Ontem saí de casa Ontem saí de casa mais cedo do que o nor- mais cedo do que o nor- mal e a temperatura era mal e a temperatura era amena de primavera e o amena de primavera e o dia estava amarelo e dia estava amarelo e azul e do som do meu azul e do som do meu carro se evolava o rock carro se evolava o rock suave da Itapema e eu suave da Itapema e eu me sentia realmente me sentia realmente bem. bem.

Estacionei numa rua Estacionei numa rua quase bucólica do Menino quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um Deus e vi que ali perto um catador de papel puxava catador de papel puxava sua carrocinha sem pressa.sua carrocinha sem pressa.

Era magro e alto, devia Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia anos e tinha a pele luzidia de tão negra.de tão negra.

Ao seu lado saltitava Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns um menino de, calculei, uns quatro anos de idade, tal-quatro anos de idade, tal-vez menos. vez menos.

Bem.Bem.

Ao menos foi o que jul- Ao menos foi o que jul- guei, certeza não podia ter.guei, certeza não podia ter.

Já ia me afastar quan- Já ia me afastar quan- do, por entre as grades da do, por entre as grades da cerca de uma creche próxi- cerca de uma creche próxi- ma, voou um brinquedo de ma, voou um brinquedo de plástico. plástico.

Um desses robôs cheios Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que se trans- de luzes e vozes, que se trans- formam em nave espacial e formam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorprédio de apartamentos, adoraa do pelas crianças de hoje em do pelas crianças de hoje em dia.dia.

Algum garoto devia ter ati- Algum garoto devia ter ati- rado o brinquedo para cima rado o brinquedo para cima por engano, ou fora uma gra- por engano, ou fora uma gra- cinha sem graça de um amigo. cinha sem graça de um amigo.

O menino que era dono do O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grbrinquedo colou o rosto na graa de como se fosse um presidiá- de como se fosse um presidiá- rio, angustiado.rio, angustiado.

O filho do catador de pa- O filho do catador de pa- pel correu até a calçada, co- pel correu até a calçada, co- lheu o robô do chão e não vaci lheu o robô do chão e não vaci lou um segundo: retornou facelou um segundo: retornou faceii ro para junto do pai, o brinque- ro para junto do pai, o brinque- do na mão, feito um troféu. do na mão, feito um troféu.

Olhei para o menino atrás Olhei para o menino atrás da cerca.da cerca.

Estranhamente, ele não fEstranhamente, ele não faa lou nada, não gritou, nem re- lou nada, não gritou, nem re- clamou. clamou.

Ficou apenas olhando seu Ficou apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito arregala- outro, os olhos muito arregala- dos, a boca aberta de aflição. dos, a boca aberta de aflição.

O pai olhou.O pai olhou.

E fez parar a carrocinha. E fez parar a carrocinha.

Largou-a encostada ao meio-fio.Largou-a encostada ao meio-fio.

Levou a mão calosa à cabeça do filho. Levou a mão calosa à cabeça do filho.

E se agachou até que os E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no olhos de ambos ficassem no mesmo nível. mesmo nível.

A essa altura, eu, estacado A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conse- no canteiro da rua, não conse- guia me mover. guia me mover.

Queria ver o desfecho da cena.Queria ver o desfecho da cena.

O pai começou a falar com o menino.O pai começou a falar com o menino.

Falava devagar, com o olhar grave, mas não pare- Falava devagar, com o olhar grave, mas não pare- cia nervoso. cia nervoso.

Explicava algo com paciência e Explicava algo com paciência e seriedade. seriedade.

O menino abaixou a cabeça, en- O menino abaixou a cabeça, en- vergonhado, e o pai ergueu-lhe o quei- vergonhado, e o pai ergueu-lhe o quei- xo com os nós do dedo indicador.xo com os nós do dedo indicador.

Falou mais uma ou duas frases, Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em até que o filho balançou a cabeça em concordância.concordância.

A seguir, o menino saiu correndo A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche.em direção à creche.

Parou na grade, em frente ao outro garoto. Parou na grade, em frente ao outro garoto.

Esticou o braço.Esticou o braço.

E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo. E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo.

Voltou correndo para o pai, Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e le- que lhe enviou um sorriso e le- vantou a carrocinha outra vez.vantou a carrocinha outra vez.

Seguiram em frente, o pai Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao lado, agora forcejando, o filho ao lado, agora não saltitante, mas pensativo, conão saltitante, mas pensativo, conn centrado.centrado.

Então, tive certeza: aquele olhar Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era com que o menino observara o pai era mesmo de admiração, ele era de fato mesmo de admiração, ele era de fato o seu herói.o seu herói.

Faze com que teu filho, até os 10 Faze com que teu filho, até os 10 anos te obedeça, até os 20 te ame, anos te obedeça, até os 20 te ame,

e até a morte, te respeite. e até a morte, te respeite.

Até os 10 anos sê teu mestre, Até os 10 anos sê teu mestre, até os 20 sê seu pai, e até a morte, até os 20 sê seu pai, e até a morte,

sê seu amigo. sê seu amigo.Leandro StraussLeandro Strauss

Composição de imagens: Google Texto: Encrte Jornal Zero Hora Nº 15740 Música: Richard Clayderman - You'll Never Walk Alone

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