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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Caio Cesar di Gesu Janguas Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George Boole no contexto de algebrização da Lógica no século XIX Mestrado em Educação Matemática São Paulo 2019

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  • Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    Caio Cesar di Gesu Janguas

    Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George

    Boole no contexto de algebrização da Lógica no século XIX

    Mestrado em Educação Matemática

    São Paulo

    2019

  • Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    Caio Cesar di Gesu Janguas

    Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George Boole no

    contexto de algebrização da Lógica no século XIX

    Mestrado em Educação Matemática

    Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

    como exigência parcial para obtenção do título de

    MESTRE em Educação Matemática, sob a

    orientação do Prof. Dr. Fumikazu Saito.

    São Paulo

    2019

  • Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total

    ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou

    eletrônicos.

    Assinatura:______________________________________________________

    Data: 19/03/2019

    e-mail: [email protected]

    Janguas, Caio Cesar di Gesu Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George Boole no contexto de algebrização da Lógica no século XIX / Caio Cesar di Gesu Janguas. -- São Paulo: [s.n.], 2018. 112p. ; cm. Orientador: Fumikazu Saito. Dissertação (Mestrado em Educação:Matemática)-- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:Matemática, 2018. 1. História da Matemática. 2. História da Lógica. 3. George Boole. 4. Lógica. I. Saito, Fumikazu. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:Matemática. III. Título.

  • Banca Examinadora:

    __________________________________________

    __________________________________________

    __________________________________________

  • Aos meus pais, que me criaram com dignidade,

    liberdade e sabedoria.

  • O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho

    Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –

    Brasil (CNPq) – Código de Financiamento 134261/2017-8.

    This study was financed in part by the Conselho Nacional

    de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil

    (CNPq) – Finance Code 134261/2017-8.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço por tudo, em primeiro lugar, a Deus.

    Ao meu professor orientador, Fumikazu Saito, que com muita paciência

    identificou meu ritmo de produção e com muito esforço fez com que este trabalho

    chegasse ao final. Sem a sua orientação e apoio eu certamente não teria chegado

    até aqui.

    Aos participantes da banca examinadora, Prof. Dr. Gabriel Loureiro de Lima e

    Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira, por aceitarem o convite de participação na

    banca e pelas suas excelentes contribuições dadas na qualificação deste trabalho.

    Aos professores que tive durante o curso, que me ajudaram a desenvolver as

    características necessárias para ser um pesquisador.

    A meus colegas de turma, Ênio, Jami, Lilian e Simone, que com muita

    descontração fizeram os últimos dois anos e meio serem mais leves, e também aos

    outros colegas que cursaram disciplinas comigo.

    Aos colegas do grupo HEEMa, Alexandre, Adriana, Armando, Ênio e Jorge,

    que participaram de riquíssimas discussões nas tardes de segunda-feira.

    A meus pais, pelo apoio que sempre tive.

    À minha namorada, Ana Luísa, por estar ao meu lado em todos os momentos.

    A todos aqueles que tiveram paciência para ouvir um resumo desta pesquisa

    sempre que me perguntavam do que ela se tratava.

    Finalmente, à CNPq, que contribuiu com uma bolsa de estudos para que este

    trabalho pudesse ser realizado.

  • Nam et si ambulavero in valle umbrae mortis, non timebo mala, quoniam tu mecum es.

    (Psalmus, 23:4)

    The greater our knowledge increases the more our ignorance unfolds.

    (John F. Kennedy)

  • RESUMO

    Neste trabalho, discorremos sobre a elaboração da “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George Boole (1815 – 1864), apontando para alguns aspectos ligados ao processo de “algebrização” da lógica de forma a abordar com mais detalhes o seu contexto de elaboração. Para tanto, realizamos um estudo do tratado Mathematical Analysis of Logic: Being na Essay of the Deductive Reasoning, publicado em 1847, sobre o qual incidimos análises específicas, considerando aspectos epistemológicos e contextuais. Assim, esse estudo procurou, de um lado, apresentar as razões que motivaram Boole a “algebrizar o pensamento” e, consequentemente, a Lógica clássica, que ele considerava ser a lógica do raciocínio dedutivo e do intelecto humano e, de outro, explicar e comentar como ele procedeu para algebrizar a lógica, concluindo que a proposta de Boole, consequentemente, acabou deslocando a Lógica do campo de investigação da Filosofia para o da Matemática. A pesquisa aqui delineada procurou apresentar questões de ordem histórica, matemática e epistemológica, pautada numa vertente historiográfica atualizada, que pode servir de base para a produção de material bibliográfico para a reflexão do educador matemático e do professor.

    Palavras-chave: História da Matemática, História da Lógica, Educação Matemática, George Boole, Lógica.

  • ABSTRACT

    In this work, we discuss the elaboration of the "logic of deductive reasoning" proposed by George Boole (1815 - 1864), pointing to some aspects related to the process of "algebrization" of logic in order to approach its elaboration context in more detail. In order to do so, we carried out a study of the treatise Mathematical Analysis of Logic: Being in Essay of the Deductive Reasoning, published in 1847, on which we focused specific analyzes, considering epistemological and contextual aspects. On the one hand, this study sought to present Boole's reasons for "algebraizing the thought" and, consequently, the classical logic, which he considered to be the logic of deductive reasoning and human intellect and, on the other hand, to explain and comment on how he proceeded to algebraize logic, concluding that Boole's proposal consequently ended up shifting the Logic from the research field of Philosophy to that of Mathematics. The research presented here sought to present historical, mathematical and epistemological questions, based on an updated historiographic perspective, which can serve as a basis to produce bibliographical material for the reflection of the mathematical educator and the teacher.

    Keywords: History of Mathematics, History of Logic, Mathematical Education, George Boole, Logic.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Retrato de George Boole adulto ..................................................................................................... 27

    Figura 2 - Mapa da Inglaterra ........................................................................................................................... 28

    Figura 3 - Quadrado dos Opostos .................................................................................................................... 45

    Figura 4 – Frontispício original do tratado The Mathematical Analysis of Logic ....................................... 59

    Figura 5 - Exemplo da visão geral do processo que torna a lógica possível, segundo Boole ................ 66

    Figura 6 - Exemplo para elucidar os itens (i.), (ii.) e (iii.) dos elementos da álgebra de Boole............... 70

    Figura 7 - Representação do exemplo que mostra a peculiaridade da álgebra da lógica. ..................... 78

    Figura 8 - Universo do Exemplo 1. ................................................................................................................... 79

    Figura 9 - Universo do Exemplo 2. ................................................................................................................... 79

    Figura 10 - Multiplicação do Exemplo 1. ......................................................................................................... 80

    Figura 11 - Multiplicação do Exemplo 2. ......................................................................................................... 81

    Figura 12 - Lei Distributiva do Exemplo 1. ...................................................................................................... 82

    Figura 13 - Lei Distributiva do Exemplo 2. ...................................................................................................... 84

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Exemplos de proposições e não-proposições. .......................................................................... 42

    Quadro 2 - Figuras de silogismo. ..................................................................................................................... 51

    Quadro 3 - Versos mnemônicos. ...................................................................................................................... 53

    Quadro 4 - Álgebra de Boole para as Proposições Categóricas. ................................................................ 88

    Quadro 5 - Figuras de Silogismos segundo Boole. ....................................................................................... 91

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................11

    1.1 CONTEXTO E PROBLEMA ............................................................................................................................ 11 1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................................................... 17 1.3 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA .......................................................................... 22 1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .............................................................................................................. 24

    2. VIDA, OBRA E OS CONTEXTOS MATEMÁTICO E LÓGICO NOS QUAIS ESTAVA INSERIDO

    GEORGE BOOLE ........................................................................................................................................27

    2.1 VIDA, OBRA E CONTEXTO MATEMÁTICO ..................................................................................................... 27 2.2 CONTEXTO DA LÓGICA ............................................................................................................................... 37

    2.2.1 Embates entre a Filosofia e a Matemática ................................................................................... 38 2.2.2 A lógica aristotélica .......................................................................................................................... 40

    2.2.2.1 Proposições .................................................................................................................................................41 2.2.2.2 Silogismos ...................................................................................................................................................46

    3. ALGUNS ASPECTOS DA LÓGICA DE BOOLE EM SUA OBRA THE MATHEMATICAL

    ANALYSIS OF LOGIC: BEING AN ESSAY TOWARDS A CALCULUS OF DEDUCTIVE

    REASONING ................................................................................................................................................57

    3.1 MOTIVAÇÕES E OBJETIVOS ........................................................................................................................ 58 3.2 TRATANDO ALGEBRICAMENTE O PENSAMENTO ........................................................................................ 67 3.3 BOOLE E A ALGEBRIZAÇÃO DAS PROPOSIÇÕES ........................................................................................ 85 3.4 BOOLE E A ALGEBRIZAÇÃO DOS SILOGISMOS ........................................................................................... 90

    3.4.1 A visão de Boole sobre silogismos ........................................................................................ 90 3.4.2 O método de Boole .................................................................................................................. 94

    4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................99

    REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 103

    APÊNDICES ............................................................................................................................................... 107

    APÊNDICE A – ALGUNS CURSOS QUE POSSUEM ÁLGEBRA DE BOOLE COMO CONTEÚDO DE ALGUMA

    DISCIPLINA ...................................................................................................................................................... 107

    ANEXOS ..................................................................................................................................................... 108

    ANEXO A – TRABALHOS PUBLICADOS DE GEORGE BOOLE ....................................................................... 108

  • 11

    1. INTRODUÇÃO

    Este trabalho é o resultado final de uma pesquisa elaborada no Programa de

    Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de

    Educação Matemática, intitulado Um estudo sobre a “Lógica do Pensamento

    Dedutivo” proposta por George Boole no contexto de algebrização da lógica no

    século XIX. Mais especificamente, é uma dissertação que foi defendida no dia 19 de

    março de 2019.

    De forma geral, esta dissertação se inclui na área de História da Matemática e

    faz um estudo sobre a proposta feita por George Boole, matemático inglês do século

    XIX, de inserir elementos algébricos na Lógica, ou seja, de tentar reescrever a

    Lógica em uma linguagem Matemática, que o autor cria ser menos passível de erros

    e incertezas. A primeira proposta dessa “algebrização” foi escrita em 1847, em seu

    tratado intitulado The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay of the

    Deductive Reasoning, documento principal de embasamento de nossa pesquisa.

    Procuramos abordar alguns aspectos da algebrização proposta por Boole, de

    forma a compreendermos com mais detalhes tudo o que a envolveu: sejam suas

    razões, suas motivações, o que ela representava para a época, o que ela representa

    hoje, o que estava em jogo, dentre outros pontos que serão discutidos no decorrer

    deste trabalho.

    1.1 Contexto e problema

    George Boole foi, segundo MacHale (2014), um matemático inglês do século

    XIX que nasceu no condado de Lincolnshire (aproximadamente 193 km ao norte de

    Londres) no dia 2 de novembro de 1815, filho de pai sapateiro e mãe empregada

    doméstica. Foi o primogênito de quatro irmãos e desde sua adolescência foi o

    principal provedor de sua casa, trabalhando como professor e posteriormente

    abrindo sua própria escola. Acabou se interessando por Matemática e Lógica, áreas

    do conhecimento que foram temas de seus principais artigos e tratados. Aos 33

    anos de idade, em 1849, mesmo sem ter cursado o ensino superior, Boole foi eleito

    o primeiro professor de Matemática da Queen’s College, em Cork, no Sul da Irlanda

    (aproximadamente 220 km a sudoeste de Dublin) – cargo que manteve até sua

  • 12

    precoce morte, aos 49 anos, no dia 8 de dezembro de 1864. Suas conclusões

    matemáticas hoje são base para o que se chama de “álgebra booleana”, estudada

    principalmente em cursos relacionados à computação e à eletrônica.

    Criado o interesse de estudar um pouco mais sobre Boole, fizemos um breve

    estudo sobre os seus trabalhos publicados1, e foi fácil perceber quais eram alguns

    de seus principais campos de investigação na Matemática: equações diferenciais2,

    diferenças finitas3 e probabilidade4. São inúmeras suas publicações nessas áreas,

    porém hodiernamente George Boole é mais conhecido pelos seus dois trabalhos em

    Lógica, intitulados Mathematical Analisys of Logic e The Laws of Thought, que foram

    publicados, respectivamente, em 1847 e em 1854, cujos desdobramentos

    culminaram na álgebra booleana como a conhecemos hoje, largamente utilizada em

    circuitos digitais.

    Apesar de sua grande participação no desenvolvimento da Matemática e da

    Lógica no século XIX, percebemos que os livros de História da Matemática em geral

    dão pouca ênfase aos trabalhos lógicos de Boole e quase nenhum estudo é

    dedicado aos seus trabalhos matemáticos, ao passo que nos livros específicos de

    História da Lógica ou de História da Filosofia (que apresentam uma parte destacada

    para o desenvolvimento da Lógica) Boole já aparece como uma figura importante,

    sendo muitas vezes a ele atribuída a responsabilidade de ter sido um dos

    “fundadores da lógica formal”5.

    À exceção de alguns livros de História da Matemática que geralmente têm

    uma grande seção específica sobre o desenvolvimento da Álgebra ou da

    Matemática inglesa no século XIX, como são os casos dos estudos de Z.A.

    Kuzicheva (1992), que apresenta um capítulo inteiro sobre o desenvolvimento da

    Lógica no século XIX, Anice Seybold (1993), que traz um capítulo sobre a álgebra

    booleana, e E.T. Bell (1986), que dedica um capítulo inteiro de sua obra para a

    apresentação da vida e obra de Boole, há pouco material de História da Matemática

    geral dedicado a Boole e seus estudos em Lógica e em Matemática. Esses livros

    tratam de aspectos mais gerais da História da Matemática, dando uma visão mais

    1 Para ver lista completa dos trabalhos publicados de Boole, vide ANEXO A. 2 São equações que a incógnita é uma função que aparece por meio de suas respectivas derivadas. 3 Utilizadas para resolução de equações diferenciais. 4 Ramo da Matemática que estuda as chances de ocorrência de experimentos. 5 Como pode ser visto em Neto [19--?], Kneale e Kneale (1962), Houser (1994), Babini (1967) e Blanché (1985).

  • 13

    panorâmica do desenvolvimento desta ciência. Alguns deles, de fato, foram

    traduzidos para a língua portuguesa e estão disponíveis para os professores.

    Quando consultamos, por exemplo, Howard Eves (2004), autor de um dos

    livros mais difundidos mundialmente sobre História da Matemática, intitulado

    Introdução à História da Matemática, notamos que ele escreve um parágrafo sobre

    Boole dentro da seção “Hamilton, Grassmann, Boole e De Morgan”, no qual

    apresenta data e lugar de seu nascimento e morte e cita seus quatro tratados

    publicados: dois tratados de lógica e outros dois tratados em matemática pura, e um

    pequeno parágrafo na seção “Lógica Matemática” observando que seus dois

    tratados sobre lógica fizeram ressurgir, na época em que foram escritos, o interesse

    pela lógica simbólica.

    Já o livro de Carl B. Boyer (1996), intitulado História da Matemática, outro livro

    referência em História da Matemática utilizado pelos educadores matemáticos,

    dedica a Boole duas páginas e meia, nas quais apresenta uma breve biografia e as

    ideias gerais de seus dois tratados de lógica e menciona um de seus tratados sobre

    equações diferenciais. Do mesmo modo que Boyer, Nathan Houser (1994), em duas

    páginas e meia dedicadas a Boole, traz uma breve biografia e uma pequena

    apresentação das ideias principais contidas em seus dois tratados de lógica, porém

    sem citar suas outras contribuições para a matemática.

    Um outro livro de História da Matemática muito difundido entre os educadores

    matemáticos é o History of Mathematics, escrito por Victor J. Katz (1993). Katz é

    ainda mais sucinto ao escrever sobre Boole, disponibilizando em seu livro uma

    página e meia para tratar do assunto, apresentando-o como um lógico (e não como

    um matemático) e expressando ao leitor resumidamente as principais ideias que

    desenvolveu em seus dois tratados de lógica. Do mesmo modo, em Historia de las

    Ideas Modernas em Matematica, Jose Babini (1967) dedica apenas uma única

    página a Boole, apresentando-o como logicista. Vale aqui ressaltar, entretanto, que

    esse é o único livro por nós consultado que apresenta uma imagem de Boole.

    Consultamos também outros livros de História da Matemática e alguns deles

    sequer mencionam a existência de Boole como um personagem que contribuiu para

    o desenvolvimento da Matemática, como são os casos de Roque (2012), Fauvel e

    Gray (1987) e Stillwell (1989), e outros basicamente apresentam alguns trabalhos

    que ele escreveu (sempre entre estes estão seus dois tratados de lógica), não sendo

  • 14

    utilizada mais do que uma única página para falar de suas publicações, como são os

    casos de Gregory H. Moore (1987), David Eugene Smith (1958) e também Ivor

    Grattan-Guinness (1997). É possível que alguns destes autores citados, se não

    todos, podem ter escrito seus livros baseados numa historiografia mais tradicional,

    que não leva em conta algumas questões de História. Explicaremos melhor adiante.

    É fácil perceber que Boole recebe mais atenção em livros de História da

    Lógica e livros de História da Filosofia. Isso talvez se deva ao fato de ele ser

    considerado mais um filósofo da Lógica do que um logicista6 em si, como aponta

    Corcoran (2003, p.284): “George Boole (...) é classificado ainda mais como filósofo

    da lógica do que como lógico”. Dentre alguns desses livros em que ele aparece

    como figura mais relevante, vale citar três. O primeiro deles, intitulado O

    Desenvolvimento da Lógica, de William Kneale e Marta Kneale (1962), dedica um

    vasto capítulo para apresentar a vida de Boole e explicita as conclusões que ele

    alcança em seus dois tratados sobre lógica, incluindo alguns exemplos. O segundo,

    História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Russel, de Robert Blanché (1985), traz

    as ideias de Boole contextualizadas em sua época, apresentando também suas hoje

    descobertas limitações. E o terceiro, Boole’s Logic and Probability, de Theodore

    Hailperin (1986), apresenta na sua introdução uma rápida biografia de Boole e trata

    em todos os seis capítulos de ideias e conclusões lógicas de Boole, explicando-as

    com exemplos e demonstrações, além de mostrar as mudanças que nelas

    ocorreram para se chegar na lógica moderna.

    Em um levantamento bibliográfico preliminar, notamos que são poucos os

    estudos em língua portuguesa relacionados à história da matemática que tratam

    sobre Boole ou sobre seus trabalhos acerca da lógica. A maioria dos livros

    disponíveis estão no idioma inglês, sem tradução para o português. Para esta

    pesquisa, inicialmente, decidimos verificar se existiam teses ou dissertações focadas

    em Boole. Para tal, consultamos o banco digital de teses e dissertações da CAPES,

    procuramos pelo verbete “Boole” e encontramos apenas 24 resultados. Desses 24,

    refinamos nossa busca procurando os que tinham a palavra “Boole” ou “booleana”

    no título, resultando apenas em 4 trabalhos. Desses quatro, dois eram focados na

    aplicação da álgebra booleana em circuitos digitais, estando no universo das

    6 Quem pratica o logicismo - um lógico.

  • 15

    Ciências da Computação e Engenharia de Computação, e não no universo da

    Educação Matemática e História da Matemática.

    Dos dois resultados restantes, um deles tem como documento principal o

    segundo tratado de lógica de Boole, The Laws of Thought, que não é nossa escolha

    para esta pesquisa. A dissertação intitulada Alguns aspectos da contribuição do

    pensamento de George Boole para a contemporaneidade foi defendida por Márcio

    Galvão Ribeiro em 2005 no programa de História da Ciência da PUC-SP e tem um

    foco diferente do que apresentaremos em nossa pesquisa. Ela aborda o tema com

    uma perspectiva mais tradicional, linear e progressista7 da história.

    Já o outro resultado apresenta uma análise do primeiro tratado de lógica

    escrito por Boole, The Mathematical Analysis of Logic (obra que também adotamos

    como documento principal de estudo neste trabalho). Trata-se da dissertação

    intitulada Uma reavaliação do pensamento lógico de George Boole à luz da história

    da matemática, defendida em 2005 por Giselle Costa de Sousa no programa de pós-

    graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte, que tem como objetivo “fazer uma reavaliação do

    pensamento lógico de George Boole frente aos acontecimentos históricos de sua

    época.” (SOUSA, 2005, p.16), diferentemente do nosso objetivo, que

    apresentaremos em breve. Apesar de certa semelhança entre esse trabalho e nossa

    pesquisa, percebemos que a pergunta a ser respondida em ambos é diferente, ou

    seja, nossos trabalhos agregam à Academia de maneira distinta.

    Após essa consulta ao banco de dissertações e teses da CAPES, fomos à

    procura de universidades que possuem grupos de estudo em História da Lógica ou

    História da Matemática, a fim de encontrarmos mais trabalhos sobre Boole.

    Encontramos três principais: Unicamp (CLE – Centro de Lógica, Epistemologia e

    História da Ciência), UFRN (pelo fato de termos encontrado uma dissertação

    semelhante à nossa) e Unesp de Rio Claro (GPIMEM - Grupo de Pesquisa em

    Informática, Outras Mídias e Educação Matemática).

    Encontramos alguns trabalhos (como, por exemplo, a tese de doutorado da

    própria Giselle Costa de Sousa também na UFRN, Um estudo sobre as origens da

    Lógica Matemática, e a tese de Carlos Roberto de Moraes, Uma história da lógica no

    Brasil, defendida na Unesp de Rio Claro) e livros (como Uma Investigação das Leis

    7 Adiante explicaremos mais detalhadamente esses tópicos.

  • 16

    do Pensamento, de Giselle Sousa e John Fossa) pertinentes sobre a História da

    Lógica em si, que de certa maneira apresentam Boole, mas nenhum deles com um

    foco na algebrização do pensamento e na mudança de linguagem da Lógica, foco de

    nossa pesquisa. Alguns desses trabalhos serão inclusive citados no decorrer desta

    pesquisa.

    Em suma, este breve levantamento leva-nos a concluir que há parcos estudos

    em História da Matemática sobre o trabalho de George Boole que sejam de fácil

    acesso para o professor de um modo geral, fazendo parecer que pouca atenção tem

    sido dada ao estudo da lógica na formação inicial e continuada de professores de

    matemática. De fato, existem mais pesquisas realizadas em grupos de Lógica, mas

    estas não têm como seu principal público-alvo o educador matemático. Neste

    cenário, uma pesquisa na área de Educação Matemática sobre a lógica proposta por

    Boole seria interessante.

    Cabe observar que apesar da algebrização do pensamento (e suas atuais

    derivações) proposta por George Boole em seu tratado The Mathematical Analysis

    of Logic não fazer parte da base comum curricular, o ensino de lógica pode ser

    interessante para determinados perfis de professores: devido ao fato da lógica

    booleana ter grande aplicação em circuitos digitais, ela é ensinada em cursos

    técnicos, tecnólogos e superiores que têm correlação com computação ou eletrônica

    (vide Apêndice A).

    Ademais, grande parte dos professores pode não ter a ciência de que Lógica

    e Matemática são áreas do conhecimento que já estiveram apartadas – visto que

    hoje elas parecem se complementar, estando intimamente conectadas -, e que

    George Boole teve papel significativo nesse processo de aproximação ao buscar

    algebrizar a lógica, conectando Lógica e Matemática. Revisitar as razões pelas quais

    Boole propôs algebrizar a lógica, bem como compreender de forma contextualizada

    seu significado, podem, portanto, contribuir para dar uma visão mais ampla dos

    processos que conduziram à formalização da matemática moderna.

    Desse modo, neste trabalho buscamos investigar parte do processo que

    aproximou a Lógica e a Álgebra. Assim, propomos responder à questão de

    pesquisa: “Quais foram as razões que motivaram Boole a “algebrizar o pensamento”

    e consequentemente a Lógica clássica?”.

    Para responder a essa questão, traçamos os seguintes objetivos:

  • 17

    Objetivo geral:

    Conhecer o contexto de elaboração do tratado Mathematical Analysis of

    Logic, a fim de compreendermos como a “algebrização do pensamento” pode ser

    considerada a lógica do raciocínio dedutivo e do intelecto humano.

    Objetivos específicos:

    1) Compreender o contexto social, econômico, político e matemático que

    circundava Boole em sua época para, dessa forma, apresentarmos Boole

    como um homem inserido em seu tempo e preocupado com as questões

    de sua época;

    2) Descrever, a partir de um estudo dos capítulos 1, 2 e 4 do tratado

    Mathematical Analysis of Logic de George Boole, como ele aproximou a

    Lógica da Álgebra.

    Após traçados os objetivos, apresentaremos a seguir os procedimentos

    metodológicos que foram utilizados para direcionar nossa pesquisa.

    1.2 Procedimentos metodológicos

    Para atingir esses objetivos, procuramos alinhar esta pesquisa às atuais

    tendências historiográficas da História da Matemática (e da Ciência). Para tal,

    devemos estabelecer os procedimentos metodológicos adotados.

    Embora a História não tenha método próprio, como observa Veyne (1971,

    p.22), isto é, que “não existe método da história porque a história não tem nenhuma

    exigência; ela está satisfeita desde que se contem coisas verdadeiras”, Canguilhem

    (2012, p.2) aponta que é possível um empréstimo de método da Filosofia ao

    observar que “sua destinação deveria colocar a história das ciências na Faculdade

    de Ciências; seu método, na Faculdade de Filosofia”. Desse modo, seguindo de

    perto os procedimentos metodológicos emprestados da filosofia, buscamos explicar

    e comentar o texto aqui considerado. Assim, a análise textual neste trabalho atende

    aos princípios da explicação e do comentário do texto por análise textual tal como

    delineados por Folscheid e Wunenburger (1997).

  • 18

    Segundo Folscheid e Wunenburger (1997, p.32), a explicação de texto

    “consiste, como seu nome indica, em enunciar o que há num texto dado, nem mais

    nem menos”, ou seja, trata-se de explicitar o que está nele escrito, esclarecendo

    passagens e ideias, muitas delas de difícil compreensão, de modo a apresentar ao

    leitor não só os conceitos e as noções, mas também a própria organização e

    sistematização dos argumentos que compõem o texto como um todo. A explicação

    de texto, conforme Folscheid e Wunenburger (1997), dessa maneira, deve evitar

    julgamentos e preconceitos, procurando contextualizar as ideias sem sobrepor

    nossas expectativas e saberes prévios. Trata-se, portanto, de fazer um exercício de

    leitura com vistas a buscar nele seu próprio sentido.

    Por sua vez, o comentário de texto busca interrogar o seu autor sem se

    restringir a ele. De acordo com Folscheid e Wunenburger (1997),

    Não se trata mais apenas de expor o que um autor realmente disse num texto preciso, mas de estabelecer um diálogo com ele, a fim de dar ao texto considerado sua função no interior da obra da qual é extraído e de apreciar seu papel no pensamento filosófico do autor. (FOLSCHEID; WUNENBURGER, 1997, p.49).

    Ou seja, em nosso caso, trata-se de comentar o texto, porém inscrevendo-o

    num contexto da história da matemática. Por meio do comentário de texto, fazemos

    um exercício, conforme observa Folscheid e Wunenburger (1997, p.50), “bem

    balizado, circunscrito no interior de um programa fixado de antemão”. A explicação e

    o comentário de texto devem considerar o propósito pelo qual este trabalho foi

    delineado e desenvolvido, isto é, apresentar o contexto de elaboração do texto aqui

    analisado. Dessa forma, neste trabalho procuramos, sempre que possível, explicar e

    comentar o texto com vistas a fazê-lo revelar não só aspectos históricos, mas

    também epistemológicos do processo de algebrização da lógica de Boole.

    Nesse sentido, para evitarmos anacronismos, a explicação e o comentário do

    texto que analisamos buscaram ancorar-se numa História da Matemática baseada

    em tendências historiográficas atualizadas. Segundo essa perspectiva de

    abordagem histórica, o objeto da matemática não se confundiria com a da história da

    matemática. Isso porque, segundo Canguilhem (2012), este objeto seria um

    constructo que

  • 19

    não tem seu lugar teórico natural em tal ou tal ciência, onde a história iria levantá-lo, nem, aliás, na política ou na pedagogia. O lugar teórico desse objeto não deve ser procurado senão na própria história das ciências, porque é ela, e somente ela, que constitui o domínio específico onde encontram seu lugar as questões teóricas colocadas pela prática científica em seu devir. (CANGUILHEM, 2012, p.12)

    Compreendendo-se aqui que a matemática faz parte das “ciências” a que se

    refere Canguilhem, o objeto de investigação a que nos referimos neste trabalho não

    se confunde com o objeto matemático. Desse modo, a algebrização da lógica

    proposta por Boole deve ser considerada do ponto de vista histórico e não

    matemático. E uma das razões para tanto é encontrada no próprio contexto

    epistêmico em que se insere a proposta de Boole. Para compreendermos o seu

    contexto de elaboração, portanto, consideramos neste trabalho a advertência de

    Canguilhem (1977, p.15), que alerta para a necessidade de considerarmos que toda

    epistemologia é histórica “porque o passado de uma ciência actual não se confunde

    com essa mesma ciência no seu passado”. Sendo assim, partimos do pressuposto

    de que “o passado da matemática atual não se confunde com essa mesma

    matemática no seu passado”, pois os critérios de validação de conhecimentos são

    diferentes em diferentes épocas e locais.

    Para acedermos a esses critérios (e, portanto, à epistemologia de uma

    época), buscamos aqui mapear os conhecimentos em torno do texto de Boole que

    analisamos. Em outros termos, procuramos por uma episteme, tal como sugere

    Foucault (2000):

    Por episteme entende-se, na verdade, o conjunto das relações que podem unir, em uma dada época, as práticas discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas, a ciências, eventualmente a sistemas formalizados; (...) A episteme não é uma forma de conhecimento, ou um tipo de racionalidade que, atravessando as ciências mais diversas, manifestaria a unidade soberana de um sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das relações que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas estão analisadas no nível das regularidades discursivas. (FOUCAULT, 2000, p.217)

    Desse modo, para explicar e comentar o texto, procuramos inscrevê-lo no

    contexto epistêmico do século XIX de tal forma a dar a ele sentido e significado.

    Assim, buscamos articular três esferas de análise: historiográfica, epistemológica e

    contextual, a fim de encontrar não só a episteme, mas também delinear o nosso

    objeto de investigação, conforme orientam Afonso-Goldfarb, Ferraz e Waisse (2013):

  • 20

    (...) parece possível tentar uma definição, ainda que não formal ou finalizada, do que seja o objeto da história da ciência, se for pensado na intersecção de três esferas de estudo. A primeira dessas esferas [no caso, a epistemológica] se refere aos aspectos intrínsecos das teorias e práticas científicas sob estudo, combinando a crítica textual (assumida a partir de um modelo filológico) e a análise teórico-contextual interna ao texto (através da análise epistêmica de seus principais conceitos e argumentos). A segunda, uma esfera propriamente historiográfica, concerne às várias formas através das quais já se analisou um determinado problema, documento. Finalmente, a terceira diz respeito ao contexto propriamente histórico, com destaque para as circunstâncias sob as quais foi elaborada a documentação em análise. (AFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; WAISSE, 2013, p.45)

    Em outros termos, emprestamos o método de análise histórica da História da

    Ciência, pautada em uma tendência historiográfica atualizada. Nessa perspectiva,

    devemos entender por historiografia o estudo crítico da escrita da história e distingui-

    la da própria narrativa histórica. A esse respeito, segundo Saito (2015):

    Devemos aqui entender, por historiografia, a ‘escrita da história’, e que toda narrativa da história da matemática é historiograficamente orientada. Isso significa que as narrativas históricas não são neutras e são influenciadas por diferentes fatores ligados à formação e à concepção de ciência (isto é, de conhecimento válido numa época) daquele que as escreve. (SAITO, 2015, p.21)

    A análise na esfera historiográfica, portanto, incide sobre os estudos

    históricos já realizados sobre um personagem histórico, suas obras e investigações

    matemáticas. Nela está contemplada a forma como o historiador escreve a história,

    quais as suas decisões, concepções e crenças quanto ao que é matemática e

    quanto ao que é fazer a escrita da história. Desse modo, a bibliografia secundária

    (isto é, os estudos sobre Boole e a sua obra aqui analisada) passou pelo refino

    historiográfico, com vistas a contextualizá-la para evitarmos anacronismos.

    Essa esfera de análise foi aqui articulada à outra, epistemológica, que tem por

    objetivo examinar os critérios que estão na base da construção do conhecimento.

    Segundo Beltran, Saito e Trindade (2014):

    A epistemologia da ciência é o ramo da filosofia que analisa as condições e os limites da validade dos conceitos científicos, buscando esclarecer o processo de elaboração de teorias científicas e de sua interferência na constituição e desenvolvimento de diferentes saberes.” (BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014, p.49)

  • 21

    Assim, seguindo de perto as orientações de Canguilhem e Foucault citadas

    anteriormente, de que é preciso considerar que toda epistemologia é histórica, nesta

    esfera buscamos por um conjunto de relações epistemológicas que se referem aos

    critérios de validação, de rigor e de verdade aceitos em uma determinada época,

    que são muito diferentes daqueles que hoje são aceitos; ou seja, buscamos a

    episteme da época.

    Por fim, na esfera de análise contextual, buscamos delinear as condições

    ligadas ao contexto social, político, econômico e familiar de Boole com vistas a

    compreender suas motivações, bem como aspectos de sua vida acadêmica, dos

    trabalhos acadêmicos a que teve acesso e que o influenciaram, dentre outros.

    Buscamos assim inserir o texto analisado na malha histórica de forma a

    compreender, juntamente com a esfera epistemológica, as condições em torno do

    seu processo de elaboração.

    Por exceder os objetivos desta pesquisa, focamos a nossa análise na

    articulação entre as esferas contextual e epistemológica, mas tendo sempre o crivo

    da esfera historiográfica como nosso guia. Para tanto, selecionamos como

    documento principal de análise o tratado escrito por George Boole, que foi publicado

    em 1847, intitulado The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay Towards a

    Calculus of Deductive Reasoning.

    Na primeira fase de nossa pesquisa, recorremos a uma versão da obra

    Mathematical Analisys of Logic impressa no ano de 2015, pois a cotejamos com a

    obra original (encontrada online no Google Books8) e percebemos que elas somente

    se diferenciam pela sua formatação e layout, ou seja, o conteúdo é exatamente o

    mesmo. Demos preferência por essa versão de 2015 por praticidade de consegui-la

    de forma impressa. Ainda na primeira fase de nossa pesquisa, tivemos acesso

    também ao segundo tratado de lógica de Boole, The Laws of Thought, e à biografia

    oficial do autor, escrita por MacHale em 1985 e relançada para a comemoração do

    bicentenário de seu nascimento, em 2014. As três obras (dois tratados e a versão

    mais atual da biografia) foram consultadas na língua original, o inglês, sem passar

    por nenhuma tradução oficial. Todos os trechos traduzidos que aparecem nesta

    pesquisa são todos de tradução nossa.

    8 Boole,G. The mathematical analysis of logic. London: Macmillan, Barclay & Macmillan, 1847. E-book. Disponível em . Acesso em 11 abr. 2017.

  • 22

    Além de nossa fonte primária de análise (isto é, o tratado The Mathematical

    Analisys of Logic) e de sua biografia oficial, consultamos também outras literaturas

    secundárias, como diversos livros de história da matemática, história da lógica e

    história da filosofia, um dicionário de biografias científicas, além de artigos científicos

    relacionados ao tema.

    Todos os textos considerados foram analisados segundo as três esferas que

    dimensionam nossa pesquisa (historiográfica, contextual e epistemológica), e nosso

    texto segue, sempre que possível, o procedimento metodológico emprestado da

    filosofia: explicação e comentário de texto.

    No que diz respeito a estudos sobre Boole e sua obra, percebemos que a

    literatura disponível é, em sua maioria, escrita na língua inglesa. Podemos pleitear

    que isso seja pelo fato de Boole ter nascido na Inglaterra e ter escrito suas obras em

    inglês. Consultar essa literatura secundária na língua original foi de grande

    importância para o desenvolvimento desta pesquisa. Sobre toda essa literatura

    incidimos uma crítica historiográfica inicial, mas que não aprofundamos e nem aqui

    apresentaremos por exceder os objetivos desta pesquisa.

    1.3 História da Matemática e Educação Matemática

    Discussões acerca da utilização da história da matemática para agregar

    conhecimento ao professor de matemática já são antigas no mundo (incluindo no

    Brasil)9. Segundo Brito e Miguel (1996), estas discussões já eram realizadas em

    meados do século XX em outros países e começaram a ser realizadas a partir do

    final da década de 1980 no Brasil. Brito e Miguel (1996) também constataram que os

    resultados dessas discussões apontam para duas principais teses de se constituir a

    história da matemática: a primeira constitui a história da matemática como apenas

    uma disciplina isolada das demais, reforçando a separação entre história da

    matemática e matemática em si, quase que reduzindo a história da matemática a

    uma superficialidade repleta de anedotas, biografias e curiosidades; e uma segunda,

    defendida pelos autores – a qual concordamos e também defendemos – uma “tese

    de uma participação orgânica da história da matemática nessa formação, o que

    significa, primeiramente, a tentativa de se imprimir historicidade às disciplinas de

    9 Para mais estudos sobre a relação entre Educação Matemática e História da Matemática, ler Mendes (2013) e Miguel (1997).

  • 23

    conteúdo específico.” (BRITO; MIGUEL, 1996). Essa participação orgânica, ainda

    segundo os autores, remete a conceber a história da matemática como

    fonte de uma problematização que deveria contemplar as várias dimensões da matemática (lógica, epistemológica, ética, estética etc) e da educação matemática (psicológica, política, axiológica, didático-metodológica etc), o que remeteria, inevitavelmente, os formadores de professores a destacar e discutir com seus alunos as relações de influência recíproca entre matemática e cultura, matemática e sociedade, matemática e tecnologia, matemática e arte, matemática e filosofia da matemática etc., fazendo com que o discurso matemático abra-se ao diálogo com os demais discursos que se constituem com ele, a partir dele, contra ele, a favor dele etc. A finalidade dessa problematização é fazer com que o professor alcance um metaconhecimento da matemática que lhe propicie a abertura de novos horizontes e perspectivas. (...) A problematização com base na história pode contribuir para que o futuro professor reflita sobre diferentes concepções que se tem de aspectos da atividade matemática e do seu ensino. (BRITO; MIGUEL, 1996, p.49)

    Ou seja, entendemos aqui que o estudo sobre o processo de algebrização da

    lógica proposta por Boole pode incentivar docentes e discentes a refinar seu olhar

    sobre o fazer matemático e, desse modo, pode contribuir para o ensino de

    matemática. A esse respeito, vale reforçar que este trabalho foi concebido tendo em

    vista a formação do professor numa perspectiva de articulação entre história e

    ensino que busca estabelecer um diálogo entre historiadores, professores e

    educadores matemáticos, como orienta Saito (2016a, p.6):

    Promover um diálogo entre historiadores (da ciência e da matemática) e educadores matemáticos com vistas a desenvolver uma série de ações a fim de delinear algumas condições para a construção de interfaces entre história e ensino de matemática. (SAITO, 2016a, p.6)

    Isto é, um diálogo necessário, como ainda observa Saito (2016b, p.257), para:

    [...] aproximar o educador matemático dos recentes desenvolvimentos da história da matemática, baseada em tendências historiográficas atuais; e, [...] sensibilizar o historiador da matemática envolvido com ensino da matemática a produzir material bibliográfico acessível aos educadores matemáticos. (SAITO, 2016b, p.257)

    Assim, a pesquisa histórica aqui delineada procurou apresentar questões de

    ordem histórica, matemática e epistemológica, pautadas numa vertente

    historiográfica atualizada e que podem servir de base para a produção de material

    bibliográfico para a reflexão do educador matemático e do professor. Desse modo,

  • 24

    esta dissertação insere-se principalmente no primeiro dos três eixos de investigação

    do grupo de estudo e pesquisa em História e Epistemologia na Educação

    Matemática (HEEMa/PUCSP).

    Os estudos e as pesquisas desenvolvidos pelo grupo são norteados por dois

    principais projetos (movimentos) que se desdobram em três eixos de estudos. Os

    dois projetos são estreitamente relacionados entre si, sendo o objetivo do primeiro a

    pesquisa histórica com foco em questões de ordem epistemológica e matemática, e

    o objetivo do segundo a análise de possíveis interfaces que podem ser construídas

    entre história e ensino. O desdobrar desses dois projetos resulta em três eixos de

    estudos: o primeiro (o qual insere-se primordialmente nossa pesquisa), uma

    referência à própria história da matemática baseada nas atuais tendências

    historiográficas, no intuito de criar interfaces entre história e ensino e criar material

    bibliográfico para formação e reflexão do professor; o segundo, uma articulação

    entre história e ensino da matemática, com intuito de propor atividades para

    formação de professores de matemática; e o terceiro, uma discussão da própria

    articulação entre história e ensino em si mesmas, com intuito de ampliar seus

    horizontes. (SAITO, 2016a).

    Nesse sentido, esta pesquisa está direcionada aos professores e educadores

    matemáticos. Por meio dela, esperamos desencadear um rico diálogo que promova

    a construção de interface entre história e ensino, propiciando, assim, a emergência

    de potencialidades didáticas e/ou pedagógicas 10 que poderão contribuir como

    subsídios para a elaboração de atividades para o ensino de matemática. Por

    exceder os objetivos, não tratamos, nem propusemos, a construção de interfaces

    entre história e ensino neste trabalho. Apresentamos aqui apenas alguns aspectos

    do processo de algebrização da lógica que podem posteriormente ser explorados

    com essa intenção.

    1.4 Organização da dissertação

    Esta dissertação está organizada em quatro partes. Além desta introdução,

    seguem-se dois outros capítulos e considerações finais. No segundo capítulo,

    intitulado “Vida, obra e os contextos matemático e lógico nos quais estava inserido

    10 Sobre Potencialidades pedagógicas, ler Miguel (1997).

  • 25

    George Boole”, relacionamos aspectos sobre a vida e obra de Boole que possam ter

    influenciado de certo modo a escrita de seu tratado The Mathematical Analysis of

    Logic, tendo como foco o contexto da sociedade ao seu redor e os contextos

    matemático, filosófico e lógico aos quais estava inserido. Também discorremos

    sobre sua produção científica (ou seja, suas obras publicadas), a fim de irmos nos

    aproximando da interface entre as esferas contextual e epistemológica.

    No terceiro capítulo, denominado “Alguns aspectos da lógica de Boole em sua

    obra The Mathematical Analysis of Logic: Being an essay towards a calculus of

    deductive reasoning”, apresentamos uma análise interna do tratado Mathematical

    Analysis of Logic e, para tanto, procedemos à explicação e ao comentário de texto –

    a saber: capítulos 1, 2 e 4 do tratado – a fim de compreender suas ideias. Por fim,

    apresentamos nossas considerações finais, nossas conclusões e os próximos

    passos que a pesquisa pode assumir.

  • 26

  • 27

    2. VIDA, OBRA E OS CONTEXTOS MATEMÁTICO E LÓGICO NOS QUAIS

    ESTAVA INSERIDO GEORGE BOOLE

    Neste capítulo, apresentaremos uma visão geral da vida e do contexto no

    qual se insere George Boole, com o objetivo de mapear o que fora estudado em

    matemática e lógica na sua época, como a sociedade inglesa estava organizada,

    quem eram seus amigos, quais foram suas leituras, suas realizações, entre outros

    aspectos que consideramos relevante para compreender o contexto de elaboração

    de suas ideias.

    Ele está dividido em dois subtópicos: um deles trata de sua vida, suas

    publicações e sua relação com o contexto matemático no Reino Unido em meados

    do século XIX, e o outro mostra aspectos da lógica nesse mesmo período.

    2.1 Vida, obra e contexto matemático

    Figura 1 - Retrato de George Boole adulto

    Fonte: MACHALE (2014).

    Primogênito dos quatro filhos do casal John Boole e Mary Ann, George Boole,

    nascido em 2 de novembro de 1815 no condado 11 de Lincoln (situado

    11 A Inglaterra é dividida em condados (regiões utilizadas para propósitos administrativos, geográficos e políticos naquele país) desde o reino de Wessex, em meados do período que esteve sob domínio saxão. Essa divisão chegou à região central da Inglaterra após a conquista da Mércia pelos Wessex, entre os séculos IX e X. (História dos condados ingleses. Disponível em

  • 28

    aproximadamente a 193 km ao norte de Londres, como pode ser visto na Figura 2),

    na Inglaterra, foi uma criança criada num lar de família modesta (BURRIS, 2018). O

    ano de 1815 é um dos anos auges da Revolução Industrial inglesa, caracterizada

    por um grande êxodo rural no país e aumento de capital nas grandes cidades. Sem

    condições de arcar com uma educação de elite, John e Mary fizeram com que Boole

    tivesse de frequentar a escola primária comum. (BROADBENT, 2007).

    Figura 2 - Mapa da Inglaterra

    Fonte: adaptado de Google Maps (2018)

    wise.org.uk/counties/>. Acesso em 01 de mai. de 2017). Em especial, o condado de Lincolnshire foi fundado em outubro de 1536.

  • 29

    É importante ressaltar que paralelamente ao ensino formal que recebia, Boole

    tinha por intermédio de seu pai um ensino informal. Foi por meio dele o primeiro

    contato de Boole com o estudo da língua inglesa, e já nessa época surgiu-lhe um

    interesse pela literatura e estrutura gramatical do idioma; também seu pai foi seu

    primeiro tutor para o estudo da matemática. Ainda por intermédio de seu genitor, que

    tinha um grande interesse pela ciência – principalmente nos campos de óptica e

    astronomia –, Boole teve contato com o ensino dito prático, no qual ele pôde,

    juntamente com John, trabalhar habilidades manuais de construir e consertar

    objetos: câmeras, caleidoscópios, microscópios, telescópios e um relógio de sol.

    Boole era um leitor voraz que ansiosamente consumia livros de biografias, história,

    viagens e ciência, além de poesias e ficções. (MACHALE, 2014).

    Em algumas de suas horas vagas, em sua infância, Boole frequentava a

    biblioteca pertencente a William Brooke, um amigo de sua família, onde tinha acesso

    a livros diversos e estudava por contra própria francês, alemão, italiano, grego e

    latim (sua família era religiosa e nessa época ela tinha o desejo de que ele se

    tornasse um clérigo da Igreja, então estudar grego e latim – as línguas clássicas –

    seria importante para essa possível carreira). (MACHALE, 2014).

    Aos 16 anos, se vendo obrigado a ajudar no mantimento de sua família após

    a falência do comércio de seu pai12 (uma sapataria), Boole abandonou o estudo

    formal e conseguiu um emprego de professor em Doncaster (provavelmente a única

    carreira disponível para ele), aproximadamente 50 km a noroeste de Lincoln, onde

    nasceu (BURRIS, 2018). Foi nesta época (1831 – 1833), segundo MacHale (2014),

    que Boole iniciou seriamente seus estudos em matemática.

    Durante este período a biblioteca de seu amigo William Brooke acabou

    fechando, obrigando Boole a arrumar livros emprestados com amigos e a comprar

    seus próprios livros – o que mostra uma prioridade pelo estudo, pois apesar das

    dificuldades financeiras de sua família, ele investia nisso. Ele começou, então, a

    comprar livros de matemática, pois eram mais longos e demoravam mais tempo para

    serem lidos, o que lhe trouxe um melhor custo-benefício dado o pouco dinheiro que

    possuía (essas características dos livros de matemática e a escolha por adquiri-los

    12 Talvez seja válido aqui ressaltar que diversos autores julgam John Boole, acusando-o de ser negligente e mal administrador do seu próprio negócio. O que esses autores talvez tenham negligenciado em perceber é o que nota Bell (1965): o ano de nascimento de George Boole, 1815, foi o ano da batalha de Waterloo, sendo que os anos seguintes foram muito difíceis para os comerciantes em geral – John Boole sendo um deles, inclusive.

  • 30

    vieram a influenciá-lo a seguir nesta área de conhecimento em seus anos futuros).

    (MACHALE, 2014).

    Após algum tempo de docência em Doncaster, mesmo sendo respeitado

    como professor, ele acabou sendo demitido por desavenças religiosas: seus

    costumes unitaristas 13 entraram em confronto com o dogma metodista de seus

    alunos, causando sua demissão. (MACHALE, 2014).

    Seu emprego seguinte, também como professor, foi em Liverpool, cidade no

    noroeste da Inglaterra, distante aproximadamente 160 km a oeste de sua terra natal

    (ver Figura 2), porém Boole rapidamente pediu demissão, provavelmente pela

    distância que ficara de sua família. (MACHALE, 2014).

    Em meados de 1833, Boole conseguiu seu terceiro emprego como professor,

    agora na cidade de Waddington, apenas a 7 km ao sul de Lincoln (ver Figura 2),

    ficando mais próximo de sua família. Lá, apesar de ter uma qualidade de vida melhor

    do que nas cidades anteriores, ainda não recebia o suficiente para sustentar a si e a

    sua família. Outro ponto que incomodava Boole era a falta de liberdade que ele tinha

    nessa escola para impor suas convicções e ideias já adquiridas sobre educação.

    Finalmente, em 1834, aos 19 anos de idade, Boole resolveu voltar para sua cidade

    natal, onde fundou a sua própria escola. (MACHALE, 2014).

    A escola de Boole era uma escola para meninos e meninas e foi criada tendo

    como modelo a escola onde seu tio, William Boole, era diretor. Há evidências para

    mostrar que seus esforços alcançaram um bom grau de sucesso, tanto educacional

    quanto financeiramente. (MACHALE, 2014).

    A partir de sua inauguração, Boole pôde manter toda sua família num conforto

    razoável (coisa que não havia conseguido fazer em nenhum emprego anterior), além

    de permitir que seus métodos educacionais fossem desenvolvidos e amadurecidos.

    Por exemplo, no ensino de matemática, ele era claramente motivado pelo fato de

    que, para ele, grande parte da matemática tem suas origens na solução de

    problemas extremamente práticos e que a abstração desse contexto não era, de

    forma alguma, desejável para os primeiros estados de aprendizagem. Boole tinha

    uma visão que ia de acordo com sua experiência de vida (seu pai o havia mostrado

    diversos aspectos práticos das ciências em geral quando ele ainda era um pequeno

    13 Vide WATTS (1998).

  • 31

    menino), onde ele defendia que o aluno primeiro deve entender os conteúdos para

    somente depois disso guardar algo na memória. (MACHALE, 2014).

    Outro ponto que nos chama a atenção na escola de Boole era o fato de

    lecionar, para todos os alunos, aulas de línguas, focando principalmente na

    conversação e na leitura de obras literárias, e não em gramática e vocabulário –

    mais um aspecto que ia de acordo com a experiência de vida de Boole, que

    aprendeu sozinho outros idiomas ao ler obras literárias escritas em outras línguas.

    (MACHALE, 2014).

    Boole acreditava que a educação moral também era responsabilidade do

    professor; no caso, ela era a parte mais difícil do dever de um professor, mas a mais

    alta em grau e importância. Para Boole, não se deveria medir esforços para se

    formar a mente e o caráter de seus alunos, ensinando-os hábitos da indústria,

    integridade, bondade mútua, a distinção entre o certo e o errado e a reverenciar as

    coisas sagradas. Essas e outras características fizeram com que Boole se tornasse

    um professor realizado e respeitado pelos seus alunos e pelos moradores de Lincoln

    que vinham a conhecer o seu trabalho na escola. (MACHALE, 2014).

    Nessa mesma época em que Boole retornou para Lincoln e abriu sua própria

    escola, tornando-se administrador e professor para, finalmente, aplicar suas práticas

    de ensino, foi fundado o Lincoln Mechanics Institute. Segundo Burris (2018), “este

    era essencialmente um clube social comunitário que promovia leitura, discussões e

    palestras sobre ciência. Foi fundado em 1833 e, em 1834, o pai de Boole tornou-se

    o curador de sua biblioteca.” (BURRIS, 2018, sp).

    Boole passou a frequentar o Instituto, participando das discussões

    promovidas e acessando sua biblioteca. Broadbent (2007) ainda diz mais sobre a

    relação de Boole com o Instituto:

    Seu presidente, um proprietário de terras da região, enviava publicações da Royal Society para a sala de leitura da instituição, da qual John Boole tornou-se curador. George, agora consagrando seu escasso tempo livre ao estudo da matemática, tinha acesso à sala de leitura, onde enfrentou, praticamente sem auxílio, a leitura dos Principia [Princípios], de Newton, e da Mécanique analytique [Mecânica analítica], de Lagrange. (BROADBENT, 2007, p.322)

    Ou seja, Boole, desde os seus 19 anos, já tendo algum conhecimento prévio

    de matemática – não só como aluno, mas também como professor – e dono de sua

    própria escola, também participou de discussões sobre o que de mais recente se

  • 32

    produzia em ciência na época e teve acesso à biblioteca do Instituto, que continha

    uma vasta gama de tratados que já haviam sido publicados na época. Nesse

    aspecto, vale lembrar que Boole teve contato não só com os escritos em inglês, mas

    em qualquer uma das línguas das quais tinha conhecimento. Dentre esses podemos

    citar, além dos Principia de Newton14 (1643-1727) e da Mécanique Analytique de

    Lagrange 15 (1736-1813) já mencionados, os trabalhos de Laplace 16 (1749-1827)

    (BOYER, 2005) e, como conjecturam Kneale e Kneale (1962, p.410), “podemos

    razoavelmente supor que ele tinha lido alguns dos ensaios de Peacock17 (1791-

    1858), Gregory 18 (1813-1844), De Morgan 19 (1806-1871) e Sir William Rowan

    Hamilton20 (1805-1865)”.

    É notório, com base nos trabalhos apresentados por Boole durante sua vida –

    desde os temas tratados até a maneira como desenvolve seu raciocínio –, que ele

    foi influenciado por muitos desses autores citados. Ainda aos 19 anos de idade, no

    final de 1834, Boole “foi convidado a proferir uma conferência sobre Newton, quando

    da inauguração, no Instituto, de um busto do grande físico, também nascido no

    condado de Lincoln.” (BROADBENT, 2007, p.322). Sua apresentação foi muito

    elogiada e seu trabalho acabou sendo publicado, porém apenas no ano seguinte,

    em 1835, na Gazette Office de Lincoln, com o título “An Address on the Genius and

    Discoveries of Sir Isaac Newton”, sendo este o primeiro trabalho científico de Boole.

    (BROADBENT, 2007).

    Pouco tempo depois de começar a frequentar o Instituto, Boole, muito ativo

    em questões sociais, principalmente na área de educação, começou a ministrar

    14 Sir Isaac Newton, um dos desenvolvedores do Cálculo e da Mecânica Clássica. Em seu Principia (1687), ele fundamenta a mecânica clássica e a lei da gravitação universal, além de demonstrar as leis de Kepler. Viveu na Inglaterra, entre 1643 e 1727. 15 Joseph Louis Lagrange, um dos criadores do Teorema do Valor Médio. Em seu Mécanique Analytique (1788), transformou a mecânica em um ramo da análise matemática. Nasceu na Itália, em 1736, e faleceu na França, em 1813. 16 Pierre-Simon Laplace, matemático que desenvolveu importantes trabalhos em probabilidade, equações diferenciais e astronomia. Nasceu na Normandia, em 1749 e faleceu em Paris, em 1827. 17 George Peacock, matemático que desenvolveu seus trabalhos principalmente no desenvolvimento da álgebra simbólica e sobre quatérnios. Viveu na Inglaterra, entre 1791 e 1858. 18 Duncan Farquharson Gregory, matemático que desenvolveu seus trabalhos principalmente no desenvolvimento da álgebra simbólica e logaritmos. Fundador e primeiro editor do Cambridge Mathematical Jornal, em novembro de 1837. Nasceu e faleceu na Escócia (1813-1844), porém viveu grande parte de sua vida na Inglaterra. 19 Augustus De Morgan, um dos desenvolvedores do rigor da indução matemática. Escreveu trabalhos sobre Lógica, Cálculo e Análise. Nasceu na Índia, em 1806, e faleceu na Inglaterra, em 1871, onde viveu desde sua infância. 20 William Rowan Hamilton, um dos criadores dos quatérnios. Escreveu trabalhos sobre mecânica analítica e sobre astronomia. Viveu na Irlanda, entre 1805 e 1865.

  • 33

    gratuitamente no Instituto aulas de aritmética, matemática, ciência e clássicos (grego

    e latim) para adultos, tornando-se um dos nomes fortes do Instituto. (MACHALE,

    2014). Dessa maneira, podemos prospectar que suas convicções sociais na área da

    educação, criadas por meio de suas experiências de vida, estavam fortemente

    enraizadas, de modo que ele, mesmo estando aos poucos vendo uma melhora em

    sua vida financeira, ainda disponibilizava tempo para lecionar gratuitamente.

    Durante os anos seguintes, Boole viu seu círculo intelectual aumentar ao

    trocar cartas com diversos pesquisadores do Reino Unido, também frequentadores

    dos Institutos de Mecânica de suas regiões. Dessa maneira, pôde discutir ideias e

    opiniões sobre o trabalho de seus correspondentes, o que o influenciou naquilo que

    viria a publicar. Simultaneamente a essa época, mais precisamente a partir de junho

    de 1837, a rainha Vitória assumiu o trono inglês, aos 18 anos de idade, inaugurando

    um período que foi fortemente caracterizado pelo desenvolvimento econômico,

    industrial e intelectual no país, além de ter sido um período de prosperidade e paz

    (conhecido como Pax Britannica).

    Incentivado por seus colegas de Instituto, no ano de 1839, Boole viajou a

    Cambridge para conhecer Duncan F. Gregory, editor do recém fundado Cambridge

    Mathematical Journal e, a partir de 1840, começou a contribuir com o prestigiado

    periódico científico. Gregory virou um mentor de Boole, principalmente instruindo-o

    em como escrever um paper de matemática. Dessa maneira, em 1841, Boole

    publicou no Cambridge Mathematical Journal sua primeira de inúmeras publicações

    matemáticas, “Researches on the Theory of Analytical Transformations, with a

    special application to the Reduction of the General Equation of the Second Order”.

    (BROADBENT, 2007; BURRIS, 2018).

    Nesta época, entre 1841 e 1845, Boole entrou numa fase produtiva e

    escreveu diversos artigos relacionados a seus campos de pesquisa do momento,

    destacando-se dentre eles os relacionados à Análise matemática, ao Cálculo e à

    Álgebra, como por exemplo os artigos que relatam sobre a Teoria do Invariante21 e

    as Equações de Laplace22. Inclusive, no ano de 1844, escreveu seu artigo “On a

    General Method in Analysis”, demasiadamente grande para ser publicado no

    Cambrigde Mathematical Journal. Assim, por indicação de Gregory, Boole publicou-o

    no Transactions of the Royal Society após uma revisão de De Morgan (um dos

    21 1842 – Exposition of a General Theory of Linear Transformations. Parte I and Parte II. 22 1845 – On the Equation of Laplace’s Functions.

  • 34

    pesquisadores com quem iniciara uma troca de correspondências em 1842 e de

    quem virara amigo). (BROADBENT, 2007; BURRIS, 2018). Pouco tempo depois,

    ainda em 1844, o artigo ganhou a Medalha Real de melhor artigo matemático dos

    últimos anos da Royal Society, fazendo com que Boole fosse o primeiro matemático

    a receber tal premiação. (MACHALE, 2014).

    Durante sua vida, Boole publicou diversos trabalhos sobre “tópicos

    matemáticos padrões, principalmente equações diferenciais, integração e cálculo de

    variações.” (BURRIS, 2018, sp). Dois deles serão destacados aqui por terem sido

    usados por muitos anos em universidades do Reino Unido após suas publicações:

    um tratado sobre equações diferenciais23 e um tratado sobre diferenças finitas24.

    Broadbent (2007) destaca que:

    Os dois livros didáticos25, sobre equações diferenciais (1859) e diferenças finitas (1860), permaneceram em uso no Reino Unido até o final do século. Eles contêm boa parte do trabalho original de Boole, reproduzindo e expandindo o material publicado em seus artigos de pesquisa. O primeiro faz uso tão amplo do operador diferencial D que este método é frequentemente tratado como se tivesse sido criado por Boole, embora na verdade seja muito mais antigo do que o autor. Ambos exibem grande habilidade técnica na manipulação de operadores: no tomo sobre diferenças finitas, são explicados os operadores, introduzidos pela primeira vez nos artigos de Boole para a Royal Society. (BROADBENT, 2007, p.323)

    Os trabalhos de Boole estão compassados com o que se produzia de

    matemática na Inglaterra na época (em sua maioria eram trabalhos sobre Álgebra,

    porém os matemáticos do século XIX também pesquisavam sobre equações

    diferenciais, probabilidade e lógica). A esse respeito, Bashmakova e Rudakov (1992,

    p.35) explicitam o que de matemática vinha sendo estudado no século XIX, mais

    precisamente entre os anos 1800 e 1870:

    A álgebra tinha crescido prodigiosamente em conteúdo, enriquecida por conceitos e teorias notáveis e, além disso, seus novos conceitos e espírito começaram a penetrar virtualmente em toda a matemática. Havia uma tendência manifesta de algebrização da matemática. Notáveis novas disciplinas, como a teoria algébrica dos números, a geometria algébrica, a teoria dos grupos de Lie, combinando álgebra com teoria dos números, geometria e análise, respectivamente, surgiram e floresceram. Assim como os fundamentos da análise, os fundamentos de tais novas teorias

    23 1859 – A Treatise on Differential Equations. 24 1860 – A Treatise on the Calculus of Finite Differences. 25 Vale ressaltar que nosso crivo historiográfico aponta um equívoco na escrita de Broadbent, de modo que na época de George Boole o conceito atual de livro didático ainda não existia, sendo assim impossível que estes tratados tenham sido escritos como tais.

  • 35

    algébricas, como as de grupos, campos e espaços vetoriais tornaram-se componentes indispensáveis da educação matemática geral, não apenas nas universidades, mas também nas escolas técnicas e de engenharia. O período até os anos setenta do século passado26 foi basicamente um período latente do crescimento explosivo da álgebra. (BASHMAKOVA; RUDAKOV, 1992, p.35)

    Essa forte linha de desenvolvimento que foi a Álgebra, porém, tinha uma

    característica específica, uma espécie de tendência: o uso de símbolos. Segundo

    Burris (2018):

    A primeira grande tentativa entre os ingleses de esclarecer os problemas fundamentais da álgebra foi o Tratado de Álgebra de 1830, de George Peacock (1791-1858). Ele dividiu o assunto em duas partes, a primeira parte sendo álgebra aritmética (...). A segunda parte foi a álgebra simbólica, que foi governada não por uma interpretação específica, como foi o caso da álgebra aritmética, mas apenas por leis. Na álgebra simbólica não havia restrições ao uso de subtração, etc. (BURRIS, 2018, sp)

    Por símbolos, aqui, devemos entender, como aponta Burris (2018), que

    A terminologia da álgebra foi um pouco diferente no século 19 do que é usada hoje. Em particular, eles não usaram a palavra “variável”; a letra x em uma expressão como 2x + 5 foi chamada de símbolo, daí o nome “álgebra simbólica”. (BURRIS, 2018, sp)

    Vale ressaltar, como observa MacHale (2014), que os 24 trabalhos de Boole

    publicados no Cambridge Journal abrangeram diversos tópicos que estavam de

    acordo com o que se pesquisava de matemática no século XIX: equações

    diferenciais, integração, lógica, probabilidade, geometria e transformações lineares.

    Ademais, segundo MacHale (2014, p.59), “a importância de suas contribuições

    reside não tanto em seu conteúdo, mas no fato de que eles enfatizaram a

    importância da manipulação de operadores simbólicos em várias áreas da

    matemática”. Ou seja, Boole, na maioria de seus trabalhos, trazia esses operadores

    simbólicos oriundos da álgebra, e esse ponto será de grande importância em seu

    tratado que será discutido no capítulo 3 desta dissertação.

    Pelo fato de Boole ter tido acesso aos novos desdobramentos matemáticos

    de sua época e ter trocado cartas com muitas pessoas, facilmente colhem-se

    26 A citação foi escrita no século XX, de modo que, para o autor, o “século passado” refere-se ao

    século XIX.

  • 36

    evidências de que alguns autores tenham influenciado diretamente seus trabalhos.

    Como aponta Burris (2018),

    Um uso fascinante da álgebra foi introduzido em 1814 por François-Joseph Servois (1776-1847) quando ele abordou equações diferenciais separando a parte do operador diferencial da parte da função do sujeito (...). Esta aplicação de álgebra capturou o interesse de Gregory, que publicou uma série de artigos sobre o método da separação de símbolos, ou seja, a separação em operadores e objetos, no Cambridge Mathematical Journal. Ele também escreveu sobre a base da álgebra, e foi a base de Gregory que Boole abraçou, quase textualmente. (BURRIS, 2018, sp).

    Boole, por ter tido contato direto com seu amigo e mentor Gregory, esteve a

    par de suas publicações no campo da Álgebra, apropriando-se de suas

    nomenclaturas, terminologias e conclusões para fundamentar seus trabalhos.

    Inclusive, no seu artigo ganhador do prêmio na Royal Society, Boole escreveu numa

    nota de rodapé um agradecimento ao seu amigo Gregory: “Poucos em tão curta vida

    fizeram tanto pela ciência. O alto senso que nutro por seus méritos como

    matemático é misturado com sentimentos de gratidão pela assistência valiosa

    prestada a mim em meus ensaios anteriores.” (BOOLE, 1844, apud MACHALE,

    2014, p.71)27.

    Por fim, outro amigo de Boole, De Morgan, também produziu trabalhos no

    campo da álgebra simbólica, tendo também provavelmente influenciado os trabalhos

    de Boole. Burris (2018) relata que:

    Em “Sobre a Fundação da Álgebra”, de 1839, o primeiro de quatro trabalhos sobre este tema de De Morgan que apareceu na Transactions of the Cambridge Philosophical Society, encontra-se um tributo à separação de símbolos na álgebra. No segundo trabalho de fundamentos (em 1841), De Morgan propôs o que ele considerou ser um conjunto completo de oito regras para trabalhar com a álgebra simbólica. (BURRIS, 2018, sp).

    Ou seja, podemos dizer que Boole publicou trabalhos condizentes com o que

    era feito de pesquisa matemática em sua época (álgebra e lógica), mostrando que

    ele era um homem inserido em seu tempo. Seus trabalhos foram reconhecidos pela

    academia ainda em vida.

    De fato, ele recebeu diversos elogios da Royal Society e do Instituto de

    Mecânica, além de várias cartas de outros pesquisadores elogiando seus trabalhos.

    27 Vide BOOLE, G. (1844).

  • 37

    Assim, por volta de 1846, seus amigos de Cambridge, principalmente William

    Thomson28 (1824-1907), incentivaram-no a se inscrever para concorrer à vaga de

    primeiro professor de matemática na recém fundada Universidade de Cork (Queen’s

    College), na Irlanda, aproximadamente 215km a sudoeste de Dublin, mesmo sem ter

    cursado um ensino superior. Não era trivial para a época que uma universidade

    tivesse em seu corpo docente professores sem curso superior. Dessa maneira, ele

    precisou de diversas cartas de recomendação de amigos pesquisadores e ex-alunos

    influentes para justificar seu merecimento ao cargo. Obteve sucesso e, no ano de

    1849, mudou-se para a Irlanda com sua família. (MACHALE, 2014).

    Pouco antes dessa mudança profissional, Boole produziu outros trabalhos.

    Publicou em 1847 o seu primeiro tratado de Lógica, o Mathematical Analysis of

    Logic, no qual ele procurou analisar matematicamente a lógica. A este tratado

    seguiu-se outro, publicado agora já em solo irlandês, em 1854, intitulado The Laws

    Of Thought29, considerada sua obra prima. Esses dois trabalhos apontam para a

    proposta de Boole de apartar a lógica da filosofia, da metafísica e da linguagem

    ordinal e de aproximá-la da matemática por meio do uso de símbolos, tão usados no

    campo algébrico em sua época.

    Mas, antes de adentrarmos nessas questões de ordem mais técnica, vamos

    compreender quais foram as motivações e intenções de Boole ao escrever esse

    tratado de 1847, qual foi seu público-alvo e, por fim, como provavelmente se deu o

    processo de construção de conhecimento realizado por ele, levando em

    consideração a evidência que temos, que é o documento. Para tanto, vamos

    apresentar a seguir o contexto da Lógica ao qual Boole estava inserido.

    2.2 Contexto da Lógica

    Para entendermos o contexto de elaboração das ideias de Boole no que diz

    respeito aos seus trabalhos dedicados à lógica, temos que retomar alguns aspectos

    de como a lógica e a filosofia encontravam-se estabelecidas no Reino Unido em

    meados do século XIX. Para tanto, devemos atentar para um debate, que ficou

    28 William Thomson, que hoje é conhecido como Lord Kelvin. Tem trabalhos em eletricidade e termodinâmica, sendo o criador da escala Kelvin de temperatura. Nasceu na Irlanda do Norte, em 1824, e faleceu na Escócia, em 1907, apesar de ter vivido grande parte de sua vida na Inglaterra. 29 Boole produziu trabalhos até quase o momento de sua precoce morte, ocorrida na própria cidade de Cork, no ano de 1964, – aos 49 anos – por pneumonia. Deixou esposa e cinco filhas.

  • 38

    muito conhecido na época, entre um matemático, Augustus De Morgan, e um

    filósofo, Sir William Hamilton (1788-1856), pois foi importante para o desencadear do

    primeiro tratado de Boole. Além disso, para compreendermos o cerne deste debate,

    temos que revisitar a interpretação dada pelos estudiosos de matemática a alguns

    pontos fundamentais da lógica clássica (aristotélica), baseada em proposições e

    silogismos. Isso porque são esses os pontos que Boole discutiu em seu tratado, nos

    capítulos de The Mathematical Analysis of Logic que analisamos nesta dissertação.

    2.2.1 Embates entre a Filosofia e a Matemática

    O século XIX, como já dissemos, foi marcado por um grande desenvolvimento

    científico em geral no Reino Unido, não só na área da matemática. Devido a isso,

    era comum a existência de determinados debates intelectuais entre pesquisadores

    dessa época. Um desses debates ocorreu entre um amigo de Boole, o professor

    inglês Augustus de Morgan, e um filósofo escocês, Sir William Hamilton30 (que não

    deve ser confundido com o seu contemporâneo quase homônimo William Rowan

    Hamilton, matemático irlandês). Como aponta Bell (1986, p.439), “(...) e lembrar uma

    contenda famosa da primeira metade do século XIX, que levantou um enorme de um

    barulho em seu próprio tempo, mas agora está quase esquecida”.

    A contenda foi divulgada em diversas revistas, segundo Kneale e Kneale

    (1962), inclusive com alguns trechos das cartas que eles trocaram. Esse debate

    girava em torno do tema da quantificação do predicado31, no qual, ainda segundo os

    autores, Hamilton acusava De Morgan de plágio. Porém, o ponto chave desse

    debate, que foi essencial para motivar Boole a escrever seu primeiro tratado, foi a

    disputa entre alguns filósofos e matemáticos (principalmente os dois citados)

    articulando a qual dessas duas ciências deveria ser associada a Lógica.

    A lógica dita tradicional ou clássica, historicamente, desde sua criação com

    Aristóteles32 (384 a.C. – 322 a.C.), sempre foi intrinsecamente associada à filosofia e

    à gramática ordinária, tendo pouca ou nenhuma afinidade com a linguagem

    30 William Hamilton. Professor de Lógica e Metafísica da Universidade de Edimburgo. Contribuiu para a doutrina lógica e quantificação do predicado. Viveu na Escócia entre 1788 e 1856. 31 A forma tradicional de uma proposição categórica é: S é P. A quantificação do predicado amplia esta visão, utilizando as palavras “todo” e “alguns” também para o predicado. Exemplo: todos os X são Y se tornaria todos os X são alguns Y. Mais detalhes serão expostos nas páginas seguintes. 32 Importante filósofo grego. Escreveu sobre física, metafísica, poesia, lógica, retórica, ética, biologia e governo. Foi aluno de Platão. Viveu na Grécia entre os anos de 384a.C. e 322a.C.

  • 39

    matemática. Essa lógica, em meados do século XIX, ainda era o modelo que ditava

    o raciocínio humano, como aponta Sousa (2012, p.49): “a Lógica Tradicional ainda

    vigorava durante o início do século XIX e que sua força emergia pela figura de

    lógicos aristotélicos como Richard Whately 33 ”. Também nesse sentido, Houser

    (1994, p.602) aponta que “lógicos como Richard Whately e Sir William Hamilton

    lançaram programas poderosos para expandir a lógica silogística34”.

    No século XIX, porém, houve um forte movimento de tentar matematizar a

    lógica. Blanché (1985, p.271) argumenta que “Enquanto a lógica clássica continuava

    com o seu impulso, uma outra forma de lógica, de inspiração matemática, ia

    aparecer em meados do século XIX”. Ou seja, a lógica no século XIX estava

    também sendo estudada e desenvolvida por matemáticos, porém seguia sendo

    expandida por filósofos.

    Sir William Hamilton fazia parte dos filósofos do século XIX que seguiam

    expandindo a lógica aristotélica, enquanto De Morgan e Boole faziam parte dos

    matemáticos também desse século que desenvolveram trabalhos no campo da

    lógica, ajudando a aproximá-la da matemática – como é feito até os dias atuais.

    Sobre essa nova perspectiva para a lógica, Sousa (2012, p.81) aponta que:

    Em meados desse período [século XIX] surgiu uma nova visão sobre a Lógica vigente. Essa, por sua vez, foi concretizada pela matematização da Lógica que, respeitando o paradigma aristotélico, buscou expandi-lo a partir de sua formalização. Isso se deu, especialmente em 1847, mediante os trabalhos de Augustus de Morgan e George Boole. (SOUSA, 2012, p.81)

    Com efeito, Boole, principalmente, em seus dois tratados de lógica, procurou

    algebrizar a lógica clássica e, a esse respeito, Moore (1987, p.101) observa que:

    De fato, por volta de 1850, o silogismo aristotélico continuava sendo o arquétipo de todo raciocínio. Quando a lógica matemática começou em 1847, com a publicação de Análise Matemática da Lógica, de George Boole, a lógica aristotélica foi tratada como uma interpretação de um sistema algébrico particular. Nesse contexto, a lógica fazia parte da matemática. A lógica em si, por outro lado, continuou sendo entendida por Boole como "as leis do pensamento". Sua pesquisa, que levou à formulação da álgebra booleana, estava na fronteira entre filosofia, psicologia e matemática. (MOORE, 1987, p.101)

    33 Richard Whately, filósofo e economista, foi um dos primeiros ingleses a defender a Lógica como campo de estudo. Seus tratados valorizavam e expandiam a Lógica Aristotélica. Viveu pequena parte da sua vida como professor de Economia e mais de 30 anos como Arcebispo de Dublin. Nasceu na Inglaterra em 1787 e faleceu na Irlanda em 1863. 34 Referência à lógica clássica, ou lógica aristotélica.

  • 40

    Para podermos compreender o impacto das ideias de Boole, temos que

    entender alguns conceitos da lógica clássica (também chamada de tradicional ou

    aristotélica) que serão expostos aqui, e as razões pelas quais ela se encontrava tão

    próxima à linguagem ordinária, para posteriormente entendermos a proposta de

    Boole de algebrizá-la.

    2.2.2 A lógica aristotélica

    Aristóteles foi um filósofo grego que viveu entre os anos 384 a.C. e 322 a.C. e

    foi, nitidamente, um nome importantíssimo para o desenvolvimento da lógica. Sua

    relevância é relatada através dos séculos – em alguns momentos com mais ênfase e

    sendo ovacionado, e em outros com menos ênfase e sendo duramente criticado –,

    mas fato é que seus tratados são tidos como uns dos primeiros que fundamentaram

    a lógica. Dessa maneira, também pensa Abbagnano (2006, p.182):

    (...) e tal disciplina é a lógica, a que Aristóteles chama analítica, tendo sido o primeiro a concebê-la e fundá-la como uma disciplina em si, utilizando e sistematizando as observações e os resultados dos seus predecessores e especialmente de Platão. (ABBAGNANO, 2006, p.182)

    Ainda sobre a história da lógica, vale apontar que Leibniz35 (1646-1716), que

    também se dedicou ao estudo da lógica, apreciou grandemente o trabalho de

    Aristóteles. Ao observar o rigor de suas proposições lógicas, disse “‘Aristóteles foi o

    primeiro a escrever de manei