cadeia de suprimentos da comunidade pesqueira...
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CADEIA DE SUPRIMENTOS DA
COMUNIDADE PESQUEIRA PEDRA
D’ÁGUA: ELIMINAÇÃO DO ELO
INTERMEDIÁRIO POR MEIO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE
FINANCIAMENTO
Stephanny Assuncao Pereira (UFES )
Igor Meirelles Gomes (IFES )
A pesca artesanal é uma das atividades de grande representatividade
em termos de impacto social e econômico no Brasil, por sua grande
extensão litorânea e abundância em rios e lagos. A cadeia de
suprimentos da pesca compreende processos dessde a exploração, o
processamento e o transporte à comercialização do pescado. A
integração desses promove um alinhamento mais natural aos objetivos
da atividade e permite um resultado conjunto em vez de resultados
individuais. Neste contexto, no cenário de uma pequena comunidade
pesqueira, o varejista que realiza a comercialização do produto do
pescador artesanal ao cliente final é um elo intermediário de
distribuição na cadeia de suprimentos. Estes agentes intermediários
repassam a produção com uma margem de lucro maior à do pescador,
devido à problemática de investimento do pescador no escoamento de
sua própria produção. Neste estudo busca-se eliminar este elo por
meio de políticas públicas, como o Programa Nacional de
Fortalecimento à Agricultura Familiar, por exemplo, com o objetivo de
gerar mais lucro ao pescador e maior renda a comunidade.
Palavras-chave: Atividade de Pesca, Pesca Artesanal, Cadeia de
Suprimentos, Políticas Públicas
XXXVI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCÃO Contribuições da Engenharia de Produção para Melhores Práticas de Gestão e Modernização do Brasil
João Pessoa/PB, Brasil, de 03 a 06 de outubro de 2016.
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1. Introdução
O desenvolvimento da atividade da pesca em comunidades litorâneas e ribeirinhas pode ser
considerado essencial, uma vez que a cultura local é caracterizada pela difusão de saberes
através das gerações e a disponibilidade de recursos naturais apresenta o rio como ferramenta
de sobrevivência, seja por meio do consumo ou venda do pescado.
A comercialização do pescado em pequenas comunidades normalmente conta com a atuação
de agentes intermediários, como peixarias, que são responsáveis pelo escoamento da produção
para a comunidade e outras regiões. Esta terceirização ocorre devido à escassez de
investimento do pescador em sua própria distribuição, seja por falta de recurso próprio ou
desconhecimento de benefícios que poderiam auxiliar na obtenção da infraestrutura necessária
para venda direta dos produtos.
Este artigo tem como objetivo eliminar o elo intermediário da cadeia de distribuição de
pescado mediante a utilização, por parte dos pescadores, de políticas públicas de
financiamento, tal como o Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar
(PRONAF), por exemplo.
Para atingir tal objetivo buscou-se inicialmente mapear a realidade da comunidade estudada e
identificar a cadeia de suprimento e seus componentes. Em seguida, inferir as políticas
públicas de financiamento pertinentes a essa realidade e constatar a convergência dessas
políticas com a problemática.
Uma pesquisa anteriormente realizada na comunidade do Pedra D'Água identificou que ela
possui grande potencial para melhorias, principalmente relacionado à valorização da
comercialização do pescado, que pode ser atingido por meio da eliminação do elo
intermediário de distribuição, de modo a gerar mais lucro para o pescador e maior renda para
a comunidade.
Segundo Martins et. al. (2014), a importância dada aos intermediários ocorre devido à falta de
investimento, divulgação e incentivo por parte das autoridades governamentais.
Desta forma, o investimento na venda direta do pescado, com o auxílio do crédito promovido
pelo governo, permite ao pescador alavancar seus projetos, com uma maior autonomia sob seu
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processo de venda e distribuição, no qual, tendo o poder de decisão e autocontrole, tornar-se-
ia empreendedor, o que o levaria a possibilidade de constituir uma microempresa.
2. Revisão de literatura
2.1 Pesca artesanal
Pescadores definidos como produtores que obtém seu alimento para suas famílias ou para fins
comerciais de pequena escala são caracterizados como artesanais (Ministério da Pesca e
Aquicultura, 2014).
A pesca artesanal é feita por meio de pequenas embarcações, tais como o bote, canoa ou
bateira, que proporciona um menor esforço de pesca e menor custo de transporte.
Segundo a Fundação Brasil Cidadão (2006), o bote, mais comumente usado, pode ser
classificado como embarcação movida a remo, motorizada ou à vela, com casco de madeira.
O bote é um tipo de embarcação primitiva o qual, por não possuir cabine nem convés, permite
mais flexibilidade corporal devido ao espaço para movimentação. Sendo assim, há uma maior
utilização de petrechos necessários à pescaria, como rede de arrasto de fundo, usada em maior
frequência, e tarrafa, espinhel, linha de mão e vara com molinete em frequências menores
(ROBERT, 2001).
Se tratando da pesca artesanal, que é geralmente uma atividade baseada em simplicidade, os
próprios trabalhadores desenvolvem seus instrumentos de pesca (Ministério da Pesca e
Aquicultura, 2014).
A Fundação Brasil Cidadão (2006) caracteriza alguns petrechos de pesca como segue no
Quadro 1.
Quadro 1 – Petrechos utilizados na pesca artesanal
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Fonte: Adaptado da Fundação Brasil Cidadão (2006)
São muitas as técnicas utilizadas para a captura do pescado, bem como os apetrechos de
acordo com o local que será realizado a pesca, tal como a superfície aquática, meia-água e
fundo submarino. Estas práticas dependem também da espécie localizada na área explorada,
visto que diferentes espécies são capturadas com apetrechos específicos.
Para garantir a sustentabilidade da pesca artesanal, deve-se respeitar o período de defeso, que
visa proteger as espécies durante fases críticas de seu ciclo de vida.
Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (2014), o defeso é a paralisação das atividades
de pesca durante a reprodução ou crescimento das espécies, de modo a evitar a pesca quando
os peixes estão mais vulneráveis à captura por estarem aglomerados. Nesta época o governo
disponibiliza o Seguro Desemprego ou Seguro Defeso para a subsistência do pescador.
2.2 Cadeia de Suprimentos
O gerenciamento da cadeia de suprimentos é a integração dos processos de negócios, desde o
fornecedor original (primário) até o cliente final, gerando produtos, serviços e informações
que agregam valor para os clientes e stakeholders (LAMBERT, 1993).
A cadeia de suprimentos engloba desde fabricantes, fornecedores, transportadoras, depósitos,
varejistas até os clientes finais (CHOPRA, 2003).
O estágio de produção leva em consideração qual o produto e a quantidade que deve-se
fabricar, com foco nas necessidades do cliente e na demanda requerida pelo mercado
(BRUSTELLO, 2006).
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No passo seguinte, em relação aos fornecedores, Brustello (2006) afirma que a organização
deve determinar onde e como serão produzidos os bens de forma econômica e eficiente.
O transporte e o estoque influenciam diretamente no custo de um produto. Deste modo, é
crucial usar o modal de transporte correto e atingir um equilíbrio na administração desse
estoque, de acordo com a estratégia adotada pela empresa (BRUSTELLO, 2006).
Por fim, os varejistas desempenham o papel de ligação entre a produção e o atacado,
realizando o serviço de venda dos bens aos clientes finais (FREITAS et. al., 2010).
Assim, na concepção de Freitas et. al. (2010), o varejista, caracterizado como elo
intermediário, é responsável em disponibilizar os produtos ao cliente final no local e na hora
certa, com maior agilidade e menores custos possíveis.
Segundo Dornier et al (2000), as dificuldades de gestão em uma cadeia de suprimentos podem
ocorrer devido a alocação descoordenada e fragmentada de responsabilidades das atividades
da cadeia em suas diferentes áreas.
Em resposta a esse problema, Bowersox et. al. (2006) afirma que o contexto de uma cadeia de
suprimentos integrada é a colaboração entre os diversos setores de uma empresa, que abrange
o fluxo de informação, de produto, de serviço, financeiro e de conhecimento.
Deste modo, a cadeia de suprimentos tem como objetivo a eficiência de todos os seus elos por
meio da sincronização de suas atividades, possibilitando assim a redução dos custos, a
minimização dos ciclos e a maximização do valor percebido pelo cliente, devido ao
rompimento das barreiras entre departamentos e áreas (RIBEIRO et. al., 2008).
Os varejistas se beneficiam de forma expressiva na integração dos fluxos entre os
componentes da cadeia de suprimentos, devido ao fato de visarem principalmente a
minimização das despesas e maximização dos lucros (FREITAS et. al., 2010).
O alinhamento entre os objetivos definidos pela empresa e a estrutura logística necessária para
o alcance desses define o diferencial competitivo que se quer alcançar. Este alinhamento é
alcançado através de um projeto de logística de distribuição, que visa melhorar o nível de
serviço logístico oferecido pela empresa, buscando a otimização de sua estrutura logística
(CHOPRA, 2003).
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2.3 Políticas Públicas
Segundo Souza (2006), políticas públicas são ações fortemente ligadas ao Estado, executadas
com os recursos captados na cobrança de impostos da população, para uso em favor da
própria.
O Ministério da Pesca e Aquicultura (2014) lançou o Plano Safra da Aquicultura e Pesca
(2014/2015), no qual são apresentadas uma série de políticas governamentais direcionadas ao
desenvolvimento da pesca e aquicultura, por meio da expansão, modernização e
fortalecimento do comércio pesqueiro. Este plano abrange o pescador artesanal e aquicultor
familiar, médio e grande pescador e aquicultor.
Deste modo, dentre os programas apresentados pelo Plano Safra (2014/2015), foram
selecionados os que apresentam abertura para esta extensão da atividade pesqueira em prol do
pescador artesanal, evidenciado no Quadro 2.
Quadro 2 – Programas selecionados para pescadores artesanais e aquicultores
Fonte: Adaptado do Plano Safra (2014/2015)
O principal programa de financiamento no âmbito da agricultura, aquicultura e pesca é o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que, de acordo
com o Banco Central do Brasil (2015), destina-se a estimular a geração de renda e melhorar o
uso da mão de obra familiar, por meio do financiamento de atividades e serviços
agropecuários e não agropecuários desenvolvidos.
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Outros programas permitem ainda que cooperativas e associações sejam beneficiários, de
modo a apoiar os pescadores artesanais no processo de agroindustrialização e comerciali-
zação de sua produção, por meio da modernização dos sistemas produtivos e comerciais.
Estes créditos podem somar até R$35 milhões, limitado de R$45 mil por sócio, para tais
investimentos.
3. Métodos e procedimentos
Quantos aos fins, o presente estudo é caracterizado como uma pesquisa exploratória, que
segundo Gil (2002), objetiva proporcionar maior familiaridade com um problema, por meio
do levantamento bibliográfico, entrevistas e análise de exemplos.
Quanto aos meios, uma pesquisa de campo, que segundo Gil (2002), baseia-se pela
experiência que está sendo aplicada na investigação e é realizada exatamente no local onde
são observados os fenômenos estudados.
Foi realizada uma pesquisa na comunidade pesqueira localizada na região de Pedra D'Água,
no Espírito Santo, aplicada à cadeia de suprimentos da atividade pesqueira. Após a captura do
pescado, os pescadores podem realizar a venda direta, direcionar o pescado às peixarias da
região ou à vendedores intermediários locais. Neste estudo, o foco foi na análise de revenda
do pescado à peixarias da comunidade.
A principal fonte de dados foi um questionário padronizado e estruturado aplicado
diretamente por alunos do Grupo PET ProdBio. Ele foi elaborado através do estabelecimento
de categorias que permitissem a avaliação das características da comunidade pesqueira, o
perfil do pescador, a descrição da cadeia de suprimentos e informações relacionados à
utilização e interesse futuro de benefícios promovidos pelo governo para potencial
investimento na atividade, com foco no PRONAF.
Segundo o líder da comunidade pesqueira, a população da região é formada por cerca de 70
famílias, em sua maioria composta por pescadores. Houve, no entanto, dificuldade na
avaliação dos dados da população, visto que nem todos os pescadores são devidamente
cadastrados na Colônia de Pescadores localizada na cidade de São Mateus e outros são
cadastrados em cidades próximas e se deslocam ao Pedra D'Água para praticar a atividade
pesqueira.
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Foi utilizada então a técnica de amostragem não probabilística por acessibilidade, uma vez
que o cenário da pesquisa é caracterizado pela impossibilidade de acesso a toda população
objeto de estudo, utilizando assim parte da população acessível (GIL, 2002).
A amostragem não probabilística possui a característica principal de não fazer uso de formas
aleatórias de seleção, e é normalmente utilizada quando não se conhece o tamanho do
universo e os indivíduos são selecionados através de critérios subjetivos do pesquisador
(Aribomi e Perito, 2004; Gil, 1999; Marconi e Lakatos, 1996),
O critério utilizado de amostragem por acessibilidade permite que o pesquisador admita que
os elementos a quem tem acesso possam representar um universo (Levy e Lemeshow, 1980;
Lwanga e Lemeshow, 1991).
A amostra final para análise dos resultados foi composta por 15 (quinze) pescadores, em que
2 (dois) deles são donos de peixarias locais.
Após a coleta, os dados foram organizados de forma a caracterizar o cenário e auxiliar na
posterior análise quantitativa e qualitativa. Essa análise foi o pilar principal para formar as
propostas de solução da problemática abordada.
4. Caracterização da comunidade
Os pescadores são, em sua maioria, do sexo masculino, com idade superior a 45 anos. São
casados ou em união estável, com uma média de 6 filhos. Em relação ao grau de escolaridade,
a maioria dos entrevistados não são alfabetizados devido à tradição hereditária da pesca,
determinada pela transferência de conhecimentos pesqueiros de geração em geração, que
possui como consequência a falta de incentivo ao estudo dentro da comunidade.
Quando questionados, todos os pescadores se apresentaram experientes na realização da
atividade pesqueira, a qual praticam por tempo superior a 20 anos, demonstrando assim amplo
conhecimento nas características da região, exploração das espécies, equipamentos utilizados,
épocas do ano com maior produtividade, bem como as restrições na atividade (defeso).
Devido ao estilo simples de vida e a falta de estrutura financeira, os pescadores têm como
embarcação mais utilizada o bote a remo.
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Após a captura do pescado, os pescadores locais possuem o costume de revender o produto às
peixarias, devido à carência de infraestrutura de armazenamento e distribuição do próprio
pescador. Estas peixarias podem ser consideradas elos intermediários dessa cadeia de
suprimentos.
As principais espécies capturadas pelos pescadores locais são a manjuba, robalo e camarão da
Malásia, com participação também do cangoá, tainha, siri, carapeba, tilápia, traíra e cumatã.
Em relação ao defeso das espécies capturadas identificadas na comunidade do Pedra D'Água,
a Polícia Ambiental do Espírito Santo define as épocas de defeso segundo o Quadro 3.
Quadro 3 – Normas do IBAMA relacionadas ao defeso das espécies robalo, manjuba e camarão da Malásia
Fonte: Adaptado da Polícia Ambiental do Espírito Santo
A época de defeso é respeitada na comunidade, de modo a prezar pelo período de reprodução
das espécies e a pesca é retomada quando a temporada de defeso é encerrada e os órgãos
governamentais liberam a pescaria.
Devido a esse período proibitivo que compromete o faturamento pela impossibilidade de
captura e venda do pescado, a maioria dos pescadores conhecem o Bolsa Família e o Seguro
Defeso como programas de assistência. Uma pequena parcela demonstra conhecimento sobre
o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), política pública
de financiamento, de maneira geral.
5. Resultados e discussão
Compreendendo melhor o cenário e as características intrínsecas do mesmo tornou-se mais
simples a análise e, consequentemente, a elaboração de soluções em torno da realidade
observada.
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Cerca de 93% dos pescadores entrevistados possuem embarcação própria, com o bote como
embarcação principal, ocupada de 1 a 2 tripulantes, dentre eles 73% avaliam sua embarcação
como boa, ou seja, suficiente para executar a atividade.
O bote mais comumente usado é movido a remo, todavia, alguns pescadores comentaram a
vantagem em adquirir um motor, de modo a auxiliar o transporte no rio e evitar o cansaço do
pescador na locomoção do bote. Entretanto, a maior parte dos pescadores não possuem os
recursos necessários para o investimento, ou evitam efetuar este gasto, visto que o barco a
remo supre suas necessidades.
Dentre os principais apetrechos utilizados foram identificados a rede de arrasto, a tarrafa, o
espinhel, a linha de mão e a vara com molinete, em que mais da metade dos entrevistados
avaliaram seus apetrechos como bons, ou seja, satisfatórios para a captura do pescado.
Após a captura, cerca de 20% do pescado é vendido diretamente pelo pescador, 53% é
direcionado às 3 peixarias da comunidade e 27% é encaminhado a vendedores intermediários
locais, que realizam a distribuição para regiões próximas da cidade e para compradores de
outros Estados.
A distribuição do pescado ocorre diariamente do pescador às peixarias, que realiza a venda ao
consumidor final. Toda a pesca é vendida e existe uma demanda maior que a capacidade dos
pescadores locais de obtenção do pescado, devido a compradores de grande escala da região
de São Paulo e Paraná, que periodicamente vão à comunidade para aquisição do produto.
A Tabela 1 apresenta a margem de lucro bruto adquirida pelas peixarias por meio da revenda
do pescado.
Tabela 1 – Preço de venda e porcentagem de lucro das espécies identificadas.
Os pescadores locais reconhecem que seus produtos são revendidos com uma margem de
lucro bruto superior à sua venda, porém, comentam que além de não possuírem infraestrutura
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adequada para armazenamento até sua venda direta ao consumidor, a alta jornada de trabalho
e o costume da comunidade de repasse às peixarias locais também influenciam na decisão de
revenda.
Contudo, nota-se que o elo da cadeia do varejista pode ser suprimido, já que existe a
alternativa de os pescadores adquirirem os recursos necessários para escoamento próprio da
produção, por meio de políticas públicas, por exemplo.
Os programas promovidos pelo governo e apresentados no Plano Safra (2014/2015) permitem
aos pescadores realizarem esse investimento em infraestrutura. Deste modo, o pescador
poderia ter maior autonomia sob seu produto, de modo a garantir sua qualidade e controlar
seu preço de venda, maximizando os lucros e agregando maior valor tanto a cadeia de
suprimentos como a comunidade.
Em relação aos programas de assistência mencionados, todos os pescadores entrevistados
confirmam a utilização do seguro defeso, que concede aos pescadores um salário mínimo a
cada mês em que eles estejam impedidos legalmente de realizar sua profissão - para as
espécies citadas neste artigo este intervalo pode se estender até 5 (cinco) meses.
Menos da metade dos pescadores afirmam conhecer o PRONAF de uma maneira geral, o que
ocorre por meio, principalmente, de reuniões da Colônia de Pescadores ou pelo Instituto
Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER). Ainda relacionado,
66,7% dos pescadores entrevistados afirmam que nunca contactaram bancos buscando
financiamento.
Os pescadores consideram a barreira burocrática o principal impedimento para a utilização
dos programas de financiamento, aliado a deficiência da alfabetização, seguido da incerteza
da produtividade do pescado versus a exigência de pagamento anual do crédito, e o
contentamento com a situação atual de sua atividade pesqueira.
Acerca do excesso de burocracia, os pescadores desconhecem os procedimentos necessários
para obtenção do financiamento e não possuem motivação para pesquisá-los devido às
dificuldades e limitações deles não reconhecidas pelos gestores responsáveis pelo acesso ao
crédito.
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Outra barreira encontrada é a incerteza de pagamento do subsídio em virtude da complexidade
de mensurar a capacidade produtiva do pescador e o tempo de quitação do financiamento,
pelo fato de o pescador não possuir renda fixa e depender das oscilações decorrentes da pesca,
em função da escassez do peixe devido à situações climáticas adversas e a problemas com as
embarcações.
Em geral, a insegurança apresentada pelos pescadores em relação à utilização de um
programa de financiamento é referente à preocupação com a quitação da dívida, aliado à
dificuldade na administração dos seus recursos, possivelmente devido ao baixo grau de
escolaridade.
Em busca da melhoria da comercialização do pescado, propõe-se a construção de um mercado
para a distribuição do produto via venda direta do pescador, eliminando o mediador na
distribuição e oportunizando o estabelecimento de preços de venda por parte do pescador, em
um sistema de colaboração e coletividade, tornando o pescador autônomo no qual,
automaticamente, todos seriam beneficiados.
6. Considerações finais
A partir dos resultados obtidos, pode-se identificar que a comunidade
pesqueira supracitada possui grande potencial de desenvolvimento,
principalmente relacionado à agregação de valor ao produto por meio da
apropriação da armazenagem e distribuição por parte dos pescadores e
consequentemente a eliminação do elo intermediário, no caso a peixaria.
Essa evolução pode ser alcançada por meio da utilização de políticas
públicas de financiamento, que permitem a ampliação do esforço de pesca com
investimento em apetrechos, embarcações e infraestrutura para armazenamento
e escoamento da produção, impactando diretamente as condições
socioeconômicas da família e a produtividade do pescador artesanal.
O sucesso na utilização de um programa de financiamento só será atingido se houver a
assistência correta do gestor público para com o pescador, tanto na aquisição quanto na
administração do recurso.
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A administração correta do recurso também deve ser priorizada, pois não cabe ao gestor
público somente viabilizá-lo, mas também o auxiliar na administração do mesmo, visto que
uma má aplicação poderá dificultar ou até impossibilitar o pagamento do crédito do
beneficiário e prejudicá-lo na quitação futura da dívida.
Contudo, vale ressaltar que o modo de vida do morador ribeirinho, com sua própria identidade
cultural construída a partir do costume da exploração de recursos da natureza e de tradições
familiares é simbólica. Deste modo, deve-se respeitar a pluralidade cultural na construção de
processos coletivos do pescador com os órgãos governamentais, respeitando o ritmo do
desenvolvimento local com ações permeiem seus projetos e perspectivas, em sintonia com
seus objetivos.
Busca-se, por fim, incentivar estudos futuros, tais como a análise financeira da construção de
um mercado, as formas de agregação de valor ao produto de um modo geral e a melhoria no
fluxo de informação de políticas públicas dentro da comunidade litorânea.
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