cantos i e ii lusíadas

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Literatura Portuguesa I Os Lusíadas Cantos I e II Professora Carla Souto

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Page 1: Cantos i e ii   lusíadas

Literatura Portuguesa IOs LusíadasCantos I e II

Professora Carla Souto

Page 2: Cantos i e ii   lusíadas

IntroduçãoA obra Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, é um poema épico

nos moldes clássicos, publicado em 1572. Seus dez cantos foram todos escritos em oitavas (estrofes de 8 versos) com versos decassílabos heroicos. Seu esquema de rimas para cada estrofe é ABABABCC.

A narrativa, dedicada ao rei D. Sebastião e mais amplamente a todo o povo português, conta a história da conquista da Índia pelo herói Vasco da Gama, que representa os seus compatriotas que se dedicaram às navegações e conquistas ultramarinas para dilatar a Fé e o Império.

A narrativa inicia em media res, ou seja, no meio da história (como ocorre na Odisseia ou na Eneida) e tem um narrador-poeta que passa a palavra a múltiplos narradores.

Page 3: Cantos i e ii   lusíadas

Alvará Régio da Edição de 1572Eu el Rey faço saber aos que este Aluara virem que eu ey por bem & me praz dar licença a Luis de Camões pera que possa fazer imprimir nesta cidade de Lisboa, hűa obra em Octaua rima chamada Os Lusiadas, que contem dez cantos perfeitos, na qual por ordem poetica em versos se declarão os principaes feitos dos Portugueses nas partes da India depois que se descobrio a nauegação pera ellas por mãdado del Rey dom Manoel meu visauo que sancta gloria aja, & isto com priuilégio pera que em tempo de dez anos que se começarão do dia que se a dita obra acabar de empremir, em diãte, se não possa imprimir nẽ vender em meus reinos & senhorios nem trazer a elles de fora, nem leuar aas ditas partes da India pera se vender sem licẽça do dito Luis de Camões ou da pessoa que pera isso seu poder tiuer sob pena de quẽ o contrario fizer pagar cinquoenta cruzados & perder os volumes que imprimir, ou vender, a metade pera o dito Luis de Camões, & a outra metade para quem os acusar.

Page 4: Cantos i e ii   lusíadas

Alvará Régio da Edição de 1572E antes de se a dita obra vender lhe sera posto o preço na mesa do despacho dos meus Desembargadores do paço, o qual se declarará & porá impresso na primeira folha da dita obra pera ser a todos notorio, & antes de se imprimir sera vista examinada na mesa do conselho geral do santo officio da Inquisição pera cő sua licença se auer de imprimir, & se o dito Luis de Camões tiuer acrecentados mais algűs Cantos, tambem se imprimirão auendo pera isso licença do santo officio, como acima he dito. E este meu Aluara se imprimirá outrosi no principio da dita obra, o qual ey por bem que valha & tenha força & vigor, como se fosse carta feita em meu nome, por mim assinada & passada por minha Chancellaria em embargo da Ordenação do segundo liuro, tit. xx. que diz que as cousas cujo effeito ouuer de durar mais que hum ano passem per cartas, & passando por aluaras não valhão. Gaspar de Seixas o fiz em Lisboa a XXIIII de Setembro de MDLXXI. Iorge de Costa o fiz escrever.

Page 5: Cantos i e ii   lusíadas

Parecer do censor do Santo Ofício na edição de 1572Vi por mandado da santa & geral inquisição estes dez Cantos dos Lusiadas de Luis de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizerão em Asia & Europa, e não achey nelles cousa algűa escandalosa nem contrária â fe & bõs custumes, somente me pareceo que era necessario aduertir os Lectores que o Autor pera encarecer a difficuldade da nauegação & entrada dos Portugueses na India, usa de hűa fição dos Deoses dos Gentios. E ainda que sancto Augustinho nas sas Retractações se retracte de ter chamado nos liuros que compos de Ordine, aas Musas Deosas. Toda via como isto he Poesia & fingimento, & o Autor como poeta, não pretende mais que ornar o estilo Poetico não tiuemos por inconueniente yr esta fabula dos Deoses na obra, conhecendoa por tal, & ficando sempre salua a verdade de nossa sancta fe, que todos os Deoses dos Gentios sam Demonios. E por isso me pareceo o liuro digno de se imprimir, & o Autor mostra nelle muito engenho & muita erudição nas sciencias humanas. Em fe do qual assiney aqui.

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Viagem de Vasco da Gama

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Canto I

Preto - fatos reais, históricos, narrados diretamente pelo poeta e excursos pessoais; Verde – fatos míticos; Azul – fatos históricos narrados pelo Gama; Vermelho – fatos proféticos.

Proposição 1-3

Invocação 4 e 5

Dedicatória 6-18

Narração 19

1º Consíliodo Olimpo

20-41

1ª Profecia

de Júpiter 24-29

Navegação do Índico

42-43

Ilha de Moçambique

44-55

Noite de luar 56-

58

Visita do régulo 59-

68

Ataque traiçoeiro (inspirado por Baco)

69-99

Vênus afasta a Armada da costa de Quíloa

100

Novas tentativas do Mouro 101-102

Nova Intervenção

de Vênus 101-102

Chegada a Mombaça (cujo rei

Baco muito

avisara) 103-104

Exclamações do Poeta

Meditação Moral 105-

106

Page 8: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Proposição 1 a 3As armas e os barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca dantes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta.

Page 9: Cantos i e ii   lusíadas

Eneida - proposiçãoEu, que entoava na delgada avenaRudes canções, e egresso das florestas,Fiz que as vizinhas lavras contentassemA avidez do colono, empresa grata5 Aos aldeãos; de Marte ora as horríveisArmas canto, e o varão que, lá de TróiaPrófugo, à Itália e de Lavino às praiasTrouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terraMuito o agitou violenta mão suprema,10 E o lembrado rancor da seva Juno;Muito em guerras sofreu, na Ausônia quandoFunda a cidade e lhe introduz os deuses:Donde a nação latina e albanos padres,E os muros vêm da sublimada Roma.

Page 10: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Invocação 4 e 5

E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mi um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mi vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente, Por que de vossas águas Febo ordene Que não tenham enveja às de Hipocrene.

Dai-me üa fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso.

Page 11: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Dedicatória 6 a 9E, vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antiga liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Pera do mundo a Deus dar parte grande; Vós, tenro e novo ramo florecente De üa árvore, de Cristo mais amada Que nenhü a nascida no Ocidente, Cesárea ou Cristianíssima chamada (Vede-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a vitória já passada, Na qual vos deu por armas e deixou As que Ele pera si na Cruz tomou);

Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando dece o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco Oriental e do Gentio Que inda bebe o licor do santo Rio: Inclinei por um pouco a majestade Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno templo; Os olhos da real benignidade Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valerosos, Em versos divulgado numerosos.

Page 12: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Dedicatória 10 a 13Vereis amor da pátria, não movido

De prémio vil, mas alto e quási eterno;

Que não é prémio vil ser conhecido

Por um pregão do ninho meu paterno.

Ouvi: vereis o nome engrandecido

Daqueles de quem sois senhor superno,

E julgareis qual é mais excelente,

Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,

Fantásticas, fingidas, mentirosas,

Louvar os vossos, como nas estranhas

Musas, de engrandecer-se desejosas:

As verdadeiras vossas são tamanhas

Que excedem as sonhadas, fabulosas,

Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro

E Orlando, inda que fora verdadeiro.

Por estes vos darei um Nuno fero,

Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço,

Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero

A cítara par'eles só cobiço;

Pois polos Doze Pares dar-vos quero

Os Doze de Inglaterra e o seu Magriço;

Dou-vos também aquele ilustre Gama,

Que para si de Eneias toma a fama.

Pois se a troco de Carlos, Rei de França,

Ou de César, quereis igual memória,

Vede o primeiro Afonso, cuja lança

Escura faz qualquer estranha glória;

E aquele que a seu Reino a segurança

Deixou, com a grande e próspera vitória;

Outro Joane, invicto cavaleiro;

O quarto e quinto Afonsos e o terceiro.

Page 13: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Dedicatória 14 a 16Nem deixarão meus versos esquecidos

Aqueles que nos Reinos lá da Aurora

Se fizeram por armas tão subidos,

Vossa bandeira sempre vencedora:

Um Pacheco fortíssimo e os temidos

Almeidas, por quem sempre o Tejo chora, Albuquerque terríbil, Castro forte,

E outros em quem poder não teve a morte.

E, enquanto eu estes canto - e a vós não posso,

Sublime Rei, que não me atrevo a tanto - ,

Tomai as rédeas vós do Reino vosso:

Dareis matéria a nunca ouvido canto.

Comecem a sentir o peso grosso

(Que polo mundo todo faça espanto)

De exércitos e feitos singulares,

De África as terras e do Oriente os mares.

Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;

Tétis todo o cerúleo senhorio

Tem pera vós por dote aparelhado,

Que, afeiçoada ao gesto belo e tento,

Deseja de comprar-vos pera genro.

Page 14: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Dedicatória 15 a 18Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;

Tétis todo o cerúleo senhorio

Tem pera vós por dote aparelhado,

Que, afeiçoada ao gesto belo e tento,

Deseja de comprar-vos pera genro.

Em vós se vêm, da Olímpica morada,

Dos dous avós as almas cá famosas;

üa, na paz angélica dourada,

Outra, pelas batalhas sanguinosas.

Em vós esperam ver-se renovada

Sua memória e obras valerosas;

E lá vos têm lugar, no fim da idade,

No templo da suprema Eternidade.

Mas, enquanto este tempo passa lento

De regerdes os povos, que o desejam,

Dai vós favor ao novo atrevimento,

Pera que estes meus versos vossos sejam,

E vereis ir cortando o salso argento

Os vossos Argonautas, por que vejam

Que são vistos de vós no mar irado,

E costumai-vos já a ser invocado.

Page 15: Cantos i e ii   lusíadas

Canto I – Início da Narração -

Já no largo Oceano navegavam,

As inquietas ondas apartando;

Os ventos brandamente respiravam,

Das naus as velas côncavas inchando;

Da branca escuma os mares se mostravam

Cobertos, onde as proas vão cortando

As marítimas águas consagradas,

Que do gado de Próteu são cortadas,

Page 16: Cantos i e ii   lusíadas

Eneida - Narração

De Sicília amarando, mal velejamLedos e o cobre rompe a salsa espuma,Juno, dentro guardada eterna chaga:

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Canto I – profecias de Júpiter- 24 a 26- «Eternos moradores do luzente,

Estelífero Pólo e claro Assento:

Se do grande valor da forte gente

De Luso não perdeis o pensamento,

Deveis de ter sabido claramente

Como é dos Fados grandes certo intento

Que por ela se esqueçam os humanos

De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.

«Já lhe foi (bem o vistes) concedido,

Cum poder tão singelo e ao pequeno,

Tomar ao Mouro forte e guarnecido

Toda a terra que rega o Tejo ameno.

Pois contra o Castelhano ao temido Sempre alcançou favor do Céu sereno:

Assi que sempre, enfim, com fama e glória.

Teve os troféus pendentes da vitória.

«Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,

Que co a gente de Rómulo alcançaram,

Quando com Viriato, na inimiga

Guerra Romana, tanto se afamaram;

Também deixo a memória que os obriga

A grande nome, quando alevantaram

Um por seu capitão, que, peregrino,

Fingiu na cerva espírito divino.

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Canto I – profecias de Júpiter- 27 a 29«Agora vedes bem que, cometendo

O duvidoso mar num lenho leve,

Por vias nunca usadas, não temendo

de Áfrico e Noto a força, a mais s'atreve:

Que, havendo tanto já que as partes vendo

Onde o dia é comprido e onde breve,

Inclinam seu propósito e perfia

A ver os berços onde nasce o dia.

«Prometido lhe está do Fado eterno,

Cuja alta lei não pode ser quebrada,

Que tenham longos tempos o governo

Do mar que vê do Sol a roxa entrada.

Nas águas têm passado o duro Inverno;

A gente vem perdida e trabalhada;

Já parece bem feito que lhe seja

Mostrada a nova terra que deseja.

«E porque, como vistes, têm passados

Na viagem tão ásperos perigos,

Tantos climas e céus exprimentados,

Tanto furor de ventos inimigos,

Que sejam, determino, agasalhados

Nesta costa Africana como amigos;

E, tendo guarnecida a lassa frota,

Tornarão a seguir sua longa rota.

Page 19: Cantos i e ii   lusíadas

Excursos Canto I

O recado que trazem é de amigos,Mas debaixo o veneno vem coberto;Que os pensamentos eram de inimigos,Segundo foi o engano descoberto.Ó grandes e gravíssimos perigos!Ó caminho de vida nunca certo: Que aonde a gente põe sua esperança,Tenha a vida tão pouca segurança!

No mar tanta tormenta, e tanto dano,Tantas vezes a morte apercebida!Na terra tanta guerra, tanto engano,Tanta necessidade avorrecida!Onde pode acolher-se um fraco humano,Onde terá segura a curta vida,Que não se arme, e se indigne o Céu serenoContra um bicho da terra tão pequeno?

Page 20: Cantos i e ii   lusíadas

Figuras mitológicasJúpiter – deus dos deuses, dos raios e trovões.

Vênus/ Citereia – deusa do amor e da beleza.

Baco – deus do vinho, filho de Júpiter e Semele.

Marte – deus da guerra.

Netuno – deus dos mares.

Tágides – ninfas do Rio Tejo (Lisboa).

Febo – deus do sol e chefe das musas, filho de Júpiter e Latona.

Hipocrene – fonte que o cavalo alado Pégaso fez brotar no Hélicon que fazia quem dela bebesse poeta.

Tétis – deusa do mar esposa de Oceano.

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Figuras mitológicasVulcano – deus do fogo, filho de Juno e Júpiter.

Luso – filho de Baco e pai do povo português.

Rômulo – fundador e primeiro rei de Roma.

Dóris – divindade marítima, filha de oceano e deTétis, mulher de Nereu, mãe das Nereidas.

Parnaso – Monte da Fócida cujas fontes davam inspiração poética.

Águas do esquecimento – alusão ao Rio Letes, situado no inferno pagão, cujas águas tiravam a memória.

Parcas – três divindades que presidiam o destino dos homens, tecendo o fio da vida e depois cortando-o.

Mercúrio – mensageiro dos deuses, filho de Júpiter e de Maia.

Page 22: Cantos i e ii   lusíadas

Figuras mitológicasFaéton – filho de Febo/Apolo e Climene – conduziu o carro do sol muito perto do continente negro e tornou os seus habitantes pretos. Como castigo, Júpiter o fulminou e deixou-o cair no Rio Pó, no qual morreu afogado.

Lampetusa – irmã de Faéton, que chorou muito por sua morte trágica.

Calisto – ninfa que foi transformada na constelação da Ursa Maior.

Aqueronte – um dos rios do inferno pagão.

Diana – irmã de Febo, Lua.

Hiperônio – Sol.

Anfitrite- esposa de Netuno, mãe de Tritão.

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Personagens literáriosRodamonte – personagem de “Orlando Innamorato”, de Boiardo (poeta italiano do século XV), deformação de Rodomonte.

Rugeiro – personagem de “Orlando Furioso”, de Ariosto (poeta italiano do século XVI).

Orlando – palavra italiana para Roland, herói da Chanson de Roland (poema do final do século XI).

Doze pares (de França) – nobres companheiros de Carlos Magno.

Doze de Inglaterra – cavaleiros portugueses que foram à Inglaterra defender a honra de damas inglesas.

Sínon – grego que dizendo-se maltratado pelos compatriotas depois traiu os troianos.

Page 24: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II

Preto - fatos reais, históricos, narrados diretamente pelo poeta e excursos pessoais; Verde – fatos míticos; Azul – fatos históricos narrados pelo Gama; Vermelho – fatos proféticos.

Convite insidioso do rei de

Mombaça 1-6

Desembarque de dois

condenados portugueses 7-

9

Baco, fingindo de sacerdote

cristão engana estes

dois portugueses, que, por isso,

trazem informações falsas. 10-15

Vênus e as Nereidas opõem o peito às

naus, impedindo-as de entrar no

porto de Mombaça. 16-

24

Piloto e companheiros mouros fogem

precipitadamente 25-28

Súplica do Gama à Divina

Guarda 29-32

Vênus sobe ao Olimpo e queixa-se a Júpiter

33-41

Júpiter vaticina feitos

gloriosos aos Lusos

2ª profecia

42-55

Mercúrio é enviado

à Terra 56-63

Partida da

Armada 64-71

Chegada a Melinde, envio de

embaixador e acolhida

deste 72-88

Manifestações de

contentamento 89-91

Visita do Rei de

Melinde e seu pedido

92-113

Page 25: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus interfere 18-19As âncoras tenaces vão levando Com a náutica grita costumada; Da proa as velas sós ao vento dandoInclinam para a barra abalizada. Mas a linda Ericina, que guardando Andava sempre a gente assinalada, Vendo a cilada grande, e tão secreta, Voa do Céu ao mar como uma seta.

Convoca as alvas filhas de Nereu,Com toda a mais cerúlea companhia,Que, porque no salgado mar nasceu,

Das águas o poder lhe obedecia.E propondo-lhe a causa a que desceu, Com todas juntamente se partia,Para estorvar que a armada não chegasse

Page 26: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus interfere 20-21Já na água erguendo vão, com grande pressa,Com as argênteas caudas branca escuma;Cloto eo'o peito corta e atravessaCom mais furor o mar do que costuma.Salta Nise, Nerine se arremessaPor cima da água crespa, em força suma.Abrem caminho as ondas encurvadasDe temor das Nereidas apressadas.

Nos ombros de um Tritão, com gesto aceso,Vai a linda Dione furiosa;Não sente quem a leva o doce peso,

De soberbo com carga tão formosa.Já chegam perto donde o vento tesoEnche as velas da frota belicosa;Repartem-se e rodeiam nesse instanteAs naus ligeiras, que iam por diante.

Page 27: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus interfere 22-23Põe-se a Deusa com outras em direitoDa proa capitaina, e ali fechandoO caminho da barra, estão de jeito,Que em vão assopra o vento, a vela inchando.Põem no madeiro duro o brando peito,Para detrás a forte nau forçando;Outras em derredor levando-a estavam,E da barra inimiga a desviavam.

Quais para a cova as próvidas formigas,Levando o peso grande acomodado,As forças exercitam, de inimigasDo inimigo inverno congelado;

Ali são seus trabalhos e fadigas,Ali mostram vigor nunca esperado:Tais andavam as Ninfas estorvandoA gente Portuguesa o fim nefando.

Page 28: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus interfere 24

Torna para detrás a nau forçada,Apesar dos que leva, que gritandoMareiam velas; ferve a gente irada,O leme a um bordo e a outro atravessando;O mestre astuto em vão da popa brada,Vendo como diante ameaçandoOs estava um marítimo penedo,Que de quebrar-lhe a nau lhe mete medo.

Page 29: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Súplica do Gama à Divina Guarda 29-30Vendo o Gama, atentado, a estranhezaDos Mouros, não cuidada, e juntamenteO piloto fugir-lhe com presteza,Entende o que ordenava a bruta gente;E vendo, sem contraste e sem bravezaDos ventos, ou das águas sem corrente,Que a nau passar avante não podia,Havendo-o por milagre, assim dizia:

"Ó caso grande, estranho e não cuidado, Ó milagre claríssimo e evidente, Ó descoberto engano inopinado, Ó pérfida, inimiga e falsa gente! Quem poderá do mal aparelhado 

Livrar-se sem perigo sabiamente, Se lá de cima a Guarda soberana Não acudir à fraca força humana?

Page 30: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Súplica do Gama à Divina Guarda 31-32"Bem nos mostra a divina Providência Destes portos a pouca segurança; Bem claro temos visto na aparência, Que era enganada a nossa confiança. Mas pois saber humano nem prudência Enganos tão fingidos não alcança, Ó tu, Guarda Divina, tem cuidado De quem sem ti não pode ser guardado!

"E se te move tanto a piedade Desta mísera gente peregrina, Que só por tua altíssima bondade, Da gente a salvas pérfida e malina, Nalgum porto seguro de verdade 

Conduzir-nos já agora determina, Ou nos amostra a terra que buscamos, Pois só por teu serviço navegamos."

Page 31: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus reclama com Júpiter 34-35E como ia afrontada do caminho,Tão formosa no gesto se mostrava,Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho,E tudo quanto a via namorava.Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,Uns espíritos vivos inspirava,Com que os Pólos gelados acendia,E tornava do Fogo a esfera fria.

E por mais namorar o soberanoPadre, de quem foi sempre amada e eriça,Se lhe apresenta assim como ao Troiano,

Na selva Idea, já se apresentara.Se a vira o caçador, que o vulto humanoPerdeu, vendo Diana na água clara,Nunca os famintos galgos o mataram,Que primeiro desejos o acabaram.

Page 32: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus reclama com Júpiter 36-37Os crespos fios d'ouro se esparziamPelo colo, que a neve escurecia;Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,Com quem Amor brincava, e não se via;Da alva petrina flamas lhe saíam,Onde o Menino as almas acendia;Pelas lisas colunas lhe trepavamDesejos, que como hera se enrolavam.

C'um delgado sendal as partes cobre,De quem vergonha é natural reparo,Porém nem tudo esconde, nem descobre,

O véu, dos roxos lírios pouco avaro;Mas, para que o desejo acenda o dobre,Lhe põe diante aquele objeto raro.Já se sentem no Céu, por toda a parte,Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.

Page 33: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Vênus reclama com Júpiter 38-39E mostrando no angélico semblante Co'o riso uma tristeza misturada,Como dama que foi do incauto amanteEm brincos amorosos mal tratada,Que se aqueixa e se ri num mesmo instante,E se torna entre alegre magoada,Desta arte a Deusa, a quem nenhuma iguala,Mais mimosa que triste ao Padre fala:

"Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso,Que, para as cousas que eu do peito amasse,Te achasse brando, afábil e amoroso,

Posto que a algum contrário lhe pesasse;Mas, pois que contra mim te vejo iroso,Sem que to merecesse, nem te errasse,Faça-se como Baco determina;Assentarei enfim que fui mofina.

Page 34: Cantos i e ii   lusíadas

Eneida – Vênus reclama com Júpiter Das alturas, no fim, Jove esguardandoO mar velívolo e as jacentes plagasE amplas nações, no vértice do Olimpo240 Quedo, os olhos fitou nos líbios reinos.Quando o absorviam tais cuidados, VênusTriste, os gentis luzeiros orvalhando:“Ó tu, queixou-se, que os mortais e os deusesReges eterno e horríssono fulminas,245 O que te fez meu filho, o que os Troianos,Que após tragos letais, não só d’Itália,Do universo os cancelos se lhes fecham?Roma deles tirar, deles os cabosQue, eras volvendo, restaurado o sangue250 De Teucro, o mar e a terra sofreassem,Nos prometeste; quem mudou-te, ó padre?

Page 35: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Júpiter reafirma as glórias futuras dos portugueses 42-43

E destas brandas mostras comovido,Que moveram de um tigre o peito duro,Co'o vulto alegre, qual do Céu subido,Torna sereno e claro o ar escuro,As lágrimas lhe alimpa, e acendidoNa face a beija, e abraça o colo puro;De modo que dali, se só se achara,Outro novo Cupido se gerara.

E co'o seu apertando o rosto amado,Que os soluços e lágrimas aumenta,Como menino da ama castigado,

Que quem no afaga o choro lhe acrescente,Por lhe pôr em sossego o peito irado,Muitos casos futuros lhe apresenta.Dos fados as entranhas revolvendo,Desta maneira enfim lhe está dizendo:

Page 36: Cantos i e ii   lusíadas

Canto II – Júpiter reafirma as glórias futuras dos portugueses 44-45

"Formosa filha minha, não temaisPerigo algum nos vossos Lusitanos,Nem que ninguém comigo possa mais,Que esses chorosos olhos soberanos;Que eu vos prometo, filha, que vejaisEsquecerem-se Gregos e Romanos,Pelos ilustres feitos que esta genteHá-de fazer nas partes do Oriente.

"Que se o facundo Ulisses escapouDe ser na Ogígia ilha eterno escravo,E se Antenor os seios penetrou

Ilíricos e a fonte de Timavo;E se o piedoso Eneias navegouDe Cila e de Caríbdis o mar bravo,Os vossos, mores cousas atentando,Novos mundos ao mundo irão mostrando.

Page 37: Cantos i e ii   lusíadas

Eneida – Júpiter tranquiliza Vênus“Poupa esse medo, Cípria; imotos jazemDos teus os fados; nas lavínias torresHás de rever-te, e alar sobre as estrelas275 Teu grande Enéias, Júpiter não muda.O herói na Itália (esta ânsia te remorde,Vou rasgar-te os arcanos do futuro)Guerras tem de mover e amansar povos,E instituir cidades e costumes,280 Ao passo que reinando o vir no LácioTerceiro estio, e os Rútulos domados,Forem-se três invernos. Posto ao lemeAscânio, que hoje Iulo cognominam(Ilo, enquanto florente Ílion se teve),

285 Cerrando os meses trinta largos giros,Há de, a sede lavínia trasladada,Alba longa munir e abastecê-la.Os Hectóreos aqui trezentos anosJá reinarão, quando a vestal princesa290 Ília parir a Marte gêmea prole.Da nutriz loba em fulva pele ovante,Rômulo há de erigir mavórcios muros,E à recebida gente impor seu nome.

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Canto II – Pedido do rei de Melinde a Vasco da Gama - 109

"Mas antes, valeroso Capitão,Nos conta, lhe dizia, diligente,Da terra tua o clima, e regiãoDo mundo onde morais distintamente;E assim de vossa antiga geração,E o princípio do Reino tão potente,Co'os sucessos das guerras do começo,Que, sem sabê-las, sei que são de preço.

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Eneida – Dido pede a Enéas que conte a sua história

A infeliz Dido, e longo o amor bebia,785 Muito de Príamo, inquirindo muitoDe Heitor; que armas da Aurora o filho tinha,Diomedes que frisões; quejando Aquiles.“Do princípio antes, hóspede, as insídiasGraias, disse, nos conta, e o pátrio excídio,790 E errores teus; que já seteno estioDe praia em praia todo o mar volteias.”

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Figuras mitológicasNovamente aparecem Júpiter, Vênus, Vulcano, Marte, Netuno e Baco.

Nereidas – filhas de Nereu.

Tioneu – Baco, filho de Tione (= Semele).

Moça de Titão – Aurora, filha de Titão e da Terra, que presidia o nascimento do dia.

Ericina = Vênus, que tinha um templo no cume do monte Erix, na Sicília.

Cloto – uma das Parcas e não Nereida – erro que aparece também em Virgílio.

Nise e Nerine - Nereidas inventadas cujo nome Camões também achou em Virgílio.

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Figuras mitológicasTritão – uma das divindades marinhas chamadas Tritões e não Tritão filho de Netuno.

Dione = Vênus.

Cupido – filho de Vênus = Amor – a sua paternidade gera controvérsias (Marte, Júpiter ou Mercúrio).

Troiano – Páris, a quem Vênus já havia se apresentado nua no episódio mitológico conhecido como “julgamento de Páris”, que ocorreu no monte Ida, no qual Páris julgou ser vênus a mais bela deusa, concorrendo contra Juno (Hera) e Minerva (Palas Atena).

O caçador – Actéon – tebano que Diana, deusa da caça e da castidade, transformou em veado por vê-la nua se banhando - foi devorado por seus próprios cães.

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Figuras mitológicasIlha Ogígia – ilha onde residia a ninfa Calipso, que ali reteve Ulisses por 7 anos na sua volta da guerra de Tróia.

Antenor – troiano que traiu a própria pátria, escondendo Ulisses em sua casa.

Cila e Caríbdis – nomes, respectivamente, de um escolho (pequena ilha rochosa) no estreito de Messina e de um sorvedouro (redemoinho de água que se forma no mar), em frente do primeiro, do lado da Sicília.

Cila - O aterrorizante monstro marinho em que Cila se transformou tinha o torso de uma bela mulher mas, em volta da cintura, possuía seis cabeças de serpente com três fileiras de dentes e um círculo de doze cães ladradores. Os cães a alertavam quando um navio estava passando, de forma que ela pudesse capturar os navegantes.

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Figuras mitológicasCaríbdis - Durante sua existência como ninfa, Caríbdis se caracterizava por uma voracidade extrema. Quando Hércules passou perto de Messina, levando os bois de Gerião, roubou alguns dos animais e devorou-os. Ao tentar investir contra o herói, que tentava recuperar seu gado, Caríbdis foi fulminada por Zeus com um raio, e lançada às profundezas do mar, onde se transformou em um monstro marinho.

Egípcia linda – Cleópatra.

Cileneu = Mercúrio.

Vara fatal – caduceu – bastão com que Mercúrio adormecia as almas que, assim imobilizadas, levava para o outro mundo.

Diomedes – rei da Trácia que alimentava seus cavalos com a carne de seus hóspedes e foi morto por Hércules.

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Figuras mitológicasBusíris – rei do Egito que sacrificava todos os estrangeiros que passavam por suas terras, imolando-os a Júpiter.

Roubador de Europa – Júpiter, que transformado em touro roubou Europa, filha de Angenor, rei da Fenícia.

Flora – deusa romana da primavera e das flores.

O perdido ítaco – Ulisses, rei de Ítaca.

Alcíno – rei dos Feácios que acolheu Ulisses e o levou de volta para Ítaca.

Intérprete divino – Mercúrio.

O filho de latona – Apolo, Febo, o sol.

Cyclopas – ciclopes, gigantes de um olho só.

Mãe de Menon – Aurora.

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Figuras mitológicasBela ninfa filha de Taumante – Íris, filha de Electra e Taumante.

Hespéridas – As deusas Hespérides passeiam pelos céus, encarregando-se de iluminar todo o mundo com a luz da tarde. Héspera - "a crepuscular" - deusa do crepúsculo vespertino.

Gigantes – Titãs, filhos da Terra, que tentaram escalar o Olimpo e expulsar Júpiter.

Perítoo – rei da Tessália que tentou roubar a esposa do deus dos infernos – Prosérpina.

O sagrado templo de Diana – templo consagrado a esta deusa em Éfeso e uma das sete maravilhas do mundo antigo, construído por Tesifônio e incendiado por Heróstrato.

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Referências BibliográficasCAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Edição comemorativa do centenário da morte de Luís de Camões. Porto: Porto Editora, 1980.

______ . Os Lusíadas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

VIRGÍLIO. Eneida. Trad. Manuel Odorico Mendes. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html. Acesso em: 27 out. 2013.

______ . Eneida. Trad. José Victorino Barreto Feio e José Maria da Costa e Silva (livros IX-XII). São Paulo: Martins Fontes, 2004.

TRUTAS NO SAPO. “Mapa da Viagem de Vasco da Gama”. Disponível em: http://trutas.no.sapo.pt/ines_de_castro/index.htm. Acesso em: 28 out. 2013.