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Calibração em química analítica: uma breve revisão. Claudio Antonio Tonegurri Professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) [email protected] Introdução Uma medida analítica quantitativa tem por objetivo determinar a quantidade de uma dada espécie (analito) em uma massa ou volume definido da amostra. Se o analito não pode ser diretamente medido, então um parâmetro macroscópico deve ser encontrado que seja funcionalmente relacionado à quantidade (concentração) do analito. O valor desse parâmetro é a medida do sinal analítico (Hulanicki, 1995). Quando o relacionamento funcional pode ser descrito tendo por base as constantes físicas e as quantidades universais, o método pode ser considerado absoluto. O valor numérico do fator de proporcionalidade entre a quantidade (concentração) x, e o sinal, y, é chamado de sensitividade (dy/dx) (Hulanicki, 1995). O componente puramente instrumental desse fator é denominado de constante do instrumento. No caso de medidas experimentais para determinar a sensitividade, amostras padrão de vários tipos são indispensáveis, pois, dependendo das características da técnica analítica utilizada, as amostras padrão podem exibir diferentes graus de similaridade em relação à amostra analisada (Hulanicki, 1995). Exemplos de métodos químicos absolutos são a gravimetria, a titrimetria e a coulometria. Quando um método absoluto de análise química não está disponível ou não pode ser utilizado, por qualquer razão, à análise em questão, a escolha de uma estratégia adequada de calibração é essencial para o sucesso de qualquer análise química quantitativa. Os principais métodos de calibração univariada empregados na química analítica quantitativa instrumental são a calibração por padrão externo, a calibração por adição de padrão e a calibração por padrão interno, métodos esses que serão objeto de detalhamento neste trabalho.

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Page 1: Calibração em química analítica: uma breve revisão. de analito à amostra desconhecida em sua matriz complexa (Harris, 2005). É oportuno registrar que existem dois tipos de efeito

Calibração em química analítica: uma breve revisão.

Claudio Antonio Tonegurri

Professor do Departamento de Química da

Universidade Federal do Paraná (UFPR)

[email protected]

Introdução

Uma medida analítica quantitativa tem por objetivo determinar a quantidade de

uma dada espécie (analito) em uma massa ou volume definido da amostra. Se

o analito não pode ser diretamente medido, então um parâmetro macroscópico

deve ser encontrado que seja funcionalmente relacionado à quantidade

(concentração) do analito. O valor desse parâmetro é a medida do sinal

analítico (Hulanicki, 1995).

Quando o relacionamento funcional pode ser descrito tendo por base as

constantes físicas e as quantidades universais, o método pode ser considerado

absoluto. O valor numérico do fator de proporcionalidade entre a quantidade

(concentração) x, e o sinal, y, é chamado de sensitividade (dy/dx) (Hulanicki,

1995).

O componente puramente instrumental desse fator é denominado de constante

do instrumento. No caso de medidas experimentais para determinar a

sensitividade, amostras padrão de vários tipos são indispensáveis, pois,

dependendo das características da técnica analítica utilizada, as amostras

padrão podem exibir diferentes graus de similaridade em relação à amostra

analisada (Hulanicki, 1995).

Exemplos de métodos químicos absolutos são a gravimetria, a titrimetria e a

coulometria.

Quando um método absoluto de análise química não está disponível ou não

pode ser utilizado, por qualquer razão, à análise em questão, a escolha de uma

estratégia adequada de calibração é essencial para o sucesso de qualquer

análise química quantitativa.

Os principais métodos de calibração univariada empregados na química

analítica quantitativa instrumental são a calibração por padrão externo, a

calibração por adição de padrão e a calibração por padrão interno, métodos

esses que serão objeto de detalhamento neste trabalho.

Page 2: Calibração em química analítica: uma breve revisão. de analito à amostra desconhecida em sua matriz complexa (Harris, 2005). É oportuno registrar que existem dois tipos de efeito

Existem outros métodos de calibração univariada, alguns derivados desses,

que também serão comentados neste trabalho. A calibração multivariada não

será abordada neste artigo.

Calibração por padrão externo

A calibração por padrão externo é o método mais utilizado devido à sua

simplicidade e facilidade de interpretação.

Em uma calibração por padrão externo, para a quantificação de um analito,

dados conhecidos da concentração do padrão de calibração são combinados

com dados de uma amostra de concentração desconhecida para gerar uma

resposta ao problema.

A denominação de padrão externo é devido ao fato de que o padrão está

separado, ou fora de contato, com a amostra de concentração desconhecida.

Ela envolve a comparação da resposta instrumental à amostra com a resposta

instrumental aos padrões.

A principal vantagem deste método é que ele é simples de realizar e se aplica a

um conjunto grande de técnicas instrumentais.

A principal desvantagem é que o método não permite corrigir o efeito da matriz,

quando existente, na qual se encontra o analito.

Na calibração externa se assume:

1. Que o sinal do instrumento é proporcional à concentração conhecida das

soluções padrão;

2. A sensitividade (sinal/concentração) é a mesma para as amostras e os

padrões;

3. Que o sinal é proveniente apenas do analito;

4. Não leva em conta efeitos de matriz ou de flutuação do sinal devido ao

instrumento.

Na construção de uma curva de calibração deseja-se que ela passe o mais

perto possível dos pontos obtidos experimentalmente e, para que isso ocorra, o

método estatístico mais utilizado é o dos mínimos quadrados, que fornece

resultados não tendenciosos e com variância mínima, dentro de certas

suposições de natureza estatística (Pimentel & Barros Neto, 1996).

Para se elaborar a curva de calibração externa é necessário medir a resposta

do instrumento para um determinado número (recomenda-se no mínimo 05) de

padrões analíticos (soluções preparadas a partir de uma solução estoque de

concentração conhecida) de diferentes concentrações. A escolha dos níveis de

concentração para os quais a resposta será medida deve estar dentro da faixa

na qual se encontra o sinal das amostras e, também, onde a curva se enquadra

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no modelo linear. Diluições ou pré-concentração das amostras podem ser

necessárias para o enquadramento das medidas experimentais nesses

requisitos. Uma abordagem estatística desses aspectos pode ser vista no

artigo de Pimentel & Barros Neto (1996).

Na utilização de padrões externos, considera-se que as mesmas

concentrações do analito no padrão vão gerar sinal idêntico no instrumento.

Desta forma, a função de calibração relacionando a resposta instrumental e a

concentração do analito deve-se aplicar à amostra. Em geral, a resposta

analítica é corrigida por meio de um controle chamado de branco. O branco

deve ser idêntico à amostra sem o analito (Skoog, West, Holler, & Crouch,

2006).

Na prática, é difícil preparar um branco ideal que reproduza a matriz na qual se

encontra o analito e, assim, alguma aproximação deve ser considerada desde

que não introduza distorção significativa no resultado.

O branco pode ser de solvente, contendo o mesmo solvente no qual o analito

está dissolvido como também de reagente, contendo o solvente mais os

reagentes usados no preparo da amostra. Mesmo com as correções efetuadas

através do branco, vários fatores podem causar erro no método do padrão

externo. Destacamos o efeito de matriz, introduzido pela não similaridade entre

os ambientes em que se encontra o analito na amostra e nos padrões

preparados (Skoog, West, Holler, & Crouch, 2006).

Assume-se que o sinal analítico (Sa) é proporcional (k) à concentração do

analito (C), conforme a equação 1:

Sa = k C eq.1

Como exemplo de uma curva de calibração externa, apresentamos o sistema

Cu2+-NH3 cuja absorbância do complexo formado, Cu(NH3)42+, é medido a 605

nm, contendo as seguintes soluções, preparadas a partir de uma solução

estoque de 0,01634 mol L-1 em Cu2+ às quais se adicionou excesso de NH3

para a formação do complexo.

Tabela 1: Dados para a elaboração da curva de calibração externa.

Concentração de Cu2+ (mol L-1)

Absorbância

1,31E-03 0,058

2,61E-03 0,126

3,92E-03 0,190

5,23E-03 0,253

6,54E-03 0,322 Fonte: dados do autor

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Com os dados da tabela 1 pode-se gerar o gráfico 1, correspondente à curva

de calibração externa.

Gráfico 1: Curva de calibração externa correspondente aos dados da tabela 1

Uma amostra de concentração desconhecida de Cu2+, submetida ao mesmo

tratamento das soluções padrão, forneceu uma absorbância de 0,247. A

medida, inserida na equação da curva de calibração externa, encontrada no

gráfico 1, resultou na concentração da amostra de 0,0051 mol L-1.

Para a utilização do método de calibração externa, bem como para o cálculo

dos desvios padrão associados, recomendamos consultar o capítulo 8 de

Skoog et. Al. (2006).

Calibração por adição de padrão

O método da adição de padrão é bastante importante para a análise química

quantitativa de espécies inorgânicas e orgânicas pelo fato de permitir atenuar

os efeitos de interferência da matriz (Kelly, Pratt, Guthrie, & Martin, 2011).

Aparentemente, a sua introdução se deu a partir de um livro sobre análise

química por polarografia de autoria de Hans Hohn (1906-1978), publicado em

1937 (Hohn, 1937). Anos depois, o método foi introduzido em análises

químicas quantitativas realizadas com a utilização de espectroscopias ópticas,

tais como espectroscopia de fluorescência de raio-X e fotometria de chama

(Kelly, Pratt, Guthrie, & Martin, 2011).

A adição de padrão é especialmente apropriada quando a composição da

amostra é desconhecida ou complexa e afeta o sinal analítico. A matriz é tudo

que existe na amostra desconhecida, além do sinal do analito. O efeito de uma

matriz pode ser considerado como uma mudança no sinal analítico causada

por qualquer coisa na amostra diferente do analito. Logo, o método de adição

padrão compensa uma série de interferências quando se adiciona quantidades

y = 50,051x - 0,0064 R² = 0,9997

0,000

0,050

0,100

0,150

0,200

0,250

0,300

0,350

0,00E+001,00E-032,00E-033,00E-034,00E-035,00E-036,00E-037,00E-03

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conhecidas de analito à amostra desconhecida em sua matriz complexa

(Harris, 2005).

É oportuno registrar que existem dois tipos de efeito de matriz, o chamado

efeito rotacional e o chamado efeito translacional, exemplificados nos gráficos

02 e 03 adiante.

Gráfico 2: Efeito de Matriz rotacional

O efeito de matriz rotacional se caracteriza pela variação no coeficiente angular

da curva obtida na adição de padrão, em relação à curva obtida em condições

similares na padronização externa.

Gráfico 3: Efeito de matriz translacional

0

0,05

0,1

0,15

0,2

0,25

0,3

0,35

0 2 4 6 8 10 12

Padrão Externo

Adição padrão

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O método de adição de padrão pode ser eficiente quando se verifica o efeito de

matriz rotacional, mas não se aplica para o efeito de matriz translacional.

Na prática, as soluções as soluções padrão da curva analítica são preparadas

na matriz da amostra contendo o analito. O sinal analítico obtido (Sa)

corresponde à soma do sinal da amostra mais ao do padrão adicionado (Sa =

Asam + Sap) e será proporcional à concentração do analito (amostra + padrão).

A concentração do analito, na amostra desconhecida, é determinada por

extrapolação, fazendo y na equação da reta igual a zero (e tomando o módulo

de x).

O método de adição de padrão é eficiente para a correção de efeitos de matriz,

mas não corrige flutuações do sinal analítico, decorrentes da instrumentação

utilizada.

Método da Padronização Interna

O método da padronização interna (padrão interno) é utilizado para corrigir

flutuações das leituras instrumentais bem como dos efeitos de matriz.

Entretanto, obter um padrão interno com propriedades físico-químicas

compatíveis com o analito não é simples, além do que o padrão interno não

deverá estar presente na amostra, ou se estiver, deverá ser em quantidades

abaixo do limite de detecção.

Neste método, uma quantidade conhecida do padrão interno é adicionada a

todas as amostras, padrões e brancos.

O sinal de resposta considerado será a razão entre o sinal do analito e o do

padrão.

Uma curva de calibração é preparada na qual o eixo y é a razão entre as

respostas e o eixo x a concentração do analito nos padrões.

O método do padrão interno pode compensar erros que incidem sobre o analito

e também sobre o padrão.

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Figura 1: Ilustração do método do padrão interno em cromatografia

Fonte: (Skoog, West, Holler, & Crouch, 2006)

Análise por diluição padrão

A análise por diluição padrão (Jones, Donati, Jones, & Calloway Junior, 2015)

pode ser aplicada à maioria das técnicas instrumentais que aceitam amostras

líquidas e são capazes de monitorar dois comprimentos de onda

simultaneamente.

Ele é um método que combina os métodos de adição de padrão e de padrão

interno. Não é necessário preparar uma série de soluções padrão nem a

construção de curvas de calibração. A análise é realizada por combinar duas

soluções em um recipiente (uma cubeta, p. ex.). A primeira solução deve conter

50% da amostra e 50% da mistura padrão e a segunda solução deve conter

50% da amostra e 50% do solvente. Os dados são coletados em tempo real

quando a primeira solução é diluída na segunda (Jones, Donati, Jones, &

Calloway Junior, 2015).

Com os resultados coletados, é construído um gráfico da razão do sinal do

analito com relação ao padrão interno, no eixo y, versus o inverso da

concentração do padrão interno, no eixo x. A concentração do analito na

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amostra é determinada pela razão entre a inclinação e o intercepto desse

gráfico.

O método foi testado, dentre outros, para a análise de metais em produto

destinado à lavagem bucal, sendo observado que os resultados, tanto em

precisão como em exatidão, foram melhores do que aqueles obtidos com a

utilização de calibração externa ou de calibração por padrão interno, utilizando

a técnica de espectroscopia de emissão atômica (Jones, Donati, Jones, &

Calloway Junior, 2015).

Calibração com um Único Ponto

Nesta calibração é obtido um fator de calibração (FC) que é a razão da

concentração da solução padrão (Cp) pelo sinal analítico do padrão (Sap)

(Fortunato, 2017). Assumindo-se que o coeficiente linear é igual a zero e que a

variação do sinal analítico é proporcional à concentração do analito, o FC é

calculado por:

FC = Cp / Sap Eq. 2

A concentração do analíto na amostra é calculada pela multiplicação de FC

pelo sinal analítico da amostra. Essas suposições, entretanto, implicam que o

método é bastante vulnerável a problemas de falta de linearidade, efeito de

matriz e flutuações do sinal analítico (Cuadros-Rodriguez, Gámiz-Gracia,

Almanza-López, & Bosque-Sendra, 2001)

Calibração com Dois Pontos

Em métodos nos quais existe um sinal de background (ruído da linha base) e,

portanto, o intercepto de uma calibração hipotética é diferente de zero, uma

calibração com ao menos dois pontos pode ser requerida a fim de evitar erros.

A concentração de dois padrões deve definir o intervalo que contém todas as

amostras a serem analisadas (Cuadros-Rodriguez, Gámiz-Gracia, Almanza-

López, & Bosque-Sendra, 2001).

A constante de calibração será definida como:

K = [x(padrão1) – x(padrão2)] / [y(padrão1) – y(padrão2)] Eq.3

A concentração do analito é calculada por:

xanalito = xpadrão(1 ou 2) + K (yamostra – ypadrão(1 ou 2)

Os cuidados com este método são similares ao observado com relação ao

método de ponto único.

Na prática, este método é rotineiramente utilizado para a calibração de

pHmetros.

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Método das Diluições Sucessivas

O método se baseia em sucessivas diluições de uma solução padrão e de uma

amostra. A cada etapa de diluição as soluções são analisadas e a cada duas

etapas a concentração do analito é determinada por interpolação, utilizando um

gráfico de dois pontos. A concentração calculada é chamada de concentração

aparente. Com as sucessivas diluições, as interferências vão sendo eliminadas

e as concentrações aparentes, portanto, se aproximam da concentração real

do analito (Fortunato, 2017).

Método da Calibração Indireta

Este método é utilizado quando a técnica adotada não é capaz de medir ou não

tem sensibilidade para medir o analito de interesse. O método é baseado em

reações envolvendo o analito, medindo-se a formação de um produto formado

na reação ou o consumo de reagentes (Fortunato, 2017).

As curvas analíticas são obtidas a partir de concentrações crescentes do

analito que reagem com um reagente e assume-se que o aumento (formação

de produto) ou decréscimo (consumo de reagente) do sinal analítico é

proporcional à concentração do analito.

A concentração do analito pode ser facilmente calculada por gráfico ou

equação da reta. Entretanto, o método é vulnerável a interferências,

dependendo da especificidade das reações

Método de Compatibilização de Matriz

O método é fundamentado na preparação de padrões analíticos com

composição química similar às das amostras. As soluções devem conter

concentrações crescentes do analito e, de forma análoga ao método por

calibração de padrão externo, uma curva de calibração é construída (Fortunato,

2017).

Métodos de Calibração Utilizados Simultaneamente

A utilização de dois métodos de calibração simultaneamente tem por objetivo

melhorar o desempenho analítico, aproveitando as vantagens de cada método.

Uma das possibilidades é a utilização simultânea do método de adição de

padrão e do método de padronização interna (Fortunato, 2017). A curva

analítica é preparada em meio da amostra pela adição de quantidades

crescentes de padrão a uma quantidade fixa de padrão interno. Assume-se que

o sinal do analito (Sa) dividido pelo sinal do padrão interno (Spi) é proporcional

à concentração do analito presente na amostra e a concentração do padrão

(Cam + Cp), conforme a equação:

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Sa / Spi = k (Cam + Cp) Eq. 4

Outra possibilidade é a combinação do método de compatibilização da

matriz com o método da padronização interna (O'Reilly, et al., 2014).

Este método vem sendo empregado principalmente na análise direta de

sólidos. Os padrões são preparados empregando uma matriz isenta ou uma

matriz preparada com composição semelhante a das amostras. O padrão

interno pode ser adicionado como uma quantidade fixa aos brancos, soluções

analíticas e amostras ou pode-se empregar um componente majoritário das

amostras analisadas que tenha pouca variação entre elas. A concentração do

analito na amostra é calculada de maneira semelhante à da padronização

interna (Fortunato, 2017).

Métodos de Calibração Integrados

Nesta abordagem, é criado um novo método com base em dois outros já

existentes, originando um novo conceito teórico e experimental.

Um desses métodos é o chamado de adição padrão no ponto H, usado para

contornar problemas de sobreposição de espectros. O procedimento envolve o

preparo de duas funções diferentes do método de adição de padrão tradicional

(distintos comprimentos de onda, pH, etc.). Nessa situação, ambas as funções

tem condição de se cruzarem em um ponto (chamado de ponto H), que indica a

concentração do analito e o efeito aditivo do interferente (Fortunato, 2017).

Também temos como opção o método de calibração integrado.

Segundo Fortunato (2017):

“...

Este método é fundamentado nos princípios dos métodos de calibração externa

e método de adição de padrão e tem como principais características a

identificação e eliminação de possíveis interferentes nas análises. Neste

procedimento são preparadas seis soluções analíticas (R1 – R6) e um branco

(R0), na qual, R0: diluente; R1: 2/3 de padrão + 1/3 de diluente; R2: 2/3 de

padrão + 1/3 de amostra; R3: 2/3 de diluente + 1/3 de amostra; R4: 2/3 de

amostra + 1/3 de diluente; R5: 2/3 de amostra + 1/3 de padrão; e R6: 2/3 de

diluente + 1/3 de diluente. A partir da análise das seis soluções + branco, são

produzidos 7 sinais analíticos (S0 – S6), e utilizando os sete sinais analíticos

são plotadas quatro curvas de calibração de dois pontos (S0 e S1; S2 e S3; S4

e S5; S6 e S0). Por meio destas quatro curvas são calculadas seis

concentrações aparentes para o analito de interesse (C1 – C6), destas seis

concentrações C1 e C2 são calculadas de modo interpolativo, C3 e C4 são

calculados de modo semi-extrapolativo e C5 e C6 são calculadas de modo

extrapolativo. A concentração do analito pode ser resumida em 4 etapas: (i)

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caso as seis concentrações aparentes sejam concordantes entre si, a

concentração do analito é dada por uma média aritmética de C1-C6; (ii) caso

C1 - C6 não sejam concordantes, é um indicativo que algum efeito de matriz

está prejudicando a qualidade dos resultados, quando isso ocorre verifica-se se

(C3 + C4)/2, C5 e C6 são concordantes, caso sim, a concentração do analito é

dado por uma média aritmética de C3 – C6; (iii) se as concentrações aparentes

não respondem adequadamente as condições de (i) e (ii), amostras e padrões

são diluídas sucessivamente até que umas duas condições sejam atendidas;

(iv) se mesmo com as diluições sucessivas não for possível atender as

condições de (i) e (ii) é necessário um pré-tratamento da amostra de modo a

eliminar está interferência antes de repetir todo o procedimento.

---”

Outra opção é o método de calibração generalizado. O método é baseado na

integração dos conceitos do método da calibração integrada com o método das

diluições sucessivas.

O padrão e a amostra são diluídos sucessivamente e para cada ponto da

diluição é realizado o método da calibração integrada. Com as diluições

sucessivas, os possíveis interferentes são eliminados (Fortunato, 2017).

Também temos a proposta do método de adição de padrão interno. Esse

método combina os princípios da padronização interna com os da adição de

padrão, se constituindo em uma modificação do método da diluição padrão

anteriormente mencionado (Fortunato, 2017). A principal diferença é que na

adição padrão interna diversas soluções padrão são requeridas.

Em uma análise de magnésio e cálcio em biodiesel, utilizando a espectroscopia

de emissão atômica, e usando manganês e estrôncio como padrões internos

para cálcio e magnésio, respectivamente, os resultados obtidos estão em

concordância com aqueles dos materiais certificados, em um nível de confiança

de 95%. O desvio padrão para ambos os analitos, com doze determinações,

ficou em 6% (Fortunato, Bechlin, Gomes Neto, Donati, & Jones, 2015).

Nesse método é assumida uma relação linear entre o sinal analítico do padrão

interno (Spi) e sua concentração (Cpip):

Spi = Kpi Cpip Eq. 5

Pode-se deduzir a seguinte equação para o método (Fortunato, 2017):

Sa/Spi = (ka (Caam + Cap)) / (kpi Cpip)

Sa/Spi = [(ka Cap) / (kpi Cpip)] + [(ka Caam) / (kpi Cpip)] Eq. 6

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É um equação de reta na qual a razão do sinal do analito pelo sinal do padrão

interno é a variável y e o inverso da concentração do padrão interno é a

variável x.

Y = Spa / Spi ; x = 1 / Spip ; coeficiente linear = [(ka Cap) / (kpi Cpip)] ;

coeficiente angular = [(ka Caam) / (kpi)]

As adições da solução estoque contendo o analito mais o padrão interno terão

uma proporção fixa dos mesmos (Cap + Cpip) nas amostras, assim, o

coeficiente linear será um valor que dependerá apenas do efeito de matriz.

A concentração do analito na amostra pode ser calculada por:

Cam = (coeficiente angular / coeficiente linear) (Cap / Cpip) Eq.7

O método de adição de padrão interno une as vantagens da adição de padrão

com a padronização interna, sem ter a concentração do padrão interno fixada

nos brancos e amostras e da não preocupação com os teores do padrão

interno originalmente presente nas amostras (Fortunato, 2017).

Comparação entre métodos

Em nossa discussão neste trabalho, é interessante ter uma ideia de como um

conjunto de métodos responde a um determinado problema químico.

Para tal fim, vamos exemplificar com análises de cálcio e magnésio em

biodiesel.

O biodiesel é um combustível biodegradável derivado de óleo vegetal ou

gordura animal. Entre os parâmetros de controle de qualidade do biodiesel

estipulado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

(ANP), a resolução ANP n° 14 prevê os teores máximos permitidos de Ca e Mg

(ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gas e Biocombustíveis, 2012). A

presença desses íons pode ocasionar problemas mecânicos como corrosão de

peças e a desativação dos catalisadores. A complexidade da matriz e a

dificuldade no preparo das amostras dificultam essas análises (Fortunato,

2017).

Na tese de doutorado de Fortunato (2017) foram realizadas comparações entre

métodos para a determinação de Ca2+ e Mg2+ em biodiesel, e a sua

confrontação com materiais certificados.

Apresentamos, na tabela 1, um resumo desses resultados:

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Tabela 1: Análise de Ca2+ e Mg2+ em biodiesel por vários métodos de

calibração.

Análise Valor certificado (mg Kg-1)

Calibração externa

(mg Kg-1)

Padronização interna

(mg Kg-1)

Adição de padrão

(mg Kg-1)

Adição de padrão interno

(mg Kg-1)

Ca2+ 2,5 6,29 ± 0,20 2,71 ± 0,18 2,91 ± 0,10 2,53 ± 0,13

Mg2= 2,5 2,86 ± 0,10 2,46 ± 0,11 2,81 ± 0,15 2,60 ± 0,15

Fonte: (Fortunato, 2017)

Para a calibração externa, os resultados para Ca2+ e Mg2+ não foram

concordantes com os valores certificados, no nível de confiança de 95% de

acordo com o teste t de Student.

Na padronização interna, os resultados foram concordantes com os valores

certificados, no nível de confiança de 95%.

Para o método de adição de padrão interno, os valores foram concordantes no

nível de confiança de 95%.

No caso do método de adição de padrão os resultados não são concordantes

com os valores certificados.

Um outro conjunto de análises para Ca2+ em biodiesel é apresentado na tabela

2.

Tabela 2: Análises de Ca2+ em biodiesel utilizando vários métodos de

calibração.

Amostras de biodiesel

Calibração externa

(mg Kg-1)

Padronização interna

(mg Kg-1)

Adição de padrão

(mg Kg-1)

Adição de padrão interno

(mg Kg-1)

1 1,59 ± 0,44 0,70 ± 0,01 0,77 ± 0,06 0,69 ± 0,03

2 2,34 ± 0,56 1,00 ± 0,11 1,15 ± 0,04 1,13 ± 0,04

3 2,33 ± 0,70 1,01 ± 0,16 1,19 ± 0,15 1,05 ± 0,10

4 2,80 ± 0,28 1,17 ± 0,13 1,28 ± 0,13 1,20 ± 0,04

5 3,22 ± 0,23 1,39 ± 0,14 1,57 ± 0,11 1,46 ± 0,06

Fonte: (Fortunato, 2017).

Os resultados obtidos pelo método de calibração externa foram bastante

distintos dos demais métodos, provavelmente pelo fato de que este método

não corrige os efeitos de matriz.

Page 14: Calibração em química analítica: uma breve revisão. de analito à amostra desconhecida em sua matriz complexa (Harris, 2005). É oportuno registrar que existem dois tipos de efeito

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Versão de 18/07/2017.