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CABO VERDE AS ILHAS DA MORABEZA DEZ GRÃOZINHO DI TERRA De: Jotamont Es dez grãozinho di terra Qui Deus espadjá na mei di mar És é di nós és cá tomado na guerra É Cabo Verde terra querida Oh Cabo Verde terra 'stimada Terra di paz terra di gozo Tude quem djobel na sê regoge El ca ta bai, el crè ficá E s'el mandado el ta tchorá Tchorá sodadi di bôs morenas Quês ta levá na pensamento Tchorá recordaçons eternas Di tempo qui ca tinha sofrimento Ma mi'm tem fé na Noss Senhor M'ês vida c'a bai sempre assim M'el ta libiano di tudo nôs dor Pês sofrimento podê tem fim

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CABO VERDE AS ILHAS DA MORABEZA

DEZ GRÃOZINHO DI TERRA De: Jotamont

Es dez grãozinho di terra

Qui Deus espadjá na mei di mar És é di nós és cá tomado na guerra

É Cabo Verde terra querida

Oh Cabo Verde terra 'stimada Terra di paz terra di gozo

Tude quem djobel na sê regoge El ca ta bai, el crè ficá

E s'el mandado el ta tchorá

Tchorá sodadi di bôs morenas Quês ta levá na pensamento Tchorá recordaçons eternas

Di tempo qui ca tinha sofrimento

Ma mi'm tem fé na Noss Senhor M'ês vida c'a bai sempre assim M'el ta libiano di tudo nôs dor Pês sofrimento podê tem fim

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ÍNDICE DE ASSUNTOS A SUA HISTÓRIA . A Descoberta . O Povoamento . O Desenvolvimento Económico-Social . A Luta pela Autonomia DADOS GEO-POLÍTICOS . Geografia . Morfologia . Clima . As ilhas . Flora . Fauna A ESTRUTURA SOCIAL A IDENTIDADE A CULTURA . Literatura . Pintura . Arte Popular/Artesanato . Cerâmica . Cestaria . Esteiraria . Produção do Grogue . Música e Dança . Batuque . Coladeira . Funaná . Morna . Cantigas de trabalho . Músicas religiosas . Casamentos e Jogos de crianças . ARTISTAS CABO-VERDIANOS . Os Precursores . Estrelas e anónimos . Teatro . Gastronomia . Religião A EMIGRAÇÃO E A DIÁSPORA CABO-VERDIANA . Cabo Verde em Lisboa . A Informação, os Eventos . As Notícias di Terra . Cabo Verde (Breve Informação) . Outros Contactos Úteis

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A SUA HISTÓRIA A Descoberta Falar de Cabo Verde é encetar uma longa viagem na máquina do tempo, através da história, recuando até ao século XV; é olhar para o seu passado e percorrer esse destino crioulo, a fim de melhor compreender a realidade presente do arquipélago. Quem foram os primeiros humanos a descobrir os “dez grãozinhos de terra”? Esta questão não é pacífica, pois há fontes que indicam que pelo menos algumas ilhas já eram conhecidas de populações africanas, gregas e árabes antes da chegada dos portugueses. Santiago poderia ter servido como refúgio, durante as guerras tribais, às populações Wollof da zona continental que está em frente; a ilha do Sal poderia ter sido conhecida de outros povos que aí se deslocavam à procura de sal gema. Segundo Jaime Cortesão, apesar das informações incompletas fornecidas por geógrafos árabes, "...nos mapas que acompanharam a obra de Idrisi, figuravam algumas das ilhas, uma das quais tinha o nome de Aulil; alguns séculos mais tarde, o mapa mundo de Macias de Viladestes de 1413, que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris, apresenta em frente do Rio do Ouro, claramente identificado como sendo o Nilo do Ghana, isto é, o Senegal, duas ilhas de tamanho e forma iguais; e com o nome de Ilhas de Gaderi no mapa mundo de Andrea di Bianco de 1448. Estas mesmas ilhas aparecem de novo frente à costa entre o Senegal e Cabo Verde, com o nome de Dos Hermanos". No entanto, o conhecimento histórico do arquipélago de Cabo Verde remonta à época dos Descobrimentos e, embora não pacífica, prevalece a versão de que foi encontrado pelo português Diogo Gomes e pelo genovês António de Noli que, viajando juntos por conta do Infante D. Henrique, foram empurrados para oeste pelos ventos do Sul. As datas compreendidas entre 1460 e 1462 são referidas em dois documentos da época: a) o diploma de 3 de Dezembro de 1460 (vinte dias após a morte do Infante D. Henrique) que apenas faz referência às cinco primeiras ilhas do grupo ocidental: Sam Jacob (Santiago), Sam Filipe (Fogo), De las Mayes (Maio), Sam Christovam (Boavista) e Lana (Sal) que D. Afonso V doou a seu irmão D. Fernando; b) a Carta de Doação de 19 de Setembro de 1462, que se refere às cinco acima mencionadas, às cinco restantes e a dois ilhéus: ilha Brava, ilha de Sam Nicolau, ilha de Sam Vicente, ilha Rasa (ilhéu Raso), ilha Branca (ilhéu Branco), ilha de Santa Luzia e a ilha de Sant’Antonio (Santo Antão).

Estariam estas ilhas desabitadas? Também aí surgem algumas diferenças de opinião, como por exemplo a de António Carreira, que refere não se dever excluir a hipótese de Santiago ter abrigado um pequeno grupo de náufragos Jalofos ou outros habitantes (Sereres, Felupes, Lêbus, etc.) de Cabo Verde (Senegal). Esses dois últimos grupos, reza a tradição oral, vinham às ilhas atraídos pela sua riqueza em peixe e em busca de sal, que trocavam por ouro de Tombuctu. De qualquer forma, não existia uma população enraizada que

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tivesse oposto resistência à ocupação portuguesa. Após a sua descoberta foi necessário proceder ao processo de povoamento. Assim, foram sendo criadas as bases para que os primeiros povoadores se pudessem instalar nas ilhas de Cabo Verde. De Portugal começaram a sair em direcção ao Arquipélago carregamentos com animais, sementes, utensílios agrícolas e comida, para que se iniciasse, o mais rapidamente possível, o seu povoamento. Mais um Arquipélago Atlântico começava a estar preparado para ser explorado economicamente pela coroa, cujo objectivo inicial era a instalação de dois centros de produção agrícola – em Santiago e no Fogo - para futura exportação.

Tal como já tinha acontecido nos Açores, o povoamento das ilhas realizou-se de este para oeste. O esforço do povoamento começou a desenrolar-se de forma mais intensa a partir de 1462, embora se devesse ao Infante D. Henrique o início desse processo. Após a sua morte, o seu sobrinho D. Fernando recebeu, por carta de doação, as ilhas do Arquipélago de Cabo Verde e a autorização para as povoar.

O Povoamento O povoamento e colonização de Cabo Verde deve-se à sua privilegiada posição geográfica, não só em relação à rica região fronteira do continente africano, mas também no que toca à sua função de porto de escala obrigatória das grandes rotas da navegação atlântica. Referindo-se à ilha de Santiago, um documento de 25 de Outubro de 1512 diz que "é grande escala pera as naus e navios de Sua Alteza, e asi pera os navios de São Tomé e ilha do Príncipe e pera os navios que vão do Brasil e da Mina e de todas as partes de Guiné, que quando aqui chegam perdidos e sem mantimento e gente aqui são remediados e providos de tudo o que lhes faz mester" . De facto, enquanto a Madeira e as Canárias eram portos de escala nas viagens de ida e os Açores nas de regresso, Cabo Verde assumiu-se desde sempre como uma importante placa giratória da navegação atlântica, pois aí se cruzavam a rota da Guiné, a rota do Congo/Angola e a rota do Cabo e aí aportavam os navios do Brasil e os da rota das Índias de Castela. Compreende-se, assim, a enorme importância geo-estratégica de Cabo Verde, quer na penetração dos europeus no continente africano, quer como grande centro da teia das grandes rotas atlânticas. A ilha de Santiago, pelo facto de ser a maior e a que possuía melhores portos e água doce, foi a primeira a ser povoada, o que ocorreu a um ritmo significativo graças à chegada de numerosos carregamentos de escravos negros dos Rios da Guiné. Assim, foi decidido dividir a ilha em duas capitanias: uma com capital na Ribeira Grande (hoje a Cidade Velha) e outra com capital em Alcatraz, que por ser muito pobre acabou por ter uma duração reduzida.

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Antonio de Noli foi o primeiro a chegar a Santiago, em 1462, acompanhado de alguns membros da sua família e de portugueses oriundos do Alentejo e do Algarve; instalaram-se na Ribeira Grande, dando início ao primeiro povoado. Essa localidade foi escolhida por ser dotada de uma enseada defronte da foz de uma então rica ribeira e por possuir recantos onde os navios podiam abrigar-se. Dispunha igualmente, nas proximidades imediatas, de terreno onde viriam a ser lançadas as bases de desenvolvimento de uma agricultura de rentabilidade e outra de subsistência.

Os primeiros povoadores da ilha do Fogo chegaram entre 1480 e 1493. A iniciativa do povoamento desta ilha partiu dos povoadores de Santiago, uma vez que esta era a ilha mais próxima e também uma grande produtora de algodão, apesar de em termos orográficos e hídricos não exercer qualquer atractivo. A ilha do Fogo acabava por ser, na época, uma espécie de prolongamento da ilha de Santiago. A ilha do Maio foi a terceira ilha a ser povoada. Aí foi criada uma capitania, que depois foi vendida, e só com a tomada de posição do rei foi possível reavê-la, sendo depois dividida em duas para que houvesse um povoamento mais rápido. Boavista e Santo Antão só foram povoadas no século XVI, embora já fossem usadas anteriormente para a criação de gado. Quanto às ilhas de S. Vicente, Santa Luzia, S. Nicolau, Sal e Brava, o seu povoamento só se realizou nos finais do século XVII e princípios do século XVIII, sendo utilizadas, tal como Boavista e Santo Antão, para a criação de gado. Na ilha do Sal, durante estes séculos aproveitou-se para fazer igualmente a extracção de sal. Pelo facto de em todas as ilhas se desenvolverem actividades económicas, em todas se criaram capitanias. O Desenvolvimento Económico-Social Não foi fácil o processo de povoamento do arquipélago. Eram muitos os aspectos considerados negativos a desincentivar os potenciais povoadores, que só aceitavam ir para as ilhas de Cabo Verde perante a concessão de grandes privilégios, o que significava uma despesa considerável para a coroa portuguesa. De facto, inicialmente, a posição de Cabo Verde ainda não era vista como estratégica, por estar localizada muito a sul do mundo até então conhecido pelos portugueses. Pelas suas condições naturais este arquipélago também não exercia qualquer tipo de atracção: o subsolo não parecia ser rico em metais e não havia flora que suscitasse grande interesse, com a excepção da urzela, que viria a ter uma grande importância económica. O clima também não oferecia qualquer atracção, visto a escassez de chuva determinar longos períodos de seca. Ao contrário da Madeira e dos Açores, já descobertos pelos portugueses, cujo solo e clima eram propícios ao cultivo de cereais, tão necessários na alimentação do reino, neste novo arquipélago estas culturas não floresciam. As culturas típicas do Mediterrâneo (vinha, azeitona, cevada, trigo) também não conseguiram aclimatar-se à região.

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Devido à aridez do clima, dos solos e da própria paisagem, a dificuldade de aceder ao litoral das ilhas, para já não falar da distância que as separava do reino e da inexistência de riquezas naturais, foram poucos os europeus que se disponibilizaram inicialmente a povoá-las. De início, face às adversidades do ecossistema atrás referidas, poucos moradores se mostraram interessados em se fixarem de forma definitiva na ilha de Santiago, pelo que D. Afonso V, por carta régia de 12 de Junho de 1466, se viu forçado a conceder aos moradores da ilha algumas isenções fiscais e o privilégio de "poderem hir com nauios e trautar e resgatar em todollos nosos tratos das partes de guinee resalluando desto o noso trato dargim", porque "por ser tam alomgada de nosos Regnnos a gemte nam quer a ella ir vyver senam com muy grandes lyberdades e franquezas". Essa decisão atraiu à ilha de Santiago muitos portugueses que se dedicavam apenas ao trato da Guiné, não visando a criação dum aparelho produtivo nem a sua fixação definitiva. Para obviar a tal inconveniente e evitar contendas com Fernão Gomes, por esse tempo arrendatário do trato da Guiné, a coroa criou um mecanismo jurídico mais adequado. Por carta de 8 de Fevereiro de 1472, D. Afonso V esclareceu que a área de privilégio dos moradores de Santiago se restringia à costa descoberta na data em que foi concedida, excluindo, portanto, a região consignada no contrato entre a coroa e Fernão Gomes, determinando que, sob pena de perderem as suas fazendas e navios, o capitão e os moradores de Santiago não podiam "outras nenh as mercadorias mandar resgatar per bem da dita nossa carta senom aquellas que elles de suas nouydades e colheytas na dyta ylha ouuerem, porque estas taaes soomente queremos e mandamos que possam leuar se quiserem e outras alg as nam, porque somos bem lembrado que quamdo assy o dito priuillegio outorgamos pera as nouydades e fruytos e cousas quaeesquer que na dita ylha ouuessem podessem aver escrauos escrauas machos e femeas pera seus seruiços e seer aazo pera sua milhor viuenda e boa pouoraçam". Portanto, os visados só poderiam ir ao trato da Guiné numa área bem definida e com mercadorias produzidas na ilha. De nada valeram os protestos dos residentes de Santiago, tendo estas disposições régias sido confirmadas pelos monarcas subsequentes, definindo o tipo de produtos, as isenções fiscais e as áreas da Guiné onde podiam actuar. Esta medida legal obrigou-os a criar riqueza no interior da ilha para que pudesse funcionar como moeda no trato da Guiné. O algodão, que servia então como moeda, era cultivado na ilha de Santiago e na do Fogo, actividade que exigiu mão-de-obra escrava e investimento por parte dos colonizadores, promovendo-se, deste modo, o povoamento dessas ilhas. Para além da necessária economia de subsistência e do algodão, outros bens passaram a ser produzidos com vista ao mercado exterior, concretamente para a Madeira (carne, sebo e peles), para o Reino e para outros países europeus, nomeadamente o açúcar, a urzela, o sangue de drago, as peles e o âmbar. Retenha-se que os cereais de pragana, com um

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longo ciclo vegetativo de seis ou sete meses, não se revelaram adaptáveis ao clima cabo-verdiano, com uma curtíssima estação das chuvas entre Agosto e Outubro. Foram o milho e o feijão que, semeados após as primeiras chuvas e crescendo em apenas três ou quatro meses, melhor se adaptaram às condições climáticas do arquipélago, possibilitando, em boa medida, a subsistência das populações. Referindo-se a Santiago, diz na sua Relação um piloto português anónimo: "em os primeiros dias de Agosto é que principiam a semear o pão, que se chama milho zaburro, e nas ilhas ocidentais maiz". A decisão tomada pela coroa portuguesa, em 1472, de limitar a área de resgate dos mercadores de Cabo Verde e de lhes proibir a venda de qualquer tipo de mercadorias não originárias do arquipélago, para além de ter sido uma obrigação do rei, mediante as reivindicações de Fernão Gomes, a quem tinha concedido a exploração da costa africana, foi igualmente a forma de iniciar a montagem de um aparelho produtivo nas próprias ilhas, que até aqui tinha sido negligenciado. Perante a situação descrita, esta seria a única forma de se manter vivo o comércio com a Costa da Guiné. Daí que os escravos negros oriundos da região, designada por Rios da Guiné, tenham tido um peso muito importante no povoamento efectivo das ilhas.

Pela sua posição privilegiada, a meio caminho entre os três continentes e localizada em frente da chamada Costa dos Escravos, Santiago tornou-se cedo a placa giratória da navegação transatlântica: era ponto de escala e de aprovisionamento dos navios, ponte de penetração portuguesa no continente e entreposto de escravos posteriormente exportados para a Europa - particularmente para Portugal e Espanha - e para as Américas, que durante os dois primeiros séculos de colonização representaram, seguramente, a mercadoria mais importante das exportações cabo-verdianas.

Menos de um século após o início do seu povoamento, Ribeira Grande era já uma pequena vila e um centro de comércio florescente de produtos africanos; atraía castelhanos, canários, italianos e franceses pelo seu movimento de negócios, mas também colonos portugueses e nobres que para aí partiam em busca de riqueza.

Considerando-a suficientemente importante, o rei de Portugal, D. João III, solicitou em 1507 ao Papa Clemente VII que Ribeira Grande fosse separada da diocese de Funchal (Madeira) à qual estava até então ligada para se constituir numa diocese autónoma. Pela bula Pro Excellenti de 31 de Janeiro de 1533, Cabo Verde e Guiné-Bissau constituíram uma diocese com sede na Ribeira Grande, que foi elevada à condição de cidade, para poder acolher a capital da diocese. Em 1530 já tinha recebido a Carta de Vila.

Baseadas na mão-de-obra escrava, foram organizadas, essencialmente em Santiago, as grandes plantações agrícolas de cana-de-açúcar e algodão. No início, esse último produto era exportado em bruto mas, com a importação de escravos tecelões que trouxeram com eles os teares, inicia-se, nos meados do século XVI, a tecelagem dos panos que se tornaram essenciais na aquisição de escravos e na troca por outros produtos, na costa

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continental africana ou mesmo para pagamento de funcionários nos períodos de escassez de moeda em Cabo Verde.

Pouco mais de um século após o desenvolvimento florescente do comércio e de enriquecimento das classes abastadas, Ribeira Grande foi caindo em declínio e muitos dos seus habitantes foram-se instalando na então povoação da Praia.

A partir de 1601, esta região recebeu um novo contingente de europeus, composto essencialmente por cristãos-novos. Esta é a informação que Nuno Gonçalves nos dá: "Além dos benefícios comerciais concedidos pelos monarcas, a fixação dos colonos foi facilitada, em 1601, pela liberdade obtida pelos cristãos-novos, mediante o pagamento de 200.000 cruzados à coroa, para se instalarem na Índia, Brasil, S. Tomé e Cabo Verde, com as suas famílias e bens, sem terem de pedir licença e pagar fiança como se tinha estabelecido em 1587.”

Assim, sociologicamente o que se notava nos séculos XV e XVI, era a existência de uma minoria branca, principalmente de portugueses, que fixando-se no arquipélago graças às doações que lhes haviam sido concedidas e aos benefícios comerciais de que eram detentores, detinham o poder económico e político. Dentro desta minoria encontrava-se uma significativa percentagem de degradados do reino, ou lançados, como eram chamados; eram bastante mal vistos, uma vez que haviam adquirido o modo de vida africano e se dedicavam a actividades comerciais clandestinas. Estabeleciam os contactos entre o interior do continente africano e com navegadores e comerciantes de outras nacionalidades europeias. Por esta altura estes estrangeiros começaram a fazer uma concorrência cerrada aos comerciantes portugueses, contando para isso com a ajuda dos lançados. Todo este negócio ilícito começou a significar graves prejuízos para a coroa. Todavia os lançados acabaram também por ter alguma importância. Foram eles que iniciaram a exploração do interior do continente africano, permitindo igualmente contactos mais intensos entre brancos e negros. Havia indivíduos brancos de todas as classes sociais, sendo os extractos mais ricos os que mais benefícios tinham em virtude da exploração da terra. Por outro lado, havia uma grande maioria de escravos negros, vindos principalmente da Costa da Guiné. A alguns destes escravos, mais tarde, foi-lhes concedida a liberdade, pelo que passámos a encontrar em Cabo Verde africanos livres.

Na primeira década do século XVI, Cabo Verde já exportava peles, couros, sebo, algodão, cavalos, açúcar. No que diz respeito ao algodão, com a introdução do tear em meados do século XVI, começou-se a exportar panos, sobretudo para o continente africano, e desde os primeiros anos do século XVII, o óleo de baleia, para o Brasil.

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O leque dos produtos exportados alargou-se nos meados do século XIX. Com efeito, Cabo Verde exportava, além de escravos e panos, algodão, peles, couros, tartarugas, milho, aguardente, sangue de drago, tabaco, âmbar, urzela, óleo e sementes de purgueira, e sal.

Durante o período de economia esclavagista, a Coroa limitou-se, por um lado, a monopolizar os principais produtos que constituíam fontes de rendimento e, por outro, a explorar apenas o que não exigia esforços em investimentos ou inovações técnicas. Além disso, as classes abastadas locais, pelo próprio facto da dominação colonial, não puderam reconverter-se numa classe de empresários (nem no meio rural nem a nível industrial) capaz de inovações e transformações fundamentais.

A ausência dessas inovações e o pouco trabalho de defesa e restauração dos solos, aliados à exploração forçada do homem e da natureza, conduziram, como consequência lógica, ao declínio da agricultura e da criação do gado. A revolução industrial desferiu o golpe fatal aos produtos que fizeram enriquecer as classes abastadas de Cabo Verde e a Coroa portuguesa. Face à concorrência dos produtos industrializados de Europa, apenas sobreviveram a destilação de aguardente (em condições técnicas totalmente ultrapassadas) e a extracção do sal.

Se as outras colónias portuguesas de África, sobretudo Angola e Moçambique, apresentavam um potencial propício às novas funções que lhes foram atribuídas no âmbito na nova divisão internacional do trabalho - fornecer matérias primas e/ou servir de escoamento para os produtos manufacturados portugueses, Cabo Verde enfrentava à partida um certo número de constrangimentos: a modicidade da sua superfície (4033 km2), uma população reduzida e a inexistência de produtos naturais minerais importantes.

Na impossibilidade de incentivar o desenvolvimento de outras culturas de rentabilidade alternativa, dentro da nova repartição de funções, a Cabo Verde foi reservado o papel de colónia de serviço e exportador de mão de obra contratual, forma nova de escravatura, essencialmente para as roças de São Tomé e Príncipe.

Efectivamente, depois do envio compulsivo de cabo-verdianos para a Guiné Bissau em 1765, um século mais tarde foram promulgadas (em Dezembro de 1863), algumas leis que os obrigavam a ir trabalhar para as roças dos colonos de São Tomé e Príncipe, uma emigração forçada que só iria terminar em 1970.

Quanto à sorte do contratado cabo-verdiano em São Tomé e Príncipe, ao fim de um período de três ou cinco anos de trabalho (renovável mas muito raramente renovado), voltava para Cabo Verde tão miserável como à partida. Regressava ainda enfraquecido por causa das doenças, da diferença climática, do regime alimentar diferente, dos maus tratos, etc.

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A ideia de valorização de Cabo Verde como colónia de serviço assentou na importância que este arquipélago revestia em relação ao comércio e à navegação de longo curso, desde os primórdios do comércio irregular de escravos.

Com a instalação no Porto Grande (S. Vicente), em 1838, pelo cônsul inglês John Rendall, do primeiro depósito de carvão, outras sociedades inglesas aí se instalaram, provocando não só o aumento significativo do número das embarcações que requisitavam os seus serviços, mas também o desenvolvimento de outras actividades a nível interno, nomeadamente comerciais, que implicavam uma certa expansão do aparelho bancário, administrativo, bem como meios de armazenagem e de transporte.

Em 1874, os ingleses foram autorizados a instalar cabos submarinos no Porto de São Vicente, ligando-o à Madeira, ao resto da Europa e ao Brasil. Sete anos depois, os cabos foram estendidos até à Praia, ligando-a igualmente à Europa e à África Oriental. Em 1923, a Itália foi ainda autorizada a instalar cabos submarinos em São Vicente, estendendo a sua ligação à América do Sul.

Os cabos submarinos que asseguravam as ligações telefónicas, cuja exploração foi deixada às sociedades estrangeiras, apenas trouxeram "royalties" para Cabo Verde.

Em 1939 arrancaram as primeiras obras aeroportuárias em Espargos, ilha do Sal, realizadas pela companhia italiana de navegação aérea, LATI. Entre 1960-1963 foram modernizadas as infra-estruturas aeroportuárias de Espargos para acolher aviões a propulsão do tipo Boing B-707. A South Africa Airways tornou-se e continuou sendo, até a queda do apartheid na África do Sul, a principal utilizadora dos serviços deste aeroporto.

O Porto Grande de São Vicente, que poderia ter constituído um verdadeiro pólo de desenvolvimento através de actividades anexas induzidas (manutenção e reparação de navios, seu abastecimento, empregos de carga e descarga dos navios, etc.) e direitos de escala pagos, só foi modernizado após a construção dos portos de Las Palmas, de Tananarive e Dacar que, de longe mais bem equipados, desviavam em seu proveito uma parte da navegação transatlântica.

O ritmo muito elevado do crescimento demográfico, uma agricultura atrasada e incapaz de responder às necessidades de consumo interno e uma indústria quase inexistente, criaram um desequilíbrio entre a população e os recursos disponíveis. Foi uma vez mais a emigração (fenómeno estrutural da sociedade cabo-verdiana) que apareceu, neste contexto, como a única solução possível para o restabelecimento do equilíbrio entre recursos/população.

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Era o destino crioulo uma vez mais a cumprir-se: "… os que emigram são (apesar da importância da emigração feminina) maioritariamente do sexo masculino e, na maior parte das vezes, deixam as suas famílias no país. Em vista disso, as mulheres são obrigadas, por um lado, a assegurar a educação dos filhos e, por outro, a vender, frequentemente, a sua força de trabalho nas obras públicas, para poderem garantir a subsistência da família, para além das tarefas que lhes cabem tradicionalmente, no quadro da produção agrícola. (...)

As partidas têm um efeito duplo na estrutura da população: provocam uma distorção do "sex-ratio", tornando-se o número de mulheres superior ao dos homens; também o número dos inactivos (crianças e velhos) aumenta em relação ao número dos activos; em 1975, só os menores de 15 anos representavam 47% da população total.

O declínio contínuo da economia cabo-verdiana, aliado à seca que devastava o país desde 1968, criaram uma tal situação nos últimos anos que antecederam a independência, que metade das despesas do país passaram a ser asseguradas por uma "subvenção não reembolsável" de Portugal. Em 1974, essa subvenção representava 54% do total das despesas públicas cabo-verdianas.

Na realidade, a administração portuguesa encontrou-se num impasse que não podia já ultrapassar sem a resolução do problema colonial.

A LUTA PELA AUTONOMIA

Desde os primórdios da ocupação/povoamento de Cabo Verde, várias foram as formas de resistência (tanto pacífica como violenta) à dominação colonial portuguesa, como por exemplo a fuga de escravos para se subtraírem aos horrores da escravidão a que eram submetidos. Esse processo teve obviamente maior expressão a seguir à da proclamação da Independência do Brasil. Na Ribeira de Engenhos, em 1822, deu-se o levantamento de camponeses, entre os quais propalava a ideia da independência de Cabo Verde, que devia unir-se ao Brasil; em 1835, revoltaram-se escravos de Monte Agarro, localidade situada a cerca de 4 quilómetros da cidade da Praia; em 1836, eclodiu uma rebelião de escravos e jornaleiros na ilha do Sal, arvorando a bandeira que tomaram no consulado do Brasil ; em 1841, registou-se uma sublevação de 300 rendeiros de Achada Falcão que, empunhando facas e cacetes, exortavam a adesão da população para um protesto contra o pagamento das rendas aos proprietários, por considerarem que as terras deviam pertencer-lhes (Santiago); a 17 de Abril de 1886, mais de mil pessoas, partindo de várias freguesias do Paul, marcharam sobre Ribeira Grande (Santo Antão) que ocuparam durante cinco dias (a praça do Concelho, a Câmara Municipal e várias repartições públicas) para protestarem contra injustiças e vexames a que estavam submetidos e contra a sobrecarga da

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contribuição predial; a 20 de Abril de 1891, mais de 2 000 trabalhadores das companhias carvoeiras de São Vicente, despedidos devido à paralisação da navegação e do comércio no Porto Grande, dirigiram-se aos Paços do Concelho exigindo trabalho para não morrerem de fome; a 12 de Fevereiro de 1910 explodiu uma revolta de rendeiros de Ribeirão Manuel, liderada por Ana Veiga (Santa Catarina - Santiago) que se recusavam a pagar as rendas aos “morgados” e passaram a colher, sem licença, semente de purgueira nas propriedades dos mesmos; na consequência das frequentes crises que assolaram o país nos inícios da década de 1920, proprietários de Achada Portal (Tarrafal - Santiago) sublevaram-se; nos dias 28 e 29 de Janeiro de 1929, período em que São Vicente atravessava mais uma das suas maiores crises de emprego, eclodiu mais uma revolta, reunindo desta vez trabalhadores, estudantes e professores; por ordem do Governo colonial, o Comandante militar desta ilha instalou o Governo militar e assumiu todas as atribuições policiais da cidade; a 7 de Junho de 1934, Nhô Ambrose - o célebre Capitão Ambrósio de Gabriel Mariano - hasteando uma Negra bandeira/Bandeira negra da fome, sobre a qual um comerciante escreveu “CRISE”, encabeçou a manifestação de um grupo de indivíduos que acabou por invadir a Alfândega, distribuir as mercadorias aí encontradas e continuar depois, debaixo de perseguição policial, a abrir armazéns de diversas casas comerciais para confiscar as mercadorias e distribuí-las pelo povo da ilha. Até à Segunda Guerra Mundial, os movimentos sociais foram sistematicamente reprimidos: enforcamentos, chicotadas, palmatoadas e outras sevícias corporais, deportação entre as ilhas ou para outra colónia, como aconteceu com Nhô Ambrose, que foi degredado para Angola. Finalmente, as ideias de autonomia ou de independência nacional começam a consolidar-se nos anos 40 com a geração de Amílcar Cabral. O seu corolário foi a organização da luta de libertação nacional, com a criação, em 1956, em Bissau, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (P.A.I.G.C.), de que Amílcar Cabral foi o principal promotor e ideólogo. A partir daí, o seu percurso e o do Partido serão indissociáveis, até ao seu assassinato, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri. A decisão de travar uma luta conjunta tinha o seu fundamento na história comum desses dois países. Cabo Verde foi essencialmente povoado por escravos ou negros livres vindos sobretudo da Guiné-Bissau, que desde 1466 tinha ficado ligado a Cabo Verde por intermédio do comércio e do tráfico de escravos. Em 1550, as autoridades coloniais portuguesas nomearam, pela primeira vez, um Capitão-Geral para as ilhas, ficando esses dois países submetidos à mesma administração, até 1868. A concretização do pensamento nacionalista de Cabral fez-se, numa primeira fase em Lisboa, onde prosseguia os seus estudos superiores de agronomia, desde o primeiro ano do após-guerra (1945-1946). No Instituto Superior de Agronomia participou, desde o primeiro ano, nas lutas reivindicativas da juventude antifascista. No seio dos estudantes originários das outras colónias portuguesas, ele informou-se e instruiu-se sobre a literatura

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produzida por intelectuais africanos, que exprimia as aspirações dos povos à autodeterminação e à independência. Em 1949, Cabral voltou às ilhas de Cabo Verde, para onde tinha vindo viver desde os seus 8 anos e onde tinha terminado os seus estudos secundários, decidido a pôr em prática as suas ideias. Começou por revelar Cabo Verde aos cabo-verdianos iniciando uma série de "conversas" radiofónicas sobre as realidades geofísicas do arquipélago. É a ocasião para ele defender, com convicção, que os cabo-verdianos têm meios para tomar em mãos o seu próprio destino. Rapidamente, ultrapassou a questão inicial e passou a mostrar-lhes que podiam viver da sua própria terra devendo, para isso, organizar-se para apreender a sua realidade. As emissões foram rapidamente proibidas pelas autoridades coloniais. De regresso a Lisboa retomou a luta, implicado naquilo que se considerava ser uma luta para a "reafricanização dos espíritos" que considerava uma necessidade tanto maior para os cabo-verdianos, quanto a colonização das ilhas tinha sido mais assimiladora, portanto mais alienante, do que nas outras colónias e daí mais mistificadora. Terminados os estudos (1950), Cabral voltou para a Guiné-Bissau onde tentou constituir a base social propícia para o desenvolvimento da luta de libertação nacional. A aceitação e a audiência que encontrou no seio dos guineenses e a adesão de alguns companheiros cabo-verdianos confirmaram a sua ideia da necessidade de uma luta conjunta de libertação nacional da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Cabral tentou criar, em 1954, uma associação desportiva aberta a todos os guineenses, ao que os portugueses se opuseram. Foi-lhe dito pelo Governador que a sua presença era indesejável na Guiné-Bissau, permitindo-lhe contudo voltar todos os anos para visitar a família. Foi por ocasião de uma dessas visitas que Cabral dirigiu a reunião (a 19 de Setembro de 1956) durante a qual seria criado o PAIGC. Após três anos de luta política clandestina, o massacre à queima-roupa, no pequeno cais de Pindjiguiti, dos cinquenta trabalhadores, pobres e desarmados, que participaram na greve, a 3 de Agosto de 1959, fez-lhe compreender que o poder colonial visava também desmantelar a estrutura do Partido cuja influência já se fazia sentir. A análise da experiência da luta clandestina, a natureza do Governo colonial português que se opunha a qualquer solução pacífica para a liquidação da dominação colonial e o contexto internacional (1959) levaram o P.A.I.G.C. a tomar a decisão de passar da "fase da luta política à da insurreição nacional, ou seja, à acção directa contra as forças colonialistas". Na Guiné-Bissau, a mobilização dirigiu-se principalmente, daí em diante, às massas camponesas e, em 1963, foi desencadeada a luta armada.

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Nas ilhas de Cabo Verde, por causa da insularidade e da descontinuidade do território, a luta continuou sob forma política clandestina até o advento da Independência. A esta luta aderiram amplas fracções da diáspora cabo-verdiana em África, na Europa e nas Américas. Ao mesmo tempo que privilegiava a mobilização das massas camponesas, o PAIGC reforçava os seus apelos de adesão à luta a outras camadas e categorias sociais da Guiné-Bissau e de Cabo Verde: funcionários, empregados de comércio, estudantes, soldados, jovens em geral (1960-1961). A mobilização estende-se à diáspora cabo-verdiana e a guineenses radicados no exterior. O ano que segue ao desencadeamento da luta armada na Guiné-Bissau (1964) foi decisivo tanto no plano militar como no político. Com efeito, a vitória alcançada na batalha de Komo, primeiro território libertado e base estratégica, permitiu, no plano interno, assegurar o controlo de todo o Sul da Guiné e, no plano exterior, conquistar o prestígio e a solidariedade internacional. No 1° Congresso do P.A.I.G.C., realizado em Cassacá (de 13 a 17 de Fevereiro do mesmo ano), foram tomadas decisões que reforçaram o Partido, levando à sua reorganização da base ao topo; reorganização que permitiu a sua adaptação à gestão e administração das zonas que ia controlando. "O desenvolvimento da acção dos departamentos da justiça, da saúde, da educação, a instalação dos armazéns do povo nas regiões libertas, tudo isto confere ao P.A.I.G.C. a dimensão de um Partido-Estado e consolida a soberania do povo da Guiné-Bissau sobre a maior parte do território nacional". Esse papel de Partido-Estado - no sentido de criar as infra-estruturas e serviços necessários à resolução dos problemas das populações (escolas, centros de saúde, abastecimento) - foi mantido e reforçado até à proclamação da República da Guiné-Bissau a 24 de Setembro de 1973. Nesse Congresso decidiu-se, igualmente, pela criação da Milícia Popular. A década que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial foi marcada pelo sucesso da libertação nacional em África: as primeiras vitórias foram obtidas no Egipto em 1952; no Sudão, Marrocos e Tunísia em 1956; Ghana em 1957. Entretanto, em Bandung (1955), os principais líderes asiáticos e africanos, depois de terem garantido a sua independência política, apesar da diversidade das correntes políticas e ideológicas que representavam, encontraram-se pela primeira vez em torno de um projecto comum: a descolonização política da Ásia e da África. A Revolução de Outubro primeiro, a Revolução Chinesa depois e finalmente, a Revolução Cubana (1959) romperam as relações de força estabelecidas no seio das Nações Unidas pelos países capitalistas dominantes, oferecendo

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ainda possibilidades de ajuda importante ao desenvolvimento das lutas de libertação nacional. A admissão de Portugal no seio da Organização das Nações Unidas, em Dezembro de 1955, permitia aos movimentos de libertação pressagiar que esse país viria a respeitar as suas obrigações internacionais de Estado membro em relação aos povos das suas colónias e a considerar-se abrangido pelas disposições do capítulo XI da Carta das Nações Unidas assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945, aplicáveis aos territórios “não autónomos”. Efectivamente, desse Capítulo XI (art.º 73) consta que Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais (...) o bem-estar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, deveriam, nomeadamente, assegurar a esses povos o seu progresso político, económico, social e educacional, promover a criação do seu governo próprio e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres. Contrariamente a todas as evidências, Portugal (entenda-se o regime colonial) continuaria a negar, até a Revolução de Abril, o estatuto de territórios “não autónomos” às suas colónias e a não reconhecer as obrigações internacionais a que estava sujeito. Ter-se-á que esperar por 1960, para que a entrada para as Nações Unidas de 17 Estados africanos viesse modificar a maioria formada pelos aliados de Portugal, permitindo à Assembleia Geral adoptar, a 14 de Dezembro do mesmo ano, a Declaração (Resolução 1514) que anunciava o direito imediato dos povos colonizados à independência e reconhecesse no dia seguinte (Resolução 1542) o estatuto de territórios “não autónomos” às colónias portuguesas. Ao conferir legitimidade e legalidade aos movimentos de libertação nacional, o contexto jurídico a nível internacional transforma-se completamente. Podemos ler na História Geral da África que essa Declaração, patrocinada por 43 Estados afro-asiáticos, assinalou de modo espectacular a chegada no sistema das Nações Unidas deste grupo afro-asiático reorganizado e ampliado. A 25 de Maio de 1963, trinta chefes de Estados independentes de África, reunidos em Adis Abeba, criaram a Organização de Unidade Africana (OUA). Na sua intervenção, o imperador Hailé Selassié declarou esse dia como o da proclamação da maior tarefa da Organização: a libertação definitiva de todos os irmãos africanos que se encontravam ainda sob o jugo da exploração e do domínio estrangeiro...

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Optar-se-ia por uma Carta Africana, em harmonia com a das Nações Unidas, que foi assinada por todos, numa atmosfera de fraternidade quase mística, no dizer de Kizerbo. Dos objectivos nela enunciados (artigo 2), sublinhamos: defender a soberania, integridade territorial e independência dos africanos; erradicar todas as formas de colonialismo no Continente africano. A descolonização de África cristaliza a unidade de acção da OUA pela criação da Comissão Africana de Libertação, instalada em Dar es Salam, e pela decisão de boicote vigoroso a Portugal e à República da África do Sul nas conferências internacionais. Ao nível da Organização das Nações Unidas, a recusa constante dos aliados de Portugal em permitir maiores pressões ou a aplicação mesmo de sanções ao país fez com que só a 12 de Setembro de 1965 a Assembleia Geral, aquando da sua XX sessão, declarasse (Resolução 2105/XX) a legitimidade da luta levada a cabo pelos povos sob dominação colonial para o exercício do seu direito à autodeterminação. Outras resoluções se seguem e as Nações Unidas apelarão, finalmente, a todos os Estados para, através da O.U.A., ajudarem moral, política e materialmente as populações dos territórios administrados por Portugal. Finalmente, em 1972, pelas Resoluções S/312 e S/322, o Conselho de Segurança, desta vez com o apoio unânime de todas as potências aliadas de Portugal, reafirma o direito inalienável dos povos de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Moçambique à autodeterminação e à independência bem como a legitimidade da sua luta para a realização desse direito.

A 24 de Setembro de 1973, após 10 anos de luta armada, estavam reunidas as condições para a concretização do projecto de criação de um Estado: a Assembleia Nacional Popular, reunida nas zonas libertadas de Boé, proclama, a 24 de Setembro de 1973, a República da Guiné-Bissau, Estado independente e soberano; forma-se um executivo e adopta-se a primeira Constituição do país.

A queda do fascismo português, impulsionada pela luta conjunta das forças progressistas portuguesas, que se apoiavam nas massas populares, e das forças nacionalistas das ex-colónias portuguesas, abriu novas perspectivas que aceleraram o processo de libertação de Cabo Verde, conduzido essencialmente através da luta política clandestina.

Os acordos de Londres e de Argel (26 de Agosto de 1974) conduziram ao reconhecimento pelo Governo português do Estado guineense e do direito do povo cabo-verdiano à independência; reconheceu igualmente o P.A.I.G.C. como único e legítimo representante do povo.

Após a Constituição de um Governo de transição (composto por cabo-verdianos e portugueses) presidido por um Alto Comissário nomeado por

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Portugal e representando a soberania portuguesa, o povo cabo-verdiano elegeu meses depois (30 de Junho de 1975) uma Assembleia constituinte – composta por 56 deputados e 72 suplentes) com a participação de 84% dos eleitores. A lista única proposta por esse Partido recebeu 92% dos sufrágios expressos. Esta Assembleia viria a proclamar a Independência da República de Cabo Verde a 5 de Julho de 1975 e promulgar uma lei sobre a Organização Política do Estado, que fez as vezes de Constituição até a aprovação desta na IX sessão legislativa de 5 de Setembro de 1980.

A primeira constituição cabo-verdiana previa a futura unificação com a Guiné-Bissau, mas um golpe nesse país em 1980 acabou com os planos de união política dos dois países.

A Constituição de 1981 tornou o PAICV - Partido Africano da Independência de Cabo Verde, sucessor do PAIGC, o único partido político do país. A política de não-alinhamento foi seguida pelo primeiro Presidente do país, Aristides Pereira. Dez anos depois, em 1991, Carlos Veiga e António Mascarenhas Monteiro foram eleitos pelo MpD - Movimento para a Democracia, para Primeiro-Ministro e Presidente, respectivamente. O sistema multipartidário foi oficializado na Constituição de 1992. O Primeiro-Ministro Carlos Veiga e o Presidente Mascarenhas Monteiro foram ambos reeleitos em Fevereiro de 1996, para mais um mandato de cinco anos. Nas eleições legislativas de Janeiro de 2001, o PAICV voltou ao poder, elegendo o Dr. José Maria Neves como Primeiro-Ministro. Para as eleições presidenciais, concorreram Pedro Pires (PAICV) e Carlos Veiga (MpD), tendo Pedro Pires ganho as eleições. Em Janeiro de 2006, ocorreram novas eleições e o PAICV obteve a maioria; o Primeiro-Ministro José Maria Neves e o Presidente Pedro Pires foram reconduzidos nos respectivos cargos.

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GEOGRAFIA Cabo Verde é um arquipélago situado em pleno Oceano Atlântico, a cerca de 450 Km a Oeste do Senegal, na costa ocidental africana, entre os 14º 48’ 00’’ N e 17º 12’ 15’’ 20’ N de longitude e os 22º 39’ 20’’ W e 25º 20’ 00’’ W de latitude. As dez ilhas e os vários ilhéus do Arquipélago de Cabo Verde estendem-se por cerca de 4033 Km2 e foram formadas pela acumulação de rochas, resultantes de erupções sobre as plataformas submarinas. Os ventos Alísios vindos do Continente Africano dividem o país em dois grupos, o de Barlavento, constituído por S. Vicente, Sal, S. Nicolau, Santo Antão, Boavista e Santa Luzia, e o de Sotavento, pelas ilhas de Santiago, Maio, Brava e Fogo. As três ilhas mais orientais, Sal, Maio e Boavista, têm um relevo mais plano e um clima mais árido por estarem expostas aos ventos secos e quentes do Sahara. As ilhas de maior extensão são a de Santiago a sueste, onde se situa a capital do país, Praia, e a ilha de Santo Antão, no extremo noroeste. Praia é também o principal aglomerado populacional do arquipélago, seguida pelo Mindelo, na ilha de São Vicente.

Área de Cabo Verde Barlavento (ao vento) Área (Km2) - Santo Antão 754 - Boavista 622 - São Nicolau 342 - São Vicente 228 - Sal 215 - Santa Luzia 34 Sotavento (contra o vento)

- Santiago 992 - Fogo 477 - Maio 267 - Brava 65 Ilhéus 37

Total 4.033

Morfologia Todas as ilhas são de origem vulcânica, predominando, nas ilhas orientais, vestígios sedimentares. O relevo é bastante acidentado nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago, Fogo e Brava, com altitudes que ultrapassam os 1.000 metros em algumas ilhas, atingindo mesmo os 2.829 metros na Ilha do Fogo. Nas ilhas orientais, Sal, Boavista e Maio, predominam formas de relevo planas e pequenas elevações, enquanto que São Vicente e Santa

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Luzia têm uma morfologia intermédia. Nas ilhas montanhosas, as paisagens são dominadas por vales profundos e estreitos, picos, cimos estreitos e alongados, cutelos e amplas superfícies planálticas, as achadas. Também se encontram em todas as ilhas, formas vulcânicas - cones, crateras e caldeiras, evidenciando-se as crateras no Pico e Chã das Caldeiras, no Fogo, Fundo Grande, na Brava, Viana e Calhau, em São Vicente e Topo de Coroa, em Santo Antão.

Cursos de Água Os rios são inexistentes. Com a época das chuvas (Agosto a Outubro) alguns ribeiros, habitualmente secos, apresentam um curso de água.

Clima O clima das ilhas mais acidentadas é variado e com alguma pluviosidade. É temperado devido à acção moderadora que o oceano e os ventos alísios exercem sobre a temperatura; as médias anuais raramente se elevam acima dos 25ºC, nunca descendo abaixo dos 20ºC. A temperatura da água do mar varia entre 21ºC em Fevereiro e Março e 25ºC em Setembro e Outubro. A estabilidade climatérica de Cabo Verde garante a possibilidade de se fazer turismo todo o ano, sendo às vezes difícil a opção, pois cada ilha tem os seus atractivos específicos.

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AS ILHAS Ilha do Sal A ilha do Sal é a ilha do arquipélago mais próxima do continente africano. Submetida a condições climatéricas similares às que, na mesma latitude, se verificam naquele continente, é árida e tem uma vegetação escassa. Plana, apesar da sua origem vulcânica, o Sal tem uma superfície total de 216 km2 e uma extensão máxima de cerca de 30 km. A ilha, praticamente deserta, só começou a ter actividade económica expressiva com a exploração das suas salinas, tornando-se exportadora de sal até meados de 1980. Visando um porto de escala para voos para a América do Sul, em 1939 surgiu, por iniciativa italiana, o aeroporto internacional, que aí foi construído pelo facto da ilha ser plana. O seu desenvolvimento determinou a migração interna, sobretudo de população oriunda de S. Nicolau. O aeroporto internacional Amílcar Cabral possibilita a exploração de modernos complexos turísticos, que nos últimos 20 anos se vêm instalando. Santa Maria é uma pequena vila junto à Praia com o mesmo nome, situada na costa sul da ilha. A Praia de Santa Maria tem 8 km de areia branca e fina completada por um lindo mar de águas azuis turquesas. Esta razão, aliada ao facto de aqui ter sido construído o aeroporto internacional do arquipélago, determinou o estabelecimento de alguns hotéis de boa qualidade nesta praia, que atraem para o Sal a maior parte do turismo do país. As ruas da vila são direitas e o casario colorido. Espargos é a maior vila da ilha com uns 6000 habitantes. Fica no interior da ilha, mesmo ao lado do aeroporto internacional e todo o seu desenvolvimento se centra à volta disso. Espargos concentra também todas as entidades e serviços da ilha do Sal. Pedra Lume é uma pequena povoação na costa leste onde se localizam as famosas salinas que deram o nome à ilha. Ficam no interior duma antiga cratera de vulcão para onde a água do mar se infiltra e evapora, dando-lhes uma cor ligeiramente rosada. A exploração do sal iniciou-se no século XVIII e foi durante muito tempo o factor principal de desenvolvimento da ilha. Hoje em dia, a exploração de sal está reduzida ao mínimo, deixando lugar aos turistas que ali se encantam com os vestígios da natureza.

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Oferece excelentes praias, mar transparente, desportos náuticos e diversão nocturna. É a porta de entrada para quem deseja conhecer as belezas do arquipélago de Cabo Verde. Ilha de Santiago A ilha de Santiago foi a primeira ilha a ser povoada. É a maior das ilhas, onde se localiza a cidade da Praia, capital do país e sede do Governo da República. Santiago apresenta vários maciços montanhosos para além do Pico de Antónia, com 1392 m de altitude, o seu ponto mais elevado. Vales sinuosos e profundos e uma costa abrupta de recifes negros, interrompida em alguns pontos por pequenas praias de areia, mostram o resultado de uma marcada erosão. A vegetação e a amenidade do clima, mais húmido nas zonas altas, contrasta com a aridez das zonas intermédias. Dispondo de uma boa rede de estradas pavimentadas, Santiago pode ser percorrida tranquilamente. A seca está presente por toda a ilha. Contudo, a paisagem desértica é em certos pontos interrompida por vales de vegetação exuberante, desenvolvendo-se neles a actividade agrícola. Um percurso entre a cidade da Praia e Tarrafal, pontos extremos da ilha distanciados de 75 km, é geralmente o aconselhado para conhecer a ilha. Uma estrada interior conduz a localidades de particular interesse. São Jorge é uma delas, onde no meio de uma vegetação abundante se encontra o único jardim botânico do país. Este lugar tranquilo contrasta com a próxima cidade, a Assomada, centro do concelho de Santa Catarina, em forte crescimento urbano. O concelho é conhecido como o celeiro de Cabo Verde e o mercado da Assomada é o primeiro do país; a ele conflui gente de toda a ilha. Uma segunda estrada, que liga a capital ao norte da ilha, segue sinuosamente ao longo do litoral, passando por Santa Cruz, onde as extensas plantações de bananas, papaieiras, coqueiros e mais culturas tipicamente tropicais, demonstram a fertilidade do solo cabo-verdiano sempre que há água. Santiago é pois, uma ilha essencialmente agrícola. Praia é a capital de Cabo Verde e a sua maior cidade. A cidade foi construída num plateau basáltico (uma espécie de pequeno planalto ou uma plataforma

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natural) sobre a baía. O "plateau", como é conhecido na Praia, concentra todos os edifícios históricos. No sopé do plateau, a cidade prosseguiu o seu crescimento urbano que se efectuou de uma forma aparentemente desorganizada. Os modernos edifícios governamentais também são de assinalar, assim como o mercado. A Cidade Velha, situada a 15 Km da Praia, é uma espécie de grande museu ao ar livre dos fortes vestígios do que foi a antiga capital de Cabo Verde, outrora chamada Cidade da Ribeira Grande, a primeira cidade fundada pelos portugueses em África. Com efeito, após o estabelecimento de uma paróquia em 1462, Ribeira Grande passou a cidade em 1533 e desde então teve um papel preponderante no apoio à expansão portuguesa e no desenvolvimento do comércio e de navegação de longo curso, como entreposto comercial de escravos e no aprovisionamento dos navios. A sua decadência processou-se em ritmo acelerado, principalmente a partir do momento em que perdeu definitivamente a sua posição como entreposto de escravos. Por outro lado, os constantes ataques levados a cabo por navios piratas contribuíram para arruinar a antiga capital cabo-verdiana. Desses ataques, o mais famoso foi o do corsário inglês Francis Drake. Os pântanos que se formavam junto às praias na estação pluviosa e que tornavam Ribeira Grande vulnerável às doenças, e o facto de o seu porto ser muito desabrigado, fizeram com que os navegadores passassem a preferir o Porto da Praia de Santa Maria, que dista apenas seis milhas da então capital cabo-verdiana. Por isso, a 13 de Dezembro de 1769, a sede do governo foi transferida para a vila da Praia, que em 1858 foi elevada à categoria de Cidade. A fortaleza de S. Filipe é talvez o principal monumento histórico da Cidade Velha. Foi construída após o ataque de Drake em 1585. A Cidade era guarnecida a partir desse forte, cuja construção foi iniciada em 1593. Outros monumentos importantes são o Pelourinho, onde era feita a venda de escravos, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário construída em 1495 e a Sé Catedral, em ruínas. A Cidade Velha é hoje um ponto turístico por excelência e os cabo-verdianos tentam preservar o património e a sua herança histórica. Tarrafal é uma vila no extremo norte da ilha de Santiago, em oposição à Cidade da Praia da qual dista 70 km. Tem a única praia de areia branca da ilha e certamente uma das mais belas praias do arquipélago, com uma barreira de coqueiros na areia e uma paisagem idílica numa pequena enseada onde se pode desfrutar um agradável estilo de vida. Tem também um pequeno porto pesqueiro. O Tarrafal é também famoso pela chamada "Colónia Penal", construída em 1936, um campo de concentração do regime ditatorial português para albergar presos políticos e sociais. A Cidade da Praia tem desde 2005 uma nova infra-estrutura aeroportuária, que permite ligações directas às principais cidades europeias. Com esta abertura, a Praia fica mais próxima dos mercados emissores, podendo

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candidatar-se deste modo a espaço privilegiado de realização de eventos empresariais, congressos e viagens de incentivos, além de permitir ao turismo de férias uma inesquecível descoberta. Ilha de S. Vicente A Ilha de S. Vicente é uma ilha pequena comparando com outras, com 227 km2 de superfície, mas no entanto é a segunda mais povoada. Aqui situa-se a segunda maior cidade de Cabo Verde, o Mindelo. Descoberta no dia de São Vicente, a 22 de Janeiro de 1462, foi praticamente desabitada até meados do século XIX. Mindelo, a capital da ilha, desenvolveu-se através da actividade portuária. Com efeito, os ingleses instalaram em 1838, após pacto com Portugal, um depósito de carvão para reabastecimento de navios em rotas atlânticas, criando as bases para o povoamento da ilha. Encruzilhada de barcos de várias nacionalidades, Mindelo tornou-se ponto de encontro de marinheiros de diversas raças, convertendo-se na cidade mais cosmopolita de Cabo Verde. Sendo o volume das importações relativamente grande, a infra-estrutura portuária do Mindelo possibilita uma articulação dinâmica com o exterior, facilitando e incentivando o investimento externo em Cabo Verde. No parque industrial da ilha estão hoje presentes unidades fabris, essencialmente de investimento estrangeiro, nas actividades de confecções, calçado e transformação de pescado. Os arredores de Mindelo proporcionam paisagens surpreendentes, em particular a praia da Baía das Gatas, o miradouro Craveiro Lopes, o Monte Verde, o Morro Branco, a Ponta João Ribeiro e o Monte Cara. O Carnaval e o Festival de Música da Baía das Gatas, realizado no primeiro fim de semana de lua cheia no mês de Agosto, são as principais festas da ilha. Mindelo é a segunda maior cidade de Cabo Verde. É uma cidade que demonstra um notável desenvolvimento, sobretudo graças ao seu porto de águas profundas, chamado de Porto Grande, que serve de escala transatlântica para navios de todas as nacionalidades. No porto apanham-se os barcos para a ilha de Santo Antão, que atracam na vila de Porto Novo. Do Mindelo avista-se, aliás, facilmente a ilha de Santo Antão em frente, com as suas imponentes montanhas.

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O centro da cidade do Mindelo tem fortes traços da herança colonial, à semelhança do plateau da Cidade da Praia. De facto, a arquitectura colonial no centro está bem patente em inúmeros edifícios e casas, nos jardins, no coreto e nas ruas com passeios de calçada. O Mindelo faz muitas vezes lembrar uma cidade portuguesa, por exemplo na Praça Nova, e até uma réplica da Torre de Belém junto ao mar é exemplo disso. O património no Mindelo está admiravelmente bem preservado e o magnífico Palácio do Povo (antigo Palácio do Governador) é prova disso. Foi aqui que surgiu, em 1936, a revista literária Claridade, que está no centro de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. A cidade deve ser explorada a pé e, nessa caminhada, a Praça de África e o mercado merecem a visita. A cidade do Mindelo é um centro cultural onde o desenvolvimento artístico, nomeadamente a música, a intelectualidade e o desporto, tem sempre destaque. Devido a esse ambiente que se respira e ao seu charme inconfundível, o Mindelo é cosmopolita e a sua vida nocturna fervilhante, cujo ponto de encontro é, geralmente, na Praça Nova. A Baía do Mindelo é ampla e, além do porto, destaca-se o omnipresente Monte Cara do lado esquerdo, olhando para o mar, cuja forma aparenta o perfil de um rosto na horizontal, assim como a praia da Laginha, com o Ilhéu (Djeu) em frente. A Baía das Gatas tem umas rochas que fazem uma barreira no mar, constituindo uma piscina natural (a marigoa, como é conhecida). É no entanto famosa pelo festival de música, que ocorre todos os anos no fim de Agosto. Assim, anualmente chegam músicos de todo o mundo para a grande festa, onde obviamente predominam os ritmos africanos. Depois da Baía das Gatas fica a Praia Grande, com seu longo areal. São Pedro é uma pequena aldeia ao lado do aeroporto de São Vicente, a uns 10 km do Mindelo. Tem uma enorme praia com águas turquesas. A paisagem é árida e majestosa e os ventos constantes tornam-na adequada para a prática do windsurf. Monte Verde é o ponto mais elevado da ilha, com 774 metros. A vista do topo é espectacular, podendo-se avistar toda a ilha desde a Baía do Mindelo à Baía das Gatas e Praia Grande. Calhau é uma pequena aldeia no leste da ilha. Tem um local para banhos no mar e um pequeno porto de pesca. Em dias de visibilidade consegue ver-se dali a ilha desabitada de Santa Luzia.

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Ilha de Santo Antão A ilha de Santo Antão está localizada no grupo chamado de Barlavento, com aproximadamente 40 km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de largura, perfazendo uma superfície de 779 km2. É a ilha mais ocidental do arquipélago e também a mais setentrional. O nome foi-lhe dado por seus descobridores antes de 1500, em consonância com o santo do dia da descoberta, da mesma forma que ocorreu com as outras ilhas do grupo: São Vicente, São Nicolau e Santa Luzia. A capital da ilha é a vila de Ribeira Grande. De origem vulcânica, tem sido observada contínua elevação da temperatura da água do mar na região de Ponta do Sol. Esse facto levou vulcanólogos a declarar que é crescente o risco de novas erupções naquela área. Aliás, a história geológica desta ilha é marcada por períodos de actividade vulcânica intensa, interrompidos por fases em que a erosão foi marcante. Com efeito, as ribeiras são profundas e os picos e os cumes apresentam-se escarpados. O ponto mais elevado da ilha é o Tope de Coroa, com 1979 m, um vulcão inactivo, seguido do Pico da Cruz, com 1585 metros. A paisagem íngreme, contrastando áreas verdes com regiões absolutamente secas, é um forte atractivo para os turistas com gosto por longas caminhadas e turismo-aventura. A paisagem da vertente ocidental é desértica, de vegetação herbácea. Os planaltos, na parte central da cordilheira, apresentam um clima fresco e húmido, sendo cobertos de árvores como o eucalipto, o cipreste, o pinheiro e a acácia, impensáveis no resto do arquipélago. A vertente oriental é verdejante, fazendo de Santo Antão uma ilha eminentemente agrícola. Aliado à hospitalidade do seu povo, a ilha de Santo Antão encontra o seu maior fascínio na imponência das suas montanhas e das suas falésias, que caem sobre o mar. Rica em cana-de-açúcar, o grogue (a bebida mais típica de todo o arquipélago) é ainda fabricado artesanalmente nesta ilha. Os seus habitantes dedicam-se sobretudo à agricultura, a sua principal riqueza, graças às chuvas, que são aqui em Santo Antão mais abundantes do que no resto do arquipélago. Porto Novo é a maior vila da ilha. A sua grande importância reside no porto, que é fundamental para a sua economia. É daqui que parte o transporte marítimo dos seus produtos agrícolas para as outras ilhas do arquipélago. É também a única povoação da costa sul da ilha e, por isso, o acesso às restantes povoações da ilha é lento, através das tortuosas estradas pelas montanhas.

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Ribeira Grande é a principal vila de Santo Antão. Nela se encontram as principais entidades oficiais e as pequenas empresas e comércio. Fica situada na costa nordeste da ilha, no fim do grande Vale da Ribeira Grande, onde é suposto em tempos idos ter corrido um rio. Subindo a estrada de terra por este vale, em direcção ao interior da ilha, obtém-se visões fantásticas de vales e montanhas, umas áridas, outras com alguma vegetação. A paisagem é efectivamente imponente e as estradas de terra que a percorrem são uma verdadeira aventura. No final de uma delas, subindo o grande vale e virando à direita para norte, chega-se a uma aldeia remota chamada Garça de Cima. Dali, no alto da montanha, já se avista o mar e a povoação de Cruzinha da Garça, para onde a estrada continua. Ponta do Sol é uma pequena localidade perto de Ribeira Grande, situada junto ao mar. Distingue-se pelos seus graciosos edifícios, nomeadamente a Câmara Municipal. O único aeroporto da ilha fica mesmo ao lado e oferece ligações às outras ilhas. Continuando na estrada costeira que vem de Ribeira Grande e, depois de passar Ponta do Sol, vale a pena chegar perto da aldeia de Fontainhas. A paisagem é fabulosa e é lindo o contraste do pequeno casario colorido esmagado pela imponência das montanhas. Mais à frente, no fim da estrada, fica a aldeia de Cruzinha da Garça, também situada junto ao mar. Paúl é a terceira vila na costa nordeste da ilha. Fica junto ao mar, na estrada que vem de Ribeira Grande para leste. É também bonito o contraste com as montanhas. Em Paúl termina também o grande Vale de Paúl, que vem do interior da ilha. É um vale luxuriante com uma predominância de verde rara no arquipélago e onde se concentram as maiores culturas de cana-de-açúcar da ilha, da qual se faz o grogue. Também se cultivam legumes e café. Montanhosa e verde, essencialmente agrícola, destaca-se pela sua imponência. Os passeios, o montanhismo e as pequenas produções de grogue são as atracções desta ilha. Ilha da Boavista A ilha de Boavista, com uma superfície de 620 Km2, é a terceira maior ilha do Arquipélago. Tal como a ilha do Sal, é das mais planas do país. O ponto mais alto da ilha é o Pico d’Estância, com 390 metros. É caracterizada por imensas dunas de areia branca com oásis ocasionais de tamareiras, a vegetação mais típica da ilha. A ilha conta com 55 Km de praias de areia branca e um mar de água limpa e cristalina.

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Conhecida como a ilha de origem da "morna", um dos estilos musicais mais famosos do país, a Boavista só começou a desenvolver-se no início do séc. XVII, quando foi aí descoberta a grande qualidade de sal, produto que já era comercializado na ilha do Maio. Antes disso era apenas utilizada para a criação de gado, como aliás acontecia com as outras ilhas do arquipélago que eram mais áridas e que tinham pouca ou nenhuma água. A primeira localidade chamou-se Povoação Velha e a exploração do sal na ilha foi feita maioritariamente pelos ingleses. Lindas e extensas praias fazem desta ilha o local ideal para os amantes do "sol e mar", do mergulho em profundidade e da pesca.

Ilha do Fogo Esta ilha, inicialmente denominada São Filipe, foi descoberta em 1460 e a proximidade com Santiago fez com que fosse a segunda ilha a ser povoada. A ilha tem o formato de um vulcão, que efectivamente existe e continua activo, tendo acontecido a sua última erupção em Abril de 1995. A ilha tem 476 Km2 e o topo do vulcão é o ponto mais alto do arquipélago, com 2.829 metros de altura. A ilha do Fogo teve grande importância na economia caboverdiana nos anos após o seu descobrimento, pois tornou-se um complemento da actividade agrícola de Santiago; o algodão ali transformou-se em moeda de compra de escravos na costa africana, quando a Coroa Portuguesa declarou que só se podiam resgatar escravos com mercadorias produzidas no Arquipélago. As roupas produzidas a partir deste algodão também tinham muita procura. O seu vinho, mais conhecido como “Manecon”, é um dos produtos mais exportados da ilha para o exterior de Cabo Verde. A sua sociedade era formada por três classes sociais: os brancos, os mulatos e os negros. Isto devia-se a uma discrepância no estatuto sociocultural da ilha, onde a classe dominante eram os brancos. A emigração sentiu-se com a chegada dos baleeiros no séc. XIX, donde partiam muitos homens rumo aos Estados Unidos. A passagem frequente de baleeiros americanos, à procura de suprimentos e que já recrutavam mão-de-

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obra na ilha Brava, no final do séc. XVIII e durante o séc. XIX, fizeram com que muitos naturais das duas ilhas emigrassem para os Estados Unidos. Depois da Independência, o governo construiu condutas de água, houve abertura de estradas e financiamento para a produção do café. Hoje é uma das ilhas mais visitadas pelos turistas, devido à existência do seu vulcão e pela paisagem única da ilha - o preto áspero do seu chão, o sabor bom e de paladar inconfundível do seu café e do seu vinho. Majestosa, crescendo em volta de um vulcão ainda activo, convida os amantes de caminhadas. Ilha de S. Nicolau Situada a norte do Arquipélago, a ilha tem 343 Km2. A sua largura máxima é de 25 Km no sentido Norte/Sul e cerca de 50 Km de comprimento no sentido Este/Oeste. É uma ilha com um passado vulcânico muito activo, o que dá a sua forma actual e, como a ilha de Santo Antão, é imponente e majestosa, com um relevo muito acidentado, sendo o Monte Gordo, de 1304 metros, o seu ponto mais alto, onde confluem dois maciços montanhosos. O seu povoamento iniciou-se no Séc. XVII, depois de Santiago e Fogo, por ser uma das ilhas onde havia mais água e, consequentemente, mais potencialidades agrícola e pecuária. Na Ilha de São Nicolau existe uma forte diversidade paisagística: enquanto que o oeste da Ilha é verde, de forte actividade agrícola, o leste é muito mais árido e menos povoado. Uma paisagem montanhosa alterna com praias de areia negra, como por exemplo, a de Escaba - a mais bonita e famosa praia nesta ilha. A excepcional abundância de peixes (sobretudo espadarte, veleiro, serra e atum) atrai também todos os anos um número elevado de pescadores de diversos países do mundo. Uma das atracções turísticas mais próprias de São Nicolau são os dragoeiros, em número superior à centena, que se erigem como símbolo da ilha. Os vales são, regra geral, estreitos e profundos, com excepção do Vale da Fajã, suficientemente largo para o desenvolvimento de uma importante actividade agrícola. Durante muitos anos foi o centro da intelectualidade cabo-verdiana e também o berço do movimento literário "Claridade", um marco para a

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literatura cabo-verdiana, fundado por nomes como Baltazar Lopes, Manuel Lopes, João Lopes e Jorge Barbosa, em 1936. Um pouco esquecida nos roteiros turísticos, é merecedora de atenção pela tranquilidade e referências históricas e culturais que oferece a quem a visita. Os amantes da pesca de alto mar encontram aqui um local aprazível. Ilha do Maio Fecha o conjunto das ilhas mais planas de Cabo Verde. Encontram-se poucos vestígios de sua origem vulcânica e sua maior altitude é o Monte Penoso, com 436 metros. A sua superfície é de 269 Km2 e tem 24 Km de comprimento no sentido Norte/Sul e 16 Km no sentido Este/Oeste. Foi descoberta em 1460, sendo utilizada como ilha de criação de gado, principalmente caprino. O seu povoamento iniciou-se no final do Séc. XVI, com a exploração do sal, exportado inclusive para o Brasil, actividade que se manteve até ao Séc. XIX. Como na ilha do Sal e da Boavista, o clima é muito árido e existem poucas terras irrigadas, mas tem sido levado a cabo um plano de reflorestamento da ilha, principalmente com acácias, o que faz com que a ilha do Maio tenha, no momento, o maior perímetro florestal do Arquipélago, com 3.500 hectares. Plana e de areias brancas, revela-se excelente para a prática do turismo balnear. A sua rica fauna marítima torna-a adequada ao mergulho de profundidade e à pesca.

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Ilha da Brava É a mais pequena das ilhas habitadas do arquipélago, com 64 Km2 de superfície e um comprimento máximo de 9 Km; é também uma das mais montanhosas, com um relevo muito acidentado, de vales profundos e abruptos e cuja maior altitude é o Pico de Fontainhas, de 976 metros. A sua costa é escarpada e forma muitas baías, além de ser também uma das ilhas mais húmidas, o que faz com que seja conhecida como "Ilha das Flores", pela abundância e variedade de espécies existentes. A ilha só começou a ser realmente povoada a partir de 1620 devido às frequentes erupções do vulcão da Ilha do Fogo, que fica a apenas 20 Km de distância, o que fez com que muitos habitantes dessa ilha se deslocassem para a vizinha Brava, numa fuga que se tornou mais numerosa com a grande erupção de 1680, quando grande parte resolveu estabelecer-se na Brava e não retornar à ilha do Fogo. A seca foi uma das grandes causas da emigração e, nos finais do Séc. XVIII, baleeiros oriundos dos Estados Unidos, que paravam na ilha para se abastecer, recrutavam homens que tinham fama de bons marinheiros para trabalharem nos navios. Muitos deles acabaram por se estabelecer nos Estados Unidos e, juntamente com os emigrantes da Ilha do Fogo, formaram a que é hoje considerada a maior comunidade cabo-verdiana no exterior. A actividade económica do passado incluía a extracção da urzela, a agricultura e pesca, sendo que as duas últimas perduram até hoje como actividades principais, ao que se junta as remessas de dinheiro dos emigrantes nos Estados Unidos para ajudar os seus familiares em Cabo Verde. Ilha florida e relaxante pelas suas paisagens e vistas, ostenta a notável hospitalidade dos seus habitantes. A riqueza marítima torna-a uma zona piscatória paradisíaca. Ilha de Santa Luzia A única ilha desabitada de Cabo Verde tem 35 Km2 e uma altitude máxima de 395 metros. Tem 5 km de largura e 13 km de comprimento. É uma ilha com pouca vegetação, sendo particularmente seca. Contudo, é uma ilha de

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alguns contrastes no que diz respeito ao relevo, pois a sul existem praias e dunas enquanto que a parte norte é mais escarpada. Desde sempre a falta de água foi um dos principais condicionantes para a não povoação da ilha, mas mesmo assim conseguiu, pontualmente, fazer parte da economia do Arquipélago, tendo sido utilizada para a criação de gado. Todavia, a pecuária não foi a única actividade económica da ilha, pois a urzela foi extraída em grande quantidade, motivo pela qual a ilha passou a ser alvo de arrendamentos e contratos. As secas goraram quaisquer tentativas de se povoar a ilha e vários planos foram frustrados pela falta constante de água. No entanto houve tentativas de implantação de projectos que levassem à exploração do potencial de pesca da ilha e também para incrementar a criação de gado, chegando, no séc. XIX, a viver cerca de 20 pessoas na ilha. Tanto a carne e os produtos lácteos como também o couro, provenientes de Santa Luzia, sempre foram considerados de boa qualidade. As secas frequentes fustigaram a ilha e acabaram por torná-la completamente desabitada apesar de, ainda no Séc. XX, um casal de pastores ali ter vivido, pelo menos até à década de 60. Em 1990, já com a ilha desabitada, o Estado de Cabo Verde declarou a ilha de Santa Luzia património público e é considerada, actualmente, uma importante reserva natural. Desabitada, desafia o espírito aventureiro.

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FLORA As ilhas de Cabo Verde, sendo formações que surgiram da actividade vulcânica submarina, foram dotadas de espécies animais e vegetais que se foram adaptando ao relevo e micro-climas existentes, tornando-se diferentes dos seus antepassados. Sabe-se que, em tempos, a vegetação era exuberante, embora sem qualquer floresta rica em madeira. A acção do homem sobre a natureza fez com que a vegetação sofresse dramática alteração. A criação de campos de cultivo e o desvio de cursos de água, a introdução de novas plantas de pastagem e a instalação do gado, nomeadamente cabras, e o corte de árvores e arbustos foram tão rápidas que a vegetação natural não pôde por si regenerar-se. A sua flora, embora não muito rica, diferencia-se horizontalmente de ilha para ilha e, verticalmente, conforme as altitudes nas diferentes ilhas. Nas espécies da Macaronésia encontra-se a maior percentagem das espécies vegetais endémicas de Cabo Verde, especialmente o Marmulano, o Dragoeiro, com maior concentração em São Nicolau e Brava, a Tamareira cabo-verdiana, a Língua de Vaca, o Tortolho, o Lantisco e a Losna, etc. As espécies da África tropical, principalmente das zonas sahelianas, predominam nos andares baixos. Nesta zona encontra-se uma vegetação de transição entre a Savana (Estepe) arbórea ou herbácea, tipos relativamente secos não diferenciados, e estepe arbórea com abundância de Acácias ou outras espécies de zonas húmidas. São plantas de origem sudano-saheliano como a Calabaceira, o Poilão, o Tamarindo, a Figueira Brava, o Zimbrão, o Espinho Branco, o Bombardeiro, o Barnelo, etc. Por sua vez, nos andares superiores, entre os 400 e os 1.400 metros, temos a vegetação húmida ou sub-húmida, com culturas tropicais. As plantas introduzidas pelo homem são mais de 200 espécies, com procedência de quase todos os continentes, cultivando-se para alimentação o milho, o feijão, a fava, a batata doce, a batata comum, o tomate, a mandioca, etc.

FAUNA Em Cabo Verde não existem animais ferozes nem venenosos. A fauna cabo-verdiana é constituída principalmente por animais domésticos e não domésticos como aves, pequenos répteis, coleópteros, insectos endémicos e aves, existindo também várias espécies de pequenos símios na Ilha de Santiago. Existem perto de cento e cinco espécies de aves terrestres e marinhas, das quais cerca de quarenta e duas reproduzem-se localmente. Neste conjunto, vinte e quatro espécies e variedades são endémicas e outras são migratórias, da Europa, como a Garça-real, e África. Uma boa parte são marinhas, construindo os seus ninhos em escarpas em redor das ilhas e ilhéus (Garça-vermelha e Milhafre, entre outras). Das espécies raras ou em

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via de extinção convém salientar o Pato Marmoreado, Saltador e Asa Curta ou Milhafre. Das aves de rapina destacamos o Falcão, a Francelha ou Falilie, a Coruja e o Minhoto. Das espécies consideradas úteis, existem “Tchotas” (aves insectívoras), Pardal de Algodoeiro, Pardal da Barbaria, Passarinha de Pena Azul, Corvo, Garças e Calhandra do ilhéu Raso. Entre as variedades de répteis destacam-se os Lagartos e as lagartixas, na sua grande maioria espécies endémicas. O lagarto mais célebre, o Macrocincus coctei (lagarto gigante), pode atingir 50 cm de comprimento, é uma espécie muito rara e o risco de se extinguir é eminente. A fauna marinha é bastante rica e diversificada devido à limpidez e temperatura amena da água (média 25ºC) e existência de plataformas de corais, não faltando peixes multicolores. Cabo Verde é considerado um dos três melhores locais do planeta para apanhar o Espadarte Azul do Atlântico, tão apreciado pelos desportistas da cana e do anzol, já que cada peixe pesa em média entre 90 e 150 kg, encontrando-se devidamente certificado pelas autoridades oficiais a captura de um dos maiores exemplares do género no Mundo, com 495 kg. Há também boas hipóteses de apanhar outras espécies como o Peixe-Serra, Bonito, Dourado e outros da família do Tubarão. Inúmeras espécies permanentes de peixes podem ser vistas em diferentes épocas do ano como a dourada, salmonete, esmoregal, pargo, mero, moreia, tainha, cherne; espécies migratórias como atuns, golfinhos, cachalotes, orcas e baleias surgem repentinamente. Por trás dos promontórios acontecem surpreendentes encontros com tartarugas gigantes, animal em perigo de extinção, de entre as cinco espécies que procuram estas ilhas. Da grande variedade de espécies permanentes e outras migratórias pode-se, entre estas últimas, referenciar os tunídeos, ocasionalmente cachalotes, orcas, baleias e as já referidas tartarugas gigantes, esta uma espécie protegida que desova na ilha do Maio. A maior concentração está localizada na zona oriental do arquipélago - Sal, Boavista e Maio - por se encontrar na rota das migrações dos tunídeos que durante alguns meses do ano são relativamente abundantes. O arquipélago dispõe também de uma população sedentária de tunídeos, constituída principalmente por “Thunnus albacares” (albacora) e “Thunnus obesus” (Patudo). Entre os tunídeos migradores destaca-se o “Katsuwnus pelamis” (Gaiado), que atravessa Cabo Verde de Julho a Novembro. Em Cabo Verde existem cinco espécies de Tartaruga: “Chelonia mydas” (Tartaruga verde), “Careta Caretta” (Tartaruga vermelha), “Eretmochelys imbricata” (Tartaruga de casco), “Lepidochely olivacea” e “Dermochelys coriacea” (Tartaruga parda). As águas albergam ainda um grande número de crustáceos, com especial destaque para as lagostas. Existem quatro espécies de Lagosta: Scyllarides latus, Panulirus echinatus, Panulirus regius e Palinurus Charlestoni. Esta último é uma espécie endémica de Cabo Verde, vulgarmente conhecida por lagosta rosa.

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A ESTRUTURA SOCIAL O povo cabo-verdiano é o produto da fusão de várias gentes que, ao longo de séculos de co-existência, foram moldando no tempo e no espaço uma forma de ser e de estar, conferindo-lhes a sua identidade. Vários foram os grupos humanos responsáveis por esse processo. Um primeiro grupo, numericamente minoritário, mas socialmente importante, é o europeu: inicialmente, portugueses, catalães e genoveses. Mais tarde, também aí aportaram piratas de várias nacionalidades – franceses, ingleses, castelhanos e holandeses - que, favorecidos pela hostilidade entre Portugal e outras nações europeias, aterrorizavam as diversas armadas e as populações costeiras. Um dos mais famosos assaltos à Ribeira Grande foi efectuado por Francis Drake em 1585, deixando a cidade a ferro e fogo. Tristemente célebre foi também o assalto feito pela armada francesa em 1712, que semeou o pânico e a destruição na cidade. Diferentes grupos europeus de várias classes sociais aí se foram fixando ao longo dos séculos, quer por interesses mercantis, quer para expiação de crimes de que eram acusados em Portugal. O outro grupo social é formado de início, por escravos negros, que constituíam o segmento de maior densidade demográfica. Eram provenientes de diferentes etnias e traziam consigo habilidades e saberes totalmente desconhecidos do homem branco. Os escravos desempenharam um importante papel no desenvolvimento do arquipélago. O recurso à sua força de trabalho foi o pilar de todo o edifício social, constituindo-se assim uma verdadeira sociedade escravocrata. Passado algum tempo esta situação foi-se alterando, com o aparecimento do mestiço, fruto da união do homem branco com a mulher negra. O povoamento europeu foi maioritariamente masculino; as esposas normalmente não acompanhavam os maridos e, se o faziam, não conseguiam impedir o assédio que eles sempre fizeram às mulheres negras. Acompanhando a evolução da sociedade cabo-verdiana, os mestiços, filhos de senhores e escravos, passaram a ser reconhecidos pela sociedade em geral e com o tempo foram ocupando cargos na administração e na hierarquia eclesiástica, ascendendo socialmente. A estrutura social da sociedade cabo-verdiana era constituída por diferentes grupos sociais e obedecia a uma hierarquia: o primeiro grupo era constituído pelos brancos europeus; o segundo pelo forro e mestiço e o terceiro pelos escravos, em que um sub-grupo era formado pelos “escravos fujões” que viviam à margem da sociedade organizada. Com o tempo o quadro colonial foi-se alterando. O Século XIX fica marcado por grandes agitações sociais como resposta a diversas injustiças cometidas pelos grandes proprietários, pelo elevado número de taxas estatais e pelas aspirações causadas pela abolição da escravatura. Os castigos aplicados pelas autoridades foram-se mostrando cada vez mais ineficazes contra a crescente intolerância do povo que já não iria permitir

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por muito mais tempo os abusos a que desde há séculos era sujeito. A abolição da escravatura vai abrir caminho a novas mudanças, apesar do desconforto da classe dominante. Em 1854 foi decretada a libertação dos escravos de estado e dois anos depois foi feito o recenseamento dos escravos que trabalhavam para os patrões privados. Mais tarde, em 1935/40, o movimento literário “Claridade” assume uma importância crucial para a tomada de consciência da nacionalidade cabo-verdiana, sendo o embrião de um despertar político, que foi tomando forma e cimentando o caminho que preparou a independência, altura em que os cabo-verdianos foram finalmente os senhores do seu próprio destino.

A IDENTIDADE A situação histórico-social de Cabo Verde teve um papel determinante na construção da mentalidade e identidade cultural do seu povo, que foi durante séculos governado por um regime colonial e sustentado por uma sociedade escravocrata. O cabo-verdiano sofreu na pele a dominação colonial assim como as consequências de uma seca prolongada, que originou a morte e a fome a muitos filhos da terra. A sua identidade forja-se muito antes da independência, remontando ao tempo em que o crioulo – encontro entre o português e as várias línguas e dialectos africanos - ganhou maturidade, tornando-se a sua língua de comunicação. Para além disso, a sua religiosidade e as suas diversas manifestações culturais - literatura, artes plásticas, música, dança, artesanato, gastronomia, etc. - afirmam-se igualmente como signos de uma identidade específica.

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A CULTURA A Literatura A literatura oral é uma densa fonte instrumental transmitida de geração em geração, que serve para fixar hábitos, conhecimentos, normas de existência ou princípios básicos de convivência, sendo um património documental e histórico de inestimável valor. Foi uma arte cultivada ao longo do tempo e constitui uma memória histórica e sociológica riquíssima. A sua função é inegavelmente pedagógica pois aí se encontram ensinamentos, regras de conduta, orientações morais no seu duplo sentido psicológico e vivencial, recheados de uma sabedoria natural e empírica, profunda e altamente metafórica. Entre esta forma de reproduzir ensinamentos e fixar tradições encontramos o “Konbersu Sabi” e as Cantigas de Trabalho. O Konbersu Sabi é um desafio poético entre duas pessoas e ocorre de uma forma improvisada, utilizando uma linguagem figurada e simbólica; decorre num encadeamento rítmico e estético que desafia a capacidade poética dos intervenientes. As Cantigas de Trabalho são igualmente repositórios de uma literatura oral que se perpetuou no tempo e no espaço e desempenham um papel lúdico e utilitário. Decorrem do quotidiano do agricultor e retratam vários aspectos de sociedade em geral e da vida dos trabalhadores – os seus sentimentos, as suas revoltas, os seus descontentamentos, os seus medos, os seus estados de alma. A literatura escrita está recheada de produções de enorme riqueza estética, ideológica e literária. O primeiro romance cabo-verdiano, “O ESCRAVO”, foi publicado em 1856, em Santiago; foi escrito por José Evaristo d’ Almeida, que, embora sendo português, viveu e bebeu a influência cultural da ilha onde se encontrava desterrado. Podemos dividir a literatura escrita em três fases distintas: a Pré-Claridosa, a Claridosa e a Pós-Claridosa. A Pré-claridosa corresponde, cronologicamente, à literatura anterior a 1936 e é caracterizada por uma escrita de forte influência portuguesa e, por conseguinte, por um estilo romântico e uma obediência cega aos cânones clássicos da escrita de então. A saudade, o amor, a tristeza, a melancolia, os desencontros amorosos e uma certa exaltação patriótica eram notas dominantes, sendo de se destacar nesse contexto alguns nomes como Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes e Januário Leite, entre outros. Não obstante essa consonância, Eugénio Tavares e Pedro Cardoso revelaram-se (quase) como os precursores da Claridade, ao defenderem a língua e a escrita do crioulo, escrevendo eles próprios em crioulo, e ao retratarem e contestarem algumas situações sociais degradantes

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provocadas pelo regime colonial-fascista, revelando-se como avatares da claridosidade com a sua escrita de pendor nativista e pan-africanista. Reprodução do primeiro número da revista Claridade na edição comemorativa do seu cinquentenário A revista Claridade surge no Mindelo em 1936, no centro de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. Encabeçada por Baltazar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, começa a fase da modernidade literária cabo-verdiana, verificando-se então uma ruptura com o estilo clássico de escrita, patente na promoção do versilibrismo no distanciamento em relação aos temas sentimentais e melodramáticos; reivindica-se agora uma escrita voltada para o Homem e para os problemas cabo-verdianos e, portanto, com os pés fincados no chão, voltados para a Terra-mater, em que a terra seca e árida, o mar, a situação social precária do cabo-verdiano, a exploração e o servilismo da população, a resignação e o espírito evasionista, enquanto dramas existenciais do povo cabo-verdiano, são abordados de forma incisiva. Apesar do discurso utilizado na Claridade nunca ter podido ser directamente contestatário em relação ao regime colonial, face ao apertado crivo da censura, o seu papel foi de uma enorme importância social e literária. A fase Pós-claridosa, que corresponde a toda a literatura posterior à revista Claridade, é caracterizada por uma heterogeneidade temática e estética e por uma sucessão de revistas com pretensões de ruptura. Havendo um certo gérmen de censura nalgumas dessas revistas, e não propriamente na sua essência e no seu todo, pode falar-se, realmente, de alguns escritores que se pugnaram e conseguiram erigir uma escrita renovada, mais universalista e moderna. Tanto as revistas Certeza, O Suplemento Cultural do Boletim Cabo Verde, a Folha Seló, como os seus colaboradores, se evidenciaram por uma postura nacionalista, contestatária, anti-evasionista e profundamente engajada contra a situação social, de crise e de abuso do regime fascista, aprofundando e alargando, por conseguinte, as preocupações estético-ideológicas do movimento Claridade, embora já com uma postura mais inovadora, mais acutilante, mais problemática e irreverente e de uma maior preocupação estético-literária. Abarcando essa fase e esse modo de escrita o período que vai até à independência de Cabo Verde, é necessário ainda mencionar a fase pós-independência, que constitui, por sua vez, uma ruptura total com a temática e estética literárias anteriores, sobressaindo-se, nesse contexto, a diversidade de estilos, de temas e de ideologias, consentâneas com a conjuntura de liberdade e abertura ao mundo que se vive em Cabo Verde.

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Muita há para saber sobre a pretérita literatura cabo-verdiana, assim como para conhecer as diversas obras publicadas pós independência (ver http://livroditera.blogspot.com/). Vamos então conhecer mais de perto alguns vultos da literatura cabo-verdiana: EUGÉNIO TAVARES EUGÉNIO TAVARES Eugénio Tavares nasceu na ilha da Brava a 18 de Outubro de 1861, onde viria a falecer a 1 de Junho de 1930. Foi a figura cimeira da vida cultural, política e social de Cabo Verde entre 1890 e 1930, apesar de nunca ter frequentado nenhum estabelecimento de ensino secundário. Durante essas 4 décadas, ele dominou em todas as áreas a cultura do seu povo, tendo sido o seu maior intérprete até aos nossos dias devido à sua invulgar formação cultural. A sua vastíssima obra vai da poesia à música, da retórica à ficção, passando pelos ensaios. Eugénio Tavares, um cabo-verdiano, um nome ilustre. A seu respeito escreveu José Lopes: “Há nomes que são uns símbolos. Tal o de Eugénio Tavares. Lembrá-lo, proferi-lo ou escrevê-lo é concretizar a ideia de tudo quanto há e pode haver de mais elevado na alma colectiva da grande família cabo-verdiana; é simbolizar, portanto, a mais fina essência intelectual duma pátria, o que ela tem de indestrutível. É pois um nome símbolo; e é também um nome expoente, que eleva a um grau eminente o pensamento cabo-verdiano. Sintetiza e define a sua terra”. A obra de Eugénio Tavares assume um carácter importante para a compreensão sócio-cultural de Cabo Verde, nomeadamente no período compreendido entre 1890 a 1930. De uma maneira geral, a herança cultural de Eugénio Tavares retém-se no seu pensamento, enquanto acto de espírito ou operação de inteligência, e é possível observá-la na sua vasta e diversificada obra, nomeadamente nas mornas da sua autoria. A sua estreia literária foi no “Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiras, com apenas 15 anos de idade, tendo deixado uma extensa obra dispersa em revistas e jornais, desde poesia, narrativas, teatro e jornalismo.

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A sua Obra: 1. Mornas e cantigas crioulas: 1930 2. Em Viagem 3. Um Fabuloso Alcance 4. Bilhetes Postais 5. Cartas Cabo-verdianas (5 números/edições) 6. O Mal de Amor 7. Amor que Salva 8. Santificação do Beijo 9. Coroa de Espinhos 10. Desafronta 11. Os Cossacos 12. Manidjas - primeira peça da literatura cabo-verdiana na língua nativa

Peças Teatrais

1. A Peçonha - primeiro folhetim literário publicado na Voz de Cabo Verde 2. A Ceia da Parelha 3. Filhos Que Salvam

Contos

1. Maldito Telegrama 2. Samar 3. Por causa de um casamento 4. Guida - publicado no Jornal Alvorada

Fugindo às perseguições políticas, Eugénio Tavares fundou em New Bedford, nos Estados Unidos da América, o jornal “A Alvorada”, onde defendeu acerrimamente o seu sonho de autonomia para Cabo Verde. Tanto "A Alvorada", publicado em 1900 e um dos primeiros jornais em língua portuguesa publicado por Eugénio Tavares, como a “Voz de Cabo Verde” ocupam um lugar de destaque, pelo seu valor histórico. A “Voz de Cabo Verde”, por ele editado em 1911 e que sobreviveu até 1919, é um órgão de comunicação que viria trazer a público as intenções da recém proclamada República Portuguesa, no campo da justiça, da fraternidade e do progresso. Neste jornal, encontra-se em qualidade e quantidade a colaboração de Eugénio Tavares, que o elegeu como Príncipe dos jornalistas Cabo-verdianos de todos os tempos. Eugénio Tavares e Pedro Cardoso foram amigos e companheiros de jornada nos caminhos da vida e das letras. A 18 de Outubro de 1867, Eugénio Tavares parte e Pedro Cardoso presta-lhe a sua sentida homenagem: "À Memória de Eugénio Tavares Roçou-lhe a fronte a Morte e muda resvalou Ao chão a lira de oiro. Ah! do cisne mavioso Nunca mais se ouvirá o canto melodioso … Aos páramos do Além para sempre se alou!

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Sim, da Imortalidade, o pórtico radioso, Ei-lo transpondo, enfim, no derradeiro voo… Não morreu o teu sol, ó Brava! Transmontou Para seguir noutro céu mais vivo e esplendoroso! Nunca mais se ouvirá aquela voz sublime Cantando o Amor e o Bem e profilando o crime Com o ardor de Jesus e a coragem de Anteu! Ó Brava, nunca mais! Mas no tempo da História, Em áureo pedestal erguido, à luz da Glória, Eterno viverá o teu Divino Orfeu!" PEDRO CARDOSO Foi poeta, escritor, ensaísta, jornalista, professor e funcionário das alfândegas. Mas acima de tudo foi um revolucionário. Numa altura em que é já iminente a oficialização do crioulo, surge agora em obras do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) e do antropólogo Manuel Brito-Semedo um Pedro Cardoso revalorizado. Traz-se, assim, novamente para a luz do dia, um dos primeiros grandes activistas da língua e da cultura cabo-verdianas. Nasceu no Fogo em 1890, mas logo o seu pensamento extrapolou a ilha do vulcão, envolvendo-se numa relação dual com as ilhas e com o universo do imenso continente africano. Movendo-se nessa alternância e complementaridade de mundos, o poeta pré-claridoso Pedro Cardoso criou, durante os 52 anos da sua vida, uma obra marcada pela liberdade e pela exaltação da identidade crioula como entidade cultural independente e autónoma. Uma atitude de ruptura com o Portugal colonial, assente na utilização da língua materna e na redefinição do bilinguismo. Pedro Cardoso colocou, desta forma, o crioulo e português em consonância e em pé de igualdade. No fundo, esta atitude era um reflexo da ideologia maior deste poeta, que definia a relação entre Cabo Verde e Portugal com base num sistema sem patrões nem subordinados. Numa altura em que estavam ainda em fermentação os movimentos que viriam a determinar o fim do império luso, este pensamento era deveras arrojado e inovador. Motivo mais que suficiente para alguns confrontos com as entidades coloniais de então, atentas a qualquer assomo de sentimentos nacionalistas. No entanto, Pedro

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Cardoso não teria pretensões de cortar de uma forma extrema as relações de Cabo Verde com a “transpátria portuguesa”, como nota José Luís Hopffer Almada, num ensaio publicado recentemente no Kriolidadi, sobre os grandes poetas cabo-verdianos. A sua obra e ideologia procurariam antes redireccionar as ilhas para o seu interior cultural e social, também ele fruto de uma mistura entre mundos. Uma introspecção que, pouco a pouco, delineasse uma autonomia social e cultural em relação à antiga metrópole. Esta atitude de autonomização e da valorização do crioulo marca transversalmente a obra do autor. Para o também poeta Filinto Elísio, Pedro Cardoso foi uma das figuras máximas desse período “nativista e romântico das letras cabo-verdianas”. “Jardim das Hespérides”, “Folclore Cabo-Verdiano” e “Lírios e Cravos” foram alguns dos livros assinados pelo autor, que escolheu como pseudónimo o denunciador nome “Afro”. Este amor e admiração pelo continente negro estiveram também na base dos seus trabalhos em torno das civilizações africanas, como o antigo Egipto. Para além da actividade literária, Pedro Cardoso era também jornalista, desempenhando funções de colaborador na revista “Mocidade Africana” e de chefia de redacção e cronista do “A Voz de Cabo Verde”. As trinta e três crónicas de intervenção social e política escritas para este jornal na secção “A Manduco” foram já compiladas e organizadas pelo antropólogo Manuel Brito-Semedo, num livro finalizado em 2003, entregue à Spleen Edições e que aguarda desde então por financiamento. “A Manduco - Crónicas de Pedro Cardoso n’A voz de Cabo Verde (1911-14)” é, desta forma, composto pelos textos escritos por aquele homem das letras ao longo dos três anos em que manteve o espaço de crónicas e por notas de Brito-Semedo sobre os mesmos. Como conta o antropólogo, durante este período a pena de Pedro Cardoso “zurziu e alimentou polémica” sobre assuntos diversos como a arborização, o analfabetismo ou questões da raça negra e da autonomia das ilhas. Na sequência do trabalho como cronista no “A Voz de Cabo Verde”, Pedro Cardoso co-fundou e foi proprietário da revista também ela intitulada, nada mais nada menos, que “Manduco”. Esta publicação seguia a mesma linha crítica iniciada no jornal e, como o próprio nome indica, pretendia trazer mãos à palmatória. Acima de tudo, era mais um veículo acutilante encontrado por Pedro Cardoso para exprimir e difundir as suas profundas convicções. É neste contexto que surge mais uma obra sobre este homem das letras, agora pela mão do IBNL e do Ministério da Cultura. Com o nome “Manduco”, segundo uma informação veiculada no blog “Lantuna”, o livro pretende reeditar as duas edições daquela revista. Para além desta súmula, a obra integrará também um ensaio sobre a vida e obra de Pedro Cardoso, da responsabilidade de Filinto Elísio. Um poeta para quem “é preciso desmistificar e dizer claramente que o arranque da cabo-verdianidade como movimento fixou-se antes dos claridosos, com autores como Pedro Cardoso ou Eugénio Tavares.

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JORGE BARBOSA Jorge Vera Cruz Barbosa nasceu na ilha de Santiago a 22 de Maio de 1902, fez os seus estudos primários na cidade da Praia e depois veio para Lisboa, onde estudou até ao terceiro ano liceal. Regressou a Cabo Verde e prosseguiu os seus estudos até ao quinto ano do Liceu, tendo começado a trabalhar na Alfândega de S. Vicente, transitando pelas alfândegas de Santo Antão, Brava, Sal (três vezes), Fogo, Brava e novamente S. Vicente. Aposentou-se em 1965, com 65 anos, na ilha do Sal. Casou em 1930 com Ida Barbosa, com quem teve cinco filhos. Em 1970, muito doente do coração, veio para Portugal tratar-se, morrendo três meses depois. As suas frequentes transferências permitiram-lhe conhecer bem as ilhas e retratar, com urna teluricidade impar e com uma formalização poética altamente conseguida, o universo quotidiano do arquipélago. A sua vida foi calma, sem grandes sobressaltos, e limitada pelo mar que circundava as ilhas, mas que tanto inspirou a sua poesia. Jorge Barbosa é um dos maiores poetas cabo-verdianos de todos os tempos. Foi pai da moderna poesia cabo-verdiana, o pioneiro do novo rumo da literatura cabo-verdiana, aquele que anunciou, em primeiro lugar, a verdadeira literatura cabo-verdiana. Na verdade, foi ele quem, em 1935, através do livro de poemas "Arquipélago", rompeu com o cânone da poesia cabo-verdiana, pondo de lado a habitual forma de construir a poesia em Cabo Verde. Até então, os poetas cabo-verdianos eram tolhidos pelo classicismo da forma, pela rigidez da métrica e da rima e pela imitação da temática portuguesa metropolitana. O verso solto, a poesia livre está mais de acordo com o espírito livre dos cabo-verdianos, daí a sua rápida assimilação logo após a sua introdução por Jorge Barbosa. Mas não é apenas a nível da forma que Jorge Barbosa revolucionou a poesia feita por cabo-verdianos. "Arquipélago" é um esboço nítido e claro de um temário novo, voltado para a terra cabo-verdiana e suas gentes, um temerário que cortou o cordão umbilical que até então ligava a poesia cabo-verdiana àquela que se fazia em Portugal. Jorge Barbosa, pela forma e pelo conteúdo, foi o primeiro poeta a nacionalizar a poesia e a literatura cabo-verdianas. Juntamente com Baltasar Lopes, Manuel Lopes e João Lopes, aprofundou a reflexão sobre a realidade social, cultural e étnica de Cabo Verde.

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Jorge Barbosa é dos mais telúricos poetas cabo-verdianos. Primeiro do que ninguém descobriu o principal e iniciático drama cabo-verdiano: a eterna tragédia do querer partir e ter que ficar, do querer ficar e ter que partir - o evasionismo. Porque partir então significava viajar pelo mar, Jorge Barbosa também cantou o mar, o que ele significa para a ilha: prisão/caminho da liberdade: "Ai o mar/ que nos dilata sonhos/ e nos sufoca desejos". Ou: "Esta nossa/ fininha melancolia/ que vem não sei de onde/ um pouco talvez/ das horas solitárias/ passando sobre a ilha/ ou da música/ do mar defronte/ entoando/ uma canção rumorosa/ musicada com os ecos do mundo". De todos os claridosos, é aquele que mais desceu ao social e até político, como provam alguns inéditos proibidos mas agora revelados, como Meio Milénio, Júbilo e Panfletário. Aliás, a incursão de Jorge Barbosa pela Negritude demonstra que ele não ficou, como os seus colegas da primeira hora, apesar de ser considerado o príncipe dos poetas evasionistas, apenas pela descrição e fixação da miséria social e económica de Cabo Verde. Se não foi mais longe foi porque cantou mais alto a condição de funcionário público. É ele quem diz: "Era para eu/ ser panfletário/ Combateria/ os tiranos arbitrários, os agiotas/ os exploradores da miséria/ e do trabalho dos pobres/ os homens poderosos/ e os seus mandatários/ e bajuladores, e as leis que os protegem. Não o fui [...] venceu-o este meu outro/ real melancólico/ destino burocrático". Jorge Barbosa morreu em Portugal a 6 de Janeiro de 1971. Legou-nos uma extensa obra poética, divulgada em três livros: “Arquipélago”, cuja primeira edição, da responsabilidade da Editorial Claridade, data de Dezembro de 1935; “Ambiente”, editada pela Minerva de Cabo Verde, primeira edição de 1941; e “Caderno de um ilhéu”, primeira edição em 1956, publicada pela Agência Geral do Ultramar, em Lisboa. Os três livros foram reeditados num só volume, em 1989, pelo Instituto Cabo-Verdiano do Livro. Em 1993, o livro “Poesia Inédita e Dispersa de Jorge Barbosa” foi publicado pelas Edições ALAC. Três livros de poemas inéditos, que se encontravam nas mãos de um dos seus filhos, ordenados por Jorge Barbosa com os títulos “I – Expectativas”, “II – Romanceiro dos Pescadores” e “III – Outros Poemas”, alguns dos quais já editados no livro das Edições ALAC, foram reunidos posteriormente à sua poesia numa edição da responsabilidade da Imprensa Nacional (Lisboa), datada de 2002, sob o título “Obra Poética”. Jorge Barbosa escreveu ainda ficção e prosa, tendo publicado os contos “Cinco vidas num escritório” e “Conversa interrompida” (Revista Cabo Verde nº 34, de Julho de 1952, e nº 32, de Maio de 1952, e posteriormente na Antologia da Ficção Cabo-Verdiana (1960). Escreveu também várias crónicas, publicadas no Boletim Cabo Verde, tendo deixado por publicar alguns artigos de opinião e um romance incompleto, “Bia Graça”.

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BALTASAR LOPES DA SILVA - "NHÔ BALTAS" Baltasar Lopes da Silva nasceu a 23 de Abril de 1907, na pequena aldeia de Caleijão, vila da Ribeira Brava, na Ilha de São Nicolau. Poucos anos depois teve um começo promissor nas suas primeiras lições no Seminário da ilha. Baltasar Lopes da Silva mudou-se para São Vicente para continuar o secundário. Um aluno com um talento e uma sensibilidade excepcional, a nível literário, veio para Lisboa para completar o ensino superior. Na Universidade de Lisboa tirou duas licenciaturas, uma em Direito, outra em Filologia Românica, ambas com distinção, disciplinas que estudou durante toda a sua vida. Na década de 1930, Baltasar Lopes da Silva regressou a São Vicente e aceitou um convite para ser professor no Liceu Gil Eanes (hoje Ludgero Lima de seu nome), onde foi o director por alguns anos. Nho Baltas, como era conhecido pelos seus alunos e pela população em geral, ajudou a moldar várias gerações, não só pelas suas capacidades como pensador e professor, mas também através das suas grandes qualidades humanas. Em 1937, Baltasar Lopes voltou a Portugal para se habilitar com o Estágio Pedagógico do Liceu Pedro Nunes, tendo leccionado no Liceu de Leiria em 1940/41, altura em que as suas ideias ideológicas lhe criaram problemas com o Estado Novo, que lhe rejeitou a sua candidatura ao lugar de Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa. Alberto Carvalho (Revista ICALP de Junho/Setembro de 1989) refere que Baltasar Lopes conquistou assim “o direito de figurar entre os proscritos do regime, reais o em vias de o serem, como Agostinho da Silva, Rodrigues Lapa, etc”, acrescentando que ele rejeitou em seguida o convite para leccionar nua Universidade brasileira, “anti-evasionista de facto concreto que preferia definitivamente a humilhação na sua terra, carecida de todas as obras”. O Advogado do povo foi o nome pelo qual ficou conhecido quando começou a exercer. Ele defendia pessoas com poucos recursos, trabalhando apenas pela causa da Justiça. Pessoas pobres de classes menos privilegiadas procuravam Nho Baltas, certos de que ele trabalharia em sua defesa. Numa obra intitulada “A Caderneta” , um dos seus últimos trabalhos publicados, Baltazar Lopes da Silva disse como ele defendia os pobres sem defesa. Em 1945 ele surpreendeu todos os que o rodeavam ao recusar uma oportunidade de leccionar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A universidade mais tarde viria a galardoá-lo com um honroso doutoramento. Em 1936, junto com outros amigos do mundo literário preocupados com os problemas encarados por Cabo Verde e em particular com o seu senso

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crescente de nacionalidade, lançou a revista “Claridade”, que marcou o início de uma nova era na literatura cabo-verdiana. Como Jaime Figueiredo escreveu, “Claridade” foi a primeira faísca da explosão que se tornou a escrita moderna cabo-verdiana, “emergindo de um longo processo de recolha de conhecimento e realização de uma identidade cultural”. O próprio Baltazar Lopes da Silva, numa entrevista dada à revista Ponto & Vírgula, disse que “a verdade é que uma das principais aspirações da Claridade (quer da revista quer do grupo) era estudar a sociedade e a economia cabo-verdiana, de forma a melhorar a situação da maioria do povo, especialmente aqueles que estão no lado mais baixo da balança social”. Apesar das dificuldades, Claridade sobreviveu diversos anos e representou a indisputável vanguarda da literatura crioula. Em 1947, a publicação de “Chiquinho”, o “primeiro romance moderno cabo-verdiano”, segundo Manuel Ferreira, assegurou Baltazar Lopes da Silva o seu lugar de líder das figuras literárias da sua terra natal. O romance conta a história da vida de um cabo-verdiano, na verdade a do próprio autor, desde a sua infância em Caleijão até à sua educação superior em Portugal, depois de anos adolescentes em São Vicente, quando se sentia “seriamente tentado a emigrar devido à ida do pai para as terras do Tio Sam”. Um romance que é considerado um paradigma da situação que se vivia em CaboVerde, onde se enfrentava problemas reais de sobrevivência, sendo urgente mudar o curso dos acontecimentos. Sob o pseudónimo Osvaldo Alcântara, o poeta provou a si mesmo ser um linguista, não só como estudante mas como pesquisador activo, publicando “O Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, em 1957. Outras obras publicadas com este pseudónimo incluem poemas, pequenos contos e trabalhos sobre etnologia e sociologia. Publicou artigos em muitas revistas de Cabo Verde e em outros países africanos de língua oficial portuguesa, Portugal e Brasil, como a Atlântico, Vértice, Colóquio, Cabo Verde, Mensagem (CEI) e outros. Baltazar Lopes da Silva faleceu a 28 de Maio de 1989, em São Vicente, a cidade que ele nunca deixou, para ser recordado como um dos maiores filhos de São Nicolau. Segundo Alberto Carvalho (Revista ICALP de Junho/Setembro de 1989), “Baltazar Lopes é doravante iluminado pela luz de um lugar novo, e sugere-nos o dever de o tomarmos por mais um confrade dos que ocupam a frisa das individualidades de tempo perdido”. A sua obra: . 1936 – “Almanjarra”, em Claridade nº 1 . 1936 – “Mamãe”, em Claridade nº 2 e em “As ilhas portuguesas de Cabo Verde” de J. O. Oliveira, Lisboa, 1955 . 1937 – “Nocturno”, em Claridade nº 3 em Cabo Verde nº 78, em 1956 . 1944 – “Presença” e “Mamãe”, inseridos em “Poesia de Cabo Verde” (J. Osório de Oliveira) . 1947 – “Chiquinho”, romance // 1984, reedição da ALAC, Linda-a-Velha . 1947 – “Música”, “Há um homem estranho na multidão” e “Faminto”, em Claridade nº 4

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. 1948 – “Poema do rapaz torpedeado” e “Quatro poemas do ciclo da vizinha”, em Claridade nº 5 . 1948 – “D. Mana”, em Claridade nº 6 . 1949 – “A caderneta”, conto, em Vértice nº 65, Coimbra . 1949 – “Era necessário que todos viessem”, “Brancaflor”, “Nasceu um poema” e “Ciclo Doutor Honório”, em Claridade nº 7 . 1952 – “Muminha vai ara a escola”, em Cabo Verde nº 33, Praia . 1953 – “Poema para o soldado morto”, “Vou fingir que sou doido”, “História banal” e “Vidraça”, em Cabo Verde nº 45 . 1956 – “Cabo Verde visto por Gilberto Freyre”, Praia . 1957 – “O Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, Imprensa Nacional, Lisboa // 1984 . 1958 - “Romanceiro de S. Tomé”, Imprensa Nacional, Lisboa . 1960 – “Antologia da ficção cabo-verdiana contemporânea”, Praia . 1961 – “Itinerário de Pasárgada”, em Modernos Poetas Cabo-verdianos, (J. de Figueiredo), Lisboa . 1973 – “Menino de outro gongon” e “Mar”, em Colóquio / Letras nº 14, Lisboa . 1977 – “Meteorologia na terra zero no mês de Setembro de 1972”, em Raízes nº 1, Praia . “Cântico da Manhã Futura”, poesia (Osvaldo Alcântara), Banco de Cabo Verde, Praia . 1986 – “Cântico da manhã futura”, Praia . 1987 - “Pedacinho”, em “Os trabalhos e os dias”, Linda-a-Velha, ALAC . “Canção de um Futuro Amanhecer” . “O caderno de notas” . “Labor and passing days” . “O construtor” . “Egídio e Job” . Crónicas “Variam Quaedam”, na revista Ponto & Vírgula

MANUEL LOPES

Nasceu no Mindelo, a 23 de Dezembro de 1907, e morreu em Lisboa, a 25 de Janeiro de 2005. Ficcionista, poeta e ensaísta, foi um dos fundadores da moderna literatura cabo-verdiana e, com Baltazar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, foi responsável pela criação da revista Claridade.

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Manuel Lopes escrevia os seus textos em português, embora utilizasse nas suas obras expressões em crioulo cabo-verdiano. Foi um dos responsáveis por dar a conhecer ao mundo as calamidades, as secas e as mortes em São Vicente e, sobretudo, em Santo Antão.

Emigrou para Portugal em 1919, com a sua família, e fixou-se em Coimbra, onde fez os estudos liceais. Quatro anos depois, voltou a Cabo Verde como funcionário de uma companhia inglesa. Em 1936, fundou com Baltasar Lopes a revista Claridade, de que sairiam nove números. Em 1944 foi transferido para a ilha do Faial, nos Açores, onde viveu até se fixar em Lisboa, em 1959, onde viveu até à sua morte, em 25 de Janeiro de 2005, com a provecta idade de 97 anos. Regressou apenas por duas vezes ao seu arquipélago.

Entre as suas obras mais conhecidas contam-se: Chuva Braba (romance, 1956, Prémio Fernão Mendes Pinto), O Galo que Cantou na Baía (contos, 1959, de novo Prémio Fernão Mendes Pinto) e Os Flagelados do Vento Leste (romance, Prémio Meio Milénio do Achamento de Cabo Verde em 1968). Os Flagelados do Vento Leste teve adaptação cinematográfica, dirigida por António Faria, em 1987. Por ocasião do 50º aniversário da revista Claridade, em 1986, Cabo Verde atribuiu-lhe o Prémio Claridade, ex-aequo com Baltasar Lopes da Silva.

Mas Manuel Lopes foi autor de outros títulos como Horas Vagas (poesia, 1934), Poemas de Quem Ficou (poesia, 1949), Temas Cabo-verdianos (ensaios, 1950), Crioulo e Outros Poemas (poesia, 1964), As Personagens de Ficção e os seus Modelos (ensaio, 1971) e Falucho Ancorado (antologia poética, 1997). Em prosa, legou-nos ainda as seguintes obras: Monografia Descritiva Regional (1932), Paúl (1932), Os Meios Pequenos e a Cultura (1951) e Reflexões sobre a Literatura Cabo-Verdiana (1959).

Manuel Lopes colaborou com diversas publicações, nomeadamente Claridade, Atlântico, Notícias de Cabo Verde e Renascimento. É um dos escritores caboverdianos mais conhecidos e considerado uma referência cultural insubstituível. Apesar de ter sido um dos fundadores da moderna literatura em Cabo Verde, é criticado, juntamente com os restantes claridosos, por não ter politizado a sua escrita, em confronto directo com a política colonial dominante. Contudo, nas suas obras, especialmente em “Os flagelados do vento leste”, denunciou a situação histórica vivida em Cabo Verde, salientando a luta permanente contra a seca, a miséria e a fome.

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GABRIEL MARIANO José Gabriel Mariano Lopes da Silva nasceu na Vila da Ribeira, na ilha de Santo Antão, a 18 de Maio de 1928. Residiu em Santiago e em S. Vicente, onde concluiu o liceu, e veio para Lisboa onde se licenciou em Direito. Exerceu o cargo de Conservador dos Registos em São Tomé e Cabo Verde. Na cidade da Praia desenvolveu uma intensa actividade cultural, que o governo considerou subversiva, pelo que a PIDE o transferiu compulsivamente para a Ilha de Moçambique, onde permaneceu seis anos. Posteriormente, desempenhou funções de juiz de direito em Angola (Bié e Benguela). O seu papel activo nas manifestações culturais estudantis já datava dos tempos do liceu, tendo criado com Jorge Barbosa e outros o jornal Restauração, de que se publicaram apenas dois números. Em Lisboa, interessou-se particularmente pela valorização da cabo-verdianidade, fundando em 1958, com Carlos Alberto Monteiro Leite e outros, o Suplemento Cultural, uma separata do jornal Cabo Verde, cujo segundo número viu a sua publicação proibida pela censura. Concorreu aos Jogos Florais da Universidade de Lisboa, em 1957, tendo obtido o primeiro prémio do conto, o mesmo sucedendo nos Jogos Florais da Universidade de Coimbra, em 1958. Participou nos Colóquios Cabo-Verdianos da Junta de Investigação do Ultramar, em 1959, apresentando a comunicação Do funco ao sobrado – ou o mundo que o mulato criou. Gabriel Mariano foi poeta, contista, ensaísta, tendo colaborado com diversas revistas e jornais, nomeadamente, Claridade, Cabo Verde, Suplemento Cultural, Artes e Letras do Diário de Notícias e Mensagem. A sua produção literária figura em diversas antologias, tais como a “Antologia de poesia negra de expressão portuguesa”, Paris, 1958; “Estrada Larga”, com antologia de textos e poesia do suplemento Cultura e Arte, do Comércio do Porto, Porto, s/d (1962?); amostra de poesia nos Estudos Ultramarinos, nº 3, Lisboa, 1959, onde também publicou o ensaio Inquietação e serenidade – aspectos da insularidade em Cabo Verde; “Modernos poetas cabo-verdianos”, Praia, 1961; “Europe – revue mensuelle”, nº 381, ano 39º, Paris; “Mákua 2” – antologia poética (Imbondeiro), Sá da Bandeira, 1963; “Poetas e contistas africanos”, São Paulo, 1963; “Antologia da terra portuguesa – Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor”, Lisboa, s/d (1963?); “Nova soma de poesia do mundo negro” (Présence Africaine, nº 57), Paris, 1966; “Literatura africana de expressão portuguesa”, volume 1 – poesia e volume 2 – prosa, Argel, 1967; “La poésie africaine d’expression portugaise”, Paris, 1969; “Contos portugueses do ultramar”, 1º volume, Porto, 1969; “Poesia

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africana di rivolta”, Bari (Itália), 1969; “Afrikanski lyrik”, Estocolmo (Suécia), 1970; “Reino de Calibon”, Lisboa, 1975.. Entre as obras que publicou, destacam-se: - O rapaz doente (conto), caderno Imbondeiro, Sá da Bandeira, 1963 - Uma introdução à poesia de Jorge Barbosa, Praia, 1964 - 12 poemas de circunstância, Praia, 1965 - Capitão Ambrósio (poesia), Lisboa, 1975 - Antologia Poética, Lisboa, 1993 - Vida e Morte de João Cabafume (contos), ????? No prefácio da “Antologia Poética”, assinado por Ana Mafalda Leite, refere-se a Gabriel Mariano como uma voz de Cabo Verde que, no correr dos anos, se foi impondo como testemunha das sevícias do colonialismo naquela parcela africana (v. Capitão Ambrósio) e também como apologista da vida quotidiana ou não em toda a sua amplitude. “Em Gabriel Mariano (cuja poética, de carácter universal, agora se publica num só volume) encontrará o leitor uma vida multiforme, isto é, de um grito de revolta a um murmúrio de água; de um nome de mulher a um borboleteio de luzes; de um largo de pedra feito pelo homem a algo de diáfano só existente na natureza – e assim por diante, sempre diferente e sempre em canto. Obra, sem dúvida, de um exímio poeta que amadureceu por entre as coisas todas de que a existência é feita – e sabiamente se não interrogou se valia ou não a pena viver a vida como ela é. Viveu-a – esse o toque de ouro que nas páginas desse livro se repercute”. De se destacar também, do prefácio da 2ª edição de Vida e Morte de João Cabafume (2001), da autoria de Maria Cristina Pacheco, professora da Faculdade de Letras do Porto, a referência ao “efeito de repetição” como um dos alicerces da cabo-verdianidade literária, na narrativa de Gabriel Mariano. E mais adiante: “Convidar o leitor – ou melhor, forçá-lo – a “saborear” o texto “afectivamente”, através do encantatório, do embalar obsidiante da memória, é uma arte magistralmente posta em prática por este excepcional contador de histórias que é Gabriel Mariano. As reiterações de estruturas enunciativas, de avisos, de diálogos com os leitores, de frases e expressões no interior do mesmo conto, de acções de personagens que, não raro, aparecem com o mesmo nome em histórias diferentes e, finalmente, as temáticas constantemente retomadas exercem uma tal força no leitor que este fica definitivamente enredado nessa mágica teia de palavras”. São ainda referidos os temas insistentemente explorados por Gabriel Mariano, que se prendem com os problemas que o arquipélago enfrentava no seu quotidiano, como a seca, a fome, a emigração forçada para S. Tomé, a dificuldade de comunicações entre as ilhas, a religiosidade enraizada nas gentes do arquipélago, a separação do agregado familiar e a vida dos estudantes em Lisboa, “... porque repetidos, conferem à antologia uma unidade temática louvável, traduzindo o objectivo empenhado de transmitir uma visão englobante do ser e estar do Homem Cabo-verdiano”. Gabriel Mariano morreu em Lisboa, em Março de 2002.

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OVÍDIO MARTINS

Ovídio de Sousa Martins é natural do Mindelo, ilha de S. Vicente, onde nasceu a 17 de Setembro de 1928. Frequentou a escola primária na vila de Ribeira Grande, na ilha de Santo Antão, e concluiu os estudos secundários em S. Vicente. Seguiu em 1947 para Lisboa, onde se inscreveu no curso de Direito, que frequentou até ao segundo ano, tendo desistido por razões de saúde (deficiência auditiva). Empenhou-se então na defesa da cultura cabo-verdiana e, sendo um poeta panfletário, um paladino da liberdade, acabou por ser preso pela PIDE. Exilou-se na Holanda onde, juntamente com outros patrícios, persistiu na renovação da estética literária cabo-verdiana. A sua poesia, tanto pela motivação como pelo tema, é um traço que o vincula à terra e à problemática cabo-verdiana, sendo-lhe atribuído o mérito de ter elevado a língua cabo-verdiana à dignidade de língua literária. Além de poeta, foi também contista e jornalista, tendo sido co-fundador do Suplemento Cultural, editado em S. Vicente em 1958. Ovídio Martins, o poeta da guerra de independência da Guiné Bissau e Cabo Verde, que contava 70 anos, faleceu a 29 de Abril de 1999, em Lisboa, para onde viera tratar-se, vitimado pela doença de Parkinson. O corpo foi cremado e as cinzas foram lançadas ao mar, junto ao farol D. Maria Pia, na cidade da Praia, por seu filho Luís Carlos Martins, num gesto de o devolver à liberdade plena, como sempre cantara, e a partir de uma vedeta militar, numa última homenagem prestada pela terra que tanto sonhou ver livre e próspera. Oswaldo Osório, também poeta e seu companheiro das lutas e das horas difíceis, prestou-lhe uma derradeira homenagem em elogio fúnebre: "Ao mar agora queres regressar, para assim melhor cingires todas as ilhas num único abraço". Dele, disse Osório, herda a nação cabo-verdiana "a apreensão do futuro que nos comunicaste através dos teus poemas". A cerimónia que antecedeu o lançamento ao mar das cinzas do poeta decorreu no Palácio da Cultura, na Cidade da Praia. Num raro gesto de unanimidade, viram-se lado a lado figuras como o então Primeiro-Ministro, Carlos Veiga, e o Vice-Primeiro-Ministro Gualberto Rosário, bem como o líder do principal partido da oposição e ex-Primeiro-Ministro, Pedro Pires, e o antigo Presidente da República de Cabo Verde, Artistides Pereira. A última homenagem de Cabo Verde ao autor de "Anti-Evasão" (Berrarei, Gritarei,

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Matarei // Não vou para Pasárgada) congregou iniciativas da Associação de Antigos Combatentes Pela Liberdade da Pátria, Associação dos Escritores de Cabo Verde, Governo de Cabo Verde, partido político e amigos diversos. Arcádio Monteiro, político e publicista, seu amigo desde a infância, despediu-se com estas sentidas palavras: «Não te vou chorar porque, como bem sabes, é uma heresia, se não um sacrilégio, prantear heróis sobretudo quando ganham a tua dimensão. Ao escolheres o farol Maria Pia e o mar que o envolve para tua nova morada, quiseste simbolizar, à escala do teu país, a dinâmica da vida, ou seja, o nascimento, a transformação e o renascimento e, ainda, o Sol Nascente, como Força Criadora em oposição às do Mal que tão ousadamente soubeste combater e vencer, mormente através dos teus gloriosos poemas de intervenção e denúncia.»

Obras Publicadas

. Poemas - Caminhada, 1962

. 100 Poemas - Gritarei, Berrarei, Matarei - Não irei para Pasárgada, 1973

. Tchutchinha - Novela, 1962 Poemas em crioulo - Liberdade - Nôs morte - Hora nô ta bá junte - Cantá nha pove - Cretcheu - Um spada na mon - Comparaçon - Consciénça - Um r’bêra pa mar - Dstine - Mar de canal - Pescador - Cantáme Poemas em português - Mindelo - Terra dos meus amores - Caboverdianamente - Minha dor - Seca - Flagelados do vento-leste - Para além do desespero

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Para além do Desespero Para além do desespero... Apenas a criança Numa paisagem de nada. A sua boca não ri (Nunca soube que uma boca de criança foi feita para rir). Os seus olhos não choram (Não há lágrimas para além do desespero). Os seus pés não correm atrás de borboletas e as suas mãos não abrem covas na areia (Não há borboletas nem areia numa paisagem de nada). Para além do desespero... Também minha revolta com cadeados nos pulsos.” TEIXEIRA DE SOUSA

É um dos grandes expoentes da literatura cabo-verdiana. Henrique Teixeira de Sousa nasceu a 6 de Setembro de 1919 na localidade de S. Lourenço, na ilha do Fogo. Licenciou-se em Medicina na Universidade de Lisboa em 1945 e, em 1946, complementou o seu curriculum com os cursos do Instituto de Medicina Tropical e de Medicina Sanitária da Universidade do Porto. Ingressou no quadro de Saúde do Ultramar e foi colocado em Timor, tendo sido transferido para a sua ilha natal em finais de 1948, como delegado de Saúde. Encontrou o edifício do hospital transformado em albergue dos flagelados pela fome mas conseguiu seu realojamento. Implantou o hospital e, mais tarde, uma maternidade, tendo partido em 1954 para França para se especializar em nutrição, com uma bolsa de estudos. Dois anos depois, fixou-se em S. Vicente onde desempenhou as funções de presidente da Câmara Municipal, de 1959 a 1965, tendo sido nomeado chefe de Repartição de Saúde e Assistência do Barlavento. Após a independência partiu para Portugal, onde viveu a partir de 1975 até ao seu falecimento, a 3 de Março de 2005.

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Teixeira de Sousa dedicou-se durante a sua vida às suas duas grandes paixões, a literatura e a medicina, tendo sido um dos autores mais produtivos da literatura cabo-verdiana. Participou desde cedo na vida literária, tendo publicado, ainda estudante do liceu, nas páginas da folha do Liceu Gil Eanes “Juventude”, em 1936. Como ficcionista, participou na colectânea portuguesa “Contos e Poemas”, de 1942, com o conto “Noite de guarda-cabeça” e, mais tarde, no último número da revista “Claridade”, com o conto “A família de Aniceto Brasão”. Em 1972, publicou a colectânea de contos "Contra Mar e Vento", que aborda as questões sociais da sociedade da ilha do Fogo. Colaborou em diversos jornais, entre os quais o “Terra Nova”.

A sua obra mais conhecido é “Ilhéu de Contenda”, romance adaptado para o cinema por Leão Lopes nos anos 90, que surgiu de forma embrionária na segunda metade dos anos 40 e teve como primeiro título “Sobrado” e que foi concluído cerca de 30 anos depois, em S. Vicente, com o estímulo de António Aurélio Gonçalves. O romance só seria publicado após o 25 de Abril, em 1978.

Teixeira de Sousa faleceu no dia 3 de Março de 2006, vítima de um atropelamento mortal em Oeiras, onde vivia, com 87 anos de idade. Foi homenageado pelo Governo que, em comunicado oficial, exprimiu o seu “profundo pesar” pelo seu falecimento, salientando que ele “foi um escritor cioso dos valores da cabo-verdianidade e das marcas matriciais do viver cabo-verdiano”. O ministro da Cultura referiu então que os personagens, momentos e aspectos dos seus livros “ficarão para sempre inscritos na memória colectiva dos cabo-verdianos que, por isso, já são preciosos patrimónios culturais a preservar e valorizar”.

Por sua vez, o presidente Pedro Pires lembrou que o escritor tinha “uma escrita cativante e vigorosa” e que legava à cultura cabo-verdiana “um património de inexcedível valor no domínio da literatura, impondo-se como um dos expoentes máximos da cabo-verdianidade”, enquanto o presidente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC), Corsino Fortes, afirmava que a grande homenagem a prestar a Teixeira de Sousa seria promover que “a sua obra fosse divulgada com a maior extensão possível”.

OBRAS PUBLICADAS Ficção - Contra Mar e Vento (contos), Lisboa, Prelo, 1972 - Ilhéu de Contenda, Lisboa, Editorial O Século, 1978 (Reedição em 1979 pela Europa-América e em 1984 pela Ática, S. Paulo, Brasil) - Capitão de Mar e Terra, Lisboa, Europa-América, 1984 - Xaguate*, Lisboa, Europa-América, 1987 - Djunga, Lisboa, Europa-América, 1990 - Na Ribeira de Deus*, Lisboa, Europa-América, 1992 - Entre Duas Bandeiras, Lisboa, Europa-América, 1994 - Oh! Mar de Túrbidas Vagas, S. Vicente, Ilhéu, 2005

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* Compõem uma trilogia com Ilhéu de Contenda OUTRAS OBRAS - “Da Claridade à Certeza”, Certeza - folha da Academia, n.° 2. S. Vicente, Junho 1944 - “O problema alimentar em Cabo Verde”, Praia, Cabo Verde, Imprensa Nacional, 1954 - “Cabo Verde e a sua gente”, Praia, Cabo Verde, Imprensa Nacional, 1959 - “Mais de cinco anos na presidência da Câmara Municipal de S. Vicente”, Edição do Autor, Águeda, Gráfica Ideal, s/d Na Revista Claridade - “A estrutura social da ilha do Fogo em 1940”, N.° 5, Setembro 1947 - “Sobrados, lojas e funcos. Contribuição para o estudo da evolu¬ção social da ilha do Fogo”, N.° 8, Maio 1958 Em Cabo Verde - Boletim de Propaganda e Informação: - “Recolhas folclóricas - curcutiçam (ilha do Fogo)”, N.°s 63 (Dez. 1954) e 67 (Abril 1955) - “A emigração para S. Tomé”, N.° 65 (Fev. 1955) - “A alimentação e saúde nas ilhas de Cabo Verde”, N.° 92 (Maio 1957) Encontram-se ainda diversos textos de Teixeira de Sousa em várias colectâneas, sendo a primeira os “Contos e Poemas - Modernos Autores Portugueses”, editada em 1942. GERMANO DE ALMEIDA Germano de Almeida nasceu na Ilha da Boavista, Cabo Verde, a 31 de Julho de 1945. Saiu da sua ilha natal aos 18 anos e licenciou-se em Direito, na Universidade de Lisboa. Foi magistrado do Ministério Público e actualmente exerce advocacia na ilha de São Vicente. Estreou-se como contista no início da década de 80, colaborando na revista Ponto & Vírgula. A sua obra de ficcionista incide sobretudo sobre a sociedade cabo-verdiana do pós-colonialismo, da qual retrata a realidade política e social com grande maestria. Romancista e jornalista, está ligado a diversos projectos culturais do seu país.

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A sua obra de ficção representa uma nova etapa na rica história literária de Cabo Verde. Está publicada em Portugal pela Caminho e no estrangeiro, destacando-se nomeadamente o romance “O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo”, do qual vários países compraram os direitos, para a sua publicado, tais como o Brasil, Itália e França. O filme baseado nesta obra, adaptado pelo realizador português Francisco Manso, foi recentemente galardoado com o 1º Prémio do Festival de Cinema Latino-Americano de Gramado, no Brasil. Foi igualmente distinguido com os prémios para o melhor filme e melhor actor no 8º Festival Internacional Cinematográfico de Assunción, no Paraguai.

Germano Almeida usa de forma magistral as armas do humor e da sátira e denuncia de forma ímpar a duplicidade hipócrita da sociedade cabo-verdiana, asfixiada durante os primeiros anos de independência por um regime de partido único. Exemplo desse humor acutilante é “O Meu Poeta”, romance de grande fôlego onde o autor satiriza com invulgar sarcasmo a realidade cabo-verdiana. É considerado o primeiro romance verdadeiramente nacional.

As suas obras estão traduzidas em vários países, designadamente Alemanha, Brasil, Dinamarca, Espanha (Castelhano e Basco), EUA, França, Holanda, Itália, Noruega e Suécia. A SUA OBRA O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo (1989) O Meu Poeta (1990) O Dia das Calças Roladas (1992) A Ilha Fantástica (1994) Os Dois Irmãos (1995) Estórias de dentro de Casa (1996) A Família Trago (1998) Estórias Contadas (crónicas editadas no Jornal Público / 1998) A Morte do Meu Poeta (1998) Dona Pura e os Camaradas de Abril (1999) As Memórias de Um Espírito (2001) Cabo Verde. Viagem pela História das Ilhas (2003 / 2004) O Mar na Lajinha (2004) Eva (2006)

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OSWALDO OSÓRIO

Oswaldo Osório, pseudónimo de Oswaldo Alcântara Medina Custódio, nasceu na Ilha de São Vicente, em Novembro de 1937. Em 1957 veio para Portugal para prestar o serviço militar, datando desta altura as primeiras publicações de poemas seus, num jornal católico de Leiria.

No regresso a Cabo Verde, fundou com Jorge Miranda Alfama, Rolando Vera-Cruz Martins e Mário Fonseca, entre outros, a folha liceal Seló, em São Vicente, tendo publicado poemas seus nos dois únicos números deste suplemento literário que o grupo de jovens poetas iniciou no Notícias de Cabo Verde e que, à terceira edição, foi proibido pela censura.

Em poesia, publicou Caboverdeanamente Construção Meu Amor (1975), Cântico do Habitante Precedido de Duas Gestas (1977), Claridade Assombrada (1987), Os Loucos Poemas de Amor e Outras Estações Inacabadas (1997), sendo a sua obra mais recente “A Sexagésima Sétima Curvatura”. Em prosa, “Cantigas de Trabalho", o conto “Nimores e Clara e Amores de Rua” (2004), “Gervásio” (teatro, texto que foi encenado em 1977) e o romance “Desde as Portas de Roterdão”.

Oswaldo Osório foi ainda responsável pela compilação do livro Emergência da Poesia em Amílcar Cabral (1985).

As "Cantigas de Trabalho" é uma obra de recolha na área das tradições orais de Cabo Verde, realizadas por Oswaldo Osório através de viagens pelas ilhas durante cerca de um ano. O livro reproduz textos já publicados por Luís Romano e Augusto Casimiro e uma recolha de Ildo Lobo, feita em S. Nicolau, de uma cantiga de pescadores que na época fez parte do repertório de Os Tubarões. Foi com este livro que se inaugurou a colecção Tradições Orais de Cabo Verde.

As “Cantigas de Trabalho” foi a primeira obra publicada em Cabo Verde com textos em crioulo utilizando o alfabeto de base fonético-fonológica, uma opção ortográfica que até hoje é objecto de grande polémica entre os cabo-verdianos.

Contudo, Oswaldo Osório é defensor da recriação na área literária, defendendo que o aproveitamento das manifestações genuinamente populares para o âmbito literário é interessante, mas que o criador tem de

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estar sintonizado com os novos tempos. O autor afirma que o temor que a globalização trouxe quanto às culturas locais é infundado pois “em Cabo Verde ou em outros países africanos, o que se vê é uma grande pujança da cultura nacional”, conforme entrevista publicada no Paralelo 14, onde ele acrescenta: “A globalização não veio sufocar, antes pelo contrário."

O seu gosto pelo desenho, pouco conhecido mas que data do seu regresso de Lisboa, está bem ilustrado na capa do seu livro “Nimores e Clara e Amores de Rua”.

Segundo entrevista publicada no Artiletra, Oswaldo Osório está a ultimar mais um romance, intitulado “As Ilhas do Meio do Mundo”, com a ajuda da sua filha Sandra Custódio, uma vez que perdeu a visão em 2004 devido a um glaucoma. E aqui deixamos um dos seus poemas: “MANHÃ INFLOR as héveas murcharam desertas de folhas desertas de flores propositadamente nem só o sangue mas também a seiva nem só a criança mas também a pétala nem só o homem mas também a planta nem só a carne mas também a lenha propositadamente tudo o hamadricida flagelou a beleza da flor a inocência da criança a certeza dos campos o aconchego duma sombra mas nos covis a vida continuou e o apelo à luta redobrou as héveas murcharam e com as héveas a manhã inflor a terra nua mas ainda a vida nos covis continua”.

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"Cuscujada" - de Sérgio Frusoni, apresentada em Dakar (Fonte: Mindelact)

SÉRGIO FRUSONI

Sérgio Frusoni, poeta cabo-verdiano, filho dos italianos Giuseppe Frusoni e Erminia Bonucci, nasceu na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, a 10 de Agosto de 1901, e faleceu a 29 de Maio de 1975, em Lisboa. Com 24 anos de idade, começou a trabalhar na Western Telegraph Company, tendo mudado mais tarde para a Italcable. Em 1947, passou a gerir o "Café Sport" no Mindelo, onde apresentava poemas e pequenos contos em crioulo.

Na década de 1960 liderou o grupo de teatro "Teatro do Castilho" no Mindelo. Durante anos, foi locutor na Rádio Barlavento, onde dirigia e apresentava o programa "Mosaico Mindelense" em crioulo. Autor de vários contos em crioulo divulgados na Rádio Barlavento, notabiliza-se como poeta crioulo, mas apresenta a maioria dos poemas em duas versões, em língua crioula e em língua portuguesa. No final da sua vida, Sérgio Frusoni foi também pintor.

Mesquitela Lima, que recolheu boa parte dos poemas soltos em pedaços de papel que o poeta eventualmente conservava e que na maioria das vezes perdia, fez um estudo antropológico da obra de Frusoni, possibilitanto um melhor conhecimento da sua produção bilingue, em crioulo e português. A poética de Sérgio Frusoni versava sobre os temas então em voga, como o apego à terra, a fome, o drama partir-ficar (também chamado terra-longismo), mas acrescentando-lhes o sensualismo, o humor, o auto-biografismo e a constatação da situação da mulher na sociedade crioula. A sua produção poética, recolhida por Mesquitela Lima, abrange 78 poemas, dos quais 15 sonetos (quatro em português e um em inglês), escritos no crioulo de S. Vicente e traduzidos em português pelo poeta.

Em cerimónia de homenagem ao poeta, o Presidente da República, Pedro Pires, comentou que Sérgio Frusoni sempre o surpreendeu “pelo domínio do crioulo de São Vicente e pela sua capacidade de expressar os sentimentos do povo da ilha” (Paralelo 14). Para Corsino Fortes, Frusoni “trouxe pela primeira vez a dimensão gestual à literatura cabo-verdiana“ e "colocou a mulher no centro da sua poesia, apresentando-a como a fiel depositária da perpetuação da espécie e dona do condão de resolver todos os problemas, mas sempre com dignidade".

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Frusoni é considerado um dos principais escritores que dá dignidade poética escrita ao crioulo, que no seu tempo transmitia fundamentalmente mornas e coladeiras.

A obra de Frusoni:

1 . Poemas em crioulo de Sãocent - Contrabónde, Um vêz Sanvcênt era sábe, Pracinha, Era um vêz um coquêr, Presentaçôm, Pa diante ê qu’ê camin, Flôr de Béla Sómbra, Fonte de nha Sôdade, Lembróme, Mnine d' Sanvicente, Programa para meninos, Marí Matchim, Diante de mar de Sanvicente, Sanvcênte já cabá na nada, Sê Brinque, Carta d'Angola, Nha Chica, Temp d' Canequinha - Soneto em crioulo dedicado ao Dr. Francisco Regala 2 - Poemas em português - In Mortis, À Sogra, Na Hora X, A Marmita

3 – Publicações - Poemas "Fonte de nha Sôdade" e "Tempe Félix" em crioulo de São Vicente in Claridade - Revista de Arte e Letras; n.º 9, 1966 - "Textos Crioulos Cabo-Verdianos" in Miscelânea Luso-Africana, coord. Marius F. Valkhoff, 1975 - "Contrabónde", conto in in Miscelânea Luso-Africana, coord. Marius F. Valkhoff, 1975 - Vangêle Contód d'nôs Móda, tradução da versão latina do Novo Testamento de Bartolomeo Rossetti para crioulo de São Vicente, 1979 - A Poética de Sérgio Frusoni: Uma Leitura Antropológica, colecção de poemas em crioulo de São Vicente com tradução para português, coord. Mesquitela Lima, 1992

4 – Teatro - Cuscujada - de Sérgio Frusoni No seu poema "Presentaçom", que abaixo transcrevemos, Sérgio Frusoni assumiu a sua identidade de caboverdiano e sanvicentino: “Quem mi ê? Um fidje de Sanvcênte. Nascide, crióde, lá na ponta d' Praia. Lá ondê que mar tâ sparajá debóxe de bôte, moda barra dum saia. Cs' ê que m' crê? Cantá nha terra! Companhal na sê dor; na nôbréza d' sê alma; na pobréza d' sê vida!”

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(Tradução: “Quem eu sou? Um filho de São Vicente. nascido, criado, lá na Ponta da Praia. Lá onde o mar se espreguiça debaixo dos botes, como a barra duma saia. O que eu quero? Cantar a minha terra! Acompanhá-la na sua dor; na nobreza da sua alma; na pobreza da sua vida!”)

VERA DUARTE

Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo de Pina nasceu no Mindelo, Cabo Verde, em Outubro de 1952. Licenciou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa e, posteriormente, formou-se em Magistratura Judicial no Centro de Estudos Judiciários de Lisboa. Regressou depois a Cabo Verde, à cidade da Praia, para trabalhar como advogada e como Juíza Conselheira do Supremo Tribunal da Justiça e, depois, como Conselheira do Presidente da República.

Vera Duarte tem participado na vida pública do seu país, especialmente nas questões ligadas à mulher, cultura e Direitos Humanos. Foi galardoada em 1995, em Portugal, pelo então presidente Mário Soares, com o Prémio Norte-Sul de Lisboa do Conselho da Europa, pelas suas actividades em prol dos Direitos Humanos, sobretudo enquanto membro da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e da Comissão Internacional de Juristas. Outro prémio que lhe foi atribuído foi o Sonangol de Literatura 2003, pela novela “A Candidata”.

Foi Presidente da Associação Cabo-verdiana de Mulheres Juristas (AMJ), membro do Comité Executivo da Comissão Internacional de Juristas e de várias associações da sociedade civil cabo-verdiana, nomeadamente a Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC).

Autora de “Amanhã Amadrugada”, “Arquipélago da Paixão” e “Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança”, Vera Duarte trouxe à literatura de Cabo Verde a temática da mulher, libertando sentimentos que por norma ficam sepultados pelas convenções do “bom comportamento”. E fê-lo com

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uma linguagem de que havia total “desabusamento”. Vera Duarte será na literatura cabo-verdiana a “poesia no feminino”.

Do seu último livro, destacamos este poema sobre a condição feminina: “VIOLÊNCIA Porquê mulher porque continuas indiferente à voz que te chama para a vida Porque continuas sendo sempre sexo à venda em cada esquina seja qual for a moeda que te pagará Seja qual for o preço que de ti exigirão E segues - sendo sempre – objecto por outros escarnecido Sem nunca seres tu própria sem nunca quereres continuamente frustrando-te enquanto satisfazes os outros Desperta-te mulher! pois assim serás para sempre maltratada desrespeitada brutalizada E isso porque o deixas?” HOPFFER ALMADA

José Luís Hopffer Cordeiro Almada nasceu na Assomada, na ilha de Santiago. Licenciado e pós-graduado em Direito, dedicou-se às lides literárias, área cultural onde é bem conhecido, essencialmente como poeta, ensaísta e teórico da literatura cabo-verdiana.

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Publicou “À Sombra do Sol” (volumes I e II) em 1990, e “Assomada Nocturna” em 1993, que foi reeditada recentemente, em finais de 2005. Este livro de poemas é classificado como uma edição refeita e reelaborada da anterior, sendo a actual edição apresentada como «Poema de N’Zé di Sant’y Águ», numa assinatura que é um “semi-heterónimo, uma vez que assina simultaneamente o seu próprio nome”, segundo Elsa Rodrigues dos Santos, Presidente da Sociedade da Língua Portuguesa.

É “um nome de referência no que respeita à difusão do património cultural de Cabo Verde”, afirma Maria Armandina Maia, acrescentando que “a profunda coerência com que tem exercido este ofício de agente cultural em permanente missão acabou por impor o seu nome, como o de alguém inexoravelmente ligado à tarefa de tornar visíveis as vozes que ainda não vemos”. Esta menção à sua obra abrange todo o trabalho poético deste autor, incluindo o poema Assomada Nocturna, que ”se integra numa linha de preservação patrimonial, bem patente nas três publicações anteriores”. José Luís Hopffer Almada foi um dos cem poetas de todo o mundo escolhidos para integrar a Antologia "Rumos do Vento – Los Rumblos del Viento", editada pela Câmara Municipal do Fundão. Entre as suas inúmeras obras, poética e ensaios, assinalamos as seguintas: . “Ainda sobre o crioulo e seus apaixonados : I - As "novas vertentes" do crioulo”/ In Voz di Povo, Ano XI, Nº 545 (1986) . “Jorge Tolentino ao "Voz di Letra": estou convencido de que existe por aí nas nossas ilhas um número considerável de jovens que se dedicam às letras” - In: Voz di Letra, Nº 7 (1986) . “A sombra do sol: seis cadernos de poesia” – Praia, Edição Voz di Povo, 1990 . “A consciêncialização étnico-racial do cabo-verdiano na diáspora” - in Novo Jornal Cabo Verde, Ano 3, Nº 316/80 (1995) . A ficção cabo-verdiana pós-claridade - In Artiletra, Ano IV, Nº 24 (1997) . “Despojos do navio "Leymuiden" - In Direito e Cidadania, Ano I, Nº 2 (1998) . “Homogeneidade e heterogeneidade da caboverdianidade” - In Novo Jornal Cabo Verde, Ano 3, Nº 310 (1995) . “A padronização do crioulo e a sua correlação com a preservação da língua cabo-verdiana” - In Correio Quinze, Ano II, Nº 24 (1995) . “Mirabilis de veias ao sol: antologia dos novíssimos poetas caboverdianos” - Recolha, org., selecção e apresentação – Praia / Lisboa: Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco : Caminho, imp. 1991 - Praia : Instituto de Promoção Cultural, 1998 - “Nha Bibinha Kabral: bida y obra” - In Cultura, Nº 2 (1998) . “Política cultural e desenvolvimento auto-sustentado: poder político, sociedade civil e cultura em Cabo Verde” - In Direito e Cidadania, Ano II, Nº 5 (1999) . “Preservação do património construído e ordenamento jurídico” - In Direito e Cidadania, Ano I, Nº 3 (1998) . “A organização da Tabanca” - In Cultura, Ano I, Nº 1 (1997)

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Damos voz ao poeta:

”ROÇA INOMINADA à Veninha com ternura Sob os teus pés exaurindo descalços todo o compacto silêncio dos cieiros e das colinas circundantes do Birianda ouve-se o frenesim da dor pétrea percutindo em saudade da roça que lateja longe e penumbrosa tal útero da casa erodida porém amada Foi-se o afago materno levado pelo sueste inundado pelo verde corrosivo das ilhas do Equador dessendentando até à exaustão do espanto nas águas do Golfo e do atroz dilúvio soterrando as réstias da alma e do caminho do regresso E legou-te a obstinação suplicante da voz suspensa e estes trilhos inclementes aturdidos sob os teus pés cansados e a negrura da servidão luzindo no pardo suor do rosto e da pele triste e os cascos fraternos dos asnos e das bestas de carga e do seu o redondo e impoluto que incendeiam as pedras e contigo partilham a lonjura dos caminhos a albarda o odor agridoce dos frutos recentes e a veemência da ingratidão E legou-te este verde agreste que resplandece nos frutos e outras iguarias de Jaracunda e na roça inominada a que te sujeita o teu mudo perfil

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e a sua profusão surda sombria pelo estendal do quintal e pelo fumegar da cozinha em vil imagem sonhando com a alforria

Lisboa, 20 de Outubro de 2004”

ARMÉNIO VIEIRA

Arménio Vieira nasceu na cidade da Praia. Ainda muito jovem foi estudar na cidade do Mindelo, tendo sido membro do grupo de alunos do Liceu Gil Eanes que criou a página literária Sèlóo, suplemento do Notícias de Cabo Verde, que se pretendia com o ideário confesso de manter viva a chama claridosa, continuando a denunciar a má vivência e os ciclicos problemas do homem cabo-verdiano. Ainda que seja verdade que Sèlóo não chegou a ultrapassar o segundo número, é porém certo que a sua breve passagem deixaria marcas profundas nessa geração que teve a seu cargo cantar os sonhos de liberdade na independência. E é nesse contexto de compromisso que surge Arménio Vieira, "irreverente e indomável espadachim da morte", ainda no dizer de Carlos Fonseca. Não se detendo na sua necessidade de permanentemente alargar as fronteiras do permitido, espalha vasta, boa, provocante e satírica colaboração por revistas que vão desde Vértice a Raízes, passando por Mákua, Alerta e muitas outras. Mas essa disponibilidade para a vida tinha preço e Arménio Vieira pagou-o na década de 60 com dois anos na prisão, às ordens da PIDE, a polícia política encarregada de espalhar o terror durante o fascismo colonial. Porém e ao contrário de muitos dos seus colegas que acabaram se assumindo como heróis ou como vítimas, esse escritor jocoso, e por isso mesmo irreverente e inconformista, continua a ver-se a si próprio apenas como um homem perdido no mundo, talvez um homem demasiado humano. Arménio Vieira publicou o seu primeiro livro em 1981, simpesmente intitulado “Poemas”, acrescentado de uma selecção feita pelo autor de poemas escritos entre 80 e 97), e estreia-se na ficção em 1990 com o Eleito do Sol, livro tido como uma lufada de ar fresco no soturno pensamento estético-literário cabo-verdiano, pela sua originalidade formal e temática. Assim como Germano de Almeida, marcou uma ruptura com a ficção tradicional, na medida em que abandonou a temática recorrente (secas, fome, emigração) e critica o poder instalado e os costumes sociais, com

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humor e ironia cáustica, num discurso classificado de “iconoclasta, irreverente e rebelde”. Destacamos um dos seus poemas: “LISBOA - 1971

A Ovídio Martins e Osvaldo Osório. Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.

Eis-nos enfim transidos e quase perdidos no meio de guardas e aviões da Portela.

Em verdade éramos o gado mais pobre d'África trazido àquele lugar e como folhas varridas pela vassoura do vento nossos paramentos de presunção e de casta.

E quando mais tarde surpreendemos o espanto da mulher que vendia maçãs e queria saber donde... ao que vínhamos descobrimos o logro a circular no coração do Império.

Porém o desencanto, que desce ao peito e trepa a montanha, necessita da levedura que o tempo fornece.

E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera, fomos seguindo nosso destino naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno.”

JOSÉ LUIS TAVARES José Luís Tavares nasceu em Santiago de Cabo Verde, no lugar de Chão Bom, a 10 de Junho de 1967, e reside em Portugal, onde estudou literatura e filosofia. Escreve poesia há muito tempo, pelo que dizer que começou a publicar tarde, aos 36 anos, é advertir o leitor para o processo de autoconsciência que este autor realiza, face à sua escrita, depurada e rigorosa.

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O seu primeiro livro, «Paraíso Apagado por um Trovão», conquistou em 2004 o prestigiado Prémio Mário António da Fundação Calouste Gulbenkian, juntamente com a poeta angolana Ana Tavares. O segundo, ”Agreste Matéria”, ganhou o Prémio Jorge Barbosa, que lhe foi atribuído pela Associação de Escritores Cabo-Verdianos em 29 de Maio de 2006.

Segundo o próprio autor, o primeiro livro trata de um regresso encenado à infância, enquanto que este novo livro é constituído de reflexões sobre a própria poesia. É com palavras similares que António Cabrita, no semanário Expresso, lhe teceu os maiores elogios, num artigo que intitulou “O ouro do ilhéu”: “O livro anterior era caldeado pela evocação da infância. E era ainda visível uma tensão entre a vontade de crer no poder oracular do verso - como re-ligação a uma geografia sagrada (a ilha de Santiago) - e o luxuoso direito de mentir.” E acrescentou mais adiante: “Tanto a jusante como a montante se verifica o mesmo processo antropofágico, ambos incorporam o corpus, o aluvião, da memória literária, para o regurgitarem transfigurado em novas figurações, no perpétuo jogo dialógico que a poesia urde.” E ainda: “Neste, a geografia volve absolutamente literária e acentua-se uma auto-reflexividade que se compraz na remodelagem de géneros e tropos literários mas com um sentido de oportunidade e uma vivacidade que salva sempre o texto da literatice. Ao que acresce o humor, numa sábia dosagem de espontaneidade e cálculo, que nunca perde de vista o pendor trágico.”

Maria João Coutinho classifica o poeta como “exigente consigo próprio”, possuindo “uma voz peculiar e uma imagética intensa, que revelam uma sábia incorporação da tradição e uma mestria singular no modo como opera sobre a linguagem poética”, sustentando que “o segundo livro de poesia de José Luís Tavares confirma a qualidade literária e a densidade de um poeta seguramente reconhecido”. E aqui deixamos um poema de José Luís Tavares:

“Que te fale o tempo com voz silente das cativas dores inocentes; e o meio-dia rutilante da ruiva espada vivente que abate toda solene criatura. Mas é dia

e governa o afã vital, virente chama inicial, cada vida singular. Rega-as o esplendor alheio à lei fatal que ama a todos por igual, despede às cegas

seu canto eternal. Desde o sulco inicial que a ti te governa um fado tal: à flor do mar lemos seus sinais, ou no rebate

do vento pelos areais, que a banal vida é propício campo onde medra a dor. (Ao forte e triunfante também abate). ”

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DANNY SPÍNOLA Daniel Euricles Rodrigues Spínola nasceu na Ribeira da Barca (Assomada), concelho e freguesia de Santa Catarina, na ilha de Santiago. Poeta, ficionista e jornalista, assina também como Euricles Rodrigues. Cursou Língua e Literatura Portuguesa no Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário da cidade da Praia, Cabo Verde. Foi professor nos liceus da Praia, da Achada de Santo António, da Várzea e de Santa Catarina, tendo ainda leccionado na Faculdade de Línguas Estrangeiras da Universidade de Havana e na Guiné-Bissau aos voluntários do Corpo da Paz. Danny Spínola iniciou a sua actividade na rádio e trabalhou no jornalismo escrito, dedicando-se à área cultural. Com José Luís Hopffer Almada, coordenou o "Voz di Letra", suplemento literário do "Voz di Povo". Dirigiu a revista "Pré-Textos” e editou o caderno de cultura do "Novo Jornal Cabo Verde" e do seu sucessor "Horizonte", para além de ter publicado nos jornais "Tribuna", "A Semana", "África" e nas revistas "Fragmentos" e "Kultura".

O último livro lançado recentemente por Daniel Spínola, "Amen na Nha Xintidu", reuniu todos os livros de poemas em crioulo publicados por ele ao longo do seu percurso literário.

A selecção foi feita por temas, sendo o primeiro livro formado pelos seus “poemas épicos, que fala um bocado do mito da criação de Cabo Verde”, maioritariamente incluídos no "Adão Y Eva". No segundo livro, reuniu poesia satírica de "Adão Y Eva", "Na Kantar di Sol" e "Ali Bem Tempo"; no terceiro, a poesia lírica que integra todos os livros até então publicados, dividida em duas partes, uma com amor espiritual e outra com uma parte erótica muito forte, que são poemas inéditos; no quarto, incluiu vários aspectos de Cabo Verde, físico, social e de personalidades, entre os quais Orlando Pantera e Ildo Lobo; no último, o autor apresenta o último livro, integralmente. É "Na Nha Sol Xintadu", uma espécie de catarse, representando o final de um caminho que, conforme explicou Danny Spínola em entrevista ao Liberal, ele buscava desde a primeira publicação de sua poesia em crioulo.

"Amen na Nha Xintidu" denominou-se assim porque, segundo Danny Spínola, em todas as orações se termina com um ámen, pelo que isto representa o fim de uma etapa da sua de poeta em crioulo.

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Os seus livros de poemas: Vagens de Sol Na Nha Sol Xintado", 2004 Infinito Delírio, Poemas, Praia, 2002 Ali Ben Ténpu di Ali Babá, Poemas em Crioulo, Praia, 2002 Adon y Éva, Poemas, Praia, 1999 Sonâmbulas Tentações, Poemas, Lisboa, 1999 Vítreas Labaredas, Poemas, Praia, 1994 Na Kantar di Sol, Poesia, Praia, 1991

As suas obras de ficção::

Lagoa Gémea, 2003 Piskador di Stréla D’Alba, Contos em Crioulo, Praia, 2002 Lágrimas de Bronze, Ficção, Praia, 1991

Os seus ensaios: Evocações, Ensaios, Praia, 2004 Três Obras Poéticas da Contemporaneidade Cabo-verdiana, Ensaios, Praia, 1991

Daniel Spínola participa também nas seguintes antologias: Mirabilis de Veias ao Sol, 1998, organizada por José Luís Hopffer Almada Palavra de Poeta, 1999, colectânea de entrevistas e breve antologia de poemas dirigida e organizada pela brasileira Denira Rozário.

JOAQUIM ARENA Joaquim Arena nasceu em 1964, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, filho de pai português e mãe cabo-verdiana. No final dos anos sessenta veio com a família para Portugal. Depois de viajar pela Europa, regressou a Lisboa, no início dos anos noventa, onde se licenciou em Direito. Dirigiu algumas revistas de temática lusófona, como a «África Hoje», ao mesmo tempo que desenvolvia projectos na área musical. Em 1998, regressou a Cabo Verde, onde funda o jornal «O Cidadão». Actualmente, vive entre Lisboa e São Vicente. É advogado, músico e jornalista. «A verdade de Chindo Luz» é o seu primeiro romance. Arsénio Cruz é um jornalista que durante semanas acompanhou a ascensão meteórica de Chindo Luz à categoria de estrela televisiva do momento. O suicídio de Chindo Luz, depois de vencer um reality show de sucesso, deixa todos

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espantados e é motivo suficiente para que Baldo, o irmão mais novo, inicie uma investigação sobre o caso. Baldo e Chindo cresceram num dos bairros da zona oriental de Lisboa, no seio de uma família de emigrantes cabo-verdianos. Após o 25 de Abril, a família ocupou um casarão antigo, local de passagem para muitos compatriotas. Após a morte do irmão, Baldo acompanha a mãe por uma errância pela ilha natal, onde conhecerá Eva Lima, responsável por uma ONG, que o vai recolocar, com a ajuda de Arsénio Cruz, na pista do misterioso desaparecimento de Chindo Luz. Traçando um primoroso retrato de um certo Portugal dos últimos trinta anos, «A verdade de Chindo Luz» é uma obra que nos apresenta o processo de descoberta da identidade cultural pelas comunidades emigrantes que habitam na orla das grandes cidades, mas que nos proporciona, também, uma viagem ao mundo das figuras saudosistas da dolce vita das colónias sob os auspícios do Império. Muitos são os escritores que dignificam a literatura cabo-verdiana (ver http://livroditera.blogspot.com/) infelizmente ainda não muito difundida, mas de uma grande riqueza estética e literária. Descobri-los e lê-los é uma tarefa apaixonante. Alguns exemplos: SEMEAR EM PÓ (Contos) Fátima Bettencourt nasceu a 16 de Fevereiro de 1938 na Ilha de Santo Antão e cresceu em S. Vicente onde fez o Liceu. Fez o Curso do Magistério Primário em Lisboa e exerceu sempre a profissão de professora. Paralelamente seguiu também a via jornalística, tendo trabalhado como locutora e produtora de programas radiofónicos em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola. Nos últimos anos é produtora e apresentadora de programas da Rádio Educativa de Cabo Verde. Tem vários contos e artigos premiados em concursos literários e participação dispersa por vários jornais e revistas com crónicas e contos. "Semear em Pó" (contos) é o primeiro livro que vem a público. Autor: Fátima Bettencourt Prefácio: Gabriel Moacyr Rodrigues Capa: Kiki Lima Editor: Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco Ano de edição: 1994 Patrocínio: Ministério da Cultura e Comunicação Social

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POESIA

Autor: António Nunes Prefácio: Jaime de Figueiredo Testemunho: H. Teixeira de Sousa Editor: Instituto Cabo-Verdiano do Livro Ano de edição: 1988

CLAR(A)IDADE ASSOMBRADA

Poesia ao meu país com amor como se nascesse hoje das espumas do mar e como se da sirena o cântico seu encanto me prendesse aos seus cabelos escorridos nesse atlântico como erva verde molhada pelo vento Autor: Oswaldo Osório Editor: Instituto Cabo-verdiano do Livro Colecção: Poesia Ano de edição: 1987 Patrocínio: Empresa Nacional de Produtos Farmacêuticos - EMPROFAC MANDUNA DE JOÃO TIENNE ROMANCE Pedro Gabriel Monteiro Duarte, nascido a 24 de Março de 1924, na cidade da Praia - Cabo Verde. Em 1942, completou o Curso Complementar de Letras, no Liceu Gil Eanes, em S. Vicente. Em 1945 ingressou na Administração Pública em Cabo Verde, tendo sido transferido, em 1950, para a então colónia da Guiné, onde permaneceu durante 20 anos. Em 1970, viu-se, por razões de ordem política, inesperadamente transferido de Bolama, onde desempenhava o cargo de Presidente da Câmara Municipal e de Director da Imprensa Nacional, para Angola, tendo permanecido no Concelho da Chibia, no Sul, até alguns meses depois do 25 de Abril. Primeiro prémio do concurso "O melhor contista de 1952", organizado pela imprensa Nacional de Cabo Verde, com o conto "Migração", escrito aos 24 anos, estando a desempenha funções em Bedanda, Sul da Guiné. Este trabalho de ficção foi bem recebido pela crítica, na altura, tendo sido feitas referências elogiosas na revista "Vértice", por Carlos de Aboim, de Coimbra,

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aquando da publicação da "Antologia de Ficção Cabo-verdiana Contemporânea". No dizer do grande e saudoso Baltazar Lopes da Silva, "um dos mais "bissextos" escritores cabo-verdianos, que, todos, poderiam aproveitar o adjectivo aprendiz de Carlos Drummond de Andrade, grande poeta da língua portuguesa, para exprimirem o peso da pedra tumular da vida de todos os dias, que vai carregando com uma paciência de formiga"... "Mundana de João Tienne" é o primeiro livro de uma trilogia, estando o segundo já em avançado estado de preparação. Colaborador ocasional de algumas revistas de artes e letra, sendo um dos fundadores da revista "Raízes", a qual publicou, no primeiro número, o poema "A Barragem da Fortuna". Autor: Pedro Gabriel Monteiro Duarte Editor: AEC Editora - Associação dos Escritores Cabo-verdianos Ano de edição: 1999 Patrocínio: Ministério da Cultura

O ESCRAVO

Romance Autor: José Evaristo D'Almeida Prefácio: Manuel da Veiga Editor: Instituto Cabo-verdiano do Livro Colecção: Ficção Ano de edição: 1988

AS ILHAS AFORTUNADAS

Um estudo sobre a África em transformação Aprofundar o conhecimento da África, perceber a sua realidade palpitante, a sua história e as suas lutas actuais significou para toda uma geração de portugueses um contacto estreito e proveitoso com a obra do historiador Basil Davidson. Os livros deste escritor arguto, claro e competente fizeram com que entendêssemos melhor Angola, a Guiné-Bissau, a lição de Amílcar Cabral, a Velha África. Além de livros essenciais, foram também algo de novo, algo de tonificante numa época sombria. Eles permanecem, conservam todo o seu interesse, são já clássicos, mas Basil Davidson continua a dar-nos obras valiosas e reveladoras. É o caso de As Ilhas Afortunadas, que é um livro sobre um país que importa conhecer cada vez melhor: Cabo Verde. País de que nos aproxima sobretudo uma literatura e uma música apaixonantes mas ao qual não ligaríamos a palavra "afortunadas". Basil Davidson tem as suas razões para dar este belo título a este estudo notável das transformações que ocorrem num país pequeno e pobre que enfrenta obstáculos enormes.

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Basil Davidson há muito que se interessa por Cabo Verde e pelo seu povo e que acompanha de perto as suas vicissitudes. Muito do que este livro fala, com tanto rigor, deriva de um conhecimento em primeira mão de fontes orais e documentais alicerçado na sólida erudição do historiador. As Ilhas Afortunadas é o livro que faltava sobre Cabo Verde, livro que ilumina e que rasga perspectivas e cujo significado ultrapassa as fronteiras das "afortunadas" ilhas que são Cabo Verde. Autor: Basil Davidson Editor: Editorial Caminho Colecção: "Nosso Mundo" Ano de edição: 1988

ACTO PRIMEIRO OU O DESÍGNIO DAS PAIXÕES

A título de prefácio, uma citação a J. W. Goethe (Tudo que morre e passa / É símbolo somente; / O que não se atinge / Aqui temos presente) e este poema que o autor, António de Névada, nos oferece nas primeiras páginas: Dedico-te Ao lado indomável de cada homem porque nele poisamos o débito da existência. E antes do nascer do dia, falaremos do amor como quem fala do suicídio, colheremos flores como quem semeia, e essa vagem abordará a relevância como quem foge da própria sombra. E quando o dia nascer, assomando com seus raios indecisos, aí então, ó poesia, conhecerás a mais pura forma de morrer. Autor: António de Névada Editor: Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco Ano de edição: 1993 Patrocínio: 8ª Feira do Livro Português

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MARABILIS DE VEIA AO SOL Antologia dos novíssimos Poetas Cabo-verdianos In memoriam de Nho Nacho, Eugénio Tavares, Pedro Cardoso e António Pedro. In memoriam de Jorge Barbosa, poeta primeiro do nosso modernismo, Jaime de Figueiredo, espectro da cidade e da sua solidão, João de Deus Lopes da Silva, resoluto e ignorado cultor da poesia, Bibinha Cabral, filha do murmúrio das montanhas, Pedro Corsino de Azevedo e Sérgio Frusoni, também primogénitos da nossa indagação poética, Ana Procópio e todas as vozes vulcânicas entre as colinas e os abismos da morte. Para todos os inventores da interrogação e da gesta poética cabo-verdianas, antecessores e precursores da nossa geração. Para os confrades do Movimento Pró-Cultura, do Voz di Letra, da Fragmentos, da Aurora, da Sopinha de Alfabeto, da Podogó, das Folhas Verdes, da Alternativa (em Ponto e Vírgula), da Raízes, da Seiva, do Ariópe, e para todos os demais companheiros da nossa geração, coveiros inveterados da letargia das almas. Para Máximo, morto ainda a poesia para a América se nos engasgava na garganta. Para Júlia, Z’hay e Isabelle, nuvens da minha hipotética chuva, e nomes da minha dolorosa rebeldia e da minha nunca hipotecada esperança, vai a Mirabilis, límpido vegetal embora de veias ao sol. Autor: José Luís Hopffer Cordeiro Almada - Recolha, Organização, Selecção e Apresentação Capa: José Luís de Andrade Editor: Instituto Caboverdeano do Livro e Editorial Caminho Ano de edição: 1991 NA RIBEIRA DE DEUS Este romance conclui um ciclo romanesco de rara beleza, a trilogia de sobrados, lojas e funcos de que também fazem parte Ilhéu de Contenda e Xaguate. A linguagem contida e transparente transporta de imediato o leitor para o ambiente físico e humano onde decorre a história. Com este romance confirma-se, em Teixeira de Sousa, a existência de um estilo extremamente sóbrio na recriação artística do seu mundo ilhéu, tão pequenino mas tão continente de grandes sonhos seus. No início do livro, uma lenda africana... a lembrar talvez a aleatoriedade da condição humana, tal e qual como o caudal de água numa ribeira: Génesis Quando Deus fez as criaturas, mandou-as a uma ribeira para se lavarem . As que chegaram primeiro, lavaram-se em água límpida e ficaram brancas. As que chegaram a seguir, lavaram-se em água turva e ficaram mulatas. As que chegaram no fim, encontraram a ribeira a secar, apenas puderam molhar as palmas das mãos e a planta dos pés, e ficaram negras no resto do corpo.

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E ao branco, Deus deu uma caneta. Ao mulato, deu uma balança. Ao negro, deu uma enxada. Autor: Teixeira de Sousa Edição: Publicações Europa-América Colecção: Século XX Ano de edição: 1992

NOS TEMPOS DO PORTO GRANDE DO MINDELO

Segundo o autor "a história é um discurso inevitavelmente actual sobre o passado", daí "o carácter estratégico do conhecimento histórico para o processo de reconstrução nacional". Arnaldo França sustenta que "melhor tema não poderia o autor escolher para firmar a sua tese que a evolução histórica da ilha de S. Vicente, dos primórdios da sua ocupação intermitente, passando pela ocupação efectiva do seu burgo, ao início da sua decadência no dealbar deste século", referindo que "o tempo, na sua diminuta durabilidade, testemunha quão vulnerável é a realidade assente passivamente num quadro aleatório: no nosso caso a posição geoestratégica da ilha". Este estudo permite "clarificar a formação da sociedade de uma ilha", formação singular no "pretendido dirigismo inicialmente assumido a contrariar propósitos estrangeiros a que a própria assunção da soberania não é alheia". Esta monografia é também "um alerta", frisa Arnaldo França, pois permite mostrar que "só a adaptação à evolução dos tempos e não o recurso a balões de oxigénio permitirá a continuidade de um crescimento sustentável". Autor: António Leão Correia e Silva Prefácio: Arnaldo França Editor: Centro Cultural Português, Praia - Mindelo Colecção: "Documentos para a História de Cabo Verde" Ano de edição: 2000 Apoio: Ministério da Cultura e da Comunicação Social de Cabo Verde A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA CIDADE VELHA No prefácio, Daniel Pereira refere-se à visita feita à cidade de Goré no Senegal e da consequente tomada de consciência "da necessidade da promoção nacional e internacional da actual Cidade Velha, antiga cidade da Ribeira Grande, berço da nossa Nação, que bem merece ser considerado, igualmente, património universal, pela função que desempenhou ao longo da sua história. Uma promoção tendente a atrair mais pessoas, interessadas, assim, pela cultura e importância histórica insuspeitada, para muitos, deste pequeno país saheliano de ilhas feito." Por isso, o livro foi editado em cinco línguas.

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Daniel Pereira salienta a seguir: "Promover, porém, o sítio em bases científicas, utilizando para tanto os conhecimento que deixam entrever, claramente, a verdadeira dimensão, o papel, a importância e o valor do ponto de vista da realidade histórica do que é hoje uma bela aldeia, mas já foi um importante burgo, cuja ilha de localização geográfica, Santiago do Cabo Verde, era referenciada em todos os mapas do Mundo então conhecidos dos séculos XV e XVII." Autor: Daniel A. Pereira Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro Ano de edição: 2004 Patrocínio: Presidente da República / Assembleia Nacional / Ministério da Cultura e do Desporto / Câmara Municipal da Praia Financiamento: AECE (Agéncia Española de Cooperación Internacional) EUGÉNIO TAVARES "Pelos Jornais" Autor: Félix Monteiro - Recolha, Organização e notas bibliográficas Prefácio: Manuela Ernestina Monteiro Capa: Manuel Figueira Editor: Instituto de Promoção Cultural Ano de edição: 1997 Patrocínio: Câmara Minicipal de Santarém e XII Feira do Livro Português EUGÉNIO TAVARES "Viagens Tormentas Cartas e Postais" Eugénio de Paula Tavares, que o consenso geral elege como expoente máximo da poesia cabo-verdiana de língua crioula, nasceu na ilha Brava a 18 de Outubro de 1861, onde viria a falecer a 1 de Junho de 1930. Apesar de não ter frequentado o Seminário-Liceu de S. Nicolau nem qualquer outro estabelecimento do ensino secundário no exterior, era dotado de uma invulgar formação cultural que se reflecte nos seus escritos e fez dele o jornalista e o prosador que dominou o cenário ilhéu do primeiro quarteirão deste século. Tendo tido uma efémera passagem pela vida oficial, como Recebedor de Finanças, viria a ser acusado de um alcance, ficticiamente inventado, na senda de uma perseguição política e de que seria mais tarde ilibado. Fez a sua estreia literária no "Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiras" com a idade de quinze anos e deixou uma extensa colaboração, dispersa por jornais e revistas: poesia, em português e crioulo, narrativas, teatro e jornalismo. Imigrado nos Estados Unidos da América, onde se acolheu temporariamente

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fugindo às perseguições políticas, fundou em New Bedford o jornal "Alvorada" onde defendeu ideias autonomistas. Com uma colaboração muito dispersa, é na "Revista de Cabo Verde", publicada nos anos de transição dos séculos XIX e XX, e no jornal "A Voz de Cabo Verde", que saiu a lume após a proclamação da República em Portugal e que sobreviveu de 1911 a 1919, que a maior parte é referenciada. Postumamente foi publicada em livro uma colectânea das suas poesias em crioulo, intitulada MORNAS. Estes dois volumes antológicos pertencem a uma série de três que procura reunir toda a produção que foi possível localizar, inserindo-se no último um estudo sobre o escritor. Autor: Félix Monteiro - Recolha, organização e notas bibliográficas Prefácio: Manuela Ernestina Monteiro Capa: Manuela Figueira Editor: Instituto de Promoção Cultural Ano de edição: 1999 Patrocínio: Banco de Cabo Verde POEMAS ARMÉNIO VIEIRA Na introdução ao seu livro, que intitula de "À guisa de prefácio (ou talvez advertência)", Arménio Vieira refere com humildade: "Após aquilo que foi mesmo uma luta ingente e longa com o Demónio, acabei por soçobrar à tentação. E assim um conjunto de poemas que eu teria normalmente preferido reservar ao limbo (mais ou menos discreto) de algumas revistas e jornais se faz agora público, sob a forma de livro." Tendo optado pela divisão do livro em séries datadas, Arménio Vieira completa a introdução ao seu livro com a seguinte "Arte Poética": ”Introduz métrica nos teoremas, faz da geometria um livro de poemas. E porfim – com a tinta vermelha do pulso - inscreve na abertura do teu canto: "É pela metaforização do discurso que se salva o pensamento " Poeta de vento sem tempo, na admiravelmente bela definição de Jorge Carlos Fonseca, Arménio Vieira nasceu na cidade da Praia. Ainda muito jovem viria fazer os seus estudos liceais na cidade do Mindelo, tendo sido membro do grupo de alunos do Liceu Gil Eanes que acabaria criando a página literária Sèlóo, suplemento do Notícias de Cabo Verde, e que se pretendia com o ideário confesso de manter viva a chama claridosa, continuando a denunciar a má vivência e os ciclicos problemas do homem cabo-verdiano.

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Ainda que seja verdade que Sèlóo não chegou a ultrapassar o 2º número, é porém certo que a sua breve passagem deixaria marcas profundas nessa geração que teve a seu cargo cantar os sonhos de liberdade na independência. E é nesse contexto de compromisso que surge Arménio Vieira, "irreverente e indomável espadachim da morte", ainda no dizer de Carlos Fonseca. Não se detendo na sua necessidade de permanentemente alargar as fronteiras do permitido, espalha vasta, boa, provocante e satírica colaboração por revistas que vão desde Vértice a Raízes, passando por Mákua, Alerta e muitas outras. Mas essa disponibilidade para a vida tinha preço e Arménio Vieira pagou-o na década de 60 com dois anos na prisão, às ordens da PIDE, a polícia política encarregada de espalhar o terror durante o fascismo colonial. Porém e ao contrário de muitos dos seus colegas que acabaram se assumindo como heróis ou como vítimas, esse escritor jocoso, e por isso mesmo irreverente e inconformista, continua a ver-se a si próprio apenas como um homem perdido no mundo, talvez um homem demasiado humano. Arménio Vieira publica o seu primeiro livro em 1981 (o que ora apresentamos, acrescentado de uma selecção feita pelo autor de poemas escritos entre 80 e 97), e estreia-se na ficção em 1990 com o Eleito do Sol, livro tido como uma lufada de ar fresco no soturno pensamento estético-literário cabo-verdiano, pela sua originalidade formal e temática. Autor: Arménio Vieira Editor: África Editora / Colecção Poesia Ano de edição: 1981 Patrocínio: XII Feira do Livro Português

FACÉCIAS E PERIPÉCIAS

Autor: Orlanda Amarílis Ilustrações: Avelino Rocha Editor: Porto Editora Ano de edição: 1989

FAMINTOS

Carta: Irmão Que as cenas que vais ler neste livro retenham tua sensibilidade, como tão profundamente se estamparam no meu íntimo. Que nelas encontres o teu drama - o drama de nós todos - e, te confortes, porque UM - SONHO - ESPERANÇA - é o ideal de tantos outros que alimentamos.

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Que nestas objectivas vejas "casos" que ficaram desfeitos pela mentira de uma verdade e compreendas o pranto deste Negro-de-Lábios-Grossos como hino de amizade. ... nascidos na humildade da sua espécie os Sem-Nome baquearam na treva horrível. Ligados pela mesma desdita, seus nomes fundem-se no silêncio que ainda fala por eles. Autor: Luís Romero Editor: Ulmeiro Ano de edição: 1983 LADEIRA GRANDE ANTOLOGIA POÉTICA Uma voz de Cabo Verde que, no correr dos anos, se foi impondo como testemunha das sevícias do colonialismo naquela parcela africana (v. Capitão Ambrósio) e também como apologista da vida «quotidiana ou não) em toda a sua amplitude. Na verdade, em Gabriel Mariano (cuja poética, de carácter universal, agora se publica num só volume) encontrará o leitor uma vida multiforme, isto é, de um grito de revolta a um murmúrio de água; de um nome de mulher a um borboleteio de luzes; de um largo de pedra feito pelo homem a algo de diáfano só existente na natureza – e assim por diante, sempre diferente e sempre em canto. Obra, sem dúvida, de um exímio poeta que amadureceu por entre as coisas todas de que a existência é feita – e sabiamente se não interrogou se valia ou não a pena viver a vida como ela é. Viveu-a – esse o toque de ouro que nas páginas desse livro se repercute. Não o ouve, não o sente o leitor...? A Antologia foi editada em 1993, reunindo a poesia de Gabriel Mariano. O poeta nasceu em S.Nicolau em 18/05/28, concluiu o liceu em S. Vicente e licenciou-se em Direito em Lisboa. O governo colonial considerou subversiva a intensa actividade cultural que desenvolveu na cidade da Praia e transferiu-o para a ilha de Moçambique, onde viveu seis anos, de onde seguiu para Angola. Posteriormente, veio para Lisboa, onde se empenhou na valorização da cabo-verdianidade. Jurista, ensaísta, poeta, autor do conhecido "Capitão Ambrósio", Gabriel Mariano morreu em Lisboa em Março de 2002. Autor: Gabriel Mariano Direcção: Ana Mafalda Leite Editor: Vega Editora Colecção: Palavra Africana

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VIDA E MORTE DE JOÃO CABAFUME

Do prefácio da 2ª edição, datada de 2001, da autoria de Maria Cristina Pacheco, professora da Faculdade de Letras do Porto, destacamos os seguintes excertos: “Com base no volume de contos Vida e Morte de João Cabafume, propomo-nos salientar, através de uma reflexão breve, a importância do “efeito de repetição” como um dos alicerces da cabo-verdianidade literária, na narrativa de Gabriel Mariano. Assim, dos textos que compõem o referido volume, reteremos apenas os aspectos que se relacionem com esta perspectiva, o que, naturalmente, trará como consequência uma maior chamada de atenção para um ou outro conto. ... Convidar o leitor – ou melhor, forçá-lo – a “saborear” o texto “afectivamente”, através do encantatório, do embalar obsidiante da memória, é uma arte magistralmente posta em prática por este excepcional contador de histórias que é Gabriel Mariano. As reiterações de estruturas enunciativas, de avisos, de diálogos com os leitores, de frases e expressões no interior do mesmo conto, de acções de personagens que, não raro, aparecem com o mesmo nome em histórias diferentes e, finalmente, as temáticas constantemente retomadas exercem uma tal força impressiva no leitor que este fica definitivamente enredado nessa mágica teia de palavras.” Autor: Gabriel Mariano Direcção: Ana Mafalda Leite Editor: Vega Editora Colecção: Palavra Africana/Ficção POESIAS GUILHERME DANTAS Guilherme Dantas nasceu a 25 de Junho de 1849 na Brava, veio para Portugal para frequentar a Escola Real de Mafra, que o seu pai foi encarregado de instalar e dirigir nos finais de 1855, tendo regressado a Cabo Verde em 1868. Morreu em 1888, tendo levado uma vida isolada e com grandes dificuldades financeiras. No prefácio, Arnaldo França refere que em 1935, um ano antes da publicação da revista Claridade, José Lopes fez-lhe uma homenagem, inserindo na Vida Contemporânea um artigo sobre este poeta oitocentista, autor de "uma volumosa colecção de poesias a que dera o nome de Noites de Cabo Verde". Anos volvidos e após aturada investigação, Felix Monteiro teve a sorte de descobrir os inéditos de Guilherme Dantas, tendo encarregado Arnaldo França da sua organização para publicação. À sua vida de privações não foi alheia "a truculência da sua pena que causticava os ridículos de uma medíocre sociedade colonial", salienta Arnaldo França, destacando na sua poesia "a obsessão da morte, a auto-

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flagelação psicológica, a contrariar a consciência nítida da sua superioridade intelectual... a voluntariedade da dor, a resignação passiva de só pelo sonho alcançar a realidade almejada", citando a propósito o poema Anelos: ”Se és anjo que vem salvar-me quero prostrado adorar-te! Mas se não passas d'um sonho... oh sonho! quero sonhar-te!...” Prefácio e organização: Arnaldo França Editor: Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco Colecção: Documentos Data da edição: 1996 Patrocínio: XI Feira do Livro Português

56 MORNAS DE CABO VERDE

Autores diversos Recolha de Jòtamont Ano de edição: 1988 Patrocínio: Companhia dos Tabacos de Cabo Verde, s.a.r.l.

FALUCHO ANCORADO

Esta compilação da poesia de Manuel Santos-Lopes foi publicada por ocasião do seu 90º aniversário, em Novembro de 1997, com o patrocínio do Banco Comercial do Atlântico de Cabo Verde. Engloba toda a poesia publicada anteriormente, reescrita em grande parte, bem como poemas inéditos. A organização e o prefácio são da autoria de Alberto Carvalho, que afirma: “... a escrita poética de Manuel Lopes configura um itinerário do crioulo, como conteúdo e como sujeito enunciador, apreendido no interior da sua real contradição existencial. A maior verdade que o resume e exprime será, provavelmente, de acordo com as temáticas desenvolvidas em Falucho Ancorado, o procedimento exegético auto-reflexivo ocupado em sondar e equacionar o fundamento e complexidade daquilo que já se conhece empiricamente, a tenacidade simples do ethos cabo-verdiano nas Ilhas e em diáspora.” Autor: Manuel Santos-Lopes Editor: Edições Cosmos

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TERRA DA PROMISSÃO

No prefácio, Arnaldo França salienta que, além da docência que "transvazava as fronteiras dos manuais escolares e despertava nos discípulos a compreensão do dito shakesperiano de que há mais mundos", a escrita é a faceta primordial da personalidade do autor, "sempre dedicado à literatura, quer como crítico quer como ficcionista".

António A. Gonçalves estudou no Seminário de São Nicolau e aos 18 anos veio para Lisboa, onde cursou História e Filosofia e consolidou uma sólida formação cultural através de "um contacto permanente com a literatura e o jornalismo de línguas portuguesa e francesa e também de traduções dos grandes nomes da narrativa russa do séc. XIX." Regressou aos 38 anos a Cabo Verde, onde desenvolveu vários ensaios literários, não se coibindo de salientar a "singularidade identitária do homem cabo-verdiano, por isso rebelde a uma política assimilatória", assim como uma extensa obra ficcionista onde imprime o "sentido trágico da existência" que deriva da constatação do autor que "o cabo-verdiano... transporta consigo a funda apreensão da estiagem possível". Arnaldo França cita um dos personagens do autor que diz "Estás longe da tua terra há muitos anos. Vai ver se a tua alma está no lugar em que a deixaste", para incitar o leitor: "Que as narrativas de António A. Gonçalves, longe, na incerteza ou na impossibilidade do regresso, te tragam, com a sua leitura, a Tra da Promissão". Autor: António Aurélio Gonçalves Editor: Editorial Caminho NOITE DE VENTO Noite de Vento, o título que a Caminho agora edita, reúne algumas das melhores e mais bem conseguidas novelas do Autor. Possuidor de uma capacidade narrativa invulgar, os seus textos transformam o acto de ler num acto de participar. De participar do quotidiano das personagens (que é o mesmo que dizer do quotidiano cabo-verdiano), das suas alegrias, do seu sofrimento, das suas desilusões e frustrações, dos seus silêncios, das suas esperanças. É como se, lendo, ouvíssemos o vento, as vozes, víssemos o jogo fisionómico da cada interveniente, sentíssemos o receio das sombras e o calor do Sol, caminhássemos, ríssemos e chorássemos com cada um deles. Ler Noite de Vento é passar da condição de leitor à de actor do filme que António Aurélio Gonçalves magistralmente desenrola nas páginas que iremos, gostosamente, desvendar. Autor: António Aurélio Gonçalves Editor: Editorial Caminho

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JORGE BARBOSA - POESIAS 1

Figura precursora e das mais prestigiadas da moderna poesia cabo-verdiana, Jorge Barbosa é, historicamente, o anunciador, com a publicação de Arquipélago em 1935, da viragem para os problemas da terra assumida pelo movimento literário aparecido em 1936 - Claridade -, que revolucionou de maneira impar e exemplar toda a nossa literatura - de tal modo que ainda hoje sua voz modificada pelo fluir do tempo e a passagem das gerações se detecta na produção mais recente. Com a publicação das suas obras completas que ora inicia com este primeiro volume, que inclui as três colectâneas de poesia dadas à estampa ainda em vida do Poeta - Arquipélago, Ambiente e Caderno de um ilhéu -, põe-se à disposição de estudiosos, alunos e grande público parte da sua produção poética mais conhecida e há muito esgotada. Outros, reunindo inéditos e poemas dispersos por revistas e jornais, se seguirão com o objectivo de proporcionar o conhecimento da obra barbosiana no seu conjunto como testemunho estético-cultural de inestimável interesse, de uma época fundamental na história da literatura cabo-verdiana. Autor: Jorge Barbosa Editor: Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco

AMANHÃ AMADRUGADA

Múltipla, abarcando todos os pontos da existência, Vera Duarte é uma voz intensamente feminina, sensual, combativa, representante da nova geração poética cabo-verdiana, que Mário de Andrade, numa colectânea de autores africanos de língua oficial portuguesa, define assim: “Uma voz singularmente bela no universo das ilhas” Definição que se ajusta inteiramente a este seu livro de estreia, Amanhã Amadrugada, onde Vera Duarte, com rara sensibilidade poética, nos conta (e canta) a Beleza e a Morte, a infância colorida, o amigo supremo, a chuva e a seca numa viagem imaginada (ou não) ao interior do seu país… Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Martins. Nascida no Mindelo. Jurista e primeira mulher magistrada em Cabo Verde. Colaboração literária em Mujer, Raízes e Voz e Povo. Várias menções honrosas e primeiro prémio no curso de poesia da OMCV, em 1981. Autor: Vera Duarte Editor: Instituto Caboverdiano do Livro / Vega

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A CADERNETA

Uma mulher do povo da ilha de S. Vicente (com o maior porto do Arquipélago de Cabo Verde) pede a um personagem influente da ilha para interceder em seu favor para que fique livre de toda a suspeita, afim que o Administrador da cidade de Mindelo lhe retire a caderneta da vergonha. Baltazar Lopes, com extrema simplicidade, captou neste texto curto e denso o essencial da vida no dia a dia de uma parte do povo de Mindelo enquadrando em simultâneo a quinta-essência do universo quotidiano das ilhas de Cabo Verde. Este conto foi publicado em 1949. Autor: Baltazar Lopes Editor: Instituto Caboverdiano do Livro / Centre Culturel Français

AS MÁSCARAS POÉTICAS DE JORGE BARBOSA E A MUNDIVIDÊNCIA CABO-VERDIANA Esta apaixonante dissertação deixa-nos a convicção de que a obra do autor do Caderno de Um Ilhéu, revelando toda a sua autenticidade, impõe-se como um verdadeiro tratado poético da geografia humana de Cabo Verde. É que estas Máscaras Poéticas conduzem-nos à melhor informação do perfil literário do poeta no seu justo significado humano, social e sentimental, razão por que as considero um guia indispensável para quem queira realmente compreender e sentir em plenitude a obra deste notável poeta cabo-verdiano, meu saudoso amigo. Manuel Lopes Autor: Elsa Rodrigues dos Santos Editor: Editorial Caminho

...LEVEDANDO A ILHA

Maria Margarida Mascarenhas é natural da cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, onde nasceu em 1938. Fez os seus estudos liceais no então Liceu Gil Eanes, daquela cidade. Reside em Lisboa. Foi colaboradora da folha literária «Sèló» - página dos novíssimos, organizada por Rolando Vera-Cruz Martins, Jorge Miranda Alfarna e Oswaldo Osório, na qual colaboraram, além dos organizadores, também Arménio Vieira e Mário Fonseca. Participou na fundação da revista Presença Crioula (1972-1974), editada pela Associação de Cabo-verdianos de Lisboa e foi a sua primeira directora. Colaborou também no boletim Cabo Verde, Notícias de Cabo Verde, revistas África e Raízes.

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Neste volume reúnem-se alguns dos seus melhores contos, dispersos e outros inéditos, dando assim a conhecer a um público mais vasto uma contista cabo-verdiana que se iniciou nas lides literárias em 1961, quando ainda estudante liceal. Autor: Maria Margarida Mascarenhas Editor: ICL-Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco

A TARTARUGUINHA

Autor: Orlanda Amarílis Ilustrações: Felipe Alçada Editor: Instituto Camões/Centro Cultural Português Praia-Mindelo Colecção: Infanto-Juvenil

KIKI LIMA

Marcada por diferenças que se projectam para além dos temas que aborda, com espantosa fluência, a pintura de Kiki Lima remete-nos para os horizontes das iluminadas paragens tropicais. Cabo Verde, como ponto de partida e como lugar privilegiado de pesquisa surge, nas suas evocações, para gerar toda a carga emocional que estas obras transmitem. A certeza do sol reverbera, em acentos de grande intensidade de luz, para gerar o cromatismo álacre que estriba esta arte narrativa. [...] O simples e o complexo, o profundo e o epidérmico, o exterior ou o âmago das verdades que veicula, são aspectos da mesma criatividade, razão por que merecem idêntica atenção. Exactamente por isso, a selecção das obras reproduzidas teve a preocupação de antologiar, não o melhor deste artista plástico, mas a multiplicidade dos caminhos, entretanto percorridos, neste sedimentar de conquistas. O homem fortalece-se na luta mas o pintor só cresce quando, a si mesmo, ousa perturbar. Autor: Kiki Lima Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 2003

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O SENHOR DAS ILHAS

Um pequeno extracto deste belo livro de Maria Isabel Barreno, para deliciar os leitores: «Para relatar a história dos meus, e a minha, as linhas que vieram determinando e colorindo nossas existências e também essas escuras cavernas do tempo que a memória não consegue explorar, recorrerei a todos os relatos que ouvi e li. Mas usarei sobretudo a minha imaginação, porque só essa luz de cada um de nós ressuscita os mortos e as sombras do passado. Meu pai julgava crer que a luz maior era a do raciocínio, mas este apenas nos conduz a um mapa, a um olhar distante. Penetrar a carne macia dos acontecimentos, o pulsar sanguíneo de cada segundo tal como de facto existiu nas veias de cada um, só é possível com essa parente etérea do amor, com esse espelho transparente e sublimado de nossas paixões, a imaginação.» Maria Isabel Barreno é descendente de cabo-verdianos, nomeadamente da Brava, tendo conseguido apoio da Fundação Calouste Gulbenkian para ir ao arquipélago fazer pesquisas para escrever o romance. Autor: Maria Isabel Barreno Editor: Editorial Caminho Ó MAR DE TÚRBIDAS VAGAS O romance descreve a história do Capitão Hilário Cardoso, tendo como pano de fundo uma travessia que ele faz no seu navio Nossa Senhora do Monte entre os Estados Unidos da América e Cabo Verde, passando pelas ilhas de S. Vicente e Brava. Durante toda a viagem, que durou dois meses, o capitão teve de lutar heroicamente para se manter fiel à esposa que o espera em S. Filipe, face às provocações persistentes de um linda passageira. O romance, editado em 2005 pela Plátano Editora, foi o último escrito por Henrique Teixeira de Sousa, que veio a falecer pouco tempo depois, a 3 de Março de 2006, vítima de um atropelamento em Oeiras, onde vivia. Autor: Henrique Teixeira de Sousa Editor: Plátano Editora

OBRA POÉTICA DE JORGE BARBOSA

Jorge Barbosa é considerado um dos mais importantes poetas, senão o maior, da literatura cabo-verdiana. É uma das figuras centrais do movimento claridoso, cujo órgão de expressão foi a revista Claridade, conjuntamente com os escritores Baltazar Lopes, Manuel Lopes e Aurélio Gonçalves,

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A sua obra poética foi reunida na totalidade nesta edição, que abarca os seus três livros Arquipélago, Ambiente e Caderno de um Ilhéu, publicados respectivamente em 1935, 1941 e 1956, bem como três colectâneas inéditas, intituladas Expectativa, Romanceiro dos Pescadores e Outros Poemas, e poemas dispersos, alguns dos quais escritos em crioulo. A edição é da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, com prefácio da investigadora Elsa Rodrigues dos Santos, que compilou toda a obra poética de Jorge Barbosa com a colaboração de Arnaldo França. Editor: Imprensa Nacional - Casa da Moeda Ano de edição: 2002

ÁRVORE & TAMBOR

Os homens que nasceram da Estrela da manhã Assim foram Árvores & tambor pela alvorada Plantar no lábio da tua porta África mais uma espiga mais um livro mais uma rota Que Do coração da revolta A Pátria que nasce Toda a semente é fraternidade que sangra Autor: Corsino Fortes Editor:Instituto Caboverdiano do Livro / Publicações Dom Quixote

ESTÓRIA, ESTÓRIA...

Estória, Estória... Contos Cabo-Verdianos Autor: João Lopes Filho Editor: Ulmeiro

A MORNA NA LITERATURA TRADICIONAL

Fonte para o estudo histórico-literário e a sua repercussão na sociedade Autores: Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo Editor: ICL-Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco

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CAIS DE PEDRA

Uma ficção que é magistralmente introduzida por uma citação a Manuel Alvarez: “Quando um cais de pedra brsucamente emerge, no meio do mar, então, é hora de o lodo, a areia e o limo simbolizarem recordações. Por isso, as correlações criadoras rejeitam, muitas vezes, que as semelhanças tecidas entre ficção e realidade sejam mera coincidência”. Autor: Nuno de Miranda Editor: ICL-Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco Ano de edição: 1989 Patrocínio: Enacol

ASSOMADA NOCTURNA (POEMA DE N'ZÉ DI SANT'Y ÁGU)

Autor: José Luís Hopffer C. Almada Ilustração da capa: Fotografia de Mito Edição: Câmara Municipal de Viana do Castelo Ano de edição: 2005 ISBN: 972-588-101-X

MANUEL D'NOVAS - MÚSICA, VIDA, CABOVERDIANIDADE

"Dizem-me que ele é natural de Santo Antão. E, no entanto, ele é acima de tudo um mindelense. Não no sentido de ser um "produto", mas antes no sentido de ser um "revelado" pela cidade do Mindelo, no sentido de, sem qualquer esforço ou estudo particular, ele ter apreendido e interiorizado a vivência deste povo brincalhão, satírico, mundano e festivo, que depois devolve em forma de composições musicais onde a ironia, o bom humor, o deixar andar, marcas individualizadas de Mindelo, são presença e componente mais importantes". Germano Almeida Autor: César Augusto Monteiro Prefácio: Dr. Manuel Faustino Ano de edição: 2003

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CABO VERDE 30 ANOS DE CULTURA

(...) Em Cabo Verde, a independência e o desenvolvimento têm selo da cultura, da educação e da cidadania. Temos o orgulho do caminho andado e temos a certeza que novos caminhos do desenvolvimento se vão abrir-nos pela frente. Temos ainda a certeza que esses novos caminhos só serão possíveis se conseguirmos realizar um verdadeiro casamento entre a cultura, a educação e a cidadania. Uma cidadania formada e informada com base na cultura, na ciência, na história e no ambiente nacionais e internacionais, é um dos maiores trunfos para um desenvolvimento humano de qualidade e para uma sã e enriquecedora competição no mercado da globalização. Uma cidadania formada e informada sabe valorizar as heranças culturais, os caminhos trilhados, os méritos e os deméritos, os heróis e heroínas, as referências ambientais, as transformações conseguidas, o desenvolvimento arquitectado e construído. Uma cidadania formada e informada sabe negociar nos palcos mundiais das grandes decisões. Sabe competir com a qualidade do seu produto nos mercados exigentes da globalização. Sabe ainda o valor e o segredo da auto-sustentabilidade, a todos os níveis: na arte, na economia e na política. Uma cidadania formada e informada é o garante e a condição da certeza que temos futuro, isto é, de um desenvolvimento de qualidade e auto-sustentado. Preâmbulo: Pedro Pires, Presidente da República e Manuel Veiga, Ministro da Cultura Prefácio: Filinto Elísio Correia e Silva Capa: Pintura de Kiki Lima Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL)

O MAR NOS SELOS POSTAIS DA REPÚBLICA DE CABO VERDE

Com prefácio da escritora Dina Salústio e capa ilustrada por Leão Lopes, o livro, que reúne selos de 1976 a 2003, todos a cores(...) "Tinha que ser muito rico para coleccionar todos os selos do mundo. Assim, optei pelos da minha terra" - explica Tiago Estrela com estas simples palavras o início da sua paixão pela filatelia, que resultou na aquisição de centenas de selos agora reunidos em "O mar nos selos postais da República de Cabo Verde". Uma obra que, na opinião de Dina Salústio, autora do prefácio, é uma pesquisa que "relata a história naval das ilhas e conta-nos, ainda, sobre os míticos capitães, os valorosos marinheiros e pescadores, os artistas, poetas e contadores de histórias" e "fala de distâncias, de sítios tão perto, de gente tão nossa". E, de facto, assim é. Os temas relacionados com o mar e, consequentemente, com a nação Cabo Verde preenchem 65 páginas do livro: os navegadores (Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Alain Gerbault), os tratados (Tordesilhas), a pesca, a fauna marinha (peixes, conchas, tartarugas, corais, lagostas, espécies de atum), o desporto, os

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navios, o sistema de apoio à navegação (porto da Praia de 1896, mapas antigos de Cabo Verde) e outros. Teresa Sofia Fortes Autor: Tiago Estrela Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Praia MORNAS ERAM AS NOITES Antologia de crónicas da excelente escritora cabo-verdiana que abordam uma diversidade de temáticas que dizem respeito à cultura das ilhas mas que também têm ressonância universal. A linguagem é permeada duma sensibilidade poética e as temáticas revestem-se de um forte conteúdo existencial. A autora dedica atenção especial à experiência das mulheres e das crianças, abordando assuntos difíceis como a violência doméstica, o fardo da experiência da maternidade, a opressão patriarcal nas suas múltiplas formas e a prostituição infantil. (Fernando Arenas) Autor: Dina Salústio

VAI-TE TREINANDO DESDE JÁ

Foi escrita por Nhô Djunga nos anos 40 e entregue ao professor Mesquitela pelo próprio Djunga, dez anos depois. Mesquitela Lima, neste seu vigésimo quinto livro, além de comentar a peça teatral, dá ao leitor a conhecer a vida de Nhô Djunga, ilustrando as passagens com fotografias captadas pela objectiva de João Cleofas Martins, ou melhor, Nhô Djunga. Filho de um bravense, que foi presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, João Cleófas Martins (1901-1970) não teve a oportunidade de partir para o estrangeiro, para um dia ser doutor ou engenheiro. Mas os conhecimentos que assimilou, na antiga 4ª classe, valeram–lhe um lugar na Western Company, uma firma de comunicações britânica que esteve em Cabo Verde até ao final da segunda grande guerra. Quando os britânicos partiram, Nhô Djunga embarcou para Lisboa, onde fez um curso de fotografia. De regresso à sua Mindelo, tornou–se num fotógrafo com a objectiva focada para os problemas sociais e para a forma como a sua S. Vicente era tratada. Locutor de grande audiência na Rádio Barlavento, com as suas famosas cartas radiofónicas num português “acriolado”, Nhô Djunga denunciou tudo o que queria, criticando tudo o que a sua retina captava e tudo o que merecia reparos. Estes registos sonoros estão religiosamente guardados nos arquivos dos Estúdios da Rádio de Cabo Verde na Cidade do Mindelo. Mesquitela Lima, que desde pequeno conheceu Nhô Djunga, lembra-o como um crítico muito inteligente que estava a par de tudo o que se passava no mundo. O professor Mesquitela descreve-o como “uma figura fascinante,

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cheia de história para partilhar. Não sei como, mas o Djunga tinha um conhecimento fora de série. Lia tudo o que lhe chegasse ás mãos”. Nhô Djunga fez parte de uma geração de escritores e intelectuais cabo–verdianos onde se inscrevem nomes como Baltazar Lopes da Silva (aliás todos os dias à tarde, Nho Baltas ia buscar o Nho Djunga e ficavam horas e horas dentro do carro na Laginha), Sergio Fruzoni, ou Manuel Lopes, um decano na literatura cabo–verdiana. Djunga foi aquele que não teve a chance de embarcar no “sonho dos conhecimentos universitárias”. Mas ficou em Cabo Verde, maldizendo as pessoas que não tratavam bem a sua Mindelo. (...) Autor: Mesquitela Lima Editor: Vega OS INSTRUMENTOS MUSICAIS EM CABO VERDE O presente estudo vem preencher uma lacuna que há muito se fazia sentir na bibliografia cabo-verdiana. Logo no título, somos alertados pela autora para a complexidade no traçar das origens dos instrumentos actuais ou que ainda estão na memória dos informadores que foi possível contactar. Um dos méritos do trabalho reside aliás no rigor do tratamento dos testemunhos e no cuidado posto na identificação das fontes, que permitiram a Margarida Brito descrever e explicar as primeiras mudanças verificadas na utilização dos instrumentos musicais, de finais do século XIX até à actualidade. A referência prudente a épocas anteriores, de que são escassas ou ainda desconhecidas as fontes documentais ou materiais, remete-nos para a necessidade de outros trabalhos de musicologia histórica, que esclareçam hipóteses reveladas neste livro, sem que, e bem, se tenha procurado uma qualquer explicação sem a fundamentar. / .../O livro inclui ainda uma introdução intitulada "Breves apontamentos sobre as formas musicais existentes em Cabo Verde". Domingos Morais-Lisboa 1997 Autor: Margarida Brito Editor: Centro Cultural Português, Praia - Mindelo Ano de edição: 1998

NO INFERNO

No Inferno, romance que a Editorial Caminho agora publica, foi editado em 1999 em Cabo Verde pelo Centro Cultural Português, Praia - Mindelo. «[...] imaginei uma personagem enclausurada, anónima, ou quase anónima, e sem memória. Dei-lhe um enigma a deslindar - o da própria identidade - e um razoável acervo de livros pelos quais ele, despojado do resto, se reconheceu como possuidor de muitas leituras. [...] No que respeita ao autor - eu, neste caso -, consciente ou inconscientemente, pus-me a par da minha personagem, isto é, fui ficcionando aos saltos, marimbando na lógica e no encadeamento natural dos acontecimentos, umas vezes com base em

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ocorrências de natureza autobiográfica e outras vezes a partir de ideias e motivos tomados de empréstimo a uma vasta literatura pretérita. [...]» (A. V., in «Nota Prévia».) Robinson - convencionalmente o nome da personagem - é de facto uma multiplicidade de personagens cujos nomes mudam ao sabor do escritor que Arménio Vieira «evoca». Robinson deambula pela literatura. Mas... que deambulação? Que literatura? Que ficção? Em que ilha se tornou náufrago? Terá cada extrapolação um significado, um simbolismo? Será que Robinson personagem-autor não nos mostra o reverso do mundo dito dos livros e nos conduz à não-literatura, ao não romance e ao desnudar das convenções literárias? Autor: Arménio Vieira Editor: Editorial Caminho

OS FLAGELADOS DO VENTO LESTE

"Há quem tenha posto em dúvida a possibilidade de um romance português de categoria universal. Traduzam este romance e verificaremos se interessa menos lá fora do que o melhor de Jorge Amado, Lins do Rego ou Graciliano Ramos. A mim interessa mais: responsabiliza-me pessoalmente. Não será ele português?" (Oscar Lopes, 1972) “Agosto chegou ao fim. Setembro entrou feio, seco de águas; o sol peneirando chispas num céu cor de cinza; a luminosidade tão intensa que trespassava as montanhas, descoloria-as, fundia-as na atmosfera espessa e vibrante. Os homens espiavam, de cabeça erguida, interrogavam-se em silêncio. Com ansiedade jogavam os seus pensamentos, como pedras das fundas, para o alto. Nem um fiapo de nuvem pairava nos espaços. Não se enxergava um único sinal, desses indícios que os velhos sabem ver apontando o dedo indicador, o braço estendido para o céu, e se revelam aos homens como palavras escritas.” A história: Uma ilha inóspita em que a seca atravessa a paisagem, as vidas e as entranhas daqueles que vivem da terra e que olham para o céu que todos os dias é de uma angústia azul. Vidas esmagadas pelas forças da Natureza, homens que procuram a chuva em fiapos de nuvens esquecidas pelo vento. Autor: Manuel Lopes Editor: Veja

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CHUVA BRABA

O romance conta-nos a história de Mané Quim, dando-nos um retrato veemente do extraordinário povo que habita Cabo Verde, com a sua doçura, a sua pureza, o seu estoicismo, o seu apego à terra, no quadro grandioso da paisagem de Santo Antão. Mané Quim, jovem camponês, vive confrontado com um dilema: aceitar o convite do padrinho e embarcar para a Amazónia, onde o espera uma terra rica, abundante em água e de colheitas fáceis e fartas; ou ficar, com a velha mãe, labutando nas ressequidas courelas, sonhando com a água que lhes dê vida. Sobre o romance escreveu Vitorino Nemésio: “uma pequena obra-prima da novelística islenha”. Autor: Manuel Lopes Editor: Editorial Caminho Ano da 2ª edição: 1997 O CANTOU NA BAÍA E OUTROS CONTOS Manuel Lopes é um dos nomes mais destacados da literatura cabo-verdiana. A presente colectânea reúne alguns dos melhores contos do autor e, por que não dizê-lo, da literatura de língua portuguesa. Com os seus personagens de vigorosa personalidade, vivendo enredos de forte carga simbólica, relatados numa linguagem simultaneamente densa e subtil, estes contos de Manuel Lopes proporcionam ao leitor uma forte emoção. O primeiro deles, «Galo Cantou na Baía», publicado pela primeira vez em 1936, marca, na opinião de Russel Hamilton, o nascimento da moderna prosa narrativa de Cabo Verde. Autor: Manuel Lopes Editor: Editorial Caminho

AMÍLCAR CABRAL - PARA ALÉM DO SEU TEMPO

Esta obra foi a forma que Óscar Oramas encontrou para homenagear Amílcar Cabral por ocasião do 25º aniversário da sua morte. Considerado o líder espiritual de vários movimentos independentistas africanos, nomeadamente o de Angola e da Guiné Bissau, ainda teve tempo de fundar o PAIGC antes de ser assassinado, a 20 de Janeiro de 1973. Autor: Oscar Oramas Tradução de João Marques Editor: Hugin - Editores, Lda.

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OS FILHOS DA TERRA DO SOL

A Formação do Estado-Nação em Cabo Verde Autor: Leila Leite Hernandez Editor: Selo Negro / Dinalivro ISBN: 978-858-747-8191

UMA LUTA, UM PARTIDO, DOIS PAÍSES - GUINÉ BISSAU E CABO VERDE

Apadrinhada pela UNESCO, esta obra, de autoria de Aristides Pereira, ex-presidente de Cabo Verde, é parte do trabalho executado pelo autor e por uma equipa de investigadores e historiadores, no âmbito do Projecto SPHAC (Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea). O seu objectivo, estudar a luta travada pelo PAIGC pela libertação da Guiné e de Cabo Verde, constitui uma importante contribuição para a história dos dois países – como, aliás, o Prof. Joseph Ki-Zerbo, pai da historiografia africana, salienta no prefácio - pois põe à disposição do grande público o resultado de uma interpretação interactiva das memórias de antigos combatentes cruzada com informações extraídas dos arquivos portugueses e do PAIGC. A presente edição, elaborada com evidentes preocupações de objectividade e imparcialidade, é apenas uma parte dos trabalhos do SPHAC, reservando-se para breve a publicação, num único volume, de todo o acervo documental referente à luta dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Autor: Aristides Pereira Editor: Editorial Notícias O MEU POETA Germano Almeida foi uma grande revelação da literatura cabo-verdiana e até, de modo mais geral, da literatura em língua portuguesa, com o romance “O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”. Em “O Meu Poeta”, Germano Almeida dá-nos antes de mais, e à primeira vista, um «retrato» irónico e complexo de Cabo Verde. Mas, na verdade, estilhaça a moldura do «retrato» com a subtileza dos seus vários níveis, com o puro bom gosto de escrever que sempre transparece, com personagens que transcendem qualquer referente e situações cujo humor irresistível se refracta ou se dilui numa inquietação que aflora e nos interroga. Romance ambicioso e conseguido, “O Meu Poeta” é sem dúvida um livro marcante nas literaturas que actualmente, com variedade e força, se escrevem em língua portuguesa. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Anode edição: 1992

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A ILHA FANTÁSTICA

“A Ilha Fantástica” é um livro prodigioso. Apresentado pelo autor, modestamente, como um conjunto de crónicas escritas para «preencher espaço» vago na revista Ponto & Vírgula - ou seja, uma espécie de «tapa-buracos» -, o livro é um grandioso fresco de uma comunidade, que resume um povo e um país. Germano Almeida tinha já definido a sua presença na literatura de língua portuguesa com “O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo” e “O Meu Poeta”. Mas este livro não deixará de surpreender, mesmo aqueles leitores já familiarizados com a sua escrita. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1994

OS DOIS IRMÃOS

«A história que serve de suporte a esta estória aconteceu lá pelos anos de 1976, algures na ilha de Santiago. Como agente do Ministério Público fui responsável pela acusação de "André" pelo crime de fraticídio. Só muitos anos depois percebi que "André" nunca mais me tinha deixado em paz. Devo-lhe por isso este livro, no qual a realidade se confunde com a ficção.» E destas palavras do próprio autor surgiu um belíssimo texto sobre a lei, as convenções sociais, a tradição e os sentimentos pessoais mais íntimos. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1995 ESTÓRIAS DE DENTRO DE CASA “Estórias de Dentro de Casa” inclui três novelas: "In memoriam", "As mulheres de João Nuno" e "Agravos de um artista". Em todas elas está presente uma particular visão dos homens (e das mulheres) — uma visão filtrada pelo sentido de humor próprio de Germano Almeida. Vícios, ambições desmedidas, agravos, necessidades comezinhas, vaidades feridas, convenções sociais obsoletas mas pertinazes, constituem um modo muito próprio do autor. Um mundo em que se reconhece, pelo exterior, o cabo-verdiano, e onde nos descobrimos, bem no fundo da alma de cada personagem, todos nós. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1996

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A FAMÍLIA TRAGO

«A Família Trago» conta-nos, ao correr da pena de um narrador de características muito particulares, a saga da família Trago ao longo de várias gerações. Numa escrita forte e de impressionante fôlego, o autor conduz-nos, através dos tempos, numa viagem aliciante e absorvente, ao mundo de uma família e ao pulsar de um arquipélago profundamente ligados, revelando-os em pinceladas enérgicas, coloridas, pitorescas, às vezes dolorosas, às vezes enternecedoras. «A Família Trago» é, sem dúvida, um belíssimo romance, que o leitor não deve deixar de conhecer. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1998

ESTÓRIAS CONTADAS

Todos os dias nos acontecem coisas. Boas e más, banais, inesperadas, agradáveis ou dolorosas. Mas de quase todas sempre registamos um pormenor, um som, uma cor, um eco, uma memória. São estas coisas do dia-a-dia que Germano Almeida reuniu em “Estórias Contadas”. No seu estilo narrativo tão peculiar, transformou apontamentos casuais, factos, acontecimentos, acasos, em crónicas deliciosas, vivas, aliciantes. Numa prosa saborosíssima, protagonizada por um humor permanente e subtil e finíssima ironia, as páginas sucedem-se, irresistíveis, e damos connosco a sofrer com os agravos de um escritor, a disputar uma certa cadeira com Gabriela (e que terna e cúmplice disputa esta), a vibrar com as surpresas do futebol, a reflectir sobre os feitiços do tabaco, a... Cinquenta e cinco crónicas que se lêem de um fôlego, estas “Estórias Contadas” proporcionarão ao leitor um encontro muito particular com aquele que supomos ser o mundo de todos os dias... mas que ainda nos pode surpreender! Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1998

O DIA DAS CALÇAS ROLADAS

Os dias 30 e 31 de Agosto de 1981 agitaram algumas das zonas do concelho da Ribeira Grande em Santo Antão, Cabo Verde. A contestação popular à discussão do projecto da lei de bases da Reforma Agrária esteve na origem de atribulações, distúrbios, episódios picarescos e algumas prisões. Embora o título nos leve a pensar em ficção, o autor não faz mais do que contar o relato oficial dos acontecimentos, a história dessa contestação que acabou em julgamento dos envolvidos e participantes, socorrendo-se do que foi dito nos tribunais e das declarações das testemunhas. Mas será que Germano Almeida se limita à simples narração dos factos? O leitor ficará surpreendido pela forma como ele transforma esta sucessão de eventos numa prosa fluida,

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rica de cor e movimento, perpassada de um irresistível humor nascido das palavras dos protagonistas e de situações quase diríamos rocambolescas. E à medida que avançamos na leitura, percebemos cada vez melhor a exclamação de um dos intervenientes, «que trazia as calças arregaçadas, tinha uma faca na mão e estava com o aspecto de quem queria matar»: «Hoje é dia de calças roladas.» Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1999

AS MEMÓRIAS DE UM ESPÍRITO

O advogado José Alírio de Sousa, figura bem conhecida no Mindelo, morre subitamente no dia do seu aniversário. Decorriam os preparativos para a festa quando todos foram surpreendidos por este funesto evento. Tão inesperada foi a sua morte, que é o próprio Alírio a relatar-nos os acontecimentos do atribulado velório. O seu espírito, demasiado preso ainda às coisas terrenas, vagueia pelas divisões da casa onde viveu, ouvindo e observando aqueles que acorreram a acompanhá-lo naquela longa noite. Cada familiar, cada amigo, cada conhecido, representa uma estória na estória do que foi a sua, apesar de tudo não muito longa vida. E é de recordação em recordação que José Alírio nos vai revelando a sua agitada e aventurosa passagem por este mundo. A narração decorre num tom bem-humorado, às vezes irónico às vezes corrosivamente satírico, mas quase sempre alucinante pelo entrecruzar de personagens, de situações tão picarescas quanto hilariantes, caracterizadas por uma forte e constante carga erótica. Mas chega o momento de o nosso espírito-narrador nos abandonar definitivamente. E é então que... Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 2001 DONA PURA E OS CAMARADAS DE ABRIL Depois de ter perdido o dinheiro da bolsa da Gulbenkian a jogar às cartas pela noite dentro, o jovem cabo-verdiano, estudante de Direito, acorda na manhã seguinte, no seu quarto alugado a Campo de Ourique, com a notícia da Revolução. Sai de casa para a ir ver na rua essa Revolução Libertadora de povos e pátrias. Mas conhece mal Lisboa, corre ruas praças e avenidas e não vê revolução nenhuma. Mas Revolução houve, e séria, que abalou a vida de quase tanta gente como o número de personagens de que esta história se compõe. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1999

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CABO VERDE - RETALHOS DO QUOTIDIANO

Autor: João Lopes Filho Editor: Editorial Caminho ISBN: 972-21-1016-0

POESIAS

(...)Trata-se de uma edição cuidada, com nota de apresentação de Rosendo Pires Ferreira e organização e prefácio de Arnaldo França, o que preludia muito bom trabalho de investigação - sobretudo dadas as garantias de seriedade do autor da tarefa organizativa.(...) Autor: António Januário Leite Capa: Tony Ramos Editor: Liga dos Amigos de Paul (AMIPAUL) / Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) CAPITANIA Romance de S. Vicente de Cabo Verde Romance de Joaquim Saial, centrado na Capitania dos Portos de S. Vicente, nos primeiros anos 60 do século XX. Ali se contam aventuras diversas que se estendem à Praia de Bote, ao Porto Grande e a muitos outros locais da ilha. Apoios: Instituto Camões (Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal), Centro Cultural Português da Praia e Pólo do Mindelo - Cabo Verde. Autor: Joaquim Saial Editor: Editorial Notícias Ano de edição: 2001 O TESTAMENTO DO SR. NAPUMOCENO DA SILVA ARAÚJO Trata-se de um dos livros mais aclamados e traduzidos de autor cabo-verdiano, iniciando-se com ele uma vertente centrada em assuntos modernos e eivados por certo humorismo, até aí quase inexistente na literatura feita no arquipélago. Passou ao cinema, pela mão do realizador Francisco Manso, com música de Tito Paris e Toy Vieira. O filme estreou em Cabo Verde, em 25 de Setembro de 1997. Em Portugal foi visto por 13.556 espectadores. Uma nova luz sobre a vida e pessoa do ilustre extinto, foi como sr. Américo Fonseca, já a caminho de Lombo Tanque, definiu a abertura do testamento do sr. Napumoceno. E o sr. Armando Lima com o seu rigor de contabilista aposentado, precisou que a luz parecia total. E andando ao lado do sr. Fonseca ia filosofando que nenhum homem poderá alguma vez pretender conhecer outro em toda a extensão e profundidade do seu mistério. Porque quem na verdade alguma vez sonhou que Napumoceno da Silva Araújo poderia ser capaz de aproveitar das idas da sua mulher de limpeza ao

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escritório e entrar de amores com ela pelos cantos da divisão e por cima da secretária, ao ponto de chegar ao preciosismo de lhe fazer um filho, melhor dizendo uma filha, em cima do tampo de vidro. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 1991 CRÓNICAS DE FORA “Crónicas de Fora”, colectânea de crónicas de Domingos Cardoso, foi lançada nas instalações da Protecção Civil, em Pedra Badejo, com a presença do poeta Mário Fonseca e do jornalista António Silva Roque, autor do prefácio. O livro, editado pela Câmara Municipal de Santa Cruz, é apresentado no âmbito das festas municipais deste concelho, de onde o autor é natural. “Crónica de Fora” foi o título da coluna que Domingos Cardoso manteve no jornal “A Semana” durante os anos de 2003 e 2004. A estes textos juntam-se agora, neste volume de 150 páginas, artigos publicados no semanário “Horizonte” e ainda alguns trabalhos inéditos. Autor: Domingos Cardoso A VERDADE DE CHIANDO LUZ O mistério de África nas noites lisboetas e a busca das origens num grande romance luso-africano Arsénio Cruz é um jornalista que durante semanas acompanhou a ascensão meteórica de Chindo Luz à categoria de estrela televisiva do momento. O suicídio de Chindo Luz, depois de vencer um reality show de sucesso, deixa todos espantados e é motivo suficiente para que Baldo, o irmão mais novo, inicie uma investigação sobre o caso. Baldo e Chindo cresceram num dos bairros da zona oriental de Lisboa, no seio de uma família de emigrantes cabo-verdianos. Após o 25 de Abril, a família ocupou um casarão antigo, local de passagem para muitos compatriotas. Após a morte do irmão, Baldo acompanha a mãe por uma errância pela ilha natal, onde conhecerá Eva Lima, responsável por uma ONG, que o vai recolocar, com a ajuda de Arsénio Cruz, na pista do misterioso desaparecimento de Chindo Luz. Traçando um primoroso retrato de um certo Portugal dos últimos trinta anos, “A verdade de Chindo Luz” é uma obra que nos apresenta o processo de descoberta da identidade cultural pelas comunidades emigrantes que habitam na orla das grandes cidades, mas que nos proporciona, também, uma viagem ao mundo das figuras saudosistas da dolce vita das colónias sob os auspícios do Império. Autor: Joaquim Arena Editor: Oficina do Livro Ano de edição: 2006

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MÚSICA E CABO-VERDIANOS EM LISBOA A obra, resultado de uma grande reportagem realizada entre 2000 e 2002, tem sido progressivamente actualizada. A edição on-line nasceu de uma proposta dos webmasters cabo-verdianos José Monteiro e Marlene Nobre, da Caboindex, em Lisboa. É deles a ideia, concepção gráfica e várias fotografias. Por seu turno, o designer português André Seguro concebeu a capa da obra. Sobre a obra, apenas dizer que tem três capítulos: - "Rostos de Lisboa " (os precursores, os jovens e os músicos de que nunca se fala); - "Aqui faz-se música" (informações sobre o papel dos bairros e dos restaurantes, como e onde gravar, a relação que os pintores cabo-verdianos de Lisboa como Mito ou David Levy Lima mantêm com a música); - " Encontros lusófonos" (traz uma selecção de textos variados que falam de Lisboa em bem ou mal assim como o encontro entre os músicos crioulos e lusófonos na capital portuguesa). Finalmente, o livro tem dois anexos as músicas de Cabo Verde e sobre a imigração cabo-verdiana em Portugal. Vladimir Monteiro (adaptado por Terra Sabi) SAL - A ILHA DE CABO VERDE QUE ENTROU NA HISTÓRIA DA AVIAÇÃO COMERCIAL ITALIANA O aeroporto da Ilha do Sal é uma história de vontades e de paixões: uma história de homens. O caso - exaltante - tem sabor de uma moderna epopeia; são superadas dificuldades enormes, vivem-se momentos de desespero e dramáticos, mas a 17 de Outubro de 1939 o primeiro avião italiano, ainda com as insígnias da "Ala Littoria - S.A. Linhas Italianas" aterra naquele campo de terra batida levando material e correspondência para os componentes da expedição que realizou o milagre; a bordo daquele avião o comandante Antonio Moscatelli, um ás da nossa aviação militar que operará no sector até fins de 1941, e Rapp, a quem será confiado o voo inaugural da linha que, durante a fase de regresso a Europa, se estalou desgraçadamente contra os apêndices do Atlante. Ilha do Sal: um pontinho negro, no negro do Oceano, onde se chegava e se partia à noite, encontrando-a - mais do que pela debil chamada do seu radiofarol - pelo cheiro e a experiência daqueles comandantes que na altura operavam exclusivamente no sector do Atlântico Meridional. Uma identificação ajudada pelo bom tempo que bendiz por quase todo o ano o arquipélago de Cabo Verde, permitindo o avistamento à distância da moldura imponente, de quase três mil metros do Vulcão Pico di Fogu e das luzes tremulantes de Santiago, a mais extensa e populosa das suas ilhas "da pedra e do vento". Editor: LoGismaAno de edição: 2002.

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CABO VERDE E O DIREITO DO MAR A preservação dos recursos marinhos à luz da convenção de Montego Bay e da Legislação de Cabo Verde «Evolução histórica sobre o Direito do Mar, (…) preservação dos recursos marinhos à luz da Convenção de Montego Bay e da Legislação Cabo-verdiana, priveligiando-se os recursos haliêuticos e a poluição marinha». Autor: Januário da Rocha Nascimento Capa: Tony Ramos Ano de edição: 2004 (KON) TRIBUTU (PA LIBERTASON Y DIZANVOLVIMÉNTU) Autor: Tomé Varela da Silva Capa: Tony Ramos Foto da capa: José Maria Borges Ano de edição: 2005 CONTOS, CRÓNICAS E REPORTAGENS “ (...) Esta procede de quem a admira pela forma como escreve, sem permitir que a pena lhe traia aquilo que pretende comunicar. (...) Se não me engano muito, estou em presença duma autêntica prosadora de ficção se acaso a isso quisesse abalançar. O que seria para todos em Cabo Verde motivo de grande júbilo, pois seria mais um elemento a enriquecer a literatura cabo-verdiana. E sendo do sexo feminino, muito grande mesmo seria esse nosso júbilo. Teríamos também uma mulher a escrever. (...) Tem em seu poder uma sensibilidade, e que requintada sensibilidade! Guarda uma experiência de vida, que rico filão de explorar. Tem em suma todos os dotes que servem os verdadeiros escritores, não lhe faltando ainda, como é fácil de depreender dos seus escritos, o hábito da boa leitura...” Teixeira de Sousa Autor: Maria Helena Spencer Coordenação e Selecção: Ondina Ferreira Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) VAGENS DE SOL Poesia Autor: Danny Spínola Capa: E.R. - Pintura e Concepção Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) Ano de edição: 2005

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VIVÊNCIAS Poesia «Trata-se de alguns dos sentimentos, angústias e preocupações (do autor). Foram escritos em momentos precisos, em resultado de algumas vivências (vividas, imaginadas ou sonhadas) e de alguns factos e observações». Capa: Frederico Hopfer Almada e Ulisses Português; Praia: IBNL, 2005. Autor: David Hopffer Cordeiro Almada

CABRAL NO CRUZAMENTO DE ÉPOCAS

Comunicações e discursos produzidos no II Simpósio Internacional Amílcar Cabral sob o lema “Pensar pelas nossas próprias cabeças, agir de acordo com a nossa própria realidade…” Amílcar Cabral Organização: Fundação Amílcar Cabral, em parceria com a CODESRIA e a Fundação Mário Soares; Fundação Amílcar Cabral, 2005.

DO FACTO À OPINIÃO

Compilação de textos publicados nos jornais «O Cidadão» e «A Semana» Autor: António Neves Edição do Autor; Impressão e acabamento: Gráfica do Mindelo; 2005. COZINHA DA AVÓ “(…) A autora não só faz arte ao confeccionar os seus variados e saborosos pratos como também faz a preservação e a valorização dos produtos da terra». (Prefácio de Manuel Veiga) Autor: Josefina Benchimol Duarte Edição de Autor; Design e Paginação: OPAL – Publicidade de Cabo Verde, Lda. Ilustração: César Silva; Impressão: PÊBÊ, Lda.; 2005.

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COMBATES PELA HISTÓRIA

Os ensaios, constantes neste livro, quase todos eles em torno de movimentos políticos e urbanos, quando não de movimentos político-urbanos, têm como propósito explicar e tornar inteligível o nosso passado. Contudo, ainda assim, eles não se esgotam no estudo do passado pelo passado. Procuram, antes, compreender os fundamentos arqueológicos da política em Cabo Verde. Visam mostrar que a dinâmica política é uma dimensão constituinte da sociedade cabo-verdiana, mesmo ao longo do período colonial (…) Autor: António Correia e Silva Capa e Composição: PC Arte Lda. ; Spleen - Edições, Lda.; 2004.

NA BÓKA NOTI - 1

«NA BÓKA NOTI” e un kuletánia di 100 stória rakodjedu na bóka di nos tradisionalistas na un spásu di ténpu ki ta bai di Agostu di 1973 pa Novénbru di 1985. (...)» «Nes libru di divulgason, ta atxádu stórias kontádu na variántis di Santiágu, Fogu, San Bisenti y Sant`Anton, séndu numbru di kes na variánti di Santiágu di longi más txeu ki di kalker otu». «Stórias des libru sta grupádu na kuátu kapitu, ki até pode txomádu “siklu ”:“Ómi ku Mudjer”, ”Fitiseriâ”,“Pedru ku Pálu ku Manel” y “Lobu ku Xibinhu” (...)» «(...) ses distribuison (...) e fetu di siginti manera:51 na kapitu di “ Ómi ku Mudjer”, 12 na di ‘Fetiseriâ’, 14 na di ‘Pedru ku Palu ku Manel’ y 23 na ‘Lobu ku Xibinhu’ (...)» In « prizentason » di Na Bóka Noti. Autor: T. V. da Silva (Tomé Varela da Silva) Língua Cabo-verdiana. Capa: Litografia de Domingos Luísa; IBNL; 2004. A CAPELA DO PICO VERMELHO EM SANTIAGO «O autor correlaciona ao longo deste estudo o percurso da Capela do Pico Vermelho, desde a sua fundação, em 1548, com o da sociedade e economia das ilhas (…)». (Prefácio: António Correia e Silva) Autor: João Lopes Filho «Documentos para a História de Cabo Verde»; Paginação e Grafismo: Íris - Informática e Multimédia, Lda.; Ed. Instituto Camões - Centro Cultural Português, 2005.

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ATITUDE DE ALGUNS CABO-VERDIANOS PERANTE A LÍNGUA MATERNA Autor: Maria de Fátima Sanches Língua Cabo-verdiana. Ed. IBNL; 2005. BREVE ANÁLISE SISTÉMICA DE TRÊS PROBLEMAS CRÍTICOS CONTÍNUOS CABO-VERDIANOS: SIGNOS, SINAIS E SIGNIFICADOS «Reedição da primeira publicação dada estampa, em 1986, pelo ICL, Revisão atenta da mesma e introdução de algumas reflexões actuais (…)». «(…) Os temas aqui tratados, Juventude, Adolescência, Mulher e Sociedade, Psicopatias e Desequilíbrios Emocionais, são disso um exemplo e parecem despertar a atenção do sujeito social, seja o individuo que, em todo o processo de mudança, desempenha um papel de relevante importância, sejam as distintas formas de associações que o vinculam ao seu semelhante (…)». Autor: Ireneu Gomes Capa: José Gomes; Grafismo: Humberto Elísio Lopes; Ed. Associação de Promoção da Saúde Mental APONTE, 2ª Ed.; 2005. 58 p. Titulo Original: Juventude e Adolescência, Mulher e Sociedade, Psicopatias e Desequilíbrios Emocionais A DEMOCRACIA EM CABO VERDE «Em alguns dos textos do presente trabalho, defendemos, umas vezes directamente, outras por dedução lógica, que a cultura cabo-verdiana representa um caso de mestiçagem altamente particularizante. Ao fazê-lo centramos a nossa análise no influência marcante dos apports da civilização ocidental nas terras e gentes de Cabo Verde e que vêm contribuindo, progressivamente, para subalternizar o regionalismo africano, que é conferido ao arquipélago tanto pela geografia, como pelas subjacências culturais originárias.» Autor: Onésimo Silveira Ensaio; Editor Fernando Mão de Ferro; Capa: Ricardo Moita; Fotografia da Capa: Homem Cardoso; Lisboa: Edições Colibri, 2005. CABO VERDE, 30 ANOS DE EDIÇÕES 1975-2005 É um catálogo enciclopédico com informações sobre autores e obras publicadas ou reeditadas no período pós independência. Estão incluídas

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obras de literatura em prosa e poesia, mas também literatura de investigação, nos vários domínios, do histórico ao cultural, literário e social, do económico ao político e religioso, produzidas e editadas por nacionais e estrangeiros, residentes ou não no país. Foi elaborado a pensar no público em geral, mas especialmente nos professores, estudantes e investigadores com informações necessárias para conhecer muito do que se escreve sobre Cabo Verde e as suas gentes. Também se pretende que, no 30º Aniversário da Independência de Cabo Verde, o Catálogo seja mais um elo de afectos, culturas e conhecimentos entre as ilhas e a diáspora». GOLPE DE ESTADO EM PORTUGAL...TRAÍDA A DESCOLONIZAÇÃO DE CABO VERDE! «… Com a Revolução de Abril a história seria, porém, bem diferente. Primeiro, porque em Cabo Verde havia emergido da clandestinidade forças centrífugas, isto é, separatistas lideradas pela UPICV e pelo PAIGC. Segundo, porque a conjuntura internacional e africana, em particular, era favorável ao Movimento de emancipação nacional»... Edição do Autor: José André Leitão da Graça

CABO VERDE: APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A ILHA DO FOGO

(…) a iniciativa de Daniel Pereira em se apoiar em documentos coevos para abrir um debate cientifico sobre a história regional da ilha (do Fogo) e até questionar relatos de memória tradicional, constitui um passo necessário para um conhecimento descomplexado do nosso percurso nas ilhas e alicerçar o futuro comum num passado ainda que doloroso (…)» José Maria Semedo Autor: Daniel A. Pereira Edição de Autor; Ed. Alfa-Comunicações, Lda.; 2005. DA MESTIÇAGEM À CABOVERDIANIDADE Registos de uma sociocultura Nenhum dos grupos intervenientes na formação do povo cabo-verdiano, tanto o europeu como o africano, podia apresentar uma cultura enraizada no terreno. De igual modo, nenhum dos dois grupos, em razão das condições adversas sócio-económico-alimentares, podia sobreviver independentemente do outro. (…) Colocados frente a frente, olhando-se através das barreiras do

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racismo, os escravos ou antigos escravos e os senhores da escravatura tiveram que se entender, conforme puderam. Surgiria a mestiçagem, a «convivência», uma comunidade de tolerância (…). Dessa convivência nasceria um sentido de lealdade (…) Desse sentimento de lealdade, aliado a uma cultura partilhada na língua, na música, nos costumes, na expressão literária, eclodiria uma nova identidade – a caboverdianidade. Autor: Luís Manuel de Sousa Peixeira

O CABOVERDIANO EM 45 LIÇÕES

O Caboverdiano em 45 lições Estudo socio-linguistico e gramatical Autor: Manuel Veiga

POSTAIS ANTIGOS DE CABO VERDE

Prefácio Abertura Capítulo I - A Ilha de S. Vicente Capítulo II - A Ilha de Santiago Capítulo III - As outras Ilhas Capítulo IV - O povo e a cultura cabo-verdiana A edição de bilhetes postais em Cabo Verde foi, no contexto do antigo ultramar português, fértil, variada e particularmente intensa nos primeiros vinte e cinco anos deste século. O Porto Grande da ilha de S. Vicente desempenhava à época um papel fulcral no apoio aos vapores e respectivas tripulações e passageiros que atravessavam o Atlântico, ao mesmo tempo que a diáspora cabo-verdiana se espalhava por três continentes. Razões de sobra para que se registasse uma considerável difusão do postal ilustrado com as visões do arquipélago, que hoje constituem valiosa e imprescindível matéria-prima para historiadores e outros tipos de pesquisadores sobre a jovem nação lusófona. [...] Nos exemplares que escolhi para documentar a cartofilia do arquipélago figuram, a par das inevitáveis visões das cidades, com os seus largos e jardins, escolas, comércios e hotéis, algumas imagens de actividades e de ocupações marcantes na sociedade local: é o caso do povo na procissão, acolhendo no cais o novo governador ou observando as manifestações republicanas; a aprumada postura dos comerciantes no seu estabelecimento ou de presumíveis funcionários dos serviços alfandegários e postais; os jogos populares como o "banco de ouri" ou as tarefas agrícolas como o tradicional "trapiche" para moer a cana de açúcar. (Fonte: Memória Portuguesa de África e do Oriente)

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CABO VERDE DAS HESPERIDES

Trata-se de uma obra que reúne um conjunto de ilustrações fotográficas, infográficas, documentação narrativa, sobre vários aspectos de Cabo Verde, assumindo-se como uma miscelânea de versos e prosas, numa linguagem descritiva, explicativa, simbólica e transfigurada. De acordo com o autor, o livro tem a preocupação estética de enriquecer a nossa bibliografia nacional, convidando-nos a uma viagem pelo Arquipélago, ciente de que a obra tem em cada letra uma ilha de Cabo Verde. Acrescenta ainda que a essência da obra se baseia num “mito hesperitano” – o Jardim das Hespérides –, plantado pela Deusa Hera, muito famoso pelas suas maçãs de ouro. E justifica: “ esse mito está presente nas várias obras poéticas cabo-verdianas, pelo que não estou a ser original. A percepção dos poetas cabo-verdianos tem sido, de certa forma, resgatar as espécies das Hespérides”. No dizer do próprio autor, “este livro é uma homenagem ao poeta José Lopes. Sempre foi meu sonho falar um dia desse poeta, que cantou Cabo Verde na sua forma mais sensual e mitológica”. Autor: Filinto Elísio Editora: Universal Frontier

DICIONÁRIO PRÁTICO - PORTUGUÊS CABOVERDIANO

Variante de Santiago Disionári Purtugés-Berdiánu Kiriolu di Santiágu Ku splikasom di uzu di kada palábra Autores: Mafalda Mendes, Nicolas Quint, Fátima Ragagels e Aires Semedo Editora: Verbalis

CABO VERDE - CRUZAMENTO DO ATLÂNTICO SUL

O livro é um percurso na história deste arquipélago perdido no Oceano Atlântico. As imagens cheias de cor revelam a temperatura do ambiente e do clima no qual vive e luta o cabo-verdiano. Autor: Federico Cerrone

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CABO VERDE - FOTOGRAFIAS

Encontros de fotografia 1999 Fotografias: Inês Gonçalves Texto: João Miguel Fernandes Jorge

CABO VERDE - WEST OF AFRICA

Para além do seu sucesso como fotógrafo de moda internacionalmente reconhecido, que o levou para os diferentes continentes, Joe Würfel descobriu também no fundo, inconscientemente, as fortes raízes, as tradições e os ritmos de povos recolhidos de toda a moderna civilização, cuja conservação é de grande importância. Com artísticas documentações fotográficas de formas e tipos diferentes, como é o caso deste presente livro, Joe Würfel quer contribuir para a consciencialização da Humanidade perante as tradições que devem ser protegidas e conservadas. Através da sua colaboração imaterial e desinteressada ele dá um exemplo de como contribuir para conservar o modo de vida dessas populações no seu ambiente próprio. Autor: Joe Würfel

LISBOA NA CIDADE NEGRA

Jean-Yves Loude, etnólogo e escritor, calcorreia a capital portuguesa à procura da história oculta da presença da imigração africana. 0 autor retoma contactos africanos de viagens anteriores e desenvolve as suas investigações na Lisboa actual, tornando visíveis as influencias culturais dos cabo-verdianos, angolanos, guineenses, moçambicanos e são-tomenses, e dá voz a esta comunidade tanto tempo silenciosa. Bisbilhotando na história antiga ao sabor de um jogo das escondidas, apresenta-nos ao mesmo tempo uma Lisboa que foi durante séculos a capital europeia mais influenciada por África. Elementos jurídicos, acontecimentos históricos, descrições de quadros ou de esculturas, indícios arquitectónicos juntam ao presente o eco do passado. Em companhia do viajante erudito, que também sabe parar para experimentar gastronomias e músicas, revisitamos Lisboa e descobrimos recantos desconhecidos. Um livro que é um guia cultural maravilhoso e que coloca em paralelo com a mítica «cidade branca» de Alain Tanner esta «cidade negra» misteriosa e encantatória que é a Lisboa africana. Autor: JEAN-YVES LOUDE Editor: Publicações Dom Quixote Ano de edição: 2005

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ESTÓRIA, ESTÓRIA

“Estória, Estória” recupera histórias e jogos de roda cabo-verdianos A cantora cabo-verdiana Celina Pereira assina Estória, Estória… do Tambor a Blimundo, um áudio-livro que pretende recuperar o património expressivo das histórias e jogos de roda tradicionais africanos. O livro, ilustrado com os apelativos desenhos da italiana Cláudia Melotti, contém textos da autoria de Celina Pereira bem como a adaptação de dois contos de África, “A lenda do tambor” e“Blimunde”, esta de Cabo Verde. O CD complementa o livro numa «versão falada» dos jogos e cantigas de roda, que entrelaçam as várias culturas e surgem escritos em português, italiano, inglês e crioulo. As cantigas, cantadas por crianças, abrem a passagem à leitura dos contos e textos. O disco termina com uma serenata composta por mornas cabo-verdianas interpretadas pela própria autora do livro. Autora: Celina Pereira Apoio: Instituto Camões, IPSS, TABANKA ONLUS.

COZINHA DE CABO VERDE

É um livro que vai satisfazer a curiosidade e o apetite daqueles que já ouviram tantas vezes falar da cachupa, do xerém, da botchada, do friginato, do pirão ou do gigoti. O livro está dividido em rubricas que vão das sopas aos peixes e marisco, das carnes às papas e às conservas, das receitas de cuscus às de bolos e doces, até às de bebida e chás medicinais. As receitas são servidas com pequenos trechos de obras de autores cabo-verdianos que a nós, portugueses, transmitem um pouco do ambiente original e que aos naturais de Cabo Verde avivam memórias da terra. Maria de Lourdes Chantre Editor: Editorial Presença UMA AVENTURA NAS ILHAS DE CABO VERDE O grupo ganhou um concurso de televisão e o prémio é uma viagem a Cabo Verde. Quando partem só pensam em divertir-se, mas a bordo do avião viaja um rapaz que parece assustadíssimo. E assim que aterram na ilha do Sal escreve com um fósforo na pele do próprio braço: S.O.S. Para saberem o que se passa e poderem ajudar, têm que iludir a vigilância dos brutamontes italianos que não arredam pé e andam com o rapaz de uma ilha para outra. A certa altura saltam-lhes ao caminho pedaços de mapa, o

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mapa de um tesouro escondido muitos séculos antes pelos piratas que rondaram aquelas ilhas... Autores: Isabel Alçada, Ana Maria Magalhães, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada Editor: Editorial Caminho CABO VERDE - POR ACASO Mornas Fotográficas Ernesto Matos fotografou e Pedro Miranda Albuquerque escreveu. O resultado desta conjunção de olhares e sentimentos sobre o arquipélago de Cabo Verde resultou no livro “Cabo Verde Por Acaso – Mornas Fotográficas”, que o Instituto Camões lançar na Feira do Livro de Lisboa. Através dos olhares dos autores, é possível encontrar as cores, os ruídos, os sorrisos e as tristezas de um povo desde há muito ligado a Portugal, fustigado pela pobreza, mas com uma tremenda alegria de viver. Autor: Ernesto Matos e Pedro Miranda Albuquerque Editor: Instituto Camões CHIQUINHO Baltazar Lopes da Silva nasceu em 1907 na Vila da Ribeira Brava, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde, tendo falecido em 1989, em Lisboa. Licenciou-se em Direito e Filologia Românica na Universidade de Lisboa, tendo voltado a Cabo Verde para ingressar como professor no antigo Liceu Gil Eanes, de São Vicente, de que, mais tarde, foi reitor. Com outros intelectuais cabo-verdianos fundou, em 1936, a revista Claridade, um marco na história literária das ilhas. O romance «Chiquinho» foi inicialmente publicado em 1947. É também de sua autoria o livro «O Dialecto Crioulo de Cabo Verde», publicado em 1957. Autor: Baltazar Lopes Editor: Círculo de Leitores ATLAS DA LUSOFONIA - CABO VERDE Este Atlas da Lusofonia resulta de uma investigação aprofundada no sentido de uma maior compreensão, não só da geografia dos territórios de Angola, Guiné, Moçambique, Cabo verde, S. Tomé e Príncipe, Macau, Timor e Brasil, como também das suas realidades étnicas, linguísticas, culturais, económicas, sociais e outras. Autor: Pedro Cardoso Editor: Prefácio

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CABO VERDE Fotografias Autor: Luis Rosário Editor: Universal Frontier A DONATÁRIA O relato é a história de Francisca de Santa Maria do Pragal e também de alguns familiares e amigos seus, que foi Donatária da ilha de São Tiago e que, no ano de 1578, foi prometida em casamento a D. Gonçalo de Ataíde, capitão da cidade de Santiago. Chegada a esta cidade em 1582, o primeiro e grande entreposto de escravos e ponto de paragem das naus das carreiras das Índia, dela partiu para parte incerta em 1583. Uma mulher traída. Um homem com uma crença. Outro, de vontade inabalável... sem olhar a meios. Também uma mulata possessiva, um escravo negro... e outras gentes e costumes. É no final do século XVI, quando Filipe de Castela se torna Rei de Portugal, no auge dos Descobrimentos. Uma história ocorrida no Pragal, em Portugal, e na cidade de Santiago, dita Ribeira Grande, da ilha de São Tiago, das ilhas de Cabo Verde, nos anos de 1578 a 1583. Autor: Sérgio Ferreira Editor: Plátano O MAR NA LAJINHA O tempo corre manso na tranquila praia da Lajinha. Todas as manhãs, cumprindo um ritual que se perde nos anos, um grupo de banhistas aí se encontra para uma (nem sempre) amena cavaqueira, em que todas as grandes e as pequenas novidades são trocadas com minúcia de pormenores e fantasiosos exageros, e para um revigorante banho de mar. O grupo é heterogéneo quanto a sexos, idades, profissões, formas de pensar a vida. Nas águas quase sempre calmas e apetecíveis se fazem confidências, se repetem brincadeiras, se embalam sonhos, se desfazem lágrimas. E é ao compasso do bater das ondas que se vão desenrolando as vidas dos componentes do grupo, num pulsar vagaroso e forte, ao ritmo quente, dolente e irresistível das estórias de cada um, ao ritmo de uma cidade, Mindelo, num arquipélago, Cabo Verde. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 2004

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CHINHO E COLIXO Samuel Gonçalves é natural da ilha do Fogo, Cabo Verde. Médico de profissão, tem exercido a sua actividade em Cabo Verde e Angola, país onde se formou. Estreou-se há 4 anos no campo literário com o Romance «Chinho e Colixo», tendo ganho em ex-aequo o Prémio de Literatura Africana 2003, promovido pelo Instituto Marquês de Valle Flor. Autor: Samuel Gonçalves Editor: Colibri

CABO VERDE - NOTAS ATLÂNTICAS

Dois etnólogos selam um pacto com Carlos Moreira, um gravador cabo-verdiano residente em Lião e reconhecido na Europa entre os guardiães de uma arte ameaçada. Os primeiros, sempre prontos para encontros inesperados quando lhes propõem um enigma, enviam ao segundo, de cada ilha que visitam, um postal emblemático com a descrição de um episódio que ai viveram, podendo, assim, Carlos Moreira ficar a conhecer ao menos uma característica de cada uma das outras ilhas de Cabo Verde, já que conhece apenas Santiago, a ilha onde nasceu. Conciliando habilmente narração de viagem e ficção, Jean-Yves Loude empreende em Cabo Verde uma apaixonante descrição das paisagens, das mentalidades, da memória e da cultura do arquipélago, abordando na sua fascinante diversidade todas as nuances da identidade cabo-verdiana. Autor: Jean-Yves Loude Editor: Publicações Europa-América

CABO VERDE - VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS

Este livro não é um guia turístico. Como o seu nome pretende, é o resultado de uma digressão por grande parte do que ao longo dos anos se foi contando sobre Cabo Verde e sobre os cabo-verdianos. Porém, importa desde já ressalvar: como em todas viagens, nem o autor viu tudo que existe, nem vai poder contar tudo que foi vendo. Autor: Germano Almeida Fotografias de José A. Salvador Editor: Caminho Ano de edição: 2003

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PINOK E BALEOTE De Tamarindo, ilha imaginária de Cabo Verde, chega-nos a história de Pinok, um menino crioulo com fama de muito mentiroso. O relato de uma amizade entre homens e animais que acaba por salvar a ilha, semeando solidariedade. Em jeito de contador de histórias, o autor leva-nos através da atmosfera das ilhas, fazendo-nos sentir a cultura crioula. Autor: Miguel Horta Editor: Pé de Página EVA Uma mulher e três homens constituem o núcleo duro deste novo romance de Germano Almeida. A história arranca nos anos 60, em Lisboa, transfere-se para Cabo Verde após a independência e termina em Lisboa numa longa investigação às origens. Que motor impulsiona estes personagens? O que move estes homens – sabemos - é a paixão por Eva, a busca tenaz e persistente que cada um deles desenvolve para a fechar na sua própria teia. Mas qual o motor que faz mover Eva? Isso, em última instância, não saberemos nunca. Não o sabe o próprio autor, que nos dá neste livro um dos mais fascinantes personagens da sua já longa e bem povoada galeria de retratos. Autor: Germano Almeida Editor: Editorial Caminho Ano de edição: 2006 CABO VERDE - CONSTITUIÇÃO LEI ELEITORAL E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR Cumprindo uma das conclusões do I Encontro dos Ministros responsáveis pela Administração Eleitoral dos Países Africanos de Expressão Portuguesa e de Portugal, o STAPE organizou, relativamente a cada um dos países participantes nesse acontecimento, uma colectânea com os textos legislativos que directamente ou indirectamente estão relacionados com os processos eleitorais. Editor: Edições 70 ISBN: 972-440-922-8

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CABO VERDE - TRADIÇÃO E SABORES

Autor: Yara dos Santos Editor: Garrido Editores COZINHA TRADICIONAL DE CABO VERDE Autor: Maria Teresa Lyon de Castro Editor: Publicações Europa-América ISBN: 972-105-246-9 GUIA DAS ILHAS DE CABO VERDE Se fosse necessário caracterizar as Ilhas de Cabo Verde em poucas palavras, a expressão mais adequada seria a de "Terras de contrastes". "Terras de contrastes" foram estas ilhas vulcânicas, na sua própria origem, marcada pelo encontro de dois elementos: a água e o fogo. "Terras de contrastes" são hoje estas ilhas, quanta ao relevo e à vegetação: as ilhas-praias (Maio, Boa Vista e Sal) contrastam com as ilhas-montanhas: (Santo Antão, Santiago, São Nicolau, Brava e Fogo); os planaltos desérticos e lunares opõem-se aos vales de vegetação luxuriante quando a água abunda. "Terras de contrastes", enfim, no que tange à população dessas ilhas afastadas do resto do mundo, onde se encontraram brancos e negros, senhores e escravos cujas relações complexas, e por vezes tumultuosas, fizeram com que emergisse uma sociedade nova, de grande diversidade. Enriquecido com muitos planos, mapas e fotografias, fonte de informações de carácter geral assim como de esclarecimentos concretos e exactos, esta obra será um excelente utensílio para a preparação da sua viagem e também um Indispensável companheiro de caminho. Autor: Pierre Sorgial Editor: Lidel ISBN: 972-901-873-1

MAL-ESTAR NO JORNALISMO CABOVERDIANO

A transição política de jure, do regime de Democracia Revolucionária para o de Democracia Pluripartidária, em 1991, teve correspondência nos valores que nortearam os Media durante a década de 90? Este foi o desafio que levou a autora a envolver no seu trabalho jornalistas, governantes e líderes partidários e a analisar um vasto acervo de documentação nacional e internacional. Isabel Lopes Ferreira, investigadora luso-caboverdiana, é Comunicóloga pela Universidade Nova de Lisboa e Mestre em Estudos Africanos, área de Estado, Relações Internacionais e Desenvolvimento, pelo ISCTE. A autora dedicou a dissertação de mestrado que ora se publica, ao estudo da relação entre os Media e a política, em Cabo Verde.

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A obra contém também toda a legislação cabo-verdiana respeitante aos Media, publicada até ao momento da edição. Autor: Isabel Lopes Ferreira

EVOCAÇÕES

Uma colectânea de textos, apontamentos, reportagens e entrevistas à volta da cultura cabo-verdiana. Com mais de 450 páginas, Evocações está dividido em quatro partes distintas: A primeira, que se intitula “A cultura cabo-verdiana e as suas raízes etno-culturais”, contém materiais ligados a algumas festas de romaria e ensaios de carácter antropológico. Esses trabalhos basearam-se em observações in loco e entrevistas várias a diversas pessoas ligadas aos assuntos abordados; A segunda parte, ligada à literatura, intitula-se “Alguns exemplos do processo literário cabo-verdiano”. Possui alguns ensaios e críticas literárias bem como várias entrevistas a diversos escritores cabo-verdianos ou personalidades ligadas à literatura cabo-verdiana (casos de Michel Laban e Mesquitela Lima, enquanto críticos literários); A terceira parte, intitulada “O caso à parte das artes plásticas no universo cultural cabo-verdiano”, aborda o mundo das artes plásticas, com ensaios críticos e reportagens sobre alguns pintores e as suas obras, enquanto a quarta parte, “O multifacetismo da música cabo-verdiana – alguns pontos de vista”, se dedica essencialmente à música, através de entrevistas a vários protagonistas deste tema. Autor: Danny Spínola

LUSOFONIA EM ÁFRICA: HISTÓRIA, DEMOCRACIA E INTEGRAÇÃO AFRICANA

(...) A obra traz importantes reflexões teóricas sobre a temática “lusofonia”, ou sobre redes que, tomando como identidade a língua Portuguesa, ultrapassam o continente Africano. Ela contém ainda inquietações teóricas sobre o conceito de renda, questionando a sua pertinência para a análise dos contextos africanos, e questões voltadas para o desenvolvimento, que exemplificam como o habitat, o território e a ecotécnica são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado, a que se devem aliar novos comportamentos e atitudes solidárias consentâneas com as aspirações da justiça social (...) Organização: Teresa Cruz da Silva, Manuel G. Mendes de Araújo e Carlos Cardoso

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IDENTIDADE

Extratos: (...) Muitos intelectuais cabo-verdianos, na sua maior parte já nascidos nos Estados Unidos, tinham aderido a esse movimento de afirmação étnica. Mas a maior parte da comunidade imigrante cabo-verdiana observava, sem intervir, o que se passava à sua volta. De um modo geral não aprovavam certas manifestações exteriores dessa forma de afirmação étnico-política e que se traduzia, entre outras coisas, numa certa maneira de vestir, na barba crescida que alguns jovens passaram a usar e no acentuar de certas características étnicas. Por vezes o conflito de gerações era agravado pela oposição ostensiva e sistemática a determinados valores avaramente preservados pela comunidade ao longo de várias gerações. Os afro-americanos investigavam com um novo orgulho as suas próprias raízes étnicas. Os cabo-verdianos mais jovens, confrontados com as perguntas dos seus colegas negros nas escolas que frequentavam, punham essas mesmas perguntas aos pais. O que é que nós somos afinal? Cape Verdean não é raça. Nesse enorme cadinho que constituía a sociedade americana, um "melting pot" onde na realidade os diferentes elementos não só não se misturavam, como viviam numa contiguidade que era tudo menos pacífica, a pergunta assumia formas dramáticas.— Man, what are you?— I'm Cape Verdean.— Yeah, but what's that, Black, Hispanic, what?— Well, I am black. I can't speak for all the others.— But you don't act black! A perplexidade do protagonista deste diálogo com um colega afro-americano perante as suas dúvidas foi manifesta ao Jaime por um jovem cabo-verdiano nascido nos Estados Unidos, a propósito destas questões. Autor: Viriato de Barros Ano de edição: 2001

PARA LÁ DE ALCATRAZ

Onde os ventos se cruzam Excerto: ...No seu reencontro com Mindelo, David percorria as ruas da cidade a pé, ora só, ora acompanhado, atento a tudo o que o rodeava, numa redescoberta do que quinze anos antes deixara. O escritor Vitorino Nemésio, outro ilhéu, que uma vez passou por Mindelo vindo do Brasil, comparou as árvores da Rua de Lisboa, a nobre artéria da cidade, a pincéis de barba gastos pelo uso. A comparação tinha sido feita com simpatia, quase ternura. Não obstante, David lembrava-se de que a descrição não lhe tinha agradado muito na altura, por mais poética que outros leitores a tivessem achado. Mas quando desta vez olhou para aquelas árvores que enfeitavam a cidade de B.Leza, José Lopes, Roque Gonçalves, Frusoni, Djunga, Jotamonte e Manuel de Novas, não deixou de sorrir: autênticos pincéis de barba! Sim, mas quem usa

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esse método para se barbear, conhece o apego que se ganha àquele pincel usado, retorcido e gasto com que diariamente afagamos o rosto nesse ritual matutino. A pouco e pouco, de ternura em ternura, sorriso em sorriso, interior, topada em topada, exterior, David foi recuperando o Mindelo que quinze anos atrás, com muita relutância, adolescente, deixara. E as grandes referências ali estavam afinal: para além da imensa baía azul, do Monte Cara e das areias douradas de Salamansa, Matiota, Lajinha, a Praça Nova, o Eden Park, o Liceu, o Palácio, as lojas, farmácias, botequins, canecadinhas. Até algumas daquelas chamadas figuras típicas da terra, só que quinze anos mais velhas, as que sobreviveram. Mas coisas novas animavam a cidade. Prédios, Hotel Novo, Novo Cinema do Tuta, animado, alegremente ruidoso, em concorrência amigável, fraterna, com o já clássico Eden Park. Certos cafés ou bares eram verdadeiras instituições, como o Bar Estrela e o Mochin Mercone, e outros novos se intituiram. Era só acertar o passo e retomar o pé. Autor: Viriato de Barros

CRIOLA

Criola é o título do segundo livro de poesia do jovem poeta cabo-verdiano Ymez, um santiaguense residente nos Estados Unidos da América desde 1995. De nome próprio Ramiro Alberto Carvalho Silva, Ymez é assumidamente um poeta romântico que faz da mulher cabo-verdiana a sua principal fonte de inspiração, razão pela qual atribuiu à obra o título “Criola”. O autor, pretendendo ter o rosto de uma “criola” na capa do seu livro, lançou um concurso para selecção de “uma jóia” e, pelo que disse à caboverdeonline.com, registou-se uma estrondosa participação de beldades de origem cabo-verdiana. O resultado está impresso na capa deste livro de 108 páginas repletas de mensagens amorosas mas também com algum cunho social. Santos Spencer Autor: Ymez O MEU TIO JONAS Agora em volume separado, o livro vem mais completo. Revisto e parcialmente remodelado, toma a sua feição definitiva. Assim, ganha o leitor e ganha o autor, para quem a forma é a melhor maneira de merecer amigos e honrar a arte.

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“O meu tio Jonas” é um livro de certa heroicidade caboverdiana do tempo em que os vivem nele não tinham um minimo de favores da sorte nem dos homens. Autor: Teobaldo Virginio CABO VERDE: PARÁGRAFOS DO MEU AFECTO Ecos de latas pelas fontes da sede crioula, do bico da enxada na desbrava da pedra, das quebradas que deram os vales de cana e grogue, inhames, cebolas e agrifes e milho verde, de bocas em graça; da vaga do mar em credos de costa da terra seca em sementes de suor molhados, do músculo do pilão, da cachupa e da malagueta do caldo fraterno, dos ralos cabelos da tarefa maternal, da hora lirica e da pausa para o amor. Autor: Teobaldo Virginio

DISTÂNCIA

Novela caboverdiana O mais telúrico de toda uma obra centrada nas raizes da terra onde o comum do povo e personagem em relevo. Relevo, exactamente pela sua simplicidade e autenticidade. Nisso, toda uma mistica de contar da gente que de manhã à noite vive a amar; pois, se sofrer é amar, ele, o povo, é quem mais ama. Nada seria mais grato para qualquer autor que fixar-lhe as penas, espreitar-lhe o sonho, se o desejo de viver? Sonhar. Autor: Teobaldo Virginio DO MAR AO CHÃO DOS TEUS PÉS Longe da aventura do mar, antes a amargura do torrão perdido, a desgraça colectiva em barcos de carga humana... Cinco séculos eram passados. Nas ilhas esparsas do Atlântico era proclamada a Patria dos Caboverdianos. Mar, vela, vento e luta, tais as matrizes do hino de tal povo! Autor: Teobaldo Virginio

O MENINO DO CAMPO

"O Menino do Campo" é o título do segundo livro de Viriato Gonçalves. Um livro de crónicas que versa sobre as experiências e os condicionalismos da vida das pessoas. O livro é também uma viagem indelével aos valores da nossa cultura: um olhar atento às pequenas coisas, pessoas e lugares.

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Foram precisos, segundo o autor, vários anos para escrever essa obra. Para ele, a obra funciona como uma forma de exorcizar o passado. “Menino do campo” é uma expressão que desde a infância o acompanha. E este livro, do seu ponto de vista, é apenas uma parte desse mundo. Há outras coisas igualmente interessantes a serem retratadas, a seu ver. A importância da educação; a emigração; as religiões e a intolerância colonial, tudo isso são aspectos interessantes do livro. Para entrar no âmago da obra de Viriato Gonçalves, talvez seja imperativo ler esse trecho que ele deixa na primeira pessoa numa entrevista concedida à cvmusicworld: “Eu vivi os meus primeiros 33 anos debaixo de um sistema colonial de opressão e dominação. Sofri na pele toda essa dor. Fui rejeitado na escola da minha ilha e da minha cidade. Acompanhei o drama da minha família. Perdi uma irmãzinha, porque o médico se recusou a atendê-la. A minha irmã não foi para a escola, porque o meu pai não podia custear os seus estudos na Praia ou em S. Vicente. Vivi ao lado de pessoas que morriam de fome, miséria, doenças e mal nutrição. Disse adeus “aos contratados” no momento de sua partida para as roças de S. Tomé e Príncipe, de onde muitos deles nunca regressaram.” Viriato Gonçalves considera o seu livro “rico e culturalmente denso”. Os lugares revisitados pela obra são Fogo, Santiago e Brava, mas também retrata pessoas de outras ilhas e suas peculiaridades. Aí reside, portanto, a dimensão da obra. Viriato Gonçalves é natural da Ilha do Fogo e reside nos Estados Unidos. Em 1987 escreveu “Grito”, um livro de poemas que traduz momentos de frustração, de dor e do sofrimento das pessoas. Já participou em três antologias, Odisseia Criola, A Travessia do Atlântico e outra com poetas brasileiros, cabo-verdianos e açorianos. Autor: Viriato Gonçalves O MEU TESTEMUNHO - UMA LUTA, UM PARTIDO, DOIS PAÍSES Versão comentada Contribuição para o enquadramento histórico da luta de libertação nacional da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. “(…) O livro que temos hoje aqui à frente Uma Luta, Um Partido, dois Países, referindo-se à Guiné-Bissau e Cabo Verde, é, antes de mais, um livro da história contemporânea de Portugal. É um livro que não se limita a contar-nos a história recente da descolonização, e uma das partes mais interessantes da obra é exactamente aquela em que, com a colaboração duma plêiade de notáveis investigadores das ciências sociais de Cabo Verde e não sei se da Guiné, o autor se abalança a fazer uma retrospectiva do nascimento da ideia, primeiro protonacional e depois nacional, tanto na Guiné como em Cabo Verde. A primeira parte da obra acompanha em paralelo, na Guiné e em Cabo Verde, o nascimento do sentimento nacional, dando-nos uma retrospectiva desse lento surgir de uma identidade nacional

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nas duas nações, praticamente desde o século XVI até aos nossos dias, aprofundando bastante o problema do nascimento da identidade do protonacionalismo no século XIX. Numa segunda parte, também em paralelo, o livro descreve todo o processo da luta de libertação nacional surgido já na época da descolonização, quando os ventos da independência chegam à África tendo como intérprete o PAIGC, pelo que é muito complexo o labor de discussão da construção da unidade do movimento de libertação nacional levado a cabo pelo indiscutível génio político de Amílcar Cabral, a partir de Conacri, o qual é narrado com singular clareza neste livro (…)” Fernando Rosas ARISTIDES PEREIRA nasceu na ilha da Boa Vista, em 1923. Aos 25 anos, viaja para a Guiné-Bissau, onde trabalha como técnico radiotelegrafista. Aí adere a todos os movimentos de contestação à dominação portuguesa. Em 1956, funda em Bissau, com Amílcar Cabral e outros revolucionários guineenses e cabo-verdianos, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Quatro anos depois, parte para Conacri, onde se junta a Cabral como membro da direcção do PAIGC (Bureau Político e Comité Central). Ocupa o cargo de secretário-geral adjunto do PAIGC desde 1964 até ao assassínio de Amílcar Cabral. No II Congresso do PAIGC, em 1973, é eleito secretário-geral. Com a independência, em 1975, é eleito Presidente da República de Cabo Verde, sendo reeleito em 1981 e 1986. Em 1981, é nomeado secretário-geral pelo I Congresso do PAICV, sendo, em 1983 e 1986, reconduzido ao cargo pelos II e III Congressos. O papel de Aristides Pereira na luta independentista e a sua carreira política foram apreciados por vários países: a República da Guiné distingue-o com a medalha de Fidelidade ao Povo (1º grau); a Guiné-Bissau, com a medalha da Ordem Amílcar Cabral (1º grau); o Senegal, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Leão; a Jugoslávia, com a medalha da Ordem da Grande Estrela; Moçambique, com a medalha da Ordem Eduardo Mondlane (1º grau); Portugal, com o grande colar da Ordem Militar de Sant’iago da Espada e o grande colar da Ordem do Infante D. Henrique; o Brasil, com o grande colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul; Cuba, com a medalha da Ordem José Marti; Angola, com a medalha da Ordem Agostinho Neto; e Cabo Verde, com a medalha da Ordem Amílcar Cabral (1º grau). É também doutor honoris causa pelas Faculdades de Direito das Universidades de Rhode Island (Providence, EUA), Sacred Heart, de Bridgeport (Connecticut, EUA), Usmanu Danfodyo (Sokoto, Nigéria) e pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Autor: Aristides Pereira e Equipa de investigadores e historiadores no âmbito do Projecto SPHAC (Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea) Capa: Leão Lopes Editor: Notícias Editorial Ano de edição: 2003 Patrocínios: UNESCO; PALOP; Nigéria, Senegal, Mali, Congo-Brazzaville; Presidente Nelson Mandela; Fundação Portugal-África; Fundação Mário Soares; Fundação Calouste Gulbenkian

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A PINTURA A pintura em Cabo Verde não teve uma força e uma presença relevante no período colonial como aconteceu com a literatura, mas foi marcada por alguns momentos altos e alguns pintores de mérito, segundo refere Danny Spínola. A história da pintura cabo-verdiana só ganhou contornos após a independência nacional, em que houve uma certa massificação e encorajamento no sentido de se investir em tudo o que seja cultura autóctone, tendo, por conseguinte, surgida a fase do grito de liberdade e de busca das raízes, na qual imperou a febre do nacionalismo revolucionário. Esse período está impregnado de pinturas nativistas e intervencionistas – na linha da arte comprometida, engajada – em que sobressaem: como que em cânticos, figuras de heróis-pátrios e universais, paisagens agrestes e ressequidas; cenas de trabalhos vários, alguns de cariz esclavagista, e do realismo social; aspectos degradantes da sociedade, como a fome e a miséria; e o canto à luta e à liberdade, a par do retrato fiel de paisagens pitorescas e da natureza morta, realistas e impressionistas. Nessa esteira encontram-se Domingos Luísa, Lú di Pála, Ruja, José Maria Barreto, Pedro Martins e Osvaldo Azevedo, entre vários outros. Com a crescente abertura do espaço ilhéu cabo-verdiano ao mundo, quer através de formação no exterior, quer com exposições de pintores cabo-verdianos em outros países e das de artistas de outras latitudes em Cabo Verde, quer ainda com o advento dos meios de comunicação social, que possibilitaram a diluição de fronteiras físicas e o contacto permanente com outras realidades, a pintura cabo-verdiana sofreu uma evolução considerável na peugada da modernidade reinante. Assim é que nos deparamos, de há vinte anos para cá, com uma movimentação constante de artistas plásticos cabo-verdianos dentro e fora do país, sendo de se destacar o papel dos prémios nessa prolífera criatividade, que se consubstancia, muitas vezes, em obras de mérito, na linha dos mais modernistas pintores contemporâneos. Realmente, a arte visual em Cabo Verde, mais concretamente a pintura, tem conhecido, nos últimos tempos, uma fase bastante dinâmica e interessante, marcada por grandes transformações ao nível da performance estritamente pictórica e ao nível de um recrudescimento impressionante quanto à realização de exposições, que se vêm repercutindo de forma salutar, pedagógica e satisfatória, interactivamente, no seio da população, a qual tem manifestado, por sua vez, um maior interesse por essa actividade e uma cultura um pouco mais requintada no que concerne à apreciação da arte, enquanto produto eminentemente estético e criativo, e não meramente utilitário.

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As exposições de pintura têm sido, ultimamente, uma constante em Cabo Verde, pautando, quase todas elas, por uma linguagem nova e inusitada, tendo em conta, inclusive, a quase inexistente tradição desse labor no nosso meio cultural. Não há dúvida que Manuel Figueira é um poeta da pintura, que utiliza as cores, os traços, as estruturas e composições metaforicamente, isto é, em comunicações plenas de significados e repletas de sugestões, enfim, em verdadeiras poesias de mensagens perenes. O seu objectivo é ter Cabo Verde em tudo o que faz, mas sempre pela via da universalização, pelo que tem vindo a dedicar uma especial atenção aos prédios da cidade do Mindelo, os quais, segundo ele, têm uma história interessante. Os temas dos seus quadros são bastante heterogéneos e abarcam uma extensão significativa das principais questões sociais da vivência cabo-verdiana, numa radiografia psico-filosófica, sui generis, do homem cabo-verdiano, não despiciendo de uma sátira mordaz e humorística a determinadas situações caricatas e ridículas. Dentro dessas excepções podemos enquadrar ainda os seguintes pintores: Domingos Luisa, José Maria Barreto e Mário Lúcio. Artista ecléctico, com um extraordinário domínio da técnica da pintura, Domingos Luísa tem experimentado vários estilos de pintura, tendo já feito várias exposições com quadros do género cubista e picassiano, do tipo surrealista ou daliniano, e ainda na linha dos expressionistas, dos impressionistas e de um certo informalismo. Sendo os seus quadros de intensa plasticidade temática e de profunda expressividade, temos a sensação, quando os apreciamos, de que mantêm um diálogo coloquial e intimista connosco, criando uma aura de forte empatia e sintonia. Sentimo-nos como se, de repente, tivéssemos adquirido o poder da ubiquidade e da telepatia, diluindo-se o nosso espaço-tempo presente e real no espaço-tempo imanente dos quadros, onde nos integramos e convivemos. Artista de fina sensibilidade, José Maria Barreto consegue imprimir uma dinâmica e uma dialéctica inusitadas aos seus quadros, utilizando com mestria as técnicas do jogo de luz e de sombra e do claro-escuro, através dos seus traços e esbatidos que se multiplicam ao mesmo tempo que se contêm e se conjugam, criando toda uma trama de perspectiva, de contornos e de tonalidades que fazem determinadas expressões e movimentos adquirirem um significado próprio e uma determinada força sugestiva. Pressente-se, lá no fundo, toda uma palpitação latente, mensageira, impulsiva, que acaba por ser domada, controlada e equilibrada, em nuances bicromáticas sobre um fundo multicolor de um universo a preto e branco. Na linha da nova vaga de pintores cabo-verdianos que persegue o abstraccionismo, vamos encontrar Mário Lúcio com quadros de figurações abstractas e expressionistas, cheias de empastes e manchas de tintas, ou com sobreposições de linhas e de riscos, ou de explosões de cores

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exuberantes, mescladas de algumas formas figurativas, mas muito esbatidas ou labirínticas, ou um pouco à moda do “Action Painting” de Pollock. Pode-se, ainda, dentro dessa vaga de pintores cabo-verdianos modernistas contemporâneos, destacar-se o nome de Djosa e a sua pintura onírica e fantástica, com uma forma e um estilo muito próprio de pintar, embora seguindo um certo geometrismo e interseccionismo figurativo; e também o de Paulo Rosa, com a sua linha à moda dos impressionistas ou mais próximo ainda dos simbolistas, às vezes, com um estilo de pintura que parece primitivo, com contornos bem delineados mas sem uma forma figurativa nítida, ou concreta, em que predominam os temas sociais e populares, às vezes com pinceladas que apenas sugerem alguma coisa: silhuetas de pessoas ou de coisas sobre um fundo indefinido de cores brilhantes ou pálidas, em geral claras, em superfícies planas. Quanto aos pintores da diáspora, é de se dizer que todos eles possuem um ponto em comum que os define e caracteriza quanto à originalidade e personalidade dos seus quadros, na óptica de um pressuposto identitário. Será que poderemos falar, nesses casos, de pintura cabo-verdiana, ou então, simplesmente, de pintores cabo-verdianos de mimésis puramente universal, visto que a maioria das exposições feita por esses artistas é impregnada por ressonâncias quase que directas do novo género de arte surgido nos E.U.A e na Europa após os anos 50/60, que rompe totalmente com as pinturas do século passado – muito aprumadas e naturalistas - exactamente por se revestirem dessa nova figuratividade, marcada pelas subversões e deformações, pelas iconografias (como fontes de informações), pelos efeitos contrastantes das cores luminescentes e baças, ou das manchas amontoadas, fusiformes e esbatidas que proporcionam, invariavelmente, leituras múltiplas e pessoais, convergidas, não obstante, a um certo existen-cialismo, angústia, contradição, dilaceramento e conflitos interiores, isto é, a um certo desencontro e procura, a uma certa inconformidade e desaire. É também o caso de Mito e do seu eclectismo estético, que vai do expressionismo, patente na utilização das cores e de transfigurações, estas muitas vezes em jeito dadaísta, à exacerbação da interioridade e ao abstraccionismo expressionista, geométrico e conceptual, expressos nas cores, nas formas, nos anti-figurativos, nos escrituralismos e nas transgressões das coisas e da realidade. David Levy e Kiki Lima, por outro lado, são os mestres da técnica de pintura difusa, sem contornos bem definidos e que exploram a vivência sócio-cultural de Cabo verde na linha de uma certa estranheza e da performance impressionista, compondo as suas estruturas pictóricas baseadas em decomposições de cores a partir de camadas carregadas e pastosas de tintas, ou de cores sobrepostas e esbatidas. E desse conjunto não escapa Xand Silva, mais um exemplo dessas exposições que nos puxam pelos cabelos e nos arrastam pela estrada da nossa interioridade em busca de um sonho, de uma fantasia, ou mesmo de

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um silêncio ou de um grito que nos permite a intelecção do que vemos e, consequentemente, uma interpretação mais comedida com a intuição inconsciente ou conscientemente processada pelo artista e pela sua estética sugestiva, psicanalítica. Com predominância de uma técnica mista, ele usa também as técnicas do óleo sobre tela, do acrílico e da aguarela sobre papel, com algumas colagens. Mas a essência da sua pintura reside - como os demais artistas dessa vaga da diáspora - nessas figurações expressionistas, e abstractas, cheias de empastes, manchas, sobreposições de linhas, de riscos grossos e finos, de temas grumosos e tridimensionais, que conferem texturas e estruturas especiais aos quadros; bem como nas famosas transgressões figurativas, nas deformações e geometrismos abstractos, ou explosão de cores, que estão em consonância com os grandes dominadores dessas técnicas-estéticas, como um Kline, um Klimt, um Wols, um Kandinsky, um Pollock, um Kooning, etc. Entretanto, ele detém uma particularidade interessante. Os seus abstraccionismos não são, na sua maioria, propriamente abstractos, na medida em que podemos descortinar, quase sempre, no meio do aparente caos de cores e linhas sinuosas e rectilíneas, figuras bem delineadas e expressivas, portadoras de um conteúdo latente e significativo. Ele faz um jogo de cintura, apelando à descoberta, ao utilizar realidades diversas disfarçadas em pseudo abstraccionismos que discorrem entre o visível e o invisível, o perceptível e o imperceptível. A par de tudo isso, encontramos ainda uma linguagem simbólica, interactiva e impressiva que nos chama a atenção e nos lança um repto. As figurações diluídas em florestas de cores resplandecentes sobre fundos escuros, ou de cores baças e negras, ganham um contorno de mistério lúdico e de indagação necessária. Ele utiliza um festival de cores, entre tons quentes e frios, para veicular a sua mensagem, que se encontra em geral polarizada num princípio dual, dialógico, de forma a provocar uma harmonia entre os contrários e um equilíbrio entre os extremos. É de se acrescentar que a crescente tendência para a representação do onírico, do fantástico e do absurdo, ao lado de um certo erotismo, patentes na última vaga de pintores cabo-verdianos, mostra que Cabo Verde possui neste momento uma plêiade de pintores bastante heterogéneos, tanto no domínio da técnica como no da temática, que abrangem desde expressões e linguagens realistas, surrealistas, concretistas, etc., e que retratam todos os quadrantes da sociedade cabo-verdiana – social, político e religioso, como ainda questões metafísicas e filosóficas.

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A Arte Popular/Artesanato Esta manifestação está intrinsecamente ligada a um conjunto de condições ecológicas; decorre de padrões de vida, da natureza das técnicas, da geografia, das matérias primas existentes, enfim, de um leque circunstancial que se completa e desenvolve no tempo e no espaço e responde ao impulso criador do homem que o habita. Apesar das poucas riquezas naturais do Arquipélago, o povo cabo-verdiano tem um enorme potencial criativo e as dificuldades que sempre enfrentou temperaram o seu engenho, de forma que se encontram diversos artefactos que comprovam e são testemunhos vivos duma sensibilidade artística reconhecida. Para além de peças para adorno, como anéis, pulseiras, pregadeiras, berloques de tartaruga e coco, fios, colares, etc., encontram-se trabalhos bordados de grande beleza. A tecelagem é uma arte muito antiga que os africanos herdaram dos árabes e que trouxeram para Cabo Verde logo no inicio da colonização portuguesa. Esta arte desenvolveu-se devido a existência de potencialidades para o cultivo de algodão na ilha, pois era uma actividade executada à base do algodão e do anil vegetal. É uma indústria de características populares com influências africanas e europeias e tem uma longa tradição em Cabo Verde, tendo constituído, nos primeiros séculos de colonização, uma das suas maiores riquezas. A tecelagem era feita num tear artesanal; utilizado na ilha de Santiago é um instrumento relativamente frágil e tecnicamente rudimentar, que apresenta até um aspecto muito rústico. É construído com pedaços de madeira, cordas de casca de bananeira e/ou de carrapato, roldanas, carriço e outros urdimentos e funciona a pedais. Este instrumento de trabalho é construído, quase sempre pelo próprio tecelão e revela em si muita originalidade, simplicidade e irregularidade, ao ponto de comover os apreciadores das artes tradicionais. É aqui que se tecem os famosos Panos di terra. A produção de panos em Cabo Verde está directamente relacionada com os primeiros contingentes de escravos originários da Guiné onde havia muitos séculos se desenvolvera uma importante indústria de tecelagem. Assim, o tecelão surgiu em Cabo Verde com o escravo africano. A instalação do artesanato de panos nas ilhas transformou profundamente a sua economia dando-lhe alguma prosperidade e revolucionando todo o mecanismo do comércio de escravos. Pano di Terra é o nome que se convencionou chamar a um tipo de pano, ou se não, a todo o tipo de pano confeccionado de forma artesanal em Cabo Verde. É um tipo de pano composto por um conjunto de tiras tecidas em algodão, com diversas cores, tamanhos e padrão. Normalmente são distinguidos em dois tipos. Os chamados «panos simples ou singelos» e os «panos d’obra». O Pano di Terra era usado para amortalhamento dos cadáveres, vestimenta normal, de luto e manifestações de pesar e, ainda, como roupa de praxes de carácter social e de garantia de transacção comercial. Muitas vezes só se obtinham escravos com os panos de Cabo Verde, pois estes conquistaram o

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papel de "moeda-corrente". Depois de se introduzir na tecelagem cabo-verdiana, a técnica dos desenhos geométricos do estilo muçulmano tomaram-se mais apreciados o que facilitou aos portugueses o volume do tráfico de escravos a partir do século XVI para o Brasil e para as Antilhas. Antigamente as mulheres utilizavam esses panos para levar as crianças às costas ou para amarrarem à cintura." Actualmente faz parte da cultura material e possui um enorme valor utilitário e artístico. É um ícone da cultura crioula e peça obrigatória na dança do batuque. Ultimamente chamou a atenção de várias personalidades que começaram a utiliza-lo como acessório. Em pouco tempo passou a ser muito utilizado para a decoração e acabou por entrar na moda. CERÂMICA A cerâmica é uma arte milenária e uma das artes mais antigas da humanidade. A técnica utilizada na cerâmica em Cabo Verde é originária da África. É uma técnica de modelagem com milhares de anos que ainda hoje se prática em alguns pontos do país, sobretudo em Santiago. É uma arte de carácter utilitário reservada essencialmente às mulheres. Ela continua a ser trabalhada de forma muito artesanal em Fonte Lima e Trás-os-Montes, nos concelhos e de Santa Catarina e do Tarrafal. Nesta arte, a matéria-prima utilizada é a argila e a técnica é a modelagem à base do manuseio. O processo inicia-se com a selecção, a apanha da argila, o transporte, o esmagamento e a preparação do barro. Em seguida dá-se início à modelagem do objecto, à sua compactação, ao seu alisamento e à sua decoração. Depois o objecto é secado ao ar livre e por fim é posto a cozer em fogueiras artesanais por um período de cerca da 12 horas. Em conformidade com a cerâmica utilitária, é cultivada também a cerâmica artística e decorativa em forma de brinquedos e adornos. CESTARIA Esta é uma outra forma de arte, também muito antiga, que continua a ser muito executada nas zonas rurais em Santiago. A matéria-prima mais utilizada normalmente é o «caris» limpo e cortado em pequenas tiras. O material tem de estar no seu estado verde a fim de não quebrar ao ser trançado. A sua confecção baseia-se unicamente na técnica do jogo das mãos e muitas vezes são utilizadas fibras de coqueiro, tiras de carrapate, folhas de coqueiro e outros materiais para dar mais consistência e resistência ao produto. Existem várias formas de trabalhar em cestaria. E as diferenças têm muito a ver com o tipo de matéria-prima que é utilizado e com a finalidade do produto. Os cestos são utilizados habitualmente nas actividades domésticas e do campo como baláio de tenti, guarda-loiça, guarda-roupa, guarda-comida, balaio de transportar carga, balaio de compra etc.

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Nesta arte é também confeccionado um tipo de chapéu, vulgarmente conhecido como «chapéu de palha» com uma copa e aba feitos com hastes finas de carriço enroladas e cosidas umas às outras. ESTEIRARIA A esteiraria é uma arte tão antiga como a cestaria e foi largamente produzida em Cabo Verde, em particular na ilha de Santiago. É uma espécie de tapete feito com nervuras secas de folha da bananeira unidas com cordas de carrapato. O seu fabrico aproxima-se ao do cesto e da panaria, tanto pela forma do entrecruzamento como do entrelaçamento das matérias-primas. Esta é uma arte utilitária, cujo produto final, a esteira, é muito utilizado para atapetar o chão, separar as divisões das casas, suportar o colmo da cobertura das casas e muitas vezes como colchão sobre camas ou debaixo do colchão. Actualmente a esteira é utilizada sobretudo para a decoração e a sua comercialização faz-se regularmente nos vários mercados da ilha. Cancarã e Esteirado Paralelamente à esteira, também confecciona-se o cancarã e o esteirado. O cancarã é um estrato feito de carriço, em que as canas são unidas com tiras de carrapato e tem praticamente a mesma função que tem a esteira. O esteirado é uma espécie de tapete feito com tiras de carriço entrelaçadas. Tem as mesmas funções que tem a esteira e o cancarã e tem a particularidade de ser utilizado como cerca para guardar animais e como tudja (armazém para cereais). Actualmente, há um esforço nacional para a recuperação da tecelagem e da panaria tradicionais, a par do apoio dado à pintura, à escultura, à cerâmica, à fotografia, promovendo-se exposições e contribuindo assim para a preservação, estímulo e enriquecimento do património artístico cabo-verdiano. A PRODUÇÃO DO GROGUE O grogue é a bebida mais tradicional e comum entre os cabo-verdianos. É confeccionada à base da calda de cana-de-açúcar vaporizada a 40 graus; esta bebida encabeça a lista das bebidas alcoólicas mais procuradas, vendidas e consumidas em Cabo Verde. Reza a história que a sua produção remonta os primeiros séculos coloniais e que os seus produtores foram bastante perseguidos pelas autoridades de então, alegando que a produção de aguardente afectava a saúde pública. Falar do grogue implica obrigatoriamente falar da forma como é produzido e dos mistérios que o envolvem. Para obter um bom grogue, a cana tem de ser colhida na época certa. Depois, é levada a triturar no trapiche* para extrair a calda. A calda é colocada em barris para fermentar. Depois de estar bem

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fermentada, é levada ao alambique** para proceder à destilação. Finalmente, começa a escorrer e têm início as lendas... Diz-se do grogue que para os doentes é remédio. Para o calor é refresco. Para quem estiver com frio, acalentador. E mesmo que não seja o caso, é sempre um aperitivo a não dispensar, este produto único e exclusivo das ilhas de Cabo Verde. *Trapiche é uma máquina feita manualmente, constituída por três cilindros de aço e duas alavancas de ramos de árvores em forma de arcos unidos no topo da armadura. Com o apoio de dois bois unidos pela canga, atados às duas alavancas de madeira o trapiche entra em acção e dois homens, um de cada lado, começam a introduzirem a cana entre os cilindros para moer. **Alambique é um recipiente de cobre com capacidade para cerca de 200 litros que é semi-enterrado num forno onde a calda é posta a ferver.

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A MÚSICA E A DANÇA A música e a dança estão sempre presentes no quotidiano cabo-verdiano. Não havendo até agora estudos consequentes sobre a origem das músicas cabo-verdianas, avança-se, contudo, a hipótese de que elas teriam surgido dos lamentos dos escravos e das cantigas de trabalho no campo, e nos trapiches, onde desempenhavam as funções dos bois moendo cana sacarina para a confecção da aguardente e do mel. Quase tantas quantas as ilhas são as músicas típicas cabo-verdianas. Sendo a maioria regional, convém falar aqui das nacionais e de algumas regionais, pelo peso que possuem enquanto manifestações culturais identitárias do povo cabo-verdiano. A cultura cabo-verdiana é mestiça, resultado do encontro entre dois povos e suas respectivas culturas: o colonizador português e o escravo africano. Esta dupla influência caracteriza a música crioula. De um lado, a morna e a coladera, cujas melodias denunciam uma ligação europeia mas também latino-americana extremamente forte, e do outro, o batuque e o finaçon, que conservam uma influência africana notória. A música cabo-verdiana inclui ainda géneros ligados à religião (ladainhas, cola San Jon, etc.), cantigas de trabalho (cantigas da monda, cantigas marítimas e pastoril) e cantigas infantis (cantigas de ninar, cantigas de roda, etc). Vamos, pela mão de Vladimir Monteiro, conhecer estas diferentes sonoridades: BATUQUE No seu dicionário enciclopédico e bilingue dedicado a Cabo Verde, Françoise e Jean-Michel Massa notam que, em todos os países lusófonos, o batuque está ligado à dança, ou seja, a um ambiente de festa. No arquipélago, o espaço do batuque era sobretudo montado durante as cerimónias de casamento, baptismo e todas as festas no meio rural em Santiago, onde nasceu. «Quando nasci (1897), o batuque já existia», diz Nha Gida Mendi, filha de um chefe de batuque e finaçon e uma batucadeira. No entanto, não existem referências que confirmem este dado. Nha Gida Mendi, considerada pelo investigador Tomé Varela como a mais culta de todas as batucadeiras, assim define o batuque: «Num restaurante, primeiro serve-se o prato principal e em seguida passa-se à sobremesa. A sambuna (ou tchabeta) representa o prato principal e o finaçon a sobremesa». Numa sessão de batuque, é assim que acontecem as coisas. A festa começa com o batuque, melhor a sambuna, e acaba com o finaçon (o finaçon é uma sucessão de provérbios e conselhos declamados com inflexões vocais). As mulheres sentam-se em círculo, as dançarinas ocupam o centro e colocam um pano enrolado entre as pernas. Até há bem pouco tempo, utilizava-se o pano bicho (ou pano terra) que os portugueses chegaram a utilizar no continente africano como moeda de troca na compra de escravos. Porém, devido ao seu elevado preço (aproximadamente cinco mil escudos cabo-verdianos, ou seja, cerca de metade do salário de uma trabalhadora rural), muitas mulheres substituíram-no por um pedaço de tecido qualquer, uma pequena almofada ou um saco de plástico cheio de jornais. O som é quase o mesmo.

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O pano substitui a percussão e marca o ritmo enquanto uma das mulheres entoa uma melodia. Segue-se o coro do resto do grupo. Uma outra mulher entra no meio da roda, um pano à volta da cintura, os braços em direcção ao céu e começa a dançar. Bate-se com mais força. É a tchabeta! A mulher mexe a cintura, cada vez com mais força. Da ku torno! O ambiente aquece. Rapica tchabeta! A excitação é geral. As pessoas à volta da roda gritam e aplaudem. Antes da chegada das aparelhagens, o batuque animava todos os momentos importantes da vida como os casamentos ou baptizados. Dançava-se, cantava-se, ria-se durante horas. E quando chegava a hora de regressar a casa, a cantadeira de finaçon aparecia. Um pouco como a sobremesa, depois do almoço. Era a parte mais difícil, segundo Bibinha Kabral, outra figura desse género musical. «Tchabeta é brincadera. Finaçon ta daná língua». A tchabeta é um gozo enquanto o finaçon dá cabo da língua. «É a parte sagrada», explica Tomé Varela, autor de obras sobre algumas grandes figuras do finaçon. Nessa altura, pára-se tudo para ouvir os conselhos transmitidos pela finadera. Porque é de conselhos que se trata, como nesse texto de Nacia Gomi: "Mocinhos, nhos ubi konsedju. Mi é bedju, m’conxé mundu. Ku kasamenti ka ta brincadu. Nhos pensa bem nhos cunça bai" (Jovens, escutem meu conselho. Sou velho e conheço o mundo. Não se brinca com o casamento. Pensem bem antes de assumir este compromisso). Segundo Ntoni Denti d’Oru, um dos poucos homens nesse mundo feminino, entoava-se o finaçon para que as batucadeiras pudessem descansar. O batuque de Denti d’Oru fazia-se com um tambor, os panos de três mulheres e a cimboa de Manu Mendi, uma guitara monocorda de origem sudanesa. É dos poucos a reunir tantos instrumentos no batuque. Não se pode falar do batuque e finaçon sem evocar Nacia Gomi, a mais criativa de todas as finaderas. Tinha 14 anos quando cantou pela primeira vez em público depois de desafiada por uma cantadeira mais velha e mais experiente. Aceitou o desafio e não mais parou. Chica Leal, Emília Borges, Xinta Barros, Miranda Tavares, Pandonga foram igualmente nomes importantes do batuque. À semelhança do que aconteceu com o funaná, o batuque acabou por ser apropriado por jovens artistas da Praia, em meados dos anos 1990. Orlando Pantera, falecido em 2001, iniciou as pesquisas marcadas pela introdução do violão e da percussão mas não chegou a gravar qualquer disco a solo. Princesito, Tcheka, Vadú e outros companheiros deram continuidade à obra, materializada no álbum "Ayan". O seu talento foi confirmado com o lançamento de álbuns a solo. Do lado das jovens mulheres, destaque para Lura e Mayra, duas cantoras que a imprensa internacional apresenta já como figuras de amanhã.

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COLADERA «Eh Ti Jon! Bocê vral um coladera!». Conta-se que era assim que as coisas aconteciam naquela altura em São Vicente. Os pares dançavam, sem parar, as mornas interpretadas pelos músicos. Mas numa determinada altura, provavelmente por causa da lentidão ou movidos pela necessidade de aquecer o ambiente, pediam aos músicos que tocassem mais depressa: «Eh Ti Jon. Transforma-a numa coladera!». E assim apareceu a coladera, música urbana cabo-verdiana. Nasceu porque os músicos começaram a tocar a morna em contratempo. «A verdadeira coladera é aquela que esconde uma morna», disse o compositor B. Leza, enquanto Jotamont dizia que «bastava acelerar o ritmo da morna para ter uma coladera». Ao contrário da morna que viajou por quase todo o arquipélago, a coladera fez-se numa única ilha, São Vicente, outrora um importante depósito de carvão das companhias britânicas Cory Brothers and Co., Millers and Nephew e Wilson Sons e escala marítima obrigatória entre a Europa e a América do Sul. O surgimento da coladera é resultado do ambiente festivo que ali se vivia ainda. Nasceu por volta de 1930 ("Ribeira de Paul", a primeira coladera conhecida data dessa época), numa altura em que ainda se conseguia algum sustento na ilha do Porto Grande graças aos navios que por ali passavam. Dos seus impulsionadores destacam-se Gregório Gonçalves, mais conhecido por Ti Goy e Djosa Marques, membro do grupo Ritmos Cabo-verdianos. O primeiro, figura igualmente ligada ao teatro e ao carnaval mindelenses, criou uma coladera popular e o segundo, uma coladera mais erudita. Djack d’Carmo, António Tchitcho e, sobretudo, Manuel d’Novas também desempenharam um papel importante no desenvolvimento da coladera. Manuel d’Novas desejava fazer uma coladera diferente. Acabou por criar a coladera-parodia. A vida social em São Vicente permitiu-lhe criar uma poesia apropriada durante as horas passadas a bordo de Novas Alegrias, navio que lhe valeu a alcunha. Manuel d’Novas, segundo o sociólogo César Monteiro, tornou-se num observador crítico da sociedade, preocupando-se tanto com o comportamento das pessoas ("Holandeza q’certeza") como da evolução política de Cabo Verde ("Té Monte Cara já gaguejá"). "Quando queres dizer uma coisa, não deves hesitar, seja quem estiver no poder", justifica o compositor. A coladera também tem em Frank Cavaquim, sobretudo pelos seus textos, e Luís Morais, no que refere à melodia, dois importantes obreiros. Em Dakar, onde viveu largos anos, o saxofonista e clarinetista encontrou um ambiente musical bastante latino, com ritmos como a cumbia, o mambo e o merengue, conseguindo integrar com sucesso essas influências na coladera durante a sua estadia em Roterdão.

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Com o Cabo Verde Show, grupo cabo-verdiano fundado em Paris, do qual faziam parte Manou Lima e Boy Gé Mendes, entre outros, a coladera evolui para um ritmo mais moderno, dando origem a um chamado coladance alegre e influenciado pela salsa nos anos 80. Os álbuns de Tito Paris ("Dança ma mi criola"), do conjunto Os Tubarões ("Porton di nos ilha") e de Bius ("Dia e Note"), na segunda metade dos anos 1990, marcam um certo renascimento desse género e um regresso às origens. Um rumo também escolhido e seguido pelo grupo Simentera enquanto existiu. FUNANÁ Uns evocam a tese de dois músicos do interior da ilha de Santiago chamados Funa e Nana. Um deles tocava a gaita (concertina ou acordeão diatónico) e o outro marcava o ritmo com o ferrinho, uma barra de ferro contra a qual esfregava uma faca. A música que tocavam acabou por ser baptizada de funaná. Outros, como o investigador Félix Monteiro, apontam para uma música de origem estrangeira: «O funaná é o equivalente do fungangá no Brasil e do fungagá em Portugal». Nascido na ilha de Santiago, o funaná é acima de tudo uma música de camponeses nascida ao som do acordeão. Os religiosos tinham introduzido o acordeão diatónico no arquipélago para ser utilizado nas missas, no lugar do harmónio. Os camponeses acabaram por lhe dar um outro rumo. Enquanto Praia se mantinha fechada ao badju di gaita (ou toki di gaita), os músicos de funaná animavam as festas nos campos, recorda Sema Lopi, uma das figuras desta música. Sema Lopi também tocou em São Tomé e Príncipe, arquipélago para onde emigraram milhares de cabo-verdianos que procuravam escapar às sucessivas fomes na sua terra. Não é por acaso que um dos temas mais emblemáticos do funana se chama "Fomi 47" e evoca a partida para São Tomé. O autor da canção, Kodé di Dona, evoca a fome que naquele ano causou milhares de mortos no país e explica por que havia tantos candidatos ao trabalho nas roças, as grandes plantações de cacau. Para Sema, Kodé mas também Bitori nha Bibinha, Tchota Suari e Katuta, a única alternativa que lhes restava eram as festas que se organizavam no interior de Santiago. Mas as coisas mudaram em meados dos anos 80 com o regresso a Cabo Verde de Carlos Alberto Martins, mais conhecido por Katchass. «A revolução de Katchass teve o mérito de valorizar essa música até então classificada de primitiva», diz dele o músico Mário Lúcio, ex-membro do Simentera. Katchass percorreu o interior de Santiago, frequentou os músicos tradicionais, em particular Sema Lopi, e gravou suas canções. Juntamente com Quim, Silvestre e Rui, entre outros, fundou o Bulimundo, a que se juntariam Zeca, Santos e Zé Augusto, do Opus Sete, grupo de um bairro da capital.

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Os instrumentos tradicionais foram substituídos pela guitarra, violas baixo e ritmo, teclado, bateria e pela característica e linda voz de Zeca di nha Reinalda, e com a gravação dos primeiros álbuns, nomeadamente "Mundu ka bu kaba”, os mais cépticos, na Praia como em todo o país, aceitam definitivamente essa música. Katchass perderia a vida num acidente de viação durante um fim-de-semana em que músicos de todo o arquipélago debatiam o futuro da sua arte na cidade da Praia, mas sua herança é enorme, quanto mais não seja por ter contribuído para o reconhecimento do funaná. Apesar da gravação do tema "Dimocracia” ter ocorrido muito antes das mudanças políticas no país em finais dos anos 80, o conjunto Bulimundo, à semelhança dos músicos tradicionais, cantava sobretudo o passado, a amizade, a morte, as dificuldades da vida... Com o Finaçon, grupo nascido pouco depois e do qual fizeram parte Zeca e o compositor Zézé di nha Reinalda, o funaná transforma-se num verdadeiro género interventivo. Os textos são mais intervenientes e constituem autênticas críticas à injustiça, ao clientelismo no seio da classe dirigente, mas igualmente aos abusos do poder, como se pode notar em Si manera: "Dexa rapaz vivi di si manera. Dexa mininas brinca di sés manera". (Deixem os rapazes viver como querem. Deixem as meninas brincar como desejam). A chegada do zouk e a utilização excessiva dos instrumentos eléctricos nos anos 1990 prejudica parcialmente o funaná, que acaba por perder a sua autenticidade durante algum tempo. Mas o quadro altera-se com o surgimento de Ferro Gaita, que traz um novo fôlego a este género. Os três membros do grupo (o grupo passou para seis membros anos depois) regressam aos instrumentos tradicionais (ferrinho e gaita) e, da revolução de Katchass, apenas conservam a viola baixo. Mais tarde juntariam a percussão e o búzio. O sucesso é imediato e acaba por beneficiar os músicos tradicionais, novamente no centro das atenções. MORNA A morna nasceu na Boavista no fim do século XIX (a mais antiga de que se tem conhecimento, "Brada Maria", data de 1870). A ilha era na altura um importante centro económico cujas actividades se baseavam na exportação do peixe seco, carne e pele de cabra, bem como na extracção e comercialização do sal. Foi no meio deste contexto económico e social favoráveis que nasceu a morna, segundo Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, graças à burguesia local que introduziu o piano na ilha. Rapidamente, a população local adoptou esse género musical, substituindo o piano pelo violão. Segundo o cabo-verdiano Fausto Duarte, o violão marca a diferença entre a morna e o fado, género musical português que muitos consideram determinante na origem da morna: «Ambos (a morna e o fado) falam a linguagem musical da ternura. O marinheiro (português) serviu-se da guitarra para exprimir tristezas e com ela procurou humanizar as horas infindáveis do exílio. O cabo-verdiano tentou interpretar nas cordas do violão a mágoa soluçante da sua alma».

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Já o também cabo-verdiano José Alves dos Reis rejeita qualquer influência do fado, que considera essencialmente fatalista, ao contrário da morna que começa por evocar a tristeza mas acaba cantando o prazer. Por sua vez, José Lopes estima que a tristeza e a dor deram o nome à música e estabelece uma ligação entre a palavra morna e as expressões francesa 'morne' e inglesa to 'mourn' (lamentar-se). Foram várias as tentativas para explicar as origens desta música, tendo uma delas levantado a pista árabe, devido à introdução em Cabo Verde da rebeca, instrumento bastante apreciado pelos tocadores de morna e próximo do rabah (rebab), um violino de duas cordas utilizado pelos árabes. Segundo o músico e compositor Vasco Martins, por detrás da morna está o lundum, ritmo angolano transportado para o Brasil e introduzido na Boavista por escravos vindos daquele território latino-americano. Para o investigador Eutrópio Lima da Cruz, o romantismo europeu marca presença nesse género musical, cuja composição obedece aos mesmos princípios: uma ou duas quadras seguidas de um refrão. Com os marinheiros da Boavista, a morna chega às outras ilhas. Em São Vicente, ela vai evoluir no plano melódico graças a instrumentistas como Luís Rendall que, bastante influenciado pela música brasileira, introduz o choro na música cabo-verdiana. Na Brava, o romantismo do poeta Eugénio Tavares transforma as letras da morna. Os textos deixam de ser satíricos e cantam o amor, a mãe, a cretcheu (a “paixão”), o mar, a partida, a saudade, a separação... «A melhor morna é aquela que atinge a alma», diz Eutórpio Lima da Cruz. Com a chegada dos cantores, a morna conquista definitivamente as suas letras de nobreza. Entre os grandes compositores da morna destacam-se Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B. Leza, Lela d’Maninha, Olavo Bilac, Muchim d’Monte, Sergio Frusoni, Jorge Monteiro "Jotamont", Manuel d’Novas, Ano Nobo, Renato Cardoso e Betu, entre muitos, enquanto que Cesária Évora, Titina, Bana e Ildo Lobo fazem parte dos cantores mais emblemáticos. A dança é outra componente importante da morna. Num texto escrito em 1932, B. Leza designa São Vicente como a ilha onde se dança a morna. Para Vasco Martins, a dança da morna, que inclui um ritmo lento e um ritmo rápido, conheceu o seu melhor período nos anos 30-45 com grandes dançarinos, entre eles Alice de Kakai, Amélia Miranda, Djunga d’Djack e Palim Santos.

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OS OUTROS GÉNEROS Exceptuando as músicas ligadas às romarias, com destaque para o cola San Jon, os géneros musicais secundários estão em vias de extinção. CANTIGAS DE TRABALHO Outrora eram os bois que faziam funcionar o trapiche, utilizado no fabrico da aguardente (grogue) na ilha de Santo Antão. Trabalhavam tanto que ficavam tristes e pareciam querer chorar. Então os alambiqueiros inventaram o aboio, música destinada a encorajar os animais, segundo Teresa Lopes da Silva. A esposa do escritor Baltasar Lopes coordenou a gravação de um álbum reunindo géneros musicais em desuso como o aboio e a mazurka. Com o grupo Cordas do Sol, estes géneros ganharam novo fôlego e uma nova roupagem melódica. As cantigas de trabalho estão igualmente ligadas à pesca e à agricultura e servem de emulação. Na ilha Brava, os agricultores cantavam as bombenas durante os trabalhos nos campos e apesar de muitos textos versarem a emigração, o objectivo era incitar o companheiro a redobrar esforços. «Era preciso uma certa animação», explica Osvaldo Osório, autor do livro "Cantigas de trabalho". Já em Santiago, os adolescentes entoavam canções próprias aos guardas-de-sementeira para afugentar os pássaros ("Xo Pelada", gravado pelo Ferro Gaita). MÚSICAS RELIGIOSAS A celebração dos santos de Junho em Santo Antão, São Vicente e Brava é feita ao som do tambor. Toca-se e dança-se o Colá San Jon, em honra de São João e Santo António. A dança consiste num encontro dos corpos do homem e da mulher. Recuam, avançam um para o outro e os seus ventres batem. Também nas Festas da Bandeira, no mês de Maio, no Fogo, o tambor funciona como o verdadeiro relógio enquanto as populações dançam o canisade. Nas ilhas de Santiago e Maio, a tabanka - ao mesmo tempo música, dança, representação teatral da sociedade e movimento de entre-ajuda - sai à rua para celebrar os santos de Junho. A música é feita ao som do buzio, do rufar dos tambores e das vozes de dezenas de homens e mulheres, que integram a "procissão". No passado, os proprietários das grandes plantações concediam um dia de descanso aos seus escravos, na altura da festa de Santa Cruz. Os escravos celebravam esse dia com música, dança e desfiles. Assim teria nascido a tabanka. Proibida antes da independência, a tabanka (que significa aldeia ou comunidade, em crioulo da Guiné-Bissau) é também uma maneira de criticar as derrapagens da sociedade, colocando em cena diferentes grupos sociais, nomeadamente soldados, padres, noivos, ladrões, reis, rainhas, etc. Já a celebração da Nossa Senhora do Rosário em São Nicolau perdeu o seu brilho musical com o desaparecimento dos últimos cantadores de devina. No passado, os grupos de todas as aldeias reuniam-se na véspera da festa na vila da Ribeira Brava para cantar as orações. As ladainhas, cânticos para

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acompanhar os mortos em Santiago e Santo Antão, também conhecem um certo recuo. CASAMENTOS E JOGOS DE CRIANÇAS «O que está em jogo é a nossa identidade!». Foi essa a reacção de Celina Pereira, ao constatar que alguns géneros musicais, como as cantigas de roda que povoaram a sua infância, estavam em vias de desaparecer no torrão natal. Decidiu, então, proceder à sua recolha, gravação e divulgação no seio dos adolescentes. A tradição de boas festas é outra manifestação musical que está a perder a sua popularidade. Essas marchas costumavam reunir, na noite de 31 de Dezembro, cantores e tocadores de violão e cavaquinho, que iam de casa em casa desejar uma boa passagem de ano às famílias. Em troca, recebiam um copo de grogue e algumas moedas. Ainda hoje as crianças fazem a festa com os seus chocalhos feitos de pedaços de madeira e tampas de garrafa ao som de "Senhor São Silvestre" mas o seu número é cada vez mais reduzido. Se os habitantes de Santiago dançam o batuque nos casamentos, os de Santo Antão celebram o matrimónio ao som do “b’ta saúde”. O ambiente festivo começa com os últimos preparativos da boda. Um grupo de mulheres, acompanhado por tocadores de violão e cavaquinho, desloca-se à casa dos pais dos noivos. Uma delas começa a cantar e as palavras são imediatamente repetidas pelas suas companheiras. Através do “b’ta saúde”, procura-se transmitir votos de saúde e felicidades ao futuro casal. Sendo a música uma das expressões culturais mais ricas de Cabo-Verde, vejamos ainda mais um artigo de Margarida Brito (1998) sobre esta temática:

“Cabo Verde, ao longo da sua história, elaborou uma música tradicional de uma surpreendente vitalidade, recebendo, mesclando, transformando e recriando elementos de outras latitudes, que acabaram por dar origem a géneros fortemente caracterizados e enraizados no seu universo.

Os ritmos assim nascidos traduzem toda a idiossincrasia deste povo e constituem, antes de mais, verdadeiras crónicas vivas e expressivas da sua vida, como companheiros de trabalho, exprimindo a alegria, a nostalgia, a esperança, o amor, a jocosidade, o apego à terra, os problemas existenciais bem como a própria natureza.

É assim que vamos encontrar muitos géneros vocais e instrumentais comuns a várias ilhas, 0outros próprios de uma só ilha, de duas ilhas vizinhas ou mesmo distantes, quase todos eles monódicos, às vezes em uníssono e a solo.

Nas ilhas agrícolas, nomeadamente St. Antão, S. Nicolau. S. Tiago, Fogo e Brava, onde o homem cuida da terra que lhe dá o pão para o seu sustento, decerto à custa de dificuldades várias, iremos encontrar as cantigas agrícolas umas vezes doloridas outras alegres.

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São as dolentes e plácidas Toadas de Aboio (“colá boi”) em que o homem acompanha o boi ligado ao "trapiche" preso ao seu destino. São melodias verdadeiramente plangentes e profundas, muitas vezes em gama pentatónica, em St. Antão e na Brava.

Nesta última o canto não está ligado ao "trapiche" mas sim às épocas de monda e tomam o nome de Bombena. No livro Cantigas de Trabalho, Osvaldo Osório escreve: "Este canto é usado mais precisamente na altura da plantação da batata doce". E acrescenta: "[...] estas cantigas normalmente nostálgicas e cujos motivos são a saudade e o amor, a despedida para a terra longe, chegam a ser uma forma de emulação no trabalho".

São também as cantigas ligadas às sementeiros ou Cantigas de Monda que se dividem em cantigas de guarda de pardal (ou 'enxotar o pardal'), de guarda dos corvos e das galinhas-de-mato que se encontram nas ilhas de S. Nicolau, St. Antão, S. Tiago e Fogo.

Às vezes estes cantos têm uma estrutura melódica mais ou menos elaborada, com intervalos não muito grandes e, outras vezes, são verdadeiros cantos recitativos ou, então, frases declamadas com nuances expressivas que hoje, com a falta de chuva, já quase não são cantadas.

Para além dessas cantigas de trabalho ligadas à terra, existiam também, embora numa escala reduzida, Cantigas Marítimas que retratavam fielmente a fisionomia do cabo-verdiano, o género de ocupação e a sua dependência e ligação com o mar.

As Cantigas de Ninar, outrora muito cantadas pelas avós, serviam para adormecer os netinhos. Estes adormeciam embalados pela cantilena que mais não passava de um ostinato melódico no compasso binário, hoje quase esquecida. Outro género cultivado em Cabo Verde com tendência para o esquecimento diz respeito à geração infantil. Aqui encontramos as Cantigas de Roda e as Lenga-Lengas cantadas, ou em forma de jogos rítmicos, com percussão corporal. Quem não se lembra das lenga-lengas "Una duna trina catarina barimbau são dez..." ou de "Doll in dol fatatitiná..." ou ainda da cantiga de roda "A vida do marujinho" dramatizada por tantas crianças, e muitas outras mais, que as deleitavam nas noites de luar em que a televisão não fazia parte das suas vidas, nas ilhas?

É verdade que muitos podem dizer, e têm dito, que elas não nos pertencem, porque são portuguesas e/ou de outra cultura. Porém acabaram por se tornar numa "coisa nossa". Foram adoptadas pelos nossos tetravós e bisavós e muitas delas foram recriadas como é o caso de "pirolito qui bate qui bate" à qual se acrescenta uma estrofe em crioulo. Tornaram-se nossas, tal como os instrumentos de corda que utilizamos para tocar a nossa música: o violão, o violino, o cavaquinho, etc, que vieram de fora e que acabaram por ser perfilhados.

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As cantigas de carácter Hierático são fundamentalmente utilizadas nas ilhas de St. Antão, S. Tiago e S. Nicolau. São cantadas "à capela" (sem instrumento) por mulheres e homens, às vezes a três vozes, às vezes em uníssono e em solo, aos quais responde o coro, quase sempre fora das igrejas e em épocas específicas. Dentro desse género encontramos na ilha de S. Nicolau as Divinas, cantada a três vozes num latim arcaico mas com deturpações legítimas se levarmos em conta que são transmitidas de geração em geração, o que implica que a versão original se tenha perdido. Em St. Antão, por exemplo, temos as Ladainhas e a Salvé Rainha. Em S. Tiago, as Rezas ou 'Ressas'. Todas elas cantigas litúrgicas, mas que são entoadas pelo povo, fora das igrejas.

As cantigas de carácter Pastoril são cantadas ainda em quase todas as ilhas no dia 31 de Dezembro, Dia de S. Silvestre e no dia 6 de Janeiro, Dia dos Reis, geralmente no compasso binário num andamento moderado. Têm a sua origem nas Janeiras e Reisadas portuguesas. As primeiras são cantadas por crianças, no final da tarde, sacudindo um instrumento feito com tampinhas de garrafa achatadas. Os adultos cantam-nas à noite, mas utilizando o violão, o cavaquinho e o chocalho. Estas cantigas, embora continuem vivas, estão correndo o risco de desaparecer.

Hoje, as crianças praticamente já não as sabem cantar e nem sequer as recriam, o que é uma pena. Se as cantam, cantam-nas da mesma forma, deturpando as expressões como é exemplo "marido honrada" em vez de "mulher honrada".

As cantigas do Dia dos Reis estão desaparecendo. Em algumas localidades da ilha da Boavista, há bem pouco tempo ainda se cantavam. Tenho em mente este pequeno fragmento que restou de uma das cantigas que cantávamos no Dia dos Reis e que começa com um intervalo de 4ª justa ascendente "Esta casa/está bem caiada/tanto por dentro como por fora/ a senhora que mora nela/vai nos dar..."

O curioso é que o Pentatónico (a escala pentatónica de 5 notas) usado na música chinesa e na africana, aparece em algumas histórias consideradas tradicionais (pelo menos foram cantadas pelas gerações mais velhas) como é o caso das cantigas: Pastorinho de cabra, Blimunde e Nana Tiguera. No disco “Promessa”, de Teresa Lopes da Silva, com um repertório constituído na sua totalidade pelas recolhas do seu tempo de menina, encontramos uma canção intitulada Sintide, que conta a história de uma mãe cuja filha tinha sido levada para a casa de 'Nho Rei Bandeira', onde o uso do pentatónico é notório com mudanças de andamento. Nesta canção tanto a melodia como a letra evocam a lamentação.

A música Fúnebre, género instrumental, é utilizada, pelo menos em S. Vicente, com um ritmo marcial e dramático. Neste género o sopro de metal é predominante. Às vezes o violino e o violão são utilizados. O tema é único, (popularmente conhecido por Djosa quem mandób morrê) embora muitas

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vezes mornas mais tristes sejam tocadas, como é o caso da morna Hora di bai.

As músicas de Casamento (Saúde) dedicadas à noiva ou aos noivos, são tocadas nas zonas rurais de algumas ilhas nomeadamente S. Nicolau e St. Antão. Na ilha da Boavista para além do ritmo executado nos tambores, ao qual se juntam frases declamadas dirigidas à noiva, ('ó m'nina nova/ hoje e qui bu dia/runca dali/ runca dalâ...') existe ainda o Landu ('lundu' ou 'landum') de origem africana, que também foi levado para o Brasil e talvez dali para Portugal. No século XIX ainda o 'landu' era conservado nos Açores. Segundo estudiosos brasileiros o 'lundu' também chamado no Brasil de 'Calundu', inicialmente uma dança em movimento binário, transformou-se depois em canto envolvente e lascivo, um tanto lento, com letras sugestivas e amorosas, por vezes brejeiras.

Na Boavista (em algumas zonas do interior de S. Tiago existe um ritmo análogo ao do 'landu' da Boavista mas não com o mesmo nome) o 'landu', género geralmente instrumental ligado à dança em movimentos vivos e rodopiantes, era dançado nas festas de casamento, mais precisamente por volta da meia-noite, com uma característica peculiar: para o dançar era obrigatório que os homens usassem fato e gravata. Hoje ainda se dança o 'landu' em qualquer festa, mas sem as etiquetas de outrora.

Uma tradição comum a todas as ilhas são as Festas de Romaria. Os ritmos são executados nos tambores com o seu auge, nas festas de S. João Baptista, quando do solstício de Junho. Completam-nos os saltos de fogueiras ('lumenaras') sobretudo nas ilhas de Barlavento. Esta tradição é provavelmente de origem portuguesa.

Pode-se chegar a ela através do pequeno texto que se segue: "... entra o Verão que traz o calor e a abundância. A natureza apresenta-se pletórica de vida e de seiva. A 21 de Junho, o sol atinge o solstício e entra em toda a sua glória e esplendor, e por todo o país se festeja então o S. João com cantigas das fogueiras que recordam o imemorial culto do fogo..." (Fernando Lopes Graça in A Canção Popular Portuguesa).

Por seu lado, Félix Monteiro diz o seguinte: "Em 1745 foi proibida uma dança em Portugal a que se dava o nome de Chegança (popularíssima e plebeia, lasciva, arrebatada, o par solto se unia rapidamente em atritos sensualíssimos - Camara Cascudo)". E acrescenta: "Ao que parece, não chegou a verificar-se a extinção da Chegança em Portugal, mas sim a sua evolução, passando a ser dançada aos grupos de dois pares soltos, por vezes de mãos dadas formando um círculo, os quais alternadamente se aproximam do centro fingindo querer unir-se em umbigadas, para depois se afastarem, ao mesmo tempo que o outro para avançarem para o centro, com os mesmos movimentos com que, noutros tempos, se dançava Colá-San Jon na ilha da Boavista".

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Em S. Vicente, esse ritmo chamado de Colá San Jom é dançado aos pares (por homens e mulheres e às vezes mulheres com mulheres) em movimentos de recuo e aproximação tocando-se simultaneamente com a parte superior das coxas.

Em S. Nicolau o ritmo é semelhante, variando no andamento (um pouco mais lento) e com uma coreografia típica, sobretudo na zona da Praia Branca, que consiste em duas filas (na sua maioria mulheres) frente a frente com meneios sensuais acompanhados de dizeres maliciosos, um pouco lúbricos, dirigidos aos homens.

Este tipo de coreografia, ao que parece, existe em outros países. Alejo Carpenter, no livro La Musica en Cuba, afirma o seguinte: "Em 1776, uma frota procedente da Europa e que havia feito escala em Havana, transportou para Vera Cruz (México) alguns emigrantes de cor que levaram com eles um baile chamado El Chuchumbé que obteve um extraordinário êxito e difusão, mas que foi proibido pela Santa Inquisição do México, porque aquela dança cubana causava danos em Vera Cruz, particularmente entre as donzelas. Ao referir-se ao El Chuchumbé o informador da Santa Inquisição escrevia: “... as coplas são cantadas por um grupo enquanto outros bailam, seja entre homens e mulheres ou entre quatro mulheres e quatro homens, com movimentos lascivos e batendo barriga contra barriga".

Ainda no mesmo livro, Carpenter afirma que um padre chamado Labat descreve uma dança muito parecida, vista por ele em Santo Domingo em 1698 "... os bailarinos estão dispostos em duas fileiras, os homens de um lado as mulheres do outro. Saltam, giram sobre si mesmos, aproximam-se, retrocedem para de novo se reunirem ao compasso do tambor ... parecia que davam golpes de ventre. Afastam-se logo dando voltas com gestos absolutamente lascivos".

O Batuque, de origem africana, que surge em Cabo Verde provavelmente só na ilha de S. Tiago (existente também no Brasil, através da ida dos escravos, e nos Açores, na ilha de S. Miguel), é executado num ritmo de tempo binário mas de divisão ternária, marcado pela percussão das 'tchabetas e palmas' acompanhadas pela cimboa monocórdica, às quais se juntam o canto e a dança.

Segundo Dulce Almada, o Batuque é uma variante do ritmo de San Jon. Esta teoria tem a sua razão de ser na medida em que o Batuque, inicialmente de ritmo binário, (no Brasil este ritmo manteve-se) isto é, num compasso binário simples de dois por quatro, transformou-se no mesmo ritmo de San Jon que é o compasso composto de seis por oito, pois são compassos correspondentes, cada compasso simples corresponde a um compasso composto e vice-versa. No San Jon o andamento é mais acelerado e a poliritmia é mais complexa.

O Finaçon é uma melopeia que consiste num encadeamento de provérbios ou assuntos do quotidiano, declamados, com inflexões vocais, no ritmo de

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batuque, quase sempre improvisados no momento e normalmente cantado por uma mulher. Esses improvisos podem arrastar-se durante horas.

A Tabanca da ilha de S. Tiago (também existente na ilha do Maio), é um agrupamento muito complexo, provavelmente de origem africana. O ritmo da Tabanca é binário, executado por tambores, cornetins e búzios, estes geralmente em três registos diferentes (grave, médio e agudo) responsáveis pelo ostinato rítmico-melódico, cuja tessitura geralmente é de uma sexta.

Eutrópio Lima da Cruz escreveu: "trata-se essencialmente duma procissão dançada [...] que mobiliza uma vila inteira ou grupo de pessoas unidas para a vida e para a morte [... ] A dança da tabanca é uma manifestação muito importante na vida do grupo.

Esta manifestação colectiva insere o indivíduo num sentimento de solidariedade que confere à procissão uma certa importância e lhe dá uma aparência de organização, magnitude, ritmo e esforço colectivo, embora continue sendo um divertimento". Outrora existiram algumas formas musicais, muito em voga na maior parte das ilhas e que eram dançadas nas chamadas "Danças de Salão", como são exemplos: na ilha da Boavista o Rill ('Reel'), dança de origem irlandesa no compasso 6/8, hoje já extinta; o Maxixe brasileiro, também extinto, dança movimentada com base nos ritmos africanos acentuadamente sincopada, de atmosfera quente e sensual. No Brasil foi uma dança das ruas que depois entrou para as salas sofrendo algumas modificações, passando a ter movimentos e passos mais moderados. Alguns estudiosos brasileiros afirmam ser o Maxixe uma variante do Landu.

Também em Cabo Verde se dançava o Tango (actualmente faz parte do repertório de alguns grupos de dança), o Schottish ('chotisse' em terminologia caboverdeana); o Galope, dança em ritmo binário ainda hoje presente nas festas de casamento no interior de algumas ilhas, que faz parte da última "marca" da Contradança. sendo esta também uma tradição bem conservada nas ilhas de S. Nicolau, Boavista e sobretudo em St. Antão. O Bolero, sul-americano e não o espanhol, ainda é tocado por alguns grupos musicais.

A Contradança, segundo Teófilo Delgado, um dos "mandadores" da Contradança da zona de Fontainhas em St. Antão, contém cinco "marcas". Provavelmente com origem na Country-dance inglesa, levada para a Holanda e França nos fins do séc. XVII, adquiriu cidadania francesa, difundindo-se principalmente nas classes médias. Em Cuba, a Contradança introduzida pelos franceses acabou por se transformar num género cultivado por todos os compositores crioulos do séc. XIX, com a mudança do compasso 2/4 para 6/8. Em Cabo Verde a Contradança, género instrumental mais ligado à dança, foi talvez introduzida pelos franceses.

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A Mazurca é uma dança originária da região polaca da Mazúria (no início dança popular, depois dança aristocrática) em compasso ternário com acento nos contratempos. Em Cabo Verde, ainda hoje é dançada e tocada em quase todas as ilhas com incidência nas de St. Antão, S. Nicolau e Boavista. No Fogo existe o Rabolo que é uma variante da Mazurca.

A Valsa, também no ritmo ternário com o primeiro tempo acentuado, é de origem francesa, baseada na galharda provençal que se dançava dando voltas (donde valsa) com o corpo. Os alemães atribuem a sua origem na Allemande (forma musical). Os austríacos, sobretudo os vienenses, cultivaram-na a tal ponto que, graças ao compositor Strauss, se tornou numa dança quase nacional. Em Cabo Verde, esta foi muito cultivada pelos músicos e compositores podendo, ainda hoje, ouvir-se algumas das valsas antigas ou mesmo feitas pelos músicos actuais.

Outras formas musicais também dançadas antigamente são a Polca ou o Fox, entre outras, muito apreciadas pelos músicos, sobretudo pelo grande exímio no violão, Luís Rendall, que foi o maior responsável pela introdução de outra forma musical brasileira, o Chorinho. De todas as formas musicais brasileiras, o Samba é a mais cultivada pelos cabo-verdianos, fazendo parte do repertório tradicional.

O Funaná, música em compasso binário, com andamento duplo, lento-médio e rápido, é assim como todas as outras formas musicais existentes em Cabo Verde, ligado à dança. Inicialmente presente apenas no interior de S. Tiago, passou depois para a cidade, com algumas mudanças no campo instrumental. No princípio era executado na 'Gaita de Mon' (concertina ou acordeão diatónico) e ferrinho, depois passou a ser tocado com instrumentos electrónicos a partir da independência de Cabo Verde, ganhando uma certa virtuosidade e enriquecimento a nível harmónico.

De acordo com pesquisas feitas junto de pessoas mais velhas, em algumas localidades do interior de S. Tiago, o Funaná antigamente era chamado de 'badjo di gaita'. O movimento mais lento era chamado de Samba (de acordo com uma demonstração feita por um senhor com cerca de setenta anos, o Funaná dançava-se como o Samba era dançado antigamente no Brasil). De S. Tiago, o Funaná viajou para as outras ilhas onde é muito apreciado. Dança-se aos pares com movimentos do quadril cadenciados, sensuais e vivos.

A Coladeira, no ritmo binário e de andamento mais moderado que o Funaná, segundo alguns cabo-verdianos, apareceu nos anos cinquenta em Cabo Verde. É tocada e dançada, sendo também companheira das noites cabo-verdianas. É chamada, por algumas pessoas mais velhas, de 'Contra-Tempo', apesar de o termo 'Contra-Tempo' significar fora de tempo, em que a acentuação cai no tempo fraco.

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A Coladeira varia no ritmo, de acordo com influências sofridas, sobretudo das músicas latino-americanas e brasileiras e mais recentemente o Zouk, este último muito apreciado pelos jovens nas discotecas.

No seu livro Mornas e Coladeiras de Frank Cavaquim, Moacyr Rodrigues escreve o seguinte: "As músicas estrangeiras como o Baião, o Fox e mais tarde a Cúmbia, vão nela deixar os seus vestígios porque na mesma família. Em muitas ocasiões, Merengues e Cúmbias estrangeiras são aproveitadas em ritmo de Coladeira."

Para Jorge Monteiro existem dois tipos de Coladeira: a que nasceu da aceleração do andamento da Morna, isto é, da passagem do compasso quaternário para o compasso binário resultante do cê cortado; e a que nasceu da adaptação dos ritmos estrangeiros no compasso binário.

Para Eutrópio Lima da Cruz, a Coladeira é resultante da passagem da Morna do compasso quaternário (4/4) simples, para o compasso binário composto (6/8).

A partir destas teorias podem-se fazer algumas experiências com várias Mornas. O curioso é que, ao tentar fazê-la com a Morna Maria Barba acelerando o andamento mas conservando a sua acentuação, instintivamente deparei-me com o ritmo de Landu e não com o da Coladeira como ela é habitualmente cantada. O mesmo se passou com a Morna Força de Cretcheu.

A Morna é a forma musical cultivada em todas as ilhas de Cabo Verde. De andamento lento, em compasso quaternário simples, esta música, que é a que mais caracteriza o cabo-verdiano, quanto à sua origem tem sido objecto de atenção e de preocupação de vários estudiosos como Baltazar Lopes, Aurélio Gonçalves, Jorge Monteiro, Félix Monteiro, Manuel Ferreira, Eutrópio Lima da Cruz e Vasco Martins.

Que a Morna sofreu evoluções é um facto inegável, muito embora tenha conservado o seu ritmo. Basta analisarmos e compararmos as mornas das várias gerações, mesmo as mais antigas chegadas até nós, como é o caso de Brada Maria, considerada a mais antiga de Cabo Verde, e segundo Eugénio Tavares, oriunda da ilha Brava. Tem um andamento um pouco menos lento que as posteriores, o tema é único sem partes contrastantes e o ritmo é menos sincopado.

As mornas de B. Leza, como se pode comprovar, são diferentes das de Eugénio Tavares. A riqueza harmónica das mornas do primeiro ganha com a introdução dos acordes de passagem e, segundo Baltazar Lopcs, isso verificou-se pela influência que Luís Rendall exerceu sobre B. Leza. Vasco Martins em “A Música Tradicional Cabo-Verdiana – I A Morna”, referindo-se ao mesmo assunto, diz: "As situações harmónicas tornam-se mais complexas a partir de Luís Rendall e B. Leza, no emprego de acordes modulativos... quase sempre a modulação é ao tom relativo maior ou menor e é uma

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característica, ao mesmo tempo que os acordes de passagem, das mornas do B. Leza e pós B. Leza. Hoje assiste-se também a uma predominância do tom maior relativo, o que produz um novo ambiente à morna, menos dramática e melancólica."

A própria temática das mornas mudou, embora o mar, o amor, o amor à terra natal, temas que tantos poetas cantaram, estejam ainda presentes.

A Morna será sempre a música mais representativa do cabo-verdiano. Por muito que as pessoas temam pela sua desvirtualização, ela já sofreu influências várias no passado e poderá vir a sofrer ainda outras, mas permanecerá sempre como a morna cabo-verdiana.

Se alguém tivesse dito a B. Leza que não deveria introduzir as modificações de ordem cromática a nível da harmonia, porque, agindo assim, estaria a "estragar" ou a "matar" a Morna e se B. Leza tivesse dado ouvidos a essa pessoa, hoje de certeza, não teríamos mornas como Eclipse, Noite de Mindelo, Lua Nha Testemunha e tantas outras que serão sempre escutadas com o mesmo deleite musical. O que aqui fica expresso, é sobretudo válido para atenuar as fortes críticas de que têm sido alvo os jovens compositores das mornas actuais.

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OS ARTISTAS CABO-VERDIANOS CESÁRIA ÉVORA Quando falamos de música cabo-verdiana, um nome nos vem de imediato: Cesária Évora, a grande diva, a embaixatriz da morna. Esteve recentemente em Portugal para o lançamento do seu último álbum. Vejamos o que, a propósito disso, se escreveu no jornal Público: “É a senhora das mornas, a diva dos pés descalços ou, muito simplesmente, a maior representante da música de Cabo Verde. "Rogamar", o novo álbum, dá o mote para o regresso a Portugal. A doçura, o calor e o tributo ao mar vão ser os condimentos dos concertos realizados em Lisboa e em Faro. Em "Rogamar", Cesária Évora não gravou apenas compositores cabo-verdianos (como Teófilo Chantre, Manuel de Novas ou Constantino Cardoso), inspirando-se também noutros países africanos, nomeadamente através da obra de Ray Lema e Ismael Lo. O Brasil também esteve presente: Jacques Morelenbaum foi convidado especial em boa parte do disco. Ecoam elogios da crítica. O "Le Monde", por exemplo, disse o seguinte: "'Rogamar' é fresco. 'Rogamar' é marítimo. Cesária é inteira."

Cesária Évora nasceu em 1941 no Mindelo, Cabo Verde. Rapidamente se tornou notada pela sua voz, mas a sua esperança de fazer carreira como cantora profissional ainda não estava para chegar. Uma associação de mulheres cabo-verdianas e o cantor Bana, trazem-na diversas vezes a Lisboa para gravar, mas nenhuma destas gravações despertou a atenção dos produtores portugueses.

Em 1988, um jovem francês de origem cabo-verdiana convida-a a ir a Paris fazer um disco. Cesária tinha 47 anos. Não conhecia Paris e disse sim. Nesse mesmo ano, lança o primeiro álbum "La Diva aux Pieds Nus". Nascia uma diva: Cize, como é carinhosamente conhecida em Cabo-Verde.

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B.LEZA E, já que falamos de Cesária Évora e da morna, não podemos nunca esquecer o seu tio, B.Leza, que do ponto de vista musical, contribuiu imensamente para uma nova moldagem da morna ao romper a barreira da primeira, segunda e terceira de um tom menor, introduzindo aquilo que se convencionou chamar de “meio tom”, tendo, ao mesmo tempo, escalado tons maiores, quebrando assim a previsibilidade que caracterizava a morna até então. “Lua nha testemunha” é precisamente um desses trechos em que B.Leza deu à luz esse formato inovador.

Muita é a música que se produz em Cabo Verde e que de lá é difundida para os cinco Continentes. Portugal há muito que conhece os seus sons e dança os seus ritmos. Façamos então e ainda, pela pena de Vladimir Monteiro, uma viagem pela música cabo-verdiana que se ouviu e se ouve em terras lusas. A) OS PRECURSORES Entre 1934 e 2004, dezenas de músicos cabo-verdianos passaram por Lisboa. Uns apenas conseguiram gravar um disco antes de desaparecerem da cena musical enquanto que outros se afirmaram definitivamente no meio artístico pela obra realizada. São eles B.Leza, Fernando Quejas, Bana, Paulino Vieira, Dany Silva, Tito Paris, Titina e Celina Pereira, entre outros. O maior compositor de Cabo Verde, Francisco Xavier da Cruz, deu o mote em 1940. B.Leza, como é conhecido, foi convidado a actuar na Exposição Colonial que se realizara em Lisboa. Passado o evento, o compositor e intérprete permaneceu na capital portuguesa para tratamento médico, o que não o impediu de ter uma vida artística rica. Veladimir Romano conta em "Cadernos de um trovador" que a permanência de B.Leza em Lisboa resultou em trocas de «conhecimentos e participações de vária ordem em espectáculos e movimentadas serenatas na zona de São Bento, onde viveu». O autor destaca ainda as composições feitas durante este período, nomeadamente "Nôte de Mindelo", apresentada num espectáculo-concurso. Interpretada pela jovem cabo-verdiana Rosinha Figueira, "Nôte de Mindelo" seria a «primeira canção cabo-verdiana vencedora de um concurso musical em Portugal». Foi também em Lisboa onde B. Leza compôs "Mica", em homenagem à Maria Luiza, sua futura esposa.

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FERNANDO QUEJAS Depois de B.Leza, foi a vez de Fernando Quejas chegar a Lisboa, procedente da Praia. Tinha 25 anos e um objectivo bem claro: «Sempre quis cantar». O seu sonho concretiza-se na Emissora Nacional onde se estreia como cançonetista num programa matinal e, mais tarde, em 1952, quando lança o seu primeiro disco pela Columbia Records. Ao longo da sua carreira, Quejas gravou 22 EP's e um CD aos 76 anos de idade ("Corredor de fundo – Câ no dêxá nôs morna morrê") além de inúmeros programas radiofónicos e acontecimentos culturais de divulgação da cultura cabo-verdiana em Portugal e no estrangeiro, apesar das vozes que no arquipélago criticavam a influência "portuguesa que deixava transparecer nas suas mornas". Além de ter sido um dos primeiros cabo-verdianos a gravar em Portugal, Quejas marcou a música cabo-verdiana como sendo dos primeiros a introduzir os instrumentos de sopro, o reco-reco e os chocalhos nas suas mornas. Para Mesquitela Lima, o artista, falecido em 2005, é o pioneiro da divulgação da música de Cabo Verde em Portugal e quiçá no mundo: «Fernando Quejas, ao sair da sua terra para se fixar em Portugal, já trazia na sua bagagem o pensamento de divulgar a música cabo-verdiana que seria, ao tempo, desconhecida ou quase desconhecida». Uma preocupação também manifestada por Marino Silva e Edy Moreno, outros pioneiros da música cabo-verdiana em Portugal. TITINA Também Titina beneficiou da abertura portuguesa à música cabo-verdiana antes do 25 de Abril de 1974. A futura grande senhora da música cabo-verdiana sempre viveu num ambiente musical, em São Vicente: um número razoável de discos e um gramofone em casa e dois vizinhos chamados B.Leza e Frank Cavaquim. Estava escrito que o seu destino teria que passar pela música. E assim aconteceu ainda era moça. Depois das primeiras

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actuações na sede do clube Castilho e noutros espaços no Mindelo, surgiu o primeiro convite para Lisboa, onde Titina acabou por radicar-se anos mais tarde e levar em frente a sua carreira artística. «Fora de Cabo Verde, a nossa música tem um sabor especial», diz aquela que decidiu homenagear B.Leza interpretando as obras do compositor num dos poucos álbuns por ela gravados. Nada mais natural da parte daquela que é chamada Titina de B.Leza. BANA Após ter passado por algumas comunidades cabo-verdianas na diáspora, Bana decidiu assentar arraiais em Lisboa. «Os portugueses gostam de mim e respeitam-me bastante. Noto isso quando subo ao palco. Faz-se logo silêncio e chovem os aplausos», diz aquele que para muitos é o rei da música cabo-verdiana. Como Titina, a sua relação com a música começou bem cedo e passou pela casa de B. Leza. «Era um homem excepcional. Costumava dizer-lhe: Xavier, tu és excepcional. Vives para as pessoas», recorda o cantor. Do compositor cabo-verdiano, Bana herdou a paixão pela morna: «Gosto de cantar mornas, principalmente as mornas do B. Leza cujos versos e melodias são bastante inspiradores. Disse-me ele um dia: Bana, os versos foram feitos para serem ditos de forma clara. Os músicos é que devem acompanhar-te». O desejo de ser cantor levou Bana a emigrar para Dakar aos 29 anos. «Como não tinha meios, procurei o Herculano Vieira e perguntei-lhe se me deixava fugir a bordo do Neptuno. Em seguida, fui bater à porta do Guy para ver se me podia ajudar na compra de um par de sapatos. Além dos sapatos, fabricados por Raul e que custaram 300 escudos, Guy pediu ao Benvindo Fortunato que me enchesse uma mala com roupas», recorda. Acolhido por Becona, Bana começou a dar os primeiros passos em Dakar, nomeadamente no Thêatre Palais, antes de encontrar o compatriota Nuna que lhe propõe a gerência de uma discoteca na capital senegalesa. «Montei um conjunto com o Luís Morais, o Morgadinho, que mandei buscar em Bissau, e Toy d'Bibia». Em 1961/62, Bana grava o seu primeiro disco e muda-se para a Holanda. Seguiram-se Paris, América e finalmente Lisboa, onde chegou em 1969: «Procurei viver em Cabo Verde depois do 25 de Abril mas não foi possível. Decidi então fixar-me definitivamente em Portugal». Em Lisboa, Bana inaugura uma editora discográfica e um restaurante/dancing a que chama

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Monte Cara, e abre as portas da capital portuguesa a um grupo de jovens músicos residentes em Cabo Verde, nomeadamente Leonel, Kabanga, John, Armando Tito, Tito Paris e Paulino Vieira. PAULINO VIEIRA Apesar da sua juventude, Paulino, futuro pianista do conjunto Voz de Cabo Verde, não deixava indiferente o meio musical. Como muitos, começou pelo violão que aprendeu com o pai, em São Nicolau, a sua ilha natal. Passada a fase de iniciação, o jovem ruma para São Vicente onde prossegue a sua formação musical na escola Salesiana. Paulino Vieira chega a Lisboa no início dos anos 70 e transforma-se rapidamente no líder de Voz de Cabo Verde, do qual é pianista e vocalista. Exceptuando Luís Morais, um dos membros fundadores do conjunto, este Voz de Cabo Verde é essencialmente integrado por novas figuras como o cantor Leonel ou o baterista Cabanga. O pianista multiplica as iniciativas inéditas como a realização do álbum "Peace and Love" que junta várias figuras musicais do arquipélago num projecto humanitário, compõe a emblemática morna "M'cria ser poeta" e abre-se a músicos de horizontes diferentes como o moçambicano Watis, num dueto memorável no primeiro aniversário do Baile, a discoteca que anos depois foi baptizado de B.Leza. Após ter dirigido o grupo de músicos da Cesária Évora no início dos anos 1990, Paulino Vieira retirou-se do meio musical. «Tinha cumprido a minha tarefa que tinha a ver com o lançamento de certos artistas. Tratou-se de uma aposta total nas potencialidades africanas desde a música até aos seus tocadores», recorda. Na verdade, o afastamento voluntário do músico deveu-se sobretudo à posição das editoras que, na sua opinião, estavam a escravizar os músicos africanos. «Um fulano passa a vida inteira trabalhando e idealizando um disco quando aparece uma editora que dá uma percentagem mínima. Isso é injusto», denuncia. Em 2003, o músico regressa à cena musical cabo-verdiana com o disco "Paulino Vieira – Na sua aprendizagem Vol. 1 Guitarra Clássica", totalmente custeado pelo artista, doravante preocupado com o seu trabalho pessoal: «Depois de utilizar a minha carreira para divulgar os nossos artistas e dar a conhecer ao mundo a riqueza da nossa cultura, quero, agora, divulgar a paz, a confraternização e a justiça através da minha música».

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TITO PARIS Até 1982, Tito Paris viveu no Mindelo onde actuara em grupos como Seis Jovens Unidos e Gaiatos, ao lado de outros futuros grandes músicos como Voginha, Bau, Bius e Dudu Araújo. Apesar de ter chegado à capital portuguesa pelas mãos de Bana no início dos anos 80, Tito acabaria por trilhar o seu próprio caminho. «Estou contente», diz. Não há razão para menos pois ouvir um disco ou presenciar um espectáculo do artista é sinónimo de festa e sabura. Em 1994, o guitarrista e cantor grava "Dança ma mi criola", um álbum que marca uma nova etapa na evolução da coladera, com um ritmo mais lento que o da coladera do Voz de Cabo Verde ou da coladance de Cabo Verde Show. A coladera de Tito situa-se entre a morna e a coladera tradicional em que a voz particular do músico faz a diferença. «Sente-se o meu estilo mas vê-se que se trata da coladera. Era importante fazer algo porque a música de Cabo Verde estava a ficar muito fechada», justifica, precisando que Lisboa e o encontro com outras músicas e músicos não são alheios a esta nova coladera. Tito Paris diz-se feliz e não se importa de ter apenas gravado meia dúzia de álbuns em pouco mais de vinte anos de carreira. «Não é preciso mostrar a qualidade do teu trabalho em 100 álbuns diferentes. Gosto de gravar de quatro em quatro anos porque dá ao disco o tempo de viver, de ser descoberto pelo público e pela crítica», remata o artista que por razões de saúde se retirou momentaneamente da cena musical em 2004.

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DANY SILVA Quando Tito chegou a Portugal, Dany Silva já cá estava. Apesar de ter começado a tocar violão ao lado do pai, na Boavista, foi na Escola de Regentes Agrícolas de Santarém que se deu a sua primeira grande experiência musical. «Era um dos cantores do grupo Charruas. Enquanto um colega interpretava canções rock, eu dava voz a sucessos de blues e soul de Ray Charles ou Otis Redding», recorda. Volvidos sete anos, mudou-se para a capital portuguesa e integrou o Quinteto Académico Mais Dois. Foi nessa altura que o nome do baixista começa a circular no meio artístico local. Em finais dos anos 1980, o músico inaugura um espaço chamado Clave de To, frequentado por vários artistas como o músico português Rui Veloso. A amizade entre os dois seria importante para o cabo-verdiano cujos temas cantados em crioulo chamam a atenção do artista luso. «Até então, tinha gravado apenas em português pela Valentim de Carvalho. Como fazíamos parte da mesma editora, ele foi falar com os responsáveis no sentido de eu gravar em crioulo», recorda. Assim aconteceu. Desde então, o músico gravou cerca de seis álbuns em crioulo mas abertos a músicos portugueses com duetos com Sérgio Godinho e Carlos do Carmo. A maior parte dos músicos cabo-verdianos têm nos jovens e adultos o seu principal público. CELINA PEREIRA No caso de Celina Pereira, o grupo de admiradores inclui também várias crianças graças a um programa multicultural concebido pelo violinista Yehudit Menuhin. «Sou contadora de estórias numa escola em Algés desde 1996. O programa concebido por Menuhin leva-nos a reflectir sobre o efeito da música nas crianças, sobretudo aquelas que têm problemas em casa», indica. As estórias de Celina são contadas ao som da música e enquadram-se igualmente no seu projecto de recolha e salvaguarda do património crioulo.

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Já lá vão uns 20 anos que Celina Pereira escolheu essa via. «O que está em jogo é a nossa identidade» diz, justificando o seu interesse pela preservação da memória cabo-verdiana. O seu primeiro álbum, "Força d'cretcheu", traz os resultados dessa pesquisa feita na sua ilha de Boavista, noutras localidades de Cabo Verde, em Portugal e junto das outras comunidades cabo-verdianas no estrangeiro. «Tenho sempre o meu gravador comigo», lança. As pesquisas assumem a forma de cantigas de roda que povoaram a sua infância e que hoje conta às crianças: mazurcas, cantigas de casamento, lunduns e choros. Uma salvaguarda da memória do arquipélago natal que não significa isolamento: o álbum "Harpejos e gorjeios", considerado pela crítica portuguesa um elogio à lusofonia, é sinal dessa abertura ao mundo. B) ESTRELAS E ANÓNIMOS MARIA ALICE Maria Alice de Fátima Rocha Silva nasceu a 23 de Outubro de 1961 na Ilha do Sal, em Cabo Verde. Aos 14 anos, Maria Alice começou a cantar em família nas noites cabo-verdianas, tendo participado depois em vários concursos de novos cantores nos quais obteve algum êxito, chamando a atenção de alguns músicos que visitavam a ilha pela sua voz doce, que faz lembrar as entoações das cantoras indianas. Em 1981, instala-se em Lisboa e desde a sua chegada colabora em actuações com músicos cabo-verdianos. O seu talento para cantar mornas e coladeras e a particularidade da sua voz cristalina, sensual e intensa – levou a que fosse logo apontada por muitos como uma possível sucessora de Cesária Évora, de quem é admiradora, ainda que mantenha um estilo e uma personalidade própria. No mesmo ano, a imprensa portuguesa faz eco da sua excelente prestação no Festival Internacional de Música Africana do Algarve. Em seguida, mais precisamente em 94, grava o CD “Ilha d´Sal” muito apreciado pelo público e pela imprensa especializada. O CD intitulado “D’Zemcontre”, editado em Abril de 96, obteve logo uma boa aceitação por parte da crítica. Maria Alice teve oportunidade de gravar com alguns dos melhores músicos cabo-verdianos, como Armando Tito, Vaiss, Dalú, Manuel Paris, Toy Vieira (também director musical do CD). Entre os

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autores que compuseram para Maria Alice estão Ramiro Mendes, Jorge Humberto e Luís Lima. É o disco em que Maria Alice estabelece as linhas estéticas pelas quais orienta o seu futuro artístico, optando por um modelo acústico que a favorece, apostando em jovens músicos e autores cabo-verdianos. Entretanto, participa em festivais na Holanda, Grécia, Itália, EUA, Expo 94 (Sevilha) e Expo 98 (Lisboa), no Festival de Jazz de Montreal, no Festival de Santa Maria, na digressão “Cesária Évora and Friends” (Inglaterra, Suíça, Suécia, Alemanha e França) que originou um CD, gravado ao vivo em Paris. No final de 2002, é editado “Lágrima e Súplica”, o seu mais recente CD, com produção de Humberto Ramos, que originou uma tournée em vários locais do país – Porto (Sá da Bandeira), Lisboa (Maria Matos), Crato, Évora, Guarda, Lagos, entre outros. Um novo trabalho de originais em que uma vez mais se confirma o talento de Maria Alice, uma voz que revela um estilo próprio e uma personalidade única no panorama da música cabo-verdiana. Desde então, Maria Alice tem-se apresentado em Cabo Verde, França, Alemanha, Holanda, San Marino, Suíça. Cantou em Moscovo ao lado de Cesária Évora e fez uma tournée pela Inglaterra com o projecto “Women of Cape Verde” ao lado de Lura e Nancy Vieira, além das inúmeras apresentações em Portugal como na Festa do Castelo (Lisboa) e na Festa do Avante. Apresenta-se com frequência no clube B´Leza e na Casa da Morna, entre outros. NANCY VIEIRA Entrou no mundo da música cabo-verdiana em Lisboa por acaso. Nancy era ainda estudante quando, em 1995, acompanhou uma amiga a um concurso de vozes. Porém, a tentação foi tão forte que ela acabou por inscrever-se e participar na prova. «Cantei, venci as eliminatórias e ganhei a final», recorda Nancy, filha de Herculano Vieira, conhecido tocador de violão. Graças ao primeiro lugar no concurso promovido pela discoteca lisboeta If, a cabo-verdiana estreou-se com o álbum "Nos raça". Apesar de algumas incursões no meio musical, designadamente a participação em duas colectâneas, entre elas "Músicas de intervenção", realizada por Rui Machado, e a presença nos festivais de Gamboa, na Praia, e Santa Maria, no Sal, a cantora preferiu, durante algum tempo, dar continuidade aos estudos.

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A decisão de abraçar uma carreira seria finalmente tomada em 2001, fruto de numerosas solicitações em meios cabo-verdianos e portugueses em Portugal como no estrangeiro. A sua discografia enriqueceu-se no início de 2004 com o álbum "Segred". ANA FIRMINO Ana Firmino é outra voz crioula feminina de Lisboa. «A minha carreira começou em São Vicente, durante um encontro entre amigos. No final de uma formação em indústria hoteleira, organizámos um pequeno espectáculo e eu cantei. O então secretário de Estado do Turismo estava presente e convidou-me a participar, dias mais tarde, na inauguração de uma discoteca na Praia», recorda Ana Firmino. Estamos em 1980. Depois de ter lançado um primeiro trabalho discográfico e iniciado, juntamente com o marido, uma serenata em homenagem à Nossa Senhora da Luz em Mindelo, Ana Firmino emigrou para Portugal no início dos anos 1990. «Hoje, a minha profissão é a música. Sobrevivo graças à música, participando em espectáculos aqui e fora do país», diz. Na capital portuguesa, já gravou três álbuns, dos quais "Amor ê tão sabe" e "Viva vida". LEONEL O cantor Leonel Almeida é dos mais antigos artistas cabo-verdianos residentes em Lisboa, onde chegou no início dos anos 70, procedente de São Vicente, para integrar o Voz de Cabo Verde, juntamente com Paulino Vieira, Bebeto e Kabanga. Os três músicos eram velhos conhecidos de Leonel: com Paulino, fez parte do conjunto infantil criado por Padre Simões, tinha ele 16 anos. Já com Bebeto e Kabanga, actuou no conjunto Os Alegres, em 1972, antes da ida à tropa. Os caminhos dos quatro companheiros cruzam-se novamente, no seio da terceira e última geração de Voz de Cabo Verde. Passada a emoção de um primeiro espectáculo no Palácio de Cristal, no Porto, os rapazes,

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acompanhados por Luís Morais, dão continuidade à obra iniciada pelo mítico conjunto. «Tratou-se de um convite honroso. Não é todos os dias que surgem propostas como aquelas. O Voz de Cabo Verde era um conjunto-referência», lembra Leonel. No plano pessoal, o cantor assinou meia dúzia de discos além de participar em mais de duas dezenas de álbuns de outros artistas. «Penso ter dado o meu contributo à música cabo-verdiana mas estou bem longe daquilo que fizeram a Cesária, o Bana e o Ildo», acrescenta com alguma modéstia. Outros músicos, menos conhecidos, também procuraram promover a música crioula em terras lisboetas. É o caso dos cantores Zézé, antigo membro do Túlipa Negra, conjunto conhecido pelo tema "Joaninha na morada", que passa a vida entre o B. Leza e as sedes da Associação Cabo-Verdiana e Espaço Cabo Verde. É também o caso de Luís de Matos, vencedor em 1986 do Festival de Pequenos Cantores, na Figueira da Foz, e de Fortinho, dono de uma rica discografia apesar das críticas sobre a sua música, tida como bastante comercial. «Se calhar um dia farei algo acústico e ligado às raízes da minha terra. Gosto de cantar as músicas da minha terra mas sabe que para a morna temos grandes vozes como o Bana e a Cesária», esclarece o artista hoje retirado do circuito musical. Para acompanhar os cantores, instrumentistas não faltam. Batista, Djudjuty Alves e Adérito fazem as honras das noites do Enclave e de outros locais, como a Casa da Morna. Vejamos outros grandes nomes: VAISS Vaiss é um dos mais conhecidos. Como muitos, o guitarrista aprendeu a tocar em Cabo Verde e teve como mestre Travadinha, um dos grandes nomes do violino. A sua carreira inclui uma passagem pelo Grito de Mindelo, como percussionista, e pelo Ferrinho, grupo que fundou com Bau. Seguiu-se a viagem para a Europa, o ingresso no Voz de Cabo Verde, dois anos a acompanhar Cesária nas suas digressões mundiais e, doravante, as noites lisboetas como guitarrista ou baixista, no B.Leza e outros locais.

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Outros músicos podem ser ouvidos a solo ou acompanhando as vozes cabo-verdianas.

HUMBERTO RAMOS Humberto Ramos (Bitú, para os amigos) – nasceu em S. Vicente. A viver há alguns anos em Portugal, completa aqui os estudos musicais. É pianista, compositor, director musical, professor e ao longo da sua carreira tem acompanhado diversos artistas: Cesária Évora, Ildo Lobo, Nancy Vieira, Lura, Ana Firmino, Ritinha Lobo, etc. Neste momento, acompanha vários artistas, tem o seu estúdio próprio onde realiza produções de música tradicional, worldmusic, hiphop, dancemusic e música para produções teatrais. Entre os seus projectos actuais figura a ideia da formação de um coro constituído por amantes de morna residentes em Lisboa. ROLANDO SEMEDO Rolando Semedo, músico e produtor musical, nascido na cidade da Praia e a viver actualmente em Lisboa, em trabalhos a solo ou acompanhando vozes como Celina Pereira, Nancy Vieira, Boy Gê Mendes, é uma presença de referência, cuja carreira reflecte maturidade, ecletismo e trabalho sério.

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ZÉ AFONSO José Afonso nasceu em Mindelo, S. Vicente, a 12 de Dezembro de 1959, e vive em Lisboa há muitos anos. Músico, compositor, produtor, director musical, director artístico, tem produzido vários trabalhos com grandes nomes da música cabo-verdiana, que muito apreciam o seu profissionalismo, entre as quais Celina Pereira. Ao longo da sua já longa carreira, Zé Afonso já trabalhou com quase todos os maiores artistas caboverdianos, como Bana, Cesária Évora, Tito Paris, Titina, Ildo Lobo, Leonel, Maria Alice, Lura e muitos outros. Podemos ouvi-lo, entre outros sítios, na Casa da Morna e no B.Leza. PALÓ Nascido em S. Vicente, a 19 de Fevereiro de 1964, Paulo Renato Mariano de Figueiredo viveu entre as cidades da Praia e Mindelo até aos 14 anos. Em 1978 muda-se para Lisboa para continuação dos estudos. Em 1986 regressa a Cabo Verde, onde viveu até ao ano de 2004. Actualmente reside e trabalha em Lisboa. Em toda a sua carreira, Paló já participou em vários trabalhos discográficos como autor, compositor, músico, instrumentista, produtor, sonoplasta, director musical e cantor. Participou em vários trabalhos desde 1985.

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OUTROS ARTISTAS A lista dos artistas é longa e inclui nomes como Toy Vieira (pianista tal como o irmão Paulino), Jaime (violão, ex-Túlipa Negra), Jair (percussão), Toy Paris (baixo), Zé António (violão, ex-África Star), John Luz (cavaquinho), Galiano (percussão), Cau (bateria) e Chala (saxofone e clarinete), entre vários outros. Como Dakar, também Lisboa serviu (e continua a servir) de porta de entrada dos músicos noutros países europeus. José Casimiro é um deles. Chegou em 1973, gravou a maior parte dos seus álbuns, incluindo alguns sucessos como "Maria dá minino mama", "Hugo" e "Pô di lume", antes de mudar-se para Paris. A cantora Gardénia, apesar de radicada nos Estados Unidos, não é uma estranha em Lisboa, onde gravou alguns dos seus discos. Também o compositor e intérprete Jovino parou nas margens do Tejo nos anos 1970, antes de rumar a Paris. Na capital lusa, gravou temas populares como "Semana dento, semana fora" e fundou um grupo chamado Cabo Verde Show. Em Paris, onde vive desde 1978, é um dos animadores da Associação dos músicos, intérpretes e compositores cabo- verdianos. BIUS O guitarrista Bius é outro habitué da capital portuguesa. Passa a vida entre a comunidade musical cabo-verdiana da costa leste da América, Roterdão e Lisboa. Bius faz parte da nova geração de músicos mas há muito que deixou de ser uma promessa. Adolescente, integrou pequenos grupos no bairro e na escola, em São Vicente. «Cantava e tocava violão, desde sempre o meu instrumento preferido», conta. Depois dos Seis Jovens Unidos, dos Gaiatos e do Wings, do qual fazia parte o primo Voginha, Bius viajou com a mãe para os Estados Unidos, em 1985. É o tempo do Jam Band, numa aventura que durará mais de seis anos. De regresso à terra natal em 1996, Bius decidiu desenvolver projectos pessoais. Em termos musicais, isso traduz-se numa coladera próxima da de Tito, com textos brincalhões e um ritmo lento caminhando pelo zouk mas cujas notas de violão e o ambiente alegre asseguram a ligação a São Vicente. A sua discografia inclui, entre outros álbuns, "Mas um coladera" e "Dia e noite".

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FRANK MIMITA Entre os músicos cabo-verdianos de Lisboa conhecidos ou anónimos, destacam-se ainda Tó Cruz, Blick Tchutche, João Cirilo, Antoninho, Julinho de Concertina, Nené de Ferrinho e Nato. O compositor e intérprete Frank Mimita, falecido há vários anos, também marcou uma época, sendo dos primeiros a gravar a tabanka, uma experiência mais tarde retomada por outros artistas. ZÉZÉ BARBOSA Zezé Barbosa, nascido em S. Vicente e a viver em Lisboa há muitos anos, dedica grande parte do seu trabalho à morna cabo-verdiana, com sucesso nos mais variados palcos de Portugal. A solo ou acompanhado por excelentes músicos de Cabo Verde, interpreta com alma as mornas e coladeiras de todos os tempos. Actua por todo o país e poemos ouvi-lo em Lisboa às terças e quintas, à hora do almoço, na Associação Cabo Verdiana e, aos fins de semana, no Espaço Cabo Verde.

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MÁRIO RUI Grande Voz de Cabo Verde e outro grande intérprete da Morna. Depois de Luta p'a vida, esperamos que o seu novo CD saia brevemente. Canta ao vivo no En'Clave. C) AS VOZES DOS JOVENS BOSS AC «Onde situar o rap em crioulo, língua-de-calão produzido e consumido pelos jovens negros portugueses? No espectro da 'nova' música africana ou na categoria de rap negro português?», interroga António Concorda Contador em "Cultura juvenil negra em Portugal", sua dissertação de mestrado. Para Boss AC, a pergunta não faz sentido: «Evito rótulos e catálogos. Quero é ser visto como músico, as pessoas gostam ou não gostam. Não quero que se dê tanta importância ao facto de ser negro, branco, cabo-verdiano ou moçambicano. Tive a sorte porque onde me mexo tanto apanho o público africano como o público europeu», lança. Como muitos jovens cabo-verdianos de Lisboa, Boss AC, filho do pintor António Firmino e da cantora Ana Firmino, escolheu o rap para desenvolver o seu projecto musical e os resultados estão à vista. «Já tenho alguns álbuns e várias compilações. Sou igualmente compositor e produtor», precisa. O rap de Boss AC é o resultado do seu quotidiano: «Canto a minha vivência, o que vejo, o que está à minha volta, o meio onde me insiro, as pessoas que vejo. Cabo Verde vem naturalmente na minha música pelo meu back-ground e da minha família». A viagem a Cabo Verde faz-se através do crioulo, utilizado nalgumas das suas canções como "Dam corda", para contar o arquipélago. «"Dam corda" é uma música muito específica porque sintetiza um bocado aquela onda do Mindelo, com o ambiente da Praça Nova. É um bocado o lado humorístico e tem muito de São Vicente. Tinha Cabo Verde na mente quando fazia aquela música», recorda. Noutros casos, a ligação do rapper ao arquipélago faz-se através de excertos e samples de temas cabo-verdianos. «Uma das minhas

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canções partiu duma morna. Deu-se uma volta, daí ter muito pouco em relação à morna mas a base é a canção "Carinha di bo pai"». Apesar de reconhecer o poder de tocar muitas pessoas graças à sua música, Boss AC recusa ser visto como o porta-voz de uma geração de jovens. O "rap negro português" de que fala António Concorda Contador inclui alguns jovens cabo-verdianos nas suas fileiras como Strike MC, Thugs, Jay, Nevallos, Dinga, Vatta, Jungle e Blayzze, do grupo Da Blazz, Catchores da Pinga e o seu campeão de kick-boxing, José. As canções são em crioulo e português e denunciam comportamentos de polícias mas também dos seus conterrâneos, as dificuldades de alguns pais em educar os filhos, etc. Todos são amadores porque, como diz Boss AC, o "rap negro português" continua a viver num certo gueto apesar das coisas começarem a mudar no chamado underground. SARA TAVARES SARA TAVARES Sara Tavares, compositora e guitarrista, bem podia ter enveredado para o rap. Quando começou a dar nas vistas em 1994 (ganhou os concursos televisivos "Chuva de estrelas", na SIC, e "Festival RTP da Canção"), o hip-hop estava na mó de cima. «Lembro-me que na altura apareceu toda a malta do rap. Eu não cantava rap. Nunca foi um impulso meu. Eu gostava de cantar melodias e de usar a voz como instrumento e ali tinha mais a ver com a intervenção e o ritmo das palavras», conta. Um ano depois dos dois triunfos televisivos, a jovem cantora lança o projecto "Sara Tavares e Shout", baseado no gospel, e decide definir a sua carreira. «A música estava sempre na cabeça e decidi tornar-me profissional. Queria ter uma maior disponibilidade para fazer espectáculos, ensaiar, conhecer músicos e compor. Como já havia muita solicitação devido à mediatização da minha pessoa, já não havia espaço para a escola», explica. Para completar a sua aprendizagem, Sara procura os colegas músicos, desenvolvendo a composição, a consciência musical, os arranjos, a construção musical e a produção. No início, o gospel assumiu um papel bastante forte na música da cantora. «Ainda não tinha desenvolvido uma personalidade musical própria. Ouvia muito gospel, professava e professo aquela fé e achava adequado e cantar gospel», explica Sara Tavares. Foi então que ocorreu o encontro com o arquipélago, primeiro, actuando no I Congresso de Quadros Cabo-verdianos em Lisboa, em 1994, e depois, integrando a comitiva do então Primeiro-ministro português Cavaco Silva, durante uma visita a Cabo Verde. «Conhecia alguns nomes como Cesária Évora, Tito Paris, Os Tubarões, Finaçon, Gil and Perfect e o Splash mas nem sequer consumia a sua música. Com as minhas idas a Cabo Verde, comecei a

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interessar-me, procurando materiais, frequentando o B. Leza e o Enclave, convivendo com os músicos, interiorizando a cultura», precisa. A jovem cantora recorda esta época com alegria: «Conheci a minha família e comecei a falar crioulo. Com as minhas viagens a Cabo Verde, comecei a perguntar, a procurar saber mais sobre mim. Na altura só estava a apreender e a procurar entender. Estava muito feliz. As minhas idas serviram muito para me fortalecer como pessoa. Sentia que pertencia a uma nação». "Mi ma bo", lançado em 2002, mostra claramente que Cabo Verde e o crioulo fazem definitivamente parte da sua vida. «Sinto orgulho da minha raiz cabo-verdiana. O que eu digo em "Mi ma bo" é a minha alegria de me sentir cabo-verdiana», diz. O álbum traz sonoridades cabo-verdianas e de outras paragens, num processo considerado normal pela cantora. «Somos uma nação contemporânea que não se baseia só na tradição. "O cabo-verdiano viaja", o cabo-verdiano ouve outras músicas. Quem vai ouvir um disco de um artista cabo-verdiano não deve esperar ouvir apenas a morna porque esta artista tem uma vivência no mundo contemporâneo. Aliás, quando apareceu, a morna era uma forma contemporânea de estar no mundo passado. Vão surgir novas tendências por causa dessa realidade», afirma Sara Tavares, cuja discografia enriqueceu-se em 2005 com "Balancé". LURA O segundo álbum da também cantora Lura ("In love") é o exemplo acabado dessa nova tendência entre os jovens artistas cabo-verdianos da diáspora. Batuque, música moderna portuguesa, soul cantado em crioulo misturam-se nesse trabalho lançado em 2002. Até então, esta cabo-verdiana nascida em Lisboa tinha apenas um trabalho a solo, lançado em 1996. Um álbum que marcou a sua verdadeira entrada no mundo da música pois até então Lura limitava-se aos estúdios, fazendo coro para outros músicos. «Comecei a participar em discos de outros cantores e as pessoas passaram a ouvir-me cada vez mais», recorda. O primeiro convite foi feito pelo santomense Juca para a gravação de "Sabina". «O que eu queria era ser bailarina mas acabei por gostar da minha participação no disco. O tema foi um sucesso no espaço lusófono», lembra Lura, para quem os coros constituíram uma boa escola. Logicamente, o convite para gravar um álbum acabou por chegar. «Estava numa discoteca a fazer coros para o Don Kikas quando um produtor se aproximou e perguntou-me se queria gravar um disco. Já tinha algumas coisas escritas e como surgiu a oportunidade, fui à minha gaveta buscar as composições que lá tinha», recorda. Excepto "Prece dum fidje", de Paulino Vieira, todos os temas deste primeiro disco são da autoria da cantora.

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Após um segundo álbum menos conseguido, Lura marcaria definitivamente os espíritos em 2005 com "Di korpu ku alma". Editado pela Lusáfrica, o álbum traz uma lufada de ar fresco ao batuque e classifica-se entre os melhores da discografia cabo-verdiana. Fora do arquipélago, a cantora é logo vista como uma das futuras estrelas da música africana. Ainda bem pois há muito que a cantora escolheu essa via: «Sou uma rapariga que decidiu ser cantora porque é esse o seu destino e está a trabalhar para isso». É o que atesta o seu último trabalho a estrear proximamente. RITINHA LOBO A cantora Ritinha Lobo ou seja, Maria Rita Isabel de Sousa Lobo, nasceu na ilha do Sal, Cabo Verde, no ano de 1976 e vem de uma família de músicos, a família Lobo, destacando o trovador Ildo Lobo, seu primo.0 Dona de uma presença muito marcante, visto possuir a beleza natural das ilhas, cedo mostrou interesse pela música, destacando a participação no concurso dos Pequenos Cantores onde arrebatou o 1º prémio no ano 1987. A partir do ano de 1994 foi convidada a integrar o grupo “MOBAFUCO” (morna, batuque, funaná e coladera) que é o grupo de animação no hotel Morabeza, ilha do Sal, tendo gravado um CD com o mesmo grupo. No ano de 1999 recebe uma bolsa de estudos para vir estudar música/canto com o Maestro Cortês Medina no Teatro São Carlos e a,partir desta data, reside em Lisboa onde tem participado em várias gravações como corista e ainda em muitos dos espectáculos efectuados no país. Neste momento está a preparar o seu próprio projecto, de onde poderá vir a sair o seu primeiro álbum a solo. JON LUZ Jon Luz nasceu em Cabo Verde, em 1975. Cresceu num ambiente musical, na sua cidade natal, Mindelo, tendo começado a sua aprendizagem com o violão e o cavaquinho aos 14 anos, nas serenatas em São Vicente. A partir dos 16 anos integrou várias bandas existentes na Ilha como vocalista e

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instrumentista, como a Banda do Liceu Ludgero Lima e Mike Lima, tendo participado em vários festivais de várias ilhas. Os estilos em voga na época (anos 90) eram as mornas e “coladeras” cantadas por Cesária Évora no mundo inteiro. Pouco a pouco, Jon Luz começou a acompanhar outros artistas pelas noites cabo-verdianas, como Malaquias Costa, Canhota, Eugene Lima, Manecas Matos, Ana Firmino e Manuel de Novas. Em paralelo, colaborava com o apresentador e cantor Luís de Matos no programa “Aos Pares” da televisão nacional, como músico residente. Aos 19 anos fundou o grupo musical “Serenata” (com o músico Zé de Paiva), através do qual obteve o seu primeiro contacto no exterior, neste caso, para Portugal: Coimbra, Oeiras e Évora. “Serenata” obteve o segundo lugar na primeira Feira Cultural de Cabo Verde. Durante esse período integrou grupos de outros artistas como Luís Morais, Chico Serra, Voginha, Tey E Tolas. Acompanhou também Titina, Djosinha, Zenaida Chantre, Celina Pereira, Gardénia, Vlú, Boy Ge, Jorge Sousa, Fernando Quejas e muitos outros. Aos 22 anos criou o dueto com o “Djene” e, mais tarde, um trio com o músico Tey. Aos 23 anos integra a companhia portuguesa “Clara Andermatt” e passa a residir em Portugal para fazer parte do elenco do projecto de dança contemporânea “Uma História da Dúvida”. Nesse elenco colaborou com vários nomes da música cabo-verdiana, com destaque para Orlando Pantera, Voginha, Kabum e Malaquias. O projecto, sob a direcção musical de João Lucas (com quem, aliás, aprendeu muito sobre harmonia), foi apresentado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no âmbito da “Expo 98”. Com o mesmo projecto fez uma tournée de dois anos pela Europa, Brasil, América do Norte, Canadá e Cabo Verde. Ainda com a Companhia Clara Andermatt é intérprete e co-criador no concerto encenado “Dan Dau” com apresentações em Portugal e resto da Europa. Ao mesmo tempo, colaborou com a coreógrafa Amélia Bentes na composição das bandas sonoras das peças “Mascarhome” (1998), onde tocava ao vivo, e “Fabrico Próprio” (2001), percorrendo Portugal e vários festivais no Brasil, nomeadamente em Santos e São Paulo. Tocou ao vivo no projecto de improvisação “Live” com Peter Michael Dietz (Loulé, 2000) e com Amélia Bentes (Porto, 2001). Em paralelo com o universo da dança contemporânea, acompanhou várias vozes de cantores cabo-verdianos, como Maria Alice, Ildo Lobo, Titina, Lura e Tito Paris. Em 2000, integrou a banda de Tito Paris e com o mesmo acompanhou Sara Tavares, Gil do Carmo, Filipa Pais, entre outros. No ano seguinte, fundou o Trio “Pontche” e dedicou-se ao projecto “Morná Sanjon”. Em 2002 passa a integrar a banda de João Afonso. Em 2003, Jon Luz participou no projecto “Cantos na Maré” no qual cantou ao lado de outros grandes nomes da “world music” como Chico César (Brasil), Uxía Senle (Espanha), Manecas Costa (Guiné-Bissau), Filipa Pais (Portugal), Astra Harris (Moçambique), entre outros. Além disso, escreve a banda sonora do espectáculo “Noite” de Amélia Bentes. Em 2005, apresentou-se na Festa do Avante e participou na gravação do novo disco de João Afonso, “Outra Vida”. No mesmo ano é editado o registo discográfico do espectáculo “Cantos na Maré”.

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Em Março de 2006, Cesária Évora lançou o novo disco “Rogamar” com um tema de Jon Luz, “Modje Trofel”. Em Junho de 2006, “Farrope d´Poesia” é lançado no mercado pela Vachier & Associados com o apoio do Instituto Camões. Actualmente, Jon Luz tem-se dedicado à divulgação do seu álbum de estreia, além de continuar a acompanhar vários artistas da cena musical portuguesa e cabo-verdiana. REFILON Refilon, o reflexo da génese multicultural do cabo-verdiano da nova geração. Da necessidade de comunicar musicalmente nasceu o projecto Refilon, utilizando para isso uma linguagem assente na cultura e nos ritmos cabo-verdianos. Uma nova aposta no sentido de valorizar e expandir a música de raiz tradicional e em fusão com todo o conjunto de experiências, emoções e influências. O grupo aposta nas sonoridades afro, nos jogos rítmicos do jazz e nas ambiências do blues. Fluindo nestes argumentos musicais, jogam entre si três guitarras acústicas, outras tantas vozes (às vezes quatro, cinco), um baixo, bateria e percussão, trazendo à tona um repertório de originais. Muitos são os artistas que actuam hoje em Portugal e que continuam a difundir nos palcos deste país a música cabo-verdiana, em espectáculos imperdíveis (ver http://muzikaditerra.blogspot.com). E quando falamos de música cabo-verdiana, não podemos deixar de fazer uma imensa homenagem a músicos, que não estando já neste plano de existência, continuam a abençoar a nossa alma, lá onde se encontram, com os sons que aqui nos deixaram: “ANU NOBU” DE SÃO DOMINGOS "Anu Nobu" de São Domingos foi um compositor ímpar na ilha de Santiago. Não só criou funanás, como também explorou a morna, a coladeira e ainda

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merengue, cúmbia e samba. Autor de mais de 500 composições, sem contar com músicas para a liturgia, Ano Nobo nunca recebeu um tostão sequer pelas composições gravadas. E foram tantos os que interpretaram as suas criações: “Ta Pinga Tchapu Tchapu”, composição que fez aos 16 anos, gravada pelos Tubarões; “Domingo Decho”, “Ta Kundum Kundum”. Franck Mimita eternizou as mornas “Linda” e “Falsia d’Amigo” e todos conhecem a composição “Nha Mudjer” interpretada por Dany Silva. E claro, “Camarada Pepe Lopi”, também gravada pelos Tubarões. Ano Nobu encontrou a música em casa: o avô e o pai, Pipi e Henrique Pipi respectivamente, foram maestros da Banda Músical da Praia. Assim, não é de se estranhar que soubesse tocar violão, bandolim, cavaquinho, gaita de boca, violino e piano. Aos 2 anos, aprendeu a tocar o violão, sob orientação da mãe. “A minha mãe tocava todos os instrumentos de corda e clarinete. Aprendeu com o meu pai, que era maestro e filho de maestro. Minha mãe foi uma professora das mais exigentes”, revelou-nos o mestre aquando de uma entrevista, em 2002, para o Magazine Kultura. Dono de uma modéstia sem par, Ano Nobo foi um homem culto, amante da leitura e generoso, ao ensinar toda uma geração de músicos. Segundo o pupilo Manel Candinho, “Ensinou música a todos os que o procuravam, foi meu professor, um homem humilde e servidor de todos. Ano Nobo é para mim tudo de bem que se pode dizer de outra pessoa”. As composições de Ano Nobu são testemunhos da sua vivência, com especial incidência sobre as desventuras do amor e da amizade. Enfim, um compositor das virtudes e das fraquezas humanas. Omi diskudadu Kornu ta fri, noba ta dadu Mudjer é sima violon Bu ta toka-l na prima Ta soa na bordon… Como momento mais importante de sua vida, assinalou a condecoração da Presidência da República, com a Medalha do Vulcão. Como dramaturgo, Ano Nobu foi agraciado com o Prémio de Melhor Peça teatral de Cabo Verde, em 1999, com “Julgamento do Toto”, mais conhecido por “Toto ku Tota”. Ano Nobu deixou outras peças inéditas, nomeadamente, «Fiticêra de Língua», «Mufino Ku Maroto» e «S. Vinte Três». Ano Nobo é um dos grandes da cultura cabo-verdiana. Um grande mestre que Cabo Verde perdeu a 14 de Janeiro de 2004. LUÍS MORAIS O clarinetista, compositor, maestro e professor Luís Morais foi a enterrar, no seu Mindelo natal, há quatro anos, a 1 de Outubro de 2002, precisamente no Dia Internacional da Música. Ti Lis, como era conhecido entre os íntimos, tinha marcado as últimas quatro décadas da música cabo-verdiana com as suas composições, solos de clarinete, ensino e, sobretudo, a sua personalidade doce e amiga e o seu profundo patriotismo. Natural de S.

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Vicente, nascido em 1935, vinha duma família de músicos, em que toda a gente tocava instrumentos de sopro. Foi um aluno prodígio de Nhô Reis, que nos anos 50 foi regente da Banda Municipal de Mindelo, da qual Luís Morais fez parte ainda adolescente e da qual veio a ser também maestro, anos depois. Depois de cumprir o serviço militar, parte para Dacar onde, durante oito anos, frequenta um conservatório, ao mesmo tempo em que toca em casas nocturnas. O passo seguinte é Roterdão. Nesta cidade, em 1965, irá formar, com Frank Cavaquinho, Jean da Lomba, Toi d'Bibia e Morgadinho e, ainda, Bana e Djosinha como vocalistas, em diferentes momentos, aquele que virá a ser um dos mais célebres grupos musicais do seu país: o Voz de Cabo Verde. Com as diferentes formações que, ao longo do tempo, este nome abrangeu, Luís Morais gravou cerca de 15 LP. Regressou a Cabo Verde após a independência e, desde então, a residir na sua ilha natal, dividiu-se entre o ensino e a direcção da Banda Municipal, que assume após a reforma de Jotamonte, outro grande nome da música cabo-verdiana, desaparecido há quase quatro anos. Gravou com um enorme leque de intérpretes da música cabo-verdiana e há muito perdera a conta das gravações em que participou. Individualmente, assina cerca de 30 títulos, entre LP e CD, em que há lugar para um pouco de tudo – da tradição das ilhas ao choro e samba brasileiros, passando pela cumbia, merengue e outros ritmos latino-americanos. Luís Morais foi um pioneiro na gravação de discos em Cabo Verde, gravando na Radio Barlavento, no final dos anos 50, com Titina, Djosinha e Amândio Cabral, entre outros, singles fabricados na Alemanha que foram editados pela Casa do Leão. Em Agosto de 2001, quando o Festival da Baía das Gatas homenageou o grupo Voz de Cabo Verde, Luís Morais já se encontrava nos EUA, para o tratamento de que não se recuperou. Em Maio tinha saído a sua última obra, "Novidade de Mindelo”, a coroar os seus mais de 40 anos de carreira. ILDO LOBO

Nascido na ilha do Sal em 25 de Novembro de 1953, Ildo Lobo fez parte da mítica formação cabo-verdiana “Os Tubarões”, que marcaram a música de Cabo Verde a partir da época da independência, a 5 de Junho de 1975, até à década de 90. Com a gravação de vários discos, a voz inconfundível e

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possante de Ildo tornou-se, sem dúvida, numa das principais marcas desse agrupamento.

Ildo Lobo era filho de outro grande cantor, António Sousa Lobo. Terá sido com ele que aprendeu a cantar, integrando-se assim na tradição das grandes vozes cabo-verdianas. Sem dúvida que a sua morte é uma grande perda para Cabo Verde.

Dividindo a sua carreira como músico com a profissão de oficial de alfândega, Ildo era não só conhecido pelas suas mornas, funanás e coladeras, como pelas suas posições políticas e discurso interventivo de cariz marxista. Depois da extinção dos Tubarões, o cantor prosseguiu uma carreira a solo tendo gravado o seu primeiro disco em 1996, com o título "Nos Morna", dedicado ao pai que acabara de falecer e inteiramente preenchido por mornas. A produção esteve a cargo de Mário Lúcio, do grupo Simentera, e a gravação decorreu em Paris com músicos oriundos da ilha de Santiago. No álbum seguinte, de 2001, "Intelectual", teve a acompanhá-lo a banda de Cesária Évora. O terceiro, “Incondicional”, tinha o seu lançamento agemdado breve quando Ildo faleceu, com apenas 50 anos.

Ao longo da sua carreira, iniciada aos 14 anos no conjunto Madrugada e prosseguida nos Tubarões, Ildo Lobo deu voz a compositores como Manuel d'Novas e Renato Cardoso e interpretou mornas como "05 de Julho", "Cabral ká morri" e "Porton di nôs ilha".

Ildo Lobo participou ainda numa homenagem a Timor-Leste durante a luta de independência deste país, com o funaná "Ask Xanana" (adaptado de um tema dos Tubarões, "Djonsinho Cabral"), e no disco "Filhos da Madrugada", onde cantou temas de José Afonso.

Embora já não esteja no nosso plano de existência, a sua presença não desaparecerá nunca enquanto o conseguirmos lembrar. Aqui fica um artigo do O Jornal A Semana, de 28 de Outubro de 2005, como testemunha dessa eterna lembrança: Só o tempo nos dirá o que verdadeiramente representa para nós o dia 25 de Novembro de 1953 e o dia 20 de Outubro de 2004” - Ramiro Mendes. Pois, é uma reflexão filosófica bastante profunda, esta afirmação de um grande músico sobre o passamento do malogrado Ildo Lobo. Volvido um ano do seu falecimento, a 20 de Outubro de 2004, Cabo Verde irá recordar sempre, geração pós-geração, Ildo Neves de Sousa Lobo, uma das maiores vozes da história da nossa música. O próprio Ildo, numa entrevista concedida ao jornalista António Silva Roque no jornal Artiletra, dizia: “Eu tinha de nascer num país de morna e rodeado pelo mar”. De facto, a consciência de ligação ancestral e afectiva à morna deste monstro sagrado da música cabo-verdiana, como o classificou o Humbertona, é notória e bem retratada no seu primeiro disco a solo “Nôs Morna”. Enfatizando mesmo esse elo com a sua veia artística, herança do seu lado paterno, ele disse: “É um trabalho que fica no meu curriculum como

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expressão da alma cabo-verdiana e do Ildo Lobo”. Note-se bem aqui a grandeza daquele que foi e continuará a ser um dos filhos prodígios que esta terra gerou e que permanecerá como uma chama acesa ao escutarmos a sua voz inconfundível. O Ildo Lobo, na sua qualidade de intérprete vocal, era extremamente exigente sobretudo na escolha das composições e do repertório que queria cantar. Não é por acaso que afirmou: “quem canta deve cantar com paixão, com sentimento”. E é esse espírito que ele trouxe à ribalta e fez conhecer da música de Cabo Verde ao mundo muitos dos seus grandes e talentosos compositores, tais como Anu Nobu, Tonecas Marta, Pedro Rodrigues, Kaká Barbosa, Renato Cardoso, Alcides Spencer Brito, Nhelas Spencer, Betú, Orlando Pantera, Tito Paris, Ramiro Mendes, Manuel Faustino e mais recentemente Djack Monteiro, Constantino Cardoso e Luís Lima Vaiss. Não incluí nesse rol o nome de um dos maiores compositores de Cabo Verde, o Manuel d’Novas, para poder realçar a cumplicidade que existia entre ele e Ildo Lobo. Na verdade, Bana e Ildo Lobo são os dois fiéis intérpretes do Grande Compositor. Tanto assim é que Ildo Lobo, confrontado com a pergunta de um jornalista, sobre qual o compositor da sua eleição, respondeu, citamos: “É bastante difícil a questão. No mundo da música, tenho viajado com diversos compositores, cada um com o seu talento, o seu género, enfim, não há que estabelecer comparações. Todavia, se me mandassem destacar apenas um compositor cabo-verdiano, sem sombra de dúvidas eu destacaria Manuel d’Novas” (extrato da entrevista com António Silva Roque). Com os músicos que o rodeava era de uma generosidade tamanha, espelhava no fundo a sua condição de homem sábio, arguto e de fino trato. Eu diria mais, o Ildo era um Grande Profeta, veio ao mundo transmitir a sua mensagem, fê-lo com toda a simplicidade e a sabedoria de quem sabia qual era a sua missão terrena. É só repararmos em mais uma pergunta com que Silva Roque o contemplou da seguinte forma: “E esse tempo percorrido tem significado?”. O Ildo responderia: “Tem um significado extraordinário porque sempre procurei em cada dia fazer algo para agradar o espírito. Julgo ser um homem feliz, porque a vida ensinou-me a valorizar as pequenas coisas. Nunca tive ambições de grandeza. A vida em si já é uma felicidade”. Somente os grandes homens conseguem realmente alcançar tal dimensão, a plenitude da vida, filosoficamente ser um homem apaixonado por tudo o que é belo, a natureza, o mar, o beijo da mulher amada, um copo de whisky. Assim era o Ildo que nós todos conhecemos. Um inegável defensor da música cabo-verdiana e da valorização e reconhecimento dos seus artistas nacionais. Era também um humanista e um homem de causas nobres, como o demonstrou com o emblemático conjunto “Os Tubarões”, cantando a independência nacional, eternizando temas tais como “Labanta braço bo gritá bô liberdade”, “5 de Julho”, “Biografia dum Criol”, “Porton d’nôs ilha”, como também cantando “Ask Xanana”, em prol da luta de libertação do povo timorense.

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Ildo Lobo, filho de Antoninho Lobo e de Rosa Ana Silva, nasceu a 25 de Novembro de 1953, no povoado de Pedra de Lume, ilha do Sal. A partir de 1970, fixava residência na ilha de Santiago onde, em 1973, entrava como vocalista e viola ritmo de Os Tubarões. Foi durante 20 anos o líder vocal do grupo. Com Os Tubarões gravou oito álbuns. Em 1976, estreia com “Pepi Lopi”, depois “Tchon di Morgado”, “Djonsinho Cabral”, “Tabanca”, “Tema para Dois”, “Bote, Broce e linha”, “Porton d’nôs Ilha” e “Os Tubarões ao vivo”. Em 1994, com a extinção do grupo, Ildo Lobo encetava uma carreira a solo, tendo gravado três álbuns, sendo o primeiro “Nôs Morna”, em 1997, “Intelectual”, o segundo, em 2001, e o terceiro, “Incondicional”, em 2004. Este último viria a ser lançado um mês depois da sua morte, a 25 de Novembro, data em que completaria 51 anos, na localidade de Pedra de Lume que o viu nascer. Como disse o senhor Primeiro-Ministro, José Maria Neves, Ildo Lobo é um património de Cabo Verde e como tal deve ser preservado e valorizado para que as gerações futuras possam permanentemente lembrar este grande vulto da cultura cabo-verdiana. ORLANDO PANTERA Chamava-se Orlando Monteiro Barreto, mas todos o conheciam por Orlando Pantera porque, quando criança, adorava revistas da Pantera Cor-de-Rosa, hábito contraído em Angola, para onde os pais o levaram com um ano (regressou a Cabo Verde em 1976, aos nove). O nome ficou e hoje está fadado a ser um dos mitos musicais de Cabo Verde. Como que a prever a sua morte, um dia escreveu numa composição: "Ó ki'm morrê antes tempo ressuscitan sem licença"(Quem morrer antes do tempo, ressuscita-o sem pedir licença). Considerado a mais importante revelação musical de Cabo Verde da última década, morreu jovem, a 1 de Março deste ano, depois de uma indisposição repentina que todos julgavam ser passageira. Um ou dois dias antes tinha actuado no Quintal da Música, espaço cultural criado na Cidade da Praia há um ano, em que fazia as honras da casa às quintas-feiras. Horas antes de ser internado, tinha estado com os amigos num "hora di bai", convívio de despedida em homenagem a quem ia viajar. Quem ouviu as suas actuações nos últimos tempos, no Quintal da Música, no Pub Cruzero, no Parque 5 de Julho, nos festivais da Gâmboa (Praia), Baía das Gatas (Mindelo) ou Sete Luas Sete Sóis (Santo Antão) sabia que o trabalho que iria gravar seria um dos momentos marcantes da música cabo-verdiana.

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Antes de estar pronto, "Lapidu na Bô" já era um sucesso entre admiradores. Hoje, alguns amigos procuram levar avante o projecto, como cumprimento de promessa ao músico morto, mas todos sabem que não será a mesma coisa. No máximo, será um esboço do sonho de seu criador, já que o estilo de música por que vinha enveredando era absolutamente pessoal. Revolução. Depois do fenómeno Carlos Alberto Martins (Catchás), o homem que no final dos anos 70 "transportou" a música rural da ilha de Santiago para os centros urbanos, depois de electrificá-la, morrendo também prematuramente em 1988, aos 36 anos, Pantera vinha operando outra revolução. Diferente daquela realizada pelo seu ídolo Catchás e o Bulimundo nos anos 70 e 80, diferente da que vem sendo realizado pelo grupo Ferro Gaita desde que há três anos despontou com força, dando um novo impulso ao funaná, batuque e outros ritmos de Santiago. A revolução de Pantera era mais discreta. A dele era uma música acústica e experimentalista, com influências afro-americanas, mas também profundamente cabo-verdiana. Pantera era uma síntese de Catchás, Antoni Denti D'Oro, Codi di Dona, Ano Nobo, Sema Lopi... Como esses trovadores, mergulhou nas raízes do mundo rural da ilha de Santiago, transformando cada composição numa crónica musical, revestida com ritmos que fogem aos géneros tradicionais. Como disse alguém, andava a criar o seu próprio género musical. O álbum a ser gravado seria o resultado desse experimentalismo. Seria o sinal de que tinha chegado a sua vez, depois de várias das suas composições terem sido gravadas por diversos cantores e grupos cabo-verdianos. É visível o sentimento de perda profunda que deixou entre os amantes da música cabo-verdiana. A morte levou Pantera quando ele apenas começava a esboçar as suas potencialidades. As colaborações profissionais nos últimos cinco anos de vida terão valido, talvez, toda a vida (breve) deste jovem nascido no interior da ilha de Santiago, em Novembro de 1967. Esteve em Portugal, França, Holanda, Brasil, EUA e outros países, em digressões, até que a saudade da família falou mais alto, regressando a Cabo Verde, sem deixar de continuar a assumir a música a tempo inteiro. Para atrás tinham ficado experiências musicais, numa espécie de rito de passagem, até chegar aos Arkorá, banda formada por jovens e talentosos músicos. Nos anos 80, integrara vários grupos, dentre eles o Pentágono e o Quinteto Capaverdeans Jazz Band. Mas, mais importante, o seu nome passou a ser uma referência musical a partir do momento que Os Tubarões gravaram, em 1993, algumas das suas composições, nomeadamente "Tunuca", no CD "Porton di Nôs Ilha". A descoberta, ao que parece, pertence ao vocalista desse grupo hoje extinto, Ildo Lobo, que incluiu no último álbum de Os Tubarões três peças do jovem músico. Bastava dizer que Orlando Pantera era o criador de "Tunuca" para logo se saber de quem se estava a falar. No entanto, entre "Tunuca" e as suas composições mais recentes existe uma enorme distância: tornaram-se mais complexas, sendo patente ressonâncias do jazz e de ritmos afro-americanos. Guitarrista e baixista, Pantera mergulhou também na percussão, retirando sons dos objectos mais inimagináveis. Aprendeu os primeiros acordes, em Luanda, numa viola construída a partir de uma lata de azeite (há, em Cabo Verde, quem faça assim violinos). Mais

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tarde, já de volta ao país natal, aprofundou os seus conhecimentos com o professor de música Kubala. Em 1993 conheceu um músico cabo-verdiano, com formação em jazz, Ney de Belinda, com quem privou e que o introduziu nesse género durante um ano. "Claro que o tempo foi insuficiente", confessou Pantera, "já que tentou transmitir-me em um ano o que devia estudar em cinco anos num conservatório. Uma das coisas que sempre me recomendava é a de que, para sermos bons músicos, temos que aprender a ouvir. E isso é verdade." Aberto que lhe foi o caminho, Pantera escolheu os seus ídolos (Catchás, Kaká Barbosa, Ano Nobo, Manuel d' Novas...), foi-lhes descobrindo os segredos e inventando os seus. Fez-se adulto, músico estimado, mas nunca perdeu o ar de criança, com um sorriso largo e inocente, sempre acompanhado com o violão. Conta Glória Martins, antiga presidente do Instituto Cabo-Verdiano de Menores, que um dia um jovem lhe apareceu no gabinete à procura de trabalho. Ela perguntou-lhe pelas habilitações literárias e ele respondeu que não tinha terminado o 9º ano, não sabia fazer nada, mas que gostava de crianças... Martins deixou-se render e decidiu dar ao estranho a oportunidade que ele lhe pedia, contratando-o como animador social. Foi o primeiro emprego de Orlando Pantera. Trabalhou na recuperação de crianças, palmilhou a ilha de Santiago, captando o linguajar e a filosofia de vida das pessoas. Além de procurar mostrar o caminho da vida aos seus alunos da Aldeia S.O.S. da Assomada, ensinava-lhes os segredos da música. Era adorado. Desse contacto com a realidade resultou um conhecimento mais profundo da ilha maior de Cabo Verde, fonte principal das composições deste músico que escrevia músicas como quem faz "leads". "Quando componho, as primeiras exigências são a de ter presente os seguintes elementos: quem, quando, como, porquê e onde", disse um dia. Seis meses após a morte, a música e a imagem jovial, simpática e alegre de Orlando Pantera continuam por aí, "lapidu" (colado) naqueles que conheciam o seu valor e sabiam o que ele ainda tinha a dar a Cabo Verde. (JOSÉ VICENTE LOPES – Expresso, 17 de Agosto de 2001)

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O TEATRO Socorremo-nos de Manuel Estêvão, uma voz de peso no mundo da arte cénica, para perceber a dinâmica teatral na República de Cabo Verde e principalmente na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, considerada a Capital Cultural do Arquipélago, personalizada na Associação Artística e Cultural - MINDELACT. Ao longo da sua história, Cabo Verde sempre viveu de ciclos onde a períodos de grande entusiasmo se seguiam outros de marasmo, inépcia e esquecimento. Como escreveu Mário Matos, um estudioso da história do teatro cabo-verdiano, "O teatro em Cabo Verde evoluiu ao longo dos tempos de forma variada. Teve períodos bons, em que mostrou uma face francamente positiva, e momentos de retrocesso, próprios de sociedades de deficiente evolução, com crises mais ou menos agudas que, desde os primórdios da descoberta, caracterizaram o húmus cultural das nossas ilhas". É importante referir que no teatro em Cabo Verde não há profissionalismo, ou seja, quando falamos de agentes teatrais, falamos de pessoas que têm os seus empregos e de estudantes, que com todas as dificuldades inerentes ao amadorismo se entregam de alma e coração ao Teatro. E todos sabemos que os que fazem teatro no Arquipélago não vão tirar dividendos económicos das suas acções ou do seu trabalho criativo. Se isso acarreta grandes dificuldades e por vezes desânimos fatais, que poderão explicar essas flutuações, existe por outro lado uma certa pureza, uma poesia humana notória, porque estas andanças implicam sempre uma grande entrega, um grande altruísmo e, por vezes, um enorme sacrifício. São Vicente é uma ilha com muitas carências a nível económico e faz parte de um todo que é o Arquipélago de Cabo Verde, varrido ciclicamente por terríveis catástrofes naturais, de que são exemplos as diversas secas e fomes que dizimaram periodicamente os habitantes desde 1580 a 1948. É um país onde não chove (ou chove raríssimas vezes), onde ironicamente as nuvens que o visitam são levadas para o oceano pelo vento alísio que vem do Leste, onde se importa quase tudo o que se consome. A sua riqueza está no homem "crioulo" (cabo-verdiano) e na sua rica cultura, esse produto maravilhoso da miscigenação de diferentes culturas - africanas e europeias - e que faz do cabo-verdiano um milagre humano. O escritor cabo-verdiano Germano Almeida, com a ironia que o caracteriza, conta-nos uma lenda que explica o aparecimento do nosso Arquipélago: "Deus estava muito ocupado a fazer o Mundo, os seus Povos e os seus Países. Terminada a obra sacode as mãos algo sujas do trabalho realizado e soltam-se uns pequenos grãos de terra que vão cair no Oceano Atlântico. Assim terão nascido as ilhas ‘mágicas’ de Cabo Verde". Isto para dizer que quem conhece as reais possibilidades geográficas e

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económicas do Arquipélago fica admirado com a quantidade de músicos, cantores, pintores, poetas e escritores que ele produz e alberga. Fazer trabalho criativo em Cabo Verde tem um cunho de magia e de transcendência e o teatro não foge à regra. Como nasceu a ideia da criação do Festival de Teatro em Cabo Verde? No ano de 1995, alguns amantes do teatro residentes na ilha de São Vicente saem para o terreno com um objectivo: organizar um Festival de Teatro, condizente com a tradição cultural de Cabo Verde, em geral, e da cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, em particular. Em cerca de 15 dias, os promotores do Festival viram concretizado esse sonho: Mindelo tinha um Festival de Teatro. O seu nome: MINDELACT. O Festival teve a duração de três dias, com cinco espectáculos teatrais a animar a cidade do Mindelo. A iniciativa, única na história do teatro em Cabo Verde com o objectivo de continuidade, teve um grande impacto junto do público e da comunicação social. No programa do MINDELACT 95 dizia-se então: "Mindelo é uma cidade mágica. O teatro é uma das melhores artes que pode abraçar essa magia e pensamos, por isso, que seria um crime abandonar esta arte nesta cidade. Não queremos ser cúmplices deste crime e eis, pois, o porquê desta aventura que no futuro não o será; será, pois, uma certeza. Queremos que o MINDELACT funcione como um estímulo ao teatro cabo-verdiano e um desafio concreto à capacidade de criação e da realização dos colectivos teatrais e dos criadores individuais e que reflicta o processo de revitalização que se vem sentindo no teatro em Cabo Verde, principalmente em Mindelo, tentando resistir à indiferença, tentando sair do marasmo em que se encontra, com o aparecimento de novos grupos de teatro e a confirmação de outros que não tem desistido em presentear o público mindelense com as suas obras. Esses novos grupos, juntamente com aqueles que já se encontravam em actividade, devem unir-se e essa união deverá funcionar como mola impulsionadora para uma verdadeira evolução do teatro das ilhas (...)". Esses promotores concluíram que a partir desse momento histórico não podiam parar. Urgia fazer mais. Solidificar o projecto, dando-lhe personalidade jurídica e órgãos eleitos, e institucionalizar a estrutura associativa, tornando mais funcional a organização do Festival de Teatro. Foram assim criados os Estatutos de uma Associação Artística e Cultural, denominada MINDELACT, efectuadas as "démarches" legais, aprovados os Estatutos e eleitos os órgãos da Associação: os alicerces estavam lançados para que nada mais fosse como dantes. O Teatro cabo-verdiano saiu a ganhar. É de salientar que nos anos anteriores se tinha feito uma tentativa para a criação de uma Associação de Teatro Amador, só que por motivos vários os seus promotores não conseguiram levar avante tal iniciativa.

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A Associação Artística e Cultural - MINDELACT definiu, na sua primeira Assembleia Geral, os seus objectivos de acção, que constam do Art.º 1.º dos seus Estatutos e que são os seguintes: a) Promover e desenvolver a divulgação do teatro em Cabo Verde; b) Organizar anualmente, sempre que possível durante o mês de Setembro, um Festival de Teatro, denominado MINDELACT - FESTA DO TEATRO, a decorrer na cidade do Mindelo; c) Promover e incentivar o aproveitamento de espaços subaproveitados como áreas de apresentação de espectáculos; d) Incentivar e apoiar os grupos teatrais já existentes em Cabo Verde e os que vierem a formar-se; e) Promover acções de formação na área do Teatro; f) Promover a apresentação de espectáculos teatrais de grupos estrangeiros no Festival, privilegiando o contacto com os grupos oriundos dos países Lusófonos, e internacionalizar desse modo o Festival; g) Servir de elo de ligação entre os agentes teatrais cabo-verdianos e os promotores de programas de intercâmbio teatral entre os países Lusófonos. MINDELACT é uma Organização Não Governamental, que pretende crescer com o teatro. É uma iniciativa ímpar no panorama passado do teatro em Cabo Verde, porque para além de pretender reunir, todos os anos, durante o Festival de Setembro, os mais interessantes criadores cénicos do Arquipélago e revelar novos valores ainda não explorados, pretende igualmente ser um ponto de contacto entre culturas Lusófonas, aproveitando de algum modo a aproximação linguística entre Cabo Verde e os povos irmãos de Angola, Brasil, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Timor Leste. Em 1996, a Associação MINDELACT lançou-se imediatamente ao trabalho. Durante 17 dias, reuniu na Festa do Teatro - MINDELACT 96 catorze grupos oriundos de cinco ilhas do Arquipélago. Em contacto directo com os responsáveis do Programa CENA LUSÓFONA - Associação Portuguesa Para o Intercâmbio Teatral, com sede na cidade de Coimbra e suportada em parte pela Câmara Municipal de Coimbra, foi possível levar a São Vicente uma co-produção teatral e uma magnífica exposição de fotografias de Augusto Baptista, fazendo do Mindelo a "costa de largada" desta exposição itinerante. No programa do MINDELACT 96 escreveu-se então: "Mais uma vez Mindelo é escolhido para ser espaço cénico de reflexão sobre a nossa cultura e de convergência daqueles que sonham, montam e representam o nosso Teatro nas diversas ilhas do nosso Arquipélago. (...) Esta resposta acarreta riscos inerentes a actividades do género, na medida em que a nossa cidade carece de mais e melhores meios para responder às exigências da sociedade. Mas conscientes do castigo que as dificuldades, que têm vindo a cair em jorros sobre os nossos artistas, acarretam, procuramos dar asas à imaginação voando conscientemente o voo da águia para que toda a sociedade veja com determinação e estoicismo que o desenvolvimento do Teatro em Cabo Verde é possível."

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O Festival de Teatro MINDELACT 96 teve várias vertentes, sendo de destacar: animações de rua a anunciar a Festa do Teatro; o aproveitamento dos vários espaços existentes na cidade; apresentação de alguns espectáculos nas Praças da cidade, em zonas essencialmente residenciais, onde foram montados palcos próprios dentro de uma filosofia de levar o Teatro às pessoas e não esperar que sejam elas a tomar essa iniciativa; o 1.º encontro de agentes teatrais, onde diferentes personalidades e responsáveis dos grupos presentes discutiram pistas para o futuro do teatro cabo-verdiano e o inevitável e salutar intercâmbio entre elementos de diferentes grupos e de diferentes ilhas do País. De 4 a 14 de Setembro, a 3ª edição da festa do Teatro do Mindelo, em parceria com a III Estação da Cena Lusófona, ocupou novamente a cidade com os seus folhetos, cartazes, batucada e espectáculos, e atraiu centenas de espectadores que ocorreram às salas de espectáculos, e reuniu artistas e agentes de teatro cabo-verdianos, angolanos, brasileiros, guineenses e portugueses. Nesse Mindelact 97, estiveram presentes 4 grupos cabo-verdianos, 1 grupo angolano, 1 grupo brasileiro e 1 grupo português. Para além das honrosas presenças do Presidente da Associação Cena Lusófona, Augusto António Barros, e de 2 elementos da Direcção da mesma, os encenadores Cândido Ferreira e Fernando Mora Ramos, registou-se também a presença do produtor José Mora Ramos de Portugal, do dramaturgo e encenador José Mena Abrantes de Angola e do Representante da Secretaria de Estado da Cultura da Guiné Bissau, José da Cunha, todos membros do Concelho Geral da Cena Lusófona. Estiveram ainda presentes os técnicos Ricardo Madeira, José Bandeirinha e José Carlos Faria de Portugal e o encenador Rogério de Carvalho luso-angolano. A lamentar, embora por razões compreensíveis, a ausência do teatro guineense, moçambicano e santomense. Devido às boas relações existentes entre a Associação Mindelact e a Cena Lusófona - Associação de Intercâmbio Teatral entre os Países de Expressão Portuguesa, a organização do Festival aceitou o convite de organizar o Mindelact 97 conjuntamente com a III Estação da Cena Lusófona, por ter sido Cabo Verde o país escolhido para receber esta actividade anual da Cena Lusófona, que já vai no seu terceiro ano. No que se refere ao teatro cabo-verdiano presente no Festival, é de se ter em conta a presença do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, na ilha de São Vicente, que abrilhantou a festa da abertura do Festival com a peça teatral "As Virgens Loucas", numa co-produção Cabo Verde - Portugal encenada por Cândido Ferreira, que arrebatou de novo (uma vez que a peça foi estreada no ano passado) muitos e sinceros aplausos e grandes elogios pela soberba encenação, valorizando o espaço não vocacionado para o teatro - diga-se, um pátio de uma escola secundária, que se manifestou pequeno para o imenso público presente - com um décor sui

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generis e uma convincente interpretação de actores que ano após ano vão-se afirmando com autoridade no espaço teatral cabo-verdiano. Da ilha de Santo Antão veio o Grupo Teatral "Juventude em Marcha" que, sob a direcção do actor Jorge Martins, trouxe ao Festival a peça "Destino Cruel", mais uma criação do mesmo Jorge Martins, um incansável pesquisador das tradições do povo santantonense e que nesta peça, como nas anteriores, consegue traduzir a alma dessa gente, numa linguagem simples, inteligível e acima de tudo teatral. E. a exemplo das anteriores edições, consegue trazer para o cine-teatro Éden Park um público numeroso e entusiasta. Bem haja o grupo, que já conquistou um espaço privilegiado no panorama teatral cabo-verdiano. O Grupo Teatral "Ramonda" da ilha de Santiago, com a sua segunda presença nos festivais da Associação Mindelact, veio confirmar a nacionalização do Festival de Teatro por um lado e, por outro, que o teatro na maior ilha do Arquipélago começa a ganhar a dinâmica dos anos 70 - 80, com uma linguagem actual, notando-se uma evolução técnica no seu estilo. Da autoria de José F. Martins, "Rabecindade de Família" é uma peça teatral que uma vez mais dá voz à vivência socio-cultural do interior de Santiago. O público viu, ouviu e aplaudiu. O teatro cumpriu de novo o seu papel de informar e formar todos quantos o procuram. O Teatro Experimental Frank Cavaquim de São Vicente, dirigido por Espírito Santo da Silva, apresentou a peça teatral "Corcundas", um espectáculo essencialmente de características didácticas cruzadas com um carácter lúdico. O autor transporta os espectadores ao imaginário estabelecendo uma ligação possível entre terrestres e lunícolas, trazendo estes últimos a felicidade que os 3 corcundas (personagens da peça) procuram nesta terra árida. Com caras novas no elenco de actores, o grupo esforçou-se por estar pela terceira vez no Festival Mindelact, transmitindo aos espectadores os seus sentimentos através de uma linguagem própria. Ainda no repertório do Mindelact 97 - III Estação da Cena Lusófona, não deixa de ser inédita em Cabo Verde a presença do teatro brasileiro, com dois profissionais multifacetados e com muita experiência de cinema, televisão e teatro - Nelson Xavier e Via Negromonte, que trouxeram ao Festival "O Romance dos Dois Soldados de Herodes" de Osman Lins. Fábula que mostra as reacções de dois soldados face à ordem do tirano Herodes para matar crianças nas cercanias de Belém. Na peça, Osman Lins faz uma mistura do ambiente da Palestina e do Nordeste brasileiro. Obra de grande qualidade, maravilhosamente interpretada por aquele que é justamente considerado um grande actor, coadjuvado por outra não menos excepcional actriz. O êxito obtido nas duas apresentações em Mindelo, não fez mais que confirmar o talento do Nelson Xavier e da Via Negromonte e a qualidade excepcional do seu trabalho. De Portugal, a aposta recaiu sobre a "Companhia Teatral do Chiado". Com um admirável trabalho, os 3 actores, protagonistas de "As Obras Completas

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de William Shakespeare em 97 Minutos" de Adam Long, Daniel Singer e Jess Borgeson, numa hilariante comédia, conseguem levar a assistência ao rubro com a sua forma de estar em cena, ao "apanharem" uma juíza do Supremo Tribunal de Justiça para ir ao palco "interpretar" o papel da Ofélia em Hamlet. Tratou-se de uma proposta de interpretação muito rica sob o ponto de vista do ritmo - muito acelerado (dir-se-ía, de alta velocidade) - confirmando a energia característica dos actores nesta peça, que é uma das melhores deste grupo, fundado por aquele que foi um dos melhores actores e encenadores portugueses: Mário Viegas, infelizmente já falecido. O espectáculo do Grupo "Elinga Teatro" de Angola, sob a direcção do encenador Rogério de Carvalho e que se intitulava "Luís Lopes Sequeira ou Mulato dos Prodígios" de José Mena Abrantes, tratou-se de uma co-produção Elinga Teatro - Cena Lusófona. Este espectáculo histórico-fantasista fala-nos de uma figura controvérsia de um oficial mestiço que no século XVII servia Portugal nas suas conquistas às terras angolanas. Os actores, enquanto decorre o espectáculo, tentam encontrar entre outras situações a explicação pela misteriosa morte do lendário oficial Luís Sequeira. Um espectáculo convincente do ponto de vista técnico e também comovedor. Um belo espectáculo, indispensável para quem queira conhecer alguns valores tradicionais e culturais angolanas. Para além do teatro, o Mindelact 97 - III Estação da Cena Lusófona teve outras actividades paralelas, que ocuparam as manhãs e tardes, os amantes de teatro e gente interessada neste fenómeno de comunicação. Falamos das Palestras, Mesas Redondas e Sessões de Formação dirigidas e orientadas pelos técnicos portugueses, angolanos e brasileiros presentes. A primeira foi a Formação orientada pela actriz brasileira Via Negromonte, sobre "A Importância da Musicalidade no Trabalho do Actor" e foi participada por actores cabo-verdianos e angolanos presentes no festival. De seguida, o actor brasileiro Nelson Xavier dirigiu uma Palestra sob o tema: "O Actor no Teatro, no Cinema e na Televisão", que teve uma ampla participação da plateia que esteve presente no Auditório do Centro Cultural do Mindelo. Aproveitando a presença no Festival dos técnicos e encenadores portugueses e angolanos acima mencionados, a organização propôs para o programa uma Mesa Redonda sobre "As Co-Produções Teatrais no Espaço Lusófono", uma vez que a maior parte desses convidados já tivera uma experiência nas co-produções realizadas nalguns países do mundo Lusófono (Portugal, Moçambique, Cabo Verde e Angola). Para este evento, foi cedido o salão da Biblioteca Municipal, no qual se registou uma razoável participação. Nesse mesmo espaço, dois dias depois, realizou-se mais uma Mesa Redonda sobre "Utilização de Espaços Alternativos para o Espectáculo de Teatro" que, para além da participação dos já citados técnicos portugueses e angolanos, contou também com as contribuições do João Branco e Manuel Estevão, da direcção da Associação Mindelact. Uma vez mais, o diálogo animado foi a tónica do encontro.

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Neste intercâmbio que caracterizou o Festival, os cenógrafos e luminotécnicos cabo-verdianos, como Manú Cabral e outros, tiveram a oportunidade de trocar as suas experiências com os técnicos convidados, permutando mutuamente essas artes indispensáveis ao teatro. E para completar a Festa, diariamente, no final de cada espectáculo, aos participantes do Festival eram oferecidas noites de convívio, música e jantar (com "Cachupa" - prato tradicional cabo-verdiano), no pátio interior do Centro Cultural do Mindelo, como forma de dar aos convidados a "morabeza" (amizade) do povo cabo-verdiano. Referindo-se ainda aos momentos de confraternização, foi organizado, em colaboração com o grupo teatral "Juventude em Marcha" e com o apoio das Câmaras Municipais do Porto Novo e da Ribeira Grande, um passeio-convívio com todos os participantes do Festival à ilha de Santo Antão, de onde regressaram extasiados pela beleza dessa ilha fantástica. É de salientar as importantes intervenções nos espaços cénicos do cine-teatro Éden Park e do Centro Cultural do Mindelo, como trabalho preparatório do Festival, adaptando-os assim às exigências dos espectáculos. No cine-teatro Éden Park, foi aumentado o palco cerca de 2 metros na direcção da plateia, facultando mais espaço aos actores em cena e a montagem de uma teia-técnica no tecto e suportes de projectores nas laterais exteriores da Caixa. No auditório do Centro Cultural do Mindelo, montou-se também uma teia-técnica para projectores, além de um pano negro de fundo e respectivas pernas laterais, tornando o espaço cénico numa verdadeira Caixa-negra. Os camarins foram todos equipados por forma a corresponderem totalmente às necessidades dos actores. Pode-se afirmar que esse auditório ficou com capacidade de acolher espectáculos de níveis de exigências mais elevados. Facto, aliás, constatado por todos quantos assistiram os espectáculos nessa sala. Na sequência do Festival, efectuou-se a reunião do Conselho Geral Provisório da Cena Lusófona que, entre outros temas, analisou uma proposta do núcleo angolano no sentido de organizar a próxima reunião deste Conselho Geral em Novembro de 97, na capital angolana, Luanda, e assim decidir sobre o país de acolhimento da IV Estação. E, por último, o Conselho Geral, depois de ter feito um balanço da III Estação, integrada no Mindelact 97, "manifestou a sua satisfação e apreço pela evolução que o Mindelact tem vindo a registar e pelo destaque que vem assumindo no contexto do teatro cabo-verdiano, reforçando a convicção de que este festival ocupa já, e alargará no futuro, um espaço activo e central no movimento de intercâmbio teatral Lusófono". A Associação Mindelact foi também agraciada com um louvor especial do Conselho Geral, pela organização do Festival Mindelact 97 - III Estação da Cena Lusófona.

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Conseguiu a Associação Mindelact, nestes dois anos, através deste Festival, chamar a atenção de todos os cabo-verdianos e do mundo Lusófono, e não só, para esta actividade tão rica na cidade do Mindelo, que esperamos algum dia venha a ter a dimensão e o verdadeiro acolhimento que todos almejam. E num crescente interesse na divulgação desta nobre actividade, que passou a ser parte integrante da programação anual do Verão Cultural da cidade do Mindelo e consequentemente de Cabo Verde em geral, acompanharam e cobriram com grande entusiasmo esta 3ª edição da Festa do Teatro os seguintes órgãos de comunicação social portugueses e cabo-verdianos: Agência Lusa, R.D.P. África, R.T.P. África, Jornal "Público", Diário de Notícias, Diário de Coimbra, Diário das Beiras e a Grande Reportagem, de Portugal; R.T.C. - Rádio e Televisão, Rádio Nova, Jornal "A Semana", Novo Jornal de Cabo Verde, Correio 15 e Agência Cabo Presse, de Cabo Verde. Foi, sem dúvidas, o evento cultural com maior cobertura noticiosa em Cabo Verde, no ano de 97. Sem falsas modéstias, o Mindelact 97 - III Estação da Cena Lusófona, foi um êxito, mas graças a todas as pessoas e instituições oficiais e privadas que, em grande número em Cabo Verde e na maior parte dos países Lusófonos, tornaram possível a realização deste evento. Logo no primeiro ano, os dirigentes da Associação Mindelact demonstraram ter vontade de trabalhar para a internacionalização do Festival e dignificar, assim, a cidade e o país, quer no respeitante à organização, quer no que se refere à qualidade dos grupos participantes. De ano para ano o Mindelact vem conquistando no país o lugar que lhe é reservado como o impulsor de uma nova mentalidade teatral em Cabo Verde, (ver o site http://www.mindelact.com/apresentacao.htm) porque a perseverança tem sido o leme dos seus organizadores. Desde essa época até hoje, o Teatro tem-se afirmado e dignificado; vejamos então, só por curiosidade, o Balanço do Mindelact sobre o ano de 2005: Como tem acontecido nos últimos dois anos, fizemos a nossa análise do que de mais significativo aconteceu nas artes cénicas cabo-verdianas no ano que passou. Foram 365 dias muito movimentados para o teatro cabo-verdiano e por várias razões, algumas das quais poderão ditar mudanças estruturais no panorama das artes cénicas do arquipélago. A abertura do CEDIT - Centro de Documentação e Investigação Teatral na cidade do Mindelo, a forte aposta na formação teatral na capital Praia e o incremento do teatro para a infância são apenas algumas notas de destaque de um ano francamente positivo. Situado no Mercado Municipal, foi oficializado no dia 25 de Março de 2005 o início de mais uma etapa na caminhada do teatro cabo-verdiano, com a inauguração do CEDIT - Centro de Documentação e Investigação Teatral, presidida por Dra. Isaura Gomes, Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, parceira institucional desta iniciativa da Associação Mindelact.

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Aquela que já é considerada como a “edificação da memória do teatro nacional”, tem tudo para ser, pois, um dos projectos mais acarinhados pela comunidade teatral nacional. Uma iniciativa da Associação Mindelact, que ao longo dos anos foi acumulando um importante acervo documental e bibliotecário, e que pretende agora reforçar, informatizar e colocar à disposição de todos os interessados. No campo da preservação da memória teatral, como noutras áreas de intervenção a nível das artes cénicas, Cabo Verde aparece na vanguarda, dando o exemplo da persistência e da criatividade, não esmorecendo perante as inúmeras dificuldades, inevitáveis quando se desenvolve actividade artística num país com tantas insuficiências estruturais. Este foi o acontecimento do ano de 2005. A abertura de um Curso de Iniciação Teatral na cidade da Praia poderá vir a representar um importante impulso para que o teatro pegue de estaca, de forma mais consistente, na capital de Cabo Verde. O teatro cabo-verdiano não terá nunca todo o seu potencial aproveitado se não houver uma aposta séria na maior cidade do país. Desta vez, numa iniciativa conjunta do Instituto Camões - Centro Cultural Português e da Associação Mindelact, com o apoio do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, parece que a preocupação é construir o edifício pela base, ou seja, pela formação. Orientado pelo actor e professor João Paulo Brito, o curso iniciou em Janeiro e só terminará em Fevereiro deste ano. No percurso já vimos uma peça - "27ponto1", apresentada em Julho, e outra está a caminho. Se tivermos conscientes da importância que este género de formação teve na implementação de uma dinâmica teatral no Mindelo, com enorme repercussão a nível nacional e internacional, facilmente poderemos deduzir da importância deste curso. Que venham mais, a bem do teatro em Cabo Verde. Escolhemos como espectáculo do ano a peça "Mar Alto", uma sentida homenagem que o Grupo de Teatro do CCP - ICA não quis deixar de fazer ao poeta e ensaísta Eugénio Tavares, no ano em que passou o 75º aniversário da sua morte. Estreado no mês de Março, este espectáculo foi classificado por alguns órgãos de comunicação social escrita como "a melhor produção cénica do ano". O destaque, desta feita, vai todo ele para os actores. O poeta Filinto Elísio não hesita em "curvar-se humildemente diante da interpretação dos três actores que, numa jangada estilizada e numa deriva faz de conta, deram dimensão dramática aos textos de Eugénio Tavares." O jornalista António Monteiro, por sua vez, destaca a interpretação do trio Manuel Estevão, Fonseca Soares e Paulo Santos e considerou-os, não sem uma ponta de exagero, "provavelmente três maiores actores dramáticos da actualidade". A peça viajou duas vezes para Portugal, tendo sido apresentada em Coimbra e no Porto, em representação do teatro, nas semanas culturais promovidas por aqueles municípios, em conjunto com a Câmara Municipal de S. Vicente. Alguns meses após a estreia, o Parlamento de Cabo Verde aprova o dia 18 de Outubro, dia de nascimento de Eugénio Tavares, como o Dia Nacional da Cultura. Nem de propósito.

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A 11º edição do Festival Internacional de Teatro do Mindelo - Mindelact 2005, é outro dos destaques do ano. Com uma programação de altíssimo nível artístico, foi pela primeira vez considerado "o maior evento teatral do continente africano". A contínua aposta no teatro infantil é outro destaque de 2005. Para além do TIM - Teatro Infantil do Mindelo, também o Atelier Teatrakácia e a Companhia Cena Aberta apresentaram espectáculos infantis, mostrando que este género teatral está em crescendo em Cabo Verde. O Prémio de Mérito Teatral 2005 foi atribuído ao Banco Comercial do Atlântico, pelo papel importante enquanto mecenas apoiante da cultura, em geral, e das artes cénicas, em particular. No ano em que foi regulamentada (?) a Lei do Mecenato, este prémio não podia ter sido mais pertinente. Finalmente, destacamos, no final do ano, a apresentação no Mindelo do ciclo "Shakespeare em crioulo", com a participação de três grupos da cidade, e duas produções / adaptações de obras deste dramaturgo. "Rei Lear - Nho Rei já bá cabeça" (Grupo de Teatro do CCP Mindelo & Atelier Teatrakácia) e "Sonho de um Noite de Verão" (Companhia Solaris), foram as peças levadas à cena. E assim o nosso teatro terminou o ano em grande forma. Em 2006, o Festival de Teatro foi uma vez mais um êxito, como retrata este comentário (Notícias Teatrais – Mindelact): Os primeiros dias do festival Mindelact 2006 estão a superar todas as expectativas. O ambiente do Centro Cultural do Mindelo parece transfigurar-se e respirar teatro por todos os poros. A actuação da companhia angolana Miragens Teatro aconteceu ontem e é já um dos espectáculos mais marcantes desta edição. Inesquecível. A belíssima instalação cenográfica «Nôs Compadecida» tem funcionado como um cartão de visita no coração do festival, as bancadas colocadas no pátio transformam o espaço num pequeno e simpático anfiteatro ao ar livre e a área contígua ao próprio Centro Cultural do Mindelo, com o parque de estacionamento transformado num bar tradicional cabo-verdiano - uma iniciativa da Kaza d’Ajinha de Kiki Lima - tudo isso tem contribuído para esta atmosfera prazenteira e alegre que sempre foi apanágio do festival de teatro Mindelact. Os espectáculos têm também correspondido, com uma abertura feita pelo Sarron.com, que apostou na inovação: um musical cabo-verdiano, com a direcção musical do virtuoso Hernâni Almeida, actrizes cantando e dançando no palco com belos figurinos, transportando-nos para o tempo em que o Porto Grande do Mindelo movimentava a cidade e tudo isto ao bom estilo dos musicais da Broadway. A sala, completamente esgotada, aplaudiu o «atrevimento» e todos saíram com um sorriso nos lábios, como quem acaba de rever um de antigas fotografias de família. O segundo dia ficou marcado pelo espectáculo do grupo Art’Imagem, que com um texto denso e difícil nos brindou com um grande trabalho de interpretação, com destaque para o cabo-verdiano João Paulo Brito, que mais uma vez provou ser um dos actores nacionais mais versáteis do momento. A companhia das Canárias, Teatro del Encanto, trouxe-nos uma peça em que a completa identificação da temática – saudade, espera, o mar,

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a perspectiva da viagem para terra longe – foi a pedra de toque. Apesar das dificuldades de entendimento, pois o texto foi todo interpretado em castelhano, o público aplaudiu de pé as 4 actrizes que trouxeram beleza e encantamento aos palcos do Mindelo. Entretanto, os espectáculos não se limitam ao palco principal. As crianças deliciam-se com o programa Teatrolândia – patrocinado pela Garantia - que já levou o teatro à rua, com o divertido Enano. Este artista espanhol fez também a abertura do Festival Off no Sábado e podemos dizer que foi o momento mais hilariante do festival até hoje. O estilo de interpretação, com muita interacção com o publico, fez com que alguns desprevenidos espectadores tivessem sido apanhados pelo actor, que os transformou em artistas do momento. De destacar ainda o Staticman, que deixou todos de boca aberta e arrancou largos aplausos com a sua estátua de Mozart, no primeiro dia do evento. «A organização deste festival é bastante profissional», comentou o técnico Paulo Martins do Art’Imagem (Portugal), já muito habituado a estas andanças. Por sua vez, o director artístico do evento, João Branco, prefere reforçar a importância da implementação da cultura do Mecenato em Cabo Verde, agradecendo o apoio das empresas nacionais e enfatizando a importância da Cooperação Portuguesa na realização do evento. «Esse apoio foi significativo e, mais do que isso, emblemático, porque a Cooperação Portuguesa, naturalmente, é uma entidade extremamente exigente e selectiva no que diz respeito às suas escolhas e apostas na ajuda ao desenvolvimento. Ao continuar a apostar neste festival, a Cooperação Portuguesa está a reconhecer o festival Mindelact como um factor de desenvolvimento cultural e social deste País. E esse reconhecimento é motivo de grande orgulho para todos nós». Artistas de Angola, Brasil, Galiza, Canárias, Itália, EUA e de várias ilhas de Cabo Verde convivem diariamente entre as paredes do Centro Cultural do Mindelo e pelas ruas e praças da cidade, comprovando, se preciso fosse, que este festival é acima de tudo, hoje e cada vez mais, um festival de afectos e cumplicidades humanas”. Num país de artistas, esta é sem dúvida mais uma excelente demonstração da sensibilidade expressa do povo cabo-verdiano.

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A GASTRONOMIA A culinária cabo-verdiana é baseada em pratos típicos, confeccionados sobretudo a partir do milho e do feijão, da batata doce e da mandioca. Variadas e saborosas são as suas iguarias: a catchupa fresca e guisada, o xerém, o caldo de peixe, a canja, a “dgajacida” (papas de farinha de milho cozido com favona), o cuscuz, os pasteis de milho, os queijos com doce de papaia, os doces de coco, a açucrinha, as filhós, enfim tudo isto constitui uma delícia para os olhos e um conforto para o paladar. É também um símbolo da identidade do Arquipélago e encontra-se presente em cada “pedaço de chão” em que se encontre um cabo-verdiano.

Ouçamos alguns comentários sobre os manjares di terra:

“Eu adoro a canja. E' um dos meus pratos predilectos. E' também um dos pratos que preparo com prazer. Junto com o arroz com atum, é o prato que me faz matar a saudade. Minha mâe nâo era uma grande cozinheira, mas sabia preparar muito bem a canja. A canja, como todos os pratos que levavam carne, era muito cara. Por isso, fazia-se raramente. Em Cabo Verde, comia-se a canja em grandes ocasiôes, alegres ou tristes. De facto, quando alguém está de cama doente, a familía sacrifica-se para encontrar uma galinha para fazer a canja ao doente. Quando eu ficava doente, minha mâe dava-me a canja. Comendo a canja, eu sentia-me cuidada. A noite do guarda-cabeça vem acompanhada pela canja. Também na véspera dos mortos, entre as tantas iguarias, há sempre a canja. Nas grandes festas, quando se acaba de comer, de beber e de dancar, há sempre alguém que diz: “mas nâo há uma canjinha ai?-. Ou entâo, indirectamente: “uma canjinha agora iria muito bem!“ “Hà a cachupa rica e a cachupa pobre. Obviamente a primeira comia-se na casa de famílias ricas e fazia-se com todos os ingredientes para fazer uma cachupa sabe (boa). A cachupa pobre era feita pela maioria da populaçâo que nâo tinha meios para comprar a carne e os outros ingredientes que dâo mais sabor. Em lugar da carne, que custava muito, em geral usava-se peixe, que em Cabo Verde custa pouco”. “Vivemos num arquipélago, no meio de um mar rico nas melhores variedades de peixe. É óbvio que sabemos preparar muitos pratos à base de peixe. As melhores sopas de peixe, como-as sempre em Cabo Verde. Todos os caboverdianos sâo loucos pelo caldo de peixe. Cada um tem o seu peixe preferido. Nem todos os peixes sâo bons para preparar esta sopa e nem sempre se encontra o tipo de peixe ideal. Eu como esta sopa com qualquer peixe, mas o meu peixe preferido para este prato é a garoupa. Para mim, a melhor parte é a cabeça. O caldo de peixe é um prato especial. Nâo se prepara todos os dias, mas com uma certa frequéncia. Nas festas, muitas vezes, substitui a canja. Quando alguém bebe demais, o que precisa para restabelecer-se é um caldo de peixe muito picante”.

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Algumas Receitas: Arroz Pintado Ingredientes:

• 300 grs de arroz agulha • 1 dl de azeite • 2 dl de feijão manteiga • 1 cebola grande • 3 tomates maduros • sal • leite de coco

Confecção: De véspera ponha o feijão a demolhar. No dia coza o feijão. À parte, faz-se um refogado com a cebola picada, o azeite e o tomate pelado e sem sementes. Deixa-se cozer o tomate e a cebola. Depois de cozido junta-se o feijão com um pouco da água em que cozeu e deixa-se ferver um pouco para apurar. Adiciona-se então o leite de coco (o dobro do volume do arroz) com sal e logo que levante fervura põe-se o arroz lavado e enxuto. Deixe cozer durante +/- 15 minutos em lume brando. Convém verificar. Batata Doce Frita Ingredientes:

• 500 grs de batata doce • óleo q.b. • sal q.b.

Confecção: Descascam-se as batatas e cortam-se em palitos ou rodelas. Lavam-se, secam-se e fritam-se em óleo bem quente. Depois de fritas salpicam-se com sal fino. É um bom acompanhamento para costeletas de porco. Bolinhos de Mandioca com Mel Ingredientes:

• farinha de mandioca q.b. • 3 ovos • 1 colher de café de bicabornato de sódio • 1 dl de azeite • 1 dl de água • 3 dl de mel de cana • 1 cálice de aguardente

Confecção: Batem-se muito bem os ovos inteiros com o mel até a massa ficar esbranquiçada.

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Junta-se a água, a aguardente e o azeite batendo sempre. Mistura-se depois à mão a farinha de mandioca com o bicabornato até se poderem tender. Formam-se bolinhos redondos que vão ao forno quente a cozer em tabuleiros bem untados com manteiga. Bolo de Banana Ingredientes:

• 200 gr de margarina • 200 gr de açúcar • 1 dl de leite • 4 ovos • 250 gr de farinha • 1 pitada de sal • 2 colheres de chá de fermento em pó • caramelo q.b. • 500 gr de bananas maduras • canela q.b.

Confecção: Bata a margarina amolecida com o açúcar até obter uma massa esbranquiçada. Dilua as gemas no leite e vá acrescentando ao preparado anterior, batendo sempre. Junte a farinha, o fermento e o sal. Mexa até obter uma massa homogénea. Envolva cuidadosamente as claras em castelo. Forre um tabuleiro com caramelo e distribua bananas cortadas às rodelas no fundo do tabuleiro. Polvilhe com canela e cubra com a massa. Leve a cozer em forno quente. Cabrito com Inhame Ingredientes:

• 500 grs de inhame • 2 tomates médios • 600 grs de cabrito • 1 cebola grande • 3 cravinhos-da-índia • 2 dentes de alho • 2 dl de vinho branco • 1 folha de louro • piripiri q.b. • sal q.b. • 1 dl de azeite

Confecção: Descascam-se os inhames e cortam-se aos quartos. Corta-se o cabrito aos bocados não muito pequenos.

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Leva-se um tacho ao lume com a cebola cortada em meias-luas finas, azeite, o tomate limpo de peles e sementes, os dentes de alho picados, a folha de louro e o cravinho a refogar. Quando a cebola estiver mole, junta-se o cabrito e refoga-se mais um pouco. Adiciona-se o vinho e um pouquinho de água e o inhame. Tapa-se o tacho e deixa-se cozer em lume brando cerca de 50 minutos. Convém verificar. Cachupa de Peixe Ingredientes:

• 750 grs de atum • 750 grs de imperador • 1,5 dl de feijoca • 0,5 litro de milho • 2,5 dl de feijão-vermelho • 3 dentes de alho • 2 cebolas grandes • 1 folha de louro • 4 folhas de couve-portuguesa • sal q.b. • piripiri q.b. • 100 grs de banha • água q.b.

Confecção: De véspera põe-se a demolhar o feijão e o milho. No dia cozem-se os peixes em água temperada com sal, a folha de louro, os dentes de alho esborrachados e a couve cortada aos bocados. Leva-se ao lume num tacho a banha com as cebolas picadas. Assim que a cebola aloire junta-se o feijão e o milho já cozidos, a couve e o peixe às lascas. Adiciona-se um pouco de água da cozedura do peixe. Tempera-se com piripiri e deixa-se ferver um pouco para apurar. Cachupa Rica Ingredientes:

• 1 pé de porco • 500 grs de frango • 1 chouriço • 1 farinheira • 150 grs de toucinho entremeado • 1 morcela • 500 grs de carne de vaca de cozer • 100 grs de banha • 3 dentes de alho • 2 cebolas grandes • 1 folha de louro • 0,5 litro de milho

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• 4 folhas de couve-portuguesa • 3 dl de feijão-pedra • 300 grs de batata-doce • 3 dl de favona • 300 grs de banana verde • 200 grs de abóbora • sal q.b. • piripiri q.b. • 1 ramo de salsa • 1 litro de água aproximadamente

Confecção: De véspera demolha-se o feijão e o milho. No dia seguinte cozem-se. À parte cozem-se as carnes e o toucinho. Noutro tacho cozem-se as folhas de couve cortada aos bocados, a batata-doce e a abóbora cortada aos cubos, a banana cortada às rodelas grossas. Leva-se um tacho ao lume com a banha, a cebola e os dentes de alho picados, a folha de louro e o ramo de salsa. Assim que a cebola comece a amolecer, juntam-se as carnes cortadas aos bocados e todo o resto das hortaliças. Tempera-se com piripiri e adiciona-se a água da cozedura das carnes e um pouco de água simples para que o caldo não fique muito forte. Deixa-se ferver um pouco em lume brando para apurar. Caldo de Peixe Ingredientes:

• 1 pimentão verde • 600 grs de peixe maruca • 200 grs de bolombolo (courgette) • 1 dl de azeite • 300 grs de batata-doce • 1 colher de chá de vinagre • 1 folha de louro • 300 grs de inhame • 2 tomates médios maduros • 2 cebolas médias • 400 grs de banana verde, com casca • 250 grs de batatas • sal q.b. • piripiri q.b. • 300 grs de batata-doce • 2 litros de água

Confecção: Leve ao lume num tacho a refogar a cebola cortada às rodelas, o azeite, o pimento cortado às tiras, a folha de louro, a salsa e o tomate pelado e sem sementes e picado. Quando o pimento e a cebola amolecerem, junte o peixe e deixe refogar por mais 2 minutos.

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Junta-se a água a ferver, o inhame cortado aos bocados e o vinagre. Deixe levantar fervura e a seguir juntam-se os dois tipos de batatas, as bananas e o bolombolo, todos estes ingredientes cortados às rodelas. Tempera-se de piripiri e sal e deixa-se cozer. Depois de cozido põe-se o preparado numa terrina e serve-se quente, acompanhado de papas de milho. Papas de Milho Ingredientes:

• 200 grs de farinha de milho fina • sal • 3,5 dl de água

Confecção: Mistura-se a farinha com a água e o sal e leva-se ao lume mexendo sempre até fazer estrada no fundo do tacho. Cocada Ingredientes:

• 10 ovos • 250 grs de açúcar • 300 grs de coco ralado • casca ralada de 1 limão • 125 grs de manteiga derretida • sumo de 1/2 limão.

Confecção: Bate-se muito bem o açúcar com a manteiga derretida, os ovos, a casca ralada do limão e o sumo do meio limão. Adicione o coco envolvendo bem sem bater. Verta a mistura numa forma bem untada com manteiga e leve a cozer em banho-maria cerca de 50 minutos em forno médio. Convém verificar. Depois de cozido, deixe arrefecer um pouco e desenforme. Sirva fresco. Lagosta com Amendoim Ingredientes:

• 1 lagosta com 1 kg • 1 dl de azeite • 2 dentes de alho • 300 grs de amendoim • 1 bom tomate maduro • 2 cebolas médias • 5 dl de água • piripiri q.b. • sal q.b.

Confecção:

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Corta-se a lagosta às rodelas e tempera-se com sal e piripiri. Leva-se um tacho ao lume com a cebola e os alhos picados. Deixa-se refogar mexendo de vez em quando até a cebola alourar um pouco. Põe-se as rodelas de lagosta e refoga-se mais um pouco. Pisa-se muito bem o amendoim em um almofariz, o mais fino possível. Misture a papa de amendoim com o tomate limpo de peles e sementes e picado. Adicione a água, misture e passe por um passador de rede espremendo bem. Deita-se o líquido obtido na lagosta. Rectifique os temperos. Tape o tacho e deixe cozer para apurar. Sirva acompanhada de arroz branco. Lagosta com Mancarra Ingredientes:

• 300 grs de amendoim (mancarra) • 1 dl de azeite • 2 cebolas • 1 lagosta • 2 dentes de alho • sal • 1 colher de chá de caril • 1 bom tomate maduro • gindungo (piripiri) • 5 dl de água.

Confecção: Pisa-se muito bem o mais fino possível a mancarra no almofariz e reserve. Corta-se a lagosta aos bocados e tempera-se com sal e piripiri. Leva-se ao lume num tacho o azeite com as cebolas e os dentes de alho picados. Deixa-se refogar até a cebola amolecer. Junta-se a lagosta e refoga-se mais um pouco. Entretanto misture a mancarra com o tomate pelado e sem grainhas e moído. Envolva muito bem e junte a água. Mexe-se bem e passa-se por um passador de rede. Junta-se o líquido adquirido na lagosta e rectifique os temperos. Tapa-se o tacho e deixe apurar um pouco. Serve-se acompanhada de arroz branco. Lagosta Frita Ingredientes:

• 2 lagostas pequenas e vivas • sal q.b. • piripiri q.b. • 5 dentes de alho • 1 colher de chá cheia de caril • limão • azeite q.b. • margarina q.b.

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Confecção: Cortam-se as lagostas vivas no sentido do comprimento. Retira-se a tripa e corta-se as antenas. Misturam-se os alhos picados, sal, caril e tempera-se as meias lagostas (ficam assim temperadas cerca de 30 minutos). Fritam-se numa mistura de azeite e margarina bem quente. Regue, se gostar, com sumo de limão. Sirva em travessa decorada com quartos de limão. Moreia de Cebolada Ingredientes:

• 3 tomates maduros • 1 folha de louro • sal q.b. • piripiri q.b. • 1 kg de moreia • 2 cebolas • 1 dl de azeite.

Confecção: Depois da moreia arranjada e lavada, corta-se às postas com +/- um dedo de espessura e salpica-se com sal. Leve a cebola cortada às rodelas finas, o tomate limpo de peles e sementes, o azeite, sal e piripiri e a folha de louro ao lume em um tacho a refogar. Tapa-se o tacho e deixa-se amolecer a cebola. De seguida junta-se a moreia para cozer, com o tacho tapado, cerca de 10 minutos em lume brando, agitando de vez em quando o tacho. Depois de pronta serve-se acompanhada de arroz branco. Pudim de Queijo Ingredientes:

• 500 gr de açúcar • 2 dl de água • 30 gr de margarina • 80 gr de queijo tipo Serra • 15 gr de farinha sem fermento • 15 gr de maisena • 6 ovos caramelo líquido

Confecção: Leve o açúcar e a água ao lume até obter ponto de pérola (para confirmar se está em ponto de pérola, encha uma colher de calda e despeje-a lentamente. Está em ponto de pérola se, ao cair, formar um fio ligeiramente preso, cuja extremidade parece uma bolinha). Retire do lume, junte a margarina e mexa até derreter. Junte o queijo ralado, a farinha, a maisena e os ovos. Misture bem e deite numa forma de pudim barrada com caramelo líquido, que deverá levar a cozer em banho-maria (no forno) durante cerca de 45 minutos.

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Salada de Lagosta à Moda de Cabo Verde Ingredientes:

• 1 lagosta com 1 kg • azeite q.b. • vinagre q.b. • 4 ovos • 500 grs de batatas

Confecção: Coze-se a lagosta em água temperada com sal grosso cerca de 20 minutos. Cozem-se as batatas juntamente com os ovos. Depois da lagosta cozida tira-se a casca e a tripa do dorso e corta-se aos bocados. Pelam-se as batatas e tiram-se a casca aos ovos e cortam-se às rodelas. Põe-se tudo em uma saladeira às camadas e tempera-se com azeite e vinagre e sal, se necessário. Sirva fresca. Xerém Tradicional Ingredientes:

• 200 grs de atum fresco • 2 colheres de sopa cheias de banha • 1 boa cebola • 250 grs de carolo de milho • 8 dl de leite de coco • sal q.b. • piripiri q.b.

Confecção: Depois do atum arranjado e lavado, corta-se aos bocados e tempera-se com sal e piripiri. Leva-se um tacho ao lume com a banha e cebola picada a refogar. Assim que a cebola alourar um pouco, junta-se o atum. Deixa-se refogar mais um pouco e adiciona-se o leite de coco. Deixa-se cozer cerca de 5 minutos e, de seguida, deita-se o carolo em chuva. Envolve-se bem e coze em lume brando cerca de 15 minutos. Depois de pronto serve-se imediatamente. Djagacida Ingredientes:

. 400grs abóbora

. 5 tigelas de água

. 2 tigelas de arroz

. 2 colheres de sopa de azeite

. 200 gr de carne salgada

. 1 cebola

. 250 gr de couve

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. 1 lata de ervilhas

. 250 gr de feijão

. 150 gr de xerém ou carolo de milho

. louro, pimenta e sal Confecção: Num tacho de barro, refogue 1/2 cebola cortada em 2 colheres de azeite. Junte louro, 1/2 colher de paprika, o líquido de uma lata de ervilhas e 5 tigelas de água. Cubra a panela e deixe ferver. Junte 2 tigelas de arroz, sal e pimenta, a abóbora descascada e cortada em cubos, o feijão previamente demolhado, a couve lavada e cortada em pedaços, as carnes salgadas cortadas em pedaços, o xerém de milho ou "carolo de milho" e as ervilhas. Coza em lume brando até que os legumes estejam cozidos. Junte mais água, se necessário. Doce de Leite de Cabo Verde Ingredientes:

. açúcar: 250 gr

. leite: 1 litro

. limão: 1 Confecção: Junte o açúcar ao leite, a casca de limão e deixe ferver. Junte o sumo de limão para cortar o leite e deixe ferver até atingir ponto de estrada. Depois de frio deite numa taça de vidro. Gufongo Ingredientes:

. açúcar: ½ chávena almoçadeira

. água: 4 chávenas almoçadeiras

. farinha de milho: 0,5 kg

. fermemte: 2 colheres de chá

. margarina: ½ chávena almoçadeira

. sal: 1 colher de chá Confecção: Ponha água a ferver, com a margarina, o açúcar e o sal. Retire do lume e acrescente a farinha de milho, mexendo até dissolver todos os pedaços. Coloque novamente ao lume e deixe cozer em lume muito brando durante cerca de 20 minutos, mexendo de vez em quando. Deixe arrefecer para poder pegar na panela e depois junte 2 colheres de fermento, um pouco de cada vez, até que seja fácil de amassar. Faça rolos parecidos com maçarocas (polvilhe as mãos com um pouco de farinha branca para evitar que a massa se pegue). Frite numa frigideira meio cheia de óleo, em lume médio. Volte os lados até ficarem todos dourados. Sirva quente com café

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CANJA DE GALINHA: Ingredientes:

. galinha: 1

. arroz conforme o nº de pessoas

. azeite: 1 colher

. cebola: 1

. tomates maduros sem peles: 2

. dente de alho: 1

. folha de louro: 1

. ramo de salva, pimenta, sal e 1 cubo de caldo de carne Confecção: Corta-se a galinha em pedaços pequenos e lava-se com água e sal. Coloca-se entâo numa panela, durante umas horas, com uma marinada de sal, alho em pedacinhos, cebola, azeite, cubo de caldo de carne e louro. Coloca-se tudo na panela, leva-se ao fogo para tomar sabor e acrescenta-se água suficiente para fazer um caldo consistente de arroz. Quando começar a ferver, acrescenta-se o tomate em pedaços e a pimenta. Se resultar muito líquido, deixa-se restringir o caldo aumentando o fogo. O segredo está em saber dosar a água com o arroz. Serve-se numa tigela com um raminho de salva e para quem gostar, acrescenta-se mais pimenta. É como vimos uma gastronomia rica, fantástica e saborosa, que em Portugal (ver http://kumidaditera.blogspot.com/) penetrou e se fixou como local de encontro e de lazer de portugueses e cabo-verdianos.

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A RELIGIÃO A evangelização do arquipélago é tão antiga quanto o seu povoamento, pelo que desde o início da sua colonização chegaram a Cabo Verde membros do clero que, a par da função religiosa, lançaram as bases de diversas instituições de ensino, os seminários-liceus, que preparavam jovens tanto para a vida religiosa, como para o funcionalismo público. A religião católica fluía a par das crenças religiosa africanas, que nunca desapareceram, apesar de fortemente proibidas pelo colono. Assim, as actuais manifestações religiosas resultam da adaptação dessas duas vertentes espirituais. O sincretismo religioso está por isso presente nas tradicionais romarias, procissões, festas dos santos populares, tornando esses eventos tão especiais e simultaneamente específicos deste arquipélago que se assume profundamente religioso. Há um grupo de cidadãos que constituem um grupo particular: os Rabelados, que vivem espalhados por algumas localidades da ilha de Santiago. Agrupam-se numa comunidade distinta e, até há pouco tempo, rebelavam-se contra toda a forma de poder instituído: não são baptizados, não se casam, não trabalham para o Estado, mas já começaram a a registar os filhos e a deixá-los ir à escola, mas continuam a ter firmeza nas suas convicções. Seguem a Bíblia, o Lunário Perpétuo e um Tratado de Medicina que os ajuda em várias questões ligadas à agricultura e à cura, através de plantas medicinais. São profundamente religiosos, estando a oração sempre presente no seu quotidiano. Todos os fins de semana reúnem-se para rezar e ouvir a leitura bíblica e as pregações feitas pelo chefe da comunidade. Viveram até recentemente de uma forma despojada, em casas feitas de colmo ou ramos de palmeira, seguindo os princípios de simplicidade que guiaram a vida de Jesus Cristo, mas já começaram a construir as suas habitações com outros materiais mais resistentes. Trazem uma cruz de madeira ao peito, pendurada num fio de corda pois, segundo eles, a madeira é um milagre de Deus. Não abraçam facilmente novos hábitos, embora com o tempo se comece a notar alguma flexibilidade de costumes.

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A EMIGRAÇÃO E A DIÁSPORA CABO-VERDIANA O contacto entre etnias e culturas diversas constituiu a génese da sociedade cabover-diana. A formação de uma sociedade de base escravocrata durante quase cinco séculos marcou a construção social, cultural e económica desse país, onde as condições climáticas impuseram duras condições de vida e estão na origem do fenómeno da emigração. A inexistência de recursos naturais, as prolongadas secas e o domínio colonial constituíram-se em agentes estruturantes da organização social e económica. Desprovida de recursos naturais, a velha instituição escravocrata encarregou-se de formar grupos económicos privilegiados à volta da posse de escravos e escassas terras agrícolas. Apesar da abolição da escravatura no século XIX, a estrutura sócio-económica manteve-se no geral, durante as primeiras décadas do século XX. É nessas condições que o fenómeno migratório ganha as bases e cresce ao longo dos três últimos séculos. Inicialmente foi uma migração interna, do interior para o litoral, seguida de uma migração inter-ilhas em direcção àquelas com melhores possibilidades económicas. Finalmente seguiu-se a emigração para os três continentes: África, América (do Norte e do Sul) e Europa. Em consequências do quadro geral de pobreza das ilhas, as sucessivas crises económicas acentuaram as correntes migratórias em diferentes períodos. A partir da segunda metade do século XX, a situação social agudizou-se com o aumento acelerado do desemprego, afectando essencialmente agricultores e camponeses que viviam no interior das ilhas mais agrícolas. É nessas zonas (o interior) onde as carências são mais sentidas. «Na área rural, em todas as ilhas, a habitação é extremamente modesta e pouco confortável, no geral reflectindo uma pobreza extensa. Nela, a vida é muito dura em todos os aspectos. Falta de um mínimo de assistência médica e sanitária, falta de água mesmo para beber, falta de géneros essenciais. As possibilidades de emprego, mesmo para os mais preparados, são poucas.» (CARREIRA, António, Migrações nas ilhas de Cabo Verde, Lisboa). O crescimento acelerado da população foi um dos factores que mais pressionou as migrações internas das zonas rurais para os centros e ilhas com maior capacidade de absorção de mão de obra desqualificada. Nesses pólos de atracção, sem estruturas mínimas que respondessem à essa rápida pressão demográfica, os problemas sociais acentuaram-se. Nessas situações, são as populações deslocadas, sem meios de fixação, que acabam por emigrar. São as classes sociais menos favorecidas, constituídas por pequenos agricultores, pequenos negociantes, rendeiros, marinheiros, pedreiros, carpinteiros, etc., que formam os maiores contingentes de emigrantes.

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As condições económicas no contexto colonial condicionaram todo o processo de escolarização da população cabo-verdiana, determinando tanto a quantidade como a qualidade do sistema de ensino. Embora seja a colónia que até 1975 tinha melhores índices de escolaridade, as suas estruturas eram desproporcionais em relação à população. Em 1934, apenas 5,07% da população estudava e, duas décadas depois (1952), a percentagem baixou para 3,96%. Nesse contexto histórico, em que a escassez afectava a maioria e os benefícios pertenciam a uma minoria, a escola funcionou como um filtro reprodutor dessa mesma lógica social. Isso era mais evidente a partir do nível secundário em que, até 1950, havia apenas um liceu (na ilha de S. Vicente) e só as famílias com boas condições económicas podiam suportar as despesas de deslocação e estadia fora da sua ilha de origem. É essa imensa maioria, afectada tanto no plano económico como no plano cultural, que vê a emigração como única saída capaz de mudar o seu "destino". A emigração cabo-verdiana processou-se em três correntes migratórias, conheceu três destinos e três fases diferentes. A primeira fase foi a emigração para a América do Norte (finais do século XVII até à segunda década do século XX), onde existe hoje a maior comunidade de emigrantes cabo-verdianos no mundo. A legislação restritiva nos anos vinte nos EUA desvia a "emigração americana" para a costa ocidental africana. A emigração "forçada" de trabalhadores para S. Tomé e Príncipe aumentou essa corrente. A terceira fase aconteceu no período que vai de 1946 a 1973, logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, em direcção aos países da Europa central e Países Baixos. Portugal, nessa fase, servia de "placa giratória" para a emigração em direcção a esses países. Essa corrente migratória deixou marcas na história da emigração cabo-verdiana. Com efeito, em 1964 iniciou-se a saída maciça de gente, constituindo o maior êxodo da história das ilhas, em todos os tempos. Sendo um fenómeno bem enraizado na sociedade cabo-verdiana, é um aspecto marcante na literatura, na música, onde expressões como "partida", "terra-longe", "saudade" e "destino" ganharam significados muito particulares para um povo que vive um dilema constante entre partir e ficar ou partir e regressar, bem patentes na música e na literatura ao longo dos anos. A forte ligação à "terra-mãe" expressa-se no constante envio de remessas de poupanças consideradas desde sempre um factor de equilíbrio na economia cabo-verdiana. A emigração portuguesa para a América (do Norte e do Sul), na década de cinquenta, para a Europa Central e Países Baixos nos anos 60 e a manutenção da guerra colonial, deixou um enorme vazio de mão-de-obra em Portugal. É nessa década que se dá um verdadeiro processo de substituição da mão-de-obra nacional pela mão-de-obra estrangeira, nesse caso, cabo-verdiana. A necessidade de mão-de-obra em Portugal e a pressão social

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causada pelas secas em Cabo Verde levaram o Governo de então a incentivar essa imigração e a criar um Centro de Apoio aos Trabalhadores Ultramarinos (CATU) em Lisboa para fazer o encaminhamento dessa preciosa mão-de-obra. É uma imigração essencialmente masculina, em idade activa, precária tanto a nível escolar como profissional, perfil correspondente à sua origem essencialmente rural. A percentagem de indivíduos com um nível de ensino médio era baixa, sendo constituída basicamente por funcionários públicos e bancários. Nesses anos, Lisboa e Faro eram os dois principais pontos de fixação desses primeiros imigrantes, locais onde a construção civil crescia rapidamente. A inserção laboral para esse grupo foi bastante difícil. Com efeito, as más condições de alojamento oferecidas pelas pequenas empresas eram disso exemplo. Muitas delas construíram dormitórios nos próprios locais de trabalho, em instalações precárias, agravadas pela sobrelotação. O compromisso com a família que ficou em Cabo Verde levou a uma sobrecarga no trabalho e a sujeição às suas péssimas condições, originando conflitos diversos, tanto dentro como fora do local de trabalho, problemas que também se verificavam com os trabalhadores madeirenses e açorianos. De facto, as experiências das relações sociais e laborais anteriormente vividas em meios insulares e rurais, onde a proximidade geográfica e social eram traços dominantes, foram subitamente confrontadas com mudanças bruscas, provocadas precisamente pela distância geográfica e social. No caso dos imigrantes cabo-verdianos, acrescente-se que o sentimento de ser estrangeiro vivido "na pele" era uma agravante em todos esses confrontos característicos dos processos de inserção social da maioria dos imigrantes. Todo este percurso histórico dos primeiros imigrantes cabo-verdianos (na sua faixa mais desfavorecida) permite-nos contextualizar e compreender, do ponto de vista social económico e político, toda a trajectória feita e que hoje se encontra numa acentuada marginalização social. A análise deste processo histórico permite-nos apreender os factores que estiveram na origem da formação e crescimento acelerado dos "bairros degradados", hoje habitados essencialmente por minorias étnicas, das quais a cabo-verdiana foi pioneira. Após a imigração laboral dos caboverdianos na década de sessenta, seguiu-se na década de setenta uma nova vaga de movimentos migratórios de sentido Sul-Norte, das antigas colónias para as metrópoles europeias, consequência das transformações social, económica e política que então se verificavam no sistema colonial. Com a descolonização, o processo de globalização ganhou novos contornos, as migrações acentuaram-se sob um novo contexto das relações internacionais. Passada essa fase turbulenta, inicia-se nos finais da década de setenta uma nova corrente migratória para Portugal, proveniente dos PALOP. O subdesenvolvimento do Sul e o desenvolvimento económico e social do

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Norte, onde se localizam as antigas metrópoles, são de um modo geral os factores que explicam essas correntes migratórias. A década de oitenta, considerada como o período em que as migrações internacionais atingiram níveis sem precedentes, foi para Portugal o período de consolidação dessas novas correntes migratórias. Os processos de legalização extraordinária de imigrantes, entretanto realizados permitiram confirmar a outra face da imigração em Portugal - a clandestinidade. Na origem desse fenómeno estão as fortes restrições impostas pela União Europeia nos últimos anos. As novas leis da imigração que actualmente vigoram no espaço da União Europeia restringem a entrada de estrangeiros. Todavia, em Portugal persiste o paralelismo do fenómeno emigração/imigração dos anos 60, continuando os trabalhadores portugueses a preferir a construção civil dos países da Europa central e do Norte, pelo que recurso à mão-de-obra estrangeira continuará a ser um imperativo. Hoje o Cabo-verdiano já não emigra tanto por necessidade, mas o partir e rasgar novas horizontes persiste na sua alma dividida entre o ir e o ficar. Mas onde se fixam, a sua cultura emerge, como podemos testemunhar nos bairros onde maioritariamente habitaram (ou ainda habitam) e onde os cheiros da cachupa ou milho torrado ondulam no ar ao som da morna, da coladera ou do funaná, testemunhos vivos do pulsar crioulo.

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CABO-VERDE EM LISBOA Em Lisboa, podemos estar em contacto directo com a cultura cabo-verdiana através dos espaços que a difundem. Algumas dicas aqui ficam: são lugares de convívio, de alegria, onde acontecem momentos imperdíveis que nos enriquecem e nos alimentam a alma. Vejamos então alguns deles: ASSOCIAÇÃO CABOVERDIANA DE LISBOA Música ao vivo Terças e Quintas à hora de almoço. Um almoço diferente, um almoço com morabeza. Rua Duque Palmela Nº 2 - 8º 1250-098 Lisboa Tel: 21 353 20 98 – 21 353 19 32 CASA DA MORNA

Restauração, Galeria e Palco. Rua Rodrigues Faria, 21 1300-501 Lisboa-Alcântara Reservas: 21 364 63 99 / 96 640 86 56 EN'CLAVE

Restaurante e Discoteca Rua do Sol ao Rato, nº 71 A 1250 Lisboa Telefone 21 388 87 38 ESPAÇO CABO VERDE Espaço de Quadros Técnicos de Cabo Verde, é um dos restaurante nos quais a cachupa está bem presente, com música ao vivo e dança ao ritmo das coladeras. Travessa do Fala Só, nº 9, 1º andar Lisboa (junto ao elevador da Glória) Tel. 21 342 03 33

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Pequenos Almoços, Petiscos, Lanches e Refeições Catchupa, Kalulu, Caldo de Peixe, Muamba, Cafriela, Caril de Frango, Pastéis de Atum, Canja de Cabo Verde, Mancarra, Kaçuco com Feijão em Óleo de Palma, etc, etc, etc ...e muita simpatia. Rua da imprensa Nacional, nº 64 B 1250-127 Lisboa Tel: 21 396 39 09 GUIBI

ALMADA - COVA DA PIEDADE Avenida Rainha Dona Leonor, 10 2805-011 ALMADA

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A INFORMAÇÃO, OS EVENTOS Para quem queira estar a par dos vários eventos sociais e culturais que acontecem em Portugal e que traduzem uma vez mais a identidade crioula, não pode deixar de ouvir a RDP África. É, sem dúvida, uma dos mais fortes meios de divulgação do que acontece por todo o país e que nos faz programar o nosso dia a fim de não perdermos os mais significativos. A RDP África é uma estação que pertence ao grupo Radiodifusão Portuguesa e que emite em FM para Lisboa e quatro dos cincos países africanos de Língua Portuguesa - Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A emissão segue de Lisboa, via satélite, para estações terrenas de FM nos já referidos Palop, podendo ser captada por satélite em Angola e noutros pontos de África. A emissão da RDP África tem 20 horas diárias, começando às 05h00 e terminando às 01h00, horas portuguesas, ligando-se entre as 01h00 e as 05h00 à emissão da Antena 1. Para além da música, maioritariamente africana e sobretudo oriunda dos cinco Palop mas com aberturas, mais ou menos largas, a outras músicas, portuguesa, brasileira, antilhana, latino-americana, etc, a emissão da RDP África tem uma forte vertente informativa e espaços orientados no sentido do debate, da interactividade, da cultura e do desporto. A RDP África tenta, nas suas emissões, realizar o equilíbrio multinacional na área da música e funcionar, no plano informativo, em dois sentidos, dirigindo para África informação portuguesa, do mundo e da comunidade africana que reside em Portugal e trazendo para Portugal uma larga informação africana. O objectivo fundamental da RDP África é funcionar como placa giratória de informação lusófona e as suas emissões encerram fortes componentes de informação e cultura lusófonas, a partir da atenção que se coloca na obtenção de elementos informativos e outros oriundos de Portugal, Palop e Brasil.

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AS NOTÍCIAS DI TERRA Podemos ler on-line, diariamente, as notícias fresquinhas di Terra, acedendo os sites de alguns jornais: http://www.liberal-caboverde.com/ http://www.asemana.cv/ Ambos têm excelentes jornalistas que nos dão diariamente informação sobre as ilhas, através das notícias sobre economia, desporto, política, sociedade, cultura, além dos dossiers temáticos. E como os cabo-verdianos sonham sempre com a Terra Longe, podem aceder aos voos que diariamente se fazem, contactando os TACV e programando a próxima visita: Avenida da Liberdade 36, 1º A 1250-145 Lisboa Central Reservations: 351 213 300 541 E-mail: [email protected]

CABO-VERDE (BREVE INFORMAÇÃO) Presidente da República: Pedro Verona Rodrigues Pires Primeiro-Ministro: José Maria Pereira Neves Capital: Praia - ilha de Santiago Concelhos: 22 - Boa Vista, Brava, Maio, Mosteiros, Paul, Praia, Porto Novo, Ribeira Grande, Sal, Santa Catarina, Santa Cruz, São Domingos, São Filipe, São Miguel, São Nicolau, São Vicente, Tarrafal, São Lourenço dos Órgãos, São Salvador do Mundo, Ribeira Grande de Santiago, Santa Catarina do Fogo e Tarrafal de S. Nicolau Área: 4.033 km2 (Ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boavista, Maio, Santiago, Fogo e Brava)

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Clima: quente, tropical seco, com chuvas irregulares (Agosto a fins de Outubro) e períodos secos (Novembro a Julho) População: 478,163 habitantes (em 2005) Língua: português (língua oficial) e crioulo cabo-verdiano Religião: católica (95%), pequenas minorias protestantes Moeda: ECV (escudo caboverdiano) - 1€ = 110,264 ECV Principais índices: IDH-2004: 105º; taxa de natalidade: 32,4%; taxa de mortalidade infantil: 29%/1000; taxa de crescimento populacional: 1,8%; população com menos de 15 anos: 39,9%; população com mais de 65 anos: 4,4%; esperança de vida à nascença: 70 anos; taxa de alfabetização: 75,7%. PIB per capita: 1.420 USD (2004) PIB-taxa de crescimento médio anual: 4,6% Taxa de inflação: 2,9%(2002-prog.) Orçamento 2006: 40 milhões de ECV - 363 milhões de Euros Distribuição do emprego: agricultura-30%; indústria-30%; serviços-40% Recursos: agricultura, pesca, produtos manufacturados, serviços-turismo Embaixada de Portugal na Cidade da Praia Chancelaria: Avenida da OUA Achada de Santo António Cidade da Praia - CP 160 Telefones: +(2382) 62 60 97 / 62 39 25 Telefax: +(2382) 62 32 22 E-mail: [email protected] Serviços de Cooperação Telefone: + (2382) 62 32 74 Telefax: + (2382) 62 61 27 E-mail: [email protected] Embaixada de Cabo Verde em Lisboa Avenida do Restelo, n.º 33 1449-025 Lisboa Telefone: 21 213 041 440 E-mail: [email protected] http://www.embcv.pt/index.asp

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OUTROS CONTACTOS ÚTEIS PARA A COMUNIDADE RESIDENTE EM PORTUGAL: ACIME Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas

Lisboa Rua Álvaro Coutinho, 14 1150-025 LISBOA Telefone: 21 810 61 00 Fax: 21 810 61 17 WebSite: http://www.acime.gov.pt/ E-mail: [email protected] Porto Praça Carlos Alberto, 71 4050-157 Porto Telefone: 22 204 61 10 Fax: 22 204 61 19 WebSite: http://www.acime.gov.pt/ E-mail: [email protected] Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante: CNAI - Lisboa R. Álvaro Coutinho, 14 1150-025 LISBOA Telefone: 21 810 61 00 Fax: 21 810 61 17 Horário: 2ª a 6ª das 08h30 às 16h30 CNAI - Porto Rua do Pinheiro, 9 4050-484 Porto Tel.: 22 207 38 10 Fax: 22 207 38 17 E-mail: [email protected] Horário: 2ª a Sábado das 08h30 às 14h00 Centro de Documentação do ACIME Rua Álvaro Coutinho, 14 - 1º andar 1150-025 Lisboa Tel: 21 810 61 65 Fax: (+351) 21 810 61 17 Horário: 3ª e 5ª das 13h00 às 16h30 com marcação prévia Consulta presencial da Base de Dados Entreculturas - sujeita a marcação prévia - Atendimento às 3ª e 5ª depois das 16.30h.

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Linha SOS IMIGRANTE Tel: 808 257 257 (a partir da rede fixa) Tel: 21 810 61 91 (a partir de rede móvel) Horário: 2ª. a 6ª. - das 08.30h às 20.30h Sábados - das 08.30h às 14.30h STT - Serviço de Tradução Telefónica (Serviço gratuito, disponível para mais de 50 línguas) Tel: 808 257 257 (a partir da rede fixa) Tel: 21 810 61 91 (a partir de rede móvel) Horário: 2ª. a 6ª. - das 10.00h às 18.00h INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Serviços de Informação ao Público Morada: Rua Conselheiro José Silvestre Ribeiro, 4 1649-007 Lisboa Telefone: 21 7115000 Fax: 21 7140332 E-mail: [email protected] Núcleo de Relações Públicas Telefone: 21 7115000 (ext: 204, 208, 211, 349, 373 Delegação Regional do SEF em Lisboa Direcção Regional de Lisboa Morada: Av. António Augusto de Aguiar, nº 20 1069-119 Lisboa Telefone: 21 358 55 00 INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL Av. José Malhoa, 11 1099-018 Lisboa Telefone: 21 7227000 Fax: 21 7227012 E-mail: [email protected]

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IEFP – Departamento de Certificação Rua de Xabregas, nº 52, 1949-003 Lisboa Telefone: 21 861 41 00 ISSS - Instituto de Solidariedade e Segurança Social Rua Rosa Araújo, 43 1250-194 Lisboa Telefone: 21 3102000 Fax: 21 313 11 02 E-Mail: [email protected] IDICT - Instituto do Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho Rua Gonçalves Crespo, 21 1169-139 Lisboa Telefone: 21 3576005 Fax: 21 3524500 Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa Rua Rodrigo da Fonseca, 198 1099-003 Lisboa Tel.:21 381 76 00 Ministério dos Negócios Estrangeiros Palácio das Necessidades Largo dos Rilvas, 1399-030, Lisboa Codex Tlf. Geral 213946000 Direcção-Geral do Ensino Superior Av. Duque D’ Ávila, nº 137, 4º andar 1069-016 Lisboa Tel.: 21 312 60 98 / 21 312 61 45 Fax: 21 312 60 41 Centro de Informações e Relações Públicas do Ministério da Educação (CIREP) Av. 5 de Outubro, nº 107, 1000 Lisboa Telefone: 21 793 50 14 Fax: 21 796 41 19 Av. 24 de Julho, nº 134-C, 1500 Lisboa Telefone: 21 397 70 71 / 8 Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) Av. 24 de Julho, nº 140 e/ou 138, Lisboa Telefone: 21 393 4500

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ONG’s São várias as instituições de âmbito não governamental que têm apoiado os imigrantes, que escolheram Portugal como país de destino. Aqui ficam alguns contactos: ACEP - ASSOCIAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS Apartado 24 433 - 1200 Lisboa Telefone: 21 386 52 78 Fax: 21 386 36 99 E-mail: [email protected] AMI - FUNDAÇÃO ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL Rua José do Patrocínio, 49 - Marvila- 1900 Lisboa Telefone: 21 83716 92 Fax: 21 859 23 62 E-mail: [email protected] COOPAFRICA - ASSOCIAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Rua Maria Pia, 443 - 1350 Lisboa Telefone: 21 3870084 Fax: 21 3870084 CVP – Cruz Vermelha Portuguesa Rua Jardim 9 de Abril, 1 a 5 - 1293 Lisboa Codex Telefone: 21 396 21 27 Fax: 21 395 10 45 JRS – Jesuit Refugee Service Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados Estrada da Torre 26, 1º 1750-296 Lisboa Tel. 21 754 16 20 Fax. 21 757 7376

OIKOS - COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Rua de Santiago, 9 - 1100-493 Lisboa Telefone: 21 882 36 30 Fax: 21 882 36 35 E-mail: [email protected] OIM - Organização Internacional para as Migrações Missão em Portugal Praça dos Restauradores, 65 - 2º Esq . 1250-188 Lisboa Tel. 21 324 29 40 Fax. 21 324 29 49 E-mail: [email protected] Home page: www.iom.int

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REAPN - Rede Europeia Anti- Pobreza / Portugal Rua de Costa Cabral, 2368 4200-218 Porto Tel.: +351 225 420 800 Gabinete de Informação: +351 225 420 802 Fax: +351 225 403 250 E-mail: [email protected] Para os trabalhadores cabo-verdianos que trabalham em Portugal, aqui ficam os endereços de alguns SINDICATOS: CGTP-IN - Departamento de Emigração Rua Victor Cordon, 1 1200 Lisboa Tel. 213 721 819 Fax 213 423 662 União dos Sindicatos de Lisboa - USL R. S. Pedro de Alcântara, 63-2º 1250 - 238 Lisboa Tel. 213 474 964 Fax: 213 424 140 União Geral de Trabalhadores (UGT) Rua Buenos Aires, 11 1249 – 067 LISBOA Tel: +351 21 393 1200 Fax: +351 21 397 4612 E-mail: [email protected] Site: www.ugt.pt Sindicatos UGT por Sectores de Actividade:

- Indústria - http://www.ugt.pt/industria.htm - Transportes - http://www.ugt.pt/transportes.htm - Administração Pública e Saúde -

http://www.ugt.pt/administracao.htm - Educação - http://www.ugt.pt/educacao.htm - Comércio, Serviços e Escritórios - http://www.ugt.pt/escritorios.htm - Financeiro - http://www.ugt.pt/financeiro.htm - Quadros - http://www.ugt.pt/quadros.htm

- Diversos - http://www.ugt.pt/diversos.htm Federação dos Sindicatos de Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal Páteo do Salema, 4 - 3º 1150 - 062 Lisboa Tel: 218 873 844 Fax: 218 855 089

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Sindicato dos Trabalhadores de Serviço de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas Rua S. Paulo, 12 - 1º 1200 - 428 Lisboa Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Mármores e Madeiras e Materiais de Construção do Sul Praça D. Luís I, 17 - 1ºDtº 1049 - 023 Lisboa Tel: 213 961 102 Fax: 213 960 869 Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias da Construção, Madeiras Mármores, Pedreiras, Cerâmica e Materiais de Construção do Norte e Viseu Rua Santos Pousada, 611 400 - 487 Porto Tel: 225 390 044 Fax: 225 101 793 Sindicato Nacional dos Trabalhadores e Técnicos da Agricultura, Florestas e Pecuária Páteo do Salema, 4 1150 - 062 Lisboa Tel: 218 855 070 Fax: 218 855 089