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7/27/2019 Camarate w http://slidepdf.com/reader/full/camarate-w 1/20      A      R      T      E      S  ,      L      E      T      R      A      S      E      I      D      E      I      A      S h PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2602. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARAD CAMARATE O HOMEM QUE MATOU SÁ CARNEIRO

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hPARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2602. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARAD

CAMARATEO HOMEM QUE MATOU SÁ CARNEIRO

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I D E I A S F O R

Como é que nasceu o teu interesse por arte?Tinha cinco ou seis anos quando comecei

antasiar ser artista. O meu primeiro recreiooi o atelier do meu avô, que era designerindustrial. Foi aí que comecei a desenhar.Mais tarde já adulto voltei a esse local, e,para surpresa minha o espaço era minúscu-lo. Foi estranho perceber que o que tinharetido na memória era um sótão espaçosoe aventuroso, onde secretamente o traba-lho artístico já começava a ganhar orma

no meu cérebro.

De que orma é que a educação escolar teinuenciou? Não aprendi muito na escola. O momento

mais marcante oi quando me juntei ao grupoAt.Re, um atelier de jovens artistas orientadopelo Pedro Morais. Ali tive muito mais liber-dade para experimentar media e várias técni-cas. O que a escola tinha para me oerecer eramais tradicional e sistemático.

Como nasceu o teu interesse pela China?Nasceu antes de descobrir que estava inte-

ressado na pintura chinesa. Comecei a escre-ver poesia quando tinha 15 anos. Nesse mes-mo ano escolhi azer um trabalho para o meuexame nal da disciplina de História sobre aHistória da China. Aos 16 anos andava a ler

Haikus japoneses. Quando aos 21 anos me juntei ao grupo At.Re comecei a interessar--me por Taoismo e Budismo. Foi nessa alturaque comecei a misturar as minhas infuênciasdos nais dos anos 60 e dos anos 70, comoBruce Nauman, Vito Acconci and James Tur-rell com determinados aspectos da pinturatradicional chinesa. No nal de 1993 já tinhaviajado pelas principais capitais europeias evisitado Nova Iorque. Devido ao meu óbviointeresse pela Ásia ganhei uma bolsa de estu-do de dois anos para vir até à Ásia. Em 1995achei que a aventura ainda não estava termi-nada e resolvi car.

Porque é que oste para Macau?A minha primeira exposição individual oi

uma exposição de pintura a óleo. Embora

osse eita a óleo tinha paisagens com eeitosda pintura chinesa, por isso o caminho parao reino da estética oriental oi natural paramim. Em Macau existe uma delegação daFundação Oriente, de Portugal, que me con-cedeu a bolsa, por conseguinte pareceu-meum local adequado para continuar a minhainvestigação. Acho interessante o acto deem Lisboa trabalhar em pintura e instalaçãoe depois de ter chegado a Macau me ter vi-rado mais para o video e a otograa. A ideiados opostos que se complementam, o yin eo yang das condições essenciais para o meutrabalho artístico, acabam por refectir o con-fito entre essas mesmas condições.

A tua carreira começou em Macau?Não, começou em Portugal. As minhas pri-

meiras exposições oram na Europa. As coisasque azia nessa altura, na ase inicial da minhacarreira nos anos noventa, são obviamentedierentes daquilo que aço agora.

A cultura chinesa, a estética oriental comodisseste há pouco, desperta o interesse demuitos estrangeiros. Porque é precisastede começar pela arte contemporânea paraentender a arte chinesa?Ambas têm a suas particularidades. Se a pin-tura tradicional chinesa me infuenciou ante-riormente, já não o sinto da mesma maneira,por outro lado nunca me senti infuenciadopor nenhum artista contemporâneo chinês.

O grupo de East Village de Pequim come-çou a ganhar importância mais ou menosna altura em que decidi car na Ásia. Desdeentão comecei a recolher o maior númeropossível de inormações sobre o que estavaa acontecer no panorama da arte contempo-rânea chinesa. O meu interesse continuoua crescer e, há cinco anos atrás, comecei aescrever sobre arte contemporânea chinesapara um jornal de Macau. Esses textos o-ram depois reunidos em livro. A publicaçãocom o título de “Arte Nova China” contoucom a revisão e a colaboração dos artistasque nela guram no início de 2011 e o livrooi editado no nal desse mesmo ano. Será

sempre um livro dum artista sobre outros ar-tistas e não tem outras pretensões para alémdisso. É o primeiro livro em língua portu-guesa sobre arte contemporânea chinesa.

Macau é um local especial. Quando che-gaste, nos anos 90, ainda era uma cidadeportuguesa. É um local que situa no Orien-te, mas que pertence ao Ocidente. Assis-tiste à transerência de soberania de Macauem 1999. De que orma é que isso te in-uenciou, a ti, e à tua arte?Uma pergunta interessante, que nunca nin-

guém me tinha eito. Já me pediram muitasvezes para dar a minha opinião sobre as di-erenças políticas e sociais antes e depois datranserência de soberania, mas nunca me ti-nham perguntado sobre a infuência que isso

Sun Guosheng conversa com José Drummond

SUN GUOSHENG É UM DOS ESCRITORES DOMOMENTO MAIS RECONHECIDO E APRECIADO

A ESCREVER SOBRE ARTE E TAMBÉM EDITOR DA(HARPER’S) BAZAAR ART QUE É TALVEZ A REVISTA MAIS

CONSAGRADA DOS ÚLTIMOS ANOS NA CHINA.JOSÉ DRUMMOND É UM ARTISTA PORTUGUÊS,

RESIDENTE DE MACAU, ACTUALMENTE COM UMA

EXPOSIÇÃO EM PEQUIM, INTITULADA “SPELLBOUND”

O HORROR POR DETRÁS DA BELEZA

teve no meu trabalho. No nal de 1997início um adiamento consciente da mprática artística, que está associado a momtos dramáticos das minhas ideias sobrenessa altura. Esse período é coincidente os anos pré e pós transerência. Quandcomecei era uma pessoa dierente. Em comecei a pesquisar aspectos da identie de personalidade múltipla, dirigindo terpretando numa abordagem mais pessdiversicada. Em 2004 z um espectácu

solo chamado “The Intruder”, que levouanos a ser eito. Nesse projecto usava graas de grupo do governo, onde acrestava uma personagem. “The Intruder”,era representado por mim próprio, era gura camaleónica que encarnava subtilmte o modus operandi da personagem do de Woody Allen, “Zelig”, cujo protagose transorma na pessoa de quem está próximo. Este projecto com várias sequênera uma proposta de jogo para o espectque tinha de descobrir quem era “o imponas otos de grupo. “The Intruder” era divagação que dava espaço a qualquer pecomum de desejar azer parte de algo imtante

Nos teus trabalhos anteriores usaste mfgurinos e máscaras tradicionais chin

Quiseste que a tua arte ganhasse aceitatravés do uso desses símbolos tradiciochineses?Acho o termo aceitação um pouco orte

mais. Não estou muito agarrado à ideia dções e vejo-me como um produto da gllização. O que me interessa são os sentitos íntimos e os padrões de comportamassociados ao ego e à necessidade de máscaras. Quanto ao projecto onde exiuso premeditado de uma máscara da Óde Pequim, devo dizer que não nos deveconcentrar apenas nos símbolos chindesse trabalho. A máscara de “The Paivive tanto da elaboração da persona gcomo da sedução de um alter-ego. Estgundo ego desejado pode ser tanto o pque deixou de pintar, o homem ocidenta

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personica um actor chinês, ou pode apontarpara uma pesquisa da desordem dissociativade identidade, dupla personalidade, avatarese doppelgangers. É importante entender queali existe uma proposta absoluta de dor, assimcomo o limpar da máscara se torna no acto depintar enquanto se revela a verdadeira apa-

rência. Durante uma hora o que o espectadorvê é um grande plano xo de um homem alimpar a máscara, num ritmo extremamentelento.

Nesta exposição ‘’Spellbound’’, os teus tra-balhos parecem ser totalmente dierentesdos anteriores. Não há símbolos, identida-des e regiões. Como é que isto acontece?Identidade, personalidade múltipla, visibili-

dade, invisibilidade, continuidade e descon-tinuidade são conceitos que tenho vindo aexplorar, criando metáoras sobre sonhos erealidades, enganos e ilusões. Em 2010 háuma mudança na minha prática com a video--instalação “The Pretender”. Embora seja so-bre a mesma dualidade e conrontação, essetrabalho inaugura algo de novo, com umaorma mais assumidamente narrativa. Tam-

bém vai de encontro à minha necessidade dedirigir outros actores, em vez de me deixarestagnar num processo cru de auto-represen-tação. É signicante porque representa umaparagem nos projectos de auto-retratos. Foilmado em Pequim e está relacionado comantasias, esperanças e desencantos escondi-dos, que são sentimentos universais. Criei umperl sem oto e com uma descrição minimalnum website que promove encontros ro-mânticos entre mulheres chinesas e homensocidentais. Ao m de um mês tinha recebido40 cartas românticas com otos anexas. Useionze das cartas como base para a criação deonze personagens ctícias, com onze mu-lheres tristes. Tentei retratar a realidade nummundo de antasia e pretendi recriar exac-tamente o oposto das otos que recebi, emque as mulheres estão contentes e tudo pa-

rece demasiado estranho e also para ser real.Filmei em movimentos circulares, a azerlembrar as bailarinas das caixas de música. Oresultado do projecto dá-nos uma sensaçãointeressante de vertigem, enquanto tambémdenuncia como é estranho este mundo emque estamos constantemente a necessitar daaprovação dos outros. Remete para a nossanecessidade permanente de questionar a exis-tência. É tanto sobre a necessidade de aceita-ção, como sobre o desconorto em que o serhumano vive. Mostra-nos que todos queremser elizes , mas a realidade é enganadora.

Donde veio o nome ‘’Spellbound’’?Esta série de trabalhos ilustra a minha obses-são com o horror por detrás da beleza. Sob abeleza existe uma violência requintada. Deipor mim a perceber que vivemos numa era

que teme a beleza. Onde a beleza é ao mes-mo tempo um valor diícil de alcançar e umapunição, ela própria. Vivemos num mundoonde a beleza imaginada e inatingível é pu-blicitada. É um paradoxo. Ao mesmo tempo,tememos tudo. Tememos a beleza porquepode ser aterradora. Se o medo pode ser anossa maior raqueza, a beleza pode ser anossa maior conquista. O problema reside,como sempre, naquilo que somos capazesde ver. Gerhard Richter disse: “ Nem sempreconsigo alcançar a imagem que tenho na ca-beça... na verdade, quase nunca”. Na maioriadas vezes não conseguimos ver o que estápor detrás, porque estamos constantementeenvolvidos por valores invasivos opressores.“Spellbound” é, neste sentido, um territórioonde se reconhece algo ou alguém que espe-

ra ser notado, num mundo cheio de coisasque o ocultam.

Como artista, porque escolheste a otogra-fa? Porque só usaste preto e branco, luz esombra para explorar o tema e as imagensdesta série ‘‘Spellbound’’?

Nesta obsessão pela beleza o que mais meimporta é exactamente a desconstrução doque é real e do que não é real. É também umadas condições para ser capaz de criar antasiae ilusões. Em “Spellbound” existe um examesobre as premissas básicas do que pode sercapturado pela lente da câmara, que são a luze sombra. Estas luzes e sombras são depoismanipuladas. A otograa é actualmente omeio de comunicação mais comum. Vivemosnum mundo de smartphones e de plataor-mas sociais na internet, onde os utilizadoresdescarregam cerca de 300 milhões de otospor dia. Uma grande percentagem destes 300milhões de otos, é enviada no exacto mo-mento em que oram tiradas e acabam numaglomerado desordenado sem relação visual,e sem contexto. Isto é onde estamos agora, eesta oi uma razões porque quis voltar atrás e

investigar técnicas perdidas.

Como é que alcançaste o eeito de ilusãonos teus trabalhos?Gosto de pensar que a otograa é sempre

uma acção encenada e tento evitar a ideia depensar e usar a otograa como um documen-to do momento. Susan Sontag disse que “aotograa é um inventário da mortalidade”,para mim, de certa orma, a otograa, qual-quer otograa, é a armação da existênciapassada, como um antasma. A percepçãoque temos da vida deixa de existir quandoesta se converte num simulacro estático de siprópria. Ao mesmo tempo as manipulaçõesque usei sustentam esta ideia de um momen-to ilusório, ora de uma vida de desilusão. Anostalgia e a melancolia são eeitos narrativospereitos construídos pela presença de gran-

de contraste nas peças a preto e branco.

O conjunto ’’Spellbound’’ tem obviamenteuma estética oriental; fzeste isso delibera-damente?Não sei. Estes elementos orientais talvez te-

nham surgido da infuência subtil do meio am-biente, mas não podemos deixar de notar quetambém existem uma série de reerências quepodem vir do ocidente. Também podemos verrepresentações pré-eróticas, a ideia do otógra-o como um voyeur e do artista como um ma-nipulador. Para mim é evidente que podemosencontrar outras anidades com a moda e como cinema. Outra das considerações que pode-mos azer a propósito das inúmeras reerênciasde ambos os mundos é a de que qualquer arteé um tipo de apropriação. Os artistas arranjamrequentemente maneira de pedir isto ou aquilo

emprestado. Os artistas estão constantementea ilustrar, visionar, reormular, experimentar,adaptar e a repetir aquilo que testemunham.Contanto que usem o seu próprio ltro paradepois criarem algo de pessoal. Os artistas são oderradeiro processador imaginativo, capazes deacumular inormação para depois a alterar e re-ormular a partir de dentro. Estamos constante-mente a replicar e a reelaborar essa energia atéencontrarmos algo que sintamos como nosso.O que nos distingue é a capacidade de procu-rarmos algo de íntimo que mostramos aos ou-tros, mas que oi eito para nós próprios e quenos pode denir como pessoas e como artistas.

Os teus trabalhos têm sorido muitas alte-rações ao longo dos anos. O que é que semanteve sempre, que nunca mudou?

O Marcel Duchamp disse ‘”que se orçoua contradizer-se de modo a evitar conor-mar-se com o seu próprio gosto”. Ele rei-vindica a contradição como uma onte. Euvejo a contradição como um sinónimo deoposição. Se a orma do meu trabalho tema necessidade constante de novos desaosé porque isso parece servir melhor o meuprocesso intelectual. Procuro a oposiçãoda visibilidade e da invisibilidade, procu-

ro a maniestação de antagonismo usandoambos os símbolos de continuidade e des-

continuidade como mundos refexivrealidades espelhadas. O que cada umnós vê nunca é igual, a nossa memórianosso espaço são sempre dierentes aogo do tempo. Criamos ilusões atravépercepção da realidade. As ilusões dãoa capacidade de sonhar, e é esta capacide sonhar que nós dá orça para encarealidade e seguir em rente com as novidas, completando o círculo. Temos

pacidade de sonhar e de ngir a realidÉ esse o eitiço na nossa vida.

Sob a beleza existe uma violência requintada. Dpor mim a perceber que vivemos numa era queteme a beleza. Onde a beleza é ao mesmo tempo

um valor diícil de alcançar e uma punição

Nesta obsessão pela beleza o que mais me imporé exactamente a desconstrução do que é real e doque não é real. É também uma das condições parser capaz de criar antasia e ilusões.

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Em 1975, ormei em Portugal, os CODEcom José Esteves, Vasco Montez, Carlosranda e Jorge Gago (já alecido). Esta onização pretendia, deender, em Portugnecessário por via de guerrilha, os valoreMundo Ocidental.Através de Paulo Cardoso sou apresent

em 1975, no Hotel Sheraton, em Lisboum agente da CIA, antena (recolha de imações), chamado Philip Snell. Falei edurante algum tempo com Philip SnelPaulo Cardoso estava então a viver no HSheraton. Passados poucos dias, Philip Sdiz-me para ir levantar, gratuitamentebilhete de avião, de Lisboa para Londreuma agência de viagens na Av. de Ceutatrabalhava para a embaixada dos EUAentão a uma reunião em Londres, ondecontrei um amigo antigo, Gary Van DyÁrica do Sul, que colaborava com a CIAentão entrevistado pelo chee da estaçãCIA para a Europa, que se chamava Johngan. Gary Van Dyk, deendeu nessa reua minha entrada para a CIA, dizendo quconhecia bem de Angola, e que eu trabva com efciência. Comecei então a trab

para a CIA, tendo também para esse epesado o acto de ter anteriormente cborado com a NISS - National IntelligSecurity Service ( Agência Sul AricanInormações). Gary Van Dyk era o anem Londres, do DONS - Department Orational o National Security ( Sul AricaRegressando a Lisboa, trabalhei para a Emxada dos EUA, em Lisboa entre 1975 e 1a tempo inteiro. Entre 1976 e 1977, durcerca de uma ano e meio vivi numa suitHotel Sheraton, o que pode ser comprovtudo pago pela Embaixada dos EUA. Cduzia então um carro com matrícula dmática, um Ford, que estacionava na garado Hotel. Nesta suite viveu também a mmulher, Elsa, já grávida da minha flha ElO meu trabalho incluía recolha de inoções /contra inormações, inormações s

tráfco de armas, de operações de combatráfco de droga, inormações sobre terrmo, recrutamento de inormadores, etc. actividades incluem contactos com servsecretos de outros países, como a Sta Mossad, e a “Boss” (Sul Aricana), deNISS - National Inormation Sectret Serdepois DONS e actualmete SASS.Era pago em Portugal, recebendo cercUSD 5.000 por mês. Nestas actividadecilita o acto de eu alar seis línguas. Autilizando vários nomes dierente, comsaportes ornecidos pela Embaixada dos em Lisboa. Facilitava também o acto dalar um dialecto angolano, o kimbundoA Embaixada dos EUA tinha também casa de recuo na Quinta da Marinha, questava entregue, e onde ficavam requemente agentes e militares americanos,

passavam por Portugal. Era a vivenda “Aldrada”.A partir de 1975, como reeri, passei balhar directamente para a CIA. Conta partir de 1978, passei a trabalhar cagente encoberto, No chamado “OfcSpecial Operations”, a que se chamava sços clandestinos, e que visavam observaalvo, incluindo perseguir, conhecer e elimo alvo, em qualquer país do mundo, excnos EUA. Por pertencermos a este Ofcemos obrigados a assinar uma cláusula quchamava “plausible denial” que signifca

EU, FERNANDO FARINHA SIMÕES,decidi fnalmente, em 2011, contar toda averdade sobre Camarate. No passado nunca

contei toda a operação de Camarate, pois es-tando a correr o processo judicial, poderia serpreso e condenado. Também porque durante25 anos não podia alar, por estar obrigadoao sigilo por parte da CIA, mas esta situaçãomudou agora, ao que acresce o acto da CIAme ter abandonado completamente desde1989. Finalmente decidi alar por obrigaçãode consciência.Fiz o meu primeiro depoimento sobre Cama-rate, na Comissão de Inquérito Parlamentar,em 1995. Mais tarde prestei alguns depoi-mentos em que ui acrescentando actos einormações. Cheguei a prestar declaraçõespara um programa da SIC, organizado porEmílio Rangel, que não chegou contudo air para o ar. Em todas essas declarações pú-blicas contei actos sobre o atentado de Ca-marate, que nunca oram desmentidos, ape-

sar dos nomes que citei e da gravidade dosactos que reeri. Em todos esses relatos, eudesmenti a tese ofcial do acidente, deendi-da pela Polícia Judiciária e pela ProcuradoriaGeral da República. Numa tive dúvidas deque as Comissões de Inquérito Parlamentaresestavam no caminho certo, pois Camarate oium atentado. Devo também dizer que tendoeu alado de actos sobre camarate tão gravese do envolvimento de certas pessoas nessesactos, sempre me surpreendeu que essas pes-soas tenham preerido o silêncio. Estão nestecaso o Tenente Coronel Lencastre Bernardoou o Major Canto e Castro. Se se sentissemoendidos pelas minhas declarações, teriasido lógico que tivessem reagido. Quanto amim, este seu silêncio só pode signifcar que,tendo noção do que fzeram, consideraramque quanto menos se alar no assunto, me-

lhor.Nessas declarações que fz, desde 1995, uirelatando, sucessivamente, apenas parte dosactos ocorridos, sem nunca ter eito a narra-ção completa dos acontecimentos. Estávamosainda relativamente próximos dos aconteci-mentos e não quis portanto revelar todos ospormenores, nem todas as pessoas envolvidasnesta operação. Contudo, após terem passa-do mais de 30 anos sobre os actos, entendique todos os portugueses tinham o direitode conhecer o que verdadeiramente sucedeuem Camarate. Não quero contudo deixar dereerir que hoje estou proundamente arre-pendido de ter participado nesta operação,não apenas pelas pessoas que aí morreram,e cuja qualidade humana só mais tarde tiveocasião de conhecer, como do prejuízo queconstituiu, para o uturo do país, o desapa-

recimento dessas pessoas. Naquela alturacontudo, camarate era apenas mais uma ope-ração em que participava, pelo que não medias consequências. Peço por isso desculpa aosamiliares das vítimas, e aos Portugueses emgeral, pelas consequências da operação emque participei.Gostaria assim de voltar atrás no tempo,para explicar como acabei por me envolvernesta operação. Em 1974 conheci, na Áricado Sul, a agente dupla alemã, Uta Gerveck,que trabalhava para a BND (Bundesnachris-tendienst) - Serviços de Inteligência Alemães

CAMARATEO testemunho

de quem matouSá Carneiro

e Amaro da Costa

Ocidentais, e ao mesmo tempo para a Stas-si. A cobertura legal de Uta Gerveck é eitaatravés do conselho mundial das Igrejas (umaespécie de ONG), e é através dessa achadaque viaja praticamente pelo Mundo todo,trabalhando ao mesmo tempo para a BNDe para a Stassi. Fez um livro em alemão queme dedicou, e que ainda tenho, sobre a lutade liberdade do PAIGC na Guiné Bissau. O

meu trabalho com a Stassi veio contudo averifcar-se posteriormente, quando estava jáa trabalhar para a CIA. A minha infiltração naStassi dá-se por convite da Uta Gerveck, eml976, com a concordância da CIA, pois issointeressava-lhes muito.Uta Gerveck apresenta-me, em 1978, emBerlim Leste, a Marcus Wol, então Directorda Stassi. Fui para esse eeito então clandes-tinamente a Berlim Leste, com um passapor-te espanhol, que me oi ornecido por UtaGerveck. 0 meu trabalho de infltração naStassi consistiu na elaboração de relatórios

pormenorizados acerta das “toupeiras” infl-tradas na Alemanha Ocidental pela Stassi.Que actuavam nomeadamente junto de Hel-mut Khol, Helmut Schmidt e de Hans JurgenWischewski. Hans Jurgen Wischewski era oresponsável pelas relações e contactos en-tre a Alemanha Ocidental e de Leste, sendoPresidente da Associação Alemã de Coope-ração e Desenvolvimento (ajuda ao terceiro

Mundo), e também ia às reuniões do GrupoBilderberg. Viabilizou também muitas opera-ções clandestinas, nos anos 70 e 80. de ajudaa grupos de libertação, a partir da AlemanhaOcidental. Estive também na Academia daStassi, várias vezes, em Postdan - Eiche.Relativamente ao relato dos actos, gostariade começar por reerir que tenho contactos,desde 1970, em Angola, com um agente daCIA, que é o jornalista e apresentador de te-levisão Paulo Cardoso (já alecido). ConheciPaulo Cardoso em Angola com quem traba-lhei na TVA - Televisão de Angola na altura.

A operação de Camarate custou, a preços de 1980, entre 750 mil e 1 milhão de dólares

Fernando Farinha SimõeS

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se ossemos apanhados nestas operações comdocumentos de identifcação alsos, a situaçãoseria por nossa conta e risco, e a CIA nada te-ria a ver com a situação. Nessa circunstânciatínhamos o discurso preparado para explicar oque estávamos a azer, incluindo estarmos pre-parados para aguentar a tortura. Trabalhei parao “Ofce o Special Operations ” até 1989,ano em que saí da CIA.Para azer ace a estes trabalhos e operações,as minhas contas dos cartões de crédito doVISA, American Express e Dinners Club, ti-nham, cada uma, um plaond de 10.000 USD,que podiam ser movimentados em caso denecessidade. Estes cartões eram emitidos noBrasil, em bancos estrangeiros sedeados noBrasil, como o Citibank, o Bank o Boston ouo Bank o America. Entre 1975 e 1989, por-tanto durante cerca de 14 anos, gastei comestes cartões cerca de 10 milhões de USD,em operações em diversos países, nomeada-mente pagando a inormadores, políticos,militares, homens de negócios, e tambémtrafcantes de armas e de drogas, em ligaçãocom a DEA (Drug Enorcement Agency),Existiram outros valores movimentados àparte, a partir de um saco azul, “em cash”, valores esses postos à disposição pelo cheeda estação da CIA, no local onde as opera-ções eram realizadas. Este saco azul serviapara pagar despesas como viagens, comprasnecessárias, etc.Posso reerir que a operação de Camarate,que a seguir irei transcrever custou, a pre-ços de 1980, entre 750.000 e 1 milhão deUSD. Só o Sr, José António dos Santos Es-teves recebeu 200000 USD. Estas despesasrelacionadas com a operação de Camarate,

incluiram os pagamentos a diversas pessoase participantes, como o Sr. Lee Rodrigues,como seguidamente irei descrever.Entre 1975 e 1988, participei em várioscursos e seminários em Langley, Virginia eQuantico, pago pela CIA, sobre inormação,desinormação, contra-inormação. terroris-mo, contra-terrorismo, infltrações encober-tas, etc, etc.Trabalhei em serviços de infltração pela CIAe pela DEA (Drug Enorcement Agency), emdierentes países, como Portugal, El Salvador,Bolívia, Colômbia,Venezuela, Peru, Guate-mala, Nicarágua, Panamá, Chile, Líbano, Sí-ria, Egipto, Argélia, Marrocos, Filipinas.A minha colaboração com a DEA, iniciou-seem 1981, através de Richard Lee Armitage.Em 1980, Richard Armitage viria também aestar comigo e com o Henry Kissinger em

Paris, Richard Lee Armitage era membro doCFR (Counceil or Foreign Aairs and Rela-tions) e da Organização e Cooperação paraa Segurança da Europa (OSCE), criada pelaCIA, Richard Armitage era também membro,na altura, do Grupo Carlyle, do qual o CEOera Frank Carlucci. O Grupo Carlyle dedica--se à construção civil, imobiliário e é uma dosmaiores grupos de tráfco de armas no Mun-do, junto com o Grupo Haliburton, chefadopor Richard “Dick” Cheney. O Grupo Carly-le pertence a vários investidores privados dosEUA, por regra do Partido Republicano. Estegrupo promove nomeadamente vendas de ar-mas, petróleo e cimento para países como oIraque, Aeganistão e agora para os países daprimavera árabe.

A lavagem do dinheiro do tráfco de armase da droga, era eito, na altura, pelo BancoBCCI, ligado à CIA e à NSA - National Secu-rity Agency. O BCCI oi undado em 1972 eechado no princípio dos anos 90, devido aosdiversos escândalos em que esteve envolvido.Oliver North pertencia ao Conselho Na-cional de Segurança, às ordens de WilliamWalker, ex-embaixador dos EUA em El Sal- vador. Oliver North seguiu e segue sempre asordens da CIA, dependente de William Ca-sey. Oliver North está hoje retirado da CIA ,e é CEO de vários grupos privados america-nos, tal como Frank Carlucci.Da DEA conheci Celerino Castilho, MikeLevine. Anabelle Grimm e Brad Ayers, ten-do trabalhado para a DEA entre 1975 até1989. Da CIA trabalhei também com ToshPlumbey, Ralph Megehee - tenente coronelda NSA, actualmente reormado. Da CIAtrabalhei ainda com Bo Gritz e Tatum. Estesdois agentes tinham a sua base de operaçõesem El Salvador, (onde eu também estivedurante os anos 80, durante o tráfco Irão -Contras), desenvolvendo nomeadamente ac-tividades com tráfco de armas. Uma das suasoperações consistiu no transporte de armasdos EUA para El-Salvador, que eram depoistransportadas para o Irão e a Nicarágua. Osaviões, normalmente panamianos e colom-bianos regressavam depois para os EUA comdroga, nomeadamente cocaína, provenientede países como a Colômbia, Bolívia e El Sal- vador, que serviam para fnanciar a comprade armas. Esta actividade desenvolveu-se es-sencialmente desde os fnais dos anos 70 até1988.A cocaína vinha nomeadamente da Ilha Nor-

mans Cay, nas Bahamas, de que era proprie-tário Carlos Lheder Rivas. Carlos Rivas eraum dos chees do Carte de Medellin, traba-lhando para este cartel e para ele próprio.Carlos Rivas era, neste contexto um perso-nagem importante, sendo o braço direito deRoberto Vesco, que trabalhava para a CIA epara a NSA. Roberto Vesco era proprietáriode Bancos nas Bahamas, nomeadamente oColombus Trust. Carlos Rivas azia toda alogística de Roberto Vesco e orneciam ar-mas a troco de cocaína, nomeadamente aomovimento de guerrilha Colombiano M19.Roberto Vesco está hoje reugiado em Cuba.O dinheiro das operações de armas e de dro-ga são lavadas no Banco BCCI e noutros ban-cos, com o nome de código “Amadeus”. Háno entanto contas activas nas Bahamas e emNorman’s Cay, nas Ilhas Jersey, que gerem

contas bancárias, nomeadamente para o tráf-co de armas para os “Contras” da Nicarágua,e para o Irão.Como acima reeri, muito desse dinheiro oipara bancos americanos e ranceses, o que emparte explicará porquê é que Manuel Norie-ga oi condenado a 60 anos de prisão, tendoprimeiro estado preso nos EUA, depois emFrança, e actualmente no Panamá. Foi presoporque era conveniente que estivesse calado,não reerindo nomeadamente que partilhavacom a CIA, o dinheiro proveniente da vendade armas e da venda de drogas. Noriega mo- vimentava contas bancárias em mais de 120bancos, com conhecimento da CIA. Noriegaazia também parte da operação Black Eagle,dedicada ao tráfico de armas e de droga, que

em 1982 se transormou numa empresa cha-mada Enterprise, com a colaboração de Oli- ver North e de Donald Gregg da CIA. Emace do grau de inormações e de conheci-mento que tinha, é ácil de perceber porquêse verifcou o derrube e a prisão de Noriega.Devo dizer que estou pessoalmente admiradoque não o tenham até agora “suicidado”, poisdeve ter muitos documentos ainda guarda-dos. Noriega tinha a intenção de contar tudoo que sabia sobre este tráfco, nomeadamentesobre os serviços prestados à CIA e a BushPai, tendo por isso sido preso. Washington ea CIA são assim veículos importantes do trá-fco de armas e de droga, utilizando nomea-damente os pontos de apoio de South Flóridae do Panamá.No início dos anos 80 conheci um trafcante

do cartel de Cali, de nome Ramon Milian Ro-driguez, que depois mais tarde perante umacomissão do Senado Americano, onde aloudo tráfco de armas e de droga, do branquea-mento de dinheiro, bem como das cumplici-dades de Oliver North neste tráfco às ordensde Bush Pai e do Donald Gregg.Muito do dinheiro gerado nessas vendas oipara bancos americanos e ranceses. Este di-

nheiro servia também para compras de pro-priedades imobiliárias. Por estar ligado a es-tas operações, Noriega oi preso pelos EUA.Foi numa operação de droga que realizei naColômbia e nas Bahamas, em 1984, ondese deu a prisão de Carlos Lheder Rivas, doCartel de Medallin, em que eu não concordeicom os agentes da DEA da estação de Maia-mi, pois eles queriam fcar com 10 milhõesde dólares e com o avião “lear-jet” provenien-tes do tráfco de droga. Não concordando,participei desses agentes ao chee da estaçãoda DEA de Miami. Este chee mandou-lhesentão levantar um inquérito, tendo sido pre-sos pela própria DEA. A partir daí a minha vida tornou-se num verdadeiro inerno, no-meadamente com a realização de armadilhas

e detenções, tendo acabado por sair daem 1989, a conselho de Frank Carluccprincipal culpado da minha saída da CIAe da DEA oi John C. Lawn, director da ção da DEA e amigo de Noriega e de outrafcantes. John Lawn encobriu, ou teencobrir, todos os agentes da DEA quenunciei aquando da prisão de Carlos RApós a minha saída da CIA, Frank Carcontinuou contudo a ajudar-me com dinro, com conselhos e com apoio logíssempre que eu precisei até 1994.Regressando contudo à minha actividadPortugal, anteriormente a Camarate e ao viço da CIA, devo reerir que conheci FCarlucci, em 1975, através de duas pesum jornalista português da RTP, já alechamado Paulo Cardoso de Oliveira, qu

nhecera em Angola, e que era agente da e Gary Van Dyk, agente da BOSS (Sul cana) que conheci também em Angola. Mtive contactos directos requentes com FCarlucci, sobretudo entre l975 e 1982quem recebi instruções para vários trabae operações. Os meus contactos com FCarlucci mantêm-se até hoje, com quemainda ocasionalmente pelo teleone. A

ma vez que estive com ele oi em Maem 2008, na escala de uma viagem que FCarlucci realizou à Turquia.Em Lisboa, também lidei e recebi ordenWilliam Hasselberg - antena da CIA emboa, que além de recolher inormacõeLisboa, actua como elo de ligação entre tugueses e americanos. Tive inclusivamuma vida social com William Hasselberginclui uma vida nocturna em Lisboa, em rentes bares, restaurantes, e locais públWilliam Hasselberg gostava bastante danocturna, onde tinha muito gosto em apcer com as suas diversas “conquistas” emnas. Trabalhei também com outros ageda CIA, nomeadamente Philip Agee. Nâmbito, trabalhei em operações de tr

Em meados de 1980, Frank Carlucci reere-me, por alto e pela primeira vez, que eu iria ser encarregue

azer um “trabalho” de importância máxima e prioritária em Portugal, com a ajuda dele, da CIA,

e da Embaixada dos EUA em Portugal.

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de armas, e em infltrações em organizaçõescom o objectivo de obter inormações polí-ticas e militares, “Billie” Hasselberg ala bemportuguês, e era grande amigo de Artur Al-barran, Hasselberg e Albarran conheceram--se numa esta da embaixada da Colômbia ouVenezuela, tendo Albarran casado nessa altu-ra, nos anos 80, com a flha do embaixador,que oi a sua primeira mulher.Das reuniões que tive com a embaixada ame-ricana em Lisboa, a partir de 1978, conhecivários agentes da CIA. O Chee da estaçãoda CIA em Portugal, John Logan, oerece-meum livro seu autograado. Conheci tambémo segundo chee da CIA, Sr. Philip Snell, Sr. James Lowell, e o Sr. Arredondo. Da partemilitar da CIA conheci o coronel Wilkin-son, a partir de quem conheci o coronelOliver North e o coronel Peter Bleckley. Ocoronel Oliver North, militar mas tambémagente da CIA e o coronel Peter Bleckley,são os principais estrategas nos contactosinternacionais, com vista ao tráfco e vendade armas, nomeadamente com países comoIrão, Iraque, Nicarágua, e o El Salvador. Nasequência do conhecimento que fz com Oli-ver North , tendo várias reuniões com ele ecom agentes da CIA, por causa do tráfco enegócio de armas. Estas reuniões têm lugarem vários países, como os EUA, o México,a Nicarágua, a Venezuela, o Panamá. Nesteúltimo país contacto com dois dos principaisadjuntos de Noriega, José Bladon, chee dosserviços secretos do Panamá, que me disseque práticamente todos os embaixadores doPanamá em todo o Mundo estavam ao servi-ço de Noriega.Blandon pediu-me na altura se eu arranjavaum Rolls Royce Silver Spirits, para o embai-xador do Panamá em Lisboa, o que acabeipor conseguir.Em meados de 1980, Frank Carlucci reere--me, por alto, e pela primeira vez, que eu iriaser encarregue de azer um “trabalho” de im-portância máxima e prioritária em Portugal,com a ajuda dele, da CIA, e da Embaixadados EUA em Portugal, sendo-me dado, paraesse eeito, todo o apoio necessário.Tenho depois reuniões em Lisboa, com oagente da CIA, Frank Sturgies, que conhe-ço pela primeira vez. Frank Sturgies é umapessoa de aspecto sinistro e com grande rie-za, e é organizador das orças anti-castristas,sediadas em Miami, e é elo de ligação comos “contra” da Nicarágua. Frank Sturgies re-ere-me então, que está em marcha um planopara aastar, defnitivamente, (entenda-se eli-minar) uma pessoa importante, ligada ao Go-verno Português de então, sem dizer contudoainda nomes.Algum tempo depois, possívelmente em Se-tembro ou Outubro de 1980, jogo ténis comFrank Cariucci quase toda a tarde, na antigaresidência do embaixador dos EUA, na Lapa.

 Janto depois com ele, onde Frank Carluccireere novamente que existem problemas emPortugal para a venda e transporte de armas,e que Francisco Sá Carneiro não era uma pes-soa querida dos EUA. Depois já na sobreme-sa, juntam-se a nós o General Diogo Neto,o Coronel Vinhas, o Coronel Robocho Vaze Paulo Cardoso, onde se reere novamentea necessidade de se aastarem alguns obstá-culos existentes ao negócio de armas. Todosestes elementos reerem a Frank Caducci queeu sou a pessoa indicada para a preparação eimplementação desta operação.Em Outubro de 1980, num juntar no HotelSharaton onde participo eu, Frank Sturgies(CIA), Vilred Navarro (CIA), o GeneralDiogo Neto e o Coronel Vinhas (já aleci-dos), onde se reere que há entraves ao tráfco

de armas que têm de ser removidos. Depoishá um outro jatar também no Hotel Shera-ton, onde participam, entre outros, eu e oCoronel Oliver North, onde este diz clara-mente que “é preciso limar algumas arestas” e“se houver necessidade de se tirar alguém docaminho, tira-se”, dando portanto a entenderque haverá que eliminar pessoas que criamproblemas aos negócios de venda de armas.Oliver North diz-me também que está a terproblemas com a sua própria organização, eque teme que o possam querer aastar e “dei-xar cair”, o que acabou por acontecer.Há também portugueses que estavam a bene-fciar com o tráfco de armas, como o MajorCanto e Castro, o General Pezarat Correia,Franco Charais e o empresário Zoio. Sabe-setambém já nessa altura que Adelino Amaroda Costa estava a tentar acabar com o tráfcode armas, a investigar o undo de desenvolvi-mento do Ultramar, e a tentar acabar acabarcom lobbies instalados. Aastar essas duaspessoas pela via política era impossível, poisa AD tinha ganho as eleições. Restava por-tanto a via de um atentado.Passados alguns dias, recebo um teleonemado Major Canto e Castro (pertencente ao

Conselho da Revolução), que eu já conheciade Angola, pedindo para eu me encontrarcom ele no Hotel Altis. Nessa reunião estátambém Frank Sturgies, e ala-se pela primei-ra vez em “atentado”, sem se reerirem aindaquem é o alvo. reerem que contam comigopara esta operação. O Major Canto e Castrodiz que é preciso recrutar alguém capaz derealizar esta operação.Tenho depois uma segunda reunião no HotelAltis com Frank Sturgies e Philip Snell, ondeFrank Sturgies me encarrega de preparar e ar-ranjar alguns operacionais para uma possíveloperação dentro de pouco tempo, possivel-

mente dentro de 2 ou 3 meses. Perguntam--me se já recrutou a pessoa certa para realizareste atentado, e se eu conheço algum peritona abricação de bombas e em armas de ogo.Respondo que em Espanha arranjaria alguémda ETA para vir cá azer o atentado, se talosse necessário. Quem paga a operação ea preparação do atentado é a Cia e o MajorCanto e Castro. Canto e Castro colabora naaltura com os serviços Secretos Franceses,para onde entrou através do sogro na épo-ca. O sogro era de Nacionalidade Belga, quetrabalhava para a SDEC, os serviços de inte-ligência ranceses, em 1979 e 1980. Canto eCastro casou com uma das suas flhas, quan-do estava em Luanda, em Angola, ao serviçoda Força Aérea Portuguesa. Em Luanda, Can-to e Castro vivia perto de mim.

Tendo que organizar esta operação, alo en-tão com José Esteves e mais tarde com LeeRodrigues ( que na altura ainda não conhe-cia). O elo de ligação de Lee Rodrigues emLisboa era Evo Fernandes, que estava ligadoà resistência moçambicana, a Renamo. Falonessa altura também com duas pessoas liga-das à ETA militar, para caso do atentado serrealizado através de armas de ogo.Depois, noutro jantar em casa de Frank Car-lucci, na Lapa, na Mansarda, no último an-dar, onde jantámos os dois sozinhos, FrankCarlucci diz abertamente e pela primeira vez,o que eu tinha de azer, qual era a operaçãoem curso e que esta visava Adelino Amaro daCosta, que estava a difcultar o transporte evenda de armas a partir de Portugal ou quepassavam em Portugal, e que havia luz verdedada por Henry Kissinger e Oliver North.Cumprimento ambos, reerindo que sou “ohomem deles em Lisboa”.Três semanas antes do atentado, Canto eCastro e Frank Surgies, reerem pela primeiravez, que o alvo do atentado é Adelino Ama-ro da Costa. O Major Canto e Castro afrmaque irá viajar para Londres. Frank Sturgiespede-me que obtenha um cartão de acessoao aeroporto para um tal Lee Rodrigues, queé reerido como sendo a pessoa que levará ecolocará a bomba no avião.Recebo depois um teleonema de Canto eCastro, reerindo que está em Londres e paraeu ir ter lá com ele. Reere-me que o meu bi-lhete está numa agência de viagens situada na

Av. da República , junto à pastelaria Ceuta.Chegado a Londres fco no Hotel Grosvenor,ao pé de Victoria Station. Canto e Castro vaibuscar-me e leva-me a uma casa perto doHotel, onde me mostra pela primeira vez, omaterial, incluindo explosivos, que servirãopara coneccionar a “bomba” nesta operação.Essa casa em Londres, era ao mesmo temporesidência e consultório de um dentista india-no, amigo de Canto e Castro, Canto e Cas-tro reere-me que esse material será levadopara Portugal pela sua companheira JuanitaValderrama. O Major Canto e Castro pede--me então que vá ao Hotel Altis recolher omaterial. Vou então ao Hotel acompanhadode José esteves, e recebemos uma mala e umacarta da senhora Juanita, José Esteves prepa-ra então uma bomba destinada a um avião,com esses materiais, com a ajuda de CarlosMiranda.

O Major Canto e Castro volta depois deLondres, encontra-se comigo, e digo-lhe quea bomba está montada. Lee Rodrigues é-meapresentado pelo Major Canto e Castro. Al-guns dias depois Lee Rodrigues teleona-mee encontramo-nos para jantar no restauranteGaleto, junto ao Saldanha, juntamente comCanto e Castro, onde aparece também EvoFernandes, que era o contacto de Lee Ro-drigues em Lisboa. Fora Evo Fernandes queapresentara Lee Rodrigues a Canto e Castro.Lee Rodrigues era moçambicano e tinha li-gações à Renamo. Nesse jantar alinham-sepormenores sobre o atentado. Canto e Cas-tro reere contudo nesse jantar que o aten-tado será realizado em Angola. Perante estaafrmação, pergunto se ele está a alar a sérioou a brincar, e se me acha com “cara de pa-

lhaço”- azendo tenção de me levantar. Rque, através de Frank Carlucci, já estava de tudo. Lee Rodrigues pede calma, reerdepois Canto e Castro que desconheciaeu já estava a par de tudo, mas que sendsim nada mais havia a esconder.Possivelmente em Novembro, é-me sotado por Philip Snell que participe nreunião em Cascais, num iate junto à anmarina (na altura não existia a actual marVou e levo comigo José Esteves. Essa reutem lugar entre as 20 e as 23 horas, nelaticipando Philips Snell, Oliver North, FSturgies, Sydral e Lee Rodrigues e mais cde 2 ou 3 estrangeiros, que julgo serem ricanos. Nesta reunião é reerido que hápreparar com cuidado a operação quepara breve, e alam-se de pormenores em atenção. É reerido também os cuidque devem ser realizados depois da oção, e o que azer se algo correr mal. A líutilizada na reunião é o Inglês. José Estrecebeu então USD 200.000 pelo seu utrabalho. Eu não recebi nada pois já era normalmente pela CIA. Eu nessa altura rbia da CIA o equivalente a cinco mil dóldispondo também de dois cartões de créDiner’s Club e Visa Gold, ambos com plads de 10.000 Doláres.Lee Rodrigues pede-me então que arranjcartão para José Esteves entrar no aeropPara este eeito, obtenho um cartão orjna mouraria, em Lisboa, numa tipografahoje já não existe. Lee rodrigues diz-me

bém que irá obter uma arda de piloto nloja ao pé do Coliseu, na Rua das PortaSanto Antão. A meu pedido, João PDias, que era carteirista, arranja tambémcartão para Lee Rodrigues. Este cartão otido por João Pedro Dias, roubando o cade Miguel Wahnon, que era uncionáriTAP. Apenas oi necessário mudar-se a grafa desse cartão, colocando a otografLee Rodrigues. José Esteves prepara então, em sua casCacém, um engenho para o atentado. ta com a colaboração de outro operanal chamado Carlos Miranda, especiem explosivos, que é recrutado por mique eu já conhecia de Angola, quando los Miranda era comandante da FNLA epois CODECO em Portugal. José Estevetambém um dos principais comandanteFNLA, indo muitas vezes a Kinshasa.

Depois do arteacto estar pronto, vou nmente a Paris. No Hotel Ritz, à tarde, teum encontro com Oliver North, o cor.lkison e Philip Snell, onde se reere qalvo a abater era Adelino Amaro da CMinistro da Deesa.Volto a Portugal, cerca de 5 ou 6 dias ado atentado. É marcado por Oliver Num jantar no hotel Sheraton. Nesse jaaparece e participa um indivíduo queconhecia e que me é apresentado por ver North , chamado Penaguião. Penagafrma ser segurança pessoal de Sá CarnOliver North reere que Penaguião az pda segurança pessoal de Sá Carneiro e quhomem que conseguirá meter Sá Carneiravião. Penaguião afrma, de orma ria recta que Sá Carneiro também iria no av

Amaro da Costa estava a tentar acabar com o tráfco armas, a investigar o undo de desenvolvimento do Utramar, e a tentar acabar acabar com lobbies instalad

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“pois dessa orma matavam dois coelhos deuma cajadada! “ Arma que a sua eliminaçãoera necessária, uma vez que Sá Carneiro eraanti-americano, e apoiava incondicionalmen-te Adelino Amaro da Costa na denúncia dotráco de armas, e na descoberta do chamadosaco azul do Fundo de Deesa do Ultramar,pelo que tudo estava, desde o início, prepara-do para incluir as duas pessoas: Sá Carneiro eAdelino Amaro da Costa. Fico muito receo-so, pois só nesse momento quei a conhecera inclusão de Sá Carneiro no atentado. Per-gunto a Penaguião como é que ele pode tera certeza de que Sá Carneiro irá no avião, aoque Penaguião responde de que eu não mepreocupasse pois que ele, com mais alguém,se encarregaria de colocar Sá Carneiro na-quele avião naquele dia e naquela hora, poisele coordenava a segurança e a sua palavraera sempre escutada. No nal do jantar, jun-tam-se a nós três o General Diogo Neto e oCoronel Vinhas.Fico estarrecido com esta nova inormaçãosobre Sá Carneiro, e decido ir, nessa mesmanoite, à residência do embaixador dos EUA,na Lapa, onde estava Frank Carlucci, a quemconto o que ouvi. Frank Carlucci respondeque não me preocupasse, pois este plano jáestava determinado há muito tempo. Disse--me que o homem dos EUA era Mário Soa-res, e que Sá Carneiro, devido à sua maneirade ser, teimoso e anti-americano, não serviaos interesses estratégicos dos EUA. MárioSoares seria o uturo apoio da política ame-

ricana em Portugal, junto com outros lideresdo PSD e do PS. Aceito então esta situação,uma vez que Frank Carlucci já me havia ditoantes que tudo estava assegurado, inclusiva-mente se algo corresse mal, como a minhasaída de Portugal, a cobertura total para mime para mais alguém que eu indicasse, e quepudesse vir a estar em perigo. Isto é a usual“realpolitik” dos Estados Unidos, e suspeitoque sempre será.Três dias antes do atentado há uma nova reu-nião, na Rua das Pretas no Palácio Roquete,onde participam Canto e Castro, Farinha Si-mões, Lee Rodrigues, José Esteves e CarlosMiranda. Carlos Miranda colaborou na mon-tagem do engenho explosivo com José Este-ves, tendo ido várias vezes a casa de José es-teves. Nessa reunião são acertados os últimospormenores do atentado. Nessa reunião, LeeRodrigues diz que ele está preparado para a

operação e Canto e Castro diz que o atenta-do será a 3 ou 4 de Dezembro. Nessa reuniãoé dito que o alvo é Adelino Amaro da Costa.No dia seguinte encontramo-nos com Cantoe Castro no Hotel Sheraton, e vamos jantarao restaurante “O Polícia”.No dia 4 de Dezembro, teleono de um tele-one no Areeiro, para o Sr. William Hassel-berg, na Embaixada dos EUA, para conrmarque o atentado é para realizar, tendo-me estereerido que sim. Desse modo, à tarde, JoséEsteves traz uma mala a minha casa, e vamosos dois para o aeroporto. Conduzo José este-ves ao aeroporto, num BMW do José Esteves. Já no aeroporto, José Esteves e eu entramosno aeroporto, por uma porta lateral, junto aum posto da Guarda Fiscal, utilizando o car-tão orjado, anteriormente reerido. Depois

 José Esteves desloca-se e entrega a mala, como engenho, a Lee Rodrigues, que aparececom uma arda de piloto e é também vistopor mim. Depois de cerca de 15 minutos, sai já sem a mala, e sai comigo do aeroporto.Separamo-nos, mas mais tarde José estevesencontra-se novamente comigo no cabelei-reiro Bacta, no centro comercial Alvalade.Depois José Esteves aparece em minha casacom a companheira da época, de nome Gina,e com um saco de roupa para lá car por pre-caução. Ouvi-mos depois o noticiário das 20horas na televisão, e José Esteves ca muitosurpreendido, pois não sabia que Sá Carnei-ro também ia no avião. Arma que omosenganados. Teleona então para LencastreBernardo, que tinha grandes ligações à PJ eà PJ Militar, e uma ligação ao General Eanes,Lencastre Bernardo tem também ligações aCanto e Castro, Pezarat Correia, Charais,ao empresário Zoio e a José António Avelar,que era ex-braço direito de Canto e Castro. José Esteves teleona-lhe, e pede para se en-contrar com ele. Este aceita, pelo que, pelas23 horas, José Esteves, eu, e a minha mulherElza, dirigimo-nos para a Rua Gomes Freire,na PJ, para alar com ele. José Esteves sobepara alar com Lencastre Bernardo que lhetinha dito que não se preocupasse, pois nadalhe sucederia. Passámos contudo por casa de José Esteves pois este temia que aí houvesse já um conjunto de polícias à sua procura, de-vido a considerarem que ele estava associadoà queda do avião em Camarate. José Esteves

cou assim aliviado por vericar que nãoexistia aparato policial à porta de sua casa.Vem contudo dormir para minha casa.Alguns dias depois alei novamente comFrank Carlucci. A quem maniestei o meudesconhecimento e ter cado chocado porter sabido, depois de o avião ter caído, queacompanhantes e amiliares do PrimeiroMinistro e do Ministro da Deesa tambémtinham ido no Avião. Frank Carlucci respon-deu-me que compreendia a minha posição,mas que também ele desconhecia que iriamoutras pessoas no avião, mas que agora jánada se podia azer.Em 1981, encontro-me com Victor Pereira,na altura agente da Polícia Judiciáia, no res-taurante Galeto, em Lisboa. Conto a VictorPereira que alguns dos atentados estão atri-buídos às Brigadas Revolucionárias, relacio-nados com a colocação de bombas, oram

porém eectuadas pelo José Esteves, comooram os casos dos atentados à bomba naEmbaixada de Angola, de Cuba ( esta últimacom conhecimento de Ramiro Moreira), nacasa de Torres Couto, na casa do pro. DiogoFreitas do Amaral, na casa do Eng. Lopes Car-doso, e na casa de Vasco Montez, a pedidodeste, junto ao Jumbo em Cascais, para obtersensacionalismo à época, tendo José Estevesespalhado panfetos iguais aos da FP25.Não alei então com Victor Pereira de Ca-marate. Tomei conhecimento no entantoque Victor Pereira, no dia 4 de Dezembrode 1980, tendo ido nessa noite ao aeroportoda Portela, como agente da PJ, encontrou amala que era transportada pelo eng. AdelinoAmaro da Costa. Nessa mala estavam docu-mentos reerentes ao tráco de armas e de

pessoas envolvidas com o Fundo de deesa doUltramar. Salvo erro, Victor Pereira entregouessa mala ao inspector da PJ Pedro Amaral,que por sua vez a entregou na PJ. Disse-meentão Victor Pereira que essa mala, de maiorimportância no caso de Camarate, pelas in-ormações que continha, e que podiam expli-car os motivos e as pessoas por detrás desteatentado, nunca mais voltou a aparecer. Estainormação oi-me transmitida por Victor Pe-reira, quando esteve preso comigo na prisãode Sintra, em 1986. Não reeri então a VictorPereira que, como descrevo a seguir, eu tinha já tido contacto com essa mala, em nais de1982, pelo acto de trabalhar com os serviçossecretos na Embaixada dos EUA.Também em 1981, uns meses depois do aten-tado, eu e o José Esteves omos ter com oMajor Lencastre Bernardo, na Polícia Judiciá-ria, na Rua Gomes Freire. Com eeito, tanto o José Esteves como eu, andávamos com medodo que nos podia suceder por causa do nos-so envolvimento no atentado de Camarate, equeríamos saber o que se passava com a nos-sa protecção por causa de Camarate. Eu nãoparticipo na reunião, co à porta. Contudo, José Esteves diz-me depois que nessa conver-

sa Lencastre Bernardo lhe reeriu que, numaanterior conversa com Francisco Pinto Bal-semão, este lhe havia dito ter tido conheci-mento prévio do atentado de Camarate, poisem Outubro de 1980, Kissinger o inormoude que essa operação ia ocorrer. Disse-lhetambém que ele próprio tinha tido conheci-mento prévio do atentado de Camarate. Dis-se-lhe ainda que podíamos estar sossegadosquanto a Camarate, pois não ia haver proble-mas connosco, pois a investigação deste casoia morrer sem consequências.A este respeito gostaria de acrescentar quenuma reunião que tive, a sós, em 1986, com

Lencastre Bernardo, num restaurante ao pédo ediício da PJ na Rua Gomes Freire, elegarantiu-me que Pinto Balsemão estava a pardo que se ia passar em 4 de Dezembro. Norestaurante Fouchet’s, em Paris, Kissinger ti-nha-me dito, “por alto”, que o uturo PrimeiroMinistro de Portugal seria Pinto Balsemão. Éimportante reerir que tanto Henry Kissin-ger como Pinto Balsemão eram já, em 1980,membros destacados do grupo Bilderberg,sendo certo que estas duas pessoas levavamconvidados às reuniões anuais desta organi-zação.Deste modo, aquando da conversa com Len-castre Bernardo, em 1986, relacionei o queele me disse sobre Pinto Balsemão, com o quetinha ouvido em Paris, em 1980. Tive tam-bém esta inormação, mais tarde, em 1993,

numa conversa que tive com William Haberg, em Lisboa, quando este me confirde que Pinto Balsemão estava a par de tuEm nais de 1982, pelas inormaçõesvou obtendo na Embaixada dos EUALisboa, verico que se ala de nomes cretos de personalidades americanas tendo estado envolvidas em tráco de aque passava por Portugal. Pergunto entWilliam Hasselberg como sabem destesmes. Ao m de muitas insistências minWilliam Hasselberg acaba por me dizera PJ entregou, na embaixada dos EUA,mala com os documentos transportadoAdelino Amaro da Costa, em 4 de Dezemde 1980, e que cou junto aos destroçoavião, embora não me tenha dito quema pessoa da PJ que entregou esses documtos. Peço então a William Hasselbergme deixe consultar essa mala, uma vezaço também parte da equipa da CIA emtugal. Ele aceita, e pude assim consultdocumentos aí existentes, que consistiamcerca de 200 páginas. Pude assim conseste Dossier durante cerca de uma semtendo-o lido várias vezes, e resumido, à as principais partes, uma vez que não tcomo otograá-lo ou copiá-lo.Vejo então, que apesar do desastre do ave da pasta de Avelino Amaro da Costcado queimada, e ter sido substituídaoutra, os documentos estavam intactos. Edocumentos continham uma lista de comde armas, que incluía nomeadamente R7, RPG-27, G3, lança-granadas, muniçgranadas, minas, rádios, explosivos de tico, ardas, kalashiskovs AK-47 e obReeria-se também nesses documentospara se iludir as pistas, as vendas ilegaarmas eram eitas através de empresas dchada, com os caixotes a reerir que a cse tratava de equipamentos técnicos, e psobresselentes para maquinas agrícolas ea construção civil. Esta orma de transparmas oi-me conrmada várias vezesOliver North, no decorrer da década daté 1988, e quando estive em Ilopango, nSalvador, também na década de 80, verique era verdade.Nestes documentos lembro-me de veralgumas armas vinham da empresa pguesa Braço de Prata, bem como reerêde vendas de armas de Portugal e de pde Leste, como a Polónia e a Bulgária, destino para a Nicarágua, Irão, El SalvaColômbia, Panamá, bem como para alpaíses Aricanos que estavam em gucomo Angola, ANC da Árica do Sul,géria, Mali, Zimbabwe, Quénia, SomLíbia, etc. Está também claramente reenesses documentos que a venda de armeita através da empresa criada em Porchamada “Supermarket” (que operava atrda empresa mãe “Black - Eagle”).

Nos reeridos documentos vi tambémas vendas de armas eram legais atravéempresas portuguesas, mas também hvendas de armas ilegais eitas por empde achada, com a lavagem de dinheirobancos suíços e “o-shores” em nome dotentores das contas, tanto pessoas civis cmilitares.As vendas ilegais de armas ocorriam porias razões, nomeadamente: Em primeirgar muitos dos países de destino, tinhamcialmente sanções e embargos de armassegundo lugar, os EUA não queriam omente apoiar ou vender armas a certos panomeadamente aos contra da Nicaráguao Irão e ao Iraque, a quem vendiam aao mesmo tempo, e sem conhecimentambos. Em terceiro lugar a venda de a

Aastar essas duas pessoas pela via política eraimpossível, pois a AD tinha ganho as eleições.Restava portanto a via de um atentado.

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ilegal é mais rentável e oge aos impostos. Emquanto lugar a venda de armas ilegal permiteo branqueamento de capitais, que depois po-diam ser aproveitados para outros ns.Entre os nomes que vi reeridos nestes docu-mentos guravam:

- José Avelino Avelar- Coronel Vinhas- General Diogo Neto- Major Canto e Castro- Empresário Zoio- General Pezarat Correia- General Franco Charais- General Costa Gomes- Major Lencastre Bernardo- Coronel Robocho Vaz- Francisco Pinto BalsemãoFrancisco Balsemão e Lencastre Bernardoeram reeridos como elementos de ligaçãoao grupo Bildeberg e a Henry Kissinger,Francisco Balsemão pertence também à lojamaçónica “Pilgrim”, que é anglo-saxónica, edependente do grupo Bildeberg. LencastreBernardo tinha também assinalada a sua liga-ção a alguns serviços de inteligência, visto eleser, nos anos 80, o coordenador na PJ e naPolícia Judiciária Militar.Entre as empresas Portuguesas que realiza-vam as vendas de armas atrás reeridas, entreos anos 1974 e 1980, estavam re-eridas neste Dossier:- Fundição de Oeiras (morteiros,obuses e granadas)- Cometna (engenhos explosivose bombas)- OGMA (Ocinas Gerais Mi-litares de Fardamento e OGFE(Ocinas de Fardamento doExercito)- Browning Viana S.A.- A. Paukner Lda, que existe des-de 1966- Explosivos da traaria- SPEL (Explosivos)- INDEP (armamento ligeiro emonições)- Montagrex Lda, que actuavadesde 1977, com Canto e Cas-tro e António José Avelar. Só oicontudo ocialmene constituidaem 1984, deixando, nessa altura,Canto e Castro de ora, para nãoo comprometer com a operaçãode Camarate. A Montagrex Ldaoperava no Campo Poqueno, e era lideradapor António Avelar que era o braço direitode Canto e Castro e também sócio dessa em-presa. O escritório dessa empresa no CampoPequeno é um autentico “bunker”, com por-tas blindadas, sensores, alarmes, códigos nasportas, etc.Canto e Castro e António Avelar são tam-bém sócios da empresa inglesa BAE - Syste-ms, sediada no Reino Unido. Esta empresavede sistemas de deesa, artilharia, mísseis,munições, armas submarinas, minas e so-bretudo sistemas de deesa anti-mísseis parabarcos. Todos estes negócios eram eitos, nasua maior parte, por ajuste directo, atravésde brokers - intermediários, que recebiam assuas comissões, pagas por ociais do Exérci-to, Marinha, Aeronáutica, etc.Nestes documentos era reerido que, comoconsequência desta vendas de armas, gerava--se um fuxo considerável de dinheiro, a par-tir destas exportações, legais e ilegais. Estesdocumentos reeriam também a quem eramvendidas estas armas, sobretudo a países emguerra, ou ligados ao terrorismo internacio-nal. Era também reerido que todas estas ven-das de armas eram eitas com a conivência daautoridade da época, nomeadamente milita-

res como o General Costa Gomes, o GeneralRosa Coutinho (venda de armas a Angola) eo próprio Major Otelo Saraiva de Carvalho( venda de armas a Moçambique). Vi váriasvezes o nome de Rosa Coutinho nestes docu-mentos, que nas vendas de armas para Angola

utilizava como intermediário o general reor-mado angolano, José Pedro Castro, bastanteligado ao MPLA, que hoje dispõe de umaortuna avaliada em mais de 500 milhões deUSD, e que dividia o seu tempo entre Ango-la, Portugal e Paris. O seu lho, Bruno Castroé director adjunto do Banco BIC em Angola.No reerido dossier estavam também reeri-dos outros militares envolvidos neste negó-cio de armas, nomeadamente o Capitão Di-nis de Almeida, o Coronel Corvacho, o VeraGomes e Carlos Fabião.Todas estas pessoas obtinham lucros abulo-sos com estes negócios, muitas vezes mesmoantes do 25 de Abril de 1974 e até 1980. Erareerido que estas pessoas, nomeadamentemilitares, que ajudavam nesta venda de ar-mas, beneciavam através de comissões querecebiam. Estavam reeridos neste Dossier osnomes de “o-shores”, que eram usadas parapagar comissões às pessoas atrás reeridas e aoutros estrangeiros, por Oliver North ou poroutros enviados da CIA. Estas “o-shores” de-

tinham contas bancárias, sempre numeradas.Esta reerência batia certo com o que OliverNorth sempre me contou, de que o negóciodas armas se proporciona através de “o-sho-res” e bancos controlados para a lavagem dedinheiro.Vale a pena a este respeito reerir que no ne-gócio das armas, empresas do sector das obraspúblicas aparecem requentemente associadas,como a Haliburton, a Carlyle, ou a Blackwa-ter, (empresa de armas, construção e mercená-rios), entre outras. Esta relação está reerida,há anos, em vários relatórios, nomeadamentenos relatórios do Bribe Payer Index (índice in-ternacional dos pagadores de subornos), queé uma agência americana. A indicação destetipo de práticas oi desenvolvida mais tarde,pela Transparency International e pelo ComitéNorte Americanos de Coordenação e Promo-ção do Comercio do Senado Americano, quereerem que há muitos anos , mais de 50% donegócio e comercio de armas em Portugal, éeito através de subornos. Os americanos sem-pre usaram Portugal para o tráco de armas,azendo também uncionar a Base das Lajes,nos Açores, para este eeito, nomeadamentedepois de 1973, aquando da guerra do YomKippur, entre Israel e os países árabes. Este

tráco de armas deu origem a várias contra-partidas nanceiras, nomeadamente através daFLAD, que oi usada pela CIA para este eeito.A FLAD recebeu diversos undos especícospara a requalicação de recursos humanos.Não vi contudo neste Dossier observações

reerindo que estas vendas de armas eramcondenáveis ou que tinham eeitos negati-vos. Havia contudo uma pequena nota, emque algumas olhas de que se devia tomar cui-dado com tudo o que aí estava escrito, e queportanto se devia actuar. Havia também naprimeira página um carimbo que dizia “con-dentical and restricted”.Estas vendas de armas continuaram contudodepois de 1980. Tanto quanto eu sei, estasvendas de armas continuaram a ser realizadasaté 2004, embora com um abrandamento im-portante a partir de 1984, a partir do escân-dalo das ardas vendidas à Polónia.No reerido Dossier estavam também reeri-das personalidades americanas envolvidas nonegócio de armas, nomeadamente Bush (Pai),dick Cheney, Frank Carlucci, Donald Gregg,vários militares, bem como a empresas comoa Blackwater. são ainda reeridas empresasligadas aos EUA, como a Carlyle, Halibur-ton, Black Eagle Enterprise, etc, que estavama usar Portugal para os seus ns, tanto pela

passagem de armas através de portos portu-gueses, como pelo ornecimento de armas apartir de empresas portuguesas. Tirei apon-tamentos desses documentos, que ainda hojetenho em meu poder.A empresa atrás reerida, denominada Super-market, oi criada em Portugal em 1978, e ope-rava através da empresa mão, de nome Black--Eagle, dirigida por William Casey, (membrodo CFR(Council or Foreign Aairs and Rela-tions), ex-embaixador dos EUA nas Hondurase também com ligações à CIA). A empresa Su-permarket organizava a compra de armas de a-brico soviético, através de Portugal, bem comoa compra de armas e munições portuguesas,reeridas anteriormente, com toda a cumpli-cidade de Oliver North. Estas armas iam paraentrepostos nas Honduras, antes de serem en-viadas para os seus destinos nais. Oliver Northpagou muitas acturas destas compras em Por-tugal, através de uma empresa chamada GretshWorld, que servia de achada à Supermarket.Mais tarde, cerca de 1985, quando se começoumuito a alar de camarate, Oliver North cance-lou a operação “Supermarket, e echou todas ascontas bancárias.Devo ainda reerir que William Hasselberg eoutros americanos da embaixada dos EUA, em

Lisboa, comentaram comigo, várias vezes oestava escrito neste Dossier. RelativamenHasselberg isso era lógico, pois oi ele qudeu o Dossier a ler. Posteriormente comtambém o que estava escrito neste DossierFrank Carlucci, que obviamente já tinha co

cimento da inormação nele contida.Tanto William Hasselberg, como memda CIA, como outros elementos da CIA reeridos e outros, comentaram várias vcomigo o envolvimento da CIA na operde Camarate e neste negócio de armas. Lbro-me nomeadamente que quando algda CIA, me apresentava a outro elementCia, dizia requentemente “this is the pguese guy, the one rom Camarate, the in Portugal with the plane!”.As vendas de armas, a partir e através de Pgal, oram realizadas ao longo desses anos,era do interesse político dos EUA. A CIA nizou e implementou estas vendas de armaPortugal, à semelhança do que sucedeu nopaíses, pois era crucial para os EUA que carmas chegassem aos países reeridos, de não ocial, tendo para isso utilizados milie empresários Portugueses, que acabaram bém por beneciar dessas vendas.Como anteriormente reeri, William CaOliver North estavam, nas décadas de

80 conluiados com o presidManuel Noriega, no escânIrão - contras (Irangate). Foi pre Oliver North que se ocuda questão dos reéns amenos no Irão, bem como da sção da América Central. Recpessoalmente por isso uma de agradecimentos de GeBush Pai, Vice Presidente à éde Ronald Reagan.Devo dizer a este respeito John Bush, lho de Bush Paitão com 35 anos, a viver narida, pertencia em 1979 e ao “Condado de Dade”, quee é uma organização republicsituada em South Florida, tinada a angariar undos pacampanhas eleitorais repubnas. John Bush era um dos onizadores de apoios nancpara os “contra” da NicaráguConheci também MonzerKasser um grande tracant

armas que tinha uma casa em Puerto Bem Marbella, e que me oi apresentadoParis, por Oliver North, em 1979.Era um dos grandes vendedores de armasos “Contra” na Nicarágua, trabalhando sitaneamente para os serviços secretos sbúlgaros e polacos. Na sua casa em Marbreeriu-me também que, por vezes, o trácarmas era eito através de Árica, para quIraque não se apercebessem da sua provencia, pois também vendiam ao mesmo teao Irão e a Portugal. Este tráco de arque estava em curso, desde há vários ano1980, e o começo do caso Camarate.Através de Al Kasser conheci, em Marbellnal de 1981, outro amoso tracante de anuma esta em casa de Monzer, que se chaAdrian Kashogi. Kashogi, como pude testnhar em sua casa, tinha relações com políe empresários europeus, árabes e aricanosregra ligados ao tráco de armas e drogas.Sou preso em 1986, acusado de tráco degas. Esta prisão oi uma armadilha monpela DEA, por elementos que nessa orgação não gostavam de mim, por eu ter leà detenção de alguns deles, como reeri riormente. Fui então levado para a prisãSintra. Estou na prisão com o Victor Per

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que aí também estava preso. Sei, em 1986, queestavam a preparar para me eliminar na prisão,pelo que peço à minha mulher Elza, para ir a-lar, logo que possível com Frank Carlucci. Emconsequência disso recebo na prisão a visitade um agente da CIA, chamado Carlston, jun-

tamente com outro americano. estes, depoisde terem corrompido a direcção da prisão,incluindo o director, sub-director e chee daguarda, bem como um elemento que se reor-mou muito recentemente, da Direcção Geraldos Serviços Prisionais, chamada Maria Joséde Matos, conseguem a minha uga da prisão.Contribuiu ainda para esta minha uga, me-diante o recebimento de uma verba elevada,paga pelos reeridos agentes americanos estadirectora-adjunta da Direcção Geral dos Ser- viços Prisionais. Estes agentes americanos ob-têm depois um helicóptero, que me transportapara a Lousã, onde fco cerca de 20 dias. Voudepois para Madrid, com a ajuda dos america-nos, e depois daí ara o Brasil. As despesas coma minha uga da prisão custaram 25.000 euros,o que na época era uma quantia elevada.Só mais tarde no Brasil, depois de 1986, éque reeri a José Esteves que sabia que SáCarneiro ia no avião, contando-lhe a históriatoda. José Esteves, responde então, que nessecaso, tínhamos corrido um grande risco. Eutranquilizei-o, reerindo que sempre o apoieie protegi neste atentado. Dei-lhe apoio noBrasil no que pude. Assegurei-lhe também

o transporte para o Brasil, obtendo-lhe umpassaporte no Governo Civil de Lisboa, en-treguei-lhe 750 contos que me oram dadospara esse eeito pela embaixada dos EUA,em Lisboa, e arranjei-lhe o bilhete de aviãode Madrid para o Rio de Janeiro . Na viagemde Lisboa para Madrid, José Esteves oi leva-do por Victor Moura, um amigo comum. NoRio de Janeiro ajudei-o a montar uma loja,numa roulote. Como trabalhava ainda para aembaixada dos EUA, em Lisboa, estas despe-sas oram suportadas pela Embaixada. Ficou

no Brasil cerca de dois anos. Eu, contudo an-dava constantemente em viagem. José Esteves recebe depois um teleonemade Francisco Pessoa de Portugal, onde Fran-cisco Pessoa o aconselha a voltar a Portugal,e a pedir protecção, a troco de ir depor naComissão de Inquérito Parlamentar sobreCamarate. Esse teleonema oi gravado, mas José Esteves nunca chegou a obter uma pro-tecção ormal.Teleono a Frank Carlucci, em 1987, pedin-do-lhe para alar com ele pessoalmente. Eleaceita, pelo que viajo do Brasil, via Miami,para Washington. Pergunto-lhe então, emace do que se tinha alado de Camarate, qualseria a minha situação, se corria perigo porcausa de Camarate, e se continuarei, ou não atrabalhar para a CIA. Frank Carlucci respon-

de-me que sim, que continuarei a trabalharpara a CIA, tendo eectivamente continuadoa ser pago pela CIA até 1989. Frank Carlucciconfrma nessa reunião que puderam contarcom a colaboração de Penaguião na operaçãode Camarate, e que ele, Frank Carlucci, este-

 ve a par dessa participação.Em 1994, oi-me novamente montada umaarmadilha em Portugal, por agentes da DEAque não gostavam de mim, por causa da ree-rida prisão de agentes seus, denunciados pormim. Nesta armadilha participam tambémtrês agentes da DCITE - Portuguesa, os hojeinspectores Tomé, Sintra e Teóflo Santiago.Depois desta detenção, recebo a visita na pri-são de Caxias de dois procuradores do Minis-tério Público, um deles, se não estou em erro,chamado Femando Ventura, enviados porCunha Rodrigues, então Procurador Geralda República. Estes procuradores reerem-meque me podem ajudar no processo de drogade que sou acusado, desde que eu me mante-nha calado sobre o caso Camarate.Por ser verdade. e por entender que chegou omomento de contar todo o meu envolvimentona operação de Camarate, em 4 de Dezembrode 1980, decidi realizar a presente Declara-ção, por livre vontade. Não podendo já alterara minha participação nesta operação, que naaltura estava longe de poder imaginar as trági-cas consequências que teria para os amiliaresdas vítimas e para o país, pude agora, ao me-

nos, contar toda a verdade, para que fique paraa História, e para que nomeadamente os por-tugueses possam dela ter pleno conhecimento.Não quero, por ultimo, deixar de agradecerà minha mãe, à minha mulher Elza Simões,que ao longo destes mais de 35 anos, tantonos bons como nos maus momentos, sempreesteve a meu lado, suportando de orma ex-traordinária, todas as difculdades, ausências,e altas de dedicação à amilia que a minhaprofssão implicava. Só uma grande mulhere um grande amor a mim tornaram possível

este comportamento. Quero também agrade-cer à minha flha Eliana, que sempre soubeaceitar as consequências que para si represen-tavam a minha vida profssional, nunca tendodeixado de ser carinhosa comigo. Finalmentequero agradecer à minha mãe que, ao longode toda a minha vida me acarinhou e enco-rajou, apesar de nem sempre concordar comas minhas opções de vida. A natureza da suaajuda e apoio, tiveram para mim uma impor-tância excepcional, sem, as quais não teriaconseguido prosseguir, em muitos momentosda minha vida. Posso assim afrmar que tivesempre o apoio de uma amília excepcional,que oi para mim decisiva nos bons e mausmomentos da minha vida.

 Lisboa, 26 de Março de 2012

 Já no aeroporto, José Esteves e eu entramos no

aeroporto, por uma porta lateral, junto a um posto

da Guarda Fiscal, utilizando o cartão orjado,

anteriormente reerido. Depois José Esteves desloca-

se e entrega a mala, com o engenho, a Lee Rodrigues,

que aparece com uma arda de piloto e é também visto por mim. Depois de cerca de 15 minutos, sai já

sem a mala, e sai comigo do aeroporto.

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    A    N    T     Ó    N    I    O

     G    R    A    Ç    A

     D    E

     A    B    R    E    U

GUILIN (leia-se Kuilin ou Kueilin) é talvez amais turística de todas as cidades chinesas, um

lugar de eleição nas viagens à China, um des-lumbramento diante da recortada e sumptuosapaisagem de rios, lagos e estranhas montanhas.Rotulada pela propaganda chinesa “como amais bonita cidade do mundo”, o burgo enco-lhe-se diante de tão superlativos elogios. Por-que a magnicência real do lugar não terá aver com Guilin propriamente dita, mas com asvisões antásticas da descida de barco pelo rioLi, ou Lijiang.Em paisagens de mil eitiços e magia, não seráde esquecer o quotidiano diícil das gentes, adura e extremada labuta diária, o pasmo, as do-enças e a morte. Num passado não muito dis-tante, a malária e a lepra eram uma constantena região.Em Guilin também, sentir, viver a China comtudo o que mostra de postiço, doloroso e tran-sitório, com tudo o que tem de genuíno, deli-cado e perene.Guilin ca no sul da China, na província deGuangxi -- ou região autónoma, na nomencla-tura actual --, e az ronteira com as provínciasde Guizhou, Guangdong (onde se situa Ma-cau), Hunan e com o Vietnam. A cidade é an-tiga e considera-se que começou a ganhar im-portância no reinado de Qin Shihuang (entre221 a.C. e 209 a.C.), o primeiro imperador eunicador do império quando, por sua ordem,a trinta quilómetros de Guilin oi escavado ocanal Lingqu que unia, e ainda hoje une, atra-vés de uma ligação entre alguns dos afuentes emais umas tantas esclusas, o rio das Pérolas aorio Yangtsé, possibilitando-se assim o transpor-te fuvial entre o sul e o centro do Império.

Hoje, Guilin conta com 800.000 habitantes,tem alguma indústria mas vive sobretudo doturismo. São milhares e milhares de turistas,sobretudo o turismo interno chinês e não oestrangeiro, que diariamente chegam à cidadepara depois azerem os 83 quilómetros de bar-co na descida pelo Lijiang até à originalíssimacidadezinha de Yangshuo, já perto do rio Xi-

 jiang, o braço oeste do rio das Pérolas.De resto, Guilin não ca longe de Macau, aí auns quinhentos quilómetros de distância, o quenuma China que tem o tamanho da Europa,não é muito. São dezoito horas de autocarroaté Zhuhai, logo ali do outro lado das Portasdo Cerco, são seis horas de jet-oil na viagem

rápida até Cantão mas, se viermos de comboiodesde Pequim, bem lá mais para norte, será ne-cessário contar com trinta horas de viagem. DeXangai a esta cidade são trinta e cinco horas decomboio.Cheguei pela primeira vez a Guilin na Prima-vera de 1978. Depois não z o balanço dosregressos, mas oram uma mão cheia deles, es-paçados ao longo dos anos, o último dos quaisem 2009.A cidade cresceu, claro, e oi alindada.Quando Bill Clinton veio à China em 1998,levaram-no a Guilin e o então presidente nor-te-americano cou alojado num hotel junto aolago Shanhu, quase no centro do burgo. Clin-ton criticou a imundície que viu no lago e emredor do hotel e, por brincadeira, terá dito queem Guilin dormiu rodeado por um enorme cai-xote do lixo. Os chineses tomaram medidas,limparam, arranjaram o lago e arredores, trans-

ormaram os espaços num parque, construíramdois pagodes iguais com nove andares, o do Sole o da Lua, um pintado a dourado, o outro aprateado, e até zeram uma réplica pequena daGolden Gate, a ponte sobre a baía de S. Fran-cisco, que agora atravessa um canal por detrásdo lago.Ignoro qual o menu dos banquetes com queBill Clinton e a esposa Hillary oram presente-ados em Guilin. A verdade é que aqui, tal comoacontece na vizinha província de Guangdong,come-se tudo o que mexe, está parado e parececomestível.As especialidades locais podem começar poruma sopa de cobra perumada com caril e ervas

aromáticas, depois um estuado de gato selva-gem (ou proveniente das casas e dos telhadosda cidade) com gengibre, continuando o ban-quete com perna de pangolim (um animal pro-tegido, em vias de extinção) rita no wok compimentão picante. E mais uns tantos petiscoscomo caldeirada de enguias, peixe do rio emmolho de soja e ananás, pombos de escabeche

com açarão e canela e, delícia das delícias, umcozido de pedaços de cão com cenoura e re-bentos de bambu.Deixemos para trás a cidade de Guilin, mais acozinha típica da região, e vamos até à gruta daFlauta de Cana rasgada pela água pura do tem-po. É semelhante às nossas grutas calcárias deAlvados e Mira Daire, um pouco maior e, comoos chineses adoram excessos da mais variadaespécie, resolveram iluminar tudo por dentro,num exagero barroco que transorma as grutasnum pitoresco e antasmagórico estival de luze cor. Vale a pena ver.Depois é tempo de descer o rio Lijiang até avila de Yangshuo. O rio corre devagar, aben-çoado pelo esvoaçar da brisa e pelo chilreardos pássaros, a viagem fuvial az-se, sossegadae límpida, entre bambuais, arrozais dourados emontes de pedra cobertos pelo veludo verdedos séculos, entre bosques de acácias e osman-tos, à sombra da penedia gigante que sobe atéao céu.Yangshuo é o m da descida do rio. Normal-mente os turistas costumam regressar a Guilinde autocarro e daí avançam para outros lugares.Mas aconselho a estadia em Yangshuo, duran-te dois ou três dias. Novidade nestes últimosanos, a vilazinha transormou-se num localde xação provisória, quiçá denitiva, de unstantos desvairados estrangeiros, que, zangadoscom o mundo onde nasceram e cresceram, embusca de um mini-paraíso terreno, compraramou alugaram casa em Yangshuo e por aqui vi-vem em paz. Serão cerca de duas centenas arequentar os caés e restaurantes chineses de

tipo ocidental (comem-se óptimas pizzas nestelugar!). Trata-se sobretudo de norte-america-nos, mas também há europeus que cirandampelo esplendor da paisagem circundante numavila deslumbrante debruçada sobre um riotransparente, anichada entre montes de pedraque parecem saídos de um conto de adas.À noite, um espectáculo de cantos e dançascom as minorias nacionais da região de Guilin,os zhuang, dong, miao e yao, com meninas de

 jade dançando como pétalas de seda suspensasno ar.Depois adormecer na pequena Pousada dasFlores, em Yangshuo. Lá ora, um tecto de nu-vens brancas acaricia a terra, mui ao de leve.

O rio corre devagar, abençoado pelo esvoaçar da brisa e pde pedra cobertos pelo veludo verde dos séculos, entre boGUILIN, RIO L桂林AntónioGrAçA de Abreu

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dos pássaros, a viagem fuvial az-se, sossegada e límpida, entre bambuais, arrozais dourados e montes

ácias e osmantos, à sombra da penedia gigante que sobe até ao céuS GENTES E A PAISAGEM

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O BAR LAN OUTRA VEZ

Pedro Lystmanna revolta do emir

É possível, e aconselhável, abordar o Lan a partir da entrada do Hotel Cro-wn Towers. Este exercício poupa-nosà náusea que os corredores do City oDreams possam causar, passerelle inútilde uma populaça aparentemente indi-erente a uma galeria de lojas que emnada se distingue de incontáveis ou-tras que existem em Macau.Para quem o não conhece este barapresenta duas boas surpresas. Umaé o seu desenho e inscrição no lobby do hotel, de modo algum ineliz. Ou-tra é a extensão e a qualidade da sua

lista de vinhos de mesa, muito inter-nacional, e a decência da oerta dechampagnes, não muito longa massufciente aos apetites de um consu-midor moderado – uma página, uns30 champagnes.Esta coloração internacionalizan-te tem paralelo no traço deste pe-queno bar, um pouco sisudo mas demodo nenhum aborrecido. Situadono undo do lobby do hotel, desteaproveita alguns dos motivos deco-rativos, que até ele se prolongam.Talvez merecesse, porventura, umaidentidade mais própria por orçado cuidado que oi posto na suaidealização, mas este lugar tem su-iciente carácter para que tambémo possamos apreciar como parte dovasto lobby, longo e exacto, sem a-lhas de concepção, oerecendo umadistracção coscuvilheira que podeser agradável à passagem do tempo.Este (lobby) terá em exposição, mui-to em breve, canteiros de bambusque nele se inscreverão, não tenhodúvidas, de modo muito competen-te. Este será certamente uma ontede longos deleites, ponto alto e co-lorido da saison bebente Primavera / Verão deste ano.Não deixo de conessar que este é umsítio que me inspira alguma simpatia,pela sua inocência e pela indefniçãoque nele se apercebe.

A estas disposições junta-se uma outradistracção leve, umas pianistas indus-triosas mas raquinhas que arranhammotivos conhecidos com uma al-ta de rigor comovente. A evitar porrequentadores que se não inclinem auma certa dose de benevolência paracom as simpáticas percutoras. Comoacontece tantas vezes em Macau, arequência dos seus bares de hoteldeve vir acompanhada de uma pre-disposição para a condescendência.

Quem quiser estender este conselhoa outras áreas da vida local poderáazê-lo sem incorrer no espanto destevosso dedicadíssimo servo.Esta inclinação permite ultrapassarcom à-vontade a decisão de incapa-citar o bebente de se sentar ao bal-cão ou a escolha das azeitonas queguarnecem o martini (pedido, nummomento de distracção, sem insistirna casquinha de limão), enormes e re-cheadas de pedaços de queijo que seespalham pelo copo (de pé demasiadoalto) com um ar ameaçador e veneno-

so. Há uma altura em que começo aver (ou a imaginar?) estas infltraçõesa espalharem-se com a languidezmortíera de uma inecção benvinda.Este é o palco apropriado para cum-prir um exercício que em Macau setornou quase obrigatório, deixar es-correr uma desinteressada compla-cência à alta de ousadia e à ausênciado terror. Esta opacidade leva-me apedir de novo a lista de vinhos: por-tugueses, ranceses, italianos, neo--zelandeses, libaneses, australianos,americanos, chilenos, argentinos, 6páginas de brancos e 17 páginas detintos. Há  Pimm’s, é primavera, e nãovejo razões para que a abundância nosindisponha.Não me entendam mal. Este bar é óp-timo e eu gosto dele. As empregadasmostram brio e nele há um charmedo vazio, uma total ausência de his-tória e uma total ausência de mistérioou promessa de uturo. É só isto aquique se vê, por meio da tarde invadidode um sol baço acilmente impedidopor uma cortinária alta, prontamentecorrida pelas empregadas, solícitase com algum saber destas coisas detentar agradar. Mesmo que pareçamaltar-lhe partes (ao bar), como se umpintor se tivesse esquecido de preen-cher secções de um quadro, como senele houvesse partes por acabar. Mes-mo que o  Lan seja assim eu gosto da

altura das paredes, das janelas e dacortinália e das pianistas que esque-cem algumas notas ou as julgam des-necessárias. Umas notas a menos nãoacrescentam desavor ao Lan, apenas ocomplementam. Espero ansiosamente(não há aqui a menor ironia) que secumpra, em Abril, a promessa do es-plendor das gramíneas.Conselho irrecusável: um  Pimm’s Cup ou um branco libanês pelas cinco datarde de um dia de sol.

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T E R C E I R O O U V I D O

UMA NOITE FLAU

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Quiet nights o quiet stars, quiet chords rommy guitarFloating on the silence that surrounds usQuiet thoughts ‘n’ quiet dreams, quiet walksby quiet streamsClimbing hills where lovers go to watch theworld below together

Quiet Nights of Quiet Stars (Corcovado)Tom Jobim

Na próxima terça-eira, dia 8, a Live MusicAssociation (Ediício Man Kei, na Avenida doCoronel Mesquita), oerece o palco para uma“Flau Night”. São três os nomes ligados à edi-tora japonesa que, pela primeira vez, actuamem Macau: Cokiyu, Aus e Cuushe.Desde que surgiu, em 2006, a Flau tem contri-buído exemplarmente para o estabelecimentodo Japão como ponto central da produção ac-

tual de olk-electrónica, uma das ramifcaçõesda “indietronica” (mais uma “categoria” doque um “estilo”, de acordo com o excelenteAll Music Guide, caracterizada pela usão desonoridades devedoras ao rock e à pop, comdesvios electrónicos), que tem raízes ainda nosanos 1990 (cortesia dos ingleses Stereolab), eque se espalhou no tempo e no espaço.Devedora dos computadores, a olk-electró-nica de que a Flau tem sido embaixadora me-receu o epíteto de “bedroom pop”, um mimoque, na verdade, é certeiro na descrição de

uma música de sensibilidade delicodoce e quese adivinha de produção solitária.Apesar de ter base em Tóquio, a Flau alinhanas suas fleiras projectos de todo o mundo.O duplo disco “Echod”, lançado no mesmomês de Dezembro de 2006 em que a Flau oiundada, além de anunciar a editora, serviutambém para apresentar ao público japonêsartistas de outras paragens que são inspiraçãopara a Flau. Assim se explica a inclusão de no-mes dos Estados Unidos, Europa, Reino Uni-do e América do Sul, The Boats, Lori Scacco,Montag ou Florencia Ruiz, entre outros.Limitado a uma edição de 100 cópias, “Echod”oi uma espécie de disco antasma que desapa-receu quase que instantaneamente.O disco Flau que ostenta o número um de umcatálogo que já conta com 21 títulos é, no en-tanto, “Mirror Flake”, de Cokiyu, um dos no-mes que vão estar em Macau.Depois de artistas como Piana ou Tujiko Nori-

ko, Cokiyu é mais um nome eminino a ponti-fcar na cena japonesa.Munida de um piano de brincar, toques deguitarra suaves e arranjos electrónicos, CokiyuYukiko aventura-se por canções sobre as quaisplana com a sua voz delicada. Entre o intimis-mo de um quarto adolescente e o ambiental deespaços largos e oníricos, a música de Cokiyu,

 já com dois álbuns, deixa uma impressão du-radoura.As mesmas expressões e ideias assomam paradescrever a música de outro dos nomes que

estará em Macau na próxima terça-eira, Aus.Projecto solitário de Yasuhiko Fukuzono,curador da Flau, Aus tem, desde 2004, novediscos editados e dezenas de participações emcompilações e remisturas. Já trabalhou comnomes com Ulrich Schnauss ou Joshua Eustis,dos Teleon Tel Aviv.Na sua música, os “feld recordings”, sons am-bientais do quotidiano, dão textura à electró-nica, muitas vezes minimal e abstracta ao pon-to de se tornar hipnótica.O outro nome que nos visita no próximo dia 8é Cuushe, mais um nome eminino que, alémdo género, partilha outras afnidades comCokiyu.Cuushe vem de Quioto e na bagagem, certa-mente, haverá alguns dos temas que arão par-te do seu segundo trabalho, “Girl You KnowThat I Am Here But The Dream”, com ediçãoagendada para Junho de 2012, e que inclui re-misturas eitas por nomes como Teen Daze ou

 Julia Holter.O disco de estreia de Cuushe, “Red RocketTelepathy”, de 2009, nas palavras da editoraFlau, navegava pelas águas da “dream pop”,mas mais próximo dos “sonhos deseitos” doque de uns quaisquer “sonhos cor de rosa”.“Nostalgia” é a palavra-chave apresentadapela editora para abordar as paisagens sono-ras electrónicas que tanto evocam Cokiyucomo Björk.Que mais virá e que memória fcará é tareapara conerir uma noite destas, em Macau.

próximo oriente HugoPinto

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C I D A D E S I N V I S Í

metrópolis TiagoQ uadros*

NO QUARTO DE ROSEMARY

QUANDO SOBRE UMA FOLHA DEPAPEL BRANCO MARCAMOS UM

PONTO, PODEREMOS DIZER, EMBORACONVENCIONALMENTE, QUE ESTEPONTO ORGANIZA TAL FOLHA, TALSUPERFÍCIE, TAL ESPAÇO, A DUASDIMENSÕES, SABIDO COMO É QUEA SUA POSIÇÃO PODE SER DEFINIDAPOR DOIS VALORES (X, Y) EM RELAÇÃOA UM DETERMINADO SISTEMA DECOORDENADAS.

Se, porém, concebemos tal ponto levanta-do, aastado da mesma olha de papel, pode-remos dizer, embora também convencional-mente, que ele organiza o espaço a três di-mensões, dado que a sua posição pode igual-mente ser denida, agora por três valores (x,y, z), em relação a um determinado sistemade coordenadas. Mas existe uma terceira hi-pótese – a de o mesmo ponto se encontrarnão parado, não estático, mas em movimentoe, nesse caso, aos três valores ou dimensões(x, y, z) que o denem haverá que acrescentaruma quarta dimensão t (tempo), dispondo--se assim de um conjunto de dimensões quepermite localizar o mesmo ponto em cadaposição da sua trajectória e em relação a umdeterminado sistema de coordenadas.

As ormas organizam assim o espaço, mastal como a olha de papel que inicialmentereerimos e onde marcámos um ponto é umespaço que constitui também orma, que é

como que um negativo do mesmo ponto, po-deremos, generalizando igualmente, armarque aquilo a que chamamos espaço é tambémorma, negativo ou molde das ormas queos nossos olhos apreendem, dado que numsentido visual, que é aquele que para o casoimporta considerar, o espaço é aquilo que osnossos olhos não conseguem apreender porprocessos naturais. Visualmente, portanto,poderemos considerar que as ormas animamo espaço e dele vivem, mas não deverá nun-ca esquecer-se que, num conceito mais real,o mesmo espaço constitui igualmente orma,até porque aquilo a que chamamos espaço éconstituído por matéria e não apenas as or-mas que nele existem e o ocupam, como osnossos olhos deixam supor.

Mas a apreensão visual do espaço pressu-põe um observador que a realize e a consi-deração da existência de tal observador vemenriquecer, pela criação de situações várias, odimensionamento do espaço. A esse propó-sito recordo uma passagem de Terna É a Noite,do grande Scott Fitzgerald:

“Abriu a porta do seu quarto e dirigiu-sedirectamente à secretária, onde recordava terdeixado o relógio. Estava ali. Enquanto o co-locava no pulso, olhou a carta diária para asua mãe e terminou mentalmente a sua últimarase. Foi então que se apercebeu gradual-

mente, sem se virar, de que não estava sozi-nha no quarto.

Num quarto habitado há sempre objectosrerangentes em que mal se repara: Madeiraenvernizada, metais mais ou menos polidos,prata e marm, além desses milhares de re-fectores de luz e sombra, tão apagados quedicilmente os vemos como tais: topos dasmolduras, gumes de lapis ou de cinzeiros, deobjectos de porcelana ou cristal. Toda estareracção – que apela para refexos igualmen-te subtis da visão, assim como para ragmen-tárias associações subconscientes que parece-mos reter, como um vidreiro guarda ragmen-tos de vidro que mais tarde lhe poderão serúteis – pode justicar aquilo que mais tardeRosemary descreveu, misticamente, como a“compreensão” de haver mais alguém no seuquarto, antes de o ter propriamente visto.Mas quando compreendeu tal, voltou-se ra-pidamente, numa espécie de passo de ballet,e viu um negro morto deitado na sua cama.”1

Chegado a este ponto arrisco as seguintesaproximações:

Primeira: na percepção (e consciência)do espaço arquitectónico, dos pequenos aosgrandes espaços, todos os sentidos são con-

 vocados.Melhor: diria que a percepção dos actos

e eventos arquitectónicos é eita com o corpotodo, e não apenas com a vista. A visão podeser o sentido predominante ou hegemónico;

mas seguramente não é o único nem por ve-zes o dominante na construção da ideia (ima-gem) que se orma e se guarda de um ediício.Assim, sou orçado a admitir que a pura visu-alidade da Arquitectura é coisa que não exis-te. Pelo contrário, a percepção dos eventosarquitectónicos é a coisa mais impura, maiscontaminada deste mundo: além de todos ossentidos, nela participa todo o “lixo” deposi-tado nos arsenais da memória, e que é analo luxo das nossas vidas únicas e irrepetíveis.

Segunda: tal como o tempo não se perce-be à margem dos acontecimentos, também oespaço não se percebe à margem dos objec-tos. E é tão simplesmente isto que Rosemary,da orma mais bela, nos diz – a separação en-tre espaço e objecto não tem sentido, comonão tem sentido a separação entre tempo eevento.

*Arquitecto, Mestre em Cor na Arquitectura pela Faculdadede Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa

1- SCOTT FITZGERALD, F. (2007). Terna É a Noite, Lisboa:Relógio D’Água, p. 118.

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O B I T U Á R I O

O CINEASTA FERNANDO LOPES,autor de flmes como “Belarmino” e “Uma

abelha na chuva”, que dizia “beber demais,umar demais” e comover-se demais, mor-reu quarta-eira, aos 76 anos, no Hospitalda Cruz Vermelha, em Lisboa.

Fernando Lopes, que entendia o cine-ma como orma “de tocar o espectadorsob pena de não ser cinema, mas sim umoutro ormato qualquer”, admitia já “terido ao tapete” várias vezes, assumindoque também “há sempre uma certa belezana derrota”.

Em 2008 recebeu o Prémio Carreirado Fantasporto, tendo expressado medode osse esse o termo do seu percurso,por lhe ser cada vez mais diícil flmar.

O realizador maniestava-se entãomuito crítico em relação ao uturo do ci-nema português, ao mesmo tempo quereconhecia não haver espaço para ele naprodução existente, porque, como subli-nhou, “em cinema só querem azer orma-tos”.

A alta de dinheiro, porém, não o im-pediu prosseguir. O seu último flme, “Emcâmara lenta” (2011), estreou-se no iní-cio do ano, em todo o país.

PERFILNascido a 28 de dezembro de 1935, emMaçãs de Dona Maria, concelho de Al-

 vaiázere, no distrito de Leiria, FernandoLopes integrou a equipa inicial de jovensprofssionais que undou a RTP – em cujoquadro técnico ingressou em 1957, anodo início das emissões - e oi diretor do

Canal 2, que chegou mesmo a assumir oseu nome, “Canal Lopes”, sob a presidên-cia de João Soares Louro, entre o fnal dadécada de 1970 e o início da seguinte.

Na RTP, Fernando Lopes undou ain-da o Departamento de Co-Produções In-ternacionais.

Fernando Lopes passou a inância emOurém, aos cuidados de uma tia e, aos 10anos, fxou-se em Lisboa, junto da mãe.Pouco tempo depois, começou a traba-lhar como paquete enquanto prosseguiaos estudos no ensino técnico.

O despertar para a realização aconte-ceu através do movimento cineclubista,como assumiu mais tarde, tendo sido só-cio do Cineclube Imagem, dirigido por

 José Ernesto de Sousa.

Em 1959, tornou-se bolseiro do Fun-do de Cinema Nacional, indo estudarpara a London School o Film Technic,no Reino Unido, onde obteve o diplomade realização de cinema, e estagiado naBBC, a televisão pública britânica.

“Belarmino” – uma média metragemsobre a vida do pugilista Belarmino Fra-goso - oi a primeira obra que o destacou,em particular na área documental, após acurta-metragem “As pedras e o tempo”.

“Belarmino” oi realizado realizou de-pois de regressar de Londres e a críticaconsiderou-o a obra-chave do movimentodo novo cinema português, a par de “Dom

Fernando Lopes (1935-2012)

HUMANO,DEMASIADOHUMANO

Roberto” (1962), de Ernesto de Sousa, e“Verdes anos” (1963), de Paulo Rocha.

Em 1965, Fernando Lopes oi estagiarpara Hollywood, onde permaneceu seismeses.

No regresso, realizou “Uma abelha nachuva” (1971), baseado no romance ho-mónimo de Carlos de Oliveira, que jun-tamente com “Belarmino” e “O Delfm”(2002), acabariam por tornar-se as obrasmais conhecidas da flmografa do reali-zador hoje alecido.

Fernando Lopes leccionou no Cursode Cinema da Escola Superior de Teatroe Cinema de Lisboa e dirigiu a revista Ci-néflo, com António-Pedro Vasconcelos,editada no início da década de 1970.

“Em câmara lenta” (2011), “Os sorrisosdo destino” (2009), “98 octanas” (2006),“Lá ora” (2004), “O fo do horizonte”(1993), a partir do romance de AlbertoSeixas Santos, “Matar saudades” (1988),“Crónica dos bons malandros” (1984), e“Nós por cá todos bem” (1976), uma evo-cação da mãe, são alguns dos flmes que

estabeleceram a dimensão do cinema deFernando Lopes.

“Cantigamente”, “As armas e o povo”,um flme colectivo, “The bowler hat”,“Interlude” e “The lonely ones” são ou-tros trabalhos do cineasta, assim comoo documentário “O Meu Amigo Mike aotrabalho”, sobre o artista Michael Bibers-tein, dirigido em 2008.

A versão portuguesa da curta-metra-gem “Kali, o pequeno vampiro”, de Re-gina Pessoa, recém-apresentada no IndieLisboa 2012, conta com a narração deFernando Lopes.

“Lovebird”, de Bruno de Almeida,protagonizado pelo realizador, e “Prova-

 velmente Fernando Lopes”, de João Lo-pes, são dois flmes que contam com ocarácter daquele que dirigiu “Belarmino”.

REACÇÕESO realizador António-Pedro Vasconce-los disse que Fernando Lopes oi “um ho-mem de consensos a quem o novo cine-ma português deve muito”. Da sua obra,

destacou o documentário “Belarmde 1964, que considerou “o melhor f

eito em Portugal e em qualquer partbre uma personagem”.

O jornalista Vicente Jorge Silva, tbém amigo do cineasta, destacou a “odia” da longa-metragem “Uma abelhchuva” e do documentário “Belarmique considera “um mergulho num ttório completamente estranho ao cinportuguês”.

O undador do jornal Público, também realizou “Porto Santo”, codera no entanto “O Delfm”, adaptado romance homónimo de José CardPires, “o mais completo flme de Ferdo Lopes” e “a melhor adaptação de obra literária ao cinema em Portugal

O realizador Alberto Seixas Sadisse que Fernando Lopes oi “um maiores montadores e, como realizaalguém que esteve sempre no cruzamto das várias decisões que se orammando sobre o que era melhor pacinema português”.

Para o actor Rogério Samora, participou em quatro flmes de FernaLopes, este “era um homem de cineda luz, da montagem; o cinema co-lhe nas veias; ele sabia o que queria sem se importar com o que diziam”, mou o actor.

Miguel Valverde, director do F val IndieLisboa 2012, sublinhou quenando Lopes “pertenceu a um gruprealizadores que, nos anos 1960, tecoragem de mudar o cinema portugu

Miguel Gomes, realizador de “Tadistinguido no último Festival de Bedestaca a generosidade de Fernandopes: “Nunca julgava as personagens flmes, mesmo que estas mostrassemsuas limitações ou procedessem maacho que isso vem desse lado da penalidade dele tão generosa com as oupessoas”.

O undador do Fantasporto, Mário Dminsky, considerou Fernando Lopes umresponsáveis pela revolução do cinemacional na década de 1960 e um dos manomes da Sétima Arte em Portugal.

Margarida Gil, presidente da Assoção Portuguesa de Realizadores (Adisse que Fernando Lopes “era o humano dos cineastas”. A responsafrmou que Fernando Lopes oi “comnheiro de todas as gerações, e sabiaflmes dos outros como ninguém”.

“Tinha o mais generoso dos olhagostava das pessoas e dos flmes demodo quente, sem deixar de ser diete”, afrmou Margarida Gil. A presidda APR lembrou “a argúcia e rigorFernando Lopes e “uma intuição que

 vinha da sua extraordinária inteligênsensibilidade e capacidade de vi“Com ele desaparece uma memóriauma certa Lisboa, boémia e vadia, polar e sofsticada, terna e proundamlivre, como ele”, rematou Gil.

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À S U P E R F Í

António LoboAntunesin Revista Visão

AGORA SOL na rua a fm de me me-lhorar a disposição, me reconciliar coma vida. Passa uma senhora de saco decompras: não estamos assim tão mal,ainda compramos coisas, que injusto

tanta queixa, tanto lamento. Isto é inter-nacional, meu caro, internacional e nós,estúpidos, culpamos logo os governos.Quem nos dá este solzinho, quem é? Ede graça. Eles a trabalharem para nós, atrabalharem, a trabalharem e a gente, malagradecidos, protestamos.

Deixam de ser ministros e a sua vidaum horror, suportado em estóico silêncio.Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia,o senhor Dias Loureiro, o senhor JorgeCoelho, coitados. Não há um único quenão esteja na ranja da miséria. Um úni-co. Mais aqueles rapazes generosos, que,não sendo ministros, deram o litro peloPaís e só por orgulho não estendem amão à caridade. O senhor Rui Pedro So-

ares, os senhores Penedos pai e flho, queisto da bondade as vezes é hereditário,dúzias deles. Tenham o sentido da rea-lidade, portugueses, sejam gratos, sejamhonestos, reconheçam o que eles sore-ram, o que sorem. Uns sacrifcados, unsCristos, que pecado eio, a ingratidão. Osenhor Vale e Azevedo, outro santo, bemo exprimiu em Londres. O senhor CarlosCruz, outro santo, bem o explicou em li-

 vros. E nós, por pura maldade, teimamosem não entender. Claro que há povosainda piores do que o nosso: os islande-ses, por exemplo, que se atrevem a meteros beneméritos em tribunal. Pelo menosnesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto dehumanidade, de respeito. Um pozinhode consideração por almas eleitas, que

Deus acolherá decerto, com especial ter-nura, na amplidão imensa do Seu seio. Jáo estou a ver

- Senta-te aqui ao meu lado ó Lourei-ro

- Senta-te aqui ao meu lado ó DuarteLima

- Senta-te aqui ao meu lado ó Aze- vedo que é o mínimo que se pode azer

“NAÇÃO VALENTE E IMORTAL”por esses Padres Américos, pela nossainterminável lista de bem-aventurados,banqueiros, coitadinhos, gestores que océu lhes dê saúde e boa sorte e demaispenitentes de coração puro, espíritosde eleição, seguidores escrupulosos doEvangelho. E com a bandeirinha nacio-nal na lapela, os patriotas, e com a ar-

raia miúda no coração. E melhoram-nosobrigando-nos a sacriícios purifcadores,aproximando-nos dos banquetes de bem--aventuranças da Eternidade.

As empresas echam, os desempre-gados aumentam, os impostos crescem,penhoram casas, automóveis, o ar querespiramos e a maltosa incapaz de enxer-gar a capacidade purifcadora destas me-didas. Reormas ridículas, ordenados mí-nimos irrisórios, subsídios de cacaracá?Talvez. Mas passaremos sem difculdadeo buraco da agulha enquanto os Lourei-ros todos abdicam, por amor ao próximo,de uma Eternidade eliz. A transcendên-cia deste acto dá-me vontade de ajoelharà sua rente. Dá-me vontade? Ajoelho à

sua rente indigno de lhes desapertar ascorreias dos sapatos.Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!Loureiro para o Panteão já!

 Jorge Coelho para o Mosteiro de Al-cobaça, já!

Sócrates para a Torre de Belém, já! ATorre de Belém não, que é tão eia. Paraa Batalha.

Fora com o Soldado Desconhecido, oGama, o Herculano, as criaturas de pa-cotilha com que os livros de História nosenganaram.

Que o Dia de Camões passe a cha-mar-se Dia de Armando Vara. Hajasentido das proporções, haja espíri-to de medida, haja respeito. Estátuasequestres para todos, veneração nacio-

nal. Esta mania tacanha de perseguir osenhor Oliveira e Costa: libertem-no.Esta pouca vergonha contra os poucosque estão presos, os quase nenhunsque estão presos como provou o se-nhor Vale e Azevedo, como provouo senhor Carlos Cruz, hedionda per-seguição pessoal com ins inconessá-

 veis . Admitam-no. E voltem a pôr o

senhor Dias Loureiro no ConselhoEstado, de onde o obrigaram, por dade e inveja, a sair. Quero o senMexia no Terreiro do Paço, no luD. José que, aliás, era um pateta. Qro outro mártir qualquer, tanto azlugar do Marquês de Pombal, esse no. Acabem com a pouca vergonha

Sindicatos. Acabem com as manieções, as greves, os protestos, por deixem de pecar. Como pedia o dtor João das Regras, olhai, olhai bmas vêde. E tereis mais ominha e,consequência, mais Paraíso. Agrçam este solzinho. Agradeçam a LBranca. Agradeçam a sopa e a peçade ruta do janta r. Abaixo o Bem-E

Vocês alam em crise mas as actrdas telenovelas continuam a aumentpeito: onde é que está a crise, então? gostam de olhar aquelas generosas abdâncias que uns violadores de sepultucom a alcunha de cirurgiões plást

 vos oerecem ao olhinho guloso? comem carne mas podem comer lá

da grossura de bies do lombo e tranmar as caras das mulheres em tenebrmáscaras de Carnaval.

Para isso já há dinheiro, não é? Ecês a queixarem-se sem vergonha, ecês cartazes, cortejos, berros. Proíb-se os lamentos injustos. Não se venlivros? Mentira. O senhor RodrigoSantos vende e, enquanto vender, o nda nossa cultura ultrapassa, sem difdade, a Academia Francesa. Que qumos? Temos peitos, lábios, literaturaministros e os ex-ministros a tomaconta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a mais se pode aspirar? O resto são coinsignifcantes: desemprego, preçodispararem, não haver com que paga

médico e à armácia, ninharias. Comque ainda sobram criaturas com a deçatez de protestarem? Da mesma oque os processos importantes em trnal a indignação há-de, atalmenteprescrever. E, magrinhos, magrinhoscom peitos de litro e beijando-nosaos outros com os bies das bocas smos, como é nossa obrigação, elizes

 

O resto são coisas insignifcantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médic

e à armácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desaçatez de protestarem?

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À S U P E R F Í C I E

Victor oliVeiraMateus

AO VER-LHE a aliança, pela primeira vez, Teresa sentiu um misto de estupeac-ção e asco. Aquele pedaço de prata relu-zente, assim exibido no anelar esquerdo,

trouxe-lhe à memória as reuniões colum-bólas da sua inância: as aves echadasem minúsculas gaiolas, o arrulhar mo-notonamente idêntico, a domesticaçãoa desenhar-se numa liberdade para di-

 vertimento alheio. Como poderia, pois,alguém alegrar-se com uma entrega chei-rando à oca rotina das aparências?, pen-sou Teresa, à entrada do caé, enquantose amparava à arca dos gelados. O que achocava não era – como é óbvio - o sím-bolo do pacto, mas o ar de conquista, dealvo conseguido com que Diogo exibiao troéu.

(Sabes?, diria ela, nessa tarde, a Gonçalo, seuamigo de inância que sempre a entendia ou a isso seesorçava: era como se se estivesse rente à vida como

uma corrida de obstáculos e aquele idiota andasse aapregoar que tinha superado mais um… )Cumprimentaram-se. Sorriram. To-

maram o pequeno-almoço ao balcãocomo era hábito: ele sempre de sorrisoestudadamente inocente em riste, deolhar perverso que prometia o que deantemão sabia que jamais iria dar e comas mesmas palavras de uma venenosaragilidade a armadilharem-lhe os ins-tantes. Teresa não podia deixar de xar aaliança, e ele, provocatoriamente, ngiusacudir com essa mesma mão umas miga-lhas que nem sequer tinham caído no ca-saco. Despediram-se como de costume.Nessa tarde, a pretexto de uma questão

qualquer, Diogo arranjara um modo delhe ligar para o telemóvel. Enviara-lheigualmente dois incipientes emails comnotícias sobre uma cantora de que ambosgostavam.

No dia seguinte não se encontraram,de manhã, no caé. Estudadamente, ounão, ele não aparecera à hora do cos-tume para o pequeno-almoço. Mas, emcontrapartida, Diogo sentar-se-ia à suamesa, na esplanada, naquele mesmo dia,ao m de tarde. Sorridente. Acabado desair da capa de uma revista de moda mas-culina. O anelar esquerdo a tamborilar,a despropósito, no tampo da mesa. Elanão conseguia disarçar o seu nervosismoe – porque não conessá-lo? – o seu de-

sejo, mas ele, com ar de quem acena masnão dá, convidou-a para nessa noite iremao cinema, para, minutos depois, exibira pose de quem se recordava de algo elogo dizer que não, anal não podiam ir,ele tinha-se esquecido de uma coisa: ti-nha um encontro com uma amiga e já seestava a esquecer. Teresa não perguntounada, apenas se ia acusando de não con-seguir sair daquele redil a que se prendiacada vez mais.

( Não é possível que tudo aquilo seja uma re-presentação!, confdenciou ela a Gonçalo, por te-leone nessa mesma noite. Olha lá, perguntou-lheeste, por sua vez: tu não estarás a fcar um poucoparanóica? Se calhar até estou, pois não pode ha-

ver ninguém assim tão perverso, tão monstruoso )O resto dessa semana passou-se exac-

tamente da mesma maneira: os encontrosda manhã, os ns de tarde na esplanada,os melífuos teleonemas, os emails am-bíguos. Dir-se-ia que aquele m de Julhoiria trazer a Teresa uma qualquer oertapromissora, uma qualquer regeneraçãoque lhe adensasse a vida e a dotasse desentido e alegria. E, com este estado deespírito, entrou ela na primeira semanade Agosto. Nos primeiros dias do mês es-tranhou que Diogo não aparecesse mais,nem para os pequenos-almoços nem aom do dia na esplanada. Estranhou detal modo que não se conteve e, ao mde uns tempos, perguntou a um dos em-

pregados. Mas então a menina não sabe?!Fitou-a atónito o empregado. Não sei oquê? O Diogo casou-se no domingo pas-sado e deixou de morar aqui na rua. Te-resa não soube que cor adquiriu, porqueouviu a voz do empregado como vindade muito longe: está a sentir-se bem? Es-tou, estou sim, obrigado! Mas o Diogonão lhe disse, vocês eram tão amigos,estavam sempre aqui?, perguntou o em-pregado, de olhos esbugalhados. Ah, vai

 ver que ele me disse – recuperou Teresa -,mas eu sou tão distraída que devo ter ei-to qualquer conusão. Pois!, tartamudeouo empregado, já que era suposto ter dedizer alguma coisa.

( Não é possível, sussurrou ela a Gonçaloenroscado num soá não sabia o que responde fm de uns minutos ele ousou dizer: talvez se esquecido de se despedir ou pensasse que o as não te interessava. Ela ulminou-o com o olha avor, Gonçalo, agora não, solidariedade m

lina a estas horas não, e muito menos vinda deTeresa nunca mais alou em tal c

Se nele pensava, ou não, nunca o vmos a saber, pois não deixou nada escacerca de tal assunto. Nos primeiros de Setembro, meteu-se no seu carro mou à casa de Tavira, onde iria passresto das érias.

Dois meses depois, por um puro so, Gonçalo encontraria Diogo ndas discotecas mais in de Lisboa. Cprimentaram-se. Sabes quem morrperguntou-lhe Gonçalo. O outro olh-o como se a pergunta não zesse sennaquele momento. Mas Gonçalo insia Teresa! A Teresa, qual Teresa?, sorroutro com o ar alsamente ingénuo

costume. Eh, pá, a Teresa, aquela morava no prédio em rente ao teu vdavam-se teve um desastre de auto

 vel lá em baixo, no Algarve teve mimediata. Mas eu não sei de quem esalar!, exclamou Diogo, através da mca, postando um ar doce, quase angelEh, pá, não me digas que não te lemda Teresa, vocês deram-se durante anNão, não estou a ver quem é enm

 vida! Olha a ti é que gostei de te vol ver, estás com bom aspecto. Ciao, a te vai-se encontrando por aí! E regsou para junto de um grupo esuziadeixando em Gonçalo a conrmaçãuma suspeita que nem sequer ora su

 

A CONFIRMAÇÃO

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gente sagrada  Josésimõesmorais

O L H O S A O A

ANIVERSÁRIO DE TAM KONG

Símbolo da imortalidade eda realização espiritual, logoum imortal (xian), Tam Kong,deus conhecido em mandarimpor Tan Gong, está ligado àmeteorologia e é, por isso,essencial aos pescadorespara os ajudar na decisão dequando se devem azer ao mar.Representado por um rapaz dedoze anos que gostava de ajudar

o próximo, tinha grande poderpara curar as doenças, sobretudoem crianças.Segundo uma lenda, TamKong era Zhao Bing que, aindacriança, em 1278 se tornou oimperador Gong (1278-1279), oúltimo da dinastia Song do Sul.Este morreu durante uma batalhanaval em Yamen, no distrito de

 Jiangmen, na (porta do rio) doOeste, local próximo de Macau,quando a corte nómada Song augir dos invasores mongóis oiapanhada.Outra história ala de Tam Kongcomo protegido pelos Oito

Imortais. Educado pelo avô, já que desde muito cedo fcouórão de pai, ajudava a sua mãeguardando os animais no pasto.Ainda rapaz, um dia chamadopela montanha aí se isolouadquirindo a doutrina do Taoe aos 12 anos as suas opiniõeseram conselhos para quem seazia ao mar, tendo sempreuma mão amiga para ajudar,sobretudo os idosos e crianças.Era igualmente sapiente na curade muitas doenças. Talvez porisso segura na mão uma pequenasineta.É venerado em Macau e HongKong e controla a meteorologia,

bastando segundo nos dizLeonel Barros “lançar ao ar umamão cheia de pevides para quea chuva abundasse em épocaseca, ou erguer as duas mãosem direção ao céu para que asmais bravas tempestades dessemlugar à bonança”.

Todos os anos a Associação deBenefcência Son I organiza umagrande esta para comemoraro aniversário de Tam Kong,havendo espetáculos de ÓperaYue, entre 27 de Abril a 1 deMaio, um grande cortejo, quese realiza no próprio dia com aestátua do deus a dar uma voltaà vila e um grande jantar à noitepara a antiga população de

Coloane.Rico na parte olclórica, estegrande cortejo, ao contrário deoutros, não se inicia em renteao templo de Tam Kong, situadona Rua 5 de Outubro e que esteano az 150 anos, mas começa

 junto à praça principal da vila.Iniciando-se ao fm da manhã,o cortejo percorre as ruas davila, recriando momentos daHistória escondida de Macau,mesmo os anteriores à chegadados portugueses. Traz, tambémcomo tradição, carros queservem de andor onde vãocrianças representando os reis do

Céu e da Terra e outras andandonum baloiço em roda, criando adirecção do movimento que dáo sopro à esta tauista, vendo-sechegar em cores a alegria dosseres celestiais.Se numa ilha em Hong Kong,no programa das estividadesa Tam Kong consta o trepar auma árvore cheia de pães paratentar apanhar o máximo, emColoane, com as oertas deanimais sacrifcados ao deuse depois da carne ser por eleaceite, esta é servida, dandoproteção a quem a come. Ahistória conta que esta eradistribuída no meio de um pão

aos amiliares e amigos e, apesarde começarem a aparecer cadavez mais pessoas, diminuindoa quantidade, a carne chegousempre para tocar a todosos presentes. Estas sandes,que abrem o coração, sãoconhecidas por hói sâm páu.

No dia 8 do quarto mês lunar, 28 de Abrilde 2012, realiza-se na vila de Coloane uma

grande festa em honra do deus Tam Kong,

organizada todos os anos pela Associação

de Beneficência Son I.

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L E T R A S S Í N I C A S

HUAI NAN ZI  淮南子 O LIVRO DOS MESTRES DE HUAINAN

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mes-

tres de Huainan foi composto por um con-

 junto de sábios taoistas na corte de Huai-

nan (actual Província de Anhui), no século

II a.C., no decorrer da Dinastia Han do

Oeste (206 a.C. a 9 d.C.).

Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes

sábios destilaram e refinaram o corpo de ensi-

namentos taoistas já existente (ou seja, o Tao

Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume,sob o patrocínio e coordenação do lendário

Príncipe Liu An de Huainan. A versão por-

tuguesa que aqui se apresenta segue uma se-

lecção de extractos fundamentais, efectuada

a partir do texto canónico completo pelo

Professor Thomas Cleary e por si traduzida

em Taoist Classics, Volume I, Shambhala:

Boston, 2003. Estes extractos encontram-se

organizados em quatro grupos: “Da Socieda-

de e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da

Sabedoria”.

O texto original chinês pode ser consulta-

do na íntegra em www.ctext.org, na secção

intitulada “Miscellaneous Schools”.

Quando a Via prevalece, o povo é sem política.

DO ESTADOE DA SOCIEDADE – 3

Quando as pessoas são inuenciadas pelos seuslíderes, seguem aquilo que os líderes azem,não aquilo que dizem.

* * *

Quando se criam leis e se estabelece um sistemade recompensas e, ainda assim, tal não alteraa moralidade do povo, é porque tal não podeuncionar sem sinceridade.

* * *

O governo espiritual é o mais excelente. Osegundo melhor consiste em tornar impossívela prática do mal. [O terceiro melhor] consisteem recompensar os meritórios e punir os queperturbam [a ordem].

* * *

Assim como uma balança é justa, na medidaem que pesa as coisas imparcialmente, e umfo de prumo é correcto, na medida em quedetermina linhas direitas imparcialmente, umlíder que aplica a lei sem preerências pessoaispode comandar.

* * *

Aquilo que condiciona e castiga é lei. Quandoas pessoas são punidas e, todavia, o ressen-timento não as aige, a tal se chama a Via.Quando a Via prevalece, o povo é sem política.

* * *

Outrora, aqueles que atribuíam recompensascorrectamente conseguiam encorajar o povoa pouco custo. Aqueles que puniam correc-tamente preveniam a traição com castigos

mínimos. Aqueles que eram adequadamentepródigos mantinham rugalidade nas despesassendo, ainda assim, caridosos. Aqueles quesabiam tirar tinham muito ganho sem queninguém se ressentisse.

* * *

As punições e castigos não bastam para mudarhábitos; as execuções e massacres não bastampara prevenir a traição. Só a inuência espi-ritual é valiosa.

* * *

Duras leis e castigos pesados não são obra dereis que governam.

Tradução de Rui CascaisIlustração de Rui Rasquinho

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