caligrafia da rua

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Alan Martins Ferreira Lopes Belo Horizonte|MG UEMG

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Livro editorial - 2016

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Page 1: Caligrafia da rua

Alan Martins Ferreira Lopes

Belo Horizonte|MG

UEMG

Page 2: Caligrafia da rua

Lopes, Alan Martins Ferreira Primeira edição do livro Caligrafia da rua por demanda da ED Design gráfico 5º Período como parte da obtenção de nota.

Trabalho Orientado por: Daniela Martins e Ricardo Portilho em PRATICA PROJETUAL III . Design Editorial . 2016 Cláudio Santos em MATERIAIS E PROCESSOS DE PRODUÇÃO II . Produção Gráfica . 2016

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Page 3: Caligrafia da rua

Maru, Goma, GG, Morrou e entre muitos outros injustiçados por esta falsa democracia, onde um patrimônio público é eleito somente

pelos “engravatados”.

Dedico este livro para aqueles que sabem como a rua funciona e enxerga o reflexo da

sociedade e o que viramos.

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Page 4: Caligrafia da rua

Manifesto:O pixo nosso de cada dia.

A pixação normalmente escrita com X por nós pixadores não é apenas uma grafia estilizada de palavras nos espa-ços públicos da cidade, trata-se de um desenvolvimento expressivo realizado em sua maior parte por jovens das pe-riferias, e funciona como a voz dos sem voz, o grito mudo dos invisíveis, brado pintado, corre existencial, identidade. Na pixação não há um consenso, muito menos liderança única. Na real são vários bandos, uma vasta vida louca sol-ta pela cidade.

Quem pixa defende com unhas, dentes e tinta preta a pratica e filosofia da pichação. O feitiço da pixação ar-rebata o sujeito pixador, pede dedicação desmesurada e risco de morte. Na pixação o que realmente importa é a dinâmica de criação dos riscos, não basta só pixar, te-mos que produzir excitação e adrenalina, transgredir para progredir, radicalizar, chocar. Exercer nossa liberdade de expressão, já que vivemos numa falsa democracia. O novo meio urbano reforça e valoriza desigualdade e separações e é portanto um espaço publico não-democrático e não moderno. Processos de discriminação combinam-se ao medo, criando novas formas de segregação, dentre as quais a construção de muros é a mais emblemática.

O que pra uns é vandalismo, pra nos é (re)apropriação, o pixador é o artista urbano que vê a cidade como suporte. Estamos nos (re)apropriando de uma cidade que foi nega-da a nós. O pixo é a retomada da cidade por parte dos excluídos. Cada parede pixada é sinônimo de insatisfação social, se agrada ou desagrada já é outra questão, o im-portante mesmo é que incomode. A pixação pede mais do que passagem, pede permanência, como pedra lascada e não polida. Como um conceito, e não inconsequência pede solidez e clama por respeito, e se assim não for o pixo vai pegar.

Nesse exato momento muitos pixadores estão nascendo, sina traçada, ainda sem saber se gente ou urbanoide. É cir-cunstancial e sintomático por referencia cultural, por con-tingencia social, por razões antropológicas. Somos a tribo dos escribas underground, predominantes e crescentes na bolsa amniótica das periferias.

Pra quem ainda não sabe anuncio aqui: Não a futuro, o pixo é a ausência do futuro, a enfermidade da vida, praga moderna, peste aerosol, câncer cancro cítrico. Vale o que esta escrito nas paredes, e nos não pretendemos parar.

Cripta Djan – Os + Fortes (SP) Brasil 2013.

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Page 5: Caligrafia da rua

Our Daily Pixo

Pixação usually written with X by us pixadores is not only a stylized spelling of words in public spaces of the city, it is an expressive development done mostly by youths from the suburbs, and serves as the voice of the voiceless, the silent cry of the invisible, painted cry, existential run, identity. In pi-xação there is no consensus, much less a single leadership. In real, it is several groups, a wide crazy life loose out there in the city.

Those who pixa defend with teeth, nail and black ink the practice and philosophy of pixação. The spell of pixação snatch the subject pixador, asks disproportionate dedica-tion and risk of death. In pixação what really matters is the dynamic creation of risks. Pixar is not enough, we must pro-duce excitement and adrenaline, transgress to progress, ra-dicalize, shock. Exercise our freedom of speech, since we live in a fake democracy. The new urban field values and reinforces inequality and separation, it is therefore a non--democratic and not modern public space. Discrimination processes get combined to fear, what creates new forms of segregation among which the construction of walls is the most emblematic.

What for some is vandalism, to us is (re) appropriation, the pixador is the urban artist who sees the city as support. We are (re) appropriating a city that was denied to us. The pixo is the re capture of the city by the excluded. Each wall pixa-da is synonymous with social unrest if pleases or not is ano-ther matter, the important thing is that it bothers. Pixação orders more than passage, it asks to stay, as chipped and not polished stone. As a concept and not inconsistency asks solides and calls for respect, and if it won’t be like this pixo will spread further.

Right now many pixadores are being born, traced fate, still not knowing if to become people or urbanoide. It is cir-cumstantial and symptomatic for cultural reference for so-cial contingency, for anthropological reasons. We are the tribe of the underground scribes prevalent and growing in the amniotic sac of the peripheries.

For those who still do not know I announce it here: there is no future, pixo is the absence of the future, the disease of life, modern plague, pestilence aerosol, citrus canker can-cer. What is worth is what is written on the walls, and we do not intend to stop.

Cripta Djan – Os + Fortes (SP) Brazil 2013

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“PRENDER PIXADOR É FÁCIL

Protesto de pixadores em BH. Foto: Lucas Buzatti.

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QUERO VER PRENDER O DONO DA SAMARCO”

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Page 8: Caligrafia da rua

A pichação é um fenômeno urbano mundial, que se tornou presença marcante na paisagem da cidade. O trabalho dá enfoque às tags (as-sinaturas estilizadas), que é a forma de pichação mais disseminada e

presente. Surgidas no final da década de 1960 nos Estados Unidos, liga-das às disputas territoriais dos guetos e ao hip-hop, começou a tomar

a sua característica formal na cidade de São Paulo e adjacências, principalmente no final da década de 1980. O tag reto (ou pixo reto) é uma solução gráfica e caligráfica que toma as construções como

um grid, em uma disputa pelo visual da cidade. Seus autores partilham de um sentimento de identidade com a periferia da cidade, e usam

as marcas nas paredes como uma comunicação fechada entre eles, medindo-se e afirmando-se dentro do grupo com ações ousadas

(enfrentando perigos como a altura, a polícia, seguranças particula-res e moradores enraivecidos com o vandalismo). Eles se apropriam de locais com grande fluxo, o que vai garantir visibilidade. Também procuram marcar paredes que não são pintadas frequentemente,

garantindo a durabilidade. Pontes, viadutos, topo de edifícios, muros e fachadas: quase nada escapa. Pichadores são mais um grupo dispu-

tando a paisagem da cidade, mas que não são nem os proprietários e nem o poder público

Introdução

Introdução8

Page 9: Caligrafia da rua

Pichação (graffiti) is a worldwide urban phenomenon that has become a massive and ubiquitous presence in the urban landscape. The disser-tation focuses on tags (author-style signatures), the most present form

of pichação. It was originated in the United States on the late 1960s, as a part of ghuettos diputes and hip-hop, and it begun taking its formal shape in São Paulo Metropolitan Area in the late 1980s, roughly spe-

aking. The straight tag (or pixo reto) is a graphical and calligraphic solu-tion that uses buildings as a grid, in a visual struggle for the city. Its au-thors share a feeling of identity with the citys’ periferia (poor outskirts), and use the signs on the walls as an encoded communication betwe-en them, taking a stand within the group with bold actions (facing risks, such as heights, police enforcement, security agents and furious dwel-lers with the vandalism). They use places with great traffic flux, which ensures visibility. And they also mark walls not frequently painted, en-

suring long-lasting tags. Bridges, highway ramps, top of buildings, walls, and facades: almost nothing escapes. Taggers are another group

fighting for the city landscape, they are not owners nor government.

Abstract

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Sumário

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“Tem mais é que mor-rer esses merdas de pixadores, tinham que morrer todos.”

Aggio Lacerda21/11/14

(1 de 454 comentários sobre a morte de um pixador)

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Pixo | Grapixo | Graffiti

Origem | Referências | Formas

Construção da letra | Marca | Motivo

Brasil | SP | BH

Fotografia | Documentário | Editorial

Foi registrado | Não foi registrado

PIXO, SER OU NÃO SERSURGIMENTO DO PIXOCALIGRAFIA DO PIXOP I X O B R A S I LIMPORTÂNCIA DO REGISTRO

R E G I S T R E M O S

NOMES POS DETRÁS DOS MUROS

GLOSSÁRIO & CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

FONTES DERIVADAS DO PIXO

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A pichação é um fenômeno ur-bano mundial, que se tornou pre-sença marcante na paisagem da cidade. O trabalho dá enfoque às tags (assinaturas estilizadas), que é a forma de pichação mais dissemi-nada e presente. Surgidas no final da década de 1960 nos Estados Unidos, ligadas às disputas territo-riais dos guetos e ao hip-hop, co-meçou a tomar a sua característi-ca formal na cidade de São Paulo e adjacências, principalmente no final da década de 1980. O tag reto (ou pixo reto) é uma solução gráfica e caligráfica que toma as construções como um grid, em uma disputa pelo visual da cida-de. Seus autores partilham de um sentimento de identidade com a periferia da cidade, e usam as marcas nas paredes como uma comunicação fechada entre eles, medindo-se e afirmando-se dentro do grupo com ações ousadas (en-frentando perigos como a altura, a polícia, seguranças particulares e moradores enraivecidos com o vandalismo). Eles se apropriam de locais com grande fluxo, o que vai garantir visibilidade. Também pro-curam marcar paredes que não são pintadas frequentemente, ga-rantindo a durabilidade. Pontes, viadutos, topo de edifícios, muros e fachadas: quase nada escapa. Pichadores são mais um grupo dis-putando a paisagem da cidade, mas que não são nem os proprie-tários e nem o poder público.

Pixo, ser ou não ser arte

PIXO13

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Com o passar dos anos surgi através da Pichação um novo Estilo de arte urbana o GRAPIXO.

A característica principal são as letras idênticas a pichações, que pos-suem contornos fortes e cores em um único tom, geralmente feitas em látex.

Uma moda ou não, o Grapixo mostra um novo estilo que veio fazer história na arte de rua mundial.

A diferenciação entre os dois termos é mais conceitual do que práti-ca, uma vez que existem pichadores que fazem grafite e grafiteiros que fazem pichação. Uma coisa tem tudo a ver com a outra.

Pichações são caligrafias urbanas, inventadas na capital São Paulo e que tem uma influência inicial com o movimento punk, o que é bastan-te confundido com as letras do grafite. Essas são as modalidades, que podem ser das mais diferentes técnicas, como Bomb, Piece, Wildstyle,

GRAPIXO

Pixo, ser ou não ser arte14

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Freestyle, Throw-up dentre muitas outras.“Qual a diferença entre grafite e pichação? Também não sei”, diz

Jota. “Surgiu como uma coisa só. Quem que falou ‘agora vai ser se-parado, grafite é isso e pichação é isso’?. O que define se é grafite ou pichação?”, questiona ele.

“A pichação tem tudo a ver com grafite. Os primeiros grafiteiros de São Paulo se envolveram com a pichação, que começou a se espalhar e criar uma caligrafia urbana própria”, pontua Sérgio.

O grapixo seria a fusão entre o grafite e a pichação, uma forma híbri-da que une pontos característicos das duas linguagens numa figura só. “É uma letra de pichação gorda, estilizada. Aí ele pode fazer ‘firula’, criar uma estética própria da letra, fazer escorrendo, coisas da lingua-gem própria do grafite”, ensina Sérgio.

Para ele, o grapixo é uma coisa “muito original brasileira”. “Eu acho que é muito legal porque o movimento não ficou parado só na picha-ção. Aí você vê que os pichadores querem fazer grafite também e in-ventaram o grapixo”, conclui.

Pixo, ser ou não ser arte15

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Criatividade , gerada pelo impulso de sentimentos e a necessidade de expressão, independentemente de ser ilegal ou não.

O graffiti reflete multiculturalidade na produção de estilos diversifica-dos, como observamos ao longo destas três ultimas décadas. A mídia , geralmente, privilegia um determinado estilo, massificando-o, fazendo crer que o mesmo é único ou imprescindível, o que não é verdade. Den-tro de uma linguagem , grupos diferentes se expressam, carregando as próprias posturas. Se fosse para estabelecer uma suposta relação entre graffiti e musica, eu diria que ela esta para o hip-hop, rap, new wave, enquanto a pichação, para o punk, o trash, metal, não que quem curti punk, não possa fazer graffti e vise versa, só estou evidenciando que transitando entre grupos de linguagens diferentes encontramos postu-ras semelhantes. Mas dentro de cada postura dialogam visões diferen-tes entre si, carregando influencias .

Estabelecer que o graffiti e pichação, são a mesma coisa, sancionan-do lei igual, desconsiderando o percurso de luta e reconhecimento do graffiti, é, no mínimo, não inteligente, arbitrário. É querer, como se fosse possível , apagar em um único ato a historia de sucessivos atos, que ao contracenar criam novos atos de uma outra historia. No entanto queria

Graffite

Pixo, ser ou não ser arte16

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fazer a apologia de que graffiti e pichação , são posturas diferentes com resultados diferentes, o graffiti aceita dialogar, a pichação se re-sume mais as letras, porem utilizam-se do espaço urbano, e a própria origem, por isso as pessoas banalizam ambas atitudes artísticas, devido a duvida e a indistinção entre ambos, assim tornando-os artes inferiores.

No entanto o graffiti tende a ser mais contracultural, ainda mais que hoje como disse sofremos influencias , e o que há e artes americaniza-das, devemos utilizar de uma transformação e auto identificação, bra-sil-sociedade, de modo que a arte volte a ser cultura brasileira, e de maneira a todos que presenciarem se identifiquem, ainda mais o graffti que é uma arte corriqueira e que vem a fazer parte do cotidiano, devi-do a utilizar-se do espaço urbano.

Temos de nos conscientizarmos uns aos outros, o mais pobre até o mais rico, abrindo nossa mente para propostas enriquecedoras a nossa cul-tura e ao nosso desenvolvimento enquanto termo mundial. Temos que ser nos mesmo com nossas características, culturas e origens , não nos deixaremos influenciar por idéias, determinantes e exploradores , quan-to a nos mesmo. E de maneira que todo esse processo, relativamente e lento, o mesmo posso dizer em relação a todo o processo artístico, pois depende da intimidade alcançada entre o homem e o trabalho para que os resultados estéticos ( no caso da arte) sejam satisfatórios. Talvez , um dia o Brasil seja o meu Brasil brasileiro , e assim todo centro urbano , possa vir a ser uma grande galeria de arte (graffti) ao céu aberto , e o povo acabe por se conscientizar de que o graffiti não é mesmo vanda-lismo, e sim uma forma de expressão .

Pixo, ser ou não ser arte17

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Pessoas sempre usaram as paredes para escrever e desenhar. Há rela-tos e evidências dessa forma de usar as construções e moradias desde cavernas préhistóricas, passando por ruínas romanas, até chegar aos muros da cidade moderna. Dentre suas formas temos basicamente a escrita (grafada) e a pictórica (desenhada).

Mesmo sendo as formas parecidas, suas funções e conteúdos dife-rem muito. Desde trechos de obras latinas clássicas nas ruínas romanas, passando por muralistas renomados no campo das artes plásticas, até protestos políticos e declarações de amor. Conteúdos e funções distin-tos, frutos de momentos históricos e necessidades da época. Expressão da literatura, estética visual e política (somente alguns exemplos dentre muitos outros).

O fenômeno da pichação em forma de tags, porém, é recente. Pela primeira vez a cidade começou a ser sistematicamente alterada pela velha forma de escrita na parede, mas dessa vez com um objetivo dife-rente: obter a fama entre pares em uma disputa pela cidade. Dissemi-nou-se por todo o mundo, partindo de duas cidades norte-americanas no final da década de 1960 (primeiro Philadelphia, e depois New York).

Essa nova forma de escrita apre-senta algumas particularidades:

Não é uma assinatura pessoal, mas uma tag estilizada, que pode remeter tanto a um indivíduo quanto a um grupo (que pode ser grande o bastante para os mem-bros nem se conhecerem pessoal-mente).

É urbana, e está por toda a ci-dade. O primeiro a fazer isso foi TAKI 183, morador da rua 183 (Har-lem, gueto negro de New York). No início da década de 1970 ele foi all city, isto é, alastrou por toda a cidade.

A grafia apresenta uma evolu-ção dentro de suas próprias regras estéticoformais

As marcas começa-ram a aparecer pelo sistema de metrô, que dava a chance de es-palha-las por toda a cidade, uma vez que uma boa parte do sis-tema da cidade de New York corre pela superfície. Vagões eram cobertos por completo com spray ou canetões de feltro, assim como o interior dos trens.

Surgimento do pixo19

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Origem

Brasil: primeiros traços

O primeiro pichador a usar toda a cidade foi o dono de um canil, que na década de 1980 grafava CÃO FILA KM 26 por toda São Paulo. Sua intenção era meramente fazer propaganda do seu canil situado no km 26 da estrada do Alvarenga, mas a sua insistência e presença em toda a cidade acabou inspirando e antecipando todo o movimento da pi-chação. Ele é fartamente reconhecido pelos primeiros pichadores, mui-to embora sua motivação seja distinta do movimento das tags.

No Brasil, a palavra grafite acabou sendo usada para denominar um tipo de intervenção geralmente não autorizada com uma maior preo-cupação estética, marcada por cores e por uso de técnicas como o stencil (forma vazada através da qual é usado o spray de tinta – RAMOS, 2008). O grafite passou a ser associado a um investimento estético maior (com estêncil, cores e formas pictóricas), enquanto o termo pichação passou a denominar formas de escrita (tags, geralmente monocromá-ticas, que eventualmente podem ter um investimento plástico-estético maior quando na forma de bombs).

Essa divisão pichação/grafite é problemática, considerada inexisten-te por muitos praticantes. Também é fruto de um preconceito social, uma vez que uma das técnicas está associada à periferia da cidade, enquanto a segunda se concentrou na área central, realizada por pes-soas de classe média.

Alguns artistas plásticos traziam informações e técnicas de New York quando a cena de grafite dominava a cidade. Essas técnicas eram usa-das dentro de um contexto de artes plásticas, e não necessariamente para fazer tags (FRANCO, 2009). A intenção por trás era a de tornar a cidade mais bonita e de se comunicar com o passante na rua, crian-do significações inusitadas que buscavam exprimir intenções estéticas. Muitos desses primeiros pichadores depois se enveredaram no ramo das artes plásticas.

Rebatendo com certo atraso a cena de New York, grupos começa-ram a bombardear a cidade inteira com assinaturas. Aproximadamen-te em 1985 surgiu um certo estilo que define visualmente as intervenções até hoje: o pixo reto ou tag reto (CHASTANET, 2010).

Até hoje o que se vê como intervenção hegemônica são essas tags, que persistem na cidade. Como são geralmente datadas, é possível observar inscrições de até 10 anos de idade, mas que certamente fo-ram feitas por cima de outras, pois a cidade é como um palimpsesto gi-gante, em permanente escrita. Não há documentação sobre o quanto a cidade foi alterada por esse fenômeno, só alguns relatos baseados na sensação de que o seu pico ocorreu nos anos 1990, sendo que atual-mente não seria tão prevalente.

Surgimento do pixo20

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ReferenciaAs noções de design gráfico são aprendidas na prática

(espaçamento entre caracteres, ocupação proporcional do edifício, alinhamento, entre outras). Alguns designers de fontes fizeram o caminho inverso: das ruas para o formalis-mo da tipografia, criando algumas fontes como a Adrena-lina e a Brazil Pixo Reto

A forma mais comum de tag encontrada em São Paulo é o tag reto (ou pixo reto), também chamado de escrita árabe-gótica. Surgido nos anos 80, baseia-se em capas de disco de rock e punk (como Iron Maiden e Judas Priest). A grafia foi se alterando a partir de uma combinação des-se tipo híbrido de maiúsculas Góticas com os letreiros co-merciais, geralmente em fontes maiúsculas não serifadas (CHASTANET, 2010).

A tag não deixa de ser uma forma de logotipo que con-corre visualmente com outras formas de escrita, tais como a propaganda e os letreiros da cidade. Estima-se que em 1985 essa forma tenha se consolidado, de modo que é possível observar uma homogeneidade dentro das diver-sas soluções caligráficas dos grupos. Enquanto no resto do mundo se observa certa emulação do estilo de New York, a pichação de São Paulo tem um estilo próprio, que se tor-nou referência dentro do Brasil. Assim como é o caso do Rap, que apesar de mundializado tem que ser adaptado às circunstâncias locais por usar outro idioma, a escrita pas-sa pelo mesmo processo. A adaptação se dá pelo voca-bulário gráfico-estético existente no local, que é remixado em uma forma própria.

O Pixo de hoje, apesar de ter mantido a origem estética inspirada no metal oitentista, não tem mais o traço de pro-testo que o originou nos anos 60. Atualmente está muito mais ligado a busca da adrenalina e reconhecimento den-tro de um grupo do que qualquer outro motivo. Os lugares buscados pelos pixadores são de difícil acesso e quanto maior o nível de dificuldade, mais respeitado é o pixador.

Surgimento do pixo21

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Via de regra, a opção é por traços simples que possam ser feitos rapidamente com rolo de tinta ou spray. Essa economia de gestos aproxima a caligrafia das ruas da tradição caligráfica formal, e até de um suposto arquétipo que aproximaria todas as letras pela experiência prática. Os instrumentos devem ser pequenos e caber dentro de uma mochila, para conferir mais agilidade nos rolês (a velocidade diminui o risco das ações e alastra a tag por uma área maior).

A execução é um misto de caligrafia com tipografia, pois a forma deve se manter independente do tamanho, instrumento ou suporte (tal como se espera de uma fonte).

O spray é muito semelhante à caneta tinteiro: ambos são de fluxo contínuo de tin-ta. É fácil borrar (ou escorrer, no caso do spray). O pichador deve ter um traço firme e rápido, controlando o fluxo de tinta pela pressão no bico da lata. A forma da tag depende muito do gesto e da fluidez do movimento.

O suporte define a quantidade de tinta a ser usada. Se for muito poroso, é neces-sário mais tinta, já que parte dela vai ser absorvida pela superfície. Se for liso, o traço tem que ser mais rápido, para evitar o escorrimento.

O rolo de tinta e o canetão apresentam uma resposta mais homogênea e menos sensível ao gesto. O primeiro é rápido, e sua largura estreita as opções de grafia quando são feitas curvas, o que não significa que somente seja usado para traçar retas. O segundo é muito utilizado em nível de solo e no mobiliário urbano (lixeiras, pontos de ônibus). O giz de cera também pode ser visto, mas é uma forma inicial de aprendizado, de pouco impacto visual. O resultado deve ser parecido, mesmo que cada ferramenta de escrita apresente possibilidades e limitações diferentes.

A legibilidade é secundária nessa forma de escrita, que geralmente só é entendi-da pelos que se interessam em decifra-la. Isso acaba criando uma evolução gráfica dentro de suas próprias regras, um sistema de comunicação fechado. A própria noção de legibilidade é também contestável, uma vez que as pessoas leem o que estão acostumadas (em termos de fontes e suportes). Seu valor muitas vezes reside no impacto visual, em como se escreve (e não tanto no que é escrito). Por ser mais gestual e plástica, também serve como demarcação entre os que dominam ou não o traço.

Para aplicar as tags, além da prática do próprio alfabeto em termos de traço e uniformidade, é necessário também prever os resultados a partir do nível de mirada na rua, saber os melhores ângulos das construções e escalar as edificações. Isso foi bem ilustrado por François Chastanet, como veremos a seguir.

forma

Surgimento do pixo22

Page 23: Caligrafia da rua

Ilustração do livro Pixação: São Paulo Signa-ture mostrando como são feitas as tags.

Na coluna da esquerda temos, primeiramen-te, as diferentes visadas que um passante tem para um edifício, desde o nível do solo até o topo (os pichadores assumem que o obser-vador está no nível da rua). As figuras acima são as diferentes técnicas usadas para pintar o topo com spray ou rolo de tinta, escalando janelas ou se dependurando em parapeitos. Na coluna da direita temos as estratégias para pintar janelas e áreas altas, a escada humana usada no nível do solo para pintar mais alto, a alternância entre as letras quando dois picha-dores trabalham juntos, e as linhas de grid ima-ginárias que eles utilizam

(CHASTANET, 2010 p. 276).

O edifício como grid composicional, as letras e seu tama-nho e espaçamento uniformes (figs. 11 a 14). Na fig. 15 vemos como a escrita dá origem ao spray e ao látex (que é aplica-do com um rolo de tinta guardada em garrafas pet). Na fig. 16 vemos o spray e suas diferentes técni-cas para resultar em um traço mais fino ou grosso (CHASTANET, 2010 p. 277).

Surgimento do pixo23

Page 24: Caligrafia da rua

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Page 25: Caligrafia da rua

construção da letra

A pichação pode parecer desordenada à primeira vista, mas é uma atividade que segue certa lógica, muito bem documentada pela an-tropologia urbana.

Magnani (2005) e Pereira (2010) adotaram o método antropológico para descrever a atividade. Se a antropologia originalmente tratava de diferentes grupamentos humanos isolados geograficamente, a an-tropologia urbana busca o outro dentro de uma mesma cultura. Eles colocam a necessidade de romper a divisão outro-eu, adotando a fe-nomenologia de Maurice Merleau-Ponty como método.

O objeto antropológico não é o corpo humano objetivo das ciências, pois esse seria somente físico e biológico, marcado pela separação su-jeito-objeto. Segundo eles, busca-se um corpo com consciência, cons-ciência essa que só pode existir quando confrontada diretamente com outra, sem a separação sujeito-objeto (subjetividade intersubjetiva). O observador acaba interferindo no observado, pois a dinâmica do grupo pede participação para o entendimento, e não somente uma observa-ção passiva.

Esse olhar de perto e de dentro implica em se colocar nas situações sem a prioris ou julgamentos, fazendo um levantamento etnográfico primário que se desdobra em uma antropologia urbana com alcance mais amplo, que vai sistematizar os levantamentos de campo (o que seria correspondente a grandes estruturas, de fora e de longe). O pe-neiramento etnográfico em nível individual leva a uma antropologia de grandes conceitos por padrões e recortes em planos intermediários.

As tags são feitas principalmente por jovens do sexo masculino, re-sidentes na periferia de grandes cidades (CEARÁ; DALGALARRONDO, 2008). Eles exercem essa atividade como forma de estabelecer uma identidade através da transgressão e pelo reconhecimento entre seus pares gerado pelo ato (a atividade é basicamente coletiva, embora existam alguns que façam tudo sozinhos, e ainda assim conseguem no-toriedade ao alastrar pela cidade).

O início da atividade se dá muitas vezes na escola, onde jovens mon-tam grupos para espalhar suas marcas nas vizinhanças e rotas próxi-mas. A atividade transgressiva gera reconhecimento dentro da escola e coloca o grupo em contato com pichadores de outras partes da ci-dade nos seus rolês. Por não ser um circuito fechado e ser baseado no reconhecimento gráfico mútuo, logo o grupo pode ingressar no circuito maior da pichação (onde é importante alastrar por toda cidade para ganhar notoriedade).

Caligrafia do pixo25

Page 26: Caligrafia da rua

MarcaOs pichadores se identificam

por suas assinaturas e seu per-tencimento aos grupos, mas são anônimos para aqueles que não fazem parte desse universo, o que é uma forma de escapar da re-pressão policial (BRITTO, 2007). A maioria abandona a prática após certo tempo, mostrando que essa é uma atividade típica de jovens testando os limites sociais do mun-do adulto. Mesmo quando param, mantém a amizade e a sociabili-dade frutos da atividade, assim como o reconhecimento por fa-çanhas antigas, que permane-cem na memória assim como as marcas da cidade (podendo virar uma pessoa cultuada, da escola antiga).

O gosto pela vertigem e pela transgressão é típico da juventu-de, e se manifesta também por outros meios (toxicomania, gosto pela velocidade. COSTA, 2000). Este, porém, se caracteriza pela urgência em deixar sua marca e se individualizar em uma socieda-de marcada pela sua reprodução industrial, fazendo ressurgir em ple-no século XX uma técnica que se supunha superada: a caligrafia.

Fruto de um gesto individual, a caligrafia vai contra o reproduzí-vel mecanicamente. Liberta da exigência de legibilidade, assume a função de identidade visual en-tre os iniciados e de disputa visual pela cidade, ao lado de logotipos e letreiros diversos, fruto muitas vezes de uma paisagem tipográ-fica mundializada e homogênea (CHASTANET, 2007). Mesmo sendo as tags um fenômeno mundial, sua expressão vai ser particular de cada local e, in limite, de cada pi-chador.

Caligrafia do pixo26

Page 27: Caligrafia da rua

motivoVindos da periferia em sua maio-

ria, os pichadores fazem marcas como uma comunicação própria. Com pouco acesso aos meios de expressão e de afirmação (tidos como normais) na cidade central, tomam a cidade como seu supor-te, em ações basicamente notur-nas e coletivas (COELHO, 2009). Eles formam sua identidade pelo reconhecimento dos seus pares e pelo sentimento de pertencimen-to à periferia da cidade (sempre representando o seu local particu-lar, a sua quebrada). Vivendo nas periferias e experimentando uma forma de expressão na cidade eles obtêm um tipo de reconhe-cimento social e coletivo que não conseguem pelos meios sociais comuns (estudo, trabalho).

Para Roberto DaMatta existem dois domínios bem distintos em termos de apropriação do meio vivido: a casa e a rua. O primeiro é pessoal, enquanto o segundo é impessoal.

Entre a casa e a rua haveria uma terceira instância para Magnani: o pedaço. Esse é uma zona de transição que ainda guarda laços comunitários similares ao da casa, o lugar fora da casa onde ainda não impera a impessoalidade da rua, com suas próprias regras. Não é um espaço delimitado e preci-so, mas um reconhecimento que parte dos usuários da cidade. Isso remete a uma sociabilidade mais típica da periferia, pois na cidade central essa transição é abrupta, mais semelhante ao que sugere Roberto DaMatta.

O termo pedaço pode remeter tanto a um conceito quanto a uma gíria, o que mostra a impor-tância do uso da linguagem pe-los próprios moradores (que seria outra forma de apropriação e vi-vência mostrada por eles, e não conceituada de fora pelo pes-quisador). As gírias da periferia tomaram a cidade toda partir da década de 1990, com a chegada do Rap paulistano ao mainstream musical (Racionais MCs, RZO, Tha-íde e DJ Hum, entre outros). Esses termos tomaram o Brasil também, e logo muitos jovens estavam co-

meçaram a usar termos como manos, minas, truta, firmeza, nóis, entre outros.

A gíria pedaço deu origem ao termo que-brada. Podem ser considerados sinônimos, mas é sempre bom notar que uma mudança nos termos também reflete uma mudança na sociabilidade. A quebrada é um conceito se-melhante, que serve para designar tanto o seu pedaço quanto o de outros, e que parte da noção do arruamento irregular típico da peri-feria da cidade. As quebradas existem como um reconhecimento mútuo dos seus morado-res, e também são locais de transição entre a casa e a rua, com suas regras próprias. Diferen-temente do pedaço, também pode apresen-tar perigo para os que se aventuram nela em atividades transgressivas (por isso é importante conhecer ou ir acompanhado de um guia que more na quebrada).

As tags seriam o que o pichador Cripta Djan chamou em uma entrevista de corre existen-cial. Esse termo é baseado na gíria usada para denominar uma ação rápida e urgente (cor-re), associado à necessidade de afirmação de identidade tão comum ao ser humano. Ele também relatou a preferência dos pichadores por locais deteriorados, onde a permanência da tag é maior. O ato, segundo ele, também seria uma afronta, uma forma de agressão, principalmente quando se dá em monumen-tos históricos (fruto de um estranhamento cen-tro-periferia e sensação de exclusão da história e da cidade). Essa agressão é também uma revolta difusa contra um sistema visto por eles como elitista, racista e injusto (IVESON, 2012).

A periferia é fruto da grande expansão urba-na durante o processo de metropolização, ba-seada no tripé loteamento clandestino/casa própria/ autoconstrução (MAUTNER, 1999). Geralmente é uma área de renda mais bai-xa, onde há menos oportunidades de estudo e trabalho, além da infraestrutura e das cons-truções serem mais precárias. A pichação, ao atravessar indistintamente o centro e a perife-ria, torna-se um elemento de ligação visual en-tre elas. Paisagens tão distintas têm em comum esse elemento visual.

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Há muito tempo que a pixação anda na boca do mundo brasileiro. Os próprios canais televisivos brasileiros relatam sobre as ações dos “criminosos” das ruas e dos telhados, que “destroem” as paredes desfolhadas dos prédios de São Paulo com os seus escritos. Comentário sobre um dos vídeos mais críticos do Youtube: “As paredes continuam a desempenhar a sua função, apenas estão marcadas. Porque é que isso é considerado crime?”

Enegrecer ou cobrir com alcatrão é o significado da palavra brasileira “pixar” que deu origem ao termo dos sprayers cada vez mais rápidos e mais altos. Os prédios de São Paulo, que têm crescido como ervas daninhas nesta cidade de 20 milhões de habitantes, estão cheios destas marcas e a polícia praticamente de mãos atadas perante os mais de 30.000 pixadores da metrópole.

A emissora de televisão alemã ZDF também deu aos pixadores cinco minutos de tempo de antena no jornal da noite em 2010, acompanhando alguns jovens duran-te as suas operações pela calada da noite sobre os telhados.

O que mais distingue os pixadores da cena de graffitis consiste no facto de a pro-cura constante de novos spots ser uma questão de honra, em especial quando se trata dos sítios mais perigosos. Pixar as marcas de outro pixador seria uma ofensa particular e certamente um bom motivo para se ser desrespeitado pelos pixadores em geral.

Os pixadores regem-se por princípios muito diferentes, como o comprovaram no decorrer da 29.ª Bienal de São Paulo. Não se integram no conceito socialmente aceite da cena de streetart e seus ateliês. Para o evidenciar, invadiram - após aviso prévio - a Universidade de Belas Artes de São Paulo em 2008. Esta ação decorreu em protesto contra a instituição universitária mas também contra a Galeria Choque Cultural, contra os Murais de Graffiti Autorizados e contra a 28.ª Bienal de São Paulo. Cerca de 50 ativistas participaram nesta campanha contra a comercialização da Arte, ou melhor, e de acordo com a opinião da maioria dos pixadores, contra a “merda comercializada”.

A ação que se seguiu e que teve como resultado a detenção da ativista Caroline Pivetta durante 53 dias gerou ainda mais polémica e protestos públicos, incluindo uma intervenção do ministro da Cultura, tendo sido a primeira vez que alguém no Brasil ficou detido durante tanto tempo por um delito desta natureza.

No entanto, as opiniões dividem-se no Brasil e no mundo. Enquanto uns conside-ram estes atos como sendo arte, ação e protesto, outros vêm apenas os crimes cometidos pelos pixadores, maioritariamente provenientes das periferias. Particular-mente interessante, pareceu-me o comentário de uma apresentadora do Jornal da Manhã da Rede Globo sobre dois pixadores que caíram de uma altura de 10 m quando fugiam da polícia. A apresentadora ficou aparentemente chocada pelo facto de não se tratar de dois jovens vândalos, mas sim de dois adultos (22 e 23 anos), acabando por os descrever como verdadeiros criminosos.

Os pixadores têm perfeita noção da sua energia criminosa pelo seu caráter anti--institucional. No convite aos pixadores para o encontro “ATTACK PIXAÇÃO” lê-se:

VIVA A PIXAÇÃO, ARTE COMO CRIME, CRIME COMO ARTENa 28.ª Bienal os pixadores ainda eram vistos como “atacantes“. Dois anos depois,

a pixação passou a fazer parte do elenco na Bienal de São Paulo sob a forma de fotografias de prédios pixados. Berlim também já é palco de pixação, como seria de esperar na cidade que já foi a um dos pontos-chave da cena dos graffitis. em 15 de junho de 2012, os pixadores Djan Silva, líder do grupo de pixadores CRIPTA, Bis-coito do grupo UNIÃO 22 e William do grupo OPERAÇÃO esteve em Berlim no Café Wendel na Schlesische Straße. Para além da exposição, foi mostrado o documen-tário “100 Comédia Brasil”, no qual se apresenta a cena da pixação em 5 capitais brasileiras.

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Quadrilha do pixo em BH. Foto: Sô Fotocoletivo

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SOMOS TODOS PIORES DE BELÔEste texto vêm na esteira de outros textos e discussões puxados sobre o assunto recentemente através da internet. Trata-se de um texto sem autoria, criado a muitas mãos durante as últimas semanas. Sua

reprodução é permitida e desejada

Enquadrados como…?No último dia 24 de Agosto, numa terça-fei-

ra, seis homens foram presos em Belo Horizonte acusados pelo crime de formação de quadri-lha. Os seis são mais conhecidos por seus no-mes de guerra: Lic, Lisk, Fama, Goma, Sadok e Ranex, e a “quadrilha” em questão ganhou popularidade na cidade como Os Piores de Belô. O crime praticado por eles, enquanto “quadrilha“, não é dos mais comuns nessa classificação: pixação.

A prisão extraordinária de pixadores pelo cri-me de formação de quadrilha faz parte de uma história um pouco mais complexa, que começa pelo anúncio de uma Copa do Mun-do no Brasil, passa por políticas públicas ime-diatistas e autoritárias, e não temos idéia de onde vai parar. Nesse caso específico, o episó-dio é protagonizado pelo “Movimento” Respei-to por BH, que de movimento não tem nada, consiste em mais um programa do governo de Márcio Lacerda. Por iniciativa do pseudo--movimento, o Ministério Público e a Polícia Ci-vil passaram a investigar os pixadores de Belo Horizonte através da internet e de buscas em suas residências (com a conhecida “gentileza” das forças policiais), onde apreenderam des-necessariamente computadores e outros itens dos acusados.

Por fim, como um ápice cine-matográfico das chamadas ope-rações BH Mais Limpa, buscaram mais uma vez os Piores de Belô em casa, de viatura, e os encaminha-ram para uma penitenciária onde aguardam julgamento por um crime que não lhes diz respeito. Aguardamos, juntos, a mais uma condenação pública da liberda-de de expressão mineira.

A invenção do criminoso e histó-rias similares

São velhas conhecidas as figuras dos bodes expiatórios. Animais so-litários, distinguidos e separados… crias do abandono. Outras vezes bruxos, feiticeiras, conspiradores, loucos – tipos estranhos premiados com o isolamento.

Não há exagero. O fato de ter-mos seis homens numa peniten-ciária acusados do crime de for-mação de quadrilha por terem pintado com tinta as paredes da cidade evidencia isto. Para os de-sinformados, vale lembrar: coti-dianamente a pixação é tratada como contravenção, normalmen-

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te substituída, mediante transa-ção penal, por penas alternativas. O tratamento jurídico normalmen-te dispensado a ela não chega nem perto daquele dado ao cri-me de formação de quadrilha. A conveniência de se tomar gato por lebre, neste caso, confirma ainda mais o quanto a “movimen-tação” Respeito por BH quer fazer de bodes expiatórios os Piores de Belô, em meio a toda uma trama de limpeza da cidade. Os Piores estão deixados como exemplo, são os punidos que servem como mostra pública de até onde pode chegar a retaliação a qualquer ato que fira os princípios de regi-mento oficial da cidade.

Primeiro, deve-se alertar: essa operação contra os Piores (e con-tra a pixação em geral) é orienta-da por um conjunto de políticas e de modos de se relacionar com o espaço público que hoje já se revelam como tendência em BH e outras capitais mundiais. Espe-culação imobiliária, entrega do espaço público com benefícios ao capital privado, cerco fecha-do por parte da segurança pú-blica, enrijecimento da repressão nas ruas, exclusão de informais e indigentes, monitoramento ultra--avançado de algumas regiões,

tudo isso somado às contendas das famílias tradicionais e dos grandes investidores. Um pa-cote que pretende consolidar projetos de hi-gienização da cidade – seguir na seleção dos úteis e dos inúteis nesse palco.

Ora, a pixação, insistentemente definida como vandalismo pela grande mídia e pelo senso comum, é o vandalismo que não inutiliza o objeto de sua ação, apenas interfere nele. É, além de tudo, cultura produzida e mantida em movimento pelos seus atores sem nenhum tipo de incentivo além da marginalidade. É manifestação própria da cidade, território de criatividade, geradora de questionamentos, formadora de tipos específicos de ator e de memória. Inevitável não fazer a menção histó-rica: a escrita na parede, de pedra ou de con-creto, permeia nossa caminhada cultural do início mais remoto às manifestações artísticas contemporâneas – que o sistema de arte (e portanto o próprio sistema capitalista) celebra, abrindo champagnes em galerias – passando por toda uma tradição de resistência política e pela expressão espontânea de agentes de todos os tempos.

Importante lembrar o caso do grupo que in-vadiu e pixou a Bienal de São Paulo, em 2008. Pois se hoje os pixadores paulistas tem creden-ciais para entrar na mais importante exposi-ção de arte da América Latina, na ocasião de sua ação direta eles foram tratados com jeito semelhante ao dos Piores de Belô. Devido a queixa prestada pela Fundação Bienal à polí-cia paulista, a pixadora Carolina Pivetta, então com 22 anos, foi encarcerada, acusada de se

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associar a “milicianos” com fins de “destruir as dependências do prédio” da Bienal, segundo a denúncia do Ministério Público.

Peraí. “Milicianos”? “Destruir as dependên-cias do prédio”? Vê-se como os termos são, no mínimo, rasos. Tanto no caso dos pixado-res paulistas quanto no dos belorizontinos não estamos lidando com criminosos deste cali-bre, e a interpretação dada aos fatos detur-pa a dimensão da pixação. Milicianos, assim como formadores de quadrilha, não se unem para pintar paredes. Pintar paredes, por sua vez, não destrói coisa alguma, antes constrói significados, redes e subjetivações do espaço através da produção de imagens. Importante reforçar: é, antes de tudo, mais um modo de incidir politicamente na cidade.

A crosta da cidade, território do pixoFascismo velado à la mineira. A resposta do

público diante das notícias da prisão dos Pio-res de Belô traz à tona a violência recalcada da tradicional família mineira. Pelas páginas de comentários nas redes da internet, por trás de um anonimato covarde, proliferam desejos de execução sumária, exclusão e tortura. “O pixador, esse grande filho da puta, tem que morrer!”, grita afoito o pai de família. A demo-nização deste ator/ativista controverso das metrópoles deveria nos fazer pensar. Na cida-de, onde proliferam mazelas de todos os tipos, onde os desequilíbrios e carências se dão em instâncias essenciais da vida de milhões de seres humanos, é de se questionar a atenção dispensada a uma mazela visual. A pixação é simplesmente a letra escrita, exposta como fe-rida, mas contra ela se legitimam facilmente o ódio, a tortura e a manobra política.

O território de atuação da pixação – a su-perfície da cidade – é uma superfície política. Quando o pixo age sobre esse espaço político se choca com o uso mercantil que é feito da cidade, expõe uma expressão do marginali-zado onde normalmente só se faz esconder, maquiar e especular. A prisão dos Piores de

Belô é igualmente superficial. Não se trata de uma solução no senti-do forte, mas um remendo, uma tentativa controversa de estanca-mento da ferida social por onde jorra tinta. Sem nos esquecermos de contextualizar este fato den-tro de uma onda de intolerâncias que vem se mostrando nas ações da administração pública de BH. Nem segurança pública, nem po-luição visual e nem mesmo a pró-pria pixação (ou os problemas so-ciais que a estimulam) encontram na manobra do Ministério Público uma resposta adequada. O trata-mento dado aos personagens da suposta “quadrilha” fede a artima-nha de ditadura.

SOLIDARIEDADEPor tudo isso, se faz necessário

gritar LIBERDADE AOS PIORES DE BELÔ! Este grito deve ser levado a cabo por cada um que seja minimamente solidário com a li-berdade de expressão e com a manutenção da vida na cidade. Da mesma forma devem ser lem-brados os desalojados das Torres Gêmeas e os ameaçados das ocupações urbanas de BH, os impedidos de entrar nas praças públicas e todo aquele que mor-re de alguma maneira na menti-ra de um “centro vivo”. Somente por meio da solidariedade que se identifica com o seu igual e tece, a partir daí, uma rede horizontal de resistência podemos fazer a oposi-ção necessária ao disparate que é a prisão dos Piores de Belô, bem como os processos de mercantili-zação e cercamento das cidades.

LIBERDADE AOS PIORES!SOMOS TODOS PIORES DE BELÔ!

Manifesto De: Luther Blissett

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Quadrilha do pixo em BH. Foto: Sô Fotocoletivo

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Podemos considerar a fotografia como o meio mais perfeito para gravar e repro-duzir manifestações culturais. A fotografia é a responsável pelo surgimento do ci-nema e da televisão. Outros dois grandes meios de comunicação importantíssimos para a sociedade.

A fotografia é tão importante para a sociedade que fica quase impossível ima-ginarmos uma família ou um conglomerado de pessoas que não tenham sido fo-tografadas. Assim que a fotografia foi inventada principiou a mudar a história do mundo, proporcionando a todos um instrumento importante na busca da própria identidade. É através da fotografia que captamos um momento, um “flagra” do que acontece, momento este único, que jamais se repetirá. A foto nada mais é do que a testemunha ocular do fato é a existência contida na imagem comprovando o que realmente ocorreu naquele instante.

Para o pixo nessa nova era, a fotografia se tornou fundamental conjunta as redes sociais, a divulgação por este meio facilitou muito nesses últimos anos e tem sido muito usado por eles, mas ainda sim, o anonimato continua presente, pois muitas vezes acontece da foto ser feita por uma terceira pessoa, e não pelo pixador em si.

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Documentário é um gênero de filmes para cinema ou TV em que a narrativa faz afirmações ou proposições sobre o mundo histórico, que expressam a intenção de seu realizador em retratar uma realidade, o que o diferencia radicalmente do cine-ma de ficção, ainda que essa realidade que ele procura captar seja feita a partir de uma interpretação parcial e subjetiva. O documentário modela e interpreta os fatos com propósitos educativos ou de entretenimento.

Na pixação tem surgido muitos documentários bem elaborados com vários pontos de vista de quem está na rua, o anonimato já não é presente nesse registro, mas a independência é bem forte na criação desse tipo de documentário, como segue abaixo, alguns documentários de grande estrutura.

Pixo – Documentário Sobre Picha-ção e Pichadores, O impacto da pichação como fenômeno cul-tural na cidade de São Paulo e sua influência internacional como uma das principais correntes da Street Art. O filme participou da exposição Né dans la Rue (Nasci-do na Rua), da Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, em Paris. O documentário mostra a realida-de dos pichadores, acompanha algumas ações, os conflitos com a polícia e mostra um outro olhar so-bre algumas intervenções já mui-to exploradas pela mídia. O filme não traz respostas, mas fornece ar-gumentos para o debate: picha-ção é arte ou é crime?

Diretores: João Wainer, Roberto T. OliveiraRoteiro: João WainerFotografia: João WainerMontagem: Carlos MilanezMúsica: Ice Blue , DJ CIA, Tejo DamscenoProdutor: Roberto T. OliveiraProdutora: Sindicato Paralelo FilmesDuração do Filme: 61 minutos

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Contra a Parede é um documentário que retrata o graffiti e a pichação em Campo Grande (MS), com seus respectivos idealizadores dialogando sobre ambas as cenas, suas dife-renças e seu espaço criminalizado na sociedade.

Djan Ivson ou Cripta Djan, como é conhecido nas ruas e no mundo das artes, registra e documenta esses atos com fre-quência, com ajuda de seus amigos ele laçou DVDs “Mar-cas das Ruas” e tem registros de vídeos soltos denomina-dos “100 comédia” postados abertamente em seu canal no YouTube.

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O termo editorial tem três grandes usos ou significados. Enquanto adjectivo, o con-ceito refere-se àquilo que pertence ou que é relativo aos editores e/ou às edições.

Um editorial, por outro lado, é um artigo jornalístico, assinado ou não, que apre-senta uma análise e, de um modo geral, uma opinião sobre uma notícia de grande relevância. Trata-se de um comentário, geralmente publicado em destaque nas primeiras páginas de um jornal ou de uma revista, que reflecte a linha ideológica e a posição do editor ou da comunidade editorial relativamente ao assunto tratado.

Por fim, embora mais raramente, também se chama editoriais (neste caso, en-quanto nome feminino) às editoras, isto é, às empresas dedicadas à impressão e à distribuição de publicações. Esta actividade, durante bastantes anos, esteve vin-culada à publicação de livros, revistas e jornais através de sistemas de imprensa, melhor dizendo em formato de papel. Porém, com o avanço das novas tecnologias, passou a haver editoriais disponibilizados em edição digital.

O termo fanzine consagrou-se como designação de um certo tipo de publicação relacionada às artes, cinema, música, quadrinhos, poesia, literatura, etc. Graças à popularização da informática e ao barateamento do custo de duplicação de um original (xerox, impressão digital e off-set), hoje os fanzines proliferam e se tornaram o veículo de comunicação alternativa ideal para aqueles que não tem acesso à grande imprensa

Mas, o que significa este termo? Ele surgiu, na verdade, da contração das palavras inglesas fanatic (fã) e magazine (revista). Esse neologismo foi usado pela primeira vez em 1941 por Russ Chauvenet, para designar as publicações alternativas que surgiam então nos Estados Unidos, com textos de ficção científica e curiosidades. Tinham pequena tiragem, eram distribuídos pelo correio e circulavam de mão em mão.

A fanzine revolving around “Pixaçao” and the “Cholo Writing”, two movements tre-ating a cultural issue through typographical marks. Entitled “Pixo” this fanzine is both in English and Portuguese language.

Fanzine

editorialA importancia do registro

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ZINE GOMA

Zine resultado da oficina Protes-tos Gráficos, na galeria GTO. Os exemplares produzidos foram dis-tribuidos no protesto em apoio à repressão aos pixadores da cida-de Belo Horizonte e contra a prisão de João Marcelo, o Goma.

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foi

regi

stra

do

A festa da Quadrilha do Pixo Na tarde do sábado dia 04 de junho, pixadores colaram na ocupação realizada na Funarte de Minas Gerais, localizada na região central de Belo Horizonte. O objeti-vo foi participar da Quadrilha do Pixo, um evento realizado para arrecadar grana, objetos e mantimentos para enviar aos companheiros da pixação que estão presos em Belo Horizonte: GG, Goma, Maru e Morrou. Além, é claro, para reunir a galera

do pixo da capital mineira.

O evento foi organizado coletivamente e a escolha do nome significa uma brincadeira, um trocadilho com a questão que enquadra os pixadores presos, formação de quadrilha, e as quadrilhas juninas, típicas desta época do ano.

Felipe Soares, um dos organizadores e pes-quisador do pixo, entende que, segundo o Código Penal, formação de quadrilha é quando há organização, hierarquia e divisão de tarefa. “Isso não existe em qualquer grupo de pixação que a gente conheça. Pesquiso há três anos na pós-graduação, convivo com os pixadores, e a gente percebe justamente o contrário. Existe uma horizontalidade no gru-po, não há uma liderança. Por mais que haja respeito aos mais velhos, em momento algum, alguém fala para pixar lá, ou não pixar lá. Cada um faz o quer”, esclarece.

Para abrir a programação da Quadrilha do

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Pixo, foi exibido o documentário PixAção 2, no galpão 4 da Funar-te MG. O sol daquele sábado se pôs, enquanto acontecia a roda de conversa sobre o filme, o que é o pixo, o porquê de estarmos ali na Funarte ocupada e o que era aquela luta. O microfone foi aber-to para quem quisesse falar.

Uma pixadora de Brasília que pediu pra não ser identificada afir-mou que o lugar delas é na rua, e lembrou que “hoje em dia as mulheres estão mais nas ruas, com a lata na mão”. Outra pixadora chamada Luna recordou vezes, no rolê, o reconhecimento dos ho-mens quando elas escalam os pi-cos mais rápido que eles.

Artista que, em protesto, pixou a

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parede na abertura da exposição sobre sua vida e obra na Bienal de São Paulo, João das Neves esteve presente na Quadrilha do Pixo. Na roda de conversa ele res-saltou que “esse espaço aqui é um espaço de vocês. Eu espero que essa ocupação seja perene e que vocês venham para diálogos fundamentais, pois compreenden-do ao outro iremos construir uma sociedade mais justa e com mais justiça”.

Seguindo a programação daquela noite de sábado, o DJ colocava o som nas caixas, e um dos organizadores frisou: “além de discutirmos e promovermos esse di-álogo aqui, também viemos para curtir um som do pixo”, afirmou Croik. Acabando o debate, o evento se transferia para o espaço central do pátio da Funarte.

Foram esticadas, no pátio da Funarte, duas faixas amarelas, que se destacavam no ambiente. Nelas, os pixadores puderam registrar suas tags e intervenções. Nin-guém ali estava para jogar tinta nas paredes da Funarte. As faixas e cadernos foram suficientes para a classe do pixo apresentar-se à ocupação, permanecer e realizar o evento, que terminou com shows.

Bebida gelada, catuaba ou cerveja, canjica e canjiquinha para matar a larica, eram vendidos em prol da arrecadação de dinheiro para os quatro pixadores que estão privados de liberdade. Também eram vendidos adesivos, com o dinheiro ar-recadado voltado para o mesmo fim.

Do início ao término da programação, qualquer pessoa podia deixar seu recado destinado ao GG, Goma, Maru ou Morrou, no Correio Elegante. Na próxima visi-ta a eles, serão levadas todas mensagens e os bens de consumo arrecadados no evento. Para Felipe “as arrecadações contribuirão bastante com os pixadores in-justamente presos. Eles poderão sentir um pouco da energia que rolou no evento, através das mensagens e cartas depositadas no correio elegante”, frisou.

O evento contou com ampla participação de pessoas ligadas à cultura do pixo em Belo Horizonte e também pessoas que nunca haviam tido contato com a pixa-ção, e que ali, tiveram oportunidade de conhecer melhor essa cultura.

Quadrilha do pixo em BH. Foto: Sô Fotocoletivo

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Entendendo o casoDurante o debate realizado na programação da Quadri-

lha do Pixo, várias vezes o assunto se voltava para a prisão dos quatro pixadores. O advogado Felipe Soares, respon-sável pela defesa jurídica deles, explica que o primeiro pro-cesso foi aberto em 2015. Nele, o GG foi condenado a 8 anos e 7 meses de detenção. Ele lembra que, na semana passada, completou um ano q GG está preso. “Vale ressal-tar que a condenação foi pela pixação, que foi limpa com bucha e detergente em menos de 12 horas do aconteci-do, e por apologia ao crime”, afirmou Felipe.

Já o segundo processo, que envolve a pixação realiza-da na Igrejinha da Pampulha, em março deste ano, fo-ram presos o Goma e o Maru, acusados por pixar a igreja, considerada patrimônio histórico, e por apologia ao crime. Soares explica os procedimentos que foram realizados até acontecer a prisão dos dois. “O Maru pixou a igrejinha de domingo para segunda-feira. Na quarta-feira pela manhã, fui com ele voluntariamente na Polícia Civil para prestar de-poimento, onde confessou a pixação e foi liberado. Uma semana depois o Ministério Público pediu a prisão preven-tiva dele, concedida pelo judiciário. Nós achamos com-pletamente desnecessária a prisão preventiva, pois ela se justifica quando a pessoa pode esconder provas, ameaçar testemunhas ou fugir. Entendemos que tal prisão foi por in-teresse social. Uma semana depois da prisão do Maru, fo-ram até a casa do Goma para prendê-lo. Sendo que, já tinham apreendido os objetos e materiais que ele comer-cializava em sua loja, a Real Grapixo.”

A questão vai além da criminalização do pixo. O advoga-do, Felipe Soares, considera que há uma desproporção nas medidas impostas pelo poder judiciário e, principalmente, um rigor desmedido nas denúncias realizadas pelo Ministé-rio Público Estadual. “O promotor costuma falar que BH é uma das capitais mais pixadas do Brasil. Isso a gente não consegue afirmar. Mas que em BH existe a maior repressão do Brasil à pixação, isso sim, é sem sombras de dúvidas”, afirmou Soares.

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Quadrilha do pixo em BH. Foto: Sô Fotocoletivo

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não foi registrado

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Este livro ainda não acabou, e espere que nunca acabe, fica em suas mãos (leitor) o dever de continuar o registro, pois sem ele, não teremos

histórias para contar daqui a muitos anos, existem diversas maneiras de registrar, independente se for com palavras ou imagens, REGISTRE! Mostre a sua quebrada, diga de onde você veio e quem você é, não

importa se é com canetão ou spray, só não deixe toda essa nossa história passar em vão.

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Taking inspiration from the cholo lettering on the streets of los angeles and from brazilian pixo reto and making an allusion to the verticalization of big cities and the overlapping modules in Brazilian slums, Banca is the

typeface developed in the Cidade Escrita project.

Fontes derivadas do pixo51

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Tendo como inspiração o cholo lettering presente nas ruas de Los An-geles, o picho reto do Brasil e fazendo uma alusão a verticalização das cidades e a sobreposição de módulos presentes nas favelas do Brasil, Banca é a família tipográfica desenvolvida no projeto A Cidade Escrita.

família tipográfica criada por Rodrigo Grimer

Fontes derivadas do pixo52

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Graduado em Design Gráfico pela Universidade do Estado de Minas Gerais - (UEMG 2010), vive atualmente em Belo Horizonte - MG São Paulo - SP Buenos Aires. Tem interes-se crescente por grids, ilustração, grafitti tags, toy art e tipografia. Gosta do processo, do analógico, do desafio de cada projeto, onde em muitos casos o conceito é mais importante que o próprio produto.

Atua desde 2009 em alguns escritórios em que trabalhou contribuindo de maneira expressiva para o seu crescimento profissional.

Fundação de Arte de Ouro Preto|FAOP (janeiro 2009 - maio 2009), trabalhou com o setor cultural, atuando na comunicação de eventos e identidade visual.

Fundação Biominas (Junho 2009 - janeiro 2010), trabalhou com profissionais de dife-rentes formações, criando projetos de identidade visual e brandig.

Já na Designlândia (marco 2010 - junho 2011), envolveu com áreas de seu maior interesse, e participou das diversas etapas que envolvem um projeto de design. Du-rante este tempo desenvolveu projetos editoriais, de identidade visual e ilustrações.

trabalhou com clientes como:Ronaldo Fraga

TRIP Linhas Aéreas BrasilBrahmaAmbev

Minas Trend PreviewBlanc de Noir

Casa de OlindaHead

Sanofi-AventisTop

Down

Fontes derivadas do pixo53

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“EU VEJO O ‘PICHO’ COMO UM DIREITO A CIDADE NÉ? UM DIREITO QUE FOI NEGADO A TODOS DE UMA FORMA GERAL, PORQUE A POPULAÇÃO EM GERAL NÃO TEM PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA CIDADE, A CIDADE É IMPOSTA, ENTÃO ACHO QUE A PICHAÇÃO É A MELHOR RESPOSTA QUE EXISTE CONTRA ESSA SEGREGAÇÃO ESPACIAL”,

COMENTA O ARTISTA E ATIVISTA PAULISTA DJAN IVSON.

Com cerca de 20 anos de envolvimento com a arte de rua e, mais especificamente, a pichação, Djan se tornou uma referência no meio, não só pelo trabalho urbano, mas também por ter sido um dos expoentes em levar a arte de rua à veículos da grande mídia e até para circuitos como o cinema – Djan participou do documentá-rio ‘Pixo’ de João Wainer, e mais recentemente do filme ‘Pixadores’ do Iraniano Amir Escandari. Seu trabalho inclusive levou o tema para meios que usualmente não são ligados à arte das ruas, como na 29ª bienal de SP, quando o artista foi convidado a participar após ter realizado uma ‘intervenção’ (Responsável por algumas contro-versas) em um espaço do evento na Bienal anterior. Djan participou também de um processo curatorial de arte de rua na cidade de Berlim (Que é citado no filme de Escandari). Na ocasião, um problema com as políticas de patrimônio do país quase criou problemas para o artista e seus companheiros

Durante sua passagem por Londrina, como convidado da Semana de Arte (Quan-do também ocorreu exibição do filme ‘Pichadores’) Djan conversou com artistas e interessados durante evento na Usina Cultural. Cripta falou sobre um pouco de seu trabalho além de algumas questões sobre a importância da arte em espaços públi-cos e sobre a produção do filme.

Como surgiu o con-ceito do filme ‘Pixa-dores’ ?

O filme foi produzido por uma produtora da Finlândia, a ideia deles no começo não era fazer um filme so-bre pichação. O dire-tor do filme (que é ira-niano) veio aqui para o Brasil atrás de surfis-tas de trem né? Como alguns dos artistas participantes surfam em trens também, ele acabou chegando até a gente e falan-do que tinha interesse

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em registrar pessoas ‘surfando’ e essas coi-sas. Aí, ele acabou conhecendo a gen-te, ficando bastante tempo com o nosso grupo e tendo uma ideia do contexto em que a gente vivia. Ele gostou muito da coisa toda e sugeriu que a gente fizesse um filme sobre as nossas vidas. Foi um desafio para nós, tanto pra eles, o pessoal nunca havia feito um documentá-rio, apenas filmes fic-tícios.

Informações e imagens: Flickr de Cripta Djan

Muito tempo de produção foi fei-ta para o resultado final?

As primeiras imagens foram feitas em 2010, houve outra bateria de imagens em 2012 e foi tudo fina-lizado em 2013. O filme também teve uma resistência aqui no Bra-sil, o lançamento foi em 2014, mas nenhum festival de cinema acei-tou passar o filme por aqui (Acho que até devido á Copa do Mun-do), isso mostra o retrato de um Brasil que nossas autoridades não querem mostrar, esse filme mostra muito a realidade das periferias de São Paulo, o pessoal prefere mos-trar mais o lado das praias bonitas, como no Rio de Janeiro. O filme foca mais na periferia, no momen-

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“O reconhecimento existencial do ‘pixo’ no campo da arte, é importan-te. Até porque o ‘pixo’ é um movimento muito mal compreendido e, se a gente não levar essa discussão para o campo da arte é mais difícil”, comenta Cripta Djan

to em que estamos pichando, e essas coisas…

Para você Cripta, há muita dife-rença entre o trabalho da picha-ção feito no Brasil e fora?

Na realidade, a pichação é uma manifestação brasileira, o que vem de fora do Brasil é gra-fite…. Porém, a pichação andou influenciando o grafite lá fora também. Você vê algumas in-fluências em estilos de grafite lá fora. Berlim mesmo (Que apare-ce no filme) já tem um movimen-to de pichadores alemães que é baseado em pichações aqui do Brasil, mas que criou a própria identidade estética deles. Tive a oportunidade de ir até lá, pichar com eles…. Acho que depois de São Paulo, só lá mesmo que tem uma cena consistente. O que a gente vê é bastante interven-ção na rua, mas o grafite ainda é referência mundial, acho que o ‘pichoo’ ainda vai se difundir em outros países, até espero que isso aconteça. Você teve por exem-plo a cena de grafite americano, que começou em Nova York por exemplo, e que influenciou estilos em todo o mundo. Acho que isso pode acontecer com o ‘pichoo’ por exemplo.

Vocês tiveram um problema durante a passagem pela Europa por supostamente terem se ‘En-volvido em atos de vandalismo’ (Como é relatado no filme), como foi essa história?

Depois que a gente voltou , o que aconta foi passada para o Ministério da Cultura (MinC) – Que foi quem financiou nossa ida para lá. O Ministério entrou em contato com a gente e pediu nossa defe-sa, nós fizemos a mesma alegan-do que havíamos nos encaixado em um projeto curatorial – Segun-do Cripta, havia sido uma propos-ta dos próprios curadores fazer uma demonstração ‘ao vivo’ do processo da pichação- Quando você faz uma demonstração prá-tica, você está incluindo a trans-

gressão nisso, e isso ficou claro nos ‘autos’ do processo, e nós acabamos ganhando, a con-ta voltou para o instituto que organiza a bienal. Se tivéssemos perdido teríamos que ter devol-vido todo o dinheiro da viagem. Nós contamos com um advogado muito competente que ajudou a gente de graça. (Segundo o artista, imbróglio todo demorou cerca de 2 meses).

Como o filme mudou o trabalho ou a vida de vocês?

Pra nossa vida não mudou nada… Mas, foi interessante ter o registro daquele período da nossa vida ser registrado, o ‘picho’ é um movi-mento de memória. O registro se tornou uma coisa muito importante para eternizar esse momento, ficamos felizes de ter um período da nossa vida registrado em um filme tão bem produzido.

Teve algumas coisas interessantes, o diretor filmou muita coisa separada, com a vida de cada um e teve coisas da vida do pessoal que aparece que eu apenas havia visto no filme apesar de sermos amigos há anos. Os cinegra-fistas viraram quase ‘fantasmas’ no meio da gente, pegaram vários detalhes da vida pes-soal de cada um, de um jeito muito específico.

O processo todo foi muito rico também. O fil-me já passou em mais de 30 países – Na Finlân-dia teve uma aceitação muito boa, ele entrou em circuito de cinema lá também. E passou em vários festivais de cinema na Europa, inclu-sive, a gente ganhou um prêmio na Polônia, foi até uma boa resposta para o curador da Bie-nal (Que era Polonês) onde tivemos o proble-ma, e nossa surpresa foi a de, após passar em todos esses países da europa, entramos com ele em uma mostra de cinema em SP, onde ganhamos o prêmio. Em Berlim conhecemos vários artistas legais durante a parte filmada lá. Eles levaram a gente pra pichar um pedaço do muro de Berlim, aconteceu uma interação, uma troca muito positiva. Teve muita coisa fil-mada durante a produção que eu gostaria de ver, cerca de 90 horas foram gravas, mas, mui-ta coisa ficou de fora.

Vocês estiveram em uma intervenção ocorri-da na 28ª bienal em SP, como foi isso?

Na bienal de SP, foi a mesma proposta do evento de Berlim. Nós nos encaixamos em um projeto curatorial, mas, não éramos con-vidados oficias. O curador daquele ano veio a público na época informando que haveria (Durante a bienal) um andar vazio aberto para intervenções urbanas. Então a gente pensou ‘Se ta aberto, estamos convidados para pixar’,

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e mesmo assim eles reprimiram a gente, pren-deram uma menina que estava com a gente (Por 50 dias), mas, a gente conseguiu reverter a situação. Em breve haverá um documentá-rio que contará sobre essas ocupações…. Des-de a de 2008, que foi a invasão até 2010, que foi quando voltamos como convidados oficiais da mostra. A gente entrou neste circuito justa-mente para testar os limites dele sabe?

E essa coisa de levar a pichação para outros ambientes? É importante isso para a função?

O reconhecimento existencial do ‘pichoo’ no campo da arte, é importante. Até porque, pixação é um movimento muito mal compre-endido e, se a gente não levar essa discus-são para o campo da arte (Mas sem buscar a mesma como pedestal) é mais difícil, o que nós reivindicamos foi esse reconhecimento por parte do circuito, já que muitos envolvidos se dizem prezar ‘pela arte’, como eles podem ne-gligenciar a existência do picho? A gente não buscou isso para ser aceito, mas para ser en-tendido…. Porque o setor das artes reconhece o ‘picho’ mundialmente né? A gente partici-pou das bienais em SP, depois da ‘ocupação’ fomos até convidados a participar de outra. Tivemos um relativo reconhecimento na rua, mas a pichação continua marginalizado, con-tinua sendo crime…

Como você vê a importância disso que os pichadores fazem, para a questão do espaço urbano?

Eu vejo o ‘picho’ como um direito a cidade né? Um direito que foi negado a todos de uma forma geral, porque a população em geral não tem participação na construção da ci-dade, a cidade é imposta, então acho que a pichação é a melhor resposta que existe con-tra essa segregação espacial…. Até costumo falar, para que serve um muro? É como se ele fosse criado para ser pichado mesmo, eu vejo o ‘picho’ como um uso público da cidade, como um uso que é negado para a gente. Ele funciona como uma retomada simbólica da cidade, porque, a cidade e o centro não é um espaço que foi construído para a gente. De certa forma a gente ocupa né? Quando a gente pega um prédio na Av. Paulista ele aca-ba se tornando nosso, dentro da nossa lingua-gem, é uma espécie de inversão de valores que a gente acaba promovendo no espaço público, acho saudável a pichação para a ci-dade.

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Pixo, arte e resistência política

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Como começou seu envolvimento com a questão da pichação?

Eu já tinha um percurso longo com o grafite na cidade. Um dia fui acompanhar uma pes-soa que ia fotografar grafites, e ela me contou que o prefeito queria fazer uma delegacia só para pichação, o que aconteceu na época da prisão dos “Piores de Belô”. Eu nem gostava de pichação. Mas cheguei no viaduto Santa Tereza e vi que muitos grafites estavam “atro-pelados” por pichações. Me coloquei a pen-sar: Será que esses meninos têm algo a dizer? Será que estão sentindo essa perseguição? Minha trajetória acabou me levando a mergu-lhar na pichação, tentando entendê-la. Será que, como a escrita literária, aquela escrita também causa transformações no sujeito que a produz?

A pergunta que nunca se cala: pixo é arte?Eu sempre fico pensando porque a gente tem

que definir como arte para poder entender, sabe? Talvez não possa afirmar que seja arte

pelo ponto de vista acadêmico, das belas artes. Mas se eu penso que o pixo é escrita, poética e po-lítica, se eu entendo que ele cons-trói autores, de alguma forma, ele se mostra como arte. Não há como fugir disso. Foi considerado pela Bienal de Berlim, pela Bienal de São Paulo. O cara inventa uma grafia, um nome, uma linguagem, um simbolismo, uma educação patrimonial. O que é isso se não arte?

Por que há tanta dificuldade em entender o pixo como elemento da cultura urbana?

Talvez seja a mesma dificuldade de entender que o rap e o funk são cultura. Muito pelo fato de ser uma estética própria, periférica, jovem, livre, que se apropria das coisas a partir de um princípio mui-

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Psicóloga, mestra e doutora em letras, Ludmilla Zago é das mais im-portantes vozes do debate sobre pichação e cultura de rua na atu-alidade. Coordena pesquisa sobre justiça urbana e convivência na Faculdade de Direito da UFMG e dirige a ONG Borda Convivência, Cidade e Pesquisa, que desenvol-ve projetos como o Real da Rua. O Magazine conversou com Zago sobre pichação, arte urbana e jus-tiça seletiva.

to peculiar, que não vem do lucro, que não compactua com a televisão. É difícil as pesso-as entenderem como legítimo, como respeitá-vel, algo que elas têm dificuldade de enten-der, que não conhecem, que não se dirige a elas. Além de tudo, tem a transgressão, numa sociedade que é cada vez mais extremada. Se é ilegal e eu não entendo, então quero que desapareça. Não temos uma cultura de convi-vência na cidade entre os diferentes.

Ao contrário do pixo, o grafite conseguiu sta-tus de arte e foi para galerias mais cedo. Por quê?

Primeiro, é importante lembrar que a picha-ção, em menor escala, também já estabele-ceu diálogos com espaços de arte. Principal-mente em cidades como Berlim e Nova York. Sobre o grafite, acho que tem a ver com a be-leza, com a possibilidade do entendimento. E porque voltamos ao tempo da criminalização da escrita. O grafite tem raiz comum com a pi-chação, e as pessoas insistem em não enten-der isso, talvez pelo grafite ser mais confortável para o olhar. A possibilidade de ver o grafite como algo bonito, que inclusive pode “curar”

a cidade do pixo, talvez faça com que ele seja tão capitalizado pelo poder público atualmente, que age como se quisesse acolher o grafite. O grafite topa o diálogo de receber lugares para aconte-cer e ser feito, como no projeto Telas Urbanas. A pichação não tem disso. A atividade parte dela mesma.

Recentemente, assistimos à pri-são do Goma, um dos pichadores mais conhecidos da cidade, que gerou protestos e muita indigna-ção. Há, de fato, uma persegui-ção ao pixo em Belo Horizonte?

Claro. Eu acho que Belo Hori-zonte chegou no ponto máximo de abuso de poder, de uma in-terpretação que não considera essas pessoas, essas culturas. É um desconhecimento e um exagero muito grande esse investimento contra pessoas que, para o po-der público, destroem o patrimô-nio. Mas é a Justiça quem está destruindo a vida dessas pessoas, porque rabiscaram paredes. Não dá para entender o por quê de tanta marginalização para uma coisa que se apaga, muitas vezes, no mesmo dia. Percebo que BH é pouco afeita à liberdade, à ju-ventude, à ocupação do espaço público com alegria. E prova disso é essa mobilização contra a arte urbana, esse desejo punitivista de prender pichadores como exem-plo.

Que foi o que aconteceu com o Goma, na sua análise?

Exatamente. O Goma é um co-municador, um artista da rua, com um alcance muito grande na ci-dade, com diálogo com vários setores. O curioso é que ele não pichou a Igrejinha da Pampulha, mas mesmo assim foi envolvido e preso. É porque nesse contexto da cultura de rua tudo é crimina-lizado. A amizade, a estética, a simbologia. Se o Marú (autor da pichação na igreja São Francis-co de Assis, preso em maio deste ano) não tivesse pichado a Igreji-nha, eles talvez tivessem dado ou-tro jeitinho para prender o Goma. O chamaram para que ele entre-gasse o Marú, ele não quis falar nada e, então, retiraram sua fala

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e seu trabalho (dias antes da pri-são de Goma, a polícia apreen-deu todos os materiais de sua loja, Real Grapixo, que vendia latas de spray e camisetas que faziam alu-são à pichação), e o enquadram por apologia. Então, tudo que tem a ver com pichação é crimi-nalizado. Até a ética do pichador. Parece que estamos falando da máfia italiana, mas o assunto são rabiscos na parede.

A pichação na Igrejinha da Pampulha motivou muitos deba-tes sobre arte urbana e patrimônio público, inclusive um último com a sua participação, no Café Con-troverso, que aconteceu ontem. Como você vê essa seara?

É preciso falar do uso do patri-mônio, do direito da cidade, do que existe na cultura de rua que o ordenamento da cidade não consegue aplacar. Temos que pensar na desproporcionalidade das penas, numa cidade que cui-da mais do patrimônio do que das pessoas. Em tese, porque a gente já viu diversas situações em que a prefeitura agrediu o patrimônio e não foi julgada. Afinal, o que é público? Como falamos dessa designação quando ela vem de

cima para baixo? O Marú, por exemplo, afirma que não sabia o que era patrimônio, quem era Portinari. Isso mostra a necessidade de uma educação patrimonial, de envolver no deba-te, por exemplo, o pichador, que é uma figu-ra que se envolve muito com a cidade. Ainda que seja patrimônio, é justo deixar alguém pre-so por oito anos, como existem casos na cida-de, por conta de uma manifestação estética? E preciso pensar, também, qual o patrimônio que o pixo configura para ele mesmo.

Na sua opinião, o que leva uma pessoa a pi-char?

Uma vez vi num seminário um pichador dizen-do que, quando alguém dissesse porque se pi-cha, a pichação iria acabar. É aquela ideia de que falar demais da arte acaba com a arte. Mas eu poderia dizer que a pichação é fruto da vida urbana periférica brasileira. Já vi meni-no falando que começou a pichar porque não tinha o que fazer no bairro, ou para ficar co-nhecido e ter ibope, e depois entendeu a fun-ção política do que ele fazia, que se configura como protesto. Mas é difícil definir. O que faz um menino continuar pichando depois de ser tão injustiçado? Talvez a própria injustiça seja o motor. Mas tem também a coisa vibrante da juventude, que escapa dos ordenamentos. E, como diz a música, “eu acredito é na rapazia-da”. Acredito na cultura de rua. Não consigo parar de querer que a pichação seja melhor debatida nessa cidade, onde tantas vidas têm sido destruídas pela injustiça.

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“pixo é escrita, poética e política, se eu entendo que ele constrói auto-res, de alguma for-ma, ele se mostra

como arte.”

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Glossário

conclusão

Bafo – iniciante, inexperiente, sem credibilidade.Baguio – coisa, acontecimento.Bancar – pagar; “bancar a lata” significa pagar/patrocinar a lata de spray.Colar – marcar presença, compa-recer.Corró – tipo de cela ou xadrez existente em delegacias de polí-cia, destinada à detenção tem-porária em razão de prisão em flagrante delito ou cumprimento de determinação judicial.Embaçado – complicado, difícil, imprevisível.Espirrado – expulso.Explodir – pixar intensamente.Pixação – ao grafar o termo com “x” e não com “ch” subentende--se falarmos da pixação feita pelo pixadores paulistanos.Pixo – grafismo confeccionado com letras de pixação tendo o meio urbano (muros, fachadas, etc) como suporte, normalmente

Este livro serviu para sintetizar esse movimento que é considerado mui-to grande nas metrópoles/ruas, um movimento que a maioria das pes-soas viram a cara e não reconhece como tal, um movimento que já virou identidade para as ruas de nossas cidades, mas muitas pessoas já absorveu isto e nem consegue mais enxergar tais informações em sua frente.

Ciente que aqui consegui mostrar a importância que tomou isto e de onde surgiu, e como as gerações lidam com este argumento, este livro é um pequeno fragmento de tudo, um livro que não vai ter um fim tão cedo, podemos dizer que ainda vamos ter muitas histórias para contar nesse movimento.

Direcionado para um editorial, o livro argumenta sobre a importância de registrar, como a pixação é livre, e qualquer pessoa tem poder de se expressar com ela, o registro é fundamental para ganhar mais voz esse poder.

Acredito que tenha contribuído para os pixadores e para pessoas lei-gas, que tentam compreender esse movimento abertamente, pois en-quanto tiver motivos, terá manchas.

executado com spray ou rolo de espuma. O pixo normalmente é um logotipo de um pixador ou de uma gangue escrito com estilo de letra conhecido como tag reto.Picadilha – escondido, discreto, disfarçadoPoint – local de encontro dos pixadores.Quebrada – bairro onde o pixador reside ou frequenta constante-mente.Rolê – deslocamento dos pixado-res pela cidade.Rodar – ser pego pela polícia.Trampo – trabalho.Três em pé – quando um pixa-dor usa o ombro do outro como apoio para ficar em pé e pixar o mais alto possível, criando uma espécie de pirâmide humana.Treta – briga, conflito.União ou Grife – união de gan-gues de pixadores.Zé povinho – Pessoa que se preo-cupa com a vida alheia.

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LUTHER BLISSETT. Somos tod@s Piores de Belô. Praça Livre BH. Disponível em:<https://pracalivrebh.wor-dpress.com/2010/09/30/somos-tods-piores-de-belo/#more-1344>. Acesso em: 21 Junho 2016.

IURI SALLES E HENRIQUE SANATNA. Cripta Djan: “Pixo é a retomada da cidade por parte dos excluídos”. Vaidapé. 24 Setembro 2015. Disponível em:<http://vaidape.com.br/2015/09/cripta-djan-pixo-e-a-reto-mada-da-cidade-por-parte-dos-excluidos/>. Acesso em: 21 Junho 2016.

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SAY WHAT. Pixo Fanzine. Say What Studio. 22 Julho 2011. Disponível em:<http://www.saywhat-studio.com/>. Acesso em: 21 Junho 2016.

Este livro é somente um trabalho de editorial acadêmico, onde todas as informações expostas não são de meu domínio, como fotos e textos.

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Colofon

Alan Martins Ferreira Lopes

Família tipográfica: Century Gothic EssipeFormato : 19x29cmPapel : Couchê 145gAcabamento : Costura e colaCapa : Alumínio inox com dobradiçatamanho capa : 22x30cm

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