camera muy very good pra mim trabalhar

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  • 8/19/2019 Camera Muy Very Good Pra Mim Trabalhar

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    “Câmera muy very good pra mim trabalhar”

    IVANA BENTESPesquisadora de cinema e comunicação, professora da Escola de Comunicação da UFRJ,coordenadora adjunta do Curso de Pós Graduação da ECOUFRJ

    Num momento em que as quest!es em torno da pot"ncia das ima#ens $ como forma decon%ecimento e pensamento, como comunicação e estran%amento radical do outro e de si $tornamse decisi&as para se pensar a cultura contempor'nea, o projeto ()deo nas *ldeias,coordenado por +ari Corr"a e (incent Carelli, #an%a uma dimensão sin#ular Para al-m dopioneirismo, esse projeto, que e.iste desde /012, c%e#a em uma etapa decisi&a e radical, aoapresentar, não apenas a produção de &)deos da equipe do projeto so3re os )ndios no 4rasil, masao formar uma #eração de reali5adores ind)#enas que &"m fa5endo uma esp-cie de 6autoetno#rafia7 ou autodocument8rio,em que os próprios )ndios re#istram e editam suas ima#ens,passando de o3jetos a sujeitos do discurso

     *o descolar a c'mera da mão dos antropólo#os e cineastas profissionais e formar reali5adoresind)#enas, a primeira questão que podemos su3lin%ar - a do deslocamento de poder e umarefle.ão decisi&a so3re a produção do sa3er 9uem tem a c'mera tem o comando e a simplesposse pelos )ndios desse instrumento de o3ser&ação,inter&enção e comunicação pode produ5ir umoutro pensamento ou dar &isi3ilidade a uma outra ló#ica &isual e mental

     * e.peri"ncia do projeto com o audio&isual mostra aindaa possi3ilidade de se passar da culturaoral ao audio&isual, sem a necessidade de um dom)nio da cultura letrada, campo por e.cel"ncia dosa3er ocidental, das ci"ncias sociais e da própria antropolo#ia *o introdu5ir o &)deo, uma no&atecnolo#ia, no cotidiano das aldeias, o projeto tam3-m p!e em questão a id-ia de 6pure5a7,6isolamento7, 6conser&ação7 que condenaria essas comunidades m:ltiplas e sin#ulares a umaesp-cie de estado de 6museu7, um museu da %umanidade, lu#ar comum reiterado mesmo entreantropólo#os, indi#enistas e ecolo#istas 

    Em Vídeo nas Aldeias se Apresenta, reali5ado por +ari Corr"a e (incent Carelli ;

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     6 3om con%ecer os outros pela A(7, di5 um )ndio ai8pi diante das primeiras ima#ens que l%esc%e#am da tri3o dos Bo- ;norte do Par8>, re&elando numa frase, a -tica da A( e da janelaeletrHnica em que o mundo &em ao nosso encontro antes mesmo que o desejemos e com toda ase#urança da mediação 

    desse confronto tecnoantropoló#ico que, em O Esp)rito da A(, as mais diferentes funç!es daima#em e do re#istro eletrHnico &ão sur#indo com sua ló#ica própria 6Ião ti&e ima#ens dos meusparentes a#ora, com a A(, os jo&ens &erão os &el%os7 O re#istro do &)deo - um suplemento dememória, meio de transporte 6que tra5 a pessoa e a sua fala7 * tele&isão, &erdadeira terapia e&)cio entre nós, tam3-m tem entre os ai8pi uma função m8#ica@ polter#eister dom-stico, canala3erto que transporta o corpo e os esp)ritos da tela para a realidade e &ice&ersa *ssistindo a umritual m8#ico de outra tri3o, o paj- ai8pi se apressa em montar #uarda diante do aparel%o de A(di5endo@ 6Eles Kos esp)ritosL não &ão passar “Câmera muy very good pra mim trabalhar”daqui,&ieram pela A(, mas não &ão passar7 

    O 5elo pela sua ima#em, a intuição de sua import'ncia, tam3-m se mostra crucial para o #rupofilmado 6Ião queremos que &ejam ima#ens dos )ndios 3"3ados7 6Ião - 3om mostrar que somos

    poucos7 6 3om mostrar que ficamos peri#osos quando 3e3emos, que arrancamos e comemosca3eça de 3ranco, 3em #ostoso7 * ima#em - in&estida e &i&ida em todos os n)&eis, meio derecon%ecimento e estran%amento do outro iante das ima#ens dos Bo-, os ai8pi forjamparentescos e dist'ncias@ 6A"m a mesma fala, a mesma pele, mas os l83ios são diferentes7

     * função peda#ó#ica da ima#em, de re#istro e transmissão de rituais, mitos e %istórias, tam3-maparece Em * *rca dos Bo-, quinto document8rio da s-rie, o &)deo tornase instrumentoantropoló#ico e elo decisi&o no processo de pensamento e con%ecimento Os ai8pi decidemencontrarse com a tri3o que con%eceram pela A(, os Bo- e le&am o &)deo para documentar econfrontar ritos e mitos, numa metaantropolo#ia em que um #rupo passa de o3jeto a sujeito decon%ecimento e&ir antropoló#ico dos próprios )ndios, que colocados numa posição de comando,de produtores das ima#ens de seus 6parentes7 tornamse os o3ser&adores participantes, analistas,6teóricos7 dessa situação 

     * *rca dos Bo- - um dos mais intri#antes tra3al%os so3re o encontro, comunicação eestran%amento entre duas tri3os ind)#enas ;os aiãpi e os Bo->, mediados pela ima#em que crianos aiãpi o desejo de con%ecimento do outro *compan%amos uma e.peri"ncia ori#inal do atode ol%ar em que )ndios de duas tri3os se recon%ecem, se diferenciam, se comparam primeiro pelasima#ens, para depois trocarem impress!es, pala&ras e finalmente o3jetos

    Ia &isita aos parentes, ao constatar que os Bo- andam nus, as mul%eres e os %omens com osór#ãos se.uais ? mostra, o narrador aiãpi, cuja tri3o usa tan#a de pano, fica en&er#on%ado, aprinc)pio, mas lo#o acostuma@ 6Fui dormir com &er#on%a e acordei sem &er#on%a7 *s tantas

    diferenças ;l)n#ua, ornamentos, simpatias, medicina, artefatos> criam a necessidade do narradoraiãpi di5er@ 6Eu tam3-m sou )ndio7 e alertar os 6parentes7 mais isolados so3re um futuro comuma essa condição@ a poluição dos rios pelos 3rancos, a e.ploração dos #arimpeiros, as doenças,epidemias e mortes que podem &ir com o %omem 3ranco, que a tri3o dos Bo- ainda poucocon%ece 

     *s ima#ens da A( tra5em para os Bo- o con%ecimento de peri#os inima#in8&eis, como tratores do#arimpo esca&ando a terra e arrancando 8r&ores, mas tam3-m as ima#ens que fa5em rir dos6parentes7 dançando numa festa em que todos 3e3eram muita caissuma, e modos de &i&er e de

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    fa3ular que disparam sua ima#inaçãoGrandes e pequenas desco3ertas, como o fasc)nio das )ndias pelo pano &ermel%o da tan#a dosaiãpi, o material liso e met8lico da fusela#em de um a&ião monomotor ou a id-ia de troca entreesses i#uaisdiferentes, como na partida final em que se encomendam pano, arco, um p- de3ananeira 

    9uando o aiãpi le&a um Bo- pela mão para &er suas ima#ens na A( e e.plicar o que &"em,sur#e uma no&a dificuldade@ 6Como - tele&isão na nossa l)n#uaM Ião sei7 *s diferenças de 6#rau7entre uma tri3o e outra ;nus ou com tan#a, formas diferentes de caçar, tecer, preparar a comida,etc> se tornam menores diante do #rande outro, 6o 3ranco7, curiosamente o aparato tecnoló#ico, oequipamento que possi3ilita o contato e comunicação entre as tri3os isoladas, passa rapidamentede o3jeto de estran%amento a o3jeto de fascinação e uso cotidiano 

     * tele&isão como rede de troca sim3ólica, a c'mera como mediadora do encontro e desco3erta dooutro #an%a nesse filme um sentido que ser8 desdo3rado nos demais &)deos da s-rie Em

     *ntropofa#ia (isual ;/00N>, (incent Carelli mostra como os )ndios Enau"n" Iau", do norte +atoGrosso, rea#em com performances e encenaç!es, %umor e comicidade, ? c%e#ada dos cineastas

    e da c'mera +ais do que isso, &er A( e &er ficção na A( cria um desejo de encenação eperformance 

     * apropriação da c'mera pelos )ndios - o no&o diferencial desse projeto a o3ser&ação ?participação e inter&enção, esses no&os sujeitos do discurso in&ertem os pontos de &istatradicionais da antropolo#ia, o que marca a no&a fase do projeto que &em formando &ideastas)ndios *o lado do tradicional discurso de den:ncia, em que os próprios )ndios tratam dos seusinteresses, um uso 6instrumental7 do &)deo, &emos sur#ir um desejo de fa3ulação e ficção so3re ocotidiano, um desejo de lin#ua#em

    claro que o processo de formação dos reali5adores ind)#enas, a compreensão do poder das

    ima#ens e o seu dom)nio passam pelo aprendi5ado dos códi#os e formas de narrar e que não %8nada de 6natural7 ou neutro nessa alfa3eti5ação audio&isual, pois são passadas instruç!es precisasso3re corte, planos, construção de um ponto de &ista, construção de um 6persona#em7, etc ois&)deos são importantes para se acompan%ar essa formação e o que ela teria de indutora dalin#ua#em usada@ ndio naA( ;, de (incent Carelli e ()deo nas *ldeias se *presenta, de +ariCorr"a e (incent Carelli ;

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    ois tipos de pro#ramas parecem marcar esse ima#in8rio,na -poca da filma#em, a no&ela das seteU#a U#a, e.i3ida na Glo3o, cujas ima#ens tam3-m passam no telão,em que um )ndio louro deol%os a5uis, 3ranco e forte - apresentado como o 3om sel&a#em a ser ci&ili5ado, e as narrati&as depro#ramas como o Glo3o Repórter 

    iante dessas ima#ens e das ima#ens de tri3os #ra&adas pelo projeto ()deo nas *ldeias al#umasconsideraç!es@ e se as tri3os ti&essem um canal de A( próprioMRecon%ecimento da alteridade ;cultura, costumes>, de lutas ;pelas terras>, mas tam3-m anecessidade da ficçãocomo construção de su3jeti&idade 9uem sa3e uma no&ela só com )ndiosMão propostas que aparecem nos depoimentos 

    Os clic%"s do que - 6ser )ndio7 no nosso ima#in8rio social aparecem de forma 3em maisassustadora em certos depoimentos do ()deo nas *ldeias se *presenta Preconceito social eracial, os )ndios são considerados como pre#uiçosos, inadaptados ao tra3al%o, sel&a#ens,a#ressi&os,infantis, necessitados de tutela e proteção, ou relacionados a tudo o que 6não presta7,uma su3%umanidade destitu)da de encanto ou encarnação do puro e.otismo@ nus ou de tan#a,falando uma l)n#ua incompreens)&el e fa5endo com a 3oca u%T u%T u%T

     

    Esse &)deo - importante como documento da metodolo#ia de formação dos reali5adores ind)#enas,sua desco3erta do que al#uns 3rancos pensam so3re eles, a percepção da ima#em e da c'meracomo lu#ar de poder, de troca, de encontro, e at- o desejo de imitar, fa5er 6o mesmo7 que os3rancos, como o Pro#rama de ndio, feito e e.i3ido na A( de Cuia38 e outras emissoras com)ndios de paletó, #ra&ata e maquia#em, imitando os apresentadores de telejornais 

    O mais interessante, entretanto, - acompan%ar o aprendi5ado da ima#em e da lin#ua#em do&)deo * e.peri"ncia de ol%ar pelo &isor e desco3rir a que dist'ncia do outro ;de lon#e, de perto> sepode c%e#ar, a &er#on%a do contato &isual com o outro e o momento que a c'mera se torna6in&is)&el Ou ainda, a troca das ima#ens entre as tri3os como no&o ritual de con%ecimento *

    desco3erta de como cada tri3o ou )ndio rea#e diante das ima#ens de si mesmo, de outras tri3os,de ancestrais O fasc)nio diante das ima#ens da Comissão Rondon, de /0/2, e a desco3erta daeternidade e ressurreição pelas ima#ens * ima#em como lu#ar da memória e comunicação com opassado e com o futuro6+emória muito curta Ião &i meus ancestrais (ou #uardar ima#em paraos meus netos7 

    O desen&ol&imento da formação, com a pr8tica da edição ;onde cortar, per#unta a professora paraum reali5ador ind)#ena>, a construção de narrati&as e a possi3ilidade de fa5er encenaç!es e ficção,tra5 as quest!es mais fascinantes 

    O lu#ar do reali5ador - um lu#ar de poder E isso fica claro na per#unta@ Por que só %omens

    filmamM ão poucas as reali5adoras ind)#enas 9uest!es que &ão c%e#ar at- o direito autoral e ane#ociação das ima#ens, quando os )ndios são informados do 6&alor7 real da sua ima#emConsci"ncia de um capital imaterial que durante d-cadas foi pil%ado sem criar nen%umconstran#imento *s ima#ens de )ndios que circulam no mundo inteiro em jornais, re&istas, cinema,A( são parte desse espólio 

    Ios diferentes tra3al%os reali5ados pelo projeto ()deo nas *ldeias, o tom did8tico, instrumental, seimp!em, mas o que seriam quest!es aparentemente simples ou ó3&ias, #an%a estatutopertur3ador num se#undo momento Per#untas como@ Por que os li&ros de %istória falam dos

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    )ndios com o &er3o ser no passadoMComo se j8 esti&essem todos mortos e não ti&essem futuroComo mudar issoM 

    Iesse conte.to os &)deos dos reali5adores ind)#enas #an%am um outro estatuto, por tornar acolocar essas culturas no eterno presente das ima#ens e da narrati&a audio&isual, de forma muito

    pró.ima da e.peri"ncia de eterno presente dos ritos e mitos das narrati&as orais e com umdiferencial@ a possi3ilidade de criar redes, fa5er m)dia, trocar informaç!es, ima#ens, &alores, entreeles, num tipo de misci#enação, multiculturalismo que mal tin%a sido &islum3rado pelaantropolo#ia *tra&-s das ima#ens as tri3os se &"m de fora ;autoima#em>, con%ecem outrastri3os, entram em contato com o mundo do 3ranco, constroem suas próprias ima#ens e c%e#am aointerc'm3io com tri3os estran#eiras, fora do pa)s E o que pode acontecer quando os )ndios setornam m)diaM 

    Essa - uma das mais intri#antes quest!es do audio&isual contempor'neo, a entrada no circuito dainformação de um contin#ente de su3jeti&idades Uma outra questão se imp!e, qual o &alorest-tico desses &)deosM 9ue qualidades, que potencial e.pressi&o tra5emM 

    E aqui as quest!es de lin#ua#em se a&olumam, so3repondose, do cl8ssico Ianoo, o esquimó,passando pelo cinema de Jean Rouc%, o reali5adorantropólo#o, e c%e#ando?s e.perimentaç!esdo document8rio contempor'neo, em que esses no&os sujeitos do discurso rece3em ou tomam asc'meras e passam a produ5ir

    Aratase de um processo %istórico, para al-m do conte.to ind)#ena, so3re o qual não nosdeteremos aqui, destacando tam3-m que não %8 nada de 6natural7 nesse processo e sua&ia3ili5ação Aransformar os )ndios em cine#rafistas e reali5adores, nos parece estrat-#ico noprojeto ()deo nas *ldeias, que j8 tem a participação de antropólo#os, indi#enistas e profissionaisda ima#em, com seus interesses espec)ficos, e &em criando um campo e mercado no&os,reno&ando as lutas pol)ticas a partir da questão tecnoló#ica e da qualificação dos )ndios para um

    tra3al%o decisi&o no capitalismo co#niti&o@ aprodução de ima#ens

    O desafio, nos parece, - fa5er do &)deo um instrumento de reconfi#uração de forças e de produçãode su3jeti&idade,de compreensão, e.plicação, interpretação do mundo, onde para al-m da relaçãoentre os próprios )ndios, nós mesmos podemos nos &er como alteridade 69uando os cineastas são)ndios, )ndios somos nós7, como di5 a antropólo#a Vl&ia Caiu3V Io&aes

    Em apt- +n%!n!@ Sniciação do Jo&em Wa&ante, de /000, são quatro &ideastas Wa&ante e umuV8 do +ato Grosso que usam a c'mera para re#istrar o ritual de furação das orel%as de jo&ensWa&ante * primeira impressão - que j8 &imos essas ima#ens em in:meros re#istros de festasind)#enas nas tele&is!es culturais ou no Glo3o Repórter,mas o fato dos cine#rafistas serem )ndios,

    i&ino AsereXa%u, 4artolomeu Patira, Caimi aiass-, Jor#e Protodi e inti uV8, &ai criarsituaç!es inusitadas e no&as

    Esse &)deo tem um formato %)3rido tradicional se pensarmos o uso dos letreiros informati&os,dos depoimentos para a c'mera, falas em off com le#endas *o mesmo tempo a3re espaço paraque seus reali5adores )ndios se apresentem, comentem as dificuldades de filma#em num tra3al%ode lon#a duração, de /00Y a /001 e reali5ado com intimidade, de 6dentro7

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     *s falas dos participantes dos rituais se referem ? presença 3em&inda da c'mera 6Eu entendo aimport'ncia da ima#em7, di5 um dos condutores do ritual * fala dos )ndios mais &el%os le#itima apresença da c'mera e do &)deo como memória suplementar e testemun%o Iuma das partesdo ritual de iniciação dos adolescentes ? &ida adulta, quando se deitam rapidamente com a futuraesposa, o ato sim3ólico tem toda a comunidade como testemun%a do compromisso futuro etam3-m, su3lin%a o condutor, um ol%o testemun%al suplementar@ a c'mera e os &isitantes 

    Os cine#rafistas )ndios comentam opç!es e lamentam oportunidades perdidas@ filmar os animais&i&os antes da caçada e não apenas mortos ou a necessidade de um dos cine#rafistas a3andonaras filma#ens para ajudar o afil%ado numa pro&a de corrida, etc *s ima#ens, nem muito r8pidas,nem lentas, tentam sinteti5ar um percurso no tempo, acompan%ando dois anos de uma s-rie deacontecimentos rituais numa edição final de 2N minutos

     *s ima#ens captam aspectos m:ltiplos dessa lon#a duração@ toda a dure5a das pro&aç!es por quepassam os adolescentes, em3ates corporais, isolamento, frio, a dor da furação da orel%a, &er#on%ada nude5 ;mul%eres que tem que tirar o sutiã>, conformidade com a tradição, mas tam3-m o %umor,o lado l:dico e 3rincante dos jo&ens dentro do rio, no 3an%o, nas corridas e o sentido cr)tico de

    al#umas falas@ 6Os &el%os são ruins, &ão matar a #ente de frio7 Os &alores em jo#o são aconstrução do adulto Wa&ante e o ideal de &irilidade, cora#em, fortale5a, ensinado com duraspro&aç!es corporais a cada menino E ainda reprimendas e pro&aç!es de limites, como nas 3elasima#ens de 63ateção de 8#ua7 em que os jo&ens produ5em 3arul%o e a#itação nas 8#uas do riopor %oras se#uidas, num esforço e.austi&o *o final desses dois anos de um mundo recriado pelaima#em, a mensa#em sint-tica de um dos cine#rafistas, Caimi aiass-@ 6*#ora que &oc"s j8sa3em tudo so3re a nossa &ida, podem ir cuidar da de &oc"s7

    Entre os &)deos mais ori#inais dos reali5adores ind)#enas, podemos destacar os que tratam docotidiano das aldeias Iem rituais, nem festejos, o dia a dia numa temporalidade outra, num mundooutro, capa5 de surpreender o espectador *l#uns desses &)deos fa5em lem3rar as propostas docinema contempor'neo iraniano, na sua sofisticada 6simplicidade7 e 6transpar"ncia7

     

    O &)deo %om!tsi, do reali5ador )ndio (aldete Pin%anta, - uma o3raprima na forma como capta otempo do cotidiano do seu tio %om!tsi, que ele escol%eu como 6persona#em7 de uma crHnica daaldeia, na fronteira do 4rasil com o Peru Iarrado pelo so3rin%o cine#rafista, em &o5 off, o &)deoalterna essa fala com som am3iente, m:sica de flauta, sons da mata, da aldeia, do rio e as falas dotio com outros )ndios ou com o próprio cine#rafista ;6não filma meu saco7, 6fa5 careta para ac'mera7, 6sorria, o 3uraco da filmadora est8 te &endo7> 

    O que se re#istra - um cotidiano lento, de quase desacontecimentos, acordar, passar o urucum norosto, ir pra roça com os fil%os, mascar coca e fumar ta3aco, ir tomar 3an%o no rio, 3e3ercaissuma Os finais de semana são mais enfeitados, com dança, caissuma, tocar flauta e flertar

    com as mul%eres Uma parte do re#istro - a ida de %om!tsi ? cidade para rece3er suaaposentadoria, de canoa, com a neta e outros )ndios Como o din%eiro não c%e#ou no postoresol&em fa5er um tapir na 3eira do rio e esperam tr"s dias, fa5endo fo#o, comendo mandioca e nofinal, sem alimentos, comendo #raças ao cine#rafista que compra comida 

     * con&ersa na 3eira do rio parece acompan%ar o flu.o &a#aroso das 8#uas e #ira em torno doape#o dos 3rancos e comerciantes ao din%eiro 6O papel do din%eiro - forte Ião desmanc%a comoo papel comum, que - feito 3olac%a, pode mol%ar, la&ar, secar7 Falam da inutilidade do din%eiropara os )ndios, al#o que não se pode le&ar 6para o c-u7 e que não precisam para &i&er O din%eiro

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    rece3ido por %om!tsi, RZ D=< reais, - quase todo #asto na %ora, e a comiti&a do tio docine#rafista &olta para a aldeia, feli5 de sair da cidade e do tempo de espera por um 3em que não&alori5a 6*qui termina meu filme, mas a &ida continua7, di5 o narrador * edição de +ari Corr"adei.a o tempo fluir, escorrer, colocando o espectador numa situação de imersão no mundo, tal&e5insuporta&elmente outro, de %om!tsi 

    Esse tempo #an%a outras qualidades no &)deo as Crianças Spen# para o +undo ;

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     O resultado sem d:&ida não &em de nen%uma espontaneidade ou mila#re Podese &islum3rar adin'mica de oficinas repetidas, participação da comunidade na escol%a de temas, a construção dospersona#ens escol%idos e, em outros &)deos at- a e.perimentação com encenaç!es e desen%oanimado Ios parece decisi&o ainda o tra3al%o de edição do material, nem sempre feito pelosreali5adores ind)#enas, mas pelos professores das oficinas, como +ari Corr"a

    Esse cinema e fa3ulação ind)#enas a3re um campo de cru5amento entre cinema, etno#rafia eantropolo#ia que fa5 pensar 6C'mera muV &erV #ood pra mim tra3al%ar7, a afirmação do )ndioi&ino AsereXa%: - uma aposta na ima#em não apenas como representação de si para os outros,mas radicalmente como a desco3erta de uma forma de pensamento audio&isual, uma aldeiaaudio&isual #lo3al,em que a sin#ularidade dos )ndios 3rasileiros se encontra com a sin#ularidade e&i#or do document8rio e das quest!es do cinema contempor'neo

    Texto reproduzido com autorização do Vídeo nas Aldeias.