caca ao dragao jackie pullinger e andrew quicke

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E-book digitalizado com exclusividade para o site: www.bibliotecacrista.com.br e www.ebooksgospel.com.br Digitalizao e Reviso: Levita Digital 11/09/2009 Por gentileza e por considerao no alterem esta pgina.

Aviso: Os e-books disponiveis em nossa pgina, so distribuidos gratuitamente, no havendo custo algum. Caso voc tenha condies financeiras para comprar, pedimos que abenoe o autor adquirindo a verso impressa.

Ttulo do original em ingls: Chasing the Dragon Copyright 1980, Jackie Pullinger. Publicado na Inglaterra por Hodder and Stoughton, Londres. Traduo de Myrian Talitha Lins Primeira edio, 1982 Todos os direitos reservados pela Editora Betnia S/C Caixa Postal 5010 30.000 Venda Nova, MG Composto e impresso nas oficinas da Editora Betnia S/C Rua Padre Pedro Pinto, 2435 Belo Horizonte (Venda NovaX MG Printed in Brazil

ndicePrefcio Glossrio 1. Rastros de Sangue 2. Para a China de "Canoa" 3. Uma Cidade Chamada Trevas 4. O Clubinho 5. Luz nas Trevas 6. As Quadrilhas 7. O "Irmo Maior" Est Olhando por Voc 8. Perseguindo o Drago 9. "Doenas" da Infncia 10. Jesus Mesmo 11. As Casas de Estvo 12. Acolhendo Anjos 13. Testemunhos 14. E Por em Liberdade os Cativos 15. Andar no Esprito

Para minha famlia, especialmente meu Pai. "E foi expulso o grande drago, a antiga serpente, que se chama diabo e Satans, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra e, com ele, os seus anjos... Agora veio a salvao, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmos..." Ap 12.9,10.

Prefcio

Fiquei conhecendo Jackie Pullinger em 1968, quando fui a Hong Kong para fazer uma filmagem. Um amigo nos apresentou, e ela me falou de seu trabalho na Cidade Murada. Fiquei fascinado pelo que me narrou, e fui visitar o lugar em sua companhia. Era exatamente como ela o descrevera. Nos anos que se seguiram continuei a manter contato com ela, vendo seu trabalho desenvolver-se mais. O jornal Sunday Times publicou um relato de sua obra em 1974. Em 1978, ela foi Inglaterra para falar sobre seu trabalho e, nessa ocasio, consultei-a sobre a possibilidade de, juntos, escrevermos um livro, dando um relato mais completo de tudo quanto lhe acontecera. Concordou, mas no sem certa relutncia, e em 1979 voltei a Hong Kong. Alguns nomes e lugares citados no livro tiveram que ser modificados, para que as pessoas implicadas no sofressem nenhum tipo de prejuzo, a maioria das quais ainda vive naquela cidade. Excetuando-se esse detalhe, tudo o mais foi narrado da forma como ocorreu. Muitos dos eventos aqui narrados podem ser comprovados em outras fontes. Tenho que agradecer a muitas pessoas que nos ajudaram na feitura deste livro. Entre elas gostaria de mencionar Marjorie Witcombe e Mary Stack, de Hong Kong, que nos emprestaram sua casa, a Susan Soloman, da Califrnia, a meu irmo Edward e a seus colegas do Banco Mundial, em Washington, onde o manuscrito foi terminado, e sobretudo

minha esposa Juliet, que fez uma excelente reviso e deu sua contribuio durante toda a produo do livro. Estamos narrando aqui incidentes ocorridos at 1976 apenas. O que aconteceu de l para c ter de aguardar um novo livro. Andrew Quicke Londres Abril de 1980

Glossrio

Amah: empregado (a). Congee: um mingau de arroz que se come no caf da manh. Daih lo: Irmo Maior. Daih ma: Me Maior, a esposa mais velha de um chins. Daih pai dong: barraca de rua. For-gei: garom ou operrio. Fui-goih: arrepender-se. Gong-sou: conversaes entre quadrilhas inimigas, como tentativa de solucionar diferenas. "Hai bin do ah?": De onde voc ? Hak Nam: Trevas (Nome que muitas vezes empregado para identificar a Cidade Murada de Hong Kong.) Hawh-fui: sentir muito um erro cometido. Kai na: madrinha Kai neui: afilhada (Estes dois termos soempregados para designar o relacionamento de uma mulher com uma criana que ela toma para criar.)

Kung-fu: um tipo de arte marcial chinesa. Lap-sap: lixo. Mama-san: mulher que tem a seu encargo vrias prostitutas jovens ou bar-girls. "M'gong?": No quer falar? Mintoi: edredom. "Moe yeh": Nada. Pahng-jue: chefe de um salo onde se vende ou toma drogas. "Pa mafan": medo de complicaes. Pin-mun: comrcio ilegal. Poon Siu Jeh: Pullinger em chins.

Sai lo: Irmo Menor. Sai ma: Me Menor, esposa mais nova ou concubina de um chins. Seui Fong 14 K Nome das diversas quadrilhas tradesque so ilegais em Hong Kong.

Ging Yu Wo Shing Wo Siu yeh: lanche, merenda. Tin-man-toi: literalmente meteorologista; significa pessoa que vigia ou guarda. Wunton: espcie de pastel de camaro ou carne de porco. "Yau moe gau chor." Voc deve estar louco! "Yaunk": Estou aqui. "Yeh sou ngoi nei." Jesus te ama!

1 Rastros de SangueO guarda da porta soltou uma cusparada no cho do beco, mas fez um aceno de cabea dando-me permisso para passar. Deixei-o ali agachado, e me espremi no pequeno vo entre duas construes escuras, para entrar nessa estranha "cidade" chinesa, to temida pelo povo de Hong Kong. Por um instante, a escurido do interior dela me deixou meio cega, e embora a essa altura j conhecesse o caminho muito bem, segui em frente, pisando cautelosamente na estreita ruela. Mantinha os olhos voltados para o cho por duas razes: para no pisar nas porcarias que escorriam para o rego aberto e para no receber em pleno rosto o lixo que era atirado das janelas rua embaixo. Bati palmas a fim de espantar os ratos; foi preciso bater vrias vezes, com fora, para afast-los. Foi ento que avistei uma pequena mancha vermelha, e logo depois vrias gotas. No havia dvida de que era sangue. Senti a tenso no estmago, pois cria que sabia de quem era aquele sangue. O juiz me confiara a guarda de Ah Sor, pelo perodo de um ano. Mas uma quadrilha estava atrs dele para castiglo, devido a casos no solucionados. Ao que

parecia, haviam-no encontrado. Avistei outras daquelas manchas lustrosas, e passei por mais dois tin-man-toi, os vigilantes das quadrilhas que controlavam a Cidade Murada. Virei uma esquina e entrei na rua onde estavam situados os principais sales de jogatina, administrados pelos "irmos" da quadrilha 14K. Passei pelos terrveis antros de pio, onde se achavam outros vigias. Na rua seguinte, as manchas de sangue j se apresentavam mais numerosas. Estava impaciente para descobrir de quem era aquele sangue. Mas, ao mesmo tempo, a idia me apavorava. Cheguei rua principal, uma das poucas que possua iluminao na Cidade Murada. Tive que andar com mais cuidado ainda, ao passar por outro salo de jogo. As prostitutas me reconheceram e gritaram de l de seus compartimentos, junto ao cinema de filmes pornogrficos: Sr.ta Poon! Poon Siu Jeh, quer nos dar um auxlio? E estendiam as mos cujos dorsos estavam marcados de pontas de agulha. Em seguida, entrei em minha ruela, onde ficava o salo que alugara e que abria todas as noites para os rapazes das quadrilhas. A porta avistei uma poa de sangue maior. As pessoas que por ali se encontravam pareciam totalmente indiferentes. O que aconteceu? indaguei temerosa. Um velho cantons abanou a cabea e resmungou:

Nada, nada! Num lugar controlado pelas quadrilhas tem que se viver com as mos sobre os olhos, se quiser sobreviver. mais seguro no ver nada, no se envolver com nada. Ali perto, brincavam vrias crianas, com bebezinhos amarrados s costas, despreocupadas, como se nada tivesse acontecido. Temendo por Ah Sor, destranquei o porto de ferro, e entrei em nosso "clubinho". Estava escuro, mido e malcheiroso. Era muito difcil conserv-lo limpo, pois no havia gua encanada. Toda sorte de insetos e bichinhos saam dos esgotos e andavam pelas paredes do salo. Eu tinha mais medo das aranhas que vinham das fossas, do que dos quadrilheiros. Naquela noite, porm, toda a minha ateno estava concentrada em Ah Sor. Sua me o tinha vendido, quando ainda era beb, para um homem viciado em pio, que no tinha filhos e temia morrer e ir para o inferno sem um filho para adorar seu esprito. Por isso, Ah Sor crescera com grande carncia afetiva, mas, ao mesmo tempo, no sabia reconhecer um afeto sincero, quando lhe era oferecido. A fim de equilibrar essa forte sensao de rejeio, ele se agregou a uma quadrilha. Cresceu brigando nas ruas e recebeu sua primeira sentena de deteno na priso juvenil aos treze anos. Durante os ltimos anos, eu tinha tido conhecimento da histria de sua vida e dos seus problemas e procurara ajud-lo, mas ele continuava na

mesma, sendo preso vrias e vrias vezes. Alm disso, era viciado em drogas, como seu pai adotivo. Sentei-me num de nossos toscos bancos do clubinho e fiz a nica coisa que podia orei. Cinco minutos depois uma menina entrou ali correndo, arfando pelo esforo. Sr.ta Poon, a senhora deve ir imediatamente ao Hospital Elizabeth. Esto chamando a senhora. Quem est l? Ah Sor? S tenho que dizer-lhe para ir depressa. algum que est morrendo, concluiu e logo desapareceu. Tranquei tudo e sa. No caminho fui arrebanhando alguns rapazes que conhecia. Fora da Cidade Murada; pegamos um txi. Para o Hospital Elizabeth, depressa! Nosso amigo pode morrer. Os motoristas de txi de Hong Kong no precisam de muito incentivo para correr, e o nosso ia zigue-zagueando entre uma pista e outra, com apenas uma das mos no volante. Eu ia orando pelo caminho, as mos apertadas uma contra a outra. "Talvez meu amigo morra", pensei em cantons. Ele tinha tido uma vida to miservel, que nem era vida, e cu desejava proporcionarlhe coisa melhor. "Salva-o, Senhor!", orei baixinho. "Faz com que ele se salve." Ento, o carro parou abruptamente com um guincho agudo dos pneus, e ns saltamos

do veculo desejando ver Ah Sor antes que morresse. Mas no era Ah Sor. Fora Ah Tong quem deixara aquele sinistro rastro pelas ruas da cidade. Eu o conhecia apenas pela sua fama de ser um dos mais depravados chefes de quadrilha. At mesmo seus colegas o desprezavam, pois ele costumava ir a festas, seduzia mocinhas e depois as vendia, com a vida assim arruinada, para o comrcio do meretrcio. Ao que parecia, a quadrilha Seui Fong havia-se emboscado num beco escuro, prximo ao nosso salo, armada de faces e canos. Isso era parte de uma guerra de quadrilhas por causa de um dos "irmos" que fora prejudicado havia alguns anos. O alvo deles era Ah Sor. Quando este ia subindo a rua em companhia de Ah Tong e de outro "irmo", no se apercebeu da emboscada. Ento a quadrilha os atacou, procurando atingir sua vtima. Mas Ah Tong viu-os logo e atirou-se frente do outro, para proteg-lo. Algum atingiu seu brao, que foi quase seccionado, e os agressores o deixaram ali cado numa poa de sangue. Ah Sor e o outro rapaz o ampararam e saram com ele aos trambolhes at chegarem a uma das sadas da cidade, onde pegaram um txi. Deixando o colega no hospital, fugiram imediatamente. (H sempre policiais postados nos hospitais, que os interrogam sobre as brigas das quadrilhas.)

A nica informao que consegui extrair da enfermeira foi que o paciente provavelmente perderia o brao, se no a vida. Sentada ali no hospital, pensei no que ouvira e fiquei impressionada com o gesto do rapaz. Ele era mau, e levava uma vida terrvel, mas revelara um amor muito raro. Jesus j havia dito: "Ningum tem maior amor do que este: de dar algum a prpria vida em favor de seus amigos." Telefonei para alguns amigos e pedi-lhes que fossem ao hospital. Passamos a noite toda ali, orando. Quando a famlia apareceu, ficaram grandemente espantados com nossa atitude, para eles, incompreensvel. O que fazamos ns, pessoas direitas, crists, orando pelo seu filho? Ele era mau e s merecia mesmo morrer. Afinal, a irm nos deu permisso para entrar na enfermaria onde ele se encontrava. Postei-me ao lado do leito e olhei para Ah Tong. Estava terrivelmente plido, devido perda de sangue, e inconsciente. Com muito cuidado, impusemos as mos sobre ele e oramos em nome de Jesus. E enquanto estivemos l, ele no recobrou os sentidos. Os boletins mdicos do hospital, porm, eram cada dia mais animadores. Parecia que ele estava melhorando incrivelmente. Afinal, cinco dias depois de ter sido atacado, ele recebeu alta. Fora milagrosamente curado, e no apenas sobrevivera, mas tambm conservara o brao em perfeitas condies. Algum poderia pensar que, depois de haver experimentado um milagre como esse,

Ah Tong teria muito prazer em falar com um dos intercessores, mas, nos meses que se seguiram, mal ele me avistava, saa correndo. Estava com medo de mim. Contudo, recebi algumas palavras de agradecimento; Ele sabe que foram suas oraes que o salvaram, disse um dos muitos mensageiros com recados de agradecimento. Se ele pensava assim, ento por que me evitava? Meses depois vim a saber a razo. Era viciado em herona, e precisava de vrias doses dirias. Todo o tempo em que estivera no hospital, sua namorada lhe levara drogas. Sabia que eu era crente e que os crentes eram pessoas direitas, ao passo que os viciados eram depravados. Por isso, no lhe parecia correto vir ele mesmo expressar sua gratido. Sentia-se por demais impuro, para se aproximar de um cristo. Alguns anos depois, Ah Tong entrou pela nossa porta no meio da noite. Fitou-me com uma expresso angustiada e disse abruptamente: Poon Siu Jeh, estou desesperado. J tentei largar o vcio muitas vezes, mas no consegui. Ser que pode me ajudar? Eu, no, respondi, mas Jesus pode. E creio que h um fato a respeito de Jesus que voc poder entender perfeitamente. Faz alguns anos, voc se disps a morrer por seu irmo, Ah Sor. Foi um gesto maravilhoso. Ah Tong tinha o cenho franzido, ouvindo com ateno.

Mas o que voc diria de morrer por um rapaz de outra quadrilha? Aaahhh! fez ele e soltou uma cusparada. Morrer por um "irmo" uma coisa, mas ningum morre por um inimigo. No entanto, foi exatamente isso que Jesus fez. Ele morreu no somente para os de sua quadrilha, mas por todas as pessoas de todas as outras quadrilhas. Ele era o Filho de Deus e nunca fez nada errado. Pelo contrrio, ele curava os doentes. Se crermos nele, ele nos dar sua vida. No creio que a mente cheia de drogas de Ah Tong pudesse absorver todos os detalhes da doutrina da redeno, mas pude perceber claramente que alguma coisa havia acontecido. Ele se mostrou completamente atnito pela idia de que Jesus pudesse amar uma pessoa como ele, e sentiu-se bastante tocado. Sa depressa com ele, e levei-o para o pequeno apartamento que tnhamos na ilha de Hong Kong. Era um apartamento bem pequeno, segundo os padres ocidentais. Ah Tong se viu na sala, que tambm era sala de jantar. Tudo era muito limpo e bem arranjado. Era mais um lar, e no uma igreja. Mas o mais extraordinrio ali eram as pessoas presentes, todas sorrindo. Havia vrios ocidentais e muitos rapazes chineses, muitos dos quais ele reconheceu. Havia ali homens que ele tinha conhecido na cadeia, e outros que tinham sido seus companheiros de drogas. Porm, estavam todos belos e felizes, mais fortes e saudveis.

Eles se puseram a falar-lhe sobre o poder de Jesus que lhes havia transformado a vida. Voc nos conhece, disseram eles. Sabe que nunca empregaramos essa linguagem santa, se de fato no crssemos nisso. Quero dizer, a Sr.ta Poon e esses pastores aqui nunca tiveram de largar as drogas, e no sabem como . Eu senti muitas dores, mas orei a Jesus, como me disseram, e deu certo. A dor desapareceu e me senti outro. Recebi novas energias: chama-se Esprito Santo. Falei em lngua estranha, e no senti mais dor nenhuma. Logicamente, Ah Tong deve ter pensado: "Se eles podem, tambm posso. Se Jesus fez isso por eles, pode fazer por mim tambm." Ento nos disse que queria crer que Jesus era Deus e pedir-lhe que modificasse sua vida. Em seguida, orou e logo seu rosto magro e sulcado de rugas se relaxou, e ele sorriu. Os outros ex-marginais ali presentes se entreolharam felizes, participando daquele milagre. Ah Tong recebeu o dom de lnguas. Quando se deitou naquela noite, seus olhos tinham uma expresso de grande alegria, e ele foi-se aquietando mais e mais, at cair num profundo sono. O rapaz permaneceu na casa. No houve necessidade de passar por uma desintoxicao dolorosa, que constitui uma tortura to grande para o viciado, que pode causar-lhe a morte. No lhe demos nenhum remdio, nem mesmo uma simples aspirina. Todas as vezes que sentia a primeira pontada de dor, comeava a

orar na sua nova lngua. Sua desintoxicao processou-se sem nenhum sofrimento. No houve vmitos, nem cibra, nem diarria, nem calafrios. Ah Tong comeou uma nova vida.

2 Para a China de "Canoa"Os agentes da imigrao subiram a bordo do navio, e eu era a primeira da fila, ansiosa que estava para desembarcar. Cedo, de manh, eu me aprontara e subira para o convs. A vista que se tinha dali era de cair o queixo. L estavam as montanhas de cumes brilhantes, sumindo-se distncia, em meio bruma, como num quadro oriental. Percebi que meu corao estava inundado de grande paz,

e ao reconhecer que aquele era o lugar que Deus havia escolhido para mim, agradeci-lhe. Eu me achava ali, esperando e contemplando o mar da China, na "Prola do Oriente", Hong Kong. Cercava-nos a enseada, que separava a Ilha Victoria da Pennsula de Kowloon. Ela estava pontilhada de barquinhos. Balsas se moviam entre as diversas ilhas adjacentes, levando operrios, e nos ancoradouros viam-se muitos dos antiqussimos juncos, que traziam toda sorte de alimentos da China territorial para a Colnia. Pareciam estranhamente antiquados em comparao com os modernos arranhacus que se erguiam logo atrs, nas encostas dos morros, na Ilha de Hong Kong. Um pouco mais perto, aps as docas, entreviam-se nesgas de ruas chinesas, to singulares, encantadoras, com o exotismo prprio do Oriente. Erguendo os olhos, vi distncia s colinas dos Nove Drages, nos Novos Territrios, que se estendiam at a fronteira da China de Mao. Vista do mar, numa manh ensolarada, Hong Kong era belssima. O agente da imigrao no demonstrava o mesmo entusiasmo que eu. Pegou os formulrios preenchidos, nos quais eu declarava que tinha vindo Colnia para trabalhar. Onde mora? indagou. Na verdade, ainda no tenho onde morar. Endereo de amigos?

Ainda no tenho conhecidos aqui. Onde trabalha? Bem, no... ainda no tenho emprego. Ele me fitou com uma expresso de desalento. At esse ponto conseguira levar bem a entrevista, mas minhas respostas no se achavam muito de acordo com o "figurino". Tentou fazer mais algumas indagaes suplementares. Onde est sua me? Na Inglaterra. E sua passagem de volta? Ainda no tenho. No estava nem um pouco preocupada por no ter passagem de volta, e no compreendia por que ele tinha que estar. Afinal, seu rosto se iluminou oomo se encontrando a soluo. Quanto tem em dinheiro? Tambm fiquei satisfeita, pois pensava estar muito bem financeiramente. Chegara ali quase que com a mesma quantia que tinha ao embarcar. Mais ou menos HKS100 dlares, respondi orgulhosa. pouco, replicou ele rispidamente. Hong Kong um lugar de vida muito cara. No d nem para trs dias, concluiu, e saiu apressado, procura de seu chefe. Os dois confabularam por alguns instantes, depois voltaram para onde me encontrava.

Embora a senhora seja britnica, falou o chefe, vamos negar-lhe permisso para desembarcar. Espere aqui. Fiquei ali parada, me perguntando o que iriam fazer comigo. Na imaginao, j os via trancando-me num camarote, obrigando-me a voltar para a Inglaterra. Meus amigos iriam dizer: No falei? Onde j se viu, sair pelo mundo fora, seguindo a orientao de Deus! Que atitude mais irresponsvel! O que eu faria? E como viera parar aqui? Quando minha me ficou grvida de mim, pensou que estava esperando uma criana s, mas deu luz gmeas, o que deve ter sido uma grande decepo para meu pai, que tinha esperanas de fundar um time de rugby* e acabou com quatro filhas. Ento procurei compensar o fato comportando-me como um garoto. Subia em rvores e corria muito, gostava de brinquedos masculinos e bicicletas. Uma das recordaes mais antigas que tenho, foi de quando estava com quatro anos. Lembro-me de que estava encostada ao aquecedor, em nossa casa, e pensava: "Ser que vale a pena ser bom neste mundo?" Acabei-me decidindo que, fosse l o que eu escolhesse fazer na vida, um dia seria conhecida e famosa. Mais ou menos um ano depois, eu e minha irm gmea estvamos na escola dominical, e uma missionria fez uma

palestra. Estendendo o dedo para cada uma de ns, ela disse: Ser que Deus quer vocs no campo missionrio? Recordo-me de que logo pensei que a resposta dessa pergunta nunca poderia ser "no", pois, logicamente, Deus quer que todos vo para os campos. Mas no tinha a mnima idia do que fosse um campo missionrio. Eu me via a mim mesma sentada porta de uma choupana, num lugar qualquer da Africa, sentindo-me muito nobre e digna. Contei a uma amiga da escola que desejava ser missionria. Foi um grande erro. Logo percebi que todos esperavam que eu fosse melhor do que os outros. __________________ * Esporte semelhante ao futebol americano e ao nosso futebol militar. Mas voc vai ser missionria! diziam em tom acusador, quando eu me comportava mal. Ento inventei uma poro de outras carreiras para desviar a ateno dos outros: regente de orquestra; a primeira mulher a escalar o pico do Everest; artista de circo. Contudo, interiormente, algumas coisas ainda me incomodavam. Certo dia, estava passeando na ponte do trem de ferro com Gilly, minha irm gmea. Como sempre, havamos conseguido que nossa boa amiga Nellie nos desse pirulitos sabor limo, e pouco depois de comear a sabore-los ocorreu-me

um pensamento terrvel: "Afinal, o que estamos fazendo aqui na terra? Para que serve a vida?" Parecia que me encontrava presa numa armadilha. No podia viver da maneira que me agradasse, pois caso Deus existisse mesmo, um dia teria que dar satisfaes a ele. E havia tambm o problema do pecado. Deitada no gramado, pus-me a olhar para o cu e a imaginar que Deus estava l, com um livro bem grande, no qual estava o nome de todas as pessoas. Toda vez que algum praticava um ato errado, ele colocava uma marquinha ao lado dele. Dei uma espiada na linha correspondente ao meu nome e a fila de marcas estava bastante comprida. Pois bem, no havia nada que eu pudesse fazer para sanar o mal. Afinal, encontrei a soluo. Os anos estavam a meu favor, e ento resolvi: Se eu nunca mais fizer nada errado, nunca, nunca, talvez algum dia eu ainda pegue *Winston Churchill e fique igual a ele. Ele a melhor pessoa que existe na terra, mas j muito velho. Ento, se eu parar de pecar agora, talvez eu termine mais ou menos igual a ele. No primeiro ano do curso ginasial cometi outro erro. _____________________ *O grande lder da Inglaterra na Guerra Mundial, muito querido respeitado por todo o povo. Eu e minha irm estvamos sentadas mesa do internato tomando ch com II e o

inevitvel po preto. A cabeceira encontravase uma garota maior de nome Mirissa. Pensei em iniciar educadamente uma conversa, mas, infelizmente, escolhi o assunto errado. Tendo ouvido a primeira transmisso radiofnica de um programa de Billy Graham, mencionei como ficara impressionada com o evangelista. Puro emocionalismo de massa! exclamou a moa desdenhosa. Eu tinha tanto respeito pela opinio das pessoas mais velhas, que depois, todas as vezes que se conversava sobre isso na escola, eu dizia com ironia: Puro emocionalismo de massa! Chegou a poca de nossa "confirmao" na igreja. Eu estava levando tudo muito a srio, mas sentia que os outros s estavam interessados nas roupas novas e no "ch de confirmao", que teramos depois da cerimnia. Meu medo era que o ministro nos perguntasse, individualmente, em que cramos. Mas ele no o fez. Contudo, resolvi fazer-lhe uma pergunta. Em que devo pensar, no momento em que o Bispo impuser as mos sobre mim? Ah, bem... ... ore! disse ele afinal. Eu e Gilly fomos at a frente e nos ajoelhamos, e o Bispo imps as mos sobre ns. S me recordo de que, ao voltar para meu lugar, estava sentindo uma grande alegria. Minha vontade era rir de felicidade. Que atitude mais imprpria! Afinal, era um culto de confirmao espiritual, e aquele era o momento mais solene. O riso seria depois, na

hora do ch. Eu tinha pensado antes que gostaria de me comportar de maneira bastante reverente e elegante nesse culto, e no parecia haver nenhuma associao entre ele e aquela alegria to despropositada. Eu estava entregando minha vida a Deus, e no esperava receber nada em troca. A primeira coisa que fiz depois disso foi pegar a lista telefnica e procurar endereos de misses. Desejo ser missionria, escrevi para elas, e creio que deveria comear a prepararme desde j. Quais os cursos que devo fazer? Em resposta, eles me mandaram dizer que haviam colocado meu nome no seu rol de associados jovens. Nas frias, geralmente, eu trabalhava na fbrica de papai, ou ento dava aulas particulares, ou funcionava como "carteiro" para o Correio, na poca do Natal. J me considerava uma pessoa integrada sociedade. Depois, fui para o Real Conservatrio de Msica, onde descobri que os msicos achavam que o amor era o grande inspirador da msica, e tive muito trabalho para me livrar de um pistonista. Vez por outra, eu passava pela sala da Unio Crist e via l o quadro de avisos. Sentia um aperto na conscincia. Mas aqueles jovens ali me pareciam to desinteressantes e sem graa, e, alm disso, na sua maioria, eram organistas. Na cantina da escola, assentavamse sempre juntos, parecendo muito santos; no

me atraam em nada. No sabia sobre o que conversavam e nem me interessava saber. Davam a impresso de serem muito solenes e tristes, e embora me garantissem que minha vida mudaria depois que eu viesse a "conhecer Jesus", eu no queria mudar para ficar igual a eles. Nesse tempo, eu gostava de freqentar festinhas, mas a principal forma de divertimento ali ou era imoral ou desinteressante. Contudo, eu sempre ia esperando encontrar ali o homem dos meus sonhos. Foi s depois de muito tempo que compreendi que ele nunca poderia estar presente numa daquelas festas. Certo dia, eu estava no trem, voltando da escola para casa, quando encontrei duas excolegas de escola. Elas me convidaram para ir a uma reunio em uma casa, onde um pregador maravilhoso faria palestras sobre a Bblia. E eu fui. Ele era realmente fabuloso. Mas todas as outras pessoas tambm o eram. E o que mais me impressionou foi que eram todos gente normal, como eu. As moas usavam maquilagem. Os rapazes conversavam sobre corrida de automvel no entanto estavam ali porque desejavam estudar a Bblia. Naquele ambiente foi muito fcil falar sobre Deus. Contudo, eu ainda ficava incomodada quando ouvia falar em cu e inferno. Mas o que mais me transtornava era a idia de que ningum podia chegar a Deus, a no ser por intermdio de Jesus. Compreendi que ou eu

tinha que aceitar tudo que Jesus dissera a respeito de si prprio, ou abandonar de vez a f crist. E no foi sem relutncia que orei a ele dizendo que acreditava em tudo que ele dissera. E assim me converti. Passei a ter uma vida ainda mais cheia do que antes. Pouco depois disso, um homem me perguntou se eu acreditava em Deus. No, respondi. Eu o conheo. diferente. Tenho paz e sei para onde estou indo. Mas essa nova vida tambm me trouxe alguns problemas. Certo dia, aps o estudo bblico, as moas tiveram um momento de orao. Abri os olhos para dar uma espiada. Sorriam parecendo muito felizes. Fiquei abismada, pois se cramos que iramos para o cu por causa de Jesus, a recproca tambm era verdadeira quem no cresse nele no iria. "Como essas pessoas podem ficar sentadas a sabendo disso?" pensei. "E as pessoas que ainda no ouviram as boasnovas?" Em conseqncia disso, passei a tomar parte numa cena que teria abominado, antes de minha converso. Estava tocando piano numa reunio de jovens evanglicos em Waddon, cantando hinos sobre a salvao. Foi a que tive certeza de que minha vida havia-se modificado mesmo. Depois que me formei, comecei a dar aulas de msica. Mas eu queria dedicar toda a minha vida a uma obra qualquer, em algum

lugar. E no havia nada que me impedisse de faz-lo. Voltou-me a idia de ser missionria. ' Ento escrevi para misses, escolas e companhias radiofnicas da Africa. E todos responderam da mesma forma no queriam meus prstimos. Ainda no podemos dar-nos o luxo de ter msicos por aqui, diziam. No me deixei abater, e tratei de pedir conselhos s pessoas que melhor pudessem me orientar. O que voc acha que devo fazer de minha vida? indagava. J orou pedindo a orientao de Deus? replicavam. J havia orado, mas Deus ainda no tinha me dado uma resposta clara. A Bblia ensinava que eu deveria crer e ele me orientaria. Uma noite, sonhei que nossa famlia estava reunida mesa da sala de jantar, olhando um mapa colorido da Africa. Entre os diversos pases daquele continente havia um que estava colorido de cor-de-rosa. Inclinei-me mais para ver qual era. Estava escrito "Hong Kong". Quando acordei, escrevi para o governo de Hong Kong explicando que era professora de msica, formada, e gostaria de lecionar nesse pas. Responderam dizendo que no havia vagas para msicos. Recorri ento minha sociedade missionria. Impossvel, responderam. No aceitavam candidatos a missionrio com menos de vinte e cinco anos. Eu teria que aguardar um pouco mais.

Ao que parecia, havia interpretado erradamente o meu sonho. Certa vez fui orar em uma pequena igreja de um povoado, um lugar muito calmo. Ali tive uma viso de uma mulher de braos estendidos, como se estivesse implorando ajuda. Fiquei a me indagar o que ela queria. Parecia desejar alguma coisa desesperadamente. Seria auxlios do Fundo Cristo? Depois, foram surgindo umas palavras que iam passando minha frente, como se fossem a ficha tcnica de um programa de televiso: "O que voc pode nos dar?" O que, em verdade, eu poderia dar a ela? Se fosse missionria, o que iria dar s pessoas? Daria o que aprendera em meus estudos? Deveria talvez atuar como intermediria para conseguir-lhes alimentos, dinheiro ou roupas? Se eu lhes desse apenas essas coisas, quando sasse de l, voltariam a ter fome. Mas a mulher da viso estava com fome de um alimento que ela no conhecia. Ocorreu-me, ento, que o de que ela precisava era o amor de Jesus. Se ela o recebesse, quando eu sasse de l, ela ainda estaria satisfeita, e poderia at transmiti-lo a outros. Finalmente sabia o que tinha a fazer s no sabia onde. Pouco depois disso, encontrei um amigo que morava em West Croydon, que sabia que eu estava orando sobre meu futuro. J recebeu a resposta? indagou. No, respondi.

Gostaria de assistir s nossas reunies? indagou. L estamos sempre recebendo respostas. Ser que aquela gente de West Croydon pensava que tinha uma espcie de monoplio de Deus? Fiquei curiosa para saber o que acontecia nas reunies. Logo que cheguei, algum me disse que no ficasse espantada se acontecesse algo de extraordinrio. Sentei-me perto da porta. Ao que parecia, iriam exercitar os dons espirituais, e eu queria ter facilidade de escapulir, caso fosse necessrio. No estava muito certa sobre o que iria haver ali. Pensava que talvez algum fosse profetizar em voz alta. Mas a reunio foi muito ordeira e calma, com oraes normais e os hinos de sempre. Um ou dois dos presentes realmente falaram numa lngua que eu no compreendia, mas at certo momento no houve nenhuma profecia estrondosa, nem voz estridente de Deus falando comigo. Mas depois ela veio. Uma pessoa comeou a falar em voz tranqila, e logo tive plena certeza de que aquilo era para mim. "V. Confie em mim e eu a guiarei. Eu a instruirei sobre o caminho em que deve andar. Eu a guiarei com meus olhos." Tive certeza de que Deus estava com minha vida em suas mos, e que muito breve iria conduzir-me a algum lugar. No havia dvida de que o povo de West Croydon recebia respostas de Deus. Voltei para

casa, e pus-me a aguardar maiores orientaes. Ainda no sabia para onde deveria ir. Dei aviso prvio em todos os empregos, de modo que estivesse livre para partir logo aps o encerramento das aulas. Durante os feriados da Pscoa, trabalhei durante uma semana na igreja de Richard Thompson. Ele me conhecia havia bastante tempo, e eu sentia que poderia ajudar-me. Disse-lhe que eu e Deus nos achvamos numa encruzilhada. Ele me ordenara claramente que fosse, mas no me dissera para onde. Se Deus est ordenando que v, melhor voc ir, replicou ele. Mas como, se no sei para onde ir. Todos os meus pedidos de trabalho esto sendo rejeitados. Bem, se voc j tentou todas as formas convencionais de trabalho missionrio e Deus continua dizendo para voc ir, melhor voc comear a mexer-se. Se j tivesse um emprego, a passagem, o lugar para ficar, a aposentadoria e penso, no precisaria confiar nele, continuou Richard. Desse modo, qualquer um pode ser missionrio. Se eu fosse voc, compraria passagem num navio com destino ao ponto mais distante possvel, embarcaria nele, e depois iria orando todo o tempo, perguntando a Deus onde deveria descer. Depois de vrios meses, era a primeira vez que eu recebia uma resposta definida. uma idia maravilhosa, respondi. Mas me parece errada, pois eu adoraria fazer isso.

Eu ainda pensava que tudo que o crente fizesse tinha que implicar em sofrimento, e que no podia ter nenhuma satisfao em sua f. Mas Richard afirmou que esse plano era bblico. Abro, por exemplo, deixara sua terra e, obedecendo a uma ordem de Deus, seguira para a terra prometida sem saber para onde ia, pois confiava em Deus. No h o que temer, se voc se colocar inteiramente nas mos de Deus, disse Richard com muita seriedade. Se ele no quiser que voc tome esse navio, ele a deter, ou poder levar a embarcao para qualquer lugar do mundo. A idia me pareceu fascinante. O conselho de Richard era um pouco incomum, mas muito sbio. Em nenhum momento, ele me deu a impresso de que eu entraria no navio como uma pessoa comum, e sairia dele transformada em missionria, pronta para trabalhar. O que eu tinha de fazer era simplesmente seguir a Deus, aonde ele me mandasse. Assim compreendi que no tinha nada a temer nessa aventura. Ento fiz o que ele dissera. Procurei o navio mais barato, com o percurso mais longo possvel, que passava por muitos pases. Ia da Frana ao Japo. Comprei a passagem, e tudo estava resolvido. Naturalmente, eu teria que enfrentar meus pais e amigos. Alguns se mostraram descrentes. Meu pai, com muito bom-senso, insistia em que eu pensasse muito, em minha "viagem de canoa para a China". Meus pais

estavam satisfeitos com a minha ida, mas um se preocupava com o outro. Orei pelo problema, e uma noite escutei os dois discutindo, cada um tentando convencer o outro de que estava tudo certo. O pessoal da minha sociedade missionria j no se mostrou to entusiasmado. Que conselho mais irresponsvel para um pastor dar a uma jovem, disseram. E suponhamos que no tenha sido o Esprito Santo quem ditou as palavras para Richard Thompson? O dia em que parti foi um desses dias em que tudo d errado. O txi que havamos contratado para nos levar a Londres apareceu com uma hora de atraso. Mas afinal vi-me acomodada no vago do trem com minha bagagem. Richard Thompson surgiu correndo pela plataforma, gritando: Glria a Deus! E da a pouco o trem arrancou. O agente da imigrao voltou-se para mim muito transtornado. Por um instante pensei que eu tinha vindo de to longe at a sia, apenas para ser repatriada. Mas de repente lembrei-me do texto que lera pela manh: "Eis que nas palmas das minhas mos te gravei." Se meu nome estava gravado ali, ento Deus sabia tudo que me dizia respeito. Espere um pouco, disse eu, lembrando-me repentinamente de um afilhado de minha me. Eu conheo uma pessoa aqui. Ele da polcia.

O resultado foi dramtico. Naquela poca, 1966, a polcia era tida em alta conta, e qualquer um que tivesse um conhecido na fora policial, obviamente era uma pessoa direita. Devolveram-me o passaporte resmungando que eu poderia desembarcar, sob a condio de que deveria procurar emprego imediatamente. Na opinio deles, meu dinheiro no daria nem para trs dias de estada em Hong Kong.

3 Uma Cidade Chamada TrevasA Cidade Murada guardada dia e noite, continuamente, por um exrcito de vigias. Assim que um estranho qualquer se aproxima,

os vigias vo passando a notcia de boca em boca. Aqueles rapazes saem correndo por entre barracas de lanche, entrando e saindo por portas, e atravessando ruelas estreitas. As verdadeiras atividades da cidade ficam completamente camufladas para um forasteiro. Portas se fecham, janelas so cerradas e a queima de incenso disfara o acre odor do pio. Um dos nomes chineses dados Cidade Murada "Hak Nam", que significa "trevas". E realmente trata-se de um lugar de trevas horrveis, tanto fsicas quanto espirituais. Mas quando se conhecem os homens e mulheres que vivem e sofrem em tal lugar, podemos ficar condodos, cheios de compaixo. A Sr.a Donnithorne me convidara para visitar o jardim da infncia e a igrejinha que organizara ali, mas no me havia preparado devidamente para o que iria ver. Pegamos um carro at a rua Tung Tau Chuen, situada nos arredores da cidade. a rua dos dentistas clandestinos, que exercem seu trabalho ilegalmente, pois dentistas prticos no podem operar em Hong Kong. Logo atrs desses bizarros cmodos erguiam-se os precrios arranha-cus da Cidade Murada. Passamos apertadamente por um vo entre duas das lojas de dentistas e pusemo-nos a caminhar por um beco escorregadio. Nunca me esquecerei do mau cheiro e da escurido reinante. Era um cheiro ftido de comida azeda e de excremento, misturado ao de lixo e de vsceras de animais.

Fomos andando por entre as casas, e a parte superior delas se projetava sobre a rua, formando uma espcie de arco sobre o beco. Parecia-me estar caminhando por um tnel subterrneo. A medida que avanvamos, minha amiga ia comentando algumas coisas: nossa direita uma indstria de flores de plstico; esquerda, uma velha prostituta, que era velha e feia demais para conseguir fregueses. Ento ela contratava meninas prostitutas para trabalharem para ela. E essas tinham muitos clientes. Nesse lugar depravado, a posse de uma criana prostituta era considerada apenas como uma excelente fonte de renda. "Tia Donnie" avisou-me que mantivesse o rosto voltado para o cho, caso algum resolvesse esvaziar na rua seu urinol, no momento em que passvamos embaixo. Depois vinha o cinema de filmes pornogrficos, uma espcie de pavilho, inteiramente lotado. Mas havia um comrcio normal tambm. Vimos homens carregando na cabea latas de concreto re-cm-misturado. Mulheres, tendo nas mos imensas sacolas cheias de flores artificiais, iam saindo das pequeninas saletas onde eram fabricadas. Ali no se observava o "Dia do Descanso". Cinco feriados ao ano eram mais que suficientes. Para um chins, de suprema importncia que os filhos trabalhem para os pais, muitas horas por dia. Como pode existir um lugar destes bem no meio de Hong Kong, a Colnia da Coroa Britnica? H cerca de oitenta anos, quando a

Inglaterra se apossou da ilha chinesa de Hong Kong, da Pennsula de Kowloon e dos territrios contguos a ela, foi feita uma exceo. A velha cidade murada de Kowloon deveria permanecer sob a jurisdio da China, com seu mandarim, sujeita s leis chinesas. Mais tarde o mandarim morreu, e seu cargo nunca foi ocupado, nem por outro chins nem por um ingls, e assim a desordem passou a reinar na Cidade Murada, onde prevalece at hoje. Ela se tornou um paraso para o contrabando do ouro, antros de jogatina ilegal e todo o tipo de vcios. O desentendimento com relao sua posse significava que a polcia no podia impor a lei e a ordem dentro dela. Quando querem procurar criminosos ali, entram em grupos grandes. A cidade tem uma populao muito grande, mas pequena. Em apenas seis acres de terra, vivem trinta mil pessoas, ou o dobro. As condies habitacionais so apavorantes. No existem leis regulamentando a construo das casas; por isso as ruas se acham "entulhadas" de prdios de apartamento, situados em ngulos os mais loucos, sem gua, luz ou esgoto. Excrementos so atirados nas ruas, que exalam constante mau cheiro. No andar trreo, existem apenas dois banheiros para as trinta mil pessoas. E esses dois no passam de buracos feitos no cho sobre fossas j transbordantes. Um para as mulheres e o outro para os homens. Seria muito improvvel que num lugar como a Cidade Murada houvesse escolas e

igrejas. Mas a Sr.a Donnithorne tinha conseguido abrir uma escolinha primria. Os professores no eram formados, mas haviam feito o curso secundrio. Era uma escola pequena, com vrias centenas de alunos. No primeiro dia em que fui visitar o local, Tia Donnie pediu-me que lecionasse nela. Antes de pensar duas vezes repliquei: Pois no! E sem que soubesse claramente em que estava me metendo, concordei em dirigir a bandinha de percusso, ensinar canto e conversao em ingls, trs vezes por semana. Pelo sistema chins, aprende-se tudo de cor. E todos os meses se fazem provas, bem como ao fim do semestre e do ano. A criana reprovada nos exames finais tinha que repetir todo o ano escolar. As aulas da bandinha e de canto no apresentavam muita dificuldade para mim, mesmo levando-se em conta que no conversava muito com os alunos, mas, quanto s aulas de conversao, meu fracasso foi total. Tentei vitalizar mais as aulas dramatizando as histrias, mas eles no corresponderam. Todas as vezes que tentava fazer isso aconteciam verdadeiras guerras na sala de aula. A liberdade que eu tentava aplicar, em poucos minutos transformava-se em anarquia. Uma vez por semana, noite, havia um culto numa das salas de aula. E a Sr.* a Poon

nome que, orgulhosamente, me deram em chins tocava o harmnio. A maioria das pessoas que vinham era constituda de mulheres mais velhas, algumas carregando crianas presas s costas. Vim a descobrir depois que muitas delas, sendo analfabetas, vinham igreja para ter aula de leitura. Comeavam cantando entusiasticamente, em voz bem alta. Em seguida, a instrutora bblica expunha os ensinamentos em cantons. Nessa poca, eu no entendia uma palavra do que era dito, mas sentia que participava do culto. Na primeira noite em que l estive, uma mulher me captou a ateno, naquele grupo de chineses. Era uma velha verdureira: tinha o rosto muito sulcado de rugas, e apenas dois dentes, que estavam sempre em evidncia, pois a mulher sorria constantemente. Ela se aproximou de mim e puxou-me pela manga, com veemncia. Ficou falando e falando, sorrindo e puxando a manga. Pedi a algum que interpretasse para mim o que ela estava dizendo. At a semana que vem! At a semana que vem! Tive vontade de dizer a ela que no poderia ir todas as semanas, pois morava muito longe, e quando voltava para casa j era muito tarde, e eu tinha que me levantar cedo para dar aula. Mas senti que no conseguiria explicar-lhe tudo isso. Ela s compreenderia que eu estaria ali ou no estaria. Ento resolvi ir ao culto todos os dias, s por causa dela.

Aquela altura, eu j tinha um emprego fixo: dava aulas numa escola primria, pela manh. Lecionei ali durante seis meses. Alm disso, auxiliava Tia Donnie na escolinha dela, trs vezes por semana, tarde, tocava nos cultos de domingo, e preparava programas musicais em prol de vrias instituies de caridade. Isso tomava todo o meu tempo. Na segunda vez que fui Cidade Murada, tive uma sensao maravilhosa: aquela vibrao interior que se tem no dia do aniversrio. E comecei a me indagar por que me sentia to feliz. E na outra vez que fui ali, experimentei exatamente a mesma coisa. Isso me parecia um pouco descabido, num lugar to revoltante como aquele. E, no entanto, quase todas as vezes em que me encontrava nesse reduto de marginalidade, nos doze anos que se seguiram, sentia o mesmo gozo. Eu j tivera um vislumbre dessa alegria no dia da minha "confirmao", e depois quando recebera a Jesus em minha vida mas experimentar o contentamento espiritual nesse lugar profano? Aquele ali viciado, disse-me Tia Donnie certa manh, quando nos dirigamos para a escola. Nessa ocasio, eu ainda no sabia direito o que significava ser viciado. Ele iria nos agredir, roubar-nos o relgio ou ter um acesso? Era um homem de aspecto pattico, que, com movimentos lentos, catava coisas num monte de lixo. Estava examinando os detritos ali deixados, um por um, para ver se havia algum

objeto que pudesse ser de valor para ele. Dava a impresso de estar muito doente, o rosto muito plido, e parecia ter setenta anos e no trinta e cinco. Usava uma camiseta de algodo bastante suja e sandlias de plstico, j bem gastas. A maioria dos chineses anda sempre muito limpa, mas o Sr. Fung estava imundo. Seus dentes eram pretos, quebrados. O cabelo cortado rente indicava que acabara de sair da priso. Mas, para ele, a cadeia era apenas um lugar para dormir e comer com mais regularidade. Mas, na verdade, cama e comida no era o que importava para ele. Fung vivia para "perseguir o drago". Essa maneira chinesa de tomar droga tem seu ritual prprio. O viciado chega a um local de comrcio de drogas, pega um pedao de folha de alumnio e coloca nela alguns grozinhos de herona. Acende um paviozinho feito de papel enrolado e coloca sob o alumnio, a fim de aquecer a droga. A herona vai-se derretendo lentamente, transformandose numa espcie de melao escuro e fumegante. Ele coloca na boca a parte externa de uma caixa de fsforo para servir de funil, pelo qual ele ir inalando a fumaa. Em seguida, pe-se a mover a folha de alumnio, fazendo o filete de lquido grosso escorrer de um lado para outro, acompanhando o movimento da fumaa com a boca. Chamam a isso "perseguir o drago". Pouco depois, fiquei sabendo que nem todos os viciados tinham uma aparncia como a do Sr. Fung. Alguns deles esto sempre bem

vestidos. Para estes, o fato de se apresentarem bem uma evidncia de que no se acham escravizados ao drago. Como passara a ir cidade com freqncia, vi o Sr. Fung muitas vezes. Comecei a me indagar se no deveria fazer alguma coisa por ele e por outros iguais a ele. A prostituio raramente era camuflada. A primeira prostituta que vi ali chamou minha ateno por estar usando batom e esmalte num tom vermelho berrante. Ficava o dia inteiro agachada na rua, uma rua to estreita que o rego do esgoto passava perto de seus ps. Rua abaixo havia outras delas, sentadas sobre caixas de laranjas e uma delas tinha at uma cadeira. Na sua maioria tambm eram viciadas em drogas. As marcas escuras no dorso da mo revelavam que injetavam herona diretamente na veia. Eu passava ali todos os dias e nunca saberia dizer quando estavam acordadas ou dormindo. Estavam sempre pendendo a cabea, o branco dos olhos amarelado pelo torpor da herona. Um dia tentei tocar na menorzinha. Aprendera a "Jesus te ama", em chins. Yeh sou ngoi nei, falei. Mas ela se encolheu toda, fugindo ao meu contato. Vendo a expresso de seu rosto, compreendi subitamente que cometera um erro. Ela colocara uma barreira entre ns, e eu no sabia o que fazer para derrub-la. A moa estava fortemente constrangida, porque eu, uma jovem "limpa", cometera um engano e tocara nela, uma suja.

Fui percebendo aos poucos que as mulheres mais velhas se engajavam na obteno de clientes. Quando os homens saam do cinema pornogrfico, as mama-sans quase os agarravam e puxavam para ali. As vezes dava para ouvi-las dizer, empurrando-os escada acima: Venha, ela bem jovem, e barato. Naturalmente, as mocinhas no ficavam com o dinheiro. A maioria das prostitutas era controlada por quadrilhas, e os bordis s podiam funcionar com permisso da quadrilha, que controlava a rea em que se encontravam. Havia duas mocinhas que eu via ocasionalmente. Uma delas era aleijada e a outra retardada. Ambas eram prisioneiras. Nunca saam a no ser acompanhadas por uma mama-san. Eram visitadas por trs clientes a hora. Nessa poca uma tinha treze e a outra quatorze anos. Mais tarde, vim a saber, atravs de um membro da quadrilha, como essas moas eram iniciadas nesse tipo de vida. Os rapazes organizavam uma festinha e convidavam mocinhas. Durante a festa, as jovens eram seduzidas. Se resistissem, eram estrupadas. Via de regra, cada membro da quadrilha pegava sua menina e ficava com ela durante alguns dias. Depois que percebia que ela j estava afeioada a ele e acostumada com o sexo, ele a entregava a um bordel. Outras mocinhas se prostituam, porque seus pais no tinham condies de sustentlas, e as vendiam para o comrcio da prostituio, onde permaneciam at se

tornarem mais adultas. Depois disso, muitas dessas antigas meninas-prostituas fugiam de seus donos e se lanavam na carreira, fazendo a nica coisa que sabiam. Algumas dessas crianas iniciavam este tipo de vida com nove anos de idade. Comecei a planejar um modo de alcanar essas moas, que estavam sempre to bem vigiadas. Afinal tive que desistir disso e "arquivei" mentalmente o problema, mas tinha esperanas de que um dia pudesse encontrar um homem que se interessasse por esse trabalho, e pudesse pagar a quantia necessria para uma hora com elas, mas que, nesse tempo, pregasse o evangelho para a jovem. Talvez juntos, eu e ele, pudssemos conceber um plano de fuga para elas, se alguma quisesse abandonar esse tipo de vida.

4 O Clubinhos vezes penso que a verdadeira razo por que criei o clubinho foi Chan Wo Sai. Era um rapazinho feioso, de quinze anos, e com tantos problemas, quantos pode ter qualquer outra pessoa. Conheci-o quando dava aulas de ingls e canto na Escola Primria Oiwah, trs tardes por semana. Estava ensinando uma musiquinha muito simples, sem arroubo nenhum, e, no entanto, l estava Chan Wo Sai parecendo realmente empolgado com uma canozinha infantil. Girava os olhos e estalava os dedos. Depois levantou-se e ps-se a danar pela sala, vindo em minha direo, remexendo os quadris com um jeito bem sensual. Mandei que voltasse para o lugar, e passei a ensinar outra msica. Aps a aula, procurei descobrir as origens dele.

Chan Wo Sai nascera ali mesmo, na Cidade Murada. A me era prostituta e o pai, um bbedo. Viviam num pardieiro, numa casa que havia desabado. Toda a famlia ocupava um quartinho minsculo. Na casa ao lado, moravam algumas prostitutas. Desde que se entendeu por gente, o garoto passou a conviver com esses fatos; eram parte de seu quotidiano. Seus horizontes eram limitados pelo bordel ao lado, os antros de jogo um pouco abaixo e os sales de pio depois desses. Na Cidade Murada no havia nada que oferecesse a algum uma atividade mais construtiva. Ento procurei conhec-lo e ajud-lo a melhorar de vida. Isso seria um pouco difcil, j que eu no falava uma s palavra de cantons. E para dificultar ainda mais as coisas, ele tinha uma deficincia de fala que embaraava ainda mais nossa conversa. Nosso nico ponto em comum era uma espcie de tambor que eu havia dado a ele. Consistia numa membrana de borracha presa numa armao de madeira, na qual se batia com baquetas; uma bateria surda. Ele tinha que treinar naquilo, mas no tinha o menor senso de ritmo. Mas ele se mostrava muito satisfeito, pois era a primeira vez na vida que algum demonstrava algum interesse por ele. A medida que os dias iam passando, percebi que estava constantemente pensando nele, e isso me deixou um pouco alarmada. Minha mentalidade inglesa me levava a crer

que qualquer amor por um rapaz tinha que ser de natureza romntica, e, sendo eu crente, isso teria que terminar em casamento. Mas, naquele caso, obviamente, isso era impossvel, e at mesmo ridculo. Meu bom-senso dizia que ele era um rapaz feioso, com uma formao das piores possveis. Mas eu realmente o amava e orava por ele constantemente. Cheguei a um ponto em que estaria disposta a dar minha vida por ele. Algum tempo depois, vim a compreender o que se passava comigo, e fiquei bastante surpresa. Era como se Deus tivesse me concedido um amor especial por ele, que eu deveria demonstrar, embora no se tratasse de um sentimento que devesse ou pudesse ser retribudo. Era um amor que tinha por objetivo o bem dele, e diferia bastante do amor que eu sentira por outras pessoas, para o qual sempre tinha desejado alguma forma de retribuio. Dentre os vrios grupos humanos necessitados que pululavam a Cidade Murada, o mais desatendido era o dos adolescentes. As crianas menores, pelo menos, tinham a chance de freqentar uma escola primria. Mas os adolescentes no tinham nada. Era praticamente impossvel estudar num ginsio. E eles tinham de trabalhar nas indstrias de plstico, onde ganhavam pouqussimo. Muitos rapazinhos, e at mocinhas, saam de casa e iam viver com outros jovens em cmodos miserveis. Pouco depois, no tendo nenhuma atividade, caam na senda do crime.

Muitas vezes, as quadrilhas que lhes ofereciam a nica forma de ocupao possvel. Durante o vero de 1967, toda a China fora convulsionada pelas atividades da Guarda Vermelha. Aquela "epidemia" chegou tambm a Hong Kong. Houve tumultos por toda a colnia. Vim a descobrir, porm, que alguns rapazes da Cidade Murada estavam sendo pagos para participarem do tumulto. Percebi ento que poderia convenc-los a fazer um piquenique. Ento, num dia mido de junho, disse a Tia Donnie em tom bastante pomposo: Acho que Deus est querendo que eu organize um clubinho para jovens. Eu imaginava o trabalho sendo realizado com o auxlio de uma equipe de obreiros cristos da ilha de Hong Kong, todos escolhidos a dedo, que iriam avanar sobre a cidade com um programa de ao mu.'to bem planejado, enquanto eu ficava sentada, assistindo e aplaudindo. Meu plano era termos um salo que abrisse todas as noites, e aos sbados e domingos. Seria um lugar onde os rapazes pudessem jogar tnis de mesa e engajar-se em outras atividades saudveis, mas igualmente um lugar onde ouvissem falar de Jesus. Mas Tia Donnie tinha uma atitude mais prtica. timo! H anos estou orando por isso. Quando pretende comear? A semana que vem? Comeamos uma semana depois. Ainda dava para contar nos dedos as palavras de cantons que eu sabia. No contava com

minha equipe escolhida a dedo e no tnhamos um local para nos reunirmos. Mas passamos a usar uma sala da escola nos sbados tarde. E Gordon Siu; um jovem chins que eu conhecera na Orquestra Juvenil, veio em meu auxlio como intrprete, tornando-se um esteio para mim. Ele me ajudava a alugar nibus, acompanhava-nos nos piqueniques, ou ia patinar conosco. Pouco depois, comearam as frias, e, ao pensar que os rapazinhos poderiam envolver-se mais nos tumultos de rua, resolvi ampliar ainda mais nossas atividades. De reunies apenas aos sbados, passamos a ter um completo programa de vero, com piqueniques, caminhadas a p e visitas s plantaes do refloresta-mento. E nos anos que se seguiram realizamos o mesmo programa em julho e agosto. Os primeiros a aparecer foram os adolescentes de treze e quatorze anos, que traziam tambm seus amigos de fora. Todos sabiam que eu estava ali basicamente porque era crist, e que em toda a programao sempre haveria uma pequena palestra no incio. Eles no gostavam muito de ouvir falar de Jesus. Nem ao menos sabiam direito quem ele era. Alguns jovens me disseram que no poderiam ir ao clubinho. Ns bebemos e fumamos, vamos ao cinema e jogamos, e sabemos que os crentes no fazem essas coisas. Pouco depois, Chan Wo Sai largou a escola. Estando com quinze anos, era um dos

mais velhos alunos do quarto ano. Achava-se com quatro anos de atraso, pelo menos, em seus estudos. Ele resolvera no concluir o ano. Fora aberto um novo cinema, e ele conseguira um emprego de vender ingressos. Para a inexperiente professora inglesa, largar a escola primria era uma coisa terrvel. Durante todo o perodo das frias, tentei persuadir o garoto a voltar. Por fim, ele resolveu ir conversar com os professores, mas eles se recusaram a receb-lo. Olha, Jackie, disse um deles, ficamos muito satisfeitos quando ele decidiu sair, porque no conseguamos control-lo mais. Pois que v! E era uma escola missionria! Os professores eram crentes, e eu imagina que, quando se reuniam para orar, intercediam por alunos difceis e problemticos como Chan Wo Sai. Mas a verdade era que a maioria deles mal havia completado o segundo grau. Diziamse cristos apenas para conseguirem o emprego, e eram incapazes de controlar quaisquer alunos, a no ser que fossem bastante dceis. A nica alternativa que restava a Sai era fazer um curso profissionalizante, onde pudesse aprender algum ofcio. Viemos a descobrir, porm, que ele no se qualificava para nenhum deles, ou porque j passara da idade, ou porque no tinha terminado o primrio, ou porque no falava ingls. Todas as

portas se fechavam para Chan Wo Sai, embora ele tivesse apenas quinze anos. O que iria suceder-lhe? Parara de estudar e, ao que parecia, a nica perspectiva de vida para ele era vender ingressos no cinema. No havia nada mais que eu pudesse fazer por ele, a no ser manter o clubinho em atividade. Vrios dos seus amigos que paravam de estudar iam para as quadrilhas. Sentiam que ali tinham uma funo na vida. Tinham sua posio certa e eram tratados como uma pessoa importante. Encontravam ali at um pouco de carinho e afeto, considerao e amizade, o que no achavam em nenhuma outra parte. Tanto na igreja como na escola, o sucesso nas provas era sinnimo de valor e integridade. Mas nem nas quadrilhas nem em meu clubinho, eles escutavam palavras de condenao ou rejeio pelo fracasso. O nosso Clubinho Jovem era realmente bem diverso de tudo o mais que havia na Cidade Murada. Ningum obtinha lucros com ele; no era controlado por chefes de quadrilhas. Tivemos de mudar vrias vezes, mas era sempre o mesmo. Um salo com alguns joguinhos tais como mesa de pinguepongue e alvo para dardos, alguns bancos toscos e uma estante com alguns livros evanglicos". Outro rapaz que vim a conhecer bem naquela poca foi Nicholas. Tanto o pai como a me j tinham sido processados por venda de drogas, e a famlia toda vivia numa das piores casas que j vi. As duas filhas mais velhas

eram prostitutas. E todos moravam em apenas um cmodo pequeno e malcheiroso. Os membros da igreja no gostavam de Nicholas, pois ele, do mesmo modo que Chan Wo Sai, exercia uma influncia negativa sobre os outros alunos da escola. Naturalmente eles sabiam que suas irms eram meretrizes e o pai viciado em pio. Na opinio deles, o fato de eu receber Nicholas em nosso clubinho implicava em descrdito para o bom nome da igreja crist. Eu no devia nem ser vista em companhia dele. Eu sabia que o rapaz tinha m conduta e estava sempre dando trabalho. Mas eu o amava, embora isso fosse absurdo. Jesus viera ao mundo por causa de pessoas iguais a ele, o que tambm no fazia muito sentido. Resolvi ento fazer-me amiga dele e visit-lo seguidamente. Interessava-me bastante por ele. Encontrava-o nos antros de droga, e, quando era preso, acompanhava-o delegacia, e ali orava por ele. Mas nada disso o tocava para que se modificasse. Vim a compreender depois que naquele lugar de tamanhas trevas no havia a noo do conceito de retido. O crime, a mentira e a corrupo eram coisas certas, desde que dessem lucro. Mas as pessoas que assim pensavam assumiam uma atitude de moralidade em minha presena. E achavam que tal atitude era correta, j que eu era representante da Igreja, do Sistema. Nicholas um menino terrvel, dizia a me, repreendendo-o bem na minha frente, e

depois se lamentava: no sei por que meus filhos so todos uns perdidos. E ela era uma pessoa que preparava os saquinhos de herona para vender aos viciados. Tempos depois, uma das meninas mais novas, Annie, tambm se tornou prostituta. Mas, afinal, acabou fazendo um bom casamento. O noivo era for-gei, mas tambm trabalhava para a polcia, fazendo a arrecadao do dinheiro do suborno. Annie ficou muito feliz de se casar com ele, pois o rapaz tinha seu prprio carro. E sua me tambm ficou encantada. Certo dia, quando eu caminhava pela rua, um velho correu ao meu encontro. Tinha o rosto esqueltico dos viciados em pio, e estava furioso. Poon Siu Jeh, voc tem que reclamar na polcia. Era proprietrio de um salo de consumo de pio, um homem muito importante na Cidade Murada. E por que eu deveria reclamar? indaguei. Por que fecharam todas as salas de pio, disse ele muito encolerizado. Mas estou muito satisfeita de saber que fecharam as salas de pio, respondi. Por que deseja que eu reclame? Porque deixaram as de herona funcionando, e pagamos a eles a mesma quantia que os outros. Isso no justo. No se tratava do que era certo e errado, mas justo e injusto.

Joseph foi um dos primeiros presidentes do clubinho. No tinha nenhuma ligao clara com o crime organizado, como Nicholas e Chan Wo Sai. Quando ele estava com seis anos, seu pai casou-se de novo; e como a madrasta no gostasse dos enteados, no lhes dava o que comer. Ento Joseph e sua irm Jenny tiveram que sair mendigando. Mas um pastor de Novos Territrios os apanhou e enviou para a escola da Tia Donnie. Depois de terminar o curso primrio, Joseph arranjou um quarto para morar e ps-se a trabalhar em servios pesados, sempre que conseguia algum. Pouco depois, sua irm foi morar com ele. Depois, tipos como Nicholas comearam a freqentar seu cmodo, passando a noite ali, e seu quartinho se tornou uma "incubadeira" de quadrilheiros. Passei a visit-los com regularidade. A irm tambm estava correndo perigo moral. Aos quinze anos era muito bonita, e estava-se deliciando com a liberdade que tinha. Podia conversar vontade com os amigos do irmo. Senti que, se continuasse morando com ele, ela iria fatalmente acabar tomando o caminho inevitvel. No poderia abrigar a ambos em minha casa, j que havia outra moa da Cidade Murada, Rachel, morando comigo. Mas achei que Jenny poderia vir. Convenci-a a sair de l para ficar conosco. Arranjei uma escola secundria para ela, mas o desejo da moa era voltar para a Cidade Murada, e durante o perodo em que esteve conosco, causou-nos muitos problemas.

Outro rapaz que freqentava assiduamente o clubinho era Christopher, que morava num casebre. Para se chegar l, descia-se por uma ruela escura, onde no penetrava a luz solar. Em determinado ponto, havia alguns galinheiros feitos de engradado de refrigerantes. Era ali. Subia-se uma escadinha de madeira, e estava-se na casa dele. A porta era aberta de baixo para cima, como um alapo. Era apenas um cmodo. Uma cortina servia de tapume para o canto onde a famlia dormia. Nele havia apenas dois beliches e todos dormiam naquelas duas camas, os pais e seis filhos. O resto do aposento estava ocupado por imensas pilhas de artefatos de plstico, com os quais a me dele trabalhava, ganhando mais ou menos um dlar por dia. Todos os filhos tinham que ajud-la. A filha mais nova nem chegara a terminar a escola. Aos treze anos fora trabalhar numa fbrica de artigos de plstico. E todo o dinheiro que ganhava tinha que ser entregue me. E depois que chegava do servio, tinha que trabalhar mais, pregando lantejoulas em roupas. Quando fazia uma blusa de frio, por exemplo, ganhava mais trs dlares, que, naturalmente, seriam de sua me. Assim Christopher comeou a trabalhar, e seu dinheiro tambm era entregue me. Era uma tradio dos chineses, uma lei no escrita: os filhos tinham que pagar aos pais pelo sustento deles recebido. A ambio dos pais era aposentarem-se e serem sustentados

pelos filhos. Os jovens chineses no tinham nenhuma satisfao ao receberem seu pagamento, pois nunca ficavam com ele. Os pais retinham tudo. A me de Christopher foi assim ajuntando dinheiro e, mais tarde, comprou um apartamento para si, fora da Cidade Murada. Muitos casais chineses tm famlia numerosa por razes econmicas: para que fiquem ricos ao envelhecer. Tive a impresso de que a afeio familiar no se baseava em um amor mtuo, mas, sim, em interesses econmicos. Ah Lin, a irm mais nova de Christopher, afinal se rebelou contra aquela explorao. Conheceu em sua fbrica um rapaz que gostava dela, mas a me proibiu o namoro. Tambm no permitia que ela freqentasse o clubinho, pois as atividades dele eram, em sua maior parte, recreativas. O divertimento, pura e simplesmente, no deveria existir para ela. A menina tinha que ficar em casa, e olhar os irmozinhos, ou ento montar as peas dos objetos de plstico, ou buscar gua. Finalmente, a garota, com quatorze anos, fugiu de casa e foi morar com o rapaz. A me conseguiu peg-la de volta e trancou-a em casa. O que ela fizera significava no apenas vergonha para a famlia, mas tambm um rombo nas finanas dela. Sendo as meninas tratadas assim, como se fossem bens particulares, no de se estranhar que cassem na prostituio para se libertarem.

Minha tarefa era fazer o povo da Cidade Murada entender quem fora Cristo. Se no conseguiam compreender as palavras que pregvamos sobre Jesus, ento ns, os crentes, tnhamos que demonstrar na prtica quem ele era, pelos nossos atos e conduta. Ento iniciei o que eu chamava de "andar a segunda milha". Parecia que havia muitos cristos que no se importavam de andar a primeira milha; muitos que no se dariam ao trabalho de andar duas e nenhum que quisesse andar trs. Aquele povo ali precisava que se andasse com eles uma maratona. Fui-me envolvendo cada vez mais com os rapazes, seus familiares e seus problemas. Implicava em viver diante deles de maneira prtica, para que vissem quem Jesus era, e o conhecessem. Um exemplo desse tipo de conduta foi o que se deu, quando um dos rapazes me pediu que ajudasse sua irm a conseguir matrcula numa escola secundria. O processo normal era ficar na fila um dia inteiro, apenas para pegar um formulrio para fazer o exame de admisso. Aquela famlia esperava que eu simplesmente fosse diretora e lhe dissesse: Olhe, eu sou fulana de tal, conheo o Dr. Sicrano. Ser que poderiam admitir aqui essa menina? Mas no fiz isso. Entrei na fila, como todo mundo, e eles ficaram muito espantados, pois quando haviam pedido meu auxlio, no era isso que tinham em mente.

Eu s podia dar esse tipo de ajuda durante as frias, pois estava dando aulas de msica em tempo integral no Colgio AngloChins para meninas. Mas durante muito tempo, muitas pessoas se agregaram a mim simplesmente pensando que, se ficassem em meu grupo, talvez conseguissem um certificado de batismo ou um documento qualquer que lhes possibilitasse emigrar para os Estados Unidos. Eram os "crentes da sopa". Tratavam-me como haviam tratado outros missionrios, crendo que eu fosse uma presa fcil. Estavam constantemente pedindo dinheiro emprestado. E no acreditavam, quando eu lhes dizia que no o tinha. Os dilogos eram quase sempre mais ou menos assim: Poon Siu Jeh, estou sem emprego e meu dinheiro acabou. Mas eu no tenho dinheiro. Ah, mas voc deve ter sim. Voc muito rica. No; no tenho dinheiro nenhum. Tem, sim. Voc tem uma igreja na Amrica que a sustenta. No, no tenho igreja. E eu vim da Inglaterra. Mas no sou sustentada por igreja nenhuma. Ah, qualquer dia desses voc pega um jato e volta para sua terra. No; no existe a menor probabilidade de isso acontecer, pois no tenho dinheiro para a passagem, respondia eu com toda a sinceridade.

Ento seus pais lhe mandam dinheiro. Meus pais tambm no tm muito dinheiro, replicava. Aquela altura, Ah Ping entrava na conversa. Ele pensava um pouco mais que os outros, e seus comentrios eram sempre mais precisos. , talvez voc no tenha dinheiro mesmo, mas sempre pode ir embora, se quiser. Ns no podemos. No temos para onde ir. Mas vocs, os ocidentais, podem pegar o avio e ir embora, e depois se esquecem completamente de ns. No, Ah Ping. No estou pensando em ir embora e esquecer vocs. Mas Ah Ping sabia falar, quando se entusiasmava. E hoje ele iria dizer uma coisa que todos eles pensavam. Vocs, os ocidentais, continuou ele, vm aqui e falam de Jesus para ns. Ficam aqui um ou dois anos, para aplacarem a conscincia, e depois vo embora. Esse Jesus chama vocs de volta para fazer outro trabalho, na sua ptria. verdade que l muitos conseguem angariar bastante dinheiro para ns, povos mais carentes. Mas continuam bem, morando em belas casas, com geladeiras e empregados, enquanto ns continuamos vivendo aqui. Mais cedo ou mais tarde, voc tambm ir embora. Era um forte libelo contra aqueles evangelistas que chegavam a Hong Kong, cantavam lindos hinos sobre Jesus e depois pegavam o avio e iam embora.

timo, dizia Ah Ping, timo para eles e para ns tambm. Teramos muito prazer em crer em Jesus, se tambm pudssemos pegar um avio e viajar pelo mundo todo, como eles. muito fcil para eles cantar hinos que falam de amor, mas o que sabem a nosso respeito? Nada; no sabem nada. E no nos conquistam tampouco. Houve ocasies em que tentei conversar com os guardas das salas de jogo, mas quando mencionava que Jesus os amava, eles acenavam a cabea afirmativamente. timo! Muito bom! diziam. Mas isso no significa nada para ns. E no significava mesmo, pois a maioria nem tinha idia de quem era Jesus, e do que fosse amor. E eu continuei a pregar, dizendo que Jesus poderia dar-lhes uma nova vida, mas no pareciam entender nada.

5 Luz nas TrevasJesus no apenas afirmou que era Deus, ele demonstrou isso. Fez os cegos recobrarem a viso, os surdos, a audio, e os mortos voltarem vida. Alguns cristos diziam que estas coisas ainda aconteciam em nossos dias, mas eu no as estava vendo. Meus amigos missionrios no podiam auxiliar-me muito nessa questo. Muitos deles tinham vivido sempre na China e se sentiam meio desarvorados. Alguns ainda tinham certos ranos culturais, e comearam a influenciar-me a tal ponto, que passei a me preocupar com detalhes tais como se devia usar vestidos sem mangas ou se devia ir nadar aos domingos. Eu no pertencia a nenhuma misso, e, na verdade, estava bem livre de

imposies. Contudo, estava me sentindo tolhida, infrutfera. Certo dia fui tocar harmnio na Capela. L conheci um casal chins que iria dirigir o culto, e percebi neles uma vitalidade e um poder que eu desconhecia. Imediatamente, tive vontade de saber por que eram to diferentes. No falavam ingls muito bem, e eu mal falava chins. Voc no possui o Esprito Santo, disseram. Ligeiramente indignada repliquei que o tinha sim. " lgico que possuo o Esprito", pensei comigo mesma. "Se no o tivesse no poderia crer em Jesus." Mas estava claro que aquele casal tinha algo que eu no tinha, e eu o reconhecera, apesar de no ter entendido bem a mensagem. Eles denominavam-no possuir o Esprito Santo, ao passo que eu preferia outra expresso. Mas, se Deus tinha outra bno para mim, gostaria de receb-la, e deixaria para depois a nomenclatura teolgica. Ento combinei visita-los em seu apartamento no dia seguinte. O apartamento deles, como milhares de outros da cidade, tinha apenas um cmodo. Havia ali uma mesa sobre a qual se viam um prato com laranjas e outro com pedaos de flanela molhada. As laranjas eram usadas tradicionalmente pelos chineses para qualquer comemorao, e os pedaos de flanela eram para quando eu chorasse.

Senti meu corao pulsar com fora, pois no sabia exatamente o que iria acontecer ali. Ento me sentei, e eles impuseram as mos sobre minha cabea e comearam a falar repetidamente: Agora comece a falar, agora comece a falar, agora comece a falar... Mas no aconteceu nada. No grupo de West Croydon havia algumas pessoas que falavam lnguas estranhas, mas ningum gostava de conversar muito sobre esse dom. Parecia-me maravilhoso ter uma nova lngua na qual pudesse expressar a Deus todos os pensamentos, mas fechei a boca firmemente. Se Deus quisesse dar-me o dom, ele teria que faz-lo, e no eu. Contudo, estava-me sentindo cada vez mais envergonhada, alm de um grande desconforto e muito calor. Eles iriam ficar muito desapontados, se nada acontecesse. Afinal, no consegui me conter mais, e abri a boca para dizer: "Ajudem-me!" Foi a que comeou. Logo que fiz aquele esforo consciente para abrir a boca, percebi que estava falando fluentemente uma lngua que nunca aprendera. Era uma lngua muito bela, bem articulada, suave e coerente. No tive a menor dvida de que tinha recebido o sinal. Mas no me sobreveio nenhuma alegria esfuziante. Foi totalmente desprovido de emoo. O casal chins ficou encantado ao ver que eu falara em lnguas, embora um pouco surpreso de no me ver chorar. Mas eles

choraram um pouquinho. Ainda me sentia um pouco constrangida, e sa assim que pude. Quando estava porta, disseram-me: Agora voc pode esperar que os outros dons do Esprito vo aparecer tambm. Mas no entendi bem o que quiseram dizer. Na semana seguinte, todos os dias, ficava esperando que o dom de cura ou o de profecia surgissem de repente. Eram os dois nicos dons do Esprito de que eu ouvira falar. Eu no tinha dvida nenhuma acerca da validade e do uso deles, mas no sabia quando uma pessoa reconhecia que os possua. Outra coisa que me intrigava um pouco era o fato de no estar dominada pela emoo. Lera livros que haviam-me deixado com a impresso de que aquela experincia iria fazerme andar nas nuvens. Procurei, ento, algum em Hong Kong que pudesse dar-me umas explicaes sobre isso, mas no encontrei ningum. Alguns amigos missionrios me disseram, em tom sombrio: Na China, aconteceu uma coisa muito perigosa que ocasionou diviso nas igrejas. Os missionrios pentecostais informaramme que haviam feito um acordo com os demais evanglicos de no conversarem com outros sobre os assuntos em que divergissem, falando s sobre Jesus. Mas o ensino sobre os dons estava na Bblia, tinha vindo de Deus, como isso poderia ser perigoso? Com o passar dos meses, comecei a pr de lado a questo toda. A experincia no havia mudado em nada a minha vida

espiritual. Ainda continuava rondando a Cidade Murada, todas as noites ia a um culto qualquer, procurava ajudar as pessoas, mas parecia que no estava conseguindo nada. Senti como se tivesse sido enganada. "Quem eles pensam que so?" indaguei comigo mesma, na primeira vez que ouvi falar do casal Willans. Era um casal americano, a filha Suzanne e uma amiga, Gail Castle, que acabara de chegar a Hong Kong. Eles iam realizar reunies de orao. "Hong Kong no precisa de mais reunies de orao. Eu mesma tenho reunies todos os dias. Eles deveriam, primeiramente, conhecer a situao da igreja aqui." J haviam-se passado dois anos desde que eu chegara da Inglaterra, e um ano que eu supunha haver recebido "o dom do Esprito". Sentia-me uma autoridade na questo de reunies de orao da Colnia. Mas uma amiga minha, Clare Harding, insistiu em que eu fosse, dizendo que seria uma reunio carismtica. Est bem, vou freqentar durante algum tempo, respondi. E foi ento que fiquei conhecendo Rick e Jean Stone Willans. Voc tem o dom de lnguas, Jackie? indagou Jean. Ora em lnguas? Para dizer a verdade no o fao. No vejo nele muita utilidade. No me ajudava em nada; ento parei de orar. Mas isso um grande erro, disse ela. No se trata de um dom de emoo, para satisfao prpria, um dom do Esprito. A

Bblia ensina que aquele que ora em lnguas edificado espiritualmente. Portanto, no se importe muito com o que sente, exercite-o. E assim ela e Rick me fizeram prometer que iria orar em minha lngua celestial todos os dias. E em seguida, para meu espanto, sugeriram que orssemos juntos em lnguas. Eu no estava muito certa se isso era correto, pois a Bblia ensina que as pessoas no podem falar lnguas em voz alta, todas ao .mesmo tempo. Explicaram que Paulo se referia a um culto pblico, onde um estranho poderia entrar e pensar que estavam todos loucos. Mas ns trs ali no iramos escandalizar ningum. Iramos simplesmente orar a Deus numa lngua que ele nos concedera. No houve jeito de escapar, e ento nos pusemos a orar. Senti-me meio ridcula, dizendo coisas que no entendia. Mas, em dado momento, eles pararam de orar e eu fui impelida a continuar. Faria qualquer coisa para no estar ali, orando em voz alta, em lngua estranha, diante daqueles americanos. Mas quando pensei que estava para morrer de vergonha, Deus me falou: Voc no quer ser ridcula por amor a mim? Entreguei os pontos. Est bem, Senhor, isso no faz muito sentido para mim, mas como foste tu quem inventaste esse dom, ele deve ser bom. Quando acabamos de orar, Jean falou que Deus lhe havia dado a interpretao do que eu dissera. Meu corao estivera clamando pelo Senhor, como se estivesse nas profundezas de

um vale, e ele no pico das montanhas. Eu lhe dirigira palavras de adorao e suplicara que ele me usasse. Tomei a deciso de nunca mais desprezar o dom, se Deus me ajudasse a orar daquela maneira todas as vezes em que o exercitasse. Aceitei o fato de que ele estava-me ajudando a aperfeioar minha comunho e splica. E, dali por diante, passei a orar todos os dias na linguagem do Esprito. Antes de faz-lo, porm, eu dizia: Senhor, no sei orar e nem por quem devo interceder. Peo-te que ores por meu intermdio, e me conduzas s pessoas que te desejam. Mais ou menos um ms e meio depois, comecei a notar que acontecia um fato maravilhoso. As pessoas com quem eu falava de Cristo, criam nele. A princpio, no entendi direito, e pensei que tinha descoberto, por acaso, uma nova e excelente tcnica de evangelizao. Mas, na verdade, eu dizia as mesmas coisas que antes. Depois compreendi o que havia acontecido. Eu estava falando de Jesus a pessoas que realmente desejavam ouvir. Deixara que Deus participasse de minhas oraes e isso tivera um resultado direto em meu trabalho. Eu estava pedindo a Deus que realizasse sua vontade por meu intermdio, quando orava na lngua que ele me dera. E no poderia orgulhar-me de nada. S poderia maravilhar-me de ver como Deus permitia que eu tivesse uma pequena

participao em sua obra. E a veio a emoo. Ela veio, quando vi os resultados dessas oraes. Passei a conhecer melhor os Willans, e eles se me tornaram timos amigos e conselheiros. Experimentei mais uma vez a gloriosa liberdade de viver, que possumos em Cristo Jesus. Ao me converter, eu aceitara o fato de que Jesus havia morrido por mim, mas a partir de ento eu comeava a ver os milagres que ele estava operando no mundo hoje.

6 As Quadrilhas Hai bin do ah? De onde voc ? Aterrorizado, o rapazinho fitou os quatro membros da famigerada quadrilha 14K que avanavam para ele ameaadoramente. Em

gria da quadrilha, estavam indagando a qual daqueles grupos ele pertencia. Mas o rapaz no conseguia responder, tremia demais. M'gong? No quer falar, hein? Ah Ping, o porta-voz da turma, aproximou-se mais at ficar a um passo dele. No havia meio de escape. O rapaz estava encurralado num dos becos da Cidade Murada. Eles o atormentavam, ironizando seu medo, avanando lentamente, como que deliciandose sadicamente com o pavor que lhe inspiravam. O primeiro soco veio com grande rapidez, e atingiu-o nas costelas o treinamento que os chineses tm no kung-fu produz grande flexibilidade e economia de movimentos, que torna o soco preciso e mortal. O menino caiu, e logo recebeu mais pancadas no estmago, peito e virilha. Ele gemia, e se contorcia, mas no disse nada. Ento os outros foram empurrando-o rua abaixo, chutando-o, enquanto ele seguia aos tropees, e depois se afastou manquejando. Ficou ento sabendo o que acontecia, quando algum entrava em territrio inimigo, sem a devida proteo. Aquilo dava enorme satisfao aos membros das quadrilhas. Eles estavam no controle de tudo que se passava ali em seu territrio. Foi a que fiquei sabendo que o salo que eu alugara situava-se bem no meio da rea controlada pela 14K, pois acabava de presenciar aquela cena repulsiva. Por que fizeram isso? indaguei. O que aquele rapazinho fez a vocs?

Ah Ping deu de ombros. Talvez nada, respondeu anuindo. Mas ele no se identificou, ento tnhamos que darlhe uma lio. Provavelmente dos nossos inimigos, o Ging Yu, e temos que mostrar a eles quem que manda aqui. Nos seus primrdios, a Sociedade Trade era uma agremiao secreta chinesa, cujos membros faziam o juramento de derrubar o governo dos opressores estrangeiros, e restaurar ao poder a casa governante da China, a Dinastia Ming. Nos dias atuais, a antiga Sociedade Trade encontra-se degenerada, tendo-se subdividido em centenas de pequenos grupos, todos alegando ser um prolongamento da tradicional Sociedade Trade. Na verdade, no passam de quadrilhas de marginais, que utilizam esse nome e os rituais da antiga sociedade apenas para camuflar suas atividades criminosas. No passado, o indivduo que quisesse filiar-se a uma das sociedades trades tinha que submeter-se a uma srie de rituais. Entre eles contavam-se decorar poesias, aprender certas formas de aperto de mo e assinaturas, e beber sangue, bem como derramar sangue. Quando um homem entrava para uma delas, tinha que jurar que iria seguir seu "irmo" para sempre. Este era conhecido como daih lo, irmo maior; e o iniciante era o sai lo, irmo menor. E esse lao era indissolvel. Um candidato a membro da Sociedade Trade poderia pedir a um membro efetivo dela que o deixasse "segui-lo", e assim

este se tornava seu irmo maior. Cada quadrilha possua uma complicada hierarquia de deveres e posies de liderana. Alguns dos chefes eram identificados por nomes estranhos, e outras vezes apenas por nmeros, tais como 489, 438, 26 e 415. Os membros comuns eram chamados penas de 49. As quadrilhas espalhavam terror por toda a Hong ong, o que facilitava a extorso de pagamento por proteo. A Cidade Murada era sede perfeita para as quadrilhas. Ali operavam dois grupos principais, geograficamente separados por determinada rua. O Jing Yu tinha o controle de todas as salas de venda consumo de herona. Tambm recebia o pagamento por proteo, e explorava a prostituio no setor a este da Rua Principal. Mas os quadrilheiros mais temidos eram os da 14K. Esse nome deriva do fato de ela haver sido organizada na Rua Wah, n. 14, em Tanto, com o objetivo de ajudar a causa da China Nacionalista. Dizia-se que ela contava com cem mil membros em todo o mundo, e mais sessenta mil s em iong Kong, e que controlava o comrcio do pio, os antros de jogatina, filmes pornogrficos, bordis de crianas e outros negcios, no setor oeste da cidade. Seu comando era descentralizado, e a quadrilha dele cada rea tinha seu prprio dirigente, que cuidava los interesses dela no local. Mas todos conheciam os chefes principais, e os membros das quadrilhas-irms eram chamadas de "primos". Assim, em questo de minutos, um grupo trade poderia

chamar a si dezenas de "irmos", e, caso necessrio, podia organizar ama briga em poucas horas, envolvendo centenas de quadrilheiros. Enquanto as pessoas no ligadas s trades andaram pela cidade "rezando" para no serem detidas, at mesmo os que pertenciam a Ging Yu ou 14K, quando saam dela, s caminhavam em seu prprio territrio. Eu, porm, andava por todas as ruas indistintamente, chegando a conhecer o lugar melhor que os prprios marginais, que se achavam restritos a apenas um lado da cidade. Os quadrilheiros que conheci observavam aquela velha mxima de que existe honra at mesmo entre ladres. Em troca de uma obedincia irrestrita por parte do seu sai lo, o daih lo lhe prometia proteo. Se um irmo menor fosse preso, o seu irmo maior tinha que tomar providncias, para que na priso ele recebesse comida, drogas e proteo, embora fizessem restries ao uso de drogas, j que sua ausncia diminua sua utilidade para a quadrilha. E foi minha preocupao pelos viciados que mais tarde me aproximou de alguns lderes trades, levando-me a tomar ch com eles. No fiquei espantada ao saber que Christopher iria ser iniciado numa 14K. Como poderia andar por ali, se no pertencesse a uma quadrilha? Ele freqentara o clubinho com certa assiduidade, mas, depois de certo tempo passou a me evitar. Todas as vezes que

tentava aproximar-me dele, desaparecia. Comeou a jogar e estava sempre em companhia de marginais. Contudo, no queria que eu visse o que estava fazendo. Chegou o dia em que o apanhei. Encontramo-nos frente a frente, num beco muito estreito, e ele no poderia dar para trs. Estava encurralado. Eu carregava meu pesado acordeon e pedi-lhe que carregasse o instrumento para mim, oficina de consertos. E enquanto caminhvamos, eu ia conversando com ele. Christopher, em sua opinio, por que Jesus veio ao mundo? Ele no respondeu. Foi por causa dos ricos ou por causa dos pobres? continuei. Por causa dos pobres, disse. Mas ele ama os bons ou os maus? indaguei. Jesus ama os bons, Sr.ta Poon. Errado. Sabe de uma coisa? Se Jesus vivesse no mundo hoje, estaria aqui na Cidade Murada, sentado naqueles engradados de laranjas, conversando com as prostitutas e cftens, bem l na lama. No correto dizer a um chins que ele est errado, mas eu estava ansiosa para que ele compreendesse o que eu queria comunicarlhe. No era hora de me importar com convenes. Era nas ruas que ele passava grande parte do tempo, conversando com criminosos conhecidos, e ia numa igreja arrumadinha e limpa, esperando que os bonzinhos fossem l.

E por que ele fez isto? perguntou incrdulo. Porque foi para isso que veio, respondi lentamente. No foi para salvar os bonzinhos, mas para salvar os maus, os perdidos. De repente Christopher parou. Estava pasmado com o que ouvira. Aquela altura, tnhamos sado da idade Murada e passvamos pela rua do mercado, ele disse que queria ouvir mais, e ento deixamos o acordeon na oficina ali perto e nos sentamos num banco pblico. Narrei-lhe a histria de Naam, o general que fora atacado de lepra, e conclu: muito simples. A nica coisa a fazer buscar Jesus e ser purificado. Os veculos passavam por ns aos roncos; o povo conversava em altos brados, como se faz em Hong Kong. Um avio desceu para aterrissar. Mas hristopher no estava escutando nada. Tinha os olhos fechados e falava baixinho. Estava confessando a Jesus que falhara em sua vida, e lhe pedia que o purificasse. E sentado ali beira da rua poeirenta e barulhenta, ele se tornou crente. No sbado seguinte, ele apareceu no clubinho e stemunhou diante dos outros, dizendo que na semana anterior no cria em Jesus, mas agora o conhecia, na palavra foi acolhida, a princpio, com silncio. Ias logo comearam as chacotas e risos. Rapazes de famlia ruim simplesmente no se tornavam crentes, isso era para moos bons, educados, classe mdia. Ele devia estar brincando.

Mas no estava. E recusou-se a continuar com sua iniciao na quadrilha. J estava com o livro de regulamentos que deveria memorizar, mas devolveu-. Uma coisa dessas nunca acontecera antes, no meio aquela gente. E sua deciso foi uma revelao para mim tambm. Jesus estava em Hong Kong tambm, tanto quanto estava na Inglaterra; e aqueles que o buscassem poderiam encontrlo. A transformao que se operou em Christopher foi notvel. Passou a trabalhar to bem na fbrica, que foi promovido. Passava todo o tempo livre no clubinho, e aos domingos ia aos cultos na igreja. Continuei a orar em Esprito em minha devoo particular, e outros rapazes como Christopher tambm fizeram a deciso de converter-se a Cristo. Reunamos para estudar a Bblia e orar, muitas vezes, e um dia, quando estvamos orando, um deles recebeu uma mensagem em lnguas. Esperamos uns instantes, e da a pouco Christopher comeou a dar a interpretao, em cntico. "O Deus, que me salvas das trevas, D-me fora e poder Para que eu viva no Esprito Santo, Lute contra o diabo com a Bblia, Fale aos pecadores desse mundo E os leve a pertencer a Cristo."

Bobby, um outro rapaz, tambm recebeu a mesma interpretao. Embora nosso grupinho estivesse crescendo, nem todos os rapazes que freqentavam o clube sabiam ao certo por que eu estava ali. Muitos vinham apenas por causa das vantagens que obteriam. Fazamos piqueniques aos sbados ou acampvamos, e eles no tinham que pagar nada. Contudo, no eram gratos. Consideravam-se pessoas necessitadas, e supunham que eu era sustentada por uma instituio muito rica. Eram exigentes e agressivos. Um desses era Ah Ping. Naqueles meses e anos de contato, eu chegara a conhecer Ah Ping muito bem. Ele ia ao clubinho muitas vezes. Fora iniciado numa quadrilha trade com apenas doze anos, e j tinha fama de bom lutador. Certa noite, quando cheguei ao clubinho, ele estava vagando pela rua. Eu me sentia meio deprimida, e ele percebeu isso. melhor voc ir embora, disse. Largue este lugar, Poon Siu Jeh. No adianta trabalhar por ns. Procure estudantes bem comportados e pregue para eles. Eles sero timos crentes. Ns no prestamos, (o sei por que voc no desiste. Voc arranja estudo ara ns, e no vamos s aulas. Arranja empregos, e ns os perdemos. Nunca mudaremos. Ento, por que inda fica aqui? Fico porque foi isso que Jesus fez por mim. Eu tambm no o queria, mas ele no esperou que eu o quisesse, para depois morrer

por mim. Ele morreu, morreu por mim, quando eu ainda o odiava. Apenas disse que me amava e que me perdoava. Foi esse Jesus que veio ao mundo e ressuscitou os mortos, que fez milagres e s praticou o bem. E ama voc tambm, do lesmo jeito. A princpio, Ah Ping no disse nada, depois falou. No pode ser; ningum ama a gente desse jeito. Quer dizer, ns... e sua voz ficou embargada. Mas logo em seguida ele prosseguiu: Quero dizer, ns vivemos estrupando, roubando, brigando, esfaqueando. Ningum pode nos amar assim. Pois Jesus os amou. Ele no gosta das coisas que vocs fazem, mas ama vocs. Isso pode parecer stranho, mas ele disse que todas as coisas erradas que vocs praticaram eram dele, e quando ele morreu ia cruz, declarou-se culpado de todos os nossos rimes. Isso muito injusto, no ? Mas se voc lhe entregar todas as coisas ruins que j praticou, ele lhe dar sua nova vida. como se voc lhe entregasse sua roupa suja e recebesse as dele, completamente limpas. Ah Ping estava esmagado. Era difcil acreditar que existisse um Deus assim. E ele se sentou ali e pediu a Jesus que o perdoasse e transformasse sua vida. Ele foi o primeiro quadrilheiro a ligar-se aos Tentes. Quando estava com apenas quatorze anos, ima jovem prostituta ofereceuse para "sustent-lo" ;m troca de proteo.

Mas a partir de ento todo o seu nodo de vida se modificou de forma radical. Todas as noites ele levava seus "irmos" para o clubinho e me pedia que lhes falasse de Jesus. Os poucos freqentadores do clube que tinham a vida certinha os alunos da escola pararam de ir, pois sentiam que estavam sofrendo discriminao. Eu achava, porm, que havia dezenas de lugares em Hong Kong onde aqueles rapazes podiam receber cuidados e assistncia, e ento no impedi que se fossem. E foi somente muitos anos depois que conseguimos reunir esses dois tipos de pessoas to diferentes: os maus e os "bonzinhos". Alguns amigos de Hong Kong vieram a conhecer Ah Ping e o convidaram para dar seu testemunho na igreja, num sbado. Tome muito cuidado, disse-lhe eu. Satans no gosta quando uma pessoa fala de Jesus. Provavelmente ele tentar atac