camomila

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Universidade de Brasília – UnB 12/2006 Faculdade de Ciências da Saúde - FS Farmácia Clínica/ Hospitalar ( * ) Profª Drª Patrícia Medeiros de Souza ( ** ) Profª Mariana Gradim ( *** ) Nathalia Marinho Barcellos Interação Medicamentosa entre Varfarina e Matricaria chamomilla Sumário I. Introdução II. Aspectos farmacológicos III. Interação Medicamentosa IV. Conclusão V. Referências I. Introdução É sabido que uso de plantas medicinais, comercializadas sob o argumento de “trazer benefícios, já que são naturais”, torna-se cada vez mais freqüente entre a população. Comparada com a dos medicamentos usados nos tratamentos convencionais, a toxicidade de plantas medicinais e fitoterápicos pode parecer trivial, o que, entretanto, não é verdade [1] . Os efeitos adversos decorrentes da utilização desregulada destes medicamentos ditos alternativos, bem como sua interação com outras drogas ocorrem comumente, o que torna a situação preocupante para profissionais de saúde [1] . Esta situação se agrava devido ao fato de que os pacientes raramente comunicam a seus médicos sobre a utilização de tais produtos. II. Aspectos farmacológicos A varfarina é um derivado cumarínico e o anticoagulante oral prescrito com mais freqüência para prevenção de doenças tromboembólicas [2] . A utilização deste medicamento, entretanto, deve ser monitorada por médicos e outros profissionais de saúde por causa do elevado risco de potencialização de seu efeito anticoagulante quando em utilização concomitante a outras medicações e/ou terapias alternativas, como alho e gingko biloba [4] . Matricaria chamomilla é o nome científico dado a uma planta de uso popular e bastante comum, a camomila, conhecida por suas propriedades espasmolíticas, sedativas, antiinflamatórias e cicatrizantes [4,5] . Também é utilizada para alívio de problemas cutâneos como psoríase, acne, eczemas, e para tratar febre, bronquites, tosse e resfriados [4] . É considerada segura pelo FDA, sem possuir efeitos adversos na gravidez, lactação ou infância. Enquanto a comprovação de seus efeitos terapêuticos em seres humanos está sendo estudada, os benefícios em animais têm feito com que ela seja utilizada largamente como remédio caseiro sob forma de chás e compressas [5] . A camomila é constituída de diversas substâncias, entre elas, alguns derivados cumarínicos, como a 7-metoxicumarina e 7-hidroxicumarina, componentes aos quais se atribuem suas propriedades espasmolíticas [3] . Apesar de ainda não terem sido bem documentados seus efeitos, tampouco sua interação com a varfarina, há um forte risco de aumento da tendência a sangramentos bem como do tempo de sangramento [6] , devido à presença destes componentes cumarínicos [4] . Um caso apenas foi relatado até hoje de efeitos adversos advindos de uma interação entre a Camomila e a Varfarina [4] .

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Universidade de Brasília – UnB 12/2006

Faculdade de Ciências da Saúde - FS

Farmácia Clínica/ Hospitalar

(*) Profª Drª Patrícia Medeiros de Souza (**) Profª Mariana Gradim (***) Nathalia Marinho Barcellos

Interação Medicamentosa entre Varfarina e Matricaria chamomilla

Sumário I. Introdução II. Aspectos farmacológicos III. Interação Medicamentosa IV. Conclusão V. Referências

I. Introdução

É sabido que uso de plantas medicinais, comercializadas sob o argumento de “trazer benefícios, já que são naturais”, torna-se cada vez mais freqüente entre a população. Comparada com a dos medicamentos usados nos tratamentos convencionais, a toxicidade de plantas medicinais e fitoterápicos pode parecer trivial, o que, entretanto, não é verdade[1]. Os efeitos adversos decorrentes da utilização desregulada destes medicamentos ditos alternativos, bem como sua interação com outras drogas ocorrem comumente, o que torna a situação preocupante para profissionais de saúde[1]. Esta situação se agrava devido ao fato de que os pacientes raramente comunicam a seus médicos sobre a utilização de tais produtos.

II. Aspectos farmacológicos

A varfarina é um derivado cumarínico e o anticoagulante oral prescrito com mais freqüência para prevenção de doenças tromboembólicas[2]. A utilização deste medicamento, entretanto, deve ser monitorada por médicos e outros profissionais de saúde por causa do elevado risco de potencialização de seu efeito anticoagulante quando em utilização concomitante a outras medicações e/ou terapias alternativas, como alho e gingko biloba[4].

Matricaria chamomilla é o nome científico dado a uma planta de uso popular e bastante comum, a camomila, conhecida por suas propriedades espasmolíticas, sedativas, antiinflamatórias e cicatrizantes[4,5]. Também é utilizada para alívio de problemas cutâneos como psoríase, acne, eczemas, e para tratar febre, bronquites, tosse e resfriados[4]. É considerada segura pelo FDA, sem possuir efeitos adversos na gravidez, lactação ou infância. Enquanto a comprovação de seus efeitos terapêuticos em seres humanos está sendo estudada, os benefícios em animais têm feito com que ela seja utilizada largamente como remédio caseiro sob forma de chás e compressas[5].

A camomila é constituída de diversas substâncias, entre elas, alguns derivados cumarínicos, como a 7-metoxicumarina e 7-hidroxicumarina, componentes aos quais se atribuem suas propriedades espasmolíticas[3]. Apesar de ainda não terem sido bem documentados seus efeitos, tampouco sua interação com a varfarina, há um forte risco de aumento da tendência a sangramentos bem como do tempo de sangramento[6], devido à presença destes componentes cumarínicos[4]. Um caso apenas foi relatado até hoje de efeitos adversos advindos de uma interação entre a Camomila e a Varfarina[4].

III. Interação medicamentosa

Uma mulher de 70 anos, com história médica de substituição mecânica de válvula mitral em 1979, e um episódio de fibrilação atrial, deu entrada na emergência com tosse, expectoração amarelada e dificuldade em dormir. Fazia uso de varfarina, amiodarona, digoxina, synthroid, alendronato, metoprolol e suplemento de cálcio e vitamina D. Foi diagnosticada uma infecção no trato respiratório, mas a paciente não recebeu alta com antibióticos. Cinco dias depois a paciente retorna ao hospital com sintomas semelhantes e sentindo-se mais fraca. Apresentava-se dispnéica ao esforço e com edema bilateral nos pés. Tomografia computadorizada de abdômen revelou edema retroperitoneal na pélvis. Recebeu alta com hemoglobina estável e INR de 2,5. Em questionamento posterior, a paciente revelou que após o primeiro atendimento de emergência, ela decidiu atenuar seu edema com uma loção a base de camomila, aplicando o equivalente a uma colher de chá, em cada perna, 4 ou 5 vezes ao dia. Além disso, de modo a aliviar sua congestão peitoral, decidiu tomar de 4 a 5 xícaras de chá de camomila, preparado pela adição de água às folhas secas da planta[4].

Apesar da já conhecida a interação entre varfarina e amiodarona, que potencializa os efeitos anticoagulantes, a paciente fazia uso destes dois medicamentos por um período de 3 anos, sem qualquer incidência de hemorragias. De acordo com sua filha, não houve possibilidade de superdosagem de varfarina e a dose diária não havia sido alterada pelos últimos 11 meses. Outras interações não foram identificadas, ela não fazia uso de antiagregantes plaquetários e sua dieta permanecia inalterada[4].

Todos estes dados levaram a crer que a ocorrência da hemorragia foi devida ao uso simultâneo e excessivo de produtos a base de camomila. Seus constituintes cumarínicos agiram sinergicamente à varfarina, resultando em uma anticoagulação supraterapêutica[4]. IV.Conclusão

A interação medicamentosa entre varfarina e camomila era teoricamente conhecida, devido à presença de derivados cumarínicos nesta última. Entretanto a falta de relatos de casos clínicos tornava menos real esta potente e preocupante interação, principalmente por se tratar de uma chamada “terapia alternativa”, que tem por base chás e cremes. A negligência dos profissionais de saúde a estas formas de auto-medicação pode também prejudicar o tratamento de pacientes desavisados. A educação de pacientes também se faz necessária, alertando-os, por exemplo, da potencial interação entre produtos naturais, particularmente produtos contendo camomila, durante o tratamento com varfarina. V. Referências

[1] JUNIOR, V.F.V; PINTO, A.C.; MACIEL, M.A.M. Plantas Medicinais: Cura Segura? Química Nova, v.28, n.3, p.519-528, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/>. Acesso em set. 2006. [2] GILMAN, A.G.; RALL, T.W.; NIESV, A.S.; TAYLOR, P. (ed.) Goodman e Gilman – As Baes Farmacológicas da Terapêutica. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p.995. [3] COSTA, A.F. Farmacognosia. 6.ed. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. 3v. v.1, p.579-583. [4] SEGAL, R.; PILOTE, L. Warfarin interaction with Matricaria chamomilla. Canadian Medical Association Journal – Research Letter, v.179, n.9, p.1281-1282, 2006. [5] O’HARA, M.A. et al. A Review of 12 Commonly Used Medicinal Herbs. Archieves of Family Medicine, v.7, p.523-536, 1998. Disponível em: <www.archfammed.com>. Acesso em set. 2006. [6] KUHN, M.A. Herbal Remedies: Drug-Herb Interactions. Critical Care Nurse, v.22, n.2, p.22-35, 2002. Disponível em: <www.highwire.org>. Acesso em set. 2006. (*) Profª. Dr.ª Patrícia Medeiros de Souza é professora Adjunta do Curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Brasília (UnB). (**) Profª Mariana Gradim é professora substituta do Curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Brasília (UnB). (***) Nathalia Marinho Barcellos é aluna do curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Brasília (UnB).