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CAMINHO PARA CRISTO EM IGREJA Quaresma 2014

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CAMINHO PARA CRISTO EM IGREJA

Quaresma 2014

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DIOCESE DE COIMBRAANO PASTORAL 2014~2015

COMUNIDADE DE DISCÍPULOS PARA O ANÚNCIO DO EVANGELHO

CAMINHO PARA CRISTO EM IGREJAQuaresma 2014

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AO POVO DE DEUS DA DIOCESE DE COIMBRAquaresma 2014

Queridos amigosA Quaresma é um tempo oportuno para a comunidade cristã intensificar o

seu caminho para Cristo, em Igreja. A Diocese de Coimbra preparou um itinerário de lectio divina (leitura orante

da Palavra de Deus), constituído por cinco momentos, um para cada semana, que propõe a todo o Povo de Deus, como auxílio para essa caminhada.

Assim como Jesus na sua Quaresma foi ao deserto conduzido pelo Espírito Santo para aí estar em intimidade com o Pai e acolher a Sua vontade, também nós poderemos fazer a nossa Quaresma, continuando nas nossas ocupações quotidianas. Procuraremos deixar-nos conduzir pelo Espírito e acolher a vontade de Deus guiados pela sua Palavra.

Para além da celebração da liturgia de forma profunda e dos exercícios de piedade popular próprios deste tempo litúrgico, entraremos em profundidade na lectio divina, que nos fará conhecer a Palavra de Deus, conscientes de que ignorá-la é ignorar o próprio Cristo, como afirmou São Jerónimo.

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Convoco os presbíteros e diáconos, os consagrados, os catequistas, anima-dores das celebrações da Palavra, ministros extraordinários da comunhão e outros membros ativos das comunidades a constituir pequenos grupos de fiéis que durante as cinco primeiras semanas da Quaresma percorram o itinerário de leitura orante da Palavra de Deus seguindo o esquema aqui proposto.

Reunirão nas suas próprias casas, nos locais de culto ou nos centros pastorais como pequenas células da comunidade cristã e aprenderão a acolher Cristo, Palavra de Deus, com a mente, o coração e a vida. Por meio dela se vos abrirão as portas que conduzem à fé em Jesus Cristo e conhecereis a alegria do encontro com Deus e com a sua Igreja.

Confio a Nossa Senhora este itinerário da Quaresma de 2014, peço a graça da renovação das nossas comunidades cristãs e imploro para todos a bênção de Deus.

Com muita amizadeO vosso bispo Virgílio

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DOMINGO I DA QUARESMA

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I. Lectio

Mt 4, 1-11Naquele tempo,Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto,a fim de ser tentado pelo Diabo.Jejuou quarenta dias e quarenta noitese, por fim, teve fome.O tentador aproximou-se e disse-lhe:«Se és Filho de Deus,diz a estas pedras que se transformem em pães».Jesus respondeu-lhe:«Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem,mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’».Então o Diabo conduziu-O à cidade santa,levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe:«Se és Filho de Deus,lança-Te daqui abaixo, pois está escrito:‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos,para que não tropeces em alguma pedra’».Respondeu-lhe Jesus:«Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».

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De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto,mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glóriae disse-Lhe:«Tudo isto Te darei,se, prostrado, me adorares».Respondeu-lhe Jesus:«Vai-te, Satanás, porque está escrito:‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’».Então o Diabo deixou-O,e aproximaram-se os Anjos e serviram-n›O.

O evangelho de Mateus (e também o de Lucas) coloca o episódio das tentações de Jesus logo a seguir ao seu batismo e antes de iniciar a sua vida pública, em que foi de terra em terra anunciando o amor de Deus e pedindo a conversão das pessoas. Com isso, Mateus indica que as tentações de Jesus estão relacionadas com a sua missão e que ele foi tentado sempre, desde a primeira hora.

É um relato simbólico (não há, em lado nenhum da terra, um monte muito alto do qual se avistem todos os reinos do mundo)! Mateus recorre a imagens e símbolos para explicar em que é que consistiram as tentações de Jesus. Os símbolos são números e lugares. As tentações são três, número que se refere à ideia de “tota-lidade”: Jesus foi totalmente tentado com todas as tentações possíveis. Os lugares das tentações são: o deserto, o templo da cidade santa, um monte alto. Em todos estes lugares, o povo de Deus tinha recebido dons do amor de Deus (a libertação

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da escravidão, no deserto; a fidelidade amorosa de Deus, na Aliança do monte Sinai; a proximidade de Deus pela Palavra, pela Lei e pelo Culto, no Templo) e em todos estes lugares o povo tinha caído no pecado: no deserto, ergueu um bezerro de ouro; nos montes altos, adorou os deuses Baal; no templo, o culto tornou-se vazio de vida – “eu aborreço e desprezo as vossas festas” (Am 5,21). Com a referência a estes lugares, Mateus deixa claro que Jesus assumiu toda a história do povo de Deus do Antigo Testamento, salvaguardando a ação amorosa de Deus nessa história, mas recusando e combatendo todos os seus momentos de pecado.

As imagens são três diálogos, cada um deles com um argumento e com um contra-argumento, que apela a um bem maior (absoluto): Deus! A palavra “Deus” aparece em todos os contra-argumentos de Jesus contra as tentações. Curiosamente, o texto não aponta nenhum ganho em Jesus se atirar do pináculo do templo abaixo, nem diz para que é que ele quereria possuir todos os reinos do mundo. Percebe-se, por estes três diálogos, que as tentações de Jesus não são sobre “coisas”, mas sobre processos. Jesus sempre quis uma coisa boa: a conversão das pessoas e da sociedade à santidade de Deus, ao “Reinado de Deus”. Esta era a sua missão. Mas, dada a dificuldade dessa missão, foi tentado a seguir outros caminhos que não os de “Deus” para lá chegar.

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II. Meditatio

1. Jesus foi tentado a impor-se pelo seu poder de Deus. É com isso que o diabo o tenta quando lhe diz: “se és o filho de Deus, diz…” e as coisas acontecem! (1.ª tentação).

2. Jesus foi tentado a obrigar Deus a agir na base do compromisso do próprio Deus: como o Diabo lhe lembra, no texto sagrado “está escrito” que Deus age com poder extraordinário a favor dos homens. Se Deus se comprometeu, agora que cumpra! (2.ª tentação). É a tentação de instrumentalizar Deus, ou mais simplesmente, a tentação de desistir, assacando à inoperância de Deus a responsabilidade pelo sofrimento, pelo mal, pelo pecado.

3. Foi tentado a “trocar de Deus”, recorrendo aos poderes mundanos de outras pessoas que eventualmente estivessem dispostas a colaborar com ele, desde que ele as adulasse, as endeusasse (3.ª tentação). O Diabo é claríssimo: tudo te dou, “se me adorares”. É a velhíssima tentação de adorar falsos deuses, que dão respostas imediatas.

Se quisermos resumir as imagens de Mateus em palavras mais da cultura ocidental, podemos dizer que Jesus teve três espécies de tentação: agir com a força de Deus, fugindo às limitações da sua natureza humana; instrumentalizar Deus, obrigando-O a agir na sua vez; trocar de Deus, arranjando um “deus” que lhe resolvesse os problemas sem lhe dar tanto trabalho e sofrimento. E tudo isto, sempre com o objetivo de transformar o Mundo e a História em Reinado de Deus! Contra todas estas tentações a resposta de Jesus foi pôr a vontade de Deus acima das suas próprias limitações e cumprir fielmente essa vontade.

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E essas são as nossas tentações: ser deuses; instrumentalizar Deus; adorar outros deuses! Por exemplo, na vida estou sempre a fazer escolhas. Como é que trato Deus nessas escolhas: não preciso d’Ele para nada?; tento obrigá-Lo a agir em meu favor?; procuro o favor de outros poderes que me parecem mais eficazes?; ponho o respeito pela Sua vontade como primeiro critério para tomar as minhas decisões?

Todos os lugares e todas as situações em que nós estamos, na nossa vida concreta, são lugares de graça e lugares de pecado. Passa pelo meu coração e pelo meu agir a sua conversão constante em lugares e situações de mais graça e de menos pecado: mais graça e menos pecado na família, no trabalho, nas relações sociais, na vida pública, na vida paroquial… Assim, já não se trata só de meras escolhas ocasionais; trata-se de uma vigilância permanente sobre a minha própria situação de graça e de pecado, de modo a colocar-me persistentemente em estado de conversão. Vivo em “estado de conversão”?

O pecado resultante da queda nas tentações não tem só repercussões pessoais, mas também sociais. Não faltam à nossa volta situações em que se vê o sofrimento e a dor provocados pelo pecado: por exemplo, a corrupção, que tanto prejudica os mais fracos, é o pecado que resulta da tentação de trocar de Deus. E por aí fora: o desprezo e a exploração dos mais fracos, o racismo, as guerras, a pobreza, a droga, o tráfico de seres humanos, os boatos que destroem a dignidade das pessoas, em tudo isso está um processo em que alguém tomou o lugar de Deus ou trocou de Deus. Mas também a indiferença com que muitos reagem diante de toda essa situação é ela própria o “pecado de omissão”, fruto daquela tentação de obrigar Deus a agir, porque isso não é causa nossa, mas d’Ele. Como nos sentimos, como

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cristãos, diante deste “mundo marcado pelo pecado”? Como podemos agir nele para o tornarmos mais santo?

Para as duas primeiras tentações, Jesus encontrou um argumento na Escritura! É sempre possível justificar-se diante de si, dos outros e de Deus com a religião, deixando de procurar sempre o bem maior, a vontade última de Deus. Os fins não justificam todos os meios. E há argumentos revestidos de uma capa de santidade e legitimidade que, todavia, são tentações para o pecado. É preciso que os meios sejam igualmente bons à luz da verdade que reside em Deus. Nesta Quaresma, caminhemos na verdade.

III. OratioPai Santo,quero alimentar a minha vida com toda a Palavra que sai da Tua bocae não só com a palavra que me convém. Ajuda-me a discernir em cada momento o bem maior e a comprometer-me com ele na humildade. Ajuda-me a acolher, com reconhecimento,a palavra maternal da Igreja. E ajuda-me na missão de levar a tua Palavraa todos os homens.

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Pai de Misericórdia,que eu nunca Te ponha à prova,que eu nunca Te reduza a “uma coisa útil”,que eu nunca descarregue sobre Tias frustrações das causas perdidasou a revolta das minhas limitações de criatura.E que nunca deixe de crer que, todavia,com a força do Espírito Santo,Tu ages poderosamente na minha fraquezasempre que me ponho nas Tuas mãoscom toda a disponibilidade para servir os homens e o mundocomo fez teu Filho Jesus.

Senhor, Pai Eterno,que apenas diante de Ti, do Teu Filho Jesuse do Espírito Santodobre meu joelhoem adoração e culto.

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IV. Actio

1. Não tomarei o lugar de Deus. Quero propor-me firmemente a ser honesto em tudo o que são “contas”: no pagamento dos serviços que me são prestados, no pagamento dos impostos, no combate à economia paralela, nos preços dos serviços que presto?

2. Não obrigarei Deus a agir por mim. Que contributo posso e quero dar para melhorar algo da vida na nossa paróquia?

3. Não trocarei de Deus. Quero colocar-me com toda a verdade diante do amor misericordioso de Deus, no sacramento da Reconciliação?

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DOMINGO II DA QUARESMA

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I – Lectio

Mt 17, 1-9Naquele tempo,Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão,e levou-os, em particular, a um alto montee transfigurou-Se diante deles:o seu rosto ficou resplandecente como o sol,e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele.Pedro disse a Jesus:«Senhor, como é bom estarmos aqui!Se quiseres, farei aqui três tendas:uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».Ainda ele falava,quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra,e da nuvem uma voz dizia:«Este é o meu Filho muito amado,no qual pus toda a minha complacência.Escutai-O».Ao ouvirem estas palavras,os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito.

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Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse:«Levantai-vos e não temais».Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus.Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem:«Não conteis a ninguém esta visão,até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».

O texto que hoje nos é proposto para meditação (Mt 17,1-9) faz parte de uma secção do evangelho de Mateus (Mt 16,21-20,34) dedicada ao discipulado; esta autêntica catequese realça a figura do discípulo como aquele que segue Jesus até à cruz.

Jesus fez um primeiro anúncio da paixão (Mt 16,21-23) e explicitou as atitudes do discípulo – renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e segui-lo incondicionalmente (Mt 16, 24-28). Jesus é tão claro quanto exigente – “quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrá-la-á” (Mt 16, 25).

Os discípulos ficam absolutamente perdidos. Sentem-se desiludidos e desanimados, pois Aquilo que Jesus lhes pede é incompreensível e deita por terra qualquer aspiração de gradeza, honra ou poder. A interrogação paira no espírito do discípulo: vale a pena seguir o mestre?

Neste contexto, Mateus introduz o episódio da transfiguração. É a clarificação que Jesus tem de fazer para animar os seus discípulos e que consiste, apesar do caminho da cruz que foi anunciado como única via do seguimento, na manifestação da sua glória e da sua condição de Filho amado de Deus. Os discípulos de todos os tempos recebem, assim, apesar de todas as suas dúvidas, a garantia de que o

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desafio lançado por Jesus é válido pois vem de Deus e tem na ressurreição o seu pleno sentido e cumprimento.

A narrativa está construída à maneira das teofanias do Antigo Testamento, bem conhecidas dos destinatários do evangelho de Mateus. Teofania significa literalmente manifestação de Deus. Neste relato estão presentes os elementos que compõem as grandes teofanias: o monte, as vestes brilhantes, as aparições, a nuvem, a voz do céu, o medo…, num grande paralelo com Êxodo 24. Para lá da construção literária, fixemo-nos na mensagem teológica: Jesus Cristo é a manifestação de Deus aos homens a quem convida à experiência do discipulado, que passa necessariamente pela cruz.

Detenhamo-nos um pouco mais nalguns elementos apresentados no relato da transfiguração, fundamentais à sua compreensão.

Desde logo o “monte”, lugar do encontro, onde Deus sempre se revela. No evangelho de S. Mateus, sempre que Jesus faz ou diz algo importante, “sobe o monte”: última tentação (Mt 4,8), as bem-aventuranças (Mt 5,1), multiplicação dos pães (MT 15,29), envio dos discípulos depois da ressurreição (Mt 28,16).

O “rosto resplandecente” e a “veste branca” são imagens que afirmam a presença de Deus e remetem para a figura de Moisés, resplandecente, com as tábuas da lei (Ex 34,29). Jesus é o novo Moisés, a revelação definitiva de Deus, o portador da nova Lei. O ambiente indicativo da pessoa de Jesus é confirmado pela “nuvem”, sinal de que Deus acompanha o seu povo (Ex 13,21; 40,35).

Na cena, aparecem duas personagens: Moisés e Elias, que representam a Lei e os Profestas, isto é, as Escrituras, à luz das quais se conhece e entende Jesus. O texto sagrado oferece a chave de reconhecimento do enviado do Pai. Recordemos que a catequese judaica indicava a aparição do messias no dia do Senhor, quando, em

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definitivo, se manifestasse a salvação (Dt 18,15-18; Mal 3,22-23). Esta manifestação é confirmada pela voz que se faz ouvir da nuvem; é a voz de Deus que atesta: “este é o meu Filho muito amado… escutai-o” (Mt 17,5).

Diante de tão inusitado acontecimento, revelador da majestade de Deus e do seu poder, o temor apodera-se de Pedro, Tiago e João, numa reação muito humana, também sinal de descrença, de dúvida.

Servindo-se de todas estas imagens, S. Mateus afirma que os discípulos, num momento particular da sua vida, foram introduzidos no mundo de Deus e tiveram uma iluminação que lhes deu a entender a verdadeira identidade de Jesus e da sua missão. Fica claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é o Messias anunciado e esperado por Israel. Ele é o novo Moisés, através de quem Deus dá ao seu povo a Nova Lei e celebra a nova Aliança. Da ação libertadora de Jesus, agora indicada, nasce o novo Povo de Deus, que nós integramos, por graça de Deus, em Igreja.

O relato da transfiguração só pode entender-se na perspetiva da ressurreição. Assim bem o entendem as Igrejas do Oriente que chamam à festa da Transfiguração, celebrada a 6 de agosto, a “Páscoa de verão”. O silêncio imposto por Jesus assim o confirma; só a ressurreição permite compreender tão extraordinária visão. A expressão de Pedro “que bom é estarmos aqui” (Mt 17,4), remete-nos para essa quietude dos discípulos resistentes a uma caminhada de compromisso com Jesus, de transfiguração como um ver mais longe e mais profundamente, como um desafio claro à vida concreta rumo à eternidade. Querer deter-se, nesse momento, na revelação gloriosa, sem passar pela via dolorosa é não entender a condição de discipulado. Por isso Jesus nem comenta as palavras de Pedro. Escutar a voz do Filho muito amado é deixar-se envolver nesse amor eterno de Jesus, fazer caminho e experimentá-lo no compromisso diário.

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II. Meditatio

1. A transfiguração, narrada por S. Mateus, está centrada na revelação da identidade de Jesus, como o Filho amado do Pai, que vem concretizar o projeto libertador de salvação, mediante o dom da sua vida oferecida por amor na cruz, e a quem é necessário escutar. Neste itinerário quaresmal, a inquietação fundamental, que suscita a nossa reflexão e contínua conversão, resume-se à pergunta que cada um de nós fará: quem é Jesus para mim? Podemos concretizá-la, perguntando mesmo: Que lugar ocupa na minha vida? Que tempo dedico à escuta da sua Palavra?

2. Diante da experiência extraordinária da transfiguração, Pedro pretende ficar no cimo do monte e representa cada um de nós, na tentação de um alheamento da realidade concreta do mundo e da vida. Queremos seguir Jesus mas por um caminho sem compromisso, sem obstáculos, sem sofrimento, sem cruz… Quando sinto o peso da cruz, qual a minha reação? Quero montar tenda algures fora da minha vida ou olho para a cruz e vejo nela a passagem para a ressurreição?

3. Nesta experiência intensa, ilustrada pela transfiguração, três discípulos acompanharam Jesus. O seguimento de Jesus sempre nos aponta para a partilha da fé recebida, vivida e celebrada em Igreja, com assumido sentido de pertença. Vivo a minha fé como posse individualista ou numa partilha eclesial, concretizada na minha comunidade paroquial e diocesana?

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III. Oratio

Senhor Jesus,Filho amado do Pai,rosto visível de Deus,que na transfiguração revelaste a tua verdadeira identidadee ensinaste a Pedro, Tiago e João o significado da condição de discípulo teu,fortalece a nossa fé para te encontrarmos cada vez mais profundamente,para nos deixarmos iluminar pela luz da tua palavrae para termos a coragem de descer do montecomprometendo-os, sem medo, com a vida.Nunca permitas que as provações desta vida sejam demasiado pesadase nos afastem do horizonte glorioso da tua ressurreição.A ti, que és Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo,honra, louvor e glória pelos séculos sem fim. Ámen

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IV. Actio

1. Em cada dia desta semana vou dedicar 10 minutos à leitura da Palavra de Deus, procurando interiorizar a mensagem que ela me suscita.

2. Porque a vivência da fé é um compromisso determinado com a vida concreta, vou lembrar alguns momentos mais difíceis que tenha experimentado recentemente e avaliar as minhas reações. Foram sinal dum olhar posto na ressurreição?

3. Cada batizado é membro da Igreja de Jesus Cristo, presente em cada comunidade cristã (Paróquia, Diocese). Vou elencar as expressões concretas da minha vida que ilustram a minha pertença e amor à Igreja. Se ando um pouco mais afastado, vou esforçar-me por uma maior integração e compromisso comunitários.

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DOMINGO III DA QUARESMA

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I. LectioJo 4, 5-42

Naquele tempo,chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar,junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José,onde estava o poço de Jacob.Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço.Era por volta do meio-dia.Veio uma mulher da Samaria para tirar água.Disse-lhe Jesus: «Dá-Me de beber».Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.Respondeu-Lhe a samaritana:«Como é que Tu, sendo judeu,me pedes de beber, sendo eu samaritana?».De facto, os judeus não se dão com os samaritanos.Disse-lhe Jesus:«Se conhecesses o dom de Deuse quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’,tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».Respondeu-Lhe a mulher:«Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo:donde Te vem a água viva?

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Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob,que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu,com os seus filhos e os seus rebanhos?».Disse-Lhe Jesus:«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede.Mas aquele que beber da água que Eu lhe dernunca mais terá sede:a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascenteque jorra para a vida eterna».«Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água,para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la».Disse-lhe Jesus:«Vai chamar o teu marido e volta aqui».Respondeu-lhe a mulher: «Não tenho marido».Jesus replicou:«Disseste bem que não tens marido,pois tiveste cinco,e aquele que tens agora não é teu marido.Neste ponto falaste verdade».Disse-lhe a mulher:«Senhor, vejo que és profeta.

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Os nossos antepassados adoraram neste monte,e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».Disse-lhe Jesus:«Mulher, acredita em Mim:Vai chegar a horaem que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.Vós adorais o que não conheceis;nós adoramos o que conhecemos,porque a salvação vem dos Judeus.Mas vai chegar a hora – e já chegou –em que os verdadeiros adoradoreshão de adorar o Pai em espírito e verdade,pois são esses os adoradores que o Pai deseja.Deus é espírito,e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade».Disse-Lhe a mulher:«Eu sei que há de vir o Messias,isto é, Aquele que chamam Cristo.Quando vier, há de anunciar-nos todas as coisas».Respondeu-lhe Jesus:«Sou Eu, que estou a falar contigo».Nisto, chegaram os discípulos

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e ficaram admirados por Ele estar a falar com aquela mulher,mas nenhum deles Lhe perguntou:«Que pretendes?», ou então: «Porque falas com ela?».A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos:«Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz.Não será Ele o Messias?».Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus.Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo:«Mestre, come».Mas Ele respondeu-lhes:«Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis».Os discípulos perguntavam uns aos outros:«Porventura alguém Lhe trouxe de comer?».Disse-lhes Jesus:«O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me envioue realizar a sua obra.Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da colheita?Pois bem, Eu digo-vos:Erguei os olhos e vede os campos, que já estão loiros para a ceifa.Já o ceifeiro recebe o salário

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e recolhe o fruto para a vida eternae, deste modo, se alegra o semeador juntamente com o ceifeiro.Nisto se verifica o ditado:‘Um é o que semeia e outro o que ceifa’.Eu mandei-vos ceifar o que não trabalhastes.Outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho».Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus,por causa da palavra da mulher, que testemunhava:«Ele disse-me tudo o que eu fiz».Por isso os samaritanos, quando vieram ao encontro de Jesus,pediram-Lhe que ficasse com eles.E ficou lá dois dias.Ao ouvi-l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher:«Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos.Nós próprios ouvimose sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».

RELAÇÕES ENTRE ISRAELITAS E SAMARITANOS

A passagem bíblica do encontro de Jesus com esta mulher (cujo nome não sabemos), acontece nas terras da Samaria.

As relações entre judeus e samaritanos eram de grande animosidade. Essa relação difícil tinha tido origem em diversos momentos.

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Quando a Samaria resistiu à invasão Assíria, após a queda da cidade, os Assírios, como castigo pela resistência deportaram uma parte da população para a Assíria e colocaram colonos na Samaria que iniciaram um processo de miscigenação e paganização. Tal processo levou a que os judeus da Judeia já não considerassem os samaritanos judeus verdadeiros, mas pagãos.

As relações tornaram-se mais complicadas depois do regresso do Exílio da Babilónia. Os Samaritanos quiseram ajudar à reconstrução do templo de Jerusalém, mas os exilados regressados não aceitaram a ajuda. Este facto levou a que os Samaritanos construíssem um templo para eles no Monte Garizim, que ao tempo de Jesus já não existia, embora, o monte ainda fosse o lugar de oração para Samaritanos.

Por fim, a tentativa de profanação do templo de Jerusalém por Samaritanos, pouco antes do nascimento de Jesus, levou a que as relações fossem definitivamente cortadas.

A SIMBOLOGIA DO POÇO

O poço, nas culturas do médio-oriente antigo, era o lugar do encontro. Por ser um lugar fresco e com água, junto dos quais haveria vegetação, era o lugar onde paravam as caravanas de mercadores, onde se estabeleciam relações comerciais, onde se faziam contratos; era também o lugar por excelência dos namoros que, depois, acabavam em casamento. Era também o lugar das festas e dos convívios, porque era o lugar da vida.

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Um poço, numa região geográfica onde a água não é abundante, torna-se num elemento central e fundamental à sobrevivências das comunidades que dele dependem.

CONVERSAR A SÓS COM UMA MULHER

Um outro elemento importante a ter em conta neste trecho, prende-se com o facto de Jesus conversar a sós com uma mulher. Tal era altamente reprovado pelos rabis que ensinavam que quando um judeu se encontrasse com uma mulher sozinha, só lhe deveria dirigir a palavra em caso de extrema necessidade; e mesmo nesta circunstância, conversa reduzir-se-ia ao inevitável.

II. Meditatio

Propomos agora três pontos para a nossa meditação.

1. “Vai chegar a hora, e é já...” - COMUNHÃO

Jesus anuncia um tempo que já chegou. Esse tempo está ligado ao estilo de “religião” que se inaugura. “Vai chegar a hora, e é já, quem nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai”. Jesus anuncia tempos novos em que a verdadeira religião é aquela que começa a acontecer no coração do homem. Este passa a ser o santuário do encontro do homem e da mulher com Deus. A uma religião de rituais e ritualista/formal, Jesus convida a uma religião em espírito e verdade. Uma religião que vence todas as barreiras da cultura e das inimizades, porque se torna

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verdadeiramente universal: “não há judeu nem grego, nem escravo nem homem livre”, mas todos formamos o Corpo do Senhor.

Esta nova religião aparece como um grande desafio a contemplarmos a Igreja como a Casa de todos, um espaço verdadeiramente inclusivo onde cada homem e cada mulher, se sintam de facto filhos de Deus, amados, acolhidos e integrados. Não é a casa dos perfeitos, não é casa dos puros, não é casa dos “santos”, mas a família daqueles que se sentem amados por Deus e desafiados a amar os irmãos. Essa hora já chegou... é a nossa hora... é o aqui e agora, a oportunidade que Deus nos dá para fazer comunhão.

A Quaresma é o grande retiro da Igreja, a hora que somos convidados a viver como oportunidade de olhar a grande família que o Senhor nos convida a construir. Nesta grande família a diversidade torna-se riqueza e a diferença desafio à comunhão.

2. “Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz” - CONVERSÃO

O encontro com Jesus ajuda-nos a contemplar a verdade da nossa vida. Jesus mostra à Samaritana tudo o que ela tinha feito. O encontro com Jesus é verdadeiramente iluminador das zonas mais sombrias da nossa existência, que teimamos em não querer ver e às vezes até em negar. Mas a luz de Jesus, para além de iluminar as zonas sombrias, faz-nos contemplar um mundo de novas oportunidades que podemos abraçar. A Samaritana descobriu em Jesus o Messias que todos esperavam e que vinha para salvar o povo. Ela descobriu em Jesus Aquele que não condena, mas que reabilita; Aquele que não aponta, mas que acolhe. O sentir-se amado é o grande desafio à transformação da vida, à metanóia.

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O tempo de Quaresma é a oportunidade que o Senhor concede à sua Igreja de seguir por um caminho novo. Somos desafiados a contemplar tudo o que fizemos, para acolher aquilo que o Senhor nos convida a fazer. A verdadeira comunhão, fundamento da catolicidade da Igreja, constrói-se na experiência da conversão de cada um de nós, das nossas verdades pessoais, à Verdade do Evangelho.

3. “Eu é que darei a água viva!” - VIDA NOVA

A Samaritana vinha para buscar água para matar a sede física, mas Jesus promete-lhe uma outra água, a água viva que sacia outra sede mais profunda: a sede do coração. Essa água é o próprio Espírito de Jesus que no nosso interior clama: “Abbá, Pai!”.

Essa água recorda-nos o baptismo que nos fez entrar na comunidade cristã e que nos tornou filhos adoptivos. Pelo baptismo, recebemos uma vida nova, um gérmen de eternidade, que em cada dia, quer crescer dentro de nós e invadir a totalidade da nossa existência e das nossas potencialidades. Essa água é vida interior que, quanto mais “escavamos” por dentro de nós, maior torrente adquire, até se tornar uma fonte de água viva a “jorrar para a eternidade”.

A Quaresma convida-nos a recordar o nosso baptismo; a reavivar o dom de vida nova que nele recebemos; a descobrir no mais íntimo do nosso coração essa torrente de eternidade que nos faz membros da Igreja e que desafia à transformação do mundo e da realidade.

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III. Oratio

Senhor Jesus, Fonte da água viva,Tu vens à nossa existência, às nossas experiências de fome e de sede.Como outrora, à Samaritanatambém nos fazes contemplar a nossa verdade e fragilidadee nos dizes tudo o que fizemos.Vem, neste tempo de Quaresma, à nossa intimidade,e faz-nos construtores de comunhão;abre-nos o coração à experiência da conversão;e faz que do nosso interior jorre uma torrente de água viva,a dar vida ao mundo que nos rodeia.Tu que és Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo.Ámen.

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IV. Actio

Comunhão

A comunhão acontece no acolhimento da diversidade, não como ameaça, mas como desafio e oportunidade. Propomos que ao longo desta semana procurem contemplar as pessoas da vossa comunidade; contemplar os que pensam de maneira diferente; os que se nos opõem objetivamente e tentar descobrir a riqueza dessa diferença e agradecê-la ao Senhor. Não condenar, mas acolher.

Conversão

Em nós, há áreas de luz e de sombra. Propomos também que ao longo desta semana se escolha, pessoalmente, um aspeto que se sinta especialmente desafiado a trabalhar (a relação com alguém; um aspeto do trabalho; uma dimensão da formação; um sentimento interior; ...) e que ao longo da semana procure, com a ajuda do Senhor, transformá-lo à luz do Evangelho.

Vida Nova

A vida nova é a vida de Deus que acolhemos, especialmente na oração. Ao longo desta semana propomos também a definição de um tempo de oração diário ao qual procuraremos ser fiéis. Propomos 15 minutos dedicados exclusivamente a aprofundar a vida de Jesus que levamos em nós.

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DOMINGO IV DA QUARESMA

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I. Lectio

Jo 9, 1-41Naquele tempo,Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença.Os discípulos perguntaram-Lhe:«Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego?Ele ou os seus pais?».Jesus respondeu-lhes:«Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais;mas aconteceu assimpara se manifestarem nele as obras de Deus.É preciso trabalhar, enquanto é dia,nas obras d’Aquele que Me enviou.Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar.Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo».Dito isto, cuspiu em terra,fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.Depois disse-lhe:«Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado».Ele foi, lavou-se e ficou a ver.Entretanto, perguntavam os vizinhos

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e os que antes o viam a mendigar:«Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?».Uns diziam: «É ele».Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele».Mas ele próprio dizia: «Sou eu».Perguntaram-lhe então:«Como foi que se abriram os teus olhos?».Ele respondeu:«Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo,ungiu-me os olhos e disse-me:‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’.Eu fui, lavei-me e comecei a ver».Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?».O homem respondeu: «Não sei».Levaram aos fariseus o que tinha sido cego.Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodoe lhe tinha aberto os olhos.Por isso, os fariseus perguntaram ao homemcomo tinha recuperado a vista.Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos;depois fui lavar-me e agora vejo».Diziam alguns dos fariseus:

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«Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado».Outros observavam:«Como pode um pecador fazer tais milagres?».E havia desacordo entre eles.Perguntaram então novamente ao cego:«Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?».O homem respondeu: «É um profeta».Os judeus não quiseram acreditarque ele tinha sido cego e começara a ver.Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes:«É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego?Como é que ele agora vê?».Os pais responderam:«Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego;mas não sabemos como é que ele agora vê,nem sabemos quem lhe abriu os olhos.Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».Foi por medo que eles deram esta resposta,porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagogaquem reconhecesse que Jesus era o Messias.Por isso é que disseram:«Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego

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e disseram-lhe: «Dá glória a Deus.Nós sabemos que esse homem é pecador».Ele respondeu: «Se é pecador, não sei.O que sei é que eu era cego e agora vejo».Perguntaram-lhe então:«Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?».O homem replicou:«Já vos disse e não destes ouvidos.Porque desejais ouvi-lo novamente?Também quereis fazer-vos seus discípulos?».Então insultaram-no e disseram-lhe:«Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés.Nós sabemos que Deus falou a Moisés;mas este, nem sabemos de onde é».O homem respondeu-lhes:«Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é,mas a verdade é que Ele me deu a vista.Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores,mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade.Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhosa um cego de nascença.Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».Replicaram-lhe então eles:

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«Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?».E expulsaram-no.Jesus soube que o tinham expulsadoe, encontrando-o, disse-lhe:«Tu acreditas no Filho do homem?».Ele respondeu-Lhe:«Quem é, Senhor, para que eu acredite n’Ele?».Disse-lhe Jesus:«Já O viste: é quem está a falar contigo».O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou:«Eu creio, Senhor».Então Jesus disse:«Eu vim a este mundo para exercer um juízo:os que não veem ficarão a ver;os que veem ficarão cegos».Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe:«Nós também somos cegos?».Respondeu-lhes Jesus:«Se fôsseis cegos, não teríeis pecado.Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’,o vosso pecado permanece».

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Na sequência dos diferentes sinais de João que nos vão sendo apre-sentados, hoje somos confrontados com este desafio colocado pelo Evangelho:

Jesus é a luz do mundo. Ele veio para que os que não veem fiquem a ver. Na cura do cego muitos elementos estão presentes. Fixemos alguns:

a) A doença não é o castigo dos nossos pecados. b) Jesus inicia uma nova criação. Como Deus modela o pó original para

dele emergir a humanidade, agora molda o pó para dar luz e caminho ao cego.

c) Deus quer a participação do homem nessa nova criação. Por isso pede ao cego que se vá lavar à piscina de Siloé.

d) A Boa notícia do evangelho é recebida de diferentes modos. Para os fariseus é pecado porque não cumpre a lei do sábado, para os pais é um assunto do filho e não estão dispostos a problemas, para o cego é a revelação do mistério que o ultrapassa. Com coragem e determinação está disponível para agora seguir o caminho novo de Deus.

e) Os fariseus de todos os tempos sempre olham mais para as regras do que para a misericórdia.

f) O medo dos poderosos pode tornar-se para nós uma fonte de cegueira.g) As discussões estéreis não interessam a Jesus. Ele está preocupado

com as pessoas.h) Jesus está presente para confirmar a fé e dar início a uma vida que

pode agora seguir o Caminho.

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II. Meditatio

Imaginemos toda a fantástica cena que nos é descrita. Procuremos visualizá-la e contemplemos os seus personagens. Se porventura estivesse presente, que personagem sería, ou, doutro modo, com que personagem, de acordo com o que sou e faço, me identifico ou gostaria de me identificar?

Com:

– Jesus que se encontra com o cego de nascença e, duma forma gratuita, lhe abre um futuro de luz e de vida?

– Os discípulos que parecem mais interessados em obter explicações do que o bem do cego?

– O cego que tem este encontro único que não só lhe devolve a luz como lhe abre os caminhos da coragem para o anúncio e proclamação da fé?

– Os fariseus sempre dispostos a julgar os outros segundo as suas regras e incapazes de acolher a novidade de Deus?

– Os pais incapazes da coragem diante do que os outros dizem?

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III. OratioBendito sejas Senhorporque nos dás a tua luz para nos abrirmosaos teus caminhos de liberdade e de serviço.Queremos, contigo, estar perto dos que estão excluídosporque não podem olhar a vida com esperança,nem têm no seu horizonte a luz da tua presença.Queremos estar perto de todos os que na escuridão dos seus problemasnão conseguem descortinar horizontes de vida.Dá-nos a coragem do cego de nascençapara proclamar as tuas maravilhase anunciar o teu amor sem limites.Tu que és o profeta por excelência,liberta-nos do espírito mesquinho das nossas regrasque dificultam a apresentação transparente da tua bondade;liberta-nos do medo de afirmar a tua presença junto dos que não Te conhecem.Dá à tua Igreja o sentido da misericórdia e da ternurapara que não julgue os teus filhos,mas lhes dê a luz da tua ternura e misericórdia.Que a tua Igreja saiba ser tão transparente,que não obscureça, com os seus limites, a luz clara da tua presença.Ámen.

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IV. Actio

1. Durante esta semana procurarei, com o meu testemunho e conselho, ser luz e caminho para os meus irmãos.

2. Estarei particularmente atento a todos os juízos de valor sobre os meus irmãos para que não me torne acusador de ninguém.

3. Procurarei encontrar-me com alguém que me pareça distante da fé para partilhar com ele a minha experiência crente.

4. Repetirei ao longo dos dias a expressão do cego: “Eu creio, Senhor.”

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DOMINGO V DA QUARESMA

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I. LectioJo 11, 1-45

Naquele tempo,estava doente certo homem, Lázaro de Betânia,aldeia de Marta e de Maria, sua irmã.Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfumee Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos.Era seu irmão Lázaro que estava doente.As irmãs mandaram então dizer a Jesus:«Senhor, o teu amigo está doente».Ouvindo isto, Jesus disse:«Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus,para que por ela seja glorificado o Filho do homem».Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente,ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava.Depois disse aos discípulos:«Vamos de novo para a Judeia».Os discípulos disseram-Lhe:«Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te,e voltas para lá?».Jesus respondeu:

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«Não são doze as horas do dia?Se alguém andar de dia, não tropeça,porque vê a luz deste mundo.Mas, se andar de noite, tropeça,porque não tem luz consigo».Dito isto, acrescentou:«O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo».Disseram então os discípulos:«Senhor, se dorme, estará salvo».Jesus referia-se à morte de Lázaro,mas eles entenderam que falava do sono natural.Disse-lhes então Jesus abertamente:«Lázaro morreu;por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá,para que acrediteis.Mas vamos ter com ele».Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros:«Vamos nós também, para morrermos com Ele».Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias.Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros.Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria,para lhes apresentar condolências pela morte do irmão.

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Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar,Marta saiu ao seu encontro,enquanto Maria ficou sentada em casa.Marta disse a Jesus:«Senhor, se tivesses estado aqui,meu irmão não teria morrido.Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus,Deus To concederá».Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará».Marta respondeu:«Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia».Disse-lhe Jesus:«Eu sou a ressurreição e a vida.Quem acredita em Mim,ainda que tenha morrido, viverá;e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá.Acreditas nisto?».Disse-Lhe Marta:«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus,que havia de vir ao mundo».Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria,a quem disse em segredo:

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«O Mestre está ali e manda-te chamar».Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus.Jesus ainda não tinha chegado à aldeia,mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro.Então os judeus que estavam com Maria em casapara lhe apresentar condolências,ao verem-na levantar-se e sair rapidamente,seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar.Quando chegou aonde estava Jesus,Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe:«Senhor, se tivesses estado aqui,meu irmão não teria morrido».Jesus, ao vê-la chorar,e vendo chorar também os judeus que vinham com ela,comoveu-Se profundamente e perturbou-Se.Depois perguntou: «Onde o pusestes?».Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».E Jesus chorou.Diziam então os judeus:«Vede como era seu amigo».Mas alguns deles observaram:«Então Ele, que abriu os olhos ao cego,

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não podia também ter feito que este homem não morresse?».Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo.Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.Disse Jesus: «Tirai a pedra».Respondeu Marta, irmã do morto:«Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».Disse Jesus:«Eu não te disse que, se acreditasses,verias a glória de Deus?».Tiraram então a pedra.Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido.Eu bem sei que sempre Me ouves,mas falei assim por causa da multidão que nos cerca,para acreditarem que Tu Me enviaste».Dito isto, bradou com voz forte:«Lázaro, sai para fora».O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligadurase o rosto envolvido num sudário.Disse-lhes Jesus:«Desligai-o e deixai-o ir».Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria,ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.

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Estamos habituados a apelidar este texto de “ressurreição de Lázaro”, mas não é totalmente correto. A ressurreição, núcleo da nossa fé cristã, é outra coisa, distinta. De facto Lázaro teve apenas a oportunidade de uns anos de vida a mais, mas voltou a morrer. A sua primeira morte não foi uma passagem para a verdadeira vida, a vida eterna, como será a nossa quando um dia morrermos.

Na teologia de S. João, os milagres são chamados “sinais” que apontam para uma realidade mais profunda e ajudam o crente a dar o passo da fé. E este sinal, do despertar de Lázaro do sono da morte, tinha essa finalidade: é o próprio Jesus que diz, repetidamente, porque o realizou: “para que acrediteis”. “Lázaro morreu; por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis.” E mais à frente quando ora ao Pai diz-lhe: “mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste”. O texto termina dizendo que “muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.” Quer dizer que o Sinal funcionou e levou à fé de muitos.

O diálogo entre Marta e Jesus revela bem que este quer ajudar Marta a dar um passo em frente na sua fé na ressurreição. Elas já acreditam, mas a sua perspetiva é apenas numa ressurreição para o último dia, mas Jesus fala do presente dizendo: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá.”

O texto é longo e denso. Começa por dizer que Lázaro está enfermo, para depois falar da morte e sepultura até chegar ao relato do despertar do

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sono da morte ao quarto dia. Pelo meio, revela-se toda a grandeza humana de Jesus que se comove até às lágrimas diante da morte do seu amigo e do sofrimento das suas irmãs. Temos ainda a confissão de Marta da sua fé em Jesus, que sintetiza a fé da Igreja. “Tu és o Messias” (o Cristo), “o Filho de Deus” que havia de vir ao mundo.

O núcleo central do texto está na afirmação de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida”, algo que nos reenvia à revelação do nome de Yavé no Sinai, (Eu sou). O forte grito com que Jesus chama Lázaro do túmulo da morte lembra-nos o chamamento à vida do primeiro Adão e ao mesmo tempo, da entrega do Espírito do novo Adão na cruz.

II. Meditatio

Lendo este texto, somos tocados pelo encanto e beleza da amizade e da familiaridade que existia entre esta família de Lázaro e Jesus. As irmãs, na mensagem que mandam a Jesus, dizem-lhe: “Senhor, o teu amigo está doente”. Marta tem a certeza que “se Jesus estivesse ali” teria feito alguma coisa para que Lázaro não morresse, tal era a certeza da amizade que os ligava. Quando Marta diz a Maria: “O mestre está lá fora e chama-te”: ela levanta-se imediatamente e cai-lhe aos pés dizendo-lhe o mesmo que Marta já lhe tinha dito. E Jesus chora. Então os presentes disseram. “Vede como era seu amigo.”

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Não poderá também a minha família cultivar esta preciosa amizade com Jesus? Poderão os meus vizinhos e amigos dizer acerca da minha casa, da minha família, “vede como são amigos de Jesus?…” Uma amizade com Jesus cultiva-se pelo relacionamento cada vez mais estreito com Ele. A família que reza junta, que medita a Bíblia, que vai à missa ao Domingo e que por amor por Ele, serve a Igreja e pratica o bem e a caridade que Ele nos ensinou, é uma família amiga de Jesus. Porventura sentiremos, com pena, que não somos assim uma família tão perfeita. Mas Jesus sabe que nós não somos perfeitos. O que Ele quer é encontrar famílias que o desejem de todo o coração e que lhe abram as portas do coração e da casa para Ele entrar. Uma família assim amiga, pode esperar que Jesus muitas vezes transforme as lágrimas em alegria, apesar de muitas vezes não evitar que eles sofram, como não evitou a morte de Lázaro. Mas há sempre um bem maior que Ele espera tirar do sofrimento que os seus amigos vivem na fé.

“Lázaro sai para fora”. Este grito de Jesus é o grito daquele que é a Ressurreição e a Vida e que chama os mortos à vida. Quantas vezes já experimentámos que Ele nos estende a mão quando estamos nas trevas e nas sombras do pecado e da desilusão. Sem Ele na nossa vida, sepultamo-nos no vazio e nas trevas. O mistério pascal de morte e ressurreição faz parte de toda a nossa vida. Um dia ouviremos esse grito de uma forma definitiva, quando cansados pelo trabalho, ou pelos anos ou pela doença o nosso corpo repousar na terra. Então, Aquele que é a Vida gritar-nos-á, com poder. “Sai para fora e vive para sempre na minha presença.” Até esse

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dia, poderemos ouvir muitas vezes o convite de Jesus: “Sai para fora do teu pecado”, “sai para fora da tua tristeza e desânimo”, “sai para fora do teu orgulho”, “sai para fora do túmulo vazio em que te deixaste cair pela ambição, pelo amor ao dinheiro, ou pelo ressentimento acumulado que te corrói.” Cada um de nós que se aproxima das festas pascais pode mostrar ao Senhor o túmulo em que se pode encontrar e pedir-lhe que exerça o seu poder divino e nos ressuscite com Ele para uma Vida Nova de liberdade.

Também a ti que fazes esta caminhada quaresmal, é feita a pergunta de Jesus a Marta: “Acreditas nisto?” “Acreditas que eu sou a ressurreição e a Vida e que quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá?” Acreditas que n’Ele a morte foi vencida para sempre e que agora, se vivermos d’Ele, passaremos continuamente da morte à vida? Como Marta, diz a tua fé n’Ele: “Eu creio, Senhor, que tu és o Messias, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo.”

Crer na ressurreição e na vida não significa que não soframos com a partida dos nossos amigos. Somos humanos e a morte é dolorosa. Jesus chorou diante da dor dos seus amigos e da morte de Lázaro. Não tenhamos vergonha de chorar quando sentirmos a saudade de um amigo ou familiar que parte.

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III. Oratio

Senhor, amigo dos homens,que bates à porta de cada um, para que deixando-te entrarTe possas sentar à sua mesa e fazer festa com eles…Entra na nossa casa e no nosso coraçãoe não deixes que jamais nos separemos de ti.Se estiveres connosco e nós contigo, nada temeremos,pois ainda que passemos pelosvales tenebrosos da morte, tu, compadecido,estenderás a tua mão vitoriosa e nos farás participantesda tua Vida imortal.A Ti, Senhor, que estiveste morto e agora vives para sempre,seja dada glória e honrapelos séculos dos séculos.Ámen.

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IV. Actio

1. O que posso fazer para que a minha família se revele mais amiga de Jesus? Uma pequena oração todos os dias juntos? Ir à Eucaristia sempre que possível em família? Fazer uma celebração em família convidando o pároco, e colocar uma imagem da sagrada Família, ou do Coração de Jesus, ou de Nossa Senhora, ou o Crucifixo, onde se veja que esta família lhe é consagrada?

2. Estamos a pouco tempo da celebração dos mistérios pascais que têm o seu ponto alto no tríduo e sobretudo na vigília pascal. Tenta inteirar-te dos horários do tríduo pascal na tua paróquia, fala nisso, em família ou em grupo, e organizem-se para participar nas celebrações mais importantes de todo o ano litúrgico.

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DOMINGO DE RAMOSNA PAIXÃO DO SENHOR

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I. LectioMt 26, 14 – 27, 66

Naquele tempo, um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes:«Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?».Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. E a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe:«Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?».Ele respondeu:«Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’».Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado e prepararam a Páscoa.Ao cair da noite, sentou-Se à mesa com os Doze.

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Enquanto comiam, declarou:«Em verdade vos digo: Um de vós há de entregar-Me».Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar-Lhe:«Serei eu, Senhor?».Jesus respondeu:«Aquele que meteu comigo a mão no prato é que há de entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido».Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou:«Serei eu, Mestre?».Respondeu Jesus:«Tu o disseste».Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:«Tomai e comei: Isto é o meu corpo».

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Tomou em seguida um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo:«Bebei dele todos, porque este é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado pela multidão, para remissão dos pecados.Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira, até ao dia em que beberei convosco o vinho novo no reino de meu Pai».Cantaram os salmos e seguiram para o monte das Oliveiras.Então, Jesus disse-lhes:«Todos vós, esta noite, vos escandalizareis por minha causa, como está escrito: ‘Ferirei o pastor. e dispersar-se-ão as ovelhas do rebanho’. Mas, depois de ressuscitar, preceder-vos-ei a caminho da Galileia».Pedro interveio, dizendo:«Ainda que todos se escandalizem por tua causa, eu não me escandalizarei».Jesus respondeu-lhe:«Em verdade te digo:

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Esta mesma noite, antes de o galo cantar, Me negarás três vezes».Pedro disse-lhe:«Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».E o mesmo disseram todos os discípulos. Então, Jesus chegou com eles a uma propriedade, chamada Getsémani, e disse aos discípulos:«Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar».E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes então:«A minha alma está numa tristeza de morte. Ficai aqui e vigiai comigo».E, adiantando-Se um pouco mais, caiu com o rosto por terra, enquanto orava e dizia:«Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice. Todavia, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres».Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro:«Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo!

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Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca».De novo Se afastou, pela segunda vez, e orou, dizendo:«Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade».Voltou novamente e encontrou-os a dormir, pois os seus olhos estavam pesados de sono. Deixou-os e foi de novo orar, pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. Veio então ao encontro dos discípulos e disse-lhes:«Dormi agora e descansai. Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos. Aproxima-se aquele que Me vai entregar».Ainda Jesus estava a falar, quando chegou Judas, um dos Doze, e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. O traidor tinha-lhes dado este sinal:

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«Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-O».Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse-Lhe:«Salve, Mestre!».E beijou-O. Jesus respondeu- lhe:«Amigo, a que vieste?».Então avançaram, deitaram as mãos a Jesus e prenderam-n’O. Um dos que estavam com Jesus levou a mão à espada, desembainhou-a e feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe uma orelha. Jesus disse-lhe:«Mete a tua espada na bainha, pois todos os que puxarem da espada morrerão à espada. Pensas que não posso rogar a meu Pai que ponha já ao meu dispor mais de doze legiões de Anjos? Mas como se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim tem de acontecer?».Voltando-Se depois para a multidão, Jesus disse:«Viestes com espadas e varapaus para Me prender como se fosse um salteador! Eu estava todos os dias sentado no templo a ensinar

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e não Me prendestes ... Mas, tudo isto aconteceu para se cumprirem as Escrituras dos profetas».Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram.Os que tinham prendido Jesus levaram-n’O à presença do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos se tinham reunido. Pedro foi-O seguindo de longe, até ao palácio do sumo sacerdote. Aproximando-se, entrou e sentou-se com os guardas, para ver como acabaria tudo aquilo. Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho falso contra Jesus para O condenarem à morte, mas não o encontravam, embora se tivessem apresentado muitas testemunhas falsas. Por fim, apresentaram-se duas que disseram:«Este homem afirmou: ‘Posso destruir o templo de Deus e reconstruí-lo em três dias’».Então o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus:«Não respondes nada?

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Que dizes ao que depõem contra Ti?».Mas Jesus continuava calado. Disse-Lhe o sumo sacerdote:«Eu Te conjuro pelo Deus vivo, que nos declares se és Tu o Messias, o Filho de Deus».Jesus respondeu-lhe:«Tu o disseste. E Eu digo-vos: vereis o Filho do homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu».Então o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo:«Blasfemou. Que necessidade temos de mais testemunhas? Acabais de ouvir a blasfémia. Que vos parece?».Eles responderam:«É réu de morte».Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe punhadas. Outros esbofeteavam-n’O, dizendo:«Adivinha, Messias: quem foi que Te bateu?».Entretanto, Pedro estava sentado no pátio. Uma criada aproximou-se dele e disse-lhe:

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«Tu também estavas com Jesus, o galileu».Mas ele negou diante de todos, dizendo:«Não sei o que dizes».Dirigindo-se para a porta, foi visto por outra criada que disse aos circunstantes:«Este homem estava com Jesus de Nazaré».E, de novo, ele negou com juramento:«Não conheço tal homem».Pouco depois, aproximaram-se os que ali estavam e disseram a Pedro:«Com certeza tu és deles, pois até a fala te denuncia».Começou então a dizer imprecações e a jurar:«Não conheço tal homem».E, imediatamente, um galo cantou. Então, Pedro lembrou-se das palavras que Jesus dissera: «Antes de o galo cantar, tu Me negarás três vezes». E, saindo, chorou amargamente. Ao romper da manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram em conselho contra Jesus, para Lhe darem a morte.Depois de Lhe atarem as mãos,

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levaram-n’O e entregaram-n’O ao governador Pilatos. Então Judas, que entregara Jesus, vendo que Ele tinha sido condenado, tocado pelo remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:«Pequei, entregando sangue inocente».Mas eles replicaram:«Que nos importa? É lá contigo».Então arremessou as moedas para o santuário, saiu dali e foi-se enforcar. Mas os príncipes dos sacerdotes apanharam as moedas e disseram:«Não se podem lançar no tesouro, porque são preço de sangue».E, depois de terem deliberado, compraram com elas o Campo do Oleiro, que servia para a sepultura dos estrangeiros. Por este motivo se tem chamado àquele campo, até ao dia de hoje, «Campo de Sangue». Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta: «Tomaram trinta moedas de prata, preço em que foi avaliado

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Aquele que os filhos de Israel avaliaram, e deram-nas pelo Campo do Oleiro, como o Senhor me tinha ordenado».Entretanto, Jesus foi levado à presença do governador, que Lhe perguntou:«Tu és o rei dos judeus?».Jesus respondeu:«É como dizes».Mas, ao ser acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. Disse-Lhe então Pilatos:«Não ouves quantas acusações levantam contra Ti?».Mas Jesus não respondeu coisa alguma, a ponto de o governador ficar muito admirado. Ora, pela festa da Páscoa, o governador costumava soltar um preso, à escolha do povo. Nessa altura, havia um preso famoso, chamado Barrabás. E, quando eles se reuniram, disse-lhes Pilatos:«Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?».Ele bem sabia que O tinham entregado por inveja.

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Enquanto estava sentado no tribunal, a mulher mandou-lhe dizer:«Não te prendas com a causa desse justo, pois hoje sofri muito em sonhos por causa d’Ele».Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. O governador tomou a palavra e perguntou-lhes:«Qual dos dois quereis que vos solte?».Eles responderam:«Barrabás».Disse-lhes Pilatos:«E que hei de fazer de Jesus, chamado Cristo?».Responderam todos:«Seja crucificado».Pilatos insistiu:«Que mal fez Ele?».Mas eles gritavam cada vez mais:«Seja crucificado».Pilatos, vendo que não conseguia nada e aumentava o tumulto, mandou vir água

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e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo:«Estou inocente do sangue deste homem. Isso é lá convosco».E todo o povo respondeu:«O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos».Soltou-lhes então Barrabás. E, depois de ter mandado açoitar Jesus, entregou-lh’O para ser crucificado. Então os soldados do governador levaram Jesus para o pretório e reuniram à volta d’Ele toda a coorte. Tiraram-Lhe a roupa e envolveram-n’O num manto vermelho. Teceram uma coroa de espinhos e puseram-Lha na cabeça e colocaram uma cana na sua mão direita. Ajoelhando diante d’Ele, escarneciam-n’O, dizendo:«Salve, rei dos judeus!».Depois, cuspiam-Lhe no rosto e, pegando na cana, batiam-Lhe com ela na cabeça. Depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e levaram-n’O para ser crucificado.

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Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus. Chegados a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber. Depois de O terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, e ficaram ali sentados a guardá-l’O. Por cima da sua cabeça puseram um letreiro, indicando a causa da sua condenação: «Este é Jesus, o rei dos judeus». Foram crucificados com Ele dois salteadores, um à direita e outro à esquerda. Os que passavam insultavam-n’O e abanavam a cabeça, dizendo:«Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz».Os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e os anciãos,

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também troçavam d’Ele, dizendo:«Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo! Se é o rei de Israel, desça agora da cruz e acreditaremos n’Ele. Confiou em Deus: Ele que O livre agora, se O ama, porque disse: ‘Eu sou Filho de Deus’».Até os salteadores crucificados com Ele O insultavam. Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra. E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:«Eli, Eli, lemá sabactáni?»,que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?». Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:«Está a chamar por Elias».Um deles correu a tomar uma esponja, embebeu-a em vinagre, pô-la na ponta duma cana e deu-Lhe a beber. Mas os outros disseram:«Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-l’O».E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou.

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Então, o véu do templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos, e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram aterrados e disseram:«Este era verdadeiramente Filho de Deus».Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem. Entre elas encontrava-se Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tinha tornado discípulo de Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. E Pilatos ordenou que lho entregassem.

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José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no seu sepulcro novo, que tinha mandado escavar na rocha. Depois rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro e retirou-se. Entretanto, estavam ali Maria Madalena e a outra Maria, sentadas em frente do sepulcro. No dia seguinte, isto é, depois da Preparação, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus foram ter com Pilatos e disseram-lhe:«Senhor, lembrámo-nos do que aquele impostor disse quando ainda era vivo: ‘Depois de três dias ressuscitarei’. Por isso, manda que o sepulcro seja mantido em segurança até ao terceiro dia, para que não venham os discípulos roubá-lo e dizer ao povo: ‘Ressuscitou dos mortos’. E a última impostura seria pior do que a primeira».Pilatos respondeu:«Tendes à vossa disposição a guarda: ide e guardai-o como entenderdes».Eles foram e guardaram o sepulcro, selando a pedra e pondo a guarda.

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A leitura que hoje nos é proposta é o relato da paixão de Jesus. Na parte final do seu Evangelho, Mateus descreve a rutura final de

Jesus com o judaísmo (cf. Mt 18, 1-25; 46) e o final do caminho de Jesus: a paixão, morte e ressurreição (cf. Mt 26, 1-28; 15). Descreve como o anúncio do Reino choca com a mentalidade da opressão e, portanto, conduz à cruz e à morte.

Ao longo do relato da paixão, Mateus insiste no facto de os aconte-cimentos estarem relacionados com o cumprimento das Escrituras (cf. Mt 26, 24.30.54.56; 27, 9). Mesmo quando não refere explicitamente o cumprimento das Escrituras, Mateus liga os acontecimentos da paixão de Jesus com figuras e factos do Antigo Testamento, a fim de demonstrar que a paixão e morte de Jesus fazem parte do projeto de Deus, previsto desde sempre. A explicação para esta insistência no cumprimento das Escrituras deve ser buscada no seguinte facto: Mateus escreve para cristãos que vêm do judaísmo; ele vai, portanto, fazer referência a citações e promessas do Antigo Testamento – conhecidas de cor por todos os judeus – a fim de demonstrar que Jesus era esse Messias anunciado pelos profetas e cujo destino passava pelo dom da vida.

Também Marcos (cf. Mc 14, 47) e Lucas (cf. Lc 22, 50-51) contam como, no Getsemani, na altura em que Jesus foi preso, um dos elementos do grupo de Jesus agrediu com uma espada um servo do sumo-sacerdote. No entanto, só Mateus apresenta Jesus a condenar explicitamente o gesto, explicando que o projeto do Pai não passa pela violência, mesmo contra os agressores

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(cf. Mt 26, 51-54). O caminho do Pai passa pelo amor e pelo dom da vida; por isso, os discípulos de Jesus não podem recorrer à violência, mesmo que se trate de defender uma causa justa. Este ensinamento tem, neste contexto, uma força especial: é quando Jesus é vítima inocente da violência que Ele afirma de forma clara a recusa absoluta da violência: o “Reino” de Deus nunca passará por esquemas de violência, de imposição, de poder e de prepotência. Na lógica do “Reino”, os fins nunca justificarão os meios.

Só no Evangelho segundo Mateus aparece o relato da morte de Judas (cf. Mt 27, 3-10). Temos uma outra versão do acontecimento em Act 1, 18-19). O episódio deixa clara a iniquidade do processo e a inocência de Jesus. A forma como Mateus sublinha o desespero e o arrependimento de Judas deixa clara a inocência de Jesus, por um lado e, por outro, o desnorte dos responsáveis pelo processo, empenhados em declinar responsabilidades.

São exclusivos de Mateus o sonho da mulher de Pilatos (cf. Mt 27, 19) e a lavagem das mãos por parte do procurador romano (cf. Mt 27, 24). Estes pormenores aparecem aqui com uma dupla finalidade: por um lado, Mateus quer deixar claro que Jesus é inocente e que os próprios romanos reconhecem o facto; por outro, Mateus sugere que não foi o império romano, mas sim o próprio judaísmo que rejeitou Jesus e a sua proposta de “Reino”. Os pagãos reconhecem a inocência de Jesus; mas o seu próprio Povo rejeita-O.

Também é exclusiva de Mateus a descrição dos factos que acompanharam a morte de Jesus: “o véu do Templo rasgou-se em duas partes, de alto a

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baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade e apareceram a muitos” (Mt 27, 51-53). Através destes elementos, Mateus quer sublinhar a importância do momento. É o tipo de sinais que, segundo a tradição apocalíptica, precederiam a manifestação de Deus, no final dos tempos. Estes sinais mostram que, apesar do aparente fracasso de Jesus, Deus está ali, a manifestar-Se como o salvador e libertador do seu Povo.

Finalmente, só Mateus narra o episódio da “guarda” do sepulcro (cf. Mt 27, 62-66). Provavelmente, o relato de Mateus tem uma finalidade apologética… Para os cristãos, o sepulcro vazio era a evidência de que Jesus tinha ressuscitado; mas alguns grupos judeus puseram a circular o rumor de que o corpo de Jesus tinha sido roubado pelos discípulos. Mateus trata de explicar a origem do rumor e de negá-lo veementemente.

II. Meditatio

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar esse mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem”, e anunciando a proximidade de um mundo

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novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos, não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o “Reino”; e avisou os “ricos” (os poderosos, os instalados), de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.

O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O numa cruz.

E nós, estamos dispostos a renunciar a estes mecanismos egocêntricos por amor de Jesus? Estamos dispostos a arriscar, a desinstalarmo-nos e a aceitar a conversão proposta por Cristo? Ou preferimos julgá-Lo, condená-Lo e pregá-Lo numa cruz, para que Ele nos não incomode mais?

Contemplar a cruz, onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus, significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Olhar

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a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. Estamos dispostos a contemplar deste modo a Cruz de Cristo, com tudo o que ela implica para nós hoje?

III. Oratio

Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Nós Te bendizemos, Senhor Jesus, e confessamo-lo: verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus. Perdão pelas nossas negações, pelas nossas traições, pelas nossas faltas de fé, que semeiam a morte nas nossas existências e no nosso mundo. Nós sabemo-lo: Tu nunca nos abandonas. Pela tua cruz, livra-nos do mal.Ámen.

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IV. Actio

Uma só coisa contava para Jesus: salvar a humanidade, arrancando-a do egoísmo, da violência, do orgulho, da riqueza, da idolatria, de tudo o que leva à morte e à infelicidade… para lhe propor o serviço, o acolhimento, o perdão, a pobreza, tudo o que leva à vida e à felicidade, e que tem um nome: o Amor. Durante toda esta Semana Santa, ergamos os olhos para Cristo na sua Paixão por Deus seu Pai, na paixão pelos homens seus irmãos. Preparemos com tempo o ramo que levaremos para a Eucaristia. Em cada uma das suas hastes prendamos um papel, onde vamos escrever aquilo que queremos que em nós morra e aquilo que queremos que em nós nasça.

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