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  • 8/16/2019 Cabral Eugenia Primeiras Historias

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    Primeiras Histórias – O surgimento das imprensasfeminina e feminista no Brasil

    Eugênia Melo Cabral∗

    Índice

    1 O Cenário   12 As Personagens   23 O Texto   34 Conclusão   45 Bibliografia   5

    Resumo

    Este trabalho analisa, em uma abordagem

    histórica, o ambiente cultural e social emque os primeiros veículos de imprensafeminina apareceram no Brasil e sua funçãona educação da mulher. O início da históriada imprensa feminista brasileira tambémé retratado discutindo sua mudança deabordagem através do tempo.

    Palavras-chave:  Impressa feminina, Im-prensa feminista, História do JornalismoBrasileiro, Comunicação e Gênero.

    ∗Jornalista graduada pela Universidade Federal doCeará (UFC) com especialização em Assessoria deComunicação pela Universidade de Fortaleza (Uni-for) e em Teorias da Comunicação e da Imagem pelaUFC.

    Abstract

    This text analyses, in an historical approach,the cultural and social environment in whichthe first press directed to women were cre-ated in Brazil and their function in womeneducation. The beginning of feminist presshistory is also retracted in a view of itsapproach changing through time.

    Keywords: Women Press, Feminist Press,Brazilian Journalism History, Communica-tion and Gender.

    1 O Cenário

    Colonizado já no século XVI e negligenci-ado pela metrópole por quase cem anos, oBrasil do século XIX permanecia uma terraem sua grande parte erma. Havia poucascidades de maior prestígio, nenhuma no in-terior do país, e de vida cultural mais voltada

    a repetição de modas e notícias trazidas daEuropa.

    A formação intelectual não era preocu-pação em uma colônia analfabeta que sofriauma ocupação de exploração. LAJOLO(1991) define a catequese dos índios pelos jesuítas como o principal programa educa-cional promovido pela administração por-

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    tuguesa na colônia americana durante osséculos XVI e XVII.

    A situação melhora com a chegada, em1808, da Família Real ao Rio de Janeiro,que tem que sofrer uma rápida transfor-mação para dar ares europeus ao habitat danobreza. Porém, a Biblioteca Nacional, oJardim Botânico e a Imprensa Régia joga-dos de chofre em uma sociedade desconec-tada do resto do mundo provocaram o quemuitos autores consideram um “intelectual-

    ismo de salão”, um verniz social copiado eadaptado de Portugal e França.

    E a pouca importância dada à educaçãoperdurou mesmo assim. O censo de 1872revela uma população de 10.112.061 habi-tantes no país onde apenas 1.954.993 pes-soas sabiam ler e só havia 5.077 escolasprimárias e secundárias (HAHNER, 1981, p.32). Educação superior só se fosse nas uni-versidades européias.

    O início da produção literária nacionalé sofrido e padeceu de grande desvaloriza-ção da parte dos brasileiros que preferiamos autores estrangeiros. VASCONCELOS(2005) afirma que “entre 1808 e 1822, o quese constata entre os livros publicados pelaImpressão Régia, é uma preponderância deobras traduzidas do francês”.

    A produção cultural ficou concentrada,principalmente no Rio de Janeiro. Mesmo osfocos culturais que existiam não se comuni-cavam entre si, não havendo intercâmbio deprodução e unidade alguma na intelectuali-dade do país durante todo o Império.

    Quando as máquinas de imprensa foramliberadas, a produção jornalística pululou.Aqueles que tinham algo a dizer e din-heiro para tanto montavam um jornal. Elescostumavam ser efêmeros e marcados porquestões políticas. BUITONI (1981, p. 27)

    escreve que: “O século XIX foi um século deimprensa artesanal, das folhas tipográficas,que raramente ultrapassavam quatro páginas,a maioria de curta duração”.

    2 As Personagens

    O censo de 1872, aqui já citado, revelaque, da população considerada alfabetizada,1.012.097 são homens livres e 550.981 mul-heres livres. Até mesmo entre os escravos o

    número de homens letrados é o dobro do dasmulheres, 958 e 445 respectivamente.

    Inicialmente, não era incentivado à mul-her ler pelos riscos que implicava de rece-ber informações perniciosas ou comunicar-se com rapazes. Depois, foi permitido àsmoças que fossem ‘prendadas’. Elas rece-biam educação elementar e religiosa, algu-mas noções de língua estrangeira, bordadoe tarefas do lar. Às vezes, eram enviadas a

    colégios internos dirigidos por religiosas atéa idade de serem apresentadas à sociedadeem busca de um casamento vantajoso. Dopai para o marido, a submissão era deslocadae a obediência esperada era cega. Cabia aeles o papel de “protetores da inteligência eda moral das mulheres” (MORAIS, 2002, p.68), seres limitados e intelectualmente infe-riores aos homens.

    Foi por volta de 1870 que a revolução bur-guesa e o capitalismo ampliaram a atuaçãoda mulher na classe alta brasileira. “A par-tir do século XVIII, a questão da educaçãofeminina acrescenta peso econômico à sua jánotória dimensão ética, ao gerar virtuais con-sumidoras de literatura” (LAJOLO, 1999, p.238). Foi descoberto e consolidado o seulado de consumidora, não apenas de jornaise revistas, como em especial dos produtosanunciados neles.

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    Começa então um outro nível de cont-role da educação feminina. Ficam reser-vados a elas a literatura de tom moral-ista e doutrinário e os romances folheti-nescos. Essa literatura, dita feminina,era menosprezada e desqualificada peloshomens da época. Em 1902, o críticoliterário José Veríssimo afirma que a in-strução feminina não alcança a “grande lit-eratura” e o que elas lêem não pode serconsiderado “grande literatura” por ser apre-

    ciado por elas (LAJOLO, 1999, p. 244).A sociedade permitia e incentivava ape-nas leituras que mantivessem a mulher nomesmo patamar em que ela se encontrava.Delimitava-se, assim, o espaço da leiturafeminina. A autora complementa: “No con- junto, reforçavam o lugar social da mulher:sua educação por melhor que fosse, dirigia-se à ocupação deste papel, ao cumprimentodas tarefas de esposa e mãe” (LAJOLO,

    1999, p. 257).Muitos anos depois, quando ocorreu a en-trada feminina no mercado de trabalho, essaimagem foi mantida e reverberada. As mul-heres podiam ser professoras ou enfermeiras(como educadoras e cuidadosas mães), nãopodiam, porém, serem médicas ou advo-gadas. Criou-se uma divisão de espaçosonde o homem era superior na área públicaenquanto na particular apenas a piedosa emeiga mulher dominava.

    A instrução feminina foi então colocadacomo necessária à comunidade. As mulheresprecisavam ser educadas para serem boasmães e esposas e não para proveito próprio.

    3 O Texto

    O primeiro periódico feminino que se temregistro, Lady’s Mercury, foi lançado na Grã-

    Bretanha em 1693 quando no Brasil aindanão havia chegado a imprensa. Mais de umséculo depois, aparece o primeiro veículodirigido ao público feminino que se temnotícia no nosso país. É o   Espelho Dia-mantino  (1827) que tratava de política, lit-eratura, belas-artes e moda.

    A partir daí os títulos se sucedem pelo Riode Janeiro, Recife, e São Paulo. BUITONI(1981, p. 28) divide a imprensa femininado século XIX em dois grupos: “tradicional,

    que não permite liberdade de ação fora do lare que engrandece as virtudes domésticas e asqualidades ‘femininas’ e a progressista, quedefende os direitos das mulheres”.

    O primeiro é composto de jornais feitos,em sua maioria, por homens e com textosque transitam entre moda, entretenimento eserviços. Um dos principais foi   O Cor-reio das Moças, publicado no Rio de Janeirode 1839 a 1841. Em 1843, ele ganhou

    uma continuação chamada O Espelho Flumi-nense  (Todas as informações históricas sãode BUITONI, 1991, p. 37 a 45).

    Quando a   Semana Illustrada, de Hen-rique Fleiuss, surgiu em 1860 trazendo pelaprimeira vez ilustrações abriu-se um novoleque à imprensa feminina. Ela foi seguida,em 1876, pela Revista Ilutrada, que alcançoua marca de 4.000 exemplares, e pela   Il-lustração do Brasil, edição de luxo comgravuras feitas em aço e cobre.

    A   Revista Feminina foi a primeira publi-cação em estilo magazine no Brasil. Fun-dada por Virgilina de Souza Salles em1914, teve colaboradores como Olavo Bilac,Menotti del Piccha, Júlia Lopes de Almeidae Presciliana Duarte e circulou por 22 anos.

    O precursor do grupo progressista foi o Jornal das Senhoras, fundado em 1852. Oshistoriadores divergem sobre a responsável

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    inicial por ele. Foram editoras Cândida doCarmo Souza Menezes e Violante AtalibaXimenes de Bivar e Velasco. A autora doprimeiro editorial e quem dirigiu o jornalpor mais tempo foi Joana Paula Manso deNoronha.

    Estranhamente, o público alvo do  Jornaldas Senhoras  não era o feminino e sim oshomens. Era usada uma linguagem per-suasiva para convencê-los de que a mul-her não era uma boneca-propriedade deles.

    Houve nessa época, uma troca de imagem.A própria mulher reivindicava nos textos opapel de anjo e santa. Meigas e piedosasmães deveriam ser educadas para melhor en-sinarem os filhos e administrarem a casa.Para elas, era preferível ser idealizada e vistacomo companheira a permanecer como ob- jeto da casa do pai ou do marido.

    O Jornal não atingiu seu objetivo tendosido alvo marcadamente de críticas de ambos

    os sexos. “Embora impossível de avaliar ple-namente, a reação aos apelos fervorosos deO ‘Jornal das Senhoras’ parece incluir tantohostilidade masculina quanto timidez femi-nina” (HAHNER, 1981, p. 39).

    Outros periódicos feministas foram   OSexo Feminino   (1875-1877),   A Família(1889-1897) e   O Quinze de Novembro doSexo Feminino   (1890-1896). Com   O SexoFeminino, de Francisca S. da M. Dinizque também era proprietária do   Quinze de

     Novembro, ocorreu uma mudança de alvo.Desta vez, os textos esclareciam às mulheressobre sua condição na sociedade e seu poten-cial e ainda defendiam “a idéia essencial deque a dependência econômica determinava asubjugação feminina e de que uma educaçãomelhor poderia ajudar a elevar o status damulher” (HAHNER, 1981, p. 55).

    Fora da imprensa ideológica, os jornais

    eram utilizados para entretenimento, trocasde idéias e informações entre as classes.Os periódicos feministas começaram a levaras mulheres, em sua maioria de classe altae média, a repartirem experiências e orga-nizarem suas reivindicações. Além disso,“a imprensa feminina era um canal de ex-pressão para as sufocadas vocações literáriasdas mulheres, principalmente no campo dasproduções menores” (BUITONI, 1990, p.40).

    As mulheres participavam mandando ar-tigos sem se identificarem. No   Jornal dasSenhoras, grande parte dos textos era anôn-ima. Mesmo quando os artigos passaram aser assinados, o uso de pseudônimos ou ini-ciais foi maioria entre as autoras. A escritoraVirginia Woolf comentou em uma palestraum grupo feminista que a timidez e faltade segurança das mulheres na literatura erao resultado da formação recebida ao longo

    de toda a vida cujo objetivo era se tornarum “anjo da casa”, entidade de castidade ebenevolência com os homens reconhecendosua inferioridade e complacência como mul-her (MORAIS, 2002, p. 70 e 71).

     Belo Sexo, de 1862, aparece regido porJúlia d’Albuquerque Sandy Aguiar e trazmensagens mais sutis conclamando as mul-heres a lutar pelo progresso nacional. Júliafazia constantes referências à família e aomarido em seus textos, deixando sempreclaro que em primeiro lugar vinha suafamília, entretanto ansiava por participar efe-tivamente das grandes questões nacionais.

    4 Conclusão

    Esses jornais eram usados em campanha pe-los direitos das mulheres. Inicialmente di-reitos simples, tão elementares que, talvez,

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    hoje não se consiga enxergar a amplitude doque elas queriam e pelo que lutavam. O dire-ito de receber instrução completa e educaçãosuperior de forma digna, o direito de exercerprofissões quaisquer que desejassem, o dire-ito de ler e escrever e, mais tarde, o direitode exercer o voto.

    À medida que o século XX passava eramaior a consciência feminina de que não per-tencia ao lugar em que os homens as colo-cavam. Algumas não queriam mudanças na

    conjuntura das famílias. Outras queriam odireito de dizer não ao marido que o pai lheimpôs.

    O surgimento da imprensa feminina noBrasil respondeu a uma necessidade da bur-guesia de elevar o nível das mulheres desociedade e à necessidade das mulheres deexprimirem suas queixas e reivindicações.Logo, os movimentos feministas se apropri-aram desses mesmos canais. Os periódi-

    cos eram a voz de todo um gênero em umasociedade patriarcal onde até hoje, não sóa mulher como todos que apresentam dis-cordâncias ou diferenças da etnia dominantelutam para serem ouvidos e para fazer valero direito de igualdade entre os indivíduos.

    5 Bibliografia

    BUITONI, Dulcília Schoeder.   ImprensaFeminina.   2   a ed. São Paulo: Ática,1990.

    BUITONI, Dulcília Schoeder. Mulher de Pa- pel. São Paulo: Edições Loyola, 1981.

    HAHNER, June E.   A Mulher Brasileira eSuas Lutas Sociais e Políticas: 1850-

    1937.   São Paulo: Editora Brasiliense.1981.

    LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. A Formação da Leitura no Brasil.   3   a

    edição. São Paulo: Ática, 1999.

    LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A Leitura Rarefeita.   São Paulo,Brasiliense, 1991

    MORAIS, Maria Arisnete Câmara de.   As Leituras das Mulheres no séc. XIX  BeloHorizonte : Autêntica, 2002.

    VASCONCELOS, Sandra GuardiniTeixeira de.   Formação do ro-mance brasileiro: 1808-1860 (ver-

    tentes inglesas). Texto disponívelno site: http://www.unicamp.br/iel/memorial/Ensaios/Sandra/sandra.htmHamlet the Brazilian Way (Machado,Reader of Shakespeare). Portugueseliterary & cultural studies, v. 13/14, p.129-138, 2005.

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