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FEITA PARA i \ CADEIRA DE FINANÇAS I'OR Manuel Mar tins ESTUD4NTE DO TERCEIRO ANNO DE DIRBITO COIlIBIt A IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1579

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Page 1: CADEIRA DE FINANÇASZ'orclre social, o Sr. Dr. VALLE, depois de ter dicto quc a Politica, a Economia e as Finanças são sciencias quc se auxiliam, mas que se nSo confundem, antes

FEITA PARA i\

CADEIRA DE FINANÇAS

I'OR

Manuel Mar tins

ESTUD4NTE DO TERCEIRO ANNO D E DIRBITO

COIlIBIt A IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

1579

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O objecto d'esta dissertação, que é publicada a coii- vite tlo Lente substituto da cadeira de Sciencia e Le- gislará~ finai~ccir-a, o Ex."O Sr. Dr. Antonio de Assis Teixeira de Magalhães, foi enunciado como se segue:

No550 geral do imposto: esposi$ão e critica das principaes theorias.

Classificua<ão dos impostos em directos e indirectos. caracteristicas d'uns e outros: valor economico e financeiro d'esta claadfic.a~ào.

Exame dos tres primeiros artigos do rendimento do Estado, segundo o Orçamento geral para o exercicio de 1878-1879, com relacão a esta classificação: quaes os impostos ahi mencionados, que estão merecidaniente incluidos entre os directos, e quaes entre os in- directos.

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~ ~ L e s inzpôts s o a a l ' ~ t a t ce que lcs voiles son! au caissau pour Ie conduirc, I'cusir~er, 6e n i o i o riu p o ~ t , el non pomr le rhnr.g~r. / e tenir toujours mt nier, p~lalenent 10 s1i11-

mergcr . Lcs Cahiers dcs Mats gfnirauz, publies

par ~IAVIDAL ct LIURENT, V. 3.0, pag. 257.

A falta d'uma terminologia verdadeiramente scienti- fica, nas sciencias sociaes, é a origem de grande parte das discussões que sc levantam nestc extenso e variado rairio dos conliecimcntos liumanos. Os termos na liri- guagerri scicntifica nem sempre estão d'accordo com a sigriifica~ão vulgar, o que torna indispensavel definil-os antes de entrar no estudo dos elevarlos problemas dc que a sciencin se occupa. Esta necessidade que existe para toda e qualquer sciencia 6 muito maior nas scien- cias sociaes, onde mais predomina o arhitrio. Os pro- lvios cultores de qualquer d;ls scicriçias sociaes não sso nccordcs na significacão que dão a cada um dos termos usados, de sorte quc cada um, antes de entrar

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no estudo dos factos que fazem objecto da sciencia de que se occupa, vê-se obrigado a analysar e criticar a accepçio rjiie os escriptores que o preccderaiii ligaram aos termos que i6in de empregar, Esle hcto é militas Yezes n origem de cliscuss~ies, que obstarii ;to rapitlo dcsenvolviincnto da sciencia. Esta difficiildacle náo cs- capou ao cspirito penetranle de Voltaire, que nua Ces- sara de repetir-defini os termos-, porque, sc uin escriptor emprcga uma palavra num sentido, emquanto que o seu contradictor a emprega noutro, é difficil chc- garern a iirn aceortlo.

i: o c I uc se teni ~erificado constantemente em Econo- mia Politicn. Que longas discnssões sobre a significacão dos termos-utilidade, vtllor, riqueza, capital! Qu(k cx- tensos capitulas sobrc n accepção de c:idn uiu d'ils~es terinos, e sobre tudo que estereis disciissfics entre os economistas para se entenderem mutuamente!

Urn e~~onomista distincto, J. B. SAY, reconhecc:~ :i inconvenicncia de se não terem ideias claras e precisas sohrc as noções c1einent;ires. (Notei, diz este escriptor, que as discilssõrs iilterminaveis, a que os economistas sc entrcgarn soljre assumptos de Economia Politica, prov6lii scmpre de se terem ideias pouco claras sobre as nor»es elementares. D

O iricsrno facto reconheceu o celebre economista iri-

glcz MAI.TH~TS l, cjue procurou rcmcdiar esta falta, nias não o coriseguiu, porque os economistas continuaram

1 Des dtfinitions en Économie Politiqur.

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a não ter ideias claras e precisas sobre o valor dos tcrrnos -utilidade, riqueza, capital, etc.

JVATELEY, nos seus Elementos de Loyica, demonstra q u q i falta de concepçóes claras, a mesma palavra é eiripregadu por A. SJIITH, em ccrtos casos, num scritido

:I. noutros. cornplctarnente contradictoi~io co~ii o que lhe d ' IVa scicncia econornica e financeira não ha, talvez,

tcrmo de que se tenha at~usado tanto e que se tenha defiiiido por tão variadas fórmas como a palavra im- posto.

da economista, cada financeiro, cada politico, tem clticlo clo imposto ;L definicão que julga rrielhor c mais nccommodada á sciencia em que escreve, e ao systcma ~ U C segue.

No meio d'um tal labyrintho de defini~aes, dificil, sc riso iinpossivcl, é dizermos qual scrá mellior; isto é, qual nos dará. uma no@o mais clara, precisa c vertla- (1oir;t.

['in illustrado indiistrial de Paris, Mr. ~'V~ENIER 1, que- rcnclo dar do irnposto uma dcfinic3o rigorosa c vcrda- dcir:iriicritc scientifica, procura determinar a conccpciio do imposto no passado, no direito publico moderno, e ria sciencia economica, para d'ahi deduzir uma defini- (50 scientifica.

N6s seguircmos o mcthodo t~doptado pelo illustrado iridustrial de Paris, sein todavia. acceitarmos as suas conclusões.

1 Théorie e1 applicatim de l'itnpôt sw /e capital.

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A nosso ver, quasi todos os escriptores que se tcini occupado do imposto, quer dcbaixo do ponto tlc vietri economico ou financeiro, quer dcbaixo do ponto clc vista da politica ou da administraqão, o tam dcfinitlo segundo o systema que seguem e as circumstancias cln paiz c dn epoeha em que escrevem. este um grave defeito. Deve definir-se o imposto sob o ponto dc vi\i,i mais geral, e n'do incliiir na dcfinii.50 adoptada idcitcs que não possam scr acceitas pelos cscriptores que st:- gucni thcorias diversas. O irnl~oslo é scin1)i.e iriipos~o, quer se escollia para rnatcria collectavel o rcndiinciiio livre, qucr o capital, quer as despesas do contribuinte. O espirito de systema não tem o direito de fazer mudar o sentido tradicional c universal (Ias p:~lavras, subsli- tuindo-lhe as suas concepções philosophicas.

É pois necessario que na definicão não vão já in- cluidos elementos que d&em a entender qual o systernti ou theoria que se segue.

Da mesma sorte, dcvcmos definir o imposto sem no3 prendermos com consideragõcs cconomicas, financc\ir:i> ou politicas, reservando para mais tarde o estudo (1:i.

consequencias que se derivam do imposto, pelo I , , t l l l

eeonomico, financeiro oii politico, que são outros t:iiiio - pontos de vista: scgundo os quties o imposto pcidi. st.1

estudado. É esta consideraiiío que t6m desprezado a iiiaioi

p:irle dos cscriptorcs cluc se ti'in occ~~pado do imposto. tlclinindo-o cada uiii ; 1150 sob uiir poriio tle vista ~ilral . rntis sujcitarido a clcli~liyão i tlieoria que segue.

O imposto é uni plienomeno social, que pertence ás

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ires scicncias-Economia Politica, Finanças, e Poli- h - ; mas cada uma d'estas sciencias tcm a cstudal-o sob aspccios difrerentes, e segundo determinadas re- layões.

O Sr. Dr. OLIVEIRA VALLE assim o comprehendcu; [nas, depois de apresentar nu siia b~issertnção Inaugural n maior parte das iIc'finiqfies d~i(l;~s pelos tractadistas 1n:~is auçtorisados, tlcfine o imposto - economico, fi- nanceiro e politico.

É um;r distincráo ilur, em nosso juizo, tambem se niio p~ítlc accoii:ii*, cluanclo se tracin de dar a noção gcral do iinposto, como agora temos cin vista, tractando tlo primciro ponto d'cste nosso trabalho.

Para justificar esta distincqão, importada com levds inodificac,ões da obra de SCHUTZENBERCER, Les lois de Z'orclre social, o Sr. Dr. VALLE, depois de ter dicto quc a Politica, a Economia e as Finanças são sciencias quc se auxiliam, mas que se nSo confundem, antes cada rima tclm principias proprios, diz o seguinte:

((Marcadas as frontciras de cada sciencia, estabele- cido que seja o seu nPuo reciproco, concedida a pre- missa de que cada riilin i : > i i ~ ~irincipios certos. ha de an- nuir-se a que n'io 6 rccriilnr definir cm certa e dc- terminada sciencia uma causa com ideias emprestadas, embora essas ideias partam d'outra sciencia que com ella lenha relacões de amizade e Sraternidade. B

É n1rrl:ido q i i ~ n l'oliíica, a lironi>t>ii:i e as Pinan- Cns sso sciencias distinctns, mas cliic mutuamente se auuiliaiii. A Politica estuda a orgaiiisayão das socieda- des, a Eeonornia promove o seu bem estar e o progres.

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sivo nugmcnio da ri(jiicza social, c as Finanças dizem o modo cle fazer face As despesas pub1ic:ts. Todas cllas, pois, são necessarias aos que têm a seu cargo a govcr- nagâo do estado.

S80 tres sciencias que se da0 as mãos para tornar prospero e regular o regirnen das nac,ões, e para liar- monisar os interesses do individuo com as necessida- des da collectividade.

,Concluir, porém, tl'aclui que o imposto politico n5o é o mesmo que o economico, e que este differe do f i - nanceiro, é, em nosso conceito, levar muito longe a tlis- tincyão que realmente existe entre as ires sciencias.

Todavia a distinccão do Sr. Dr. OI.IVEIRA VALLE é a &pressão d'um facto verdadeiro, que ninguem póde contestar: -que o iniposto tem impori:intes conseqiieii- cias politicas, economicas, financeiras e até de adnii- nistração, as quaes muito convem conhecer.

h necrsiario, quando se tracta de dar uma noção do imposto apresentar uma formula perfcifamente geral, que, adoptada por economistas, financeiros e politicos, sirva de ponto de partida e de base para estudos pos- teriores, e não seja logo o pomo da discordia, e a ori- gem de largas, interminaveis, e, porventura, estereis discussães. Na propria Disserta~ão do Sr. Dr. VALLE encontramos nós a prova da verdade d'esta nossa pro- posição.

UNO congresso de Lausanne, diz o Sr. Dr. VALLE: J. GARNIER principiou por definir o imposto, querendo que lhe acceitassem a definição, d'onde elle esperava tirar ou deduzir o seu systema de impostos. O con-

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gresso, porém, entendeu que a formula apresentada pelo orador ia influir nas decisões posteriores, e não ac- ceitou esta qucst5o propriamente preliminar ... com a definir50 de imposto que PROUDHON sujeita PARIEU ás consequencias que imagina; é na definição de imposlo que PROUDIION diz estar resumida toda a theoria do im- posto.

a Tem-se recorrido a muitas subtilezas nesta rnnii:- ria, diz LEROY-BEAULIEU. Em logar dc verificar um ia- cto muito simples e universal, tem-se querido hzcr tla definicão do imposto a. base de diffcrentcs systemas economicos e financeiros. Cada publicista tem subsii- tuido as suas phantasias individuaes á simples obser- vação dos factos I. B

Como definir, pois, o imposto? Qual a formula que n~ellior traduz a ideia do imposto?

Para dar a noç3o do imposto achamos que é convc- ~iienie seguir, coirio dissemos, u methodo adoptado por MENIER, mcthodo em parte lambem seguido pela distiii- ctissinia linanccira 1f.elIe CLEMENCE AUGUSTE ROYER, na sua obra- l'heorie dc l'imp6t-, em que a auctora em cstylo facil e ameno, simples e despretencioso, faz ra- pidamente a liisioria do imposto, determinando-lho o caracter nas differcntcs pliases da sua erolu~áo.

MENIER e ROYER, porém, da determinacão da noyão do imposto no passado clcvam-se a uma concep@o, cuja formula encerra já a matcria collectavel c o fim do

1 Leroy-Beaulieu, Traité de lu scimce des Finances, t. 1, yag. 404.

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imposto. Não acceitamos este modo de resolver a ques- táo. N ~ s , depois de estudarmos rapidamente o imposto no passado, estudaremos o imposto no presentc, dando uma definição talvez demasiado einpirica, mas que n5o terá os inconvenientes dc nos obrigar antecipadamente a entrar ern questões sobre materin collectavel, inçi- dencia do imposto, elc., arilcs dc termos dado uma no- c30 gcral, clara, e mais ou menos complctci do imposto.

Na paric da sua obra, cm que Meiuiril procura dc- torminar a concepc,3o do imposto no passado, por- correndo a antiguidade até á rcvoluc%o franceza, chega 5 conclusão dc que o imposto foi rio direito antigo n exploração das castas opprimidas pelas oppressortis, o que até certo ponto iarnbein 8 reconliccido por M,~""oYER, quando diz que o imposto militar foi I

primcira fórma que elle aprcsentou. Assim aconteceu na verdade. Na India, na Judea, e, em geral, em todos os p o \ u ~

cm que predominou o governo theocralico, o imposto foi a exploração do povo por uma casta sacerdotal. Noutras partes, como na Grecia Icndaria, o imposto reveste uma fórma diversa, inas não deixa de ser ainda a exploração d'uma casta opprimida pela oppressora; nso é já uma classe que, n pretexto da religião explora as massas; é urri homem que á força de astucias, dc rapinas c de criicldades consegue irnpbr-se ao povo, que finge proteger, vendcndo cara uma tal protecção.

É o hcroe grego, é Ulysses, é Achilles, 6 Menelau, que exploram por todas as fórmas os seus fanaticos.

Em Roma, a principio, o imposto foi a exploração

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dos plebeus pelos patricios, e mais tarde a exploração dos povos vencidos pela Rorna conquistadora, e por ul- timo a exploração de todo o povo romano pelo impera- dor e seus cortezãos.

Em Roma, sobre tudo, lios ultimos tempos do impe- rio, estabeleceu-se um systema fiscal tão cxtenso, era tiio larga a rede dos impostos destinados a fazer face ás dissipações c ao luxo dos imperadores, á rapacidacle c á ambicão dos agentes fiscaes, que, como algures ob- serva LITTRI~, não havia nada sobre que se não laricas- sem impostas.

Chegam os barbaros, các o imperio romano, espha- cela-se aquellc grande corpo, e 5 exploracão de todos

\

por um, dos povos pelo'impcrador, succede a explora- cão do povo por muitos, dos fracos pelos fortes, dos vassallos pelos senhores feudaes.

A situação não melliorou, a concepção do imposto continuou a ser, como até alli, erronea e falsa.

Các o feudalismo, engrandece-se o poder real, e de- baixo de certo ponto de vista restabelece-se a antiga concepcão do imposto. O imposto, no direito monar- chico, na theoria do direito divino dos rcis, é 3 explo- ração do povo pelo rei.

Para o mostrar basta dizer que Lurz x ~ v , no seu Ala- m a l , destinado a servir dp norma ,?. educação do Dcl- phim, diz que aos rcis suo senhores absolutos, c tC,m naiuralmcntc a disposiçiio plena e livre dc todos os bens que s5o possuidos quer pelos ecclesiasticos, quer- pelos seciilares, para d'elles usarem em todo o tempo, como sabios ecoriomos e saguiiclo as necessidades dos seus estados.

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Vem a revolução franccza; mas para ella, para os grandes pensadores que a prepararam e promovcrni~ii, o imposto não é já o direito dos reis, mas o dos povos, não é a exploracão do povo por um homem ou por uma classe, mas a contribuição do pouo pelo povo!

O imposto é a expressão da solidariedade nacional c a cooperação de todos para o fim social.

~ L e s impôts, dit le cahier dii Tiers État de Drapi- gnan, sont ò l'État ce yue lcs voiles sont au vaisseuu pour Ic conduirc, Passurer, lc mcncr au port et non poirr le charger, le tenir toujozlrs en nzer, finalernent le suh- merger. I,

Assim exprimia a França o pensarriento que a dorrii- nava, que a dirigia, c quc foi móla occulta da gloriosa revolução de 89.

Foi uma grande conquista1 Se os grandes principios da liberdade e egualdatle

contribuiram poderosamente para o renovanicnto social, de certo que o modo como a revolução concebeu o iiii- posto não contribuiu menos para a quéda do vellio re- gimen e para vencer muitas resistencias que se levan- taram.

Lembra-nos a cstc respeito o pensamento d'um nosso escriptor: #As grandes reformas ecoriomicas c financei- ras, empreliendidas e realisadas pelo eminente estadista R!ousinlio da Silveira, contribuiram mais para o pro- gresso da causa liberal do que as armas, a grande co- ragem, a heroicn resistencia dos 7:500 bravos do Min- dello. :,

Assim foi : a revolução triumphou antes pela grandeza da ideia do que pela força. das armas.

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Como se vê, a concep~ão do imposto tem variado de povo para povo, e de seculo para seculo.

E se, abandonando os dominios da historia, entrar- mos no campo da sciencia, e consultarmos os differentes economistas e financeiros, encontraremos a mesma, se- não maior incerteza.

Existem grandes duvidas e contradicções entre os escriptores que se têm occupado do assumpto, de sorte que, se percorrermos a longa serie de definições que se tem dado do imposto, com o fim de escolher aquella I 1 1 1 1 ' nuis nos esclareça e satisfaça. 6s exigencias do nosso cb;l~iritn, ficaremos depois d'un-ia tiio longa, e talvez que iiiiprdticu;l leitura, indecisos, sem sabermos como re- solver a questão.

É necessario, se quizermos ter uma noção clara do imposto, observar os factos á luz d'unia critica impar- cial, porque só assim poderemos obter algum resultado.

Observemos pois, e conheceremos. As considerações que temos feito levam-nos i cori-

clusão de que á medida que os progressos do direito publico foram esclarecendo os importantes problemas sobre o fim do Estado e coildiçõcs de desenvolvimeiito das sociedades, a concepção do imposto foi-se tambem apcrfeiqoando, de sorte que deixou de ser considerado, como diz LAMARTIW, um roubo feito pelo ~ s t i d o aos particulares em proveito da rapacidade.

Caracterisando o Estado de modo diverso do que o era em epochas atrazadas, LAMARTINE destroe-lhe a fei- ção de-monstro, sanguesuga enorme, vampiro sedento de ouro, de prata e de cobre, que devora os dinheiros

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do povo para tornal-o esfomeado, miseravel 'e esteril, como o cognominavam.

Todavia a sciencia politica, fornecendo bases segu- ras, principios certos, aos economistas e financeiros, não evitou as desharmonias e as contradicções, quc ainda hoje existem entre os escriptores mais auctorisa- dos, quando tractam de definir o imposto.

Todos, é certo, estão d'accdrdo em rejeitar o im- posto que é a exploraçáo do povo por um rei ou por uma classe, todos sustentam que é á nação que per- tence auctorisar as despesas e votar os meios com que os seus mandatarios, os procuradores, hão de occorrer ás necessidades do Estado; mas nem por isso ha entre elles o mesmo accdrdo em quanto á noção do im- posto.

Podiamos mostral-o claramente, apresentando as de- finições dadas por economistas e financeiros, e voria- mos que variedade de definições se tem aventado. Não o faremos, porque entendemos que nada ganharia com isso o nosso proposito, que é definir, como pu- dérmos e soubermos, o imposto. Limitar-nos-hemos a apresentar e criticar as definições de PROUDIION, Me1le ROYER, MENIER, C a do Sr. Dr. JARDIM, por enten- dermos que são estas as mais notaveis pelo cuntio de mais ou menos originalidade que as distingue e cara- cterisa.

PROUDHON, na sua obra-Thdom'e de I'impôt-, que mereceu ser premiada com o primeiro premio no con- gresso de Lausane, definiu o imposto da seguinte fór- ma:-é a quota parte que cada cidadão tem a pagar

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para a despesa dos serviços publicas. O imposto é uma troca de servicos.

MENIER, criticando esta definição, diz que ella se aprdxima mais ou menos de todas as até hoje dadas, que são a expressão do antagonismo que tem exislido entre o contribuinte e o fisco, entre o paiz e o go- verno.

Não nos parece que seja assim. PROUDHON, caracteri- sando o imposto como o caracterisou, teve em vista affastar-se de todos os ecoiiomistas que o precederam, os quaes consideraram o imposto como uma legitima exigencia do Estado; e a prova é que PROUDHON affirma, talvez sem fundamento, que a definiclio de PARIEU, que resume todas as outras, representa a forca, a theocra- cia, o direito divino, em quanto que a d'elle, PROUDHON, é a expressão da liberdade e do direito revolucionario.

Não existe talvcz uma differença radical entre a de- f ini@~ de PARIEU e a de PROUDHON. AS intenções e as vistas d'este publicista eram excellentes, mas são por- ventura irrealisaveis.

Vejamos se póde acceitar-se o seu principio de que o imposto é uma troca.

O imposto é uma troca.-É esta a grande desco- berta que PROUDIION affirma ter feito. Ha serviços de quc os particulares se não podem encarregar: mas o Estado rcalisa as funcções sociaes que pela sua natu- reza e importancia não podem ser cumpridas pelos par-

1 Oeuvre cit., pag. 139.

. .

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titulares. O Estado encarrega-se d'esses serviqos me- diante uma retribuição, que é o imposto.

Estes principios, que parecem ser a base da theoria do imposto de PROUDIION, conduzem á anarchia e não á liberdade, porque não robustecem a ordem, nem esti- mulam o progresso, e sem ordem e progresso não ha civilisação. O imposto considerado como uma simples troca tende a separar o Estado dos individuos, consi- derando-o como uma entidade perfeitamente distiiicta dos membros da sociedade e d'elles independente, o que se não póde admittir, e o que até o proprio PROU- DHON de certo rejeitaria.

Demais, no imposto-troca não ha o debate que cos- tuma haver em todos os outros contractos. Se o imposto fosse uma troca, os contribuintes poderiam recusar-se a satisfazel-o, uma vez que não recebessem a protecção do Estado em troca da qual tinham de pagal-o. É fa- cil presumir quaes seriam as consequencias de taes principios, se por elles se governassem as socie- dades.

PROUDIION pensa que a nocão que dá do imposfo é perfeitamente nova; todavia, se attentarmos bem nas definições dos economistas que o precederam, encontra- remos a mesma ideia, posto que apresentada por fórma differente.

Não acceitamos a noção de PROUDIION, porque a ideia de troca é erronea, conduz á anarchia; e, sendo o im- posto a retribuição da protecçiio que o Estado dispensa ao indiriduo, devia pagar mais o que mais protecção recebesse, o que se não póde admittir, porque o para-

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lytico é o mais protegido, e todavia não paga, não piide, nem deve pagar o imposto.

M.e"e CLÉMENCE AUGUSTE ROYER define o imposto t a quota parte do poder produc-tor, com a fórma de servi- ços pessoaes ou de contribuição de toda a especie, que cada cidadiio deie á communidade em troca dos swvi- ços que d'ella recebe e receberá pelo simples facto da participação social e a titulo de restituição dos adian- tamentos feitos pelas geraçaes passadas em proveito das gerações futuras. Esta contribuição é obrigatoria e pes- soal para cada um na medida actnal das suas faculda- des. Deve ser sufficiente para conservar o estado soc>ial no gráu de civilisação a que elle chegou e para progre- dir sempre. D

Esta definição é talvez a mais completa entre as que consideram o imposto como o preço da garantia e dos servieos que o Estado presta aos cidadãos. É certo que o Estado tem a missão de garantir a ordem social e desenvolver o progresso, - funcções estas que a defini- çáo de ROYER reconhece: ella indica qual deve ser o emprego do imposto, mas, considerando-o como o preço da garantia e dos serviços do Estado, admitte, ou melhor, envolve a noção de troca que ri6s rejei- tamos.

Demais, se o imposto é o preço dos serviços presta- tlos pclo Estado, tambem os indigentes devem pagal-o, tarnbem são devedores do Estado, porque são, sem du- vida, os mais protegidos e os que mais carecem da or- dern social.

Forçoso é confessar, porém, que a definição de

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M.eIl0 ROYER é das que mais se harmonisa com a missão do Estado, que é toda de ordem e progresso.

Todavia, se considerarmos que acima das theorias estão os factos, e que muitas vezes os rendimentos do Estado nem sempre têm a applicação que dcvcm ter como se indica na definição, havemos de confes- sar que a noção de ROYER será uma aspiração, uma tendencia generosa, uma indicação louvavel, mas não traduz a realidade dos factos, como elles se têm dado até hoje.

Emfim, adoptando a definição de ROYER, uma gera- ção podia recusar-se, como observa LEROY-BEAULIEU, a pagar as dividas contrahidas pelas gerações que as pre- cederam, quando não foram npplicadas em proveito da nação, mas dispendidas com o luxo dos monarchas, com guerras caprichosas, em esbanjamentos dos minis- tros, e em despesas illegaes não auctorisadas.

Rejeitamos, pois, a noção de M.e'lc ROYER. MENIER define o imposto ca somma das despesas fei-

tas com a exploração do capital nacional. 8

Uma vez acceitos os principios que estabelecemos no começo d'este nosso trabalho, não pódc acceitar-se esta definição, porque incorre 110s defeitos em que têm ca- hido tantas outras de sujeitarem a nocão do imposto, que é uma questão preliminar, á materia collecta~cl, incidencia, etc.

Todavia ainda observaremos : 1." Que a noçáo do imposto, dada por MENIER, não

abrange todas as despesas que tem a seu cargo o Es- tado, como, por exemplo, as despesas que têm por ob-

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jecto um serviço immaterial actual, despesas que exis- tem e existirão sempre.

2." Os governos, pelas suas imprudencias e loucu- ras, fazem infelizmente muitas despesas que não têm por fim a exploração do capital nacional. E não serão, porventura, os cidadãos obrigados a pagar taes des- pesas ?

Se Portugal, no seu estado actual, pela impruden- cia e falta de tacto politico dos seus governantes, se involvesse numa guerra e fosse vencido (o que a Pro- videncia não permitta) ; quando, reduzidos á ultima mi- seria, e exhaustos de forças e riquezas, tivessemos de contribuir com uma forte indemnisação de guerra, não deveriamos porventura pagal-a? Sem duvida. E poderia dizer-se que um tal imposto era destinado á exploração do capital nacional? Parece-nos que não.

Por isso rejeitamos a definicão de MENIER. Resta-nos apreciar a definição do Sr. Dr. JARDIM,

apresentada no Compendio que tem servido de guia aos nossos estudos.

Distingue S. Ex." o imposto em theorico e practico. Salvo o respeito devido ao nosso dignissimo Profes-

sor, não acceitamos tál distincção, que reputamos con- traria aos principios já estabelecidos que temos por verdadeiros. O imposto não é theorico nem practico, é o imposto.

A practica não deve ser mais do que a applicação dos principios da sciencia- da theoria.

Demais, a definição que o Sr. Dr. JARDIM chama theo- rica não póde ser acceita pelos que rejeitarem o systema

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de quotidade, ou que escolherem para materia collecta- vel outra base que não seja o rendimento livre.

Para mostrar o grave defeito das definições em que já vão incluidas ideias que se hão de apurar com es- tudos posteriores, basta dizer o que se passou comnosco no estudo dos problemas financeiros. Quando passámos pelo capitulo que o Sr. Dr. JARDIM consagra á determi- nação da noção do imposto, achámos razoaveis as opi- nioes de S. Ex.',, e acceitámol-as. Chegando, porém, ao estudo dos systemas de lançamento do imposto -de quotidade ou de repartição, - preferirnos este ultimo (não é aqui occasião de fundamentarmos a nossa opi- nião); de sorte que nos foi necessario refundir as nos- sas ideias e rejeitar a definição do Sr. Dr. JARDIM, que a principio tinhamos acceitado. É este um grande defeito, um grave inconveniente.

Porventura o imposto de repartição, o imposto sobre o capital, sobre as despesas, ou sobre as profissões, nao será imposto? Não prejudicari a noção do imposto, as- sim dada pelo Sr. Dr. JARDIM, OS graves problemas que se agitam sobre a materia collectavel, sobre a fórma de lançamento do imposto, etc.?

Desde o momento em que se admitta que o imposto é- a quota do rendimento livre do cidadão com que o direito o obriga a concorrer para a satisfação da despesa publica,-escusado é entrar nas graves discussbes a que dá origem a materia collectavel, escusado era que o Sr. Dr. JARDIM tractasse, no capitulo XVI do seu Coni- pendio, dos problemas ácerca da matcria collectavel, porque as questões, que a este respeito se levantam, fi-

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caram prejudicadas pela definição de S. Ex.", quando diz -quota do rendimento livre. -

Este é o nosso modo de ver, esta é a nossa opinião que francamente apresentamos.

Até aqui temos destruido. Resta construir, e de certo que não é este o trabalho menos difficil.

Temos visto que as definiç~es que conhecemos e que apresentámos têm todas um lado mais ou menos vul- neravel, e que algumas nem mesmo podem ser discu- tidas, porque dependem do modo como se considera- rem e resolverem os importantes problemas sobre o fim do Estado, materia collectavel e fórma de lançamento do imposto.

Dar uma definição completa e verdadeiramente scien- tifica do imposto é muito difficil, se não impossivel; porque é impossivel involver numa formula a materia collectavel, o fim do imposto, a sua incidencia, etc. Por isso entendemos qae, para evitar os inconvenien- tes em que é forçoso cahir, quando se sujeita a noção do imposto á materia collectavel, á sua incidencia, etc., é mais conveniente dar uma noção empirica do im- posto, traduzindo-a em uma formula simples, que nos diga o que é o imposto. D'esta maneira evitaremos os inconvenientes em que cáem a maior parte dos escri- ptores.

Parece-nos que podemos definir o imposto - a parte dos encargos da naçao que pesa sobre cada cidadão. -

E se esta noção parecer demasiado empirica, pode- mos, seguindo a LEROY-BEAULIIIU, dizer que o irnposto é - fl a parte que, pela applicação do principio da so-

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lidariedade nacional, cada cidadão deve supportar nos encargos de toda a origem e de toda a especie que pe- sam sobre o Estado. n

Acceitamos unicamente uma noção empirica do im- posto, porque, como diz LEROY-BEAULIEU, #se, em vez de procurarmos determinar o caracter practico e actual do imposto, pretendermos saber o que elle deve ser, podem dar-se innumeras definições, mas neste campo do ideal apparecem fórmulas que são d'uma verdadeira inexactidão. rn

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No correr das considerações que apresentámos, re- ferimos-nos por differentes vezes á materia collectavel que dá origem a encontradas theorias, a systemas di- versos, de que se occupam economistas e financeiros de todas as escholas.

Qual é a base do imposto? Deve recahir sobre o rendimento, sobre o capital, ou sobre as despesas do contribuinte? Não podemos dar a esta materia o des- envolvimento que ella comporta, porque nos falta o tempo e a intelligencia necessaria para seguir econo- mistas e financeiros nas graves discussões em que se embrenham.

Todavia exporemos em rapido esboço as reformas intentadas com mais ou menos exito, os estudos que se têm feito, as theorias que se têm inventado desde o illustre VAUBAN, que foi, por ventura, o primeiro publi- cista que teve a coragem de condemnar os grandes abusos, os innumeraveis privilegios de toda a ordem que havia em Franca e em todas as nações da edade media.

Lurz XIV ao morrer deixou a França em tristes e ca- lamitosas circumstancias; os seus ultimos annos foram

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desgraçados, porque se viu na necessidade de sollicitar uma paz, que se náo conseguiu senão mediante as con- dições onerosas dictadas por MARLBOROCGH e pelo prin- cipe EUGENIO.

VAUBAN e ROISGUILRERT descrevem ern termos pathc- ticos o estado em que se achava, em França, o poder productor nestes tempos deploraveis.

(Não lhes restava já, dizem elles dos francezcs d'en- tão, senão os olhos para chorar; e temos de acreditar na realidade das suas desgraças, confirmadas por tão nobres testemunhas. Foi neste estado que LUIZ xrv dei- xou o nosso paiz. Até ao ultimo momento o seu minis- tcrio tinha vivido de expedientes miseraveis. Viu-se obrigado a multiplicar empregos ridiculos para tirar alguns recursos dos novos titulares; e em quanto a In- glaterra e a Hollanda emprestavam a tres por cento, os corretores faziam pagar ao rei da França a vinte e até cincoenta por cento. A enormidade dos impostos tinha morto a agricultura, exhaurindo as forças da terra, que chegou mesmo a não ter quem a cultivasse: o commer- cio tinha-se tornado quasi nullo: a industria enfraque- cia-se por causa da expulsão dos protestantes, e pare- cia condemnada a perder todas as conquistas devidas ao genio de COLBERT. B

Nestas poucas palavras traçam VAUBAN e BOISGUIL- BERT eloquentemente o estado miseravel a que chegou a França com o governo d'esse homem, d'esse rei que dizia: - o Estado sou eu. - Estas desgraçadas cir- cumstancias foram em parte devidas ás numerosas e frequentes guerras promovidas por Lmz XIV, e em parte

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ao seu systema de impostos, que empobreceu a nas50 sem enriquecer os thesouros do rei.

A alma generosa de VAURAN não lhe permittia olhar a sangue frio para os soffrimentos da patria; e o seu espirito illustrado procurou remediar os males que afni- giam o seu coração: -as desgracas da patria, que elle queria e desejara a todo o transe evitar.

pelas investigações que tenho podido fazer, diz VAUBAN 1, notei que perto da decima parte da populaçt-io está reduzida á mendicidade, e mendiga com effeito; ~ U C das nove partes restantes não ha cinco que possam dar esmola á classe que mendiga, porque ellas mal tem para si, e das outras quatro, tres estão sobrecarregadas de dividas e processos, e só uma portanto, em que en- tram todos os ecclesiasticos, magistrados, militares e leigos, não lucta com os liorrores da miseria.~

Foi isto que VAUBAN quiz remediar, mas, doloroso é confessal-o, não conseguiii realisar completamente os seus generosos intuitos. Todavia animado de zelo pelo interesse da causa publica condemnou, como COLBERT, a desegual repartição dos impostos, que eram o maior f1;igello do seu tempo, e censurou os privilegias e isen- ?fies de que gozavam as classes mais ricas. Nestes intui- tos propoz um imposto unico e geral de dez por cento eiii generos para a producçáo agricola, ou em moeda sobre outro qualquer rendimento.

Para comprehendermos bem quaes eram as vistas

1 Projet d'une dime royale, i707.

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de VAWAN em materia de impostos, achamos conve- niente transcrever para aqui o que a este respeito elle escrevia na sua obra já citada.

(Nenhum Estado póde existir se os subditos o não sustentarem; ora este sustento comprehende :todas as necessidades, para as quaes todos são obrigados a con- tribuir. D'aqui resulta: primeiro, uma obrigaciio natu- ral para os subditos, de todas as classes, de contribui- rem em proporção do seu rendimento ou da sua in- dustria, sem que nenhum se possa razoavelmente dis- pensar d'ella; segundo, que é suffiçiente, para auctorisar este direito, ser subdito do Estado; terceiro, que todo o privilegio neste objecto é injusto e abusivo, e nem póde nem deve prevalecer em prejuizo do publico I. D

Como se vê, VAUBAN acceita o imposto sobre o ren- dimento,, e defende o principio altamente democratico da generalidade do imposto, porque obriga ao seu paga- mento todas as classes, o que foi uma grande reforma, mas de difficil realisação por ir ferir os privilegios das classes aristocraticas, que não pagavam o imposto, e por se fundar em principios que nem todos os econo- mistas e financeiros acceitavam.

#Havia no seu projecto de reforma muitas medidas impracticaveis, mas as maximas fundamenlaes, em que elle se apoiava, honram ao mesmo tempo o seu juizo e o seu caracter ... Mas não é sómente nestas qualidades financeiras que brilham a razão superior de VAUBAN e

1 Cit. pelo Sr. Dr. Jardim.

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31 - o seu amor ardente pela humanidade; acham-se nas mais pequenas minudencias o administrador habil e o economista esclarecido I. n

É este o juizo altamente lisonjeiro que BLANQUI faz de VAUBAN e das reformas por elle intentadas. Foi elle o primeiro publicista (antes d'elle não conhecemos ou- tro) que ousou defender a ideia util e grandiosa d'um imposto unico, geral sobre o rendimento.

Se os resultados não foram de accordo com as suas previsões, nem com os seus desejos, foi isto devido não á injustiça ou inconveniencia das suas reformas, mas ao estudo deploravel da Franqa, ás desgraçadas circum- stttncias em que a tinha deixado o governo de Luiz XIV.

A França tem sido verdadeiramente o theatro em que tCm representado os grandes homens. Alli se têm operado as grandes revolucões, alli começam ou se ge- neralisam as mais importantes reformas Na edado media a França é o centro de todas as forças vitaes da Europa occidontal. É a patria dos grandes philosophos, ALIEILARD, DESCARTES, MALLEHR .INCHE, ROUSSEAU, VOLTAIRE, D'ALEMHERT, etc. ; dos grandes estadistas, economistas e financeiros, SULLY, VAUBAN, COLBERT, TURGOT, etc.; é numa palavra a nação que exerce uma influencia mais pronunciada na direcção intellectual da Europa e, tal- vez, da humanidade, porque as suas instituições, as

1 Blanqui, Histoire de l'&conomie Politique, tom. 2, cap. 27, pag. 14. Quand la Providence veut qu'une idée embrasse le monde, elle

i'allume dans l'âme d'un français: -LAMARTINE.

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suas revoluções, as suas ideias vão reflectir-se em todas as nações que a ella se prendem mais ou menos pelas relações de commercio intellectual.

As tentativas de reforma emprehendidas por VAUBAN não produziram resultado, mas nem por isso as tenta- tivas cessaram, porque tambem não melhoraram as condições do thesouro nem as do povo francez.

Com o fim de dar um impulso energico á industria fraiiceza, e assim levantar a França do estado de aba- timento em que jazia, COLBERT estabeleceu ern França o systema mercantil, que contribuiu para o desenvol- vimento immediato da industria franceza, mas que trouxe comsigo, logo que elle se estabeleceu tambem nas outras nações', o pauperismo, a guerra das alfan- degas, as crises commerciaes e a carestia de todos os productos, que a Providencia semeou, por assim dizer, sob nossos passos '.

Em materia de finanças o systema mercantil deu origem ao systema dos monopolios e das pautas, e por- tanto á adopção de contribuições indirectas, como fon- tes de renda para o Estado.

Tantas reformas empreliendidas sem resultado, tan- tas tentativas de melhoramento sem conseguir os fins dcsrjados, fizeram desanimar os homens mais esclare- cidos, dc sorte que, em seguida ás desgraçadas tealali-

1 Au tarif de 1667 les Hollandais répondirent, en 1674, par Ia pro- nibition des vins et des eaux-de-vie de France:-B~~x~ui cit.

2 Carey, Principes de ia Science Sochle.

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vns (te LAW, uns deploravam a ruina das maiiufacturas fundadas por COLBERT, outros lembravam a maxima de SULLY-lahourage et patiirage sont les n~nuielles de rÉtat;-mas ningucrn se atrevia a prop6r qualquer medida, ningucrn ousava apresentar qualquer reforma, porque os poucos e, por vezes, funestos resultados das experiencias anteriores niio davam coragem ainda aos mais bellos espiritos para se atreverem a emprehender a reorganisação das finanças.

Todos comtudo recordavam os principios de SULLY; e era para a agricultura, para a terra, fonte de todas as riquezas, de todos os productos, que se voltavam os olhos de todos. É ella, a mãe commum, que nutre e veste o pobre e o rico, o marinheiro e o hotnem de Es- tado, o escravo e o senhor, o analpliabeto e o homem de letras.

Tinha-se julgado que o dinheiro era a unica, a ver- (1;rclcira riqucza, a riqueza por excellcncia, e que, mul- tiljlicando o papel que o representava, se multiplicava, por conscqucncia, a riqueza. Mas a carestia dos gene- ros alirneriiicios, a perda do credito pelo descredito do papel-moeda, desenganou todos, ainda os mais cegos; e o svstema mercantil cahiu, passando do enthusiasmo corn que foi acceite a ser objecto de aversão: do fana- tismo passou-se á incredulidade.

É sempre diiiicil evitar os extremos, e aqui não se evitaram.

Este estado de cousas deu logar ao systema dos eco- nomistas.

Appareceram 03 physiocratas quando veio Qwsnau 3

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que, com todos os da sua eschola, procurou facilitar n recepção das contribuições e reparar os males que n França soffria, para o que propoz uma nova doutrina em materia de imposto.

Pensando que só da agricultura provem os meios de subsistencia para o individuo e para o Estado, vendo que da terra se extráe a materia prima de todas as in- dustrias, sustentou que a agricultura é a unica fonte de riqueza, e cluc só ella portanto deve occorrer ás tlcs- pesas do Eslado, s6 ella deve pagar os impostos.

O rendimento livre da terra é a materia collectavel segundo todos os physiocratas: é um imposto unico proporcional á massa do rendimento da nação. N'um opusculo de QUESNAY, Maximes gdndrales du gouverne- ment écononzique ú'un royaume agricole, é que bem se revelam as tendencias d'esta eschola. As maximas dc QUESNAY dizem mais respeito á ordem politica do c~uc á economica, mas traduzem o seu pensamento em Eco- nomia e em Finanças.

As intençaes dos physiocratas foram excellentes; to- davia não podemos deixar de confessar que os pririci- pios são falsos.

A terra não é a unica fonte de riquezas; e A. SIIITII t; SAY não escreveram, por certo, mais hellas paginas do que aquellas que consagraram a demonstrar que n in- dustria e o commercio são tambem fontes de riquczn.

Sem a mão poderosa do homem que revolve a terra e a fecunda, sem os esforços que elle emprega na nr- roteação e drenagem, a terra ficaria esteril, produziria espinhos c cardos, na phrase d'um escriptor nosso.

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Sem a serra e sem o malho as madeiras c, os metaes, que tanto contribuem para o bem estar do homem e para a riqueza d'uma nação, seriam riquezas perdidas.

Se as rnáos habeis do artista não preparassem, amol- dassem e accommodassem o ferro aos usos da vida, este metal ta0 valioso para a industria seria perfeitamente inutil. E dir-se-ha que os trabalhos do artista que abre a serra, que aperfeiçoa o malho, que constrúe a ma- cliintl szo trabalhos irnproductivos? Não, nao pode ser.

O mineiro que das profundezas da terra extráe o metal, o artista que o accommoda aos usos da indus- Iria, o agricultor que cultiva a terra, o industrial que prepara a 13, a seda e o algodão, o commerciante que transporta as mercadorias, o estadista que dirige o lcrne do Estado, e até o sabio que no remanso do seu gabinete investiga as leis naturaes e sociaes, todos são productores.

Não é, pois, a terra a uriica fonte de riqueza; a in- dustria e o commercio são fontes, e fontes abundantis- simas da riqueza nacional.

As riquezas de Veneza e de Genova, os progressos industriaes da Grã-Bretanha, provam exubcrarltemerite a falsidade dos principios da eschola physiocrata.

Na0 queremos com isto dizer que esta eschola n5o ensinou alguns principios verdadeiros, e que eila n5o contribuiu para o progresso social e scientifico. Longe de nós tal ideia. A liberdade de commercio e de in- diistria, o ronipimento das barreiras, a morte das al- í':iiidegas e dos monopolios, são devidos aos scctarios

I

do - luisser faire, laisser pmser. -

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llemonstrado como fica, e parece-nos que ninguem hoje o contesta, que a terra não é a unica fonte de ri- queza, cremos poder concluir logicamente que o im- posto não deve recahir exclusivamente sobre o rendi- mento liquido da terra, como prctendiam os physio- Gratas.

Estava reservado ao grande genio de A D A ~ ~ SMITH es- tabelecer a este respeito os verdadeiros principios da sciencia. Todo o trabalho é productivo de riqueza; por- tanto todo o rendimento livre do trabalho deve estar sujeito ao imposto.

Os physiocratas não reconheciam poder productivo senão na terra: ADAM SNITII achou este poder no traba- lho, e d'esta ideia luminosa, como diz BLANQUI, fez sal- tar as consequencias mais imprevistas e as mais de- cisivas.

(SMITH resumiu o seu pensamento, dizendo qiie o trabalho actual d'uma nação é a origem dos meios ne- cessarios para o seu consumo annual e para as cornmo- didades da vida, meios que ou são o producto imme- diato do trabalho, ou são comprados a outras nações com esse producto. D'este modo admittiu para base do imposto ou para materia collectavel todo o trabalho re- presentado nos seus productos, isto é, no rendimento de toda e qualquer industrial.#

Os principios de ADAAI SMITII foram acceitos pel;t maior parte dos economistas que lhe succederam. To-

1 Sr. Dr. JARDIM, Principioa de Finuqas.

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davia dois escriptores distinctos impugnaram ultima- mente com todo o peso da sua logica e com todos os recursos da sua erudiçao, a theoria do imposto sobre o rendimento livre, ensinada por ADAM SIIT~I, defendida por seus discipulos, e acceita com leves modificações por STUART MILL.

Um dos escriptores a que nos referimos é É. GIRAR- DIN, qiie no seu livro-L'impot-affirma que o im- posto, como existe, confunde, perturba, interrompe e desvia o curso natural das cousas para crear um curso ficticio e perigoso: o outro escriptor é MENIER, illus- trado industrial de Paris, que no seu livro-L'impdt sur le capital- defende, como GIRARDIN, a ideia d'um imposto unico sobre o capital.

Examinemos os principios d'estes dois escriptores. É s i ~ e GIRARDIN abre o capitulo - Do imposto sobre

o capital-com um hymno enthusiastico a favor d'este imposto, porque não despréza, como o imposto sobre o rendimento, os valores moveis, os quaes, importantes como capitaes, são nullos como rendimentos.

É. Gi~*nnin, fazendo o parallelo entre o imposto so- bre o rendimento e o iniposto sobre o capital, conclue dando prcferencia ao imposto sobre o capital.

Não podemos acompanhar o illustre financeiro nas considerações ern que entra para chegar a uma tal con- clusão. Refutaremos simplesmente os pontos capitaes da sua theoria ácerca da materia collectavel.

Para mostrar as vantagens do seu systema diz E. CIBARDIN: (Tomae para base do imposto o capital; o que não circulava, circula immediatamente; o que dor-

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mia, acorda; o que girava, redobra d'esforços; o cre- dito estimula-se; o capital não pode permanecer inerte e improductivo um instante s t , sob pena de ser offcn- dido. (É condemnado a uma actividade forçada. B

O imposto sobre o rendimento, diz por outro Indo GIRARDIN, r dirige-se ao futuro, suppõe um salario de que não ha certeza, um lucro que póde não ter realidade, uma renda que póde nua ser paga. D

Assim resume CIRARDIN as vantagens do imposto so- bre o capital, e os inconvenientes do imposto sobre o rendimento.

Vejamos se a observação dos factos confirma as as- serçõcs do illustre financeiro.

O imposto nunca dcrc ferir a circulação, porque quanto mais rapida ella for, maior será a producçáo. Ferir, pois, a circulação seria o mesmo que ferir a pro- ducção. São proposições adrnittidas por todos os eco- nomistas, que nos abstemos agora de demonstrar.

Sendo assim, o imposto sobre o capital tenderi a desinvolver a circulação, como affirma GIRARDIN, OU

tenderá a retardal-a? Parece-nos que o imposto sobre o capital fere a cir-

culação em logar de a activar; e, se conseguirinos mostral-o, teremos provado que não deve acceitar-se a theoria de GIHARDIN.

Os cnpitaes dormentes sahirão da sua inactividade, n90 quando tenham a esperal-os o gravame do imposto, mas quando possam sahír de casa dos capitalistas sem ohstaculo, e quando os seus possuidores tenham a cer- teza de que, se os não auçmentarem com o rendimento,

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tamben~ os não diminuem com o imposto. Esta é que é a verdade.

Lnncae o imposto sobre o capital, e, se cste até alii não circulava, se jazia escondido nos cofres, d'aiii por deante mais se ha de recatar para fugir á acção do fisco, ao gravame do imposto.

Pelo contrario, deixae os capitacs sem peias para poderem circular, offerecei-lhes boas collocações, gsran- ti-os, desviae tudo o que possa obstar ao seu curso, e os cofres abrir-se-hão immediatamente, os capitaes co- meçarão a circular, e a riqueza a auginentar com o augmento da producção.

Podemos, pois, dizer com o Sr. Dr. OLIVEIRA VALLE: anão acceitando o imposto sobre o capital, taxada outra qualquer materia collectavel, podia aqtielle circular á vontade, porque o peso das contribuições não lhe vinha afrouxar o movimento: livre do imposto, havia de gosar os effeitos da liberdade; se não circulava, havia de cir- cular; se dormia, havia de acordar; se girava, havia de redobrar de esforços.

h a lei da offerta e da procura que regula a circu- lação dos capitaes, e não o lançamento do imposto. Quanto menos obstaculos encontrar, quanto maiores forem os seus proventos, mais rapida ha de ser a cir- culação. O imposto sobre o capital produz effeitos con- trario~ aos que esperava GIRARDIN.

Esta theoria nfío merece os enthusiasmos com que a elogia o seti auctor, antes é iniqua quando vai ferir valores moveis que não rendem, os quacs o imposto havia de ir diminuindo até aniquilar de todo.

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O imposto sobre o capital dirige-se, segundo G 1 n . i ~ -

DIN, ao futuro, mas é a um futuro cheio de ruinas c de miserias, e não a um futuro prospero, porque faz re- tirar os capitaes da circiila~ão em vez de os obrig:ir a uma actividade forçada, como pretendia GIRARDIX.

O imposto sobre o rendimento, pelo contrario, re- speita os capitaes, respeita as necessidades do indivi- x

duo e da familia, e ao mesmo tempo fornece os recur- sos indispensaveis ao Estado.

& certo que o rendimento, quer elle proceda da pro- priedade, quer do capital movel, quer da industria, é mais ou menos desconhecido, e por isso o imposto tem de assentar sobre uma base mais ou menos incerta e indeterininada. Mas nesse caso o que convem é estndar os meios de conhecer o rendimento livre, procurando determinar com precisão o facto indicativo d'esse ren- dimento, sobre o qual ha de assentar o imposto.

E o imposto sobre o capital estará isento dos in- convenientes com que se argumenta contra o imposto sobre o rendimento? Não haverá a mesma, se não riiaior incerteza, na sua base? Poderão conhecer-se com prc- cisão todos os capitaes sobre que ha de recahir o im- posto segundo esta theoria?

Pensamos que não. É talvez mais facil esconder os capitaes do que es-

conder o rendimento, e a prova d'isto é que a nossa legislação tem procurado por todos os meios fazcr com que o imposto-decima de juros-seja paço como o ordena a lei; e, entretanto quantos capitaes mutuaclos deixam de pagar esta contribuição!

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Temos, pois, visto que o imposto sobre o capital, como o queria E. GIRARDIN, ncrn está isento dos iri- conrcnientes clac se attsibucm ao imposto sohre o ren- dimento que defendemos, riem tem as vantagens que o illustre publicista lnrgarnente enumera.

110 imposto, servindo de aguilhzo á actividade do honiein, seria o verdadeiro sup1)licio de Tantalo: o 110- mem c a sociedade devem trabalhar para viver, e não viver para trabalhar, para sustentar uma guerra inces- sanrc, aniquiladora e sem tregrias )

Ultimamente a theoria tlo iriiposio sobre o capit:ll encontrou um strenuo defensor erii MGNIICI~, industrial e membro da camara do commercio de Paris.

Este escriptor, na sua obra que temos citado mais d't~ma vez, corneça por dar a concepção do iinposlo no pussutlo, durante a scvolução e na scicncia economica, e por Tirn, definindo o imposto como já vimos, assenta toda a sua thcoria na definição por elle adoptada. '

Já fizemos ver os inconvenientes que derivam d'este motlo de estudar o imposto.

MENIER sustenta que o imposto não deve impedir a circulação, deve ser real e não pessoal, não deve estor- var a liberdade do traballio, e deve ser unico e de- finido. A estas regras, segundo affirrna MENIER, s6 sa- tisfaz o imposto lançado sobre o capital total d'uma nação.

Já mostrámos a falsidade ù'alguns principias em que

1 Sr. Dr. JARDIM, Principias de Finanças.

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MEMER sustenta a sua theoria, porque elles são os mes- mos de que se serve GIRARDIN. O iniposto não deve cs- torvar a circulação nem a liberdade do trabaltio. Accci- tamos plenamente esta maxiina, mas ella é a condeirinn- ção da propria theoria de MENIER, porque, corno 1110-

strámos, o imposto sobre o capital estorva a circula- ção, e tcndc a coiiservar dormentes os capitaes, apesar das ontliusiasticas exclaniaç~es de É. GIRARDLI.

MENIER tambem acccita o principio de que o imposto não deve ferir a circulação, chegando mesmo a ttfirniar que a producção está na razão geomeirica da rapidoz da circulação, principias que podemos acceitar sem re- ceio, porque são verdadeiras leis scientificas estabcle- cidas pela observac;áo e pela expericncia. O imposto sobre o capital, porém, esta longe de satisfazer a estes preceitos.

A circulação é tanto mais rapida, quanto menores fo- rem os estorvos que os capitaes encontrarem na circu- la~ão , e ninguem desconhece, pelo menos já nós o de- monstrámos, que o imposto, quando lançado sobre o capital, em vez de o excitar á actividade, antes o con- serva dormente.

MEXIER esforça-se !por mostrar que o imposto sobre o capital, longe de obstar á circulação, a desinvolve e activa. O imposto, diz elle, é em ultima aiialyse pago á custa do capital fixo, e não pelos rendirricntos d'elle quc ainda não nasceram. Todavia não acontece assim, porque o imposto é pago sómente quando se presume que o contribuinte tem recebido o rendimento dos seus capitaes; e além d'isso o contribuinte, para satisfazer o

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imposto, não vai lançar m5o dos seus capitaes fixos, mas sim dos seus rendimentos, e, em casos anormaes, dos capitaes circulantes.

O imposto sobre o capital tern por effeito necessario a reducção d'elle, quando os contribuintes o conservem na inactividade, por não os poderem collocar com van- tagem e segurança.

Respondendo aos que combatern o imposto sobre o capital, MENIER diz que este imposto não estorva a circulação, deixa-a coiripletamentc livre, dcsapparece deante d'ella, de modo a n2o a impedir por fhrma al- guma. Assenta sobre uma base fixa-o capital fixo1.

É porém certo que, apesar de todos os seus esforços, o illustre economista 1150 consegue salvar a sua theoria do grave defeito que Ihc apontámos-o imposto sobre o capital obsta á circulação; -e por isso procura sal- var-se affirmando que o imposto que defende não fere a circulação, porque ha de ser lançado sómente sobre os ~api~taes fixos.

D'esta sorte os capitaes circulantes, a rnoeda que anda no giro cornrnerciul, ficam isentos do imposto, e todavia s%o egualinente garantidos pelo Es~ado. Além d'isto o irnposto, mesmo quando lançado sobre os ca- pitaes fixos, fcrc a circ~1a.çã.o do mesmo modo que sobre os circulantes, como já tivemos occasião de mostrar.

Para justificar a sua theoria, e ao mesnio tcmpo rc- sponder ác~uclles adversarios que affirrnam que o irri-

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posto sobre o capital nunca se estabeleceu em parte nenliuma, o illustre industrial de Paris faz uma larga reserilia das naçaes em que, coin mais ou menos exito, elle se estabeleceu. O que MESIER, porém, dcvia fazcr era mostrar que nos estados em que elle se estabe1ec.e~ produziu bons resultados, e quc o imposto sobre o ren- diiricnro não os produziria. Sú assim é que o seu argu- mcnto scrin concludcntc. htac n5o o fcz, nem o podia fazcr, porque o imposto sobre o capital nso produziu os resultados que MENIER prevê que resultarão de ta1 syst~rna, pois elle proprio confessa, para just,ificar as irregulariiladcs d'cstc imposto nas republicas italianas, no Gran-Ducado de Rade, na Prussia, ondc se cstabc- leccu, que não produziu o que d'elle ha a cspcrar, por sc actiar ahi mal orçanisada.

Alguns escriptores objectaram a MENIER quc O im- posto sobre o capital nao rccalie sobre os pequenos ca- pitncs; que aniquila o capital sobre que recahe, qiiarido estc é improductivo; que isenta do imposto o capital rcprcscntado pelas faculdades do homem; e que pune e siipprime o capitalista, e expulsa os capitaes para o extrangeiro.

O illustre polemista procura responder a estas ob- jecções, mas a nosso ver não o consegue, como mostra- riamos, se nos fosse possivel alongar este trabalho.

Rejeitamos, pois, o imposto sobre o capital, porque é inicluo, porque nuo fornece ao Estado os recursos nc- cessarios, sendo moderado como não podia deixar de ser, e porque fere a circulacão e a produc@o.

Outros escriptores t&rn apresentado para base do

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imposto oiitros factos. N;?o entramos em largas conqi- derações ácerca.d'essas theorias, as quaes se acliain ale certo ponto rcfutatlas 1)clos priiicipios que até aqui 16- mos aprescnladu, porque nos falta o tempo, e a natu- reza d'este trabalho nos nzo permitte entrar em largas explanações.

Rejeitamos a tlieoria de REVANS, que escolhe para base do iiriposio as despesas, porque estas são dcs- conhecidas, indeterminadas, e variam de familia pai-u familia.

Não acceitainos a de TELLIER, que prefere o imposto unico sobre as mercadorias, porquc é lambem uma h:uc dc todo o ponto indcterminail;~ e dificil de conhecer.

Egualmente não admittimos as theorias que prcten- dein tissentar o imposto sobre os objectos dc consumo, ou sobre as transmissões por titulo gratuito. Ambas s30 injustas, porque isentam do imposto muitos cida- d%os quc podem e devein coii~ribuir. Accresce a isto que a prirneira é de dificil execução e perigosa; a sc- gilndu é injusta, e por certo não fornece ao Estado os recursos indispensareis de que carece.

Os principias que temos estabelecido levam-nos á scguiiite conclusão :

Acceitamos para nzatcria collectavel o rendifuento li- urc, determinado como ensina STUART MILL, i. é: exce- ptuundo do pagamento do imposto um mini)ntim ne- cessnrio para satisfazer cis primeiras necessidatles do individuo e da familia.

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Admittindo como base do iinposto o reridiriiciilo li- vre, parccc cliie cllc tlerc srr unico, pelo menos, na sua base; todavia todos os ccoriornistas e fjnancciros, incsmo os qiic defenrlcin a ideia do imposto unico ou o con- sidcram como o ideal a que devem tender os csfor- $os dc todos os economistas, financeiros e cstatlistas, alwestmtam differentes classifica~óes dos impostos. Taes classifiçaçõcs s'io necessarias aos economistas para es- turlarem as condições em que devem estabelecer-se os i~npostos e os seus effeitos sobrc a riqueza publica e particular; aos financeiros para detcrrninarcm o modo dc lançar os impostos dc maneira a fornecerem ao Es- tado os recursos de quc elle carecc sem estorvo da cir- culaçáo c da prodiicyáo; e aos estadistas servem estas classificações para podercrii confeccionar corn mc\ltiodo os orçamentos de receita e despesa do Estado.

Se consultarmos as obras dos mais auctorisados cco- nomistas e financeiros, chegamos á conclusáo de cjtic totitis as classific:i~óes sso mais ou menos arbitrarias e caprichosas.

Uns toinarn para base da sua classificação n. materia collectavcl, outros a iricidencia, outros o modo de lan-

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çarnento do imposto, e outros ainda as fontes do ren- dirnento, e dc certo que não são estes os que mais ar- bitrariamente classificam o imposto.

GARNIER apresenta as seguintes classificações do im- posto 1 :

Em relação ao lançamento e á pessoa a quem se pede, divide o imposto em directo e indirecto;;

Em quanto á base da taxação, em pessoal e real; Em relação á materia collectavel: em imposto sobre o

cnpital e imposto sobre o rendimento '; Em quanto ao modo de cobrança, cm imposto de

yuotidade e imposto de repartição; ou em irnpostos in- directos e monopolios financeiros; em fixos, proporcio- haes e progressivos;

E em quanto aos effeitos da incidencia, em impostos de repercussão e sem repercussão.

A analyse detida d'esta classificação levar-nos-hia a rejeital-a, porque ern alguns dos seus differentes ramos é incompleta, arbitraria e sem fundamento, coino quasi todas as classificações que se costumam apresentar.

DE PARIEU classifica os impostos em cinco categorias: irnpostos sobre as pessoas, sobre a riqueza, sobre os gosos, sobre os consumos e sobre os actos.

Se consultassemos outros esçriptores, aclinriairios ou- tras classifica~óes, quasi todas baseadas em concepc.õcs abstractas e não na realidade dos factos, porque aqui,

I J. Garnicr, Traiti drs Filzanres, cnp. 8. 2 Esta cIassifica~5u nlío e con~plvtil.

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como em muitos outros ramos das sciencias sociaes, do~iiina mais o arbitrio, o capricho e as conveniencias, do que a simples observação dos factos, a qual levaria a resuliados mais seguros.

Demonstrado, como julgarnos que fica, que o imposto deve scr Ian~ado sobre o rendimcnto livre, qualquer classificação dos impostos que não attenda a esta base deve ser rejeitada; porcluc, cm nosso entender, o im- liosto deve ser unico e real ria sua base, directo na in- cidencin, e proporcional nu fhrrntl de Iai-içamento. Todo o imposto que não estivcr nestas circumstancias deve ser rejeitado.

Ra uma classificação dos impostos que tem sido ad- inittida por economistas c financeiros, sustentada pelo uso, e consagrada pela adopç3o official nos orçamcnlos dos differcnics estados: é a classificação dos impostos ein directos e i,zdirectos, que tkm atlinittido qiiasi todos os cscriptores, e de que se têm servido os ministros ria confecção e organisação dos orçamentos de receita.

Esta classificação é officialmente rcconhecida nos orçamentos de Portugal, Hespanha, França, Inglaterra, IIollanda, e em muitos outros estatlos: lern alguma iin- ~)ortancia, c muitos pretendem jusiifical-a fundando-se para isso em varias considerações.

Vejamos o que ha de ~crtlndeiro nesta classificnção, que, diga-se a verdade, tem a varitng(\~n c l ~ se accoin- inotlar ao actual estado financeiro das nossas socie- dades.

O que é o imposto directo? O que é o imposto in- directo?

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Apesar da consagração classica e official d'esta clas- sificação, se assim nos podemos exprimir, os economis- tas e financeiros não chegaram ainda a um accordo quando tractam de precisar a differença entre os impos- tos directos e os indirectos.

Assim, para uns é directo o imposto quando o con- tribuinte o paga por sua propria conta, e indirecto o que elle apenas adianta ao Estado e depois vai rehaver d'outrem. Para ouiros é directo o imposto que assenta immediatamente sobre o rendimento presumido, e in- directo o que assenta sobre certa especie de consumo, em que ha de empregar-se o rendimento

J. I?. BORGES, nos seus Princijios de Syntelologia, chama directos aos impostos que immediatamente re- cahem sobre o reddito ou capital; e indirectos, aos que recaliem sobre a despesa, aos que se pagam pela liber- dade de usar de certos artigos, como os das alfandegas, ou pelo exercicio de certos privilegios.

Como se v6, os escriptores de sciencia economica e financeira ainda não poderam marcar com precisão as diiTerenças, as qualidades caracteristicas d'uns e d'ou- tros impostos.

Cada qual adopta uni criterio, e o resultado é que os estadistas que seguem esta classificação na confecção e organisação dos orçamentos se acham no mesmo em- baraço e na mesma incerteza.

Qs impostos que n'um orçamento são havidos conlo

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directos podem sel-o e são-no, com effeito, tidos como indirectos n'outros orçatnentos.

Logo examinaremos debaixo d'este ponto de vista os tres primeiros artigos do nosso orçamento.

Sem querermos dizer que não offereçam algumas du- vidas as seguintes definições de impostos directos e indirectos que adoptamos, parece-nos que se póde es- tabelecer que o imposto é directo quando pésa sobre um contribuinte nomeadamente designado, e é exigido periodica e regularmente; e indirecto, o que assenta sobre um facto e não sobre uma pessoa, o que pésa im- mediatamente sobre o contribuinte na occasião d'esse facto, sem continuidade nem periodicidade regular, como um consumo, uma adquisição I.

São estas as principaes caracteristicas dos impostos directos e indirectos. É este o criterio que escolhemos para os distinguir uns dos outros, por nos parecer que este criterio é o que involve menos dificuldades, e o que melhor caracterisa cada uma, das differentes espe- cies de impostos.

Todavia o criterio que escolhemos está longe de satisfazer completatiierite. Esta classificação, a nosso ver, qualquer que seja o criterio que se escolha, quaes- quer que sejam as caracteristicas com que se pretendam marcar as differenças entre os impostos directos e in-

1 Estas dcfiriiyòcs :icharri-so em Dufour, Broit Administratif ap- pliqué, n."830, e em De Gerando, Inalitutes du Droit Admi,nislratif panpis, n.@ i349,

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directos, apresenta graves duvidas, e está sujeita a se- rias contestaçóes. As discussões entre os escriptores que se occupam d'esta materia são antigas, e ti de sup- pbr que s6 terminem, quando os chamados impostos indirectos desapparecerem dos orçamentos, porque é essa a tendencia geral que se nota em todos os povos em progresso.

Imposto directo e iunico-tal deve ser o ideal que devem procurar realisar economistas, financeiros e es- tadistas.

No primeiro periodo das sociedades predominam os impostos indirectos, porque por meio d'elles melhor podem os senhores explorar os escravos; mas á medida que augmenta a riqueza e a população, que se esta- belece a diversidade de profissões, e que diminue a proporção do capital move1 com o capital fixo, os im- postos indirectos tendem a desapparecer ; e, a crermos no progresso social, é de presumir que elles um dia des- appareçam de todo, sendo substituidos pelos directos, os q~iaes representam a liberdade, a solidariedade na- cional e a cooperação de todos no progresso da nação.

Os impostos indirectos, como afirma CAREY, O dis- tincto economista americano, denotam barbaria, e os directos significam civilisaç'io.

A historia confirma a verdade d'esta observação. Em Athenas, na Italia, IIollanda, Turquia, Sicilia, Inglaterra, houve uma epocha em que em cada uma d'estas naçóes predorriiiiavam os impostos indirectos; então os homens eram cscravos, e a escravatura dest:nvolvia-se: houve outra epocha em que predominavam os impostos dire-

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ctos, e então os homens eram livres, e a escravatura restringia-se.

Infelizmente, porém, os estadistas ainda hoje invo- cam a celebre maxima do Duque de Gaeta, quando es- tabelecem novos impostos, o que bem mostra o estado de ignorancia, e portanto de escravidão do povo, que paga e soffre.

Os impostos indirectos thm sido violentamente com- batidos pelos mais distinctos economistas e financeiros, e, todavia, com esta ou com aquella fórma, com este ou com aquelle nome, ainda são admittidos em todos os orçamentos.

Como se 16 na Dissertaçüo Inaugural do Sr. Dr. OLI- VEIRA VALLE, OS impostos indirectos são alcunhados de prejudiciaes ao consumo por VAUBAN e GIRARDIN, de ini- quos e injustos por ROUSSEAU, de fraudulentos por MON- TESQUIEU, de degradantes para as classes operarias por BUCHANAN, de deseguaes, injustos e desanimadores para o povo por SCIALOJA, de improporcionaes pelo Barão de ROEDERER, de immoraes por SAY, de desanimadores para a industria por SMITH, de impoliticos e absurdos por GARNIER, de desmoralisadores por PROUDHON!

É este o juizo que as primeiras auctoridades da sciencia fazem dos impostos indirectos. É um quadro aterrador. Se em vez de declamações mais ou menos sonoras, estes escriptores procurassem descobrir um meio de os substituir como fonte d'uma larga receita, talvez que já elles não existissem.

Mas, sendo os impostos indirectos por tal fórma con- demnados pelos primeiros economistas, porque é que

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existem ainda? Para que se admitte a classificação dos impostos em directos e indirectos? Porque se não pro- cura banil-a dos livros da sciencia e dos orçamentos do Estado? Qual será a importancia economica e financeira d'esta classificação?

Os impostos indirectos são na maior parte dos orça- mentos a fonte mais larga das receitas publicas, e é por isso que, apesar de todas as prescripçaes da sciencia, elles ainda são admittidos e defendidos. Os economis- tas, os financeiros, e todos os que têm escripto sobre este assumpto, adoptam esta classificação para estuda- rem o melhor modo de estabelecer aquelles impostos, que só uma imperiosa necessidade justifica ou desculpa.

Os estadistas acceitam-nos, porque são os mais con- formes com a maxima do Duque de Gaeta: (o melhor imposto é aquelle, cujas fórmas dissimulam melhor a sua natureza.

Devemos, porém, esperar que os impostos indirectos deixarão de representar um dia o papel que ainda hoje representam como fonte de receita. Quando tal se con- seguir, a sciencia terá feito uma grande conquista!

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Para comple~armos este trabalho, quc nos esforçámos por apresentar como o permittem os nossos limitados reciirsos intellectuaes, falta-nos apenas fazer a analyse e a critica dos tres primeiros artigos do rendimento do Estado, segundo o orçamento geral para o exercicio de 1878 a 1879, com relação á classificação dos im- postos em directos e indirectos, e dizer quaes os impos- tos ahi mencionados que est5o merecidamente incluidos entre os directos e quaes entre os indirectos.

Muito havia que dizer a este respeito, mas limitar- nos-hemos a dizer muito resumidamente quaes os im- postos que consideramos como directos e quaes como indirectos.

É facil de ver-se que a resolução d'esta questão de- pende do criterio que se escolher para precisar a diffe- rença entre as duas classes de impostos ; e por isso o que naturalmente se nos offerece a examinar primeiramente é o criterio adoptado pelo Ministro da Fazenda na con- fecgáo do orçamento.

Não conhecemos documento algum official em quc se diga qual é a base da classificação orçamental, porque é de presumir que ella nua fosse inteiramente arbitra-

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ria. Lendo, porém, os tres primeiros artigos do orça- mento, parece-nos que se póde talvez affirmar que na confecção do orçamento que estamos analysando presi- diu a regra de que é directo o imposto que o contri- buinte paga por sua propria conta, :e indirecto o que elle apenas adianta ao Estado e espera rehaver d'ou- trem. Como nós escolhemos outro criterio, chegimos tuiribem a resultados differentes, como vamos ver.

ARTIGO 1.O-Este artigo do orçamento de wceila abrange os impostos que pelo orçamento de 1878 a 18 79 são considerados como directos.

São os seguintes: i." Compensação por direitos de tabaco nas ilhas

adjacentes. -A lei de 17 de maio de 1864, que aboliu o monopolio do tabaco, determina no art 13.' que a differença que houver entre a somma dos direitos de importação e os impostos de licença (para vender ta- baco), e a quantia de 70:0008B;000 réis, em que é corn- putado o actual rendimento liquido do tabaco, será addicionada á verba das contribuiçaes directas.

É um imposto que pésa sobre contribuintes nomea- damente designados e exigido periodica e regularmente, e por isso o consideramos directo.

2." A contribuição bancaria, estabelecida por lei de 9 de maio de 1872, que aboliu os privilegios dos bancos e companhias consistentes em isenção de impostos, su- jeitando a um imposto de dez por cento todos os seus juros e dividendos, é directo, porque se acha nas mes- mas çircumstancias do precedente.

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3." Contre'buição de renda de casas e addicional para viação.-Este imposto é directo pelas mesmas razoes. A lei de 9 de maio de 1872 substituiu a contribuição pessoal por duas denominadas de renda de casas e sumptuaria.

4." Contribuição predial, addicionaes para falhas, viação, despesas do seu lançamento e rendimento appli- ca.vel aos escripturarios dos escrivães de fazenda.- Este imposto é considerado directo por todos os escri- ptores, e até o apresentam como o typo dos impostos directos.

5." Contribuição sumptuaria e addicional para via- ção. -Ambas estas contribuições (a 4." e a 5.") são exigidas a contribuintes nomeadamente designados e em periodos regulares, e por isso as consideramos, com todos os escriptores, como directas.

6." Decima de juros e addicionaes, incluindo o de viação.-E directo pelo mesmo motivo.

7." Direitos de rnercd e addicional para viação. - 8." Emolurnentos consulares. - 9." Emolumentos das capitanias dos portos. - i 0 ." E~nolumentos das conser- vatorias de primeira classe. - i i." Emolumentos das secretarias do Estado, thesouro publico e tribunal de contas.- 12." Emolumentos das cartas de saude.- En- tendemos que os impostos que formam as verbas'7.", 8.", 9.", i O.", I i." e 12." são indirectos, porque pésam sobre o contribuinte por causa d'um facto, e não são exigidos regularmente, mas em periodos irregulares.

i 3 ." Impostos addicionaes a algumas contribuiç6es directas do districto de Horta.-A lei de 20 de junho

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de i864 auctorisou o governo a construir um porto ar- tificial na bahia da cidade de Horta, e a contraliir para esse fim um emprcstimo de 260:000$000 réis, cuja amortisacáo devia ser feita com os rendimentos geraes das alfandegas, e além cl'isso com differentes impostos addicioiiacs, lanyados sobre iliflerenies factos. É a ori- gem d'este imposto, que pcíde ser directo quando lnn- qatlo sobrc a contribui@o predial e indiisti-ial, e in- tlirccto quando r e d e sobre o valor da importuvão e ex- porta@~, etc. A mesma observac;ão podemos frlzer com relaçáo a verba 14:', que é - Impostos addicionaes pelas lcis de 25 de abril de 1857 e 14 de agosto de 1858.

15." Juros da mríra das dicidccs ti f"zenda.- l 6.a dla- tricirlns, cartas e uddicional pura viaçno. - 17." Mul- ctas judiciaes e diversas. - 18." Tres por cento para collectas não pagas bocca do cofre. -Podemos tam- bem chamar indirectos a estes impostos (15.", 26.", 17.", 18."), porque são pagos na occasião de certos factos, por causa d'esses factos, e o seu pagamento, ordinariamente, não está sujeito a periodos regulares.

ARTIGO 2.'-Estc artigo apenas abrange dois im- postos- a Contribuifão dc reyl.lsto e addicional para viaçüo, e o lnzposto do stllo.

Deverão ser considerados como direcios ou como in- directos?

Alguns financciros, e talvez a maior parte, conside- ram-nos cotno dirccios, o que sem duvida depende do modo como dcfinem uns e outros. Todavia nós, fundan- do-rios no criterio que adoptámos para distinguir os

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impostos directos dos indirectos, consideral-os-hemos como indirec.tos, porque assentam sobre um facto e não são exigidos em periodos regulares, nem talvez se possa dizer que assentem sobre o rendimento livre, corno cm theoria queremos que assentem todos os impostos.

ARTIGO 3."-Este artigo abrange todos os impostos consideraclos como indirectos no orçamento.

Não pociemos analysar cada um dos impostos por si, nem expor as consideraçacs que sobre cada um d'elles tinhamos a fazer, porque este nosso trabalho já vai talvez deinasiado longo.

Uiria consideração, poréin, não podemos deixar de fazer, consideração que nos suggere a leitura d'este desgraçado artigo terceiro.

Elle revela claramente o estado desastroso das iios- sas finanyas, as desgraçadas circumstancias do the- souro publico, que se vê na necessidade de impor tudo, desde os generos mais neccssarios i alimentação e ao vestuario até aos actos mais orclinarios da vida do ho- mem. Tudo é collectado. A ludo o Estado recorre para fazer face ás despesas piiblicas, como facilmente se vê pela simples leitura cio artigo que estamos analy- sando.

Deixeinos, porém, estas considerações que nos leva- riam muito longe, e respondamos precisamente á que- stão que iios resta examinar.

Cada iim dos iinpostos incluidos no artigo terceiro do orçariillnto daria logar a vastas considerações. Não as podenios nós fazer, porque nos faltam o tempo e os

Page 55: CADEIRA DE FINANÇASZ'orclre social, o Sr. Dr. VALLE, depois de ter dicto quc a Politica, a Economia e as Finanças são sciencias quc se auxiliam, mas que se nSo confundem, antes

recursos intellectuaes necessarios para apreciar devida- mente os differentes impostos ahi estabelecidos.

Limitar-nos-hemos, pois, a dizer que, lendo com at- tenção este artigo, e consultando algumas das principaes leis que regulam esses impostos, chegámos a conven- cer-nos de que todos os impostos do referido artigo terceiro são realmente indirectos, como o orçamento os considera, porque recahem sobre um facto (o consumo, a importação, a exportação, a entrada e sahida das em- barcações, etc.), e não são pagos em periodos regu- .

lares. Os impostos indirectos representam em o nosso or-

çamento uma grande fonte de receita; e, apesar de grande, ainda existe um deficit superior a 3:083 contos, como se vê pelo projecto do orçamento apresentado ás cortes (camara dos Srs. Deputados) a 25 de janeiro ul- timo pelo Sr. Ministro da Fazenda.

A sciencia condemna os impostos indirectos, e toda- via o rendimento que d'elles provém para o Estado é de 14:284 contos, em quanto quc o rendimendo dos impostos directos é apenas de 6: i00 contos, o que bem mostra quão desgraçado é o estado financeiro de Por- tugal.

Aos homens publicos compete trabãlhar d'alma e coração por melhorar o nosso estado financeiro.

FIM.