cantiga do ai de mario de andrade

1
CANTIGA DO AI Ai, eu padeço de penas de amor, Meu peito está cheio de luz e de dor! Ai, uma ingrata tão fria me olhou, Que vou-me daqui sem saber pra onde vou! Eu cheirei um dia um aroma de flor E vai, fiquei doendo de penas de amor! Foi minha ingrata que por mim passou! Ai, gentes! eu parto! não sei pra onde vou! Ai, malvada ingrata que escolhi bem! Eu sofro e não posso queixar de ninguém! Sofro mas me orgulho de meu sofrer, É linda a malvada que fui escolher! Tem a mansidão dos portos de mar Mas porém é arisca que nem pomba-do-ar! Ela é quieta e clara, ela é rosicler, É a boca-da-noite virada mulher! Ai, unhas de vidro para me encantar! Ai, olhos riscados pra não me enxergar! Ai, peito liso, boca de carmim! Ingrata malvada que não pensa em mim! Ai, pena tamanha que me quebrou! Adeus! vou-me embora! não sei pra onde vou! Lastimem o poeta que vai partir, Moçada se amando no imenso Brasil!... (ANDRADE, Mário de. Cantiga do ai. In: MALEVAL, M. A. T. Poesia Medieval no Brasil. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2002.)

Upload: pedro-x-eliane

Post on 06-Dec-2015

87 views

Category:

Documents


36 download

DESCRIPTION

Cantiga do Ai consiste noutra carga crítica contra o lirismo ou romantismo

TRANSCRIPT

Page 1: Cantiga Do Ai de Mario de Andrade

CANTIGA DO AI

Ai, eu padeço de penas de amor,Meu peito está cheio de luz e de dor!

Ai, uma ingrata tão fria me olhou,Que vou-me daqui sem saber pra onde vou!

Eu cheirei um dia um aroma de florE vai, fiquei doendo de penas de amor!

Foi minha ingrata que por mim passou!Ai, gentes! eu parto! não sei pra onde vou!

Ai, malvada ingrata que escolhi bem!Eu sofro e não posso queixar de ninguém!

Sofro mas me orgulho de meu sofrer,É linda a malvada que fui escolher!

Tem a mansidão dos portos de marMas porém é arisca que nem pomba-do-ar!

Ela é quieta e clara, ela é rosicler,É a boca-da-noite virada mulher!

Ai, unhas de vidro para me encantar!Ai, olhos riscados pra não me enxergar!

Ai, peito liso, boca de carmim!Ingrata malvada que não pensa em mim!

Ai, pena tamanha que me quebrou!Adeus! vou-me embora! não sei pra onde vou!

Lastimem o poeta que vai partir,Moçada se amando no imenso Brasil!...

(ANDRADE, Mário de. Cantiga do ai. In: MALEVAL, M. A. T. Poesia Medieval no Brasil. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2002.)