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7/21/2019 Cap_05 Manual de Terapia Familiar – Vol.2 http://slidepdf.com/reader/full/cap05-manual-de-terapia-familiar-vol2 1/12 capítulo 5 FAMÍLIA E ESCOLA: UMA PARCERIA POSSÍVEL NA PREVENÇÃO DE USO DE DROGAS ENTRE ADOLESCENTES  JOSSARA CATTONI ARALDI KATHIE NJAINE MARIA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA Cruz (2000), citando Newcomb (1995), ressaltam que alguns dos principais fatores de risco para o uso de drogas nesse grupo envolvem aspectos culturais, interpessoais, psicológicos e biológicos. Dentre eles, a dis- ponibilidade das drogas, as leis e as normas sociais, dificuldades econômicas graves, uso de drogas na família ou atitudes positivas em relação a elas, conflitos familiares, com- portamento antissocial e fatores biológicos, como suscetibilidade ao uso e vulnerabilida- de ao efeito de drogas. Entretanto, alguns autores têm destacado a necessidade de in-  vestigar os fatores que contribuem para o não uso de drogas na adolescência, desta- cando que a disponibilidade de informações completas e a proteção e afeto da família podem contribuir com as ações de preven- ção (Sanchez, Oliveira e Nappo, 2005). No campo da saúde no Brasil, a Po- lítica e as Ações para a Atenção Integral ao Uso de Álcool e Outras Drogas (Brasil, 2003) recomendam o desenvolvimento de ações intersetorias, que incluam a escola e a família como estratégia fundamental para a prevenção. No âmbito da educação, o Ministério da Educação, no contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 1998) para o ensino fundamental, introduziu temas transversais, tais como ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde e consumo de drogas, para perpassar as diferentes disciplinas do currículo escolar. INTRODUÇÃO Este capítulo busca refletir sobre a re- lação entre família e escola, com foco na dis- cussão sobre a parceria possível entre essas duas importantes instituições nas ações de prevenção ao uso de álcool e outras dro- gas na adolescência. O uso de drogas nas sociedades contemporâneas vem se tornan- do um problema mundial de saúde pública de extrema importância, uma vez que esse fenômeno traz séries agravos à saúde físi- ca e mental dos usuários. O álcool tem sido apontado como a droga mais consumida entre os jovens no Brasil e está associado a diversos comportamentos de risco, implican- do acidentes e violências, baixo rendimen- to escolar e outros transtornos (Pechansky, Szobot e Scivoletto, 2010). Uma série de le-  vantamentos nacionais realizados no Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) tem evidenciado os seguintes aspectos: existe uma tendência do aumento da ingestão regular e elevada de be- bidas alcoólicas pela juventude com ocorrên- cia principalmente entre os mais jovens (12 a 15 anos); tem se elevado o consumo entre as meninas; e 50% dos adolescentes iniciaram o uso de álcool entre 10 e 12 anos (Galduróz e Caetano, 2004; Galduróz et al., 2005). O uso de drogas na adolescência é agravado pela própria condição de vulne- rabilidade desse grupo etário. Marques e Osorio.indd 59 16/8/2010 10:07:58

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capítulo 5

FAMÍLIA E ESCOLA: UMA PARCERIAPOSSÍVEL NA PREVENÇÃO DE USO

DE DROGAS ENTRE ADOLESCENTES JOSSARA CATTONI ARALDI

KATHIE NJAINEMARIA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA 

Cruz (2000), citando Newcomb (1995),ressaltam que alguns dos principais fatoresde risco para o uso de drogas nesse grupoenvolvem aspectos culturais, interpessoais,psicológicos e biológicos. Dentre eles, a dis-ponibilidade das drogas, as leis e as normassociais, dificuldades econômicas graves, usode drogas na família ou atitudes positivasem relação a elas, conflitos familiares, com-portamento antissocial e fatores biológicos,

como suscetibilidade ao uso e vulnerabilida-de ao efeito de drogas. Entretanto, algunsautores têm destacado a necessidade de in- vestigar os fatores que contribuem para onão uso de drogas na adolescência, desta-cando que a disponibilidade de informaçõescompletas e a proteção e afeto da famíliapodem contribuir com as ações de preven-ção (Sanchez, Oliveira e Nappo, 2005).

No campo da saúde no Brasil, a Po-lítica e as Ações para a Atenção Integralao Uso de Álcool e Outras Drogas (Brasil,

2003) recomendam o desenvolvimento deações intersetorias, que incluam a escolae a família como estratégia fundamentalpara a prevenção. No âmbito da educação,o Ministério da Educação, no contexto dosParâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)(Brasil, 1998) para o ensino fundamental,introduziu temas transversais, tais comoética, meio ambiente, pluralidade cultural,saúde e consumo de drogas, para perpassaras diferentes disciplinas do currículo escolar.

INTRODUÇÃO

Este capítulo busca refletir sobre a re-lação entre família e escola, com foco na dis-cussão sobre a parceria possível entre essasduas importantes instituições nas ações deprevenção ao uso de álcool e outras dro-gas na adolescência. O uso de drogas nassociedades contemporâneas vem se tornan-do um problema mundial de saúde pública

de extrema importância, uma vez que essefenômeno traz séries agravos à saúde físi-ca e mental dos usuários. O álcool tem sidoapontado como a droga mais consumidaentre os jovens no Brasil e está associado adiversos comportamentos de risco, implican-do acidentes e violências, baixo rendimen-to escolar e outros transtornos (Pechansky,Szobot e Scivoletto, 2010). Uma série de le- vantamentos nacionais realizados no CentroBrasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicas (CEBRID) tem evidenciado os

seguintes aspectos: existe uma tendência doaumento da ingestão regular e elevada de be-bidas alcoólicas pela juventude com ocorrên-cia principalmente entre os mais jovens (12 a15 anos); tem se elevado o consumo entre asmeninas; e 50% dos adolescentes iniciaram ouso de álcool entre 10 e 12 anos (Galduróz eCaetano, 2004; Galduróz et al., 2005).

O uso de drogas na adolescência éagra vado pela própria condição de vulne-rabilidade desse grupo etário. Marques e

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Esses temas devem ser trabalhados em umaperspectiva interdisciplinar e integrada àproposta pedagógica da escola.

Em 2007 foi lançado o ProgramaSaúde na Escola (PSE), instituído peloDecreto Presidencial n° 6286/2007 (Brasil,2007) que visa a ampliar as ações de saúde junto aos alunos da rede pública de ensino.Sendo dividido em quatro blocos, o segun-do deles trata da promoção da saúde e pre- venção, devendo trabalhar as dimensões daconstrução de uma cultura da paz e com-bate às diferentes expressões da violência,consumo de álcool, tabaco e outras drogas.Neste bloco, haverá também a abordagemda educação sexual e reprodutiva e o estí-mulo à atividade física e práticas corporais.

 A escola tem, portanto, um grande po-tencial para atuar na prevenção ao uso deálcool e outras drogas, pois crianças e ado-lescentes permanecem um longo perío dode tempo nesse espaço. E a família é a re-ferência em termos de valores primordiaispara os jovens, ainda que seja no plano ide-alizado por muitos. Mas esta relação temsido alvo de muitas polêmicas e debates.

Como a família e a escola podem ser par-ceiras? Diversos estudos (Noto e Galduróz,1999; Carlini-Cotrim, 1998; Tondowski eHenriksson, 2007; Marlatt, 2001; Moreiraet al., 2006) têm apontado que a questãodas drogas é um tema tabu nas escolas eque as ações de intervenção ainda têm ofoco no aspecto de guerra às drogas, movi-mento norte-americano da década de 1980,que se caracterizou por um enfoque alarmis-ta, intolerante e repressivo. Soma-se a essasituação o preconceito que muitas famílias

têm em relação à informação sobre drogase a dificuldade que enfrentam com os filhoscom problemas de drogas. Assim, estabele-cer uma parceria entre a escola e as famí-lias visando ao desenvolvimento de ações deprevenção ao uso de álcool e outras drogasé um grande desafio. Neste contexto, sãograndes as lacunas para o debate sobre essetema e sua prevenção, de modo que se possaromper com o caráter estigmatizante e pre-conceituoso com que essa questão é em ge-ral percebida na escola e na família.

 ÁLCOOL E DROGAS: UMDESAFIO A SER ENFRENTADO

Revisando a literatura sobre o tema,alguns autores, entre eles Brasil (2004) eRomano e Laranjeira (2004), apresentam umarcabouço teórico para a compreensão dadrogadição. Segundo esses autores, a relaçãodo homem com as drogas vem mudando aolongo da história, o que influencia o entendi-mento desse fenômeno e, consequentemen-te, o tratamento aos dependentes químicos.

 A história da humanidade sempre es-teve ligada às drogas. Segundo Araújo eMoreira (2006) e Toscano Jr. (2001), asdrogas podem ser utilizadas dentro de ri-tuais religiosos, festivos/recreativos, medi-camentosos, enfim, por motivos diversos.Portanto, a ideia de que a presença de dro-gas no repertório humano é algo recente emostra-se equivocada. Inicialmente, segun-do Brasil (2004), o drogadicto era conside-rado alguém que estava tomado por umaentidade espiritual e que, portanto, deve-ria ser tratado a partir de rituais específi-

cos. Posteriormente, o dependente químicopassou a ser visto como alguém amoral,um marginal que deveria ser afastado dasociedade. Em 1966, a Associação Médica Americana passou a conceber o alcoolismocomo doença, o que contribuiu para a reti-rada de certos conceitos e preconceitos emrelação ao drogadicto, pois preconizava a visão positivista da doença como fenômenounicamente orgânico.

Segundo a Organização Mundial daSaúde (OMS), define-se a dependência de

drogas como um estado psíquico e, algu-mas vezes, igualmente físico, que resulta dainteração entre um organismo e uma dro-ga psicoativa, incluindo uma compulsão deconsumir a droga para experimentar seusefeitos psíquicos ou evitar o desconforto dasua ausência (OMS, 1993).

Diante dessas conceituações ou per-cepções é possível determinar o papel dapessoa doente, assim como o papel da fa-mília, dos amigos e dos regimes de trata-mento. As questões relativas ao uso abusivo

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de álcool e outras drogas atingem todos ougrande parte dos cidadãos, devido aos pro-blemas que acarretam sobretudo para o âm-bito da segurança pública e da saúde.

PREVENÇÃO DE ÁLCOOLE OUTRAS DROGAS E

 ATENÇÃO À SAÚDE

Pereira e colaboradores  (2004) de-finem a prevenção como uma ação queoferece aos indivíduos a capacidade paraenfrentar eventuais obstáculos que pos-sam prejudicar a sua saúde. Para Vizzolto(1992), a prevenção consiste em um con- junto de informações e de ações concretasem uma abordagem ampla de saúde, como objetivo de sensibilizar e informar as pes-soas sobre as ocorrências de prejuízos à saú-de devido ao uso indevido de drogas. Umbreve panorama sobre os primeiros modelosde prevenção mostra que alguns não alcan-çaram suas metas. Segundo Bucher (1988),os procedimentos preventivos ao uso de

drogas surgiram com o objetivo de reduzir adisponibilidade dessas substâncias, desde afonte até a comercialização e o consumo dasconsideradas ilícitas. Para isso, a prevençãoadotava medidas fiscais e repressivas, usan-do como meios a ação judiciária e a repres-são ao tráfico. Diante da proliferação do usode drogas na contemporaneidade, os espe-cialistas perceberam que tais medidas eraminsuficientes, reconhecendo que outras es-tratégias deveriam ser tomadas, entre elas aeducação como uma necessidade universal.

 A educação preventiva inicialmente tinhacomo finalidade passar informações sobrea questão das drogas e seus efeitos, com aintenção de chocar, de amedrontar os jo- vens; no entanto, essa medida não atingiaos objetivos esperados, como a redução doconsumo de drogas. Uma outra crítica e essemodelo referia-se ao fato de ele não atin-gir a uma população maior, além de que aprevenção era mais direcionada às drogasilícitas com forte caráter moral, enquantoo consumo de álcool e tabaco não tinha e

ainda não tem restrições legais em muitassociedades.

Na mesma perspectiva, Carlini-Cotrim(1998) argumenta que o modelo preventivoconhecido como “guerra às drogas” defen-de a erradicação das drogas ilícitas e a in-tolerância em relação aos usuários. Porém,evidenciam-se dois argumentos que susten-tam a oposição a esse modelo. O primeirodeles é de que a ideia de erradicar as drogasnas sociedades é irreal, uma vez que, como já apontado, as drogas sempre estiverampresentes na história da civilização humana.O segundo argumento é de que a “guerra àsdrogas” fere os princípios éticos e os direitoscivis, pois impor o não uso é impor regrasde comportamento aos indivíduos e socie-dade que vão muito além do que é direitodo Estado.

Um estudo realizado com professoresde escolas públicas e particulares em uma ci-dade de médio porte do sul do Brasil (Araldi,2009) detectou a presença de tradicionaismodelos preventivistas ao uso de drogas. Alguns educadores que fizeram parte do es-tudo fizeram uma crítica a esse modelo re-

pressor, mas de maneira geral demonstraramque não atuam com outros modelos que secontraponham a esse. As representações so-ciais de muitos educadores sobre prevençãoao uso de álcool e outras drogas está rela-cionada ao ideal da escola como um espaçopropício para o desenvolvimento humanoe social dos jovens. Secundariamente, esseespaço poderia atuar na prevenção às dro-gas e em outros temas que dizem respeitoà adolescência. Porém, na prática, delegamessa atuação principalmente ao Programa

Educacional de Resistência às Drogas(PROERD), aos psicólogos, aos orientadorespedagógicos e profissionais especializadosna área. O PROERD é um programa de in-tervenção que segue o projeto DARE (Drug Abuse Resistance Education) ou Educaçãopara a Resistência ao Abuso de Drogas, quetem como objetivo o treinamento para re-sistir às pressões para que se envolvam comdrogas. Inclui exercícios e atividades de salade aula que ensinam o estudante a recusar, ase esquivar e a não ceder perante a oferta de

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drogas. Conta com policiais na sua condu-ção, porém, por ser um programa originadonos Estados Unidos, encontra alguns pro-blemas como a falta de adaptação cultural,bem como as diferenças de representaçõessociais em relação à figura do policial ameri-cano e brasileiro (Noto e Moreira, 2006).

Em busca de um modelo preventivoque não parta desses princípios moralistase da imposição do medo, surge o modelo de“redução de danos”. Segundo Carlini-Cotrim(1998), as ações preventivas baseadas naredução de danos dão ênfase na formaçãodo jovem, acreditando que ele é capaz dediscernir e optar de forma consciente e res-ponsável sobre questões que fazem parte doseu cotidiano. Esse modelo de prevenção naprática escolar viabiliza-se por cinco mode-los básicos:

n  conhecimento científico, que procura forne-cer informações sobre as drogas de formaimparcial e científica;

n  educação afetiva, que tem como metamelhorar ou desenvolver a autoestima,trabalhar com a ansiedade, habilidade de

decidir e interagir com o grupo;n  oferta de alternativas, que procura desen- volver sensações de expansão da mente,crescimento pessoal, desafio e alívio dotédio;

n  educação para a saúde, que valoriza o es-tilo de vida saudável e onde são trabalha-dos temas gerais, visando a formar umaconsciência de algumas característicasnão saudáveis;

n  modificação das condições de ensino, queparte do pressuposto de que a ênfase não

recai na prevenção no abuso de drogas,mas na formação de jovens saudáveiscom grande tendência em envolver pais ecomunidade em suas atividades.

Nessa perspectiva da “redução de da-nos”, o trabalho preventivo deve estar vin-culado a uma proposta abrangente, onde ouso de drogas deve ser discutido dentro deum contexto mais amplo de saúde. Ética,pluralidade cultural, meio ambiente, saú-de, orientação sexual, além do trabalho e

consumo são aspectos a serem abordadosno sentido de levar o jovem a refletir sobrea dimensão da vida e o exercício da cidada-nia, a fim de posicioná-lo diante das ques-tões que interferem na vida coletiva.

 ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIAE ESCOLA EM BUSCA DE APOIO

Quando se fala em adolescência,pensa-se em fase de transição, momento emque a pessoa não é mais criança, mas tam-bém não é adulto, caracterizada por pro-fundas transformações biopsicossociais queconferem o caráter de singularidade ao ado-lescente como sujeito.

Segundo Tondowski e colaboradores(2007), a adolescência é um processo de in-tensa descoberta e de ampliação do mundoinfantil, pois nessa fase o convívio com osamigos ganha importância no contexto so-cial, para além da família. Nesse processode desenvolvimento evolutivo, há incorpo-rações de novos hábitos, valores e padrõesde comportamento, onde apenas alguns são

deixados para trás. O adolescente busca umnovo lugar, um novo grupo com o qual seidentifica e adquire segurança para iniciar aconstrução da própria identidade. Segundoesses mesmos autores, os jovens, nessa fase,sentem-se invulneráveis a enfrentar qual-quer perigo, diante da necessidade de su-perarem a si mesmos. Nesse contexto, asdrogas podem proporcionar um aumentona sensação de poder, além de proporcio-nar uma falsa diminuição das dificuldadese ansiedades.

Schenker e Minayo (2003, 2005) res-saltam que, em relação ao uso de drogas, os vínculos frágeis com a família e com a esco-la são fatores de risco para o envolvimentode jovens com as drogas. Para essas autoras,família é uma instituição privadacom váriosarranjos, mas basicamente tem a função deelaborar as relações primárias das criançase adolescentes. Do ponto de vista do aten-dimento a jovens que fazem uso de drogas,partem das premissas do paradigma sistê-mico e enfatizam a necessidade de ter claro

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que os problemas das drogas se constituemum fenômeno multicausal, pois existem asquestões orgânicas, psicológicas, sociocul-turais, familiares e outros aspectos que seinterinfluenciam. Pelo fato de a família ser oprimeiro e mais importante núcleo de rela-ções de uma criança ou adolescente, torna--se necessário incluí-la como parte e não àparte do contexto, para não tornar o traba-lho reducionista.

 A estrutura familiar ocidental vem pas-sando por um longo período de transforma-ção, acentuado nas últimas décadas devidoa variáveis ambientais, sociais, econômicas,políticas e religiosas que estão vinculadas nodecorrer do processo civilizatório (Osorio,2002). Segundo Minuchin (1990), quandose trata de definir as funções das famílias,consideram-se dois objetivos distintos: pro-teção psicossocial de seus membros, sendoeste um objetivo interno, e a acomodaçãoa uma cultura e a transmissão desta, comoobjetivo externo.

Especificamente na prática clínica ematendimentos às famílias, faz-se necessá-rio refletir constantemente sobre os múlti-

plos conceitos de família, como observam Andolfi e colaboradores (1984, p. 18),

Família é um sistema ativo em constantetransformação, ou seja, um organismocomplexo que se altera com o passar dotempo para assegurar a continuidade e ocrescimento psicossocial de seus membroscomponentes. Esse processo dual de con-tinuidade e crescimento permite o desen- volvimento da família como a unidade e,ao mesmo tempo, assegura a diferencia-ção de seus membros.

OS DESAFIOS DA ESCOLA NAPREVENÇÃO AO USO DE DROGAS

Para Costa e Gonçalves (1988) e Osorio(2002), a família não tem um padrão fixo dese organizar, porém em todas as culturas afamília tem a função de educar, fornecendomodelos e a formação de que um jovem ne-cessita para ser adulto, além de transmitir

grande parte do saber social. Mas, após oadvento da economia capitalista, nos sécu-los XIX e XX, houve grandes transformaçõessociais e consequentemente mudanças nocomportamento e na estrutura familiar, coma entrada das mulheres no mercado de tra-balho. Os autores ressaltam que, em decor-rência da complexidade que envolve a nossasociedade, a família conta com o apoio daescola como uma instituição que tem papelcomplementar na educação.

 Assis e colaboradores (2005) discutemque, diferentemente de outras instituições,a escola tem um enorme potencial para de-senvolver a intervenção, pois tem a vanta-gem de acompanhar por um longo períodode tempo o crescimento e o desenvolvimen-to dos jovens, podendo ainda acessar os paise responsáveis por eles. Sendo assim, a esco-la pode contribuir muito na questão de pre- venção ao uso de álcool e outras drogas.

Nos programas de prevenção conside-rados mais adequados, o uso de drogas deveser discutido dentro de um contexto maisamplo de saúde e dos cuidados com o corpo. As drogas, a alimentação, os sentimentos,

as emoções, os desejos, os ideais, ou seja,a qualidade de vida entendida como bem--estar físico, psíquico e social, são aspectosa serem abordados no sentido de levar o jo- vem a refletir sobre como viver de maneirasaudável.

De acordo com Vizzolto (1992), o pro-fessor é um agente de educação. A ele cabea responsabilidade de informar os alunos. Éele quem estabelece um contato direto como aluno e tem papel decisivo nos programasde prevenção, uma vez que influencia na

formação de valores e atitudes e é figura deidentificação. Para que essa tarefa seja reali-zada, é necessário o conhecimento do assun-to como um todo, da estrutura da disciplinae do grupo de alunos. Nessa perspectiva, aimplementação de uma educação preventi- va contra o uso de álcool e outras drogas re-quer um planejamento prévio de atividadesa serem desenvolvidas pelas escolas.

Uma pesquisa que avaliou um pro-grama voltado para educação para valores(Minayo et al., 2004) aponta que, diante

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do impacto de mudanças de ordem políti-ca, social e cultural, as instituições de ensi-no são tomadas por uma carga de angústiae insegurança, balizando as dificuldades domomento de transição da contemporanei-dade. No decorrer da avaliação, os autores verificaram vários relatos dos docentes queexternavam que os temas mais polêmicos,como sexualidade, drogas e violência, eramos menos elaborados e trabalhados nas es-colas, diante do despreparo e das dificulda-des de abordar tais questões.

Esses resultados são semelhantes aosencontrados na pesquisa de Moreira e co-laboradores (2006), que estudaram as si-tuações relacionadas ao uso indevido dedrogas nas escolas municipais de ensinofundamental de São Paulo, investigando ati-tudes e comportamento dos coordenadorespedagógicos frente a essas questões. Os au-tores concluíram que a prevenção permeiaa maioria dos discursos, porém, os coorde-nadores relataram a falta de formação, deinformação e que sentiram preconceitos emrelação a essa temática.

Na pesquisa de Minayo e colaborado-

res (2004) citada anteriormente, verificou--se ainda que os educadores manifestaramuma visão idealizadora da escola, argumen-tando principalmente que os pais delegamaos professores a missão de educar. No queconcerne à pouca participação dos pais nocotidiano escolar, foram mencionados pelosdocentes alguns fatores impeditivos, como:horário das reuniões, falta de recursos detransporte de famílias mais carentes, o fatode as reuniões tratarem principalmente daquestão de notas e disciplinas e pela falta

de acolhimento e de parceria em relação àeducação. Muitos pais entrevistados nessapesquisa disseram temer os chamados dasescolas, tendo em vista que a maioria das ve-zes são convocados para tratarem de proble-mas de comportamento ou fracasso escolardos filhos. No entanto, durante a pesquisa,observou-se que os pais sentiram-se presti-giados em participar do programa de edu-cação para valores, inclusive aqueles quenão sabiam ler, que solicitaram aos filhos

para fazer a leitura do material pedagógicodirecionado aos pais.

Contemporaneamente, os pais pare-cem dispor de pouco tempo para os filhos,passando também à escola a responsabilida-de de formar indivíduos. Diante desse fato,os educadores têm sido cada vez mais pres-sionados pelas famílias e pela sociedade emgeral a abordar temas como a questão dasdrogas. Por outro lado, os professores nãose sentem preparados para lidar com essademanda, tomando muitas vezes iniciativasimprovisadas que servem mais para aliviarsuas angústias do que propriamente parafazer um trabalho preventivo (Tondowski eHenriksson, 2007).

Costa e Gonçalves (1988) salientamque é dentro do contexto familiar e escolarque a criança assimila a maior parte de seusconhecimentos, hábitos e atitudes. Conse-quentemente, os professores juntamente comos pais são as pessoas que estão em melhorposição para desenvolver uma proposta deeducação vinculada a um contexto mais am-plo, em que se incluem condições de vida,trabalho e relações sociais.

Porém, a atuação conjunta dessas duasimportantes instituições de socialização nãoé tão simples. A pesquisa de Araldi (2009),citada anteriormente, que investigou juntoaos educadores do município de Lages (SC)a relação da escola com a família e a preven-ção ao uso de álcool e outras drogas, apontaque as representações que esses profissio-nais têm sobre a adolescência, a família eo tema das drogas são fatores que dificul-tam as ações de prevenção. Ideias arraiga-das sobre o uso de drogas que passam por

 julgamentos morais dos jovens e de suasfamílias foram muitas vezes colocadas pe-los professores, sobretudo por aqueles quemencionaram não realizar nenhuma ativi-dade relacionada ao uso de drogas.

Nessa pesquisa, embora os professo-res tenham diversos casos de uso e abuso dedrogas entre adolescentes em algumas esco-las, os educadores tendem a culpar diferen-tes atores por esse fato. Alguns consideramque o abuso de álcool está relacionado à

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autoafirmação dos adolescentes, a um pe-ríodo de curiosidades sobre as bebidas eas drogas de modo geral, sem, no entanto,avaliarem o papel da escola nesse contex-to. Outros educadores citam a mídia comoresponsável por estimular o adolescente aconsumir bebida, assim como a família, porpromover e consentir o uso de bebidas al-coólicas. Poucos educadores investigadosreferem uma atitude comunicativa com os jovens para discutir a questão das drogas ealguns dizem que até gostariam de abordaro tema mais abertamente, mas temem re-presálias por parte daqueles envolvidos notráfico de drogas, seja aluno ou familiares.Considera-se, portanto, que há barreirasmorais por parte dos educadores para abor-dar o tema, mas também avalia-se que essaabordagem é complexa e envolve a necessi-dade de uma capacitação que discuta desdeos preconceitos que permeiam o tema atéas estratégias mais eficazes de abordageme encaminhamento da drogadição (Araldi,2009).

De acordo com a perspectiva sistêmi-ca, teoria adotada por Schenker e Minayo

(2003), compreender a drogadição de ado-lescentes é ir além do aspecto intrapsíquicoe individual para uma visão multifatorial,em que o grupo familiar, de amigos, cole-gas de escola, de trabalho e todo o contextohistórico-cultural e social estão imbricadosnesse processo. Esse novo paradigma con-forme Guimarães e colaboradores (2009),possibilita que a abordagem da drogadiçãoultrapasse a leitura do contexto familiar,acolhendo também explicações próprias docenário onde se vive.

 A maioria dos educadores das escolasinvestigadas por Araldi (2009) informouque não teve capacitação específica paratrabalhar a temática das drogas e não fo-ram criadas oportunidades e projetos quepudessem aproximar os alunos, estabelecerum diálogo e uma relação de confiança paraabordar a temática. Os dados revelaram quealguns professores não só desacreditam napossibilidade de atuar na prevenção comotambém não demonstram interesse em co-

nhecer propostas que possam contribuirpara esse aspecto.

 As poucas iniciativas identificadas dese trabalhar a questão das drogas estavammais relacionadas ao perfil dos professorese ao seu envolvimento com os jovens doque propriamente às diretrizes pedagógicas.Foram poucos os educadores que incorpora-ram de fato a temática em suas ações, comouma professora de Educação Física de umaescola pública que procura trabalhar coma questão da prevenção às drogas, na dis-ciplina que aborda “Qualidade de Vida”. Oconteúdo trabalhado por essa educadora seassemelha aos modelos de educação paraa saúde (Carlini-Cotrim, 1998) ou mode-lo do estilo de vida saudável (Tondowski eHenrikson, 2007). Esses modelos preconi-zam ações não tradicionais, pois têm comoproposta uma visão de saúde integral do jo- vem, com o objetivo de conscientizá-lo paraa escolha de estilos de vida saudáveis, comqualidade.

[...] quando trabalho qualidade de vidarelaciono as várias outras situações (dro-gas). Ela é trabalhada todo ano, pelo me-nos um bimestre. (P/M1/Púb/1)

Nas falas da maioria dos educadores,no entanto, percebe-se falta de preparo ede engajamento nas questões que fazemparte do cotidiano dos adolescentes. Essamesma percepção também foi observa-da na pesquisa de Soares e Jacobi (2000)sobre “Adolescentes, Drogas e AIDS: ava-liação de um programa de prevenção esco-lar”. Observou-se no estudo a relutância e

o despreparo da instituição escolar em tra-tar temas importantes como drogas e AIDSe, ainda, a ausência de trabalhos preventi- vos e avaliativos no âmbito educacional.Entretanto, constatou-se que o discurso ea prática dominantes como modelo de pre- venção na escola é a abordagem baseada nomodelo de “guerra às drogas”.

De certa forma, prevalece um discur-so de descrédito por parte dos professoresentrevistados na pesquisa de Araldi (2009),

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em relação sobretudo às perspectivas demudanças do jovem. Na visão de grandeparte deste grupo não é possível reverter asituação de um jovem que faz uso de algumtipo de droga. Percebe-se que os professoressentem-se pressionados para repassar o con-teúdo pedagógico e lidar com temas consi-derados difíceis de abordar no cotidiano daescola. 

 Alguns dos motivos associados a essaresistência foram identificados no estudode Moreira e colaboradores (2006), como:a falta de formação e informação, o precon-ceito atribuído aos usuários de drogas e asobrecarga de trabalho, dificultando dessaforma a responsabilidade de realizar um tra-balho efetivo de prevenção.

Essa visão também foi constatada notrabalho de Minayo e colaboradores (2004),que avaliou um programa de educação para valores que tinha como objetivo educar os jovens para a vida, propondo que os alunospassassem a incorporar em suas vidas valo-res positivos como liberdade, autonomia,solidariedade e responsabilidade. Minayo ecolaboradores (2004) constataram que mui-

tos educadores revelaram sentimentos depessimismo em relação ao projeto pedagó-gico proposto, denominado “Cuidar”. Umadas hipóteses consideradas pelas autoraspara esse fato refere-se ao momento histó-rico em que vive a sociedade, no qual a es-cola, de certa forma, perde o seu prestígiocomo espaço de ensino, em função de umaenorme valorização dos meios tecnológicosde informação. Outra hipótese se refere aosbaixos salários dos profissionais da área daeducação que de certa forma desestimula a

sua atuação. E, por último, que as escolasnão estão preparadas humana e tecnologi-camente para preencher as necessidadesreais dos alunos.

 Acresce a esses problemas a noçãoque alguns professores têm da família,considerando-as desestruturadas, exaltandosomente o lado negativo e refletindo pou-co sobre o potencial desse grupo como fatorde proteção. Alguns estudos vêm mostrandoque as representações dos professores e edu-cadores sobre a família é bastante pessimista,

considerando-a muitas vezes inapta para oscuidados com os filhos e omissa em relaçãoà escola. Na visão de muitos educadores, ofato de convidar os pais para repassarem osproblemas de seus filhos na escola cumpreo papel de incluir a família nesse cotidia-no. Esse aspecto aponta para a necessidadede compreender e incentivar a família paraatuar na prevenção (Assis et al., 2005), so-bretudo famílias que têm compro metimentocom álcool e outras drogas e que precisam,sobretudo, receber apoio profissional dasociedade e das instituições em geral, paraque possam promover um contexto seguro eafetuoso de cuidado com os filhos.

Tondowski e Henriksson (2007) apon-tam que os educadores, em geral, sentem--se angustiados e preocupados com o temado uso/abuso de drogas pelos adolescentes.Muitas vezes acabam tomando iniciativas emedidas improvisadas com o intuito de fa-zer algum trabalho preventivo. Entretanto,essas ações, na maior parte das vezes, ser- vem mais para aliviar a angústia do que to-mar uma medida preventiva frente à questãodas drogas. Contudo, ao propor um trabalho

preventivo, a atitude do professor, quandonão preconceituosa, contribui para a cons-cientização da importância da vida e de seuscuidados com ela. As escolas sozinhas sen-tem dificuldades de assumir essa tarefa, ehá uma expectativa de contar com a partici-pação da família; porém, na realidade, nãoparece haver diálogo sobre a questão do usode álcool e outras drogas.

O estudo de Araldi (2009) corroboraos achados de investigações anteriores, deque há pouca participação da família na es-

cola e de que os professores sentem-se pou-co preparados para lidar com as famílias ecom os problemas que envolvem os jovenscomo a questão da drogadição.

Considera-se ainda que atualmente asescolas têm propósitos e funções diferen-tes das iniciais, que se restringiam apenas atransmitir conteúdos, como afirma Aquino(1998). Esse autor aponta que, além da fun-ção pedagógica clássica, hoje existe umasubstituição de papéis e, muitas vezes, umacúmulo deles atribuídos aos profissionais

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de educação. O autor alerta que “parecepairar uma espécie de polivalência atribuí-da ao educador: ele deveria ser um poucopai, psicólogo, sociólogo, político, orienta-dor, amigo, etc.” (Aquino, 1998, p. 95). Essanova demanda que é atribuída ao educadorrefere-se às mudanças históricas, como noaspecto sociopolítico do país, do trabalho,do contexto familiar e até mesmo da expan-são da mídia, que traz impactos sociais so-bre as práticas escolares.

Essas mudanças também são reveladasno estudo de Araldi (2009):

Tem aqueles que ficam de forma incondi-cional ao lado da escola, as atitudes que você tomar estão bem tomadas [...], temaqueles que resolvem achar que o profes-sor é errado. (P/M1/Part/3)Eu acredito que a participação dos pais équase nula. Leva pra escola e a escola quese vire. (P/H1/Part/3)

Porém, no estudo citado acima,observa-se que algumas visões divergentespodem fazer a diferença, creditando na fa-mília uma possibilidade de parceria com aescola. Destaca-se o empenho de um gestorem criar estratégias para atrair os pais paraa escola, para discutirem juntamente aosfilhos temas relacionados à adolescência.Esse tipo de atuação proativa mostra o cui-dado com os jovens, com as famílias e como ambiente escolar.

Se tivermos a parceria com os pais e a es-cola puder mostrar a importância de elesestarem presentes, estarem dialogandocom seus filhos. [...] a prevenção eu vejonesse sentido, uma parceria de pais e es-cola [...]. (G/Part/4)

CONCLUSÕES

 A temática da parceria entre a famíliae a escola quanto à promoção da saúde e aprevenção do uso de risco de álcool e outrasdrogas necessitam ganhar maior visibilidadeem pesquisas e projetos político-pedagógicos

 visando a encontrar estratégias eficazes deenfrentamento desse grave problema desaúde pública.

 As representações sociais identifica-das junto a educadores das escolas públicase privadas pesquisadas, como no estudo de Araldi (2009), sobre as ações de prevençãoem relação ao uso de álcool e outras dro-gas entre adolescentes, denotam algumas visões distintas, mas que em alguns momen-tos se interpenetram. Conhecer o universorepresentacional dos atores envolvidos podemostrar-se eficaz para melhor delinear amultiplicidade de percepções implicadas.

 A primeira delas, presente nas falas damaioria dos educadores, independentemen-te da natureza da escola, representa uma visão preconceituosa e estigmatizante dostemas “adolescência” e “drogas”. As falas re- velam resistências e dificuldades em refletirsobre a complexidade desses temas.

 As representações sociais sobre aadolescência encontradas na pesquisaestruturaram-se em torno de dois aspectosindividuais dessa faixa etária: (a) as mudan-ças físicas e biológicas que começam com o

início da puberdade e terminam quando asresponsabilidades adultas são assumidas; e(b) os “conflitos” decorrentes dos processospsicológicos típicos da idade. Esses aspec-tos presentes no senso comum são os maismarcantes dessa etapa do desenvolvimentodos adolescentes. Nesse contexto, as expli-cações para o uso de álcool e outras drogasrestringem-se à necessidade de autoafirma-ção, curiosidade, busca de liberdade e pra-zer. Essa visão reducionista não contemplacontextos importantes que afetam a vida

dos jovens, como os culturais, sociais, polí-ticos e econômicos que interinfluenciam nasua formação.

Essa concepção de adolescência repre-sentada pelos educadores condiz com a for-ma com que esses profissionais entendem aquestão do uso de álcool e de outras drogase com a maneira com que encaram e reagemfrente a essa problemática. Desse modo, asrepresentações sociais da adolescência fun-cionam como um filtro que leva o docentea interpretar o comportamento adolescente

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por um único aspecto, ou seja, o comporta-mental. Assim, se o educador tem uma visãoreducionista da adolescência, as possibilida-des de abordar questões que transcendemos aspectos biológicos e psicológicos dessaetapa da vida também são reduzidas, por-tanto, tendem a ser inócuas e superficiaisfrente à gravidade do problema das drogasna sociedade e na escola em particular.

Neste sentido, a abordagem da ques-tão das drogas em sala de aula pode ser bemou malsucedida, quando docentes e discen-tes tentam corresponder às expectativas deum ou de outro. Em outras palavras, se oseducadores têm expectativas positivas emrelação aos seus educandos, se apostam nassuas potencialidades e nas suas qualidades,os educandos responderão a essas expectati- vas de forma mais proativa. Se não existemexpectativas positivas dos educadores sobreos alunos, as possibilidades de realizar umtrabalho sobre álcool e outras drogas é pra-ticamente ineficaz.

Uma outra visão mais ampliada repre-sentada na fala dos educadores demonstraum pensamento mais reflexivo sobre o uso

de álcool e outras drogas. Contudo, na prá-tica, as ações ainda são atravessadas pormuitos preconceitos em relação à atuaçãoda família e a espaços de sociabilidade dosadolescentes. Há de certa forma uma culpa-bilização da família por não saber lidar como adolescente, por ser permissiva e não es-tabelecer limites aos jovens, principalmen-te sobre o uso de álcool, droga legitimadasocialmente.

Os educadores também vivem a dicoto-mia de transmitir os conteúdos pedagógicos

e trabalhar, com os jovens, temas que fazemparte do seu cotidiano, ou por falta de es-tratégias para abordar os temas transversaisprevistos pelos PCNs, como o das drogas, oupor resistência frente a esses temas. A inter-locução da escola com a família e vice-versatambém carece de estratégias e capacidadede superar as dificuldades de diálogo entreessas instituições frente à problemática dasdrogas.

 A visão muitas vezes negativa doseducadores sobre o potencial dos pais ou

responsáveis pode explicar as poucas e frá-geis iniciativas das escolas em chamar as fa-mílias para os estabelecimentos educacionaise criar uma parceria para o enfrentamentoda questão, embora alguns professores assi-nalem a importância desse apoio.

Percebeu-se que grande parte dos edu-cadores preconiza a importância de desen- volver ações voltadas para a prevenção àsdrogas nas escolas. Entretanto, essa atribui-ção é delegada principalmente ao PROERDe aos profissionais especializados no tema.Parece haver, nesse tipo de atuação, uma ci-são entre o que acontece no âmbito escolar,que diz respeito ao trabalho dos educadores,e às vivências dos jovens fora da escola, quenão diz respeito aos professores. Aspectosda sociabilidade dos jovens como participarde festas ou outros encontros sociais são vis-tos de forma negativa, sem criticar suficien-temente os fatores que influenciam essasformas de sociabilidade. Por isso, a família é vista como a principal causa dos problemasde comportamento ou desvios dos jovens.Essas barreiras impedem os educadores deenfrentar questões tabus, como as drogas e

a sexualidade, e criam empecilhos para es-tabelecer um diálogo franco com os alunose com suas respectivas famílias.

Uma outra concepção representada pe-los professores deste estudo apresenta uma visão dialética da adolescência e das drogas.Essa concepção está presente na fala de umaescola de ensino privado, cujos educadorespodem ser denominados de “seminais”, ter-mo utilizado por Minayo e colaboradores(2004) para designar aos professores quemostram uma abertura maior à realidade

social dos jovens uma capacidade de escutae de diálogo com o adolescente, com os paise com seus pares. No discurso e na práticaesses educadores atuam com a complexida-de da questão das drogas, com a contempo-raneidade dos conceitos de adolescência ede família, potencializando um trabalho deprevenção holístico. É nessa direção que se vizualizam as possibilidades de realizar umtrabalho preventivo, que promova a saúdedo adolescente, a sua resiliência (capacida-de de superar as dificuldades da vida) e ao

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mesmo tempo acolha-o em suas dúvidas eprojetos de vida.

 A seguir, destacam-se alguns pontosconsiderados relevantes para a reflexão so-bre aspectos que podem fortalecer a parceriafamília-escola na prevenção ao uso de álcoole outras drogas na adolescência. O primeirodeles refere-se à necessidade da comunica-ção aberta com os jovens sobre temas consi-derados tabus, como drogas e sexualidade,bem como outros temas como direitos civis,ética, ecologia, etc.

O campo da saúde pública pode auxi-liar para ampliar o conhecimento de abor-dagens preventivas como redução de riscos/danos visando a um enfoque compreensivoda questão e não somente repressivo. Há,portanto, a necessidade de ofertar educaçãocontinuada aos educadores para orientá-losa compor projetos educacionais específicose construir estratégias de enfrentamentoapropriadas à realidade de cada escola, oque consequentemente os tornaria mais se-guros nas suas intervenções.

Medidas preventivas efetivas exigemuma prática dialógica entre educador e alu-

no, pois se entende que educar é mais doque somente transmitir conhecimentos, étrocar ideias e experiências, é acima de tudopropiciar uma escuta de forma acolhedo-ra. Os programas de prevenção, ao seremelaborados com a participação ativa dosadolescentes, podem permitir trazer ao pro-grama problemas reais, detectar aspectos derisco e de vulnerabilidade e assim exercitaro protagonismo juvenil e o compromisso na viabilização das ações.

 As estratégias de prevenção nas esco-

las, em termos ideais, deveriam envolver aparticipação de todos, ou seja, os que traba-lham na instituição e as famílias, para quepossam participar de cursos e debates sobrea temática das drogas, em um processo con-tínuo, para o desenvolvimento de atividadese projetos.

Essa problemática exige a integraçãoentre todos para um trabalho coletivo e queeste, quiçá, promova uma articulação comoutros setores da sociedade, contemplandomedidas de enfrentamento com a finalidade

de possibilitar adequações necessárias emais promissoras às propostas de prevençãoao uso de álcool e outras drogas.

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