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Nós,doRN... Suplemento Diário Oficial do Estado do Rio Grande d o Norte - Ano I - Nº 03 - Fevereiro de 2005 NATAL

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Nós,doRN...Suplemento

Diário Oficial do Estado do Rio Grande d o Norte - Ano I - Nº 03 - Fevereiro de 2005

NATAL

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2 Natal - Fevereiro de 2005nós, do RN Suplemento

Apresentação

Correspondências

Rubens Lemos Filho

Com índices de violênciainferiores aos do anopassado, o carnaval

norte-rio-grandense atravessou ochamado Reinado de Momo empaz e alegria. E as notícias de bonsfestejos chegaram de todos osquadrantes, com excelentes per-formances nos tradicionais car-navais de Areia Branca, Barra deMaxaranguape e Macau e aduração de sete dias de folia noSeridó, com o epicentro emCaicó, onde brilhou a Ala Ursado Poço de Santana.

Para alegria dos tradicionalis-tas, tivemos a revivência dos car-navais antigos, que mobilizoumultidões para a Ribeira, em

Uma tarefa cumprida

Não poderíamos iniciar melhor 2005, comoo fizemos em janeiro, oferecendo deste àclientela do Diário Oficial do Rio Grande

do Norte uma excelente edição do suplemento"nós, do RN", mostrando todo o vigor da políticacultural empreendida pela governadora WilmaMaria de Faria. Trouxemos os reflexos da origemquando Sua Excelência, à frente da Prefeitura doNatal, criou a Fundação Capitania das Artes -Funcart.

Além da sua historicidade, o pleno funciona-mento da Funcart é mostrado na sua pauta de ativi-dades e pela elaboração e implementação do planonascido da 1ª Conferência Municipal de Culturaconvocada em parceria com a Fundação JoséAugusto.

Estado do Rio Grande do NorteAssessoria de Comunicação Social

Wilma Maria de FariaGovernadora do Estado:

Carlos Alberto de FariaGabinete Civil do Governo do Estado

Rubens Manoel Lemos FilhoAssessoria de Comunicação Social

Rubens Manoel Lemos FilhoDiretor Geral em exercício

Henrique Miranda Sá NetoCoordenador de Administração

e Editoração

Juracir Batista de OliveiraSubcoordenador de Finanças

Eduardo de Souza Pinto FreireSubcoordenador de Informática

nós, do RNeditor-geralMiranda Sá

chefe de redaçãoMoura Neto

equipe redacionalPaulo Dumaresq - reportagem

João Ricardo Correia - reportagemJoão Maria Alves - fotografia

diagramação e arte finalEdenildo Simões

Alexandro Tavares de Melo

pesquisaAnchieta Fernandes

colaboradoresCarlos Morais

Emanuel AmaralRubens Lemos Filho

Moura NetoAnchieta Fernandes

apoio gráficoWillams Laurentino

Valmir Araújo

D.E. I.

E está na Fundação José Augusto, a nível esta-dual, o desenvolvimento das novas atividades cultur-ais do Rio Grande do Norte, destacando-se entreelas as Casas de Cultura - extensão do Palácio daCultura ao território norte-rio-grandense.

Pela entrevista do presidente da FJA, escritorFrançois Silvestre, a "nós, do RN", tivemos a dimen-são dos avanços que o Governo Wilma Faria deu nocampo das artes, promovendo a reestruturação daOrquestra Sinfônica, a volta do Coral Canto doPovo e construção do Teatro de Cultura Popular.

Salientou-se, neste Suplemento do Diário Oficial,o Palácio da Cultura, que abriga a Pinacoteca doEstado, vinculada ao Centro de Documentação daFJA, compondo um acervo de quinhentas peças,que podem ser apreciadas gratuitamente.

EditorialCarnaval de paz e alegria

Miranda Sá

Para Miranda Sá(...) o nós, do RN merece homena-

gens especiais, pois revela o Rio Grandedo Norte a si mesmo (e a outrosEstados onde chega) e traz à luz pen-

sadores e escritores que já habitualmentenão encontram espaço para publicaçãodo resultado de suas pesquisas. Além deapoiar esses autores, Nós, do RN estimu-la outros pesquisadores e estudiosos. Sou

fã da publicação.É isso, camarada.Abraço carinhoso do Maurício Azêdo.

(Jornalista. Presidente da Associação Brasileira deImprensa - ABI)

DEPARTAMENTO ESTADUAL DE IMPRENSAAv. Câmara Cascudo, 355 - Ribeira - Natal/RN

Cep.: 59025-280 - Tel.: (084) 232-6793Site: www.dei.rn.gov.br - e-mail: [email protected]

Natal. Também na Cidade Baixada capital, as escolas de samba eos blocos de índios mantiveram,jubilosamente, o desfile jácinqüentenário. Espalhando-sepela Grande Natal, saíram osmemoráveis blocos "dasKengas", "Baiacu na Vara" e "OsCão", além das troças que cobri-ram os litorais Norte e Sul.

Pelas cidades interioranas regis-traram-se ruidosas manifestaçõescarnavalescas, com excelente orga-nização, nos municípios deAlexandria, Alto do Rodrigues,Apodi, Dix-sept Rosado, FelipeGuerra, Galinhos, Jardim dePiranhas, Lagoa Nova, Mossoró,migrante para Tibau, e Umarizal.

Diante deste fato histórico, esteSuplemento Multicultural do DiárioOficial do Rio Grande do Norte nãopoderia alhear-se. A maior festapopular do País e do Estado faz parteda vida nacional e sentimo-nos naobrigação de registrar a sua História.Assim, os que fazem "nós, do RN"trabalharam com a determinação detrazer o Carnaval dos velhos tempos,para ser transmitido às novasgerações e contribuir para aspesquisas necessárias à preservaçãodos costumes.

Damo-nos satisfeitos com estaedição de fevereiro de "nós, do RN"e esperamos que os nossos leitorestambém. Evoé, Momo!

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Não se sabe ao certo, atéhoje, a origem do car-naval. A maior festa

popular coletiva deste país, noentanto, tem certamente raízes nasfestas pagãs das sociedades primiti-vas. Para alguns estudiosos, acomemoração do carnaval advémde costumes das comunidadesagrárias, onde homens e mulheres,por volta de 10 mil anos a.C.,usavam máscaras, pintavam os cor-pos, bebiam bastante e dançavamaté cair para espantar os demôniosda má colheita.

Outras correntes de pesqui-sadores acreditam que o carnavalfoi uma herança dos cultos realiza-dos pelos egípcios, gregos eromanos em nome de seus deuses –Ísis, Baco e Dionísio, respectiva-mente. Estes rituais, como se sabe,consistiam em verdadeiras orgias.Licenciosidades que se vê aindahoje, de forma simulada, durante onosso conhecido reinado deMomo.

Seja como for, a Igreja foi tole-rante com o carnaval. Combateu osabusos e excessos, claro, e procu-rou imprimir nova orientação àsfestividades. Mas foi tolerante aponto de inserir a festa no seu ca-lendário religioso. O carnaval, aindahoje, termina na penitência daquarta-feira de cinzas, antecedendoa Quaresma dos católicos.

Na Roma do Papa Paulo II, noséculo XV, o carnaval compreendiacorridas de cavalo, desfiles de car-ros alegóricos, brigas de confete,lançamento de ovos e inúmerasoutras manifestações populares

realizadas no pátio externo do seuPalácio. Consta que o baile de más-cara foi introduzido nas festas reli-giosas nesta época, chegando aoauge no século XVI. O costumelogo foi incorporado pela corte,sendo utilizado principalmentepelas damas como arma desedução. O rei Carlos VI foi assas-

sinado numa destas festas, quandoestava fantasiado de urso.

Na França romântica do séculoXIX, o carnaval adquiriu a feiçãode festa artística, prevalecendo aelegância dos bailes e dos desfilesalegóricos. Até que no começo doséculo XX começou a perder forçana Europa, mantendo-se como

tradição apenas em algumascidades da França, Itália eAlemanha.

Controvérsia – Tambémnão há consenso quanto àorigem do termo carnaval.Pode ter surgido da expressãolatina “carrum novalis”, quesignifica “carro naval”. Eranuma espécie de carro alegóri-

co, em forma de barco, no qual osromanos antigos celebravam suafesta. Pode ter se originado deoutra expressão do latim, “carne,vale”, que quer dizer “adeus,carne”, numa menção à abstinênciaque passou a vigorar na quarta-feirade cinzas.

Se por um lado não há comoafirmar qual a procedência da festae o significado do seu nome, poroutro, nos dias atuais, ninguémdesconhece o que caracteriza ocarnaval no Brasil. Euforia coletiva,desabafo popular, divertimentopúblico, com pitadas de manifes-tações folclóricas, representadas,por exemplo, nos blocos dos sujose dos mascarados.

O combate do Carnaval e da Quaresma, 1559. Pintura a óleo de Pieter Bruegel

3Natal - Fevereiro de 2005 nós, do RNSuplemento

Moura Neto

Tudo começou nosTudo começou nosbacanais da antiguidadebacanais da antiguidade

Carnaval vem de “carrum

novalis”, que significa“carro naval”

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4 Natal - Fevereiro de 2005nós, do RN Suplemento

Carnaval chega aoCarnaval chega aoBrasil com lusitanosBrasil com lusitanos

Cena de Carnaval no Rio de Janeiro do século XIX. Gravura de Jean Baptiste Debret

Com a colonização do Brasilpelos portugueses, o paísherda, também, o hábito de

comemorar o carnaval, ou melhor,o entrudo europeu. Somente maistarde, já no início do século XX,foram acrescentados elementosafricanos que deram originalidade àfesta brasileira, como as escolas desamba. O carnaval que se brincavano Brasil colônia naquela época,porém, tinha semelhanças sobretu-do com o que acontecia na Itáliarenascentista: uma brincadeira derua violenta, onde eram praticadosabusos e até atrocidades, atirando-se ovos, farinha de trigo, cal, goma,laranja podre e água suja em quempassava.

Muitos protestos surgiramdiante desse carnaval selvagem quedesembarcou no país com asprimeiras caravelas e os foliões dealém-mar. Por isso o entrudo foi se

tornando mais civilizado. Ao invésdas substancias grosseiras, água per-fumada e bisnagas cheias de vinho.Até que, em 1885, foram introduzi-dos os lança-perfumes, de origemfrancesa. Data desta época, tam-bém, os bailes de máscaras, cujaprocedência é a mesma.

Depois, vieram as fantasias. E seantes não havia um ritmo musicalque caracterizasse o entrudo, comos bailes firmaram-se as melodiasque simbolizavam o evento. Aprimeira música composta exclusi-

vamente para o carnaval foi a mar-cha “Ô abre alas”, de ChiquinhaGonzaga, em 1899. O corso (desfilede caminhões e carros sem capota)virou moda a partir de 1907, quan-do as filhas do presidente AfonsoPena fizeram um passeio pela viacarnavalesca no carro presidencial,no Rio. Começou a desaparecercom as dificuldades de tráfego e amodernização dos automóveis.

Algumas figuras carnavalescasconhecidas no Brasil têm origem,portanto, da cultura européia.

Colombina, Arlequim e Pierrô, porexemplo, eram personagens dacomédia italiana. Colombina erauma criada sedutora e volúvel, quevestia trajes de cores variadas, comoo seu amante Arlequim, rival dePierrô pelo amor da Colombina.Arlequim representa o palhaço, ocômico. Pierrô tem como caracterís-tica a ingenuidade. Outro perso-nagem, o Momo, foi inspirado nobufo, ator que representava peque-nas comédias teatrais para divertiros nobres portugueses. (MN)

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Entrudo, palavra derivada do latim arcaico –entroydo – que significa “entrada daQuaresma”. É com este nome que o car-

naval era brincado no Brasil até o século XIX,período no qual os povos católicos se permitiam aoexcesso de bebida, comida e de intimidade paracom o semelhante. Jogava-se água suja e farinha naspessoas, brincadeira da qual gostava de participar opróprio Imperador Dom Pedro I. No Rio Grandedo Norte, nem mesmo o juiz de Direito, o tabeliãoe o vigário da paróquia de São José do Mipibu, noAgreste, foram poupados de um banho de cuiad’água em 1886. Abuso que ajudou a mudar osrumos desta manifestação popular.

A partir de então as autoridades norte-rio-grandenses passaram a ser mais intolerantes com osfoliões que exageravam nas brincadeiras, até que,em fevereiro de 1900, o então chefe de Polícia doGoverno Alberto Maranhão, Francisco CarlosPinheiro da Câmara, apelidado de Chico Farofa,apreciador de folguedos populares, como o bumba-meu-boi e o pastoril, proibiu definitivamente o“entrudo d’água, tintas e massas”. Findava o séculodo entrudo, começava o do carnaval propriamentedito.

Antes disso, aqui e acolá já pipocavam iniciati-vas que sinalizavam com a mudança da característi-ca da folia em terras potiguares. No mesmo ano emque aconteceu o episódio que causou reviravoltaem São José do Mipibu, um grupo de foliões, emMossoró, fundava um bloco de frevo denominadoOs Guaranis. Anos depois, em 1897, um bloco car-navalesco percorreu as ruas de Macaíba.

E o carnaval foi se firmando no Rio Grande doNorte como uma brincadeira mais civilizada. Porinfluência do que acontecia no Rio de Janeiro,Bahia e Pernambuco, o povo começou a usar laran-jinha com água limpa e perfumada e a jogar papel co-

lorido e picado, o popular confete, nos outrosfoliões. Nasciam, no início do século XX, osprimeiros blocos de rua realmente organizados.

Em Natal, destacaram-se, entre outros, o blocoMaxixeiras, cujos integrantes usavam roupasberrantes e cestas cheias de verduras, frutas e flores.Desfilavam de madrugada, acordando a cidade como estribilho “plantei maxixe, nasceu quiabo, minhagente venha ver, venha ver que diabo!”. Surgiramtambém Os Jandaias, que editavam um jornalzinhointitulado Diário Oficial; O Cão Jaraguá, fundadopor um grupo de maçons, e Divisão Branca, criadopelo poeta Ferreira Itajubá, que também era

desenhista e inovou colocando carros alegóricos noseu bloco.

Aliás, vale salientar, que os poetas renomadosdaquela época, tais como Lourival Açucena,Olimpio Batista Filho, João Estevam, OtonielMenezes e Jaime Wanderley, este último, além detudo, um grande folião, escreviam as letras doshinos dos blocos da cidade, que os jornais divul-gavam.

Em 1909, numa tarde de carnaval na Natalpacatamente provinciana, os jornais noticiavam odesfile da menina Zuleide Barreto, filha do Capitão-Doutor Maximiano Barreto, que percorreu as ruasda capital em carro alegórico que homenageava ojornal A República , órgão que tinha colunas espe-cializadas na cobertura da festa.

A sociedade de então recorria à luxuosaBarbearia Quincó, situada na rua 13 de Maio (atualPrincesa Isabel), para comprar fantasias e adereços:laranjinhas coloridas, bisnagas, relógio d’água, con-fetes e borboletas. Na década de 10, a famíliaBotelho fundou o primeiro bloco com o nome ZéPereira – em homenagem ao folião português, cujonome verdadeiro era José Nogueira de AzevedoParedes, um sapateiro que numa segunda-feira decarnaval saiu pelas ruas de sua cidade tocando fre-neticamente zabumba, fazendo surgir imitadorespor toda parte, inclusive no Brasil, nos carnavaisseguintes.

Viva o Zé PereiraQue a ninguém faz malViva a bebedeiraNo dia do carnaval!

5Natal - Fevereiro de 2005 nós, do RNSuplemento

Pel les Vermelhas: b loco que br incou em Nata l nos anos 30 . . .

B loco de E l i te Lun ik , na fo l ia na ta lense da década de 70Dep

ois

do e

ntru

do, os blocos de rua

Anchieta Fernandes

Acervo Umberto

Acervo Lenine Pinto

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de salão,de salão,blocos blocos de el i te de el i te

e o corsoe o corso

Aero C lube nos anos 20

Carnava l na Aven ida Tavares de L i ra anos 30

lizou, nesta época, um concurso deglosas carnavalescas. No corpo dejurado figuravam ninguém menosdo que Luís da Câmara Cascudo eJorge Fernandes. Detalhe: os premi-ados receberam caixas de cervejaCascatinha, Antarctica e Brahma.

Ao mesmo tempo, o carnavalde rua foi se enriquecendo cadavez mais com elementos da culturapopular durante a década de 30.Surgiam os Papangus, figuras enro-ladas em lençóis e/ou usando más-caras de caveiras, que saiam desfi-lando pelas ruas e avenidas. Osgrupos de foliões costumavam“assaltar” as casas dos amigos,numa época em que esta palavratinha conotação amistosa e suave,para beber, comer e brincar.

Com o advento da SegundaGrande Guerra e a presença dastropas americanas em Natal, nadécada de 40, os pracinhas de TioSam invadiram também o carnavalde clube, criando inclusive os seuspróprios redutos, como o DowtownClub, e caindo na folia de rua. Émuito divulgada uma foto do bar-beiro e boêmio Zé Areia, figura fol-clórica de Natal antiga, vestido demulher, em plena folia, cercado demarinheiros ianques.

Nos anos 50, os desfiles sãotransferidos da Tavares de Lira para aavenida Rio Branco (e depois para asavenidas Deodoro e Prudente deMorais). Os palanques eram arma-dos no Grande Ponto, onde asorquestras tocavam marchinhas,frevos e sambas. São os anos em queos jovens da classe média formam osblocos de elite, que desfilavam emcarros alegóricos puxados por trator.Os mais antigos lembram dosKarfagestes, Jardim de infância, PuxaSaco e Ressaca.

Também muitos blocos de“índios” fizeram seus batuques efumaram seus cachimbos ali emfrente ao Novo Continente. Asmarchinhas do compositor potiguarDosinho se tornavam sucesso. “Eunão vou, vão me levando”, cantadapela famosa Marlene, da RádioNacional. E o nosso carnaval vaiparar na tela do cinema, em 1955,quando o fotógrafo José Seabra fil-mou cenas dos bailes do América,Aero Clube, Assen, ConfeitariaCisne e da praia de Areia Preta,dando origem ao filme “Coisas daVida”, que foi apresentado no cine-ma Rio Grande em 10 de junhodaquele ano. (AF)

Exatamente no ano da re-volução modernista das artes,em 1922, os desfiles de car-

naval foram transferidos da rua daPalha (que depois se chamariaVigário Bartolomeu) para a avenidaTavares de Lira, na Ribeira. Teve iní-cio, então, o desfile de automóveissem capota ou de capotas arriadas,lotados de foliões, que jogavam, deum carro para outro, jatos finos delança-perfume – das marcas Vlan,Rigoletto, Rodouro, Rodo Metálicoe Colombina, produzidas pela com-panhia paulista Rhodia e vendidasem bisnagas de vidro ou metal numaloja que se chamava Vianna & Cia.

Estes desfiles ficaram sendoconhecidos como corso. Aconteciatambém, durante sua realização,“batalhas” de confetes e serpentinascoloridas que deslizavam no ar como movimento lento dos carros. Otrajeto geralmente era feito entre oobelisco às margens do rio Potengiaté o coreto da praça José da Penha,de onde se iniciava o percurso devolta. As lindas mocinhas da época,fina flor da sociedade, fantasiadas,acenavam sorridentes, contribuindopara realçar as faixas publicitárias deempresas patrocinadoras fixadasnos automóveis. O ambiente erapor demais democrático. Tanto que,em 1928, desfilou pela Tavares deLira o bloco dos Fascistas.

Ao final da década de 20, osclubes sociais e o Teatro CarlosGomes, hoje Alberto Maranhão,começaram a realizar animadosbailes carnavalescos – os chamados“balmasqués”, que já haviam tidoum precursor, em 1915, quando obloco Divisão Branca, do poetaFerreira Itajubá, promovera umdestes bailes no teatro. Toda asociedade participava da festa. Opresidente do Estado do RioGrande do Norte, JuvenalLamartine, participou de um anima-do baile no Aero Clube, em 1929,conforme registrou a imprensa.

Era costume, naquela época,usar fantasias. Juvenal Lamartine sedeixou fotografar para a revistaCigarra ladeado por um grupo de“chineses” e “chinesas”, na entradado Aero Clube, criativamente deco-rado como a Caverna deMefistófeles, trabalho do artistaErasmo Xavier. O maestroGaribaldi Romano era o regente deuma orquestra que embalava osfoliões nos salões dos clubes.

Os letristas das músicas procu-ravam abordar temas atuais. Em1934, no rastro do filme KingKong, foram compostas marchi-nhas que falavam dos macacos. Obar popular “Cabana do Cego” rea-

6 Natal - Fevereiro de 2005nós, do RN Suplemento

Ace

rvo

Car

los

Lyra

Acervo Edgar Dantas

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7Natal - Fevereiro de 2005 nós, do RNSuplemento

As primeiras escolas de samba a ani-marem o carnaval natalense com o somdas cuícas, tamborins, violões e

cavaquinhos surgiram das dunas no final dadécada de 30. Batuque no Morro foi uma destasagremiações. Em 1950, Severino Guedes fun-dou a Asa Branca, que no decorrer dos anos foiamealhando dezenas de troféus.

Os intelectuais continuaram não só partici-pando ativamente do carnaval, como buscandona festa motivo de inspiração. A Rádio Potitransmitiu em 1958 a novela “O PierrôEscarlate”, de autoria do potiguar JaymeWanderley. Naquele mesmo ano, registre-se, oAero Clube realizou em seus salões o I Bailedos Cronistas, promovido pela recém-criadaAssociação dos Cronistas Carnavalescos deNatal, que teve Expedito Silva como primeiropresidente. Pois bem, durante este baile foientregue o troféu Djalma Maranhão para a foliãmais animada, ninguém menos do que a poetisaZila Mamede.

Em 1960 começava o longo reinado dePaulo Maux como Rei Momo do carnaval, poronde passaram soberanos de todas as estirpes,gordos e não tão gordos, simples e intelectua -lizados, sérios e simpáticos, como GivaldoBatista, que era repórter de “A República”.

Em 1962foi criado o bloco que anos

depois começou a fazer muito sucesso na mídia,inclusive nacional. Os Cão, na praia da Redinha,onde os participantes se lambuzavam com alama dos mangues. Foi na década de 70 que osclubes sociais promoveram as matinês infantis,valorizando o pequeno folião, que em 1988 teriaem natal sua primeira escola de samba, a Escolade Samba do Futuro, iniciativa da Febem.

A década de 80 foi próspera em aconteci-mentos inusitados. Severino Galvão, que haviasido Rei Momo algumas vezes, inconformadocom a perda do título, se lança como “Rei doProtesto” no carnaval de 1981, desfilando ecomparecendo a bailes de clube com coroa ecetro. Em 1984, foi fundada a Federação dasAgremiações Carnavalescas de Natal. E umtrágico acidente provoca a morte de 20 compo-nentes e alguns músicos do bloco Puxa Saco,sinalizando com o final dos desfiles de rua dosblocos de elite.

A alegria e a animação, contudo, não param.Em 1986, os três dias de folia momesca emNatal foram vitaminados pelas trinta toneladasde som do Trio Elétrico de Dodô e Osmar, queveio de Salvador para imprimir sua marca nasruas da cidade. Esta década viu ressurgir o bri -

lho e a irreverência das bandas.As mais famosas eram a Bandagália (de in-

telectuais e artistas), Xodó, do Sol, Tamanduá(que fez a alegria das crianças, com uma repre-sentação de pano e madeira deste animal,medindo 10 metros, cujos foliões levavam car-tazes avisando ao formigueiro – numa referên-cia ao então prefeito Marcos César Formiga -que o tamanduá “vem ai”), Senhor Sol eSenhora Lua (com dois bonecos de pano eespuma, de cinco metros de altura), do Cajueiro(Pirangi), Filhos da Pauta (dos jornalistas).

Daí por diante o carnaval foi tomado pelapresença dos efeitos tecnológicos especiais epelos corpos nus, culminando com a realizaçãodo carnaval fora de época, o Carnatal, quedesvirtuou o sentido da verdadeira manifestaçãopopular do carnaval. Por isso merece aplausos ainiciativa do escritor Gutenberg Costa, que em2002 idealizou e concretizou o MovimentoAntigos Carnavais, com desfiles de foliões puxa-dos pelas bandas de frevo pelas ruas da CidadeAlta e da Ribeira, ao estilo dos balmasqués.Época em que faziam sucesso marchas, frevos esambas como “Quem sabe, sabe”, de AriBarroso; “Linda flor de madrugada”, de Capiba;e “Acorda, escola de samba”, de HeriveltoMartins e Benedito Lacerda. (AF)

Acervo Gutemberg Costa

Acervo Celso da Silveira

Bandagália Carnaval anos 80

Escola Diplomatas nos Samba - Carnaval anos 60

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repente, o olhar pára no instantâneo doex-prefeito Djalma Maranhão, um foliãoinfatigável, posando de cacique e seguran-do o cachimbo da paz, na companhia daconsulesa francesa Dominique e de umaamiga aviadora damesma origem, nafolia de 1962.

Mais adiante cainas mãos imagemdo ex-governador eatual senador,Garibaldi AlvesFilho, dividindomesa com ErivanFrança, o ex-ReiMomo Paulo Mauxe a Rainha, no finalda década de 1960.A governadoraWilma de Faria, àépoca prefeita deNatal, também foiretratada entregan-do troféu ao ReiMomo de 1998 e2001, Francisco das Chagas de Lima.

Ainda na seara política, identifica-sefacilmente o então candidato a vereadorNelson Freire, em registro de 1981, pres-tigiando o bloco Magnatas, do bairro doAlecrim, que apresentava ainda o foliãoGutemberg Costa – na foto, o segundoda direita para a esquerda – sem a barrigaproeminente e a barba grisalha que con-serva nos dias de hoje.

No ‘bloco’ dos intelectuais, o olharpousa na foto do jornalista e poeta Celsoda Silveira, todo cortesia com a Miss Rio

Grande do Norte, Socorro Gurgel, noAero Clube, no carnaval de 1957. Umano depois, Celso torna-se presidente daAssociação dos Cronistas Carnavalescos,fundada em 10 de janeiro de 1958.

Outro flagrante históri-co registra, de um lado, oescritor Nei Leandro deCastro, e, do outro, o pres-idente da SociedadeArtística e Estudantil, JoséSales, no Baile do Pierrô,na sede do Clube do RádioAmador, nos distantesanos 1950. Atente-se aindapara a foto do jornalista eescritor Berilo Wanderley,na condição de pierrô mas-carado. Imagem nãomenos rara é a da Cavernade Mephistopheles, datadade 1929, tendo sido adap-tada para o Aero Clubepelo consagrado cenó-grafo Erasmo Xavier, apartir de idéia do doutor

Décio Fonseca. Cumpre notar que os bailes car-

navalscos ‘bombavam’ na Natal pas -sadista. AABB, ABC FC, Aero Clube eAmérica FC dividiam as atenções dosfoliões mais abastados, enquanto queAssen, Atlântico, Albatroz, Alecrim FC eo Intermunicipal da Cidade da Esperançaacolhiam os menos favorecidos pelaDeusa da Fortuna. Entre uma e outra, osfoliões cantavam a plenos pulmões a letrade uma marchinha sem perder de vista aodalisca ou a melindrosa perdida no salão.

Outro achado é a página da revistaCigarra, estampando fotos de blocos noAero Clube, templo consagrado à foliacarnavalesca.

O acervo ainda revela flagrantes da vidaem rosa e em calorias dos nobres ReisMomos. Esteticamente incorretas, essas per-sonagens de calibre avantajado se equilibramnas formas rotundas, com muito vigor e ale-gria. Exemplo maior foi o inesquecível PauloMaux, em flagrante com a Rainha do ClubeAtlântico, nos anos 1970.

Mais recente, datado de 1985, instan-tâneo eterniza o ex-Rei Momo SeverinoGalvão, acompanhado da Rainha em tra-jes minúsculos. Também consta dacoleção imagem do radialista e ex-ReiMomo Givaldo Batista, o Gigi daMangueira, bem como de Beré, oprimeiro Rei Momo negro do carnavalnatalense. Beré ainda aparece ao lado doex-prefeito de Natal, Manoel Pereira, daRainha e do locutor Bethânio Bezerra,em foto de 1982.

“Não há nenhum centro de docu-mentação relativo ao carnaval noEstado”, acentua Gutemberg Costa, lem-brando que, no ano de 2002, expôs 150fotografias do acervo nas galerias daFundação Cultural Capitania das Artes.Ele sonha reunir a coleção em livro, CD-Rom e/ou sítio, mas está na dependênciade patrocínio para a empreitada, nãoobstante o projeto ter sido aprovadopelas Leis de Incentivo à Cultura doMunicípio e do Estado. “A receptividadedo público é grande. As pessoas sereconhecem nas fotos”, assevera opesquisador.

8 Natal - Fevereiro de 2005nós, do RN Suplemento

Clubes, ruas e avenidas repletas depalhaços, arlequins, pierrôs,colombinas, odaliscas, zé-pereiras,

mascarados e papangus, exalando alegriae felicidade ao som de frevos e marchi-nhas ingênuas. Era esse o panorama naNatal dos antigos carnavais do séculoXX. Aberta à descontração e à irreverên-cia, a cidade tem história para mostrarquando o assunto é folia de Momo.

Tudo está documentado em acervopertencente ao pesquisador e escritorGutemberg Costa, que conseguiu reco-lher mais de 500 registros fotográficosem quase três décadas de coleta. Oescopo é a preservação da memória docarnaval natalense em sua fase áurea. Aantiga idéia de transformar um álbumcaseiro na maior coleção de fotografiasdo Rio Grande do Norte, sobre o temacarnaval, só foi possível ser colocada emprática graças à doação de familiares, ami-gos e foliões, alguns arrependidos.

O acervo documental compreende operíodo de 1919 a 2004, priorizando asoito primeiras décadas do século passado,quando foliões anônimos, carnavalescos,artistas, intelectuais, políticos, reis e rai-nhas (do carnaval) dividiam as atençõesdos fotógrafos de plantão, aoemprestarem vida e frescor à capital doEstado numa ‘ofegante epidemia que sechamava o carnaval’, na expressão docompositor Chico Buarque de Holanda.

Debruçado sobre o acervo, dá paraentender porque o carnaval é a maisdemocrática das festas populares. De

em branco e preto

Retratos de car-

Francisco das Chagas Lima Rei Momo de 1998 e 2001, com governadora Wilma de Faria, na ocasião prefeita de Natal

Gutemberg Costa: pesquisador

Paulo Jorge Dumaresq

Acervo SECTUR

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9Natal - Fevereiro de 2005 nós, do RNSuplemento

O Bloco Tamanduá criticava humoristicamante o prefeito Marcos Formiga, na Natal dos anos 80

catarse coletivacatarse coletiva

Carnaval de Carnaval de rua,rua,

Ocarnaval de rua sempre pegou osnatalenses pelo pé, deixando aexplicação para essa catarse cole-

tiva a cargo da sociologia. A imagemmais antiga do acervo de GutembergCosta data de 1919 e mostra centenas denatalenses ‘curtindo’ a folia na rua daPalha, atual Vigário Bartolomeu, metidosem traje Belle Époque tropical.

Referência para historiadores epesquisadores, o corso na avenidaTavares de Lira também mereceu re-gistro do fotógrafo João Galvão, nosanos 1930. Na foto, se vêm automóveisengalanados desfilando no ‘corredor dafolia’. Igualmente na década de 1930,instantâneo congelou para a posteridadeo bloco feminino Pelles Vermelhas, emfrente ao antigo Grande Hotel.

A câmara do fotógrafo anônimo cap-turou a porta-estandarte Vera, da EscolaMalandros do Samba, em plena evoluçãona avenida. Nos 1960, a EscolaDiplomatas no Samba também foi clicadana avenida Rio Branco, espargindo con-tentamento. Com a mesma alegria, osintegrantes do bloco de elite Lunik mar-cavam o passo em 1973, desfilando pelasruas de Natal. Mesmo cadenciada, a tribode índios, com o caçador dominado, nãodeixava por menos, encantando o públicoem desfile no bairro do Alecrim, como

mostra a foto doada por Carlos Lyra.Uma imagem valeu mais do que mil

palavras. Vá lá o lugar-comum, mas é oque se pode inferir depois de deter a vistana foto do folião desmaiado na calçada,enquanto a orquestra da Bandagália seaproxima com seus metais pesados,fazendo tremer o piso Copacabana. Já ojornalista e escritor Vicente Serejo arriscapas-de-deux com a filha, na passagem daBandagália pela praia do Meio, no iníciodos 80, tendo, ao fundo, Rejane Cardoso.

Dosinho, no ritmo das marchasManuseando os instantâneos dos car-

navais em branco e preto, é impossívelconter a emoção ao ver foto do lendáriocompositor norte-rio-grandense Clau-domiro Batista de Oliveira, o Dosinho, na-tural de Augusto Severo, atual CampoGrande, dividindo o mesmo quadro comJosé Alexandre Garcia, Capiba, FirminoMoura e senhoras, nos idos de 1950, noAero Clube. Creditado ao fotógrafo Jaeci,o registro revela dois talentosos composi-tores do carnaval nordestino.

O potiguar Dosinho é um predestinadoa emplacar sucessos nos carnavais. Você,leitor, já ouviu, pelo menos, uma vez na vida,os standards “Eu não vou, vão me levan-do”, “Doido também apanha”, “Fantasia decapim” e “Se parar eu caio”, frutos da lavra

desse compositor que está com novo CD napraça, comemorando 52 anos de carreiraartística e 78 de muita vitalidade.

“O povo canta o carnaval deDosinho” é o título do disco que traz 16músicas, sendo oito inéditas e igualnúmero regravações de antigos frevos emarchinhas. O carro-chefe é o frevo“Carnaval com Bin Laden”, sucesso abso-luto nos salões e nas ruas do Recife neste2005. Do Rio Grande do Norte, partici-pam do CD, as cantoras Valéria Oliveira eIvana; de Pernambuco, ClaudionorGermano, Expedito Baracho e WilsonDuarte; e do Rio de Janeiro, Valter Levita,Mauro Marques e o Quinteto Violado.

Talento reconhecido por público ecrítica, Dosinho pondera que, se asmarchinhas de carnaval tivessem amesma exposição na mídia que tem, porexemplo, a axé music, a sua obra faria omesmo sucesso que a música baiana faznos dias de hoje nas rádios, TVs emicaretas. “Os antigos carnavais eramsadio e familiar, porque reinava a paz e aharmonia na folia. Era o carnaval povo.Eu ainda tenho esperança que ele volte”,manifesta-se o veterano compositor.

Irreverência em alta voltagemPródigo em quebrar tabus e precon-

ceitos, o carnaval natalense não podia

prescindir da figura de RaimundoAmaral, o primeiro folião homem a sevestir de mulher, mais precisamente deCarmem Miranda, chocando asociedade local nos anos 1940. Foi umespanto! A ousadia, claro, mereceu re-gistro fotográfico. Escândalo seme-lhante foi protagonizado pelo foliãoAdiel de Lima com a farda de aluna daEscola Doméstica, no desbunde dadécada de 1970.

Voltando no tempo e, precisamente,ao carnaval de 1944, imagem perpetua opoeta repentista e barbeiro Zé Areia‘soltando a franga’, fantasiado de mu-lher, entre dois mariners, ao tempo daSegunda Guerra Mundial, como revela afoto de João Alves.

O carnavalesco Zé Fufu optou por‘encarnar’ a personagem Amigo da Onça,criação de Péricles Maranhão, na rua JoãoPessoa, onde foi capturado pela câmara nossaudosos 1940. Exercendo a sua condiçãode nordestino, o folião anônimo nãoperdeu a oportunidade de homenagear oRei do Cangaço, Lampião, segurando umrifle nas mãos, lá pelos idos dos 70.

Personagens outros do carnaval nata-lense também estão presentes na coleçãode fotografias dos antigos carnavais deGutemberg Costa, como são os casos doex-presidente da Escola de SambaBalanço do Morro, Lucarino; doprimeiro presidente da Escola Malandrosdo Samba, Aluizio, e do carnavalescoNazareno, o nosso Madame Satã.

Estas figuras populares e notáveisemprestaram talento, dedicação erecursos, muitas vezes driblandodificuldades de ordem financeira,para proporcionar o melhor do car-naval a milhares de cidadãos embria-gados de alegria, numa época e numacidade ainda imune à miséria, àexploração sexual infanto-juvenil e àviolência. Evoé, Baco! (PJD)

Acervo A República

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10 Natal - Fevereiro de 2005nós, do RN Suplemento

Passageiro da alegria. É desse modo que amigos e familiaresdefinem o carnavalesco Paulo da Silva Maux (1934 – 1984), oeterno Rei Momo de Natal. Nascido no Recife, Sua Majestade

Paulo Maux, desde muito cedo, esquentou os pés nos álacres salões daVeneza brasileira, antes de se mudar com a família para Natal em 1945,então, com 11 anos de idade.

Uma vez na cidade dos Reis Magos, estudou no colégio Marista, masnão fugiu ao destino, convidado que foi pelo ex-prefeito DjalmaMaranhão, em 1960, para assumir a vaga de Rei Momo. Foi recordistade mandatos, tendo recebido a chave da cidade por 18 anos consecu-tivos, de 1960 a 1978, para felicidade geral de Natal e do sempre con-corrente Severino Galvão, que via no reinado oficial de Paulo Mauxoportunidade de instalar o seu necessário gabinete paralelo. A rivalidadeentre os monarcas durou décadas a fio.

A viúva Elba Maux conta que o ex-Rei Momo prestigiava todos osbailes e clubes da cidade, do mais sofisticado ao mais humilde, inclusiveos famosos cabarés de Maria Boa e da Francesinha. À chegada de PauloMaux, o corneteiro Marimbondo, da Polícia Militar, anunciava a pre-sença do soberano tocando o seu instrumento de sopro. Paulo Mauxtambém marcava presença no ensaio geral das escolas de samba e tribosde índios, além de receber todos os blocos de elite em casa em assaltosmemoráveis. “Eu o acompanhava para todo canto”, declara Elba Maux,com uma pontinha de orgulho.

Dona Elba revela ainda que, no carnaval de certo clube da cidade,uma foliã mais assanhada sentou no colo do Rei Momo, no que foirechaçada prontamente com a ameaça de uma garrafada. Fatospitorescos envolvendo Paulo Maux foram muitos. Muitíssimos. Outroocorreu no América FC, onde o Rei Momo, ao apartar peleja envol-vendo dois filhos de influente político do Estado, foi jogado pela janelado clube alvirubro, quebrando o braço. Na época, a sede do AméricaFC funcionava na rua Maxaranguape, Tirol.

Em um dos carnavais no clube Cobana, Paulo Maux foi atirado napiscina sem saber nadar. De outra feita, o palanque oficial armado naesquina da avenida Deodoro com a rua João Pessoa cedeu. A preocu-pação com a integridade física do Rei Momo – que chegou a pesar 184quilos - foi geral, mas, graças aos deuses romanos da folia, o monarcajá houvera descido com o prefeito Djalma Maranhão. Isto sem falarnos trotes que o rival Severino Galvão promovia, telefonando para o paide Paulo Maux e (mal) informando que o Rei Momo caíra do trio elétri-co, deixando toda a família aflita.

Na vida real, foi comerciário da Suerdieck, funcionário do Banco doPovo, agente da rodoviária Dom Vital e servidor da Cida. Carismáticoe popular, soberano das multidões, Paulo Maux marcou o seu longoreinado aspergindo alegria por todos os quadrantes e contagiando apopulação com sua simpatia.

A paixão pelo carnaval ficou patente no poético texto que deixou àsgerações passadas, presentes e futuras: “Eu sou o carnaval da província.Carnaval feito numa esquina de mar, na terra dos Reis Magos. Aqui,como em outros lugares, também nasci da tristeza do povo, do seucansaço pelas coisas reguladas do dia-a-dia, dos seus sofrimentos, dosseus sonhos; mas quando me entregam a cidade, menino, ofereço a cadaum semovente uma máscara colorida de alegria. A coisa muda deimagem e há uma explosão de sentimentos presos, doidos por felici-dade”. Paulo Maux nasceu para brilhar e ser feliz. (PJD)Paulo Maux com a Rainha do Carnaval dos anos 60

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11Natal - Fevereiro de 2005 nós, do RNSuplemento

Irreverência, seu nome é SeverinoGalvão. Numa época marcada porgrandes carnavais, o Rei Momo Severino

de Oliveira Galvão (1914 – 1994) reinou àmargem do carnaval oficial pintando o sete.Foram doze anos de mandato continuado(1968 a 1980), as mais das vezes como ReiMomo alternativo.

Natural de Pedro Velho, Severino Galvãofoi um pouco de tudo na vida: militar, comer-ciante, publicitário, político e, principalmente,Rei Momo. Com as marcas indeléveis dairreverência e do bom humor, qualidadesinatas que o acompanharam na saúde e nadoença, o folião tinha o hábito de organizarbatalhas de carnaval em bairros da Natal dasprimeiras décadas do século XX. Desta épocapara a majestade foi um pulo. Também fundouo Clube Rex, na capital, para dar vazão aosarroubos carnavalescos.

Rei Momo de protesto e dono de raracapacidade inventiva, Severino Galvão seauto-intitulava Super-Rei, à revelia daPrefeitura, responsável pela eleição, e do ReiMomo oficialmente eleito, constituindo mi-nistério particular e nomeando personalidades

locais para fazerem parte do gabinete.Juntamente com os auxiliares, elaborava

programação para ser cumprida integralmentedurante o reinado de Momo. Pela via biônica,em 1980 Severino Galvão nomeou Luís deBarros como primeiro-ministro; senador JesséFreire, presidente do Senado Imperial; e JoãoMedeiros Filho, chefe da Casa Civil, para ocu-par posto no alto escalão. A lista denomeações era imensa.

Episódios hilários envolvendo o ReiMomo foram muitos. Um deles dá conta que,convidado para abrir o carnaval de Mossorócom os amigos João Fabrício e José Matias deAraújo (Zé Quitandinha), Severino Galvão foidetido pela polícia no aeroporto acusado deser um impostor. O trote foi protagonizadopelos amigos Luís de Barros e Roberto Freire,que telefonaram de Natal para Mossoró epassaram informações falsas sobre ele para asautoridades policiais daquela cidade. A con-fusão foi grande.

Um dos seis filhos do soberano com donaElvira Galvão, o arquiteto João Galvão, revelaque, mesmo como Rei Momo paralelo,Severino Galvão tinha acesso ao palanque ofi-

cial do carnaval e ingresso livre nos grandesbailes clubísticos, quando costumava borrifarperfume Contouré nos foliões, usando paraisso bomba de aspersão. Outra esquisiticenotada era o hábito de dar cochilos intermi-tentes no palanque oficial, em meio ao baru-lho gerado pela passagem das escolas desamba e tribos de índios. Exercendo toda asua criatividade, Severino Galvão fez chegar àimprensa uma suposta ameaça de seqüestrodurante o carnaval de 1979, informando queestava reforçando o serviço de segurança. Oprovável seqüestrador seria o coordenadordos Negócios do seu Reinado, vereador ÉricoHackradt, amigo pessoal do Rei Momo. Anotícia saiu no Diário de Natal, edição de 11de fevereiro de 1979.

Antes de falecer aos 79 anos, 50 dos quaisdedicados ao carnaval, Severino Galvãodeixou a autobiografia “A minha vida em ver-sos”, que está sendo revisada e acrescida dedocumentos e rico material fotográfico pelosfilhos João e Erinalda Galvão. A intenção épublicar os originais em livro. “O espíritodele era alegre e engraçado”, lembra a filhaErinalda Galvão. (PJD)

Severino Severino Galvão, Galvão,

Severino Galvão, (ao centro) foi Rei Momo, muitas vezes, à revelia da prefeitura

a irreverênciaa irreverência

Acervo da família

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..................................................................................................................................................................................Natal - Fevereiro de 200512

Carlos Morais

DeixemosqualquertristezaVamosportodooNatal,DandoaopovoumasurpresaNastroçasdoCarnaval.EnquantoodeusdaFoliaPalpitanoscorações,SódevehaveralegriasReinandosomenteexpansões.

HáventurassemcontaNestatardefestiva,QueestamossemprenapontaNastroçasdoCarnaval.NumdoceefecundoassomoDeentusiasmosempar,QuevibreaglóriadeMomoSobestecéupotiguar.

Cedeumanoàleidamorte,Chegaumoutronovo,afinal...SempreoNOTURNOadarsorteNastroçasdoCarnaval.TemeleasgratascaríciasAsaudaçãorosicléa,Doolhardasbelaspatrícias,Docoraçãodamulher.Amocidadeéquembrilha

que Nataldispunhade“maisseletoeelegante”,arregimentandoparasuasede,naCidadeAlta,JoãoPessoacomaRioBranco,oqueasociedadenatalense“tiverdearistocraciaebeleza!”.O carnavalescoMaurodosSantostransformouosalãoprincipal,paraproporcionaralegriaaosfoliõeseaelegância dosblocos(Ciganinhas,PierrôsVerdesePalhaçosAmericanos,entreoutros),numaornamentaçãodedeslumbranteaspecto.Promoveu,assim,umainstiganteginásticacoreográficanadisposiçãocuriosadasserpentinas,coladasecaprichosamentedispostas,superficialmente,aoforroe comabundanteiluminação.Cadavezquesedesprendiam,demomentoamomento,seespalhavamgraciosaeabundantementeentreosfoliões.

Asmulheresdestacaram-se,ostensivamente,numdosespetáculosmaisbonitoseaplaudidos,duranteostrêsdiasnossalõesdoNatalClube,como BaileàFantasia,emqueasasmaisatrativasforam: Sultana (senhoraRositaGobat),Girassol(senhoraPedroMoura),Pavão(Maria Gluck), Noite (senhoritasMariaGalvão,DalilaCavalcantieMariaLuizaBenevides),Espanhola(senhoraMárioLira),NatalClube(senhoraOdoricoPelinca),FoliaCarnavalesca(senhoritasDulceeTerezaCâmara),FoliaBrasileira(Maria Luiza),PierrôsBrancos(SinháFilgueira,EsmerinaeEuridesSilva,RuteeFloripesTorres),PierrôsPretos(senhoraJoãoCancio,senhoritasNeusaFigueiredo,DoraliceBarroseChiquitaCosta).Outracriaçãodasmulheres: ocortejodas“NoveMusas”,trajadasacaráter: assenhoritasFilomenaPatrizo(História),

Sucesso feminino,Baile à Fantasia

25

OHinodoClubeNoturno

(fundadoem1896):compostopelo

saudosopoetaGotardoNetoemusicado

peloprofessorJoaquimGotardo

Porestasocasiões,PoiselaéditosafilhaDasardentesexpansões.

Alerta!grupoexultanteQuenuncateverival.Salve,NOTURNObrilhanteNastroçasdoCarnaval.

de fevereiro de 1922, Sábadode Carnaval: os natalenses seesbaldaramnafoliado

CentenáriodaIndependênciadoBrasil.“Avelhacidade,modorrentamentesossegada,nassuasruasquasedesertas”,dopoema

,deEsmeraldoSiqueira,despertoudesualetárgicaquietação.“Natalprepara-se,nesteestonteanteefamosoanodocentenário,parahomenagear,condignamente,oendiabradoMomo,dandomostrasdequecomtristezasnãosepagamdívidas”,anteviuumbemhumoradoredatordea

.Oautordacrônicacarnavalesca,acredita-se,seriaLuísdaCâmaraCascudo,filhodoproprietáriodoperiódicoesaltitantenosseus23anosdeidade,alémdeelogiadopela suacondiçãodeumdosanimadosfoliõesde1922,nossalõesdoNatalClube, termômetrotradicionaldocarnavaldaaltasociedadenatalense.Comseus grandesolhosbailarinos,ojovemintelectualfoiumparticipanteprivilegiadodafoliasaçaricantedaqueleanoespecial.MasCascudinhorecebiajustareverência,particularmente,pelasuaprecocecarreiralítero-jornalísticae,emespecial,peloseulivrodeestréiadesuaesparramadaemultifacetadacarreira: ,versandosobrecríticaliterária,publicadonoanoanter ior.Nocarnavaldocentenário,opresidenteEzequielWanderleyenfrentouseuprincipaldissabor:ainvasãodaconfrariadosalmofadinhas,chamadosdePésdeLã,ousadospenetrasque,semconviteeforçandoabarra,tentavamburlarasegurança.ObailedoNatalClubemarcavaoiníciodoreinadodocarnaval,garantiam,comunanimidade,osdoisprincipaisjornaisdaépoca, e .Em1922,otradicionalclubecongregavao

OsBondesdeNatal

Imprensa

AlmaPatrícia

ARepública Imprensa

ConsueloWanderley(Tragédia),JandiraRodrigues(Comédia),DulceWanderley(Música),EponinaSilva(Dança),MariaCacho(Poesia),NalvaPaiva(Eloquência),ElviraPinto(Astronomia)eCecyLyra(Retórica).

gritosestridentesdosclarinseberrodeguerrados“evoés”. E,aolonge,oclarimmarcialdoreiMomo.Nestevaivém,umasaudávelbatalhadesfech

Umaausênciasentidanestecarnaval:adosbondes(ogovernadorAntôniodeSouzafechouaantigacompanhia,comseusbondessucateadosepromoveuareformulaçãodafrota,reativadaem1923)tãoincorporadosàpaisagemurbanadaprovínciaquantoorioPotengi,presentenafolia,àsuamargemdireita,naTavaresdeLira,avenidatransformadaemchãodegenteeconvergência deanimaçãocarnavalescapopular,comseufebricitantecorsodeautomóveisefoliões,especialmentedoClubeNáuticoCapibaribe.Orumordetrovoada,roncodecuícas,aquecimentoerepinicadodetamborinsebailadosdeganzás, saindodaTavaresdeLiraesubindoedescendo,ruidosamente,aJunqueiraAires,comarapaziada,comseuscheirosos“almofadinhas”,ligadanos

ava, aolongodocorso,comsaraivadasdeáguadecheirodasbisnagas,arremessodegigantescosrolosdeserpentinas,chuvasdeconfeteebombardeiodejatosdolança-perfume,umclimadesonora e perfumada euforiageral.Osblocosecordõescarnavalescos,osmesmosdetodososanos,emdesfile:Vassourinhas,UrubuMalandro,CocoPotiguar,Canequeiros,DivisãoFrontin,Roçadores,Camponesas,CiganasePierrôsBrancos,entreoutros,semesquecer,contudo,osmáscarasavulsas,emboraengraçados,masrarososqueapresentavam originalidade.

Os bondes: forados trilhos da folia