapara fazer parcerias com o governo.

O terceiro setor no Brasil

• 276 mil entidades• 1,5 milhão de empregos

O que é?

Oscip

Rede SUS e os hospitais lucrativos

Número médio de internações por leito (2002)

Distribuição dos leitos do SUS (2002)

LucrativosFilantrópicosPúblicosUniversitários

40

35

30

25

20

15

33,6

29,727,5

20,2

Área principal de atividade

Educação e PesquisaAssistência e Promoção SocialDesenvolvimento Comunitário/ MoradiaSaúdeNão InformadoCultura e RecreaçãoMeio AmbienteOutras

UTICirurgiaPsiquiatriaHospital-dia

Composição da rede

hospitalar do SUS (dez/2002)

Participação dos hospitais

lucrativos na rede do SUS

50

45

40

35

30

25

201992 2000 2001 2002 2003

47,2

36,335,6 35,2

31,2

Participação dos hospitais

lucrativos nos leitos da rede do SUS

50

45

40

35

30

25

201992 2000 2001 2002 2003

47,3

34,632,9

29,8

33,7

Lucrativos contratadosFilantrópicosPúblicosUniversitários

60

50

40

30

20

10

0

Valor diário da internação (2002)

LucrativosFilantrópicosPúblicosUniversitários

120

100

80

60

40

20

0

107,9

63,9

81,8

60,8

perc

entu

alR

$

perc

entu

alpe

rcen

tual

68,8%

31,2%

Composição da rede

de leitos do SUS (dez/2002)

Não lucrativos

33,3% Filantrópicos12,9% Públicos municipais14,3% Públicos estaduais9,3% Universitários0,3% Públicos federais

Lucrativos

29,9% Lucrativos contratados

Não-lucrativos

29,1% Filantrópicos26,9% Públicos municipais10,0% Públicos estaduais2,5% Universitários0,3% Públicos federais

Lucrativos

31,2% Lucrativos contratados

70,1%

29,9%

REPARE: os custos da internação em hospitais universitários são muito mais altos do que nos outros hospitais porque normalmentetratam de casos mais complexos

REPARE: os hospitais não-lucrativos concentram os leitos de UTI e Cirurgia, enquanto os hospitais lucrativos detêm uma grande participaçãonos leitos psiquiátricos e nos leitos de hospital-dia

28%

20%

13%

9%

9%

5%4% 12%

Fonte: Mapa do 3º Setor/FGV

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27%

31%

42%

Nível de democracia

eleitoral na América Latina

Desaf ios • janeiro de 2005 73

Política

Construindo a democracia na América LatinaO Programa das Nações Unidas para o Desen-

volvimento (Pnud) elaborou um estudo para avaliara qualidade e a abrangência da democracia naAmérica Latina. Foram analisados 18 países, quecobrem cerca de 97% da população do sub-conti-nente. O informe comprovou que na última década

as eleições livres se consolidaram na AméricaLatina, porém ainda há muito por fazer para que setenha um clima de ampla democracia, ou seja, deconfiança nas instituições, nos governos e, sobre-tudo, para que a liberdade seja um valor indiscu-tível na cultura dos latino-americanos.

REPARE: houve uma pequena redução de 2001 a 2002.Foi a classificação da Venezuela que caiu nesse período

REPARE: o Brasil foi o país em que mais entrevistadosdeclararam ter sofrido algum tipo de pressão eleitoral

1960 197

719

8519

9019

9520

0020

0120

02

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

68

28

69

86 8891

94 93

Liberdade para votar

% dos entrevistados que diz ter sofrido pressão eleitoral

Venezu

elaMéxi

coBo

lívia

Repúb

lica

Dominic

anaBrasi

l

Colôm

bia

15

14

13

12

11

10

9

8

7

6

5

13,3

12 11,8

9,2 9,1

8

12%

10%

10%

66%

2%

Por que os políticos não

cumprem as promessas

Posição política

dos entrevistados

Porque mentem para ganhar as eleiçõesPorque o sistema não permitePorque não conhecem a complexidade dos problemasPorque surgem outros problemas mais urgentesOutras razões

Convicção democrática

Uruguai Peru Venezuela México Costa Rica

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

71,3

54,8 54,5 54,4 53,8

Populações menos democratas

Bolívia Brasil Equador Paraguai Colômbia

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

34,930,6

23,1 2216,9

(% dos entrevistados que se declara francamente democrata)

Populações mais democratas

• Argentina • Brasil• Bolívia • Chile• Colômbia • Costa Rica• Equador • El Salvador• Guatemala • Honduras• México • Nicarágua• Panamá • Paraguai• Peru • Rep. Dominicana • Uruguai • Venezuela

Países que integram a mostra

Poder do voto

REPARE: Cuba não está incluída no estudo porque nãohá eleições no país

Países onde há mais confiança

no poder do voto

% dos entrevistados que acreditam que o voto muda os rumos do país

Nicará

gua

Costa

Rica

Rep.

Dominic

ana

Brasi

l

Venezu

ela

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

87,483,8 83,4 82,7 81,2

Países onde há menos confiança

no poder do voto

Peru

Colôm

biaMéxi

vo

Argent

inaBo

lívia

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

67,7 66,9 67,7 63,558,8

Não democrataAmbivalenteFrancamente democrata

Fonte: Pnud

Apenas 2,3% dos

entrevistados acredita que

os políticos cumprem as

promessas de campanha

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Fiquei perplexo com a ediçãono 5 da revista Desafios, pois nãoapresenta nenhuma linha em ho-menagem ao maior economistabrasileiro e nosso principal teóri-co do desenvolvimento, CelsoFurtado. Como professor de eco-nomia, gostaria de dar uma su-gestão: por que não um númeroespecial sobre o grande CelsoFurtado?

Raphael BicudoSão Paulo - SP

A edição no 3 da revista De-safios trouxe uma entrevista com oeconomista Celso Furtado, com otítulo “Não se faz política sem ide-ologia”. Foi sua última conversacom a imprensa e o material estádisponível aos interessados no siteda Desafios na internet.

Parabéns pelo material edito-rial da revista Desafios no 3. Mastenho algumas questões a apon-tar. A primeira é uma correção:na página 7, “O Brasil em 3 tem-pos”, na linha 9 , aparece 2002 co-mo sendo o ano do bicentenárioda independência do Brasil. Ocorreto é 2022.

A segunda é uma dúvida. Naseção Indicadores, página 81, háuma relação dos maiores emis-sores de CO2.A lista é diferente dapublicada pela revista Veja, emsua edição 1.880, de 17/11/04,que inclui a Rússia. E, segundo oAnuário Exame 2004/2005, pu-blicado em novembro, a “Rússia éresponsável por um quinto dospoluentes da Terra”.

Com isso pergunto: por que aRússia não consta do ranking deDesafios?

Entre os poluidores está a Co-réia. Trata-se da Coréia do Sul ouda Coréia do Norte?

E qual foi a fonte utilizada?

Eduardo Lobato SallesLondrina - PR

A Rússia está, realmente, entreos grandes emissores de CO2 doplaneta. Ocorre que quando fize-mos o levantamento das informa-ções no site da ONU, mais especifi-camente nos estudos referentes àsMetas do Milênio, consultamos osanos 1990 e 2000 (para comparara variação durante uma década) eo valor das emissões de carbono daRússia em 2000 não está disponí-vel no site. Assim, acabou sendoexcluída da tabela.

Aproveitamos a oportunidadepara informar aos leitores que aRússia, em 1999, ocupou o terceirolugar no ranking dos maiores emis-sores de CO2 na atmosfera, ondetambém está a Coréia do Sul.

Gostaria inicialmente de para-benizar a equipe pela qualidadeda revista Desafios, em especiala edição no 4. A matéria de capasobre informalidade, “Brasil di-vidido”, aborda um tema quepreocupa nosso Instituto e é

muito bem relatado. Sabemosque a situação apresentada só irámelhorar se a sociedade tomarconhecimento das conseqüên-cias que a informalidade, e a con-corrência desleal por ela provo-cada, trazem para o país. A re-vista Desafios deu um passoextremamente importante nessadireção.

Emerson KapazPresidente executivo do Instituto

Brasileiro de Ética

Concorrêncial (ETCO)

A reportagem “Uma chama deesperança”, publicada na ediçãono 4, além de muito bem focada,mostra que iniciativas integrado-ras e não segregacionistas na co-munidade são as melhores opçõespara a ação com jovens infratores.E que as ações sociais e econô-micas em pequenas comunidadescostumam trazer benefícios maispalpáveis do que grandes projetosgovernamentais.

Antonio Horácio Boa SorteBrasília - DF

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c i o BNDES, Sa la 801 - CEP 70076-900 - Bras í l i a , DF

Repr

oduç

ão

74 Desafios • janeiro de 2005

Duas medidas jurídicas sãointeressantes: cumprir aquiloque está escrito na Consti-tuição e cumprir o Estatuto daCriança e do Adolescente. Asduas leis contemplam todas asmedidas capazes de reverter asmazelas sofridas pela “silen-ciosa” juventude brasileira.

Jadir Cirqueira de SouzaUberlândia – MG

Em conflito com a lei está asociedade (obviamente, aí in-cluídos os seus governantes),que não cumpre o ECA. Quemdeve não tem moral para co-brar. Não há educação de qua-lidade que propicie acesso às

ciências, às artes, ao esporte, aoconhecimento dos direitos,mas querem cobrar dos cida-dãos que sejam “modelares”.

Rachel ZimbresSão Paulo – SP

A melhor forma para aten-der esses adolescentes é a pro-fissionalização. Cursos que ge-rem renda, como mecânica,marcenaria, inglês, espanhol, eainda incentivo nos primeirospassos.

Delmario G. AraujoCampo Grande – MS

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.org.br

Enquete

Desafios perguntou aos leitores que visitam sua home pagequais as melhores formas de atendimento a adolescentes emconflito com a lei, a propósito da reportagem “Uma chamade esperança”, da edição no 4 . Veja algumas respostas:

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