buscando a relação teoria e prática em enfermagem
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
Sérgio Ribeiro dos Santos
SISTEMA DE INFORMAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL: buscando a relação teoria e prática em enfermagem
João Pessoa 2008
S237s Santos, Sérgio Ribeiro dos.
Sistema de informação e interação social: buscando a relação teoria e prática em enfermagem./Sérgio Ribeiro dos Santos. - João Pessoa, 2008.
216p. Orientador: Artur Fragoso de Albuquerque Perruci Tese (doutorado) - UFPB/CCHLA. 1. Enfermagem � Estudo e ensino
2. Enfermagem - Sistema de informação 3. Interação social 4. Grounded theory
UFPB/BC CDU: 616.083(043)
SÉRGIO RIBEIRO DOS SANTOS
SISTEMA DE INFORMAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL:
buscando a relação teoria e prática em enfermagem
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, vinculado à linha de pesquisa Sociologia do Trabalho, como requisito para obtenção do título de Doutor em Sociologia.
Orientador:
Prof. Dr. Artur Fragoso de Albuquerque Perruci
João Pessoa
2008
SÉRGIO RIBEIRO DOS SANTOS
SISTEMA DE INFORMAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL:
buscando a relação teoria e prática em enfermagem
Aprovada em: ________/________________/2008
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Artur Fragoso de Albuquerque Perruci - Orientador/UFPB
Prof. Dra. Maria Miriam Lima da Nóbrega - Membro/UFPB
Prof. Dr. José Rodrigues Filho - Membro/UFPB
Prof. Dra. Silke Weber � Membro/UFPE
Prof. Dr. Gilson Torres Vasconcelos � Membro/UFRN
DEDICATÓRIA
A Fátima, esposa e amiga, sempre presente.
Aos meus filhos, Sarah e Filipe, participantes desse
processo de construção.
Aos meus pais, Cícero e Carminha, pelo apoio e
incentivo constante.
Às minhas irmãs, Fátima, Adriana e Neves.
Aos meus familiares e amigos que, direta ou
indiretamente, me apoiaram nesta caminhada.
AGRADECIMENTOS
A Deus, Senhor da minha vida, que me sustenta e me guarda, que é a minha força e
minha alegria.
Ao meu orientador, Profo Dr. Artur Perruci, por acreditar na minha proposta e dar seu
apoio e conhecimento na construção desta tese.
Aos professores Dr. José Rodrigues Filho e Dra. Maria Miriam Lima da Nóbrega pela
constante colaboração e incentivo para que eu pudesse continuar lutando na busca dessa
conquista.
À Profa Dra. Margaret de Fátima Formiga Diniz, Diretora do Centro de Ciências da
Saúde, por ter propiciado a possibilidade de restaurar a minha titulação como Doutor.
Ao Profo Dr. Marcelo Sobral pelo incentivo e apoio para me inserir no PPGS.
Aos enfermeiros participantes deste estudo, por me terem permitido compartilhar de
suas experiências.
A Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, na pessoa do Profo
Ariosvaldo, pela disponibilidade sempre presente e pelo constante incentivo para que eu
pudesse superar os desafios do conhecimento.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, pela dedicação,
estímulo e amizade.
Aos colegas de curso, em especial, Marta Miriam, Maria das Graças, Eduardo Sérgio,
Elmano e Valéria, pelos momentos de estudos que tivemos juntos na busca do saber
sociológico.
Aos colegas do Departamento de Enfermagem, em especial, aos meus maiores
incentivadores Profa Solange Costa, Profo César Cavalcanti e Profa Maria Bernadete.
Ao Profo Félix de Carvalho, pela revisão de linguagem.
Às pessoas que, de um modo ou de outro, contribuíram para a realização deste estudo.
RESUMO
SANTOS, S.R. Sistema de informação e interação social: buscando a relação teoria e prática em enfermagem. 2008. 216f. Tese (Doutorado em Sociologia) � Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.
Trata-se de um estudo qualitativo, com o objetivo de compreender, através do discurso dos enfermeiros, a relação teoria e prática em enfermagem e as implicações para o desenvolvimento de sistemas de informação, a interação social e novas tecnologias. Para alcançar esse objetivo, optou-se por utilizar o interacionismo simbólico e a teoria fundamentada nos dados, como referencial teórico e metodológico. A população foi constituída por enfermeiros que atuam na Clínica Médica do Hospital Universitário - UFPB. Os enfermeiros foram entrevistados seguindo os procedimentos de amostragem teórica. A análise dos dados resultou no processo �Buscando a interação teoria-prática para desenvolver sistema de informação em enfermagem�. Tal processo foi constituído da integração entre categorias no modelo do paradigma de Strauss e Corbin em dois fenômenos: �Tentando aplicar os modelos formais na prática de enfermagem� e �Vendo a lacuna teoria e prática no sistema de informação em enfermagem�. À luz do interacionismo simbólico, o processo apresentou quatro estágios: o impulso: entrada na situação; a percepção: definição da situação; a manipulação: a ação; a consumação. Neste processo, os enfermeiros definem a ação e interpretam a dimensão do conhecimento tácito ou explícito, no contexto sócio-organizacional em que está inserida sua prática. Definindo e interpretando a situação da relação teoria e prática em enfermagem, de acordo com a sua visão de mundo, os enfermeiros traçam seus objetivos profissionais, destacando-se a implantação de um sistema de informação computadorizado. Além disso, estabelecem suas metas individuais, que são a valorização e o crescimento na enfermagem, a partir da compreensão de que é preciso ir à busca da interação teoria e prática no sistema de informação em enfermagem. Unitermos: Interação teoria e prática. Sistema de informação em enfermagem. Interacionismo simbólico. Teoria fundamentada nos dados.
ABSTRACT
SANTOS, S.R. System of information and social interaction: searching the theory and practical relation in nursing. 2008. 216f. Thesis (Doctorship in Sociology) � Program of Pos-Graduation in Sociology of the Center Sciences Human Social and Art of University Federal of the Paraíba, João Pessoa. This is a qualitative study aiming at understanding, through the speech of the nurses, the relation between theory and practice in Nursing and its implications to the development of information systems. To achieve the objective, the symbolic interaction theory and the grounded theory were used as theoretical and methodological references. Nurses who work at the Clinic of the University Hospital of UFPB formed the population of this research. They were chosen according to the theoretical sampling procedures. The result of the data analysis was the process �Searching for the theory-practice interaction to develop nursing information system�. Such process was formed by the integration among categories having Strauss and Corbin�s paradigm as a model, in two phenomena: �An attempt to apply the formal models in nursing practice� and �Examining the theory-practice gap in the nursing information system�. Based on the symbolic interaction theory, the process presented four stages: the impulse: the situation input; the perception: defining the situation; the manipulation: the action; the accomplishment. In the process, the nurses define the action and interpret the tacit or explicit knowledge dimension in the socio-organizational context where they work. When defining and interpreting the relation theory and practice situation in nursing, the nurses determine their professional objectives according to their views of the world, being the implementation of a computerized information system, a marked one. They also establish their individual goals, i.e. their professional recognition and development in Nursing from the comprehension that it is necessary to look for the theory and practice interaction in the information system in Nursing. Uniterms: Theory and practice interaction. System of information in nursing. Symbolic interactionism. Grounded theory.
RÉSUMÉ SANTOS, S.R. Système d'informations et interaction sociale: en cherchant la relation théorie-pratique dans métier d'infirmier. 2008. 216f. Thèse (Doutorado dans Sociologie) - Programme de Pos-diplôme en sociologie du Centre Sciences Humaines et Sociales Art de l'Université Fédérale de la Paraíba, de João Pessoa. Il s'agit d'une étude qualitative, avec l'objectif de decomprendre, à travers le discours des infirmiers, la relation théorie-pratique dans métier d'infirmier et les implications pour le développement de systèmes d'informations, l'interaction sociale et nouvelles technologies. Pour atteindre cet objectif, s'opte utiliser l'interacionismo symbolique et la théorie basée dans les données ils, je mange du référentiel théorique et méthodologique. La population a été constituée par des infirmiers qui agissent dans la clinique médicale de l'Hôpital Universitaire - UFPB. Les infirmiers ont été interviewés en suivant les procédures d'échantillonnage théorique. L'analyse des données a résulté dans le processus "En cherchant l'interaction théorie-pratique dans le système d'informations dans métier d'infirmier". Tel processus a été constitué de l'intégration entre des catégories dans le modèle du paradigme de Strauss et de Corbin dans deux phénomènes : "En essayant d'appliquer les modèles formels dans la pratique de métier d'infirmier" et "Je vends la lacune théorie-pratique dans le système d'informations dans métier d'infirmier". À la lumière de l'interacionismo symbolique, le processus a présenté quatre stages: l'impulsion : entrée dans la situation; la perception: en définissant la situation; la manipulation: l'action; la consommation. Dans ce processus, les infirmiers définissent l'action et interprètent la dimension de la connaissance tacite/explicite, dans le contexte partenaire-organisationnel dans laquelle est insérée sa pratique. En définissant et en interprétant la situation de la relation théorie-pratique dans métier d'infirmier, conformément à leur vision de monde, les infirmiers tracent leurs objectifs professionnels, se détachant l'implantation d'un système d'informations informatisé. En outre ils, établissent leurs objectifs individuels, qui sont l'évaluation et la croissance dans la métier d'infirmier, à partir de la compréhension dont est précis d'aller recherche de l'interaction théorie-pratique dans le système d'informations dans métier d'infirmier. Unitermos: Interaction théorie-pratique. Système d'informations dans métier d'infirmier. Interacionismo symbolique. Grounded theory.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Autores clássicos da sociologia 30
Figura 2 Quatro paradigmas 54
Figura 3 - Interação social do sistema no contexto da organização 89
Figura 4 - Relação entre tecnologia da informação e interação social 93
Figura 5 - Esquema do conjunto de dados necessários ao paciente, a partir da
experiência dos enfermeiros da Clínica Médica do HULW 136
Figura 6 - Modelo teórico do Fenômeno 1: Tentando articular o modelo formal
com a prática de enfermagem para desenvolver sistemas de
informação 142
Figura 7 - Modelo teórico do Fenômeno 2: Vendo a lacuna entre teoria e prática
para desenvolver sistemas de informação em enfermagem 165
Figura 8 - Descobrindo a categoria central: Buscando a interação teoria e prática
para desenvolver sistemas de informação em enfermagem 170
Figura 9 - Elementos integrados ao desenvolvimento de sistemas de informação 173
Figura 10 - Esquema do processo da ação humana 182
Figura 11 - Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistemas de
informação em enfermagem, à luz do interacionismo simbólico 196
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Exemplificando o agrupamento de códigos e da categoria 112
Quadro 2 - Procurando adequar os modelos teóricos com a prática de enfermagem 118
Quadro 3 - Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem 122
Quadro 4 - Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistemas
de informação em enfermagem 126
Quadro 5 - Procurando elementos da prática de enfermagem para compor um
sistema de informação 132
Quadro 6 - Querendo um sistema de informação 139
Quadro 7 - Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática de
enfermagem 145
Quadro 8 - Vendo a relação entre enfermeiro e paciente 150
Quadro 9 - Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem 156
SUMÁRIO 1. Considerações Introdutórias 14
1.1 Percurso do pesquisador 15
1.2 Aproximação do pesquisador com o objeto de estudo 19
1.3 Objetivos 26
2. Referencial Teórico e Metodológico 27
2.1 Perspectiva teórica de análise: o interacionismo simbólico 28
2.2 Articulando o interacionismo com o objeto em estudo 37
2.3 Apresentando a opção metodológica 39
3. Desenvolvimento de Sistemas de Informação 43
3.1 Sistemas de informação 44
3.1.1 Sistema de informação: visão rígida (hard) 45
3.1.2 Sistema de informação: visão flexível (soft) 47
3.2 Paradigmas para o desenvolvimento de sistemas de informação 50
3.3 Metodologias para o desenvolvimento de sistemas de informação 58
3.3.1 Metodologia tradicional 59
3.3.2 Metodologias alternativas 62
3.4 Necessidades de novos enfoques em enfermagem 70
4. Sistema de Informação: relação teoria e prática em enfermagem 75
4.1 O modelo teórico e a prática de enfermagem 76
4.2 Conhecimento explícito e conhecimento tácito 79
4.3 Interação do conhecimento tácito com o conhecimento explícito 82
5. Interação Social no Sistema de Informação 86
5.1 As organizações e o sistema de informação 87
5.2 Tecnologia da informação e interação social 91
5.3 Interação social: uma ponte entre o conhecimento formal e a prática 95
6. Caminho Metodológico 99
6.1 Natureza do estudo 100
6.2 Método de abordagem 100
6.3 Contexto da pesquisa 102
6.4 Sujeitos colaboradores da pesquisa 102
6.5 Estratégias para obtenção dos dados 103
6.6 Análise das informações 110
7. Apresentação e Integração dos Dados 114
7.1 Relatando a experiência vivenciada pelos enfermeiros 115
7.1.1 Fenômeno 1: Tentando articular os modelos formais com a
prática de enfermagem para desenvolver sistemas de
informação 116
7.1.2 Fenômeno 2: Vendo a lacuna entre teoria e prática no sistema
de informação em enfermagem 143
7.2 Inter-relacionando os fenômenos e descobrindo a categoria central 166
8. Construindo a Teoria 171
8.1 Indo em busca da teorização 172
8.2 Discutindo o processo de ação e interação 173
8.2.1 O contexto organizacional 173
8.2.2 O conhecimento teórico-prático 174
8.2.3 Sistema de informação 176
8.3 Indo em busca do significado do processo 177
8.4 Construindo o processo 180
8.5 Interpretando o processo à luz do interacionismo simbólico 183
9. Considerações Finais 197
Referências 203
Apêndices 212
Anexo 215
14
15
1.1 Percurso do pesquisador
Durante a nossa trajetória acadêmica, sempre tivemos interesse pela área de
tecnologia da informação, apesar de atuarmos como docente da disciplina Administração
Aplicada à Enfermagem. Essa identificação com o tema se acentuou quando recebemos o
convite para lecionar a disciplina Microcomputação em Saúde para os alunos do Curso de
Graduação em Enfermagem.
A popularização da informática entre os estudantes de enfermagem e docentes dos
Departamentos de Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) nos permitiu
desenvolver algumas pesquisas e, em seguida, criar o Grupo de Estudo e Pesquisa em
Administração e Informática em Saúde (GEPAIE).
Assim, na tentativa de aprofundarmos os conhecimentos na área de tecnologia da
informação, passamos a observar o trabalho dos usuários de sistemas computadorizados no
Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) da UFPB. Como resultado, pudemos
constatar que havia a necessidade de se implementar recursos humanos e financeiros,
principalmente, no gerenciamento de informações nos serviços de atendimento à saúde da
população, tais como hospitais, unidades de saúde e outras entidades afins. Para tanto, é
imprescindível que os profissionais de saúde tenham conhecimento dos recursos oferecidos
pela informação digital, atualmente disponíveis, para que possam prestar cuidados de saúde
com eficiência e qualidade.
Nesse contexto, países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Inglaterra e outros
considerados de Primeiro Mundo, têm avançado na pesquisa e no aprimoramento da
tecnologia da informação em saúde. Apesar disso, os enfermeiros desses países somente há
poucas décadas passaram a descobrir o valor e a utilidade da informática para a prática de
enfermagem (ÉVORA, 1995). No Brasil, isso também tem acontecido e o interesse nesse
campo do conhecimento cresce gradativamente com o surgimento de novas pesquisas
(CIETTO, 1986; ÉVORA et al., 1990; TEIXEIRA, 1990; MARIN, 1995; SANTOS; COSTA,
1999; ÉVORA; DALRI, 2002).
Nas nossas observações de caráter formal e informal como docente e pesquisador da
prática de enfermagem, constatamos que a informação é fundamental para a assistência e o
gerenciamento do serviço de enfermagem. Entretanto, isso requer interpretação e integração
16
de complexas informações clínicas, apoiando e ajudando a tomada de decisão do enfermeiro
no tocante à resolução e minimização dos problemas de saúde do usuário (cliente ou
paciente). Pudemos observar também que os enfermeiros gastam boa parte do seu tempo,
estima-se em torno de 40%, administrando e trocando informações. Dessa forma, admite-se
que a gestão da informação é uma parte decisiva das atividades cotidianas desses profissionais
(ROMANO et al., 1982; HENDRICKSON et al., 1990).
Diante disso, nasceu o propósito de verificar, por meio de uma pesquisa, o nível de
satisfação dos enfermeiros com a sua prática. Com esta preocupação, em 1990, iniciamos o
Curso de Mestrado em Enfermagem, vinculado ao Centro de Ciências da Saúde da UFPB, no
qual desenvolvemos o trabalho intitulado "Motivação no trabalho do enfermeiro: fatores de
satisfação e insatisfação" (SANTOS, 1992).
Com o término do mestrado, resolvemos mudar o enfoque do estudo da prática de
enfermagem para abordar o mesmo objeto de pesquisa, só que agora sob um novo olhar. Ao
ingressarmos no Curso de Doutorado em Sociologia, nosso interesse centrou-se em
compreender o processo de trabalho em enfermagem, no que tange à relação entre a teoria e a
prática, com base na vivência dos enfermeiros. O objetivo era dispor de elementos que
ajudassem a subsidiar o desenvolvimento de sistemas de informação e proporcionar segurança
na prestação da assistência ao paciente.
Nessa perspectiva, o grande desafio é saber de que informação o enfermeiro
necessita para gerenciar com qualidade os cuidados de enfermagem. Percebemos que o
volume de informações sobre o paciente cresce nos protocolos de tratamento. Com isso, o
registro manual no prontuário torna-se ineficaz para garantir o armazenamento e o
gerenciamento dessas informações. Além disso, causam certo constrangimento as anotações
inconsistentes, ilegíveis e de difícil compreensão, por falta de uma melhor sistematização.
Vale ressaltar que as anotações nos prontuários são realizadas por enfermeiros
assistenciais, auxiliares e técnicos de enfermagem, alunos e docentes, através da observação e
elaboração do plano assistencial. Outro aspecto que compromete o sistema de informação
manual em enfermagem é a falta de padronização do vocabulário, ou seja, a ausência de uma
linguagem unificada que possa ser operacional num sistema informatizado. Soma-se a isso o
pouco conhecimento desses profissionais sobre sistemas de informação e informática em
saúde.
17
Castells (2007) esclarece que o processo de transformação tecnológica expande-se
exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos
tecnológicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informação é gerada,
armazenada, recuperada, processada e transmitida. Segundo Negroponte (apud CASTELLS,
2007), vivemos em um mundo que se tornou digital.
Sabe-se que a revolução tecnológica não é centralizada apenas no conhecimento e na
informação. Centra-se também na aplicação desse conhecimento e dessa informação para a
geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação,
em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso (DIZARD, 1985;
FORESTER, 1985; HALL; PRESTON, 1988).
Para mudar essa situação, é fundamental identificar a informação necessária que
satisfaça aos objetivos sociais e organizacionais. Isso implica compreender os aspectos
teórico-práticos que são indispensáveis para o desenvolvimento de sistemas. Por ser
inovadora, essa abordagem não é vista nos hospitais como prioridade para efeito de
automação do serviço de enfermagem, em parte, devido aos custos, à complexidade da
informação de enfermagem e às necessidades do paciente. Além disso, temos observado que
os enfermeiros são relativamente frágeis, perante a posição política do hospital, para
reivindicar melhores condições de trabalho. Nesse aspecto, demonstram dificuldades quanto
ao suporte gerencial causado pelo pouco conhecimento sobre sistemas e tecnologia de
informação.
No caso particular do Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB, observamos
que as perdas nos registros de informações nos prontuários são consideráveis, isso sem levar
em conta as falhas nos mecanismos de guarda de informações. Mas esse fato não é
exclusividade do HULW/UFPB, uma vez que também pode ser constatado em muitos
hospitais do Brasil.
Ao abordar este assunto, devemos reconhecer que a primeira revolução da tecnologia
da informação foi nos Estados Unidos. Por exemplo, foram desenvolvidos naquele país, a
partir da década de 1980, vários estudos procurando delinear e implementar o que se
denominou de �dados mínimos de enfermagem�. Este é composto de um mínimo de itens,
contendo informações com definições uniformes e categorias concernentes a aspectos
específicos ou dimensões do sistema de cuidados de saúde que são usados regularmente pela
18
maioria dos enfermeiros, conforme demonstram os trabalhos de Devine; Werley (1988),
Werley; Lang (1988), Werley; Devine; Zorn (1990), Coenen et al. (1995).
No Brasil, as pesquisas enfocando tecnologia da informação em enfermagem ainda
são poucas em relação aos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido e Escandinávia.
Porém, existe a necessidade de se compreender o desenvolvimento de novas tecnologias da
informação. Nessa perspectiva, observa-se a tentativa da sociedade de reaparelhar-se com o
uso do poder da tecnologia para servir a tecnologia do poder (CASTELLS, 2007).
Esse aspecto é estratégico para que o enfermeiro possa planejar e executar ações
capazes de auxiliá-lo na difícil tarefa de tomar decisões quanto ao gerenciamento dos
cuidados de enfermagem. Convém ainda destacar que um sistema de informação hospitalar
orientado para a enfermagem e centrado no paciente pode causar significativo impacto na
produtividade, na eficiência e na motivação dos membros da equipe de enfermagem (MARIN,
1995).
Assim, a dimensão social da tecnologia da informação parece destinada a cumprir a
lei sobre a relação entre tecnologia e sociedade proposta por Kranzberg (1985, p. 18) ao
afirmar: �[...] a tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra.� Na realidade, é
uma força que provavelmente está sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago
da vida e da mente (CASTELLS, 2007).
A tecnologia avança, em passos largos e com muita força, no ambiente
organizacional. Porém, o seu uso na esfera da ação social, frente à complexa rede de
informações em saúde, é uma questão que precisa ser resolvida. Os efeitos da tecnologia da
informação são inegáveis. Entretanto, os benefícios esperados para a sociedade ainda são
tímidos, ou seja, faltam resultados concretos para a população que procura os serviços de
saúde.
Seguindo essa linha de raciocínio, tem-se a impressão de que a sociedade está
exigindo a discussão da especificidade das novas tecnologias da informação em saúde.
Portanto, é preciso que seja enfocada a dimensão sociológica da transformação tecnológica da
informação, com base na eletrônica e na comunicação on line. Os efeitos que serão
provocados pela tecnologia da informação na sociedade vão depender do impacto que a
19
inclusão digital terá em função da penetrabilidade da informação nas organizações de saúde,
entre os usuários e na própria estrutura social.
É evidente que a sociedade brasileira ainda se encontra na fase de analfabetismo
digital da grande massa da população, em virtude da pouca intensidade da informação na
estrutura de formação em torno de conhecimentos e informação. É preciso, antes de tudo,
educar os cidadãos, capacitando-os quanto às novas tecnologias da informação
disponibilizadas. É preciso disseminar os mecanismos de inclusão digital no meio social, a
fim de familiarizar a sociedade sobre as transformações impactantes da tecnologia da
informação e as mudanças organizacionais conexas.
Assim, procuramos neste estudo compreender a relação que envolve teoria e prática
em enfermagem para o desenvolvimento de sistemas de informação. Essa compreensão parte
da experiência dos enfermeiros, buscando desvendar o significado que essa experiência
representa para eles.
1.2 Aproximação do pesquisador com o objeto de estudo
Nossa aproximação com o objeto de estudo teve início com uma pesquisa realizada
no Hospital Universitário Lauro Wanderley. Nessa pesquisa, tentamos desenvolver e
implementar um sistema de registro de dados do paciente na unidade de clínica médica. A
equipe envolvida com o projeto era constituída por acadêmicos, programadores e analistas de
sistemas que realizavam estudos das atividades de enfermagem para a implementação do
registro eletrônico do paciente.
Essa equipe reconheceu que a metodologia tradicional não era adequada para ser
aplicada no desenvolvimento do sistema de informação em enfermagem. Por essa razão, os
gerentes do serviço de enfermagem foram convidados a fazer parte do projeto de pesquisa,
visando ao desenvolvimento de um sistema de informação que adotasse uma abordagem
diferente da tradicional. A metodologia foi denominada de �desenho participativo�, cuja
ênfase era o envolvimento do usuário na construção do sistema, desde a sua elaboração até a
sua execução. Como era de se esperar, a nova metodologia não foi facilmente implementada,
devido, em parte, à existência de vários problemas, dentre os quais podemos apontar: a cultura
do setor público, a falta de infra-estrutura básica, conhecimento escasso sobre tecnologia da
informação, burocracia, relacionamento interpessoal e outros aspectos.
20
Nessa experiência, percebemos que o pouco conhecimento sobre tecnologia da
informação era a principal dificuldade que obstruía a participação da enfermagem no processo
de desenvolvimento do sistema. Durante o primeiro encontro com os enfermeiros, a equipe de
pesquisadores discutiu a necessidade de haver o envolvimento da enfermagem no processo,
porque o estudo seria baseado nas contribuições dos enfermeiros e desenhado com a ajuda
deles. Entretanto, os enfermeiros não demonstraram motivação para conduzir um processo
dessa natureza.
Após vários encontros, reconhecemos que havia um requisito básico para que se
pudesse usar a abordagem do desenho participativo. Observamos que faltava, entre o pessoal
de enfermagem, o conhecimento não só da tecnologia como também de sistemas e ciências da
informação. Tal requisito, por ser um processo educacional, leva tempo para ser aprendido.
Em nossa opinião, as escolas de enfermagem do Brasil ainda não estão preparadas para
transmitir o conhecimento sobre sistemas e tecnologia da informação, conteúdo tão necessário
para a profissão de enfermagem. Entendemos que o conhecimento teórico em si não é
suficiente. Na verdade, para que possam gerenciar e produzir informações relevantes em
enfermagem, os profissionais precisam desse conhecimento e não apenas da tecnologia em si.
Naquele projeto inicial, medidas foram tomadas para levar um pouco de
conhecimento sobre sistemas de informação. Uma delas foi a promoção de cursos de curta
duração. O objetivo pretendido era compartilhar com os enfermeiros meios para influenciar
seu trabalho e resolver os problemas causados pela insegurança no uso do computador.
Pretendia-se também esclarecer dúvidas a respeito de sistemas e mostrar a relação entre
programadores e usuários.
Com essa experiência, compreendemos que a prática do enfermeiro assistencial é
muito importante para o desenvolvimento do sistema de informação, como também as
opiniões dos enfermeiros gerentes. Todavia, percebemos que só quando se discute sistema de
informação é que se pode sentir a significativa diferença entre o que o gerente em
enfermagem diz e deseja e o que os enfermeiros assistenciais acreditam ser útil para eles.
Assim, acreditamos que um sistema de informação em enfermagem deve apoiar-se
nas necessidades do usuário, ou seja, no âmbito de sua prática como operadores do sistema. É
o enfoque do desenho centrado no usuário (user-centered design). Portanto, para desenvolver
com maior eficácia o sistema de informação, os analistas de sistemas devem observar os
21
usuários na situação de trabalho. Fazendo isso, é possível criar uma situação de mútuo
aprendizado entre usuários e analistas, bem como um múltiplo entendimento de pontos de
vista dos diferentes usuários, segundo Simonsen; Kensing (apud RODRIGUES FILHO, 2001,
p. 104).
Antes de se tomar uma decisão sobre o uso de um determinado sistema, é preciso se
inteirar da real necessidade do serviço e não somente explorar a situação do trabalho da
enfermagem, para, em seguida, definir uma base de dados mínimos. Acreditamos que esse
processo leve algum tempo, mas, sem dúvida, ajudará a compreender o conhecimento teórico
a partir do conhecimento prático.
Com a nossa inserção no hospital, percebemos que a enfermagem da Clínica Médica
do HULW passou a desenvolver um sistema de registro de paciente mais completo e
estruturado, tentando introduzir alterações na documentação do prontuário. Ficou-nos a
impressão de que, naquele momento, os enfermeiros estavam mais motivados para efetuar
mudanças no sistema de documentação manual do que participar de uma discussão mais
ampla sobre sistemas e tecnologia da informação. Entretanto, compreendemos que isso é
importante para o desenvolvimento de um sistema de informação no contexto hospitalar.
Mesmo diante da complexidade da prática de enfermagem e do seu processo de
trabalho, decidimos continuar o projeto. Acreditamos que a qualidade da assistência de
enfermagem depende, entre outros fatores, da habilidade do enfermeiro em estabelecer
conexões entre os diagnósticos de enfermagem, com base nas informações clínicas do
paciente, nas intervenções e nos resultados. Tais procedimentos contribuem para agilizar o
trabalho do enfermeiro e proporcionar maior disponibilidade para o cuidado do paciente com
mais eficiência e eficácia. Entretanto, dependem do uso de informações sistematizadas e de
uma base de dados para proporcionar suporte às decisões.
Em nossa análise, observamos que, apesar do desenvolvimento acadêmico e do
conhecimento formal relacionado ao sistema de classificação em enfermagem (diagnóstico,
intervenção e resultados), ainda não existe um sistema de informação capaz de capturar o
conhecimento da prática de enfermagem e que viabilize o processo de automação.
Percebemos também que a lacuna existente entre teoria e prática do sistema de informação em
enfermagem envolve, além de tecnologia, muitos fatores, como: educação, mudanças de
22
atitudes, cultura, padronização dos documentos e a própria prática dos cuidados de
enfermagem.
Estes fatores e mais a constatação de que havia resistência às mudanças tecnológicas
que estavam sendo implantadas no ambiente de trabalho da enfermagem na Clínica Médica do
HULW da UFPB nos fizeram refletir. Por exemplo: os enfermeiros diziam que queriam usar o
computador como instrumento de trabalho. Todavia, na prática, demonstravam que ainda não
tinham motivação suficiente para aprender a manuseá-lo e explorar os recursos que essa
ferramenta pode oferecer. Não entendiam que ela pode aumentar sua produtividade, melhorar
a qualidade do trabalho e reduzir a lacuna entre a teoria e a prática do sistema de informação
em enfermagem. Por que isso acontece? Tentaremos responder a essa questão apontando dois
aspectos:
a) A cultura organizacional � os profissionais, em geral, estão habituados a uma
prática de trabalho tradicional. Assim, qualquer inovação requer muita paciência, dedicação e
perseverança no processo de educação. Toda mudança que implique novos conhecimentos e
exija esforço para aprender pode gerar insegurança e medo. Isso provoca resistência nas
pessoas e, obviamente, dificulta a implantação e o desenvolvimento de um sistema de
informação.
b) O pouco conhecimento sobre sistema de informação � os profissionais de
enfermagem do HULW, em sua maioria, não cursaram disciplinas que abordassem a temática
referente a sistema de informação. O fato é compreensível, porque esse conhecimento só
recentemente chegou às faculdades e escolas de enfermagem como disciplina dos cursos de
graduação, especialmente, na região Nordeste do Brasil. Portanto, acreditamos que essa
lacuna tenha sido o grande obstáculo que gerou resistência. Observou-se que o pessoal de
enfermagem tinha dúvidas ao se discutir sistemas de informação, tão necessários para o
exercício da prática de enfermagem.
Como se sabe, a enfermagem é composta por três categorias, cada uma com um grau
de formação acadêmica diferente: auxiliar, técnico e enfermeiro. Esse aspecto pode ter
influenciado na mudança de atitude em relação ao uso do sistema de informação
computadorizado. O estudo realizado na Clínica Médica do HULW procurou desenvolver um
sistema de informação hospitalar, tendo como módulo básico o registro de dados do paciente,
23
denominado de R-ATA (registro � admissão, transferência e alta) (RODRIGUES FILHO;
XAVIER; ADRIANO, 2000).
Esse módulo estava preparado para se integrar ao módulo de enfermagem que seria
desenvolvido posteriormente, a partir da utilização, experiência e necessidades apresentadas
pelos usuários do sistema. Todavia, apesar de o módulo R-ATA possuir uma base de dados
mínimos eficiente, procurou-se desenvolver uma interface que fosse similar aos padrões
utilizados no dia-a-dia da equipe de saúde do hospital. Para isso foram realizadas reuniões
com as equipes do Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME), e também com médicos
e enfermeiros do HULW, com vistas à construção de um conjunto de informações que fossem
necessárias para o exercício profissional e que lhes proporcionassem feedback, sempre que
necessitassem de relatórios ou qualquer outra informação.
O grande desafio, todavia, estava em encontrar uma maneira de operacionalizar o
sistema. Os médicos achavam a proposta excelente; os enfermeiros também. Mas ninguém
assumia a responsabilidade de indicar os recursos disponíveis no sistema para o
gerenciamento da Clínica Médica do HULW. Com isso, o computador passou a ser um objeto
a mais na unidade, sem uma utilização prática, sem influenciar no processo de trabalho dos
profissionais de saúde.
Pela falta de atualização, que deve ser um processo contínuo dentro do sistema, as
informações ficavam obsoletas e os relatórios não apresentavam consistência nos dados para
uma análise da situação da unidade. Em decorrência dessa situação enfrentada pela equipe de
saúde da Clínica Médica, várias reuniões foram realizadas, no sentido de buscar um rumo que
pudesse motivar as pessoas para fazerem uso do computador, alimentá-lo com informações e
buscar feedback em forma de relatórios que ajudassem os gerentes a racionalizar processos e
tomar decisões.
Todo esse esforço encontrou forte resistência entre os profissionais da unidade de
clínica médica, seja por demonstrarem pouco conhecimento a respeito de sistemas e
tecnologia da informação, seja por estarem alicerçados numa cultura de anotações manuais.
Diante desse contexto, não podiam apresentar atitudes positivas que pudessem fazer evoluir o
sistema. Para esse tipo de comportamento, eles apontavam as seguintes justificativas: �falta
tempo para digitar os dados�; �não tem ninguém para fazer essa tarefa�; �estamos inabilitados
para operar o sistema�.
24
O passo seguinte foi elaborar um módulo específico para enfermagem. Nessa etapa,
os enfermeiros participaram ativamente das reuniões, onde foram levantadas opiniões,
esclarecidas dúvidas sobre o manuseio do sistema e identificadas as reais necessidades da
enfermagem. Todavia, essa motivação foi passageira. Os enfermeiros tentaram se envolver,
mas, no decorrer do processo, começaram a perder a motivação. E assim, mais uma vez,
fracassaram na tentativa de prosseguir com o desenvolvimento do sistema de informação.
Como se pode observar nesse relato, não obtivemos êxito no desenvolvimento do
processo de automação dos dados do paciente e do plano de cuidados de enfermagem.
Entretanto, ficou evidenciado que a enfermagem precisa da tecnologia para tornar a
assistência de enfermagem mais ágil e com melhores condições para prestar cuidados de
qualidade. Esse sistema de informação permitirá que os enfermeiros possam ser liberados de
atividades puramente burocráticas.
Essa possibilidade de atuar junto aos enfermeiros da Clínica Médica do HULW nos
deu importante subsídio para repensar e redirecionar o processo de informatização em
enfermagem, tanto na teoria como na prática. Vale ressaltar que consideramos a tarefa
complexa, porque exige novos paradigmas, mas o começo é necessário e o tempo de começar
já havia chegado.
A experiência que estamos vivenciando nos motiva a assumir outra dimensão em
relação ao sistema de informação em enfermagem. Nesse aspecto, percebemos que, embora os
enfermeiros tenham demonstrado receio em mudar, eles querem a mudança, pois sabem que
não podem perder o rumo da tecnologia no presente século. Segundo Marin (1995), os
enfermeiros precisam estar informados sobre todas as possibilidades para que possam
idealizar sistemas computadorizados que venham trazer soluções benéficas aos problemas de
documentação e comunicação.
Nesse sentido, os estudos de Devine; Werley (1988), Werley; Lang (1988), Werley;
Devine; Zorn (1988) nos deram importantes subsídios, na medida em que focalizam a atenção
na identificação de dados mínimos necessários para encontrar demandas de informações da
prática de enfermagem. Esses autores valorizaram o uso eficiente e eficaz dos recursos da
enfermagem através do sistema computadorizado, cuja ênfase é o refinamento do sistema de
informação em enfermagem.
25
Desse modo, começamos a vislumbrar um novo caminho para compreender o
sistema de informação e estabelecer a interação da teoria com a prática em enfermagem. Isto
constitui um requisito fundamental para a aplicação do processo de trabalho em enfermagem e
para o desenvolvimento de um modelo de sistema de informação automatizado que contribua
para melhorar a prática de enfermagem.
Com base nestas considerações, podemos dizer que um sistema desenvolvido a partir
da experiência vivenciada no processo de trabalho da enfermagem oferece, com mais
eficiência, informações sobre o custo-efetividade e compara as necessidades essenciais para
validar um sistema de informação. Além disso, irá permitir que as atividades envolvendo o
paciente sejam coordenadas e a educação em saúde tenha um processo de atualização mais
rápido. Com isso, espera-se que o gerenciamento em enfermagem seja voltado para responder
às necessidades dos pacientes, bem como às necessidades de recursos humanos e materiais,
trazendo facilidades para a enfermagem e outras áreas da saúde (MARIN, 1995).
No âmbito do contexto aqui delineado, as questões emergentes que norteiam este
estudo, para as quais pretendemos obter respostas, são as seguintes:
! A compreensão da relação teoria e prática no trabalho da enfermagem
permitiria o desenvolvimento de sistemas de informação em enfermagem mais
adequados à realidade vivenciada pelos enfermeiros?
! Como o enfermeiro define a interação teoria e prática em enfermagem
vivenciada pela sua experiência?
O propósito deste estudo é, ao menos, esclarecer estas questões, a partir dos dados
emergentes da prática assistencial dos enfermeiros. Compreender a relação teoria e prática em
enfermagem é o primeiro passo para o desenvolvimento de sistemas de informação
compatíveis com a realidade. Esse entendimento, com base nos depoimentos dos enfermeiros,
trará certamente conseqüências para o processo de informatização do serviço de enfermagem.
Urge, portanto, compreender a complexidade do sistema de informação em
enfermagem, tendo em vista que representa uma oportunidade para clarificar e fundamentar as
questões sobre a enfermagem como uma prática, uma ciência e uma arte. Enfim, é o momento
de reflexão e interpretação do significado que a informação tem para a enfermagem, a fim de
se reconhecer sua importância como recurso estratégico para a profissão.
26
1.3 Objetivos
Partindo das considerações apresentadas e dos questionamentos que este estudo se
propõe investigar, buscamos atingir os seguintes objetivos:
compreender, através do discurso dos enfermeiros, a relação entre teoria e
prática do processo de trabalho em enfermagem e as implicações para o
desenvolvimento de sistemas de informação;
elaborar um modelo teórico representativo da experiência dos enfermeiros, à
luz do interacionismo simbólico.
27
28
2.1 Perspectiva teórica de análise: o interacionismo simbólico
Após termos analisado o contexto objeto deste estudo, optamos pelo paradigma
interpretativo. Buscamos, com isso, não só compreender o quadro referencial dentro do
qual os enfermeiros interpretam as suas percepções, mas também apreender as várias
dimensões de sua prática em termos de sistemas de informação. Nessa perspectiva,
procuramos obter informações através de pesquisadores, de documentos e da literatura.
Buscou-se, portanto, o caminho da pesquisa qualitativa que desse ênfase aos
significados, que não são examinados em termos de quantidade, intensidade e freqüência.
Dessa forma, foi possível visualizar algumas alternativas para estudar a interação teoria e
prática, no sentido de desenvolver um sistema de informação a partir da realidade social
dos enfermeiros. Pela sua peculiaridade e complexidade, o projeto ficaria prejudicado, se
fosse utilizada apenas a abordagem quantitativa.
Por esta perspectiva, a utilização do interacionismo simbólico, dentro do
paradigma interpretativo, permitiu que a pesquisa cumprisse o objetivo de investigar o
sentido que os atores sociais dão aos objetos, pessoas e símbolos com os quais constroem o
seu mundo social (BLUMER, 1969; COULON, 1995).
Nesse sentido, Blumer (1969) lembra que a capacidade do ser humano para fazer
indicações para si mesmo dá um caráter distintivo para a ação humana. Isto significa que,
ao confrontar o mundo de objetos que o rodeia, ele deve interpretá-lo a fim de agir. A ação
do ser humano consiste em levar em consideração as várias coisas que ele observa,
relacionando o significado das ações de outros e mapeando sua própria linha de conduta, à
luz dessa interpretação. O indivíduo constrói um guia de ação, tomando por base a forma
como ele interpreta, em vez de meramente responder aos fatores ambientais que sobre ele
atuam.
Assim, o interacionismo simbólico é uma das formas de se interpretar as
percepções das pessoas, o significado e o sentido que elas dão às coisas e como estes
relatos se relacionam com as experiências vivenciadas. O interacionismo simbólico é uma
metodologia empírica que usa procedimentos tais como: estudos de caso, entrevistas,
observação participante, história de vida, conversações, análise de documentos, cartas,
diários entre outros.
29
Portanto, é sob a ótica do interacionismo simbólico e da grounded theory que
serão delineadas algumas considerações conceituais que regem o método. Contudo, não se
tem a pretensão de abranger todos os aspectos teóricos, filosóficos ou sociológicos, em
virtude de sua amplitude e complexidade.
O interacionismo simbólico surge de uma preocupação com a linguagem e com o
significado. O elemento chave nesse processo é o símbolo (GIDDENS, 2005). O termo
�interacionismo� vem do verbo �interagir�, que significa �agir mutuamente�. O termo
�simbólico� vem do grego symbolikós, através do latim symbolicu, significando �aquilo
que tem caráter de símbolo� (FERREIRA, 1999). A expressão �interacionismo simbólico�
tem sua origem na psicologia social, com base nos trabalhos de renomados estudiosos
norte-americanos como Charles Horton Cooley (1864 � 1929), W. I. Thomas (1863 �
1947), George Herbert Mead (1863 � 1931), podendo-se destacar ainda nomes como:
Herbert Blumer, John Dewey, Robert Park, Willian James, Florian Znaniechi, J. M.
Baldwen, R. Redfield e L. Wirth (DUPAS, 1997).
O interacionismo simbólico dirige atenção do pesquisador ao detalhe da interação
interpessoal e à forma como esse detalhe é usado para dar sentido ao que os outros dizem e
fazem. Os sociólogos que utilizam o interacionismo simbólico freqüentemente se
concentram na interação face a face nos contextos da vida cotidiana (GIDDENS, 2005).
É importante ressaltar que o interacionismo simbólico está centrado na natureza
social, com ênfase nos símbolos e na linguagem como elementos centrais de toda interação
humana. Significa dizer que as atividades das pessoas são dinâmicas e sociais, e acontecem
entre e dentro delas. Essa abordagem teórica da sociologia foi desenvolvida por George
Herbert Mead, psicólogo social e professor de filosofia da Universidade de Chicago. Após
a sua morte, seus escritos foram catalogados e agrupados em livros.
A principal obra de George Mead é um conjunto de lições sobre filosofia, mind,
self and society, considerada a �bíblia� do interacionismo simbólico, editada em 1934. O
principal discípulo de Mead foi Herbert Blumer, responsável por reunir os escritos e
pensamentos de seu mestre. Talvez tenha sido o mais importante intérprete das proposições
filosóficas de Mead (CHARON, 1989).
30
Para Giddens (2005), o interacionismo simbólico é uma das mais importantes e
recentes perspectivas teóricas que tem conexão direta com os clássicos fundadores da
sociologia como Durkheim, Marx e Weber, respectivamente. No diagrama abaixo, as
linhas contínuas indicam influência direta, enquanto a linha pontilhada representa uma
conexão indireta. Mead não está em débito com Weber, mas as concepções de Weber �
ressaltando a significativa e intencional natureza de ação humana � têm afinidades com os
temas do interacionismo simbólico.
Figura 1 � Autores clássicos da sociologia (GIDDENS, 2005)
O estudo de George Mead foi o que mais contribuiu para a conceituação da
perspectiva interacionista (HAGUETTE, 2003). Essa teoria se caracteriza por apresentar
ligações com a fenomenologia no que diz respeito ao estudo dos aspectos das experiências
do comportamento humano. Em outras palavras, ela tenta compreender como as pessoas
definem os eventos ou a realidade e como agem em relação às suas crenças (CHENITZ;
SWANSON, 1986).
Para compreendermos o interacionismo simbólico são apontados quatro aspectos
de fundamental importância que o distinguem da psicologia:
1. O interacionismo simbólico cria uma imagem mais ativa do ser humano e rejeita a imagem deste como um organismo passivo e determinado. Os indivíduos interagem e a sociedade é constituída de indivíduos interagindo.
2. O ser humano é compreendido como um ser agindo no presente, influenciado não somente pelo que aconteceu no passado, mas pelo que está acontecendo agora. A interação acontece neste momento: o que fazemos agora está ligado a essa interação.
3. Interação não é somente o que está acontecendo entre pessoas, mas também o que acontece dentro dos indivíduos. Os seres humanos atuam em um mundo que eles definem. Agimos de acordo com o
Augusto Comte (1798-1857) Karl Marx (1818-1883) George Herbert Max Weber Mead Emíle Durkheim (1864-1920) (1863-1931) (1858-1917) Marxismo
Funcionalismo Interacionismo Simbólico
31
modo como definimos a situação que estamos vivenciando. Embora essa definição possa ser influenciada por aqueles com quem interagimos, ela é também resultado de nossa própria definição, nossa interpretação da situação.
4. O interacionismo simbólico descreve o ser humano mais ativo no seu mundo do que outras perspectivas. O ser humano é livre naquilo que ele faz. Todos definimos o mundo em que agimos e parte dessa definição é nossa, pois envolve a escolha consciente, a direção de nossas ações em face dessa definição, a identificação dessas ações e a de outras e a nossa própria redireção. (CHARON, 1989, p. 22).
Nessa mesma perspectiva, Blumer (1969) tenta esclarecer a natureza do
interacionismo simbólico, apontando três aspectos básicos:
# Os seres humanos procuram agir, em relação às coisas, com base nos
significados que têm para eles. Entende-se por �coisas� tudo o que o indivíduo
pode notar em seu mundo: objetos físicos, outros seres humanos, individualmente
ou em grupos, instituições, princípios orientadores, atividades dos outros, bem
como as situações da vida cotidiana. O significado que tudo isso tem para o
indivíduo influencia a formação do seu comportamento, e conhecê-lo que pode
nos levar a compreender a ação humana.
# O significado das coisas surge da interação social que os homens
estabelecem uns com os outros. Em outras palavras, os significados são produtos
sociais que surgem da interação.
# Os significados podem ser manipulados e modificados através do processo
interpretativo usado pelo indivíduo quando lida com as coisas que ele encontra.
Na abordagem interacionista, o comportamento humano não é uma questão de
respostas diretas às atividades dos outros, mas envolve uma resposta às intenções dos
outros. Essas intenções são transmitidas através de gestos que se tornam simbólicos, ou
seja, passíveis de serem interpretados. A sociedade humana está constituída na base do
consenso, de sentidos compartilhados sob a forma de compreensões e expectativas
comuns. Assim, quando os gestos assumem um sentido comum, isso é, quando eles
adquirem um elemento lingüístico, podem ser designados de �símbolos significantes�. O
componente significativo de um ato, que representa uma atividade mental, acontece através
do role-taking (colocar-se na posição do outro).
32
A relação dos seres humanos entre si surge a partir do desenvolvimento de sua
habilidade de responder a seus próprios gestos. Essa habilidade permite que diferentes
pessoas respondam da mesma forma ao mesmo gesto, possibilitando o compartilhamento
de experiências e a incorporação do comportamento. Dessa forma, o comportamento é
social e não meramente uma resposta aos outros. O homem responde a si mesmo da mesma
forma que outras pessoas lhe respondem e, ao fazê-lo, imaginativamente compartilha a
conduta dos outros (HAGUETTE, 2003).
Na análise realizada por Blumer (1969), as pessoas levam em consideração as
ações dos outros à medida que formam suas próprias ações, através do processo de indicar
aos outros como agir e de interpretar as indicações feitas pelos outros. É através desse
processo de interpretação e definição que se forma a conduta humana. A sociedade está
sempre em ação e a vida do grupo pressupõe a interação entre os membros do grupo. Essa
interação ocorre entre atores e não entre fatores que fazem aparecer o comportamento.
Conforme se percebe nas reflexões da literatura consultada, os estudos orientados
pelo interacionismo mostram que não existe uma visão que seja exclusiva dessa
abordagem, em virtude da multiplicidade das coisas originadas nos seus conceitos ou
conjecturas. Embora a teoria tenha ampla aplicação, falta unificação nos métodos e nos
achados. Inegavelmente, o interacionismo simbólico tem sua utilidade, que é originar
novas teorias. Mas, sua exigência é a manutenção das conjecturas abordadas,
proporcionando uma visão do homem com sua interação no processo de definir, responder,
interagir e raciocinar (LUIS, 1991).
Para Jorge (1997), a identificação dos limites do interacionismo simbólico é uma
questão relevante que merece destaque, uma vez que existem ênfases e enfoques
diversificados dentro dessa abordagem teórica. A fenomenologia e a teoria de papéis são
duas orientações as quais o interacionismo simbólico pode sobrepor. Assim, a melhor
maneira de entender as semelhanças e diferenças entre elas é apoiar-se em dois pares de
dicotomias para descrevê-las: a primeira é a ênfase no subjetivo versus objetivo; a segunda
diz respeito à microorientação versus macroorientação.
Jorge (1997) destaca que a dicotomia subjetivo-objetivo, em geral, relaciona-se à
quantidade de atenção que os teóricos dão ao que acontece na mente humana. Noutro
33
extremo, os estudiosos enfatizam as experiências, os aspectos subjetivos, não deterministas
da mente e tendem a uma pesquisa metodológica completamente qualitativa. Por outro
lado, segundo a referida autora, aqueles que se concentram nos aspectos mais objetivos de
conceitos fundamentais tendem a dar maior ênfase à previsibilidade, repetitividade,
mensuração e objetivo da conduta humana e a se encaminhar para um método mais
quantitativo.
Nessa perspectiva, entendemos que o interacionismo simbólico pode estar situado
numa posição intermediária entre a fenomenologia e a teoria de papéis, conforme se tem
apresentado na literatura consultada (LUIS, 1991; JORGE, 1997). A seguir, serão descritos
os conceitos centrais que servem de base à compreensão das idéias de George Mead a
respeito do interacionismo simbólico, sob as perspectivas apontadas por Blumer (1969) e
Charon (1989):
a) Símbolo
O símbolo é o ponto central do interacionismo simbólico, pois sem ele os seres
humanos não podem interagir uns com os outros. Símbolos são objetos sociais usados pelo
ator para representação e comunicação (CASSIANI, 1994). Na realidade, a comunicação
se faz através de símbolos que têm seu significado entre as pessoas e, através da
interpretação desses símbolos, ocorre a interação social. Em outras palavras, é por
intermédio dos símbolos que as pessoas são socializadas, compartilham da cultura e
entendem qual é o seu papel social. Para Blumer (1969), o símbolo é usado para pensar,
comunicar, representar. Algo só é simbólico quando expressa um significado (uma
representação), uma intencionalidade.
Nessa mesma linha de pensamento, Charon (1989) enfatiza que os símbolos,
enquanto objetos sociais, são definidos na interação social. Nesse processo, caracterizam-
se como significativos e significantes, isto é, têm um significado, envolvem um
entendimento, tanto para os atores quanto para os indivíduos a quem se dirigem as ações.
Essa abordagem é baseada na realidade social que se desenvolve a partir da interação de
uns com os outros.
O significado das coisas nasce de uma interpretação que as pessoas fazem da
realidade, levando-as a agir no contexto da interação social. Assim, à medida que os
34
indivíduos interagem, eles estão interpretando ou definindo as ações uns dos outros, ao
invés de meramente reagindo às ações uns dos outros. Suas respostas não são dadas
diretamente às ações do outro, mas baseadas nos significados que eles atribuem a tais
ações.
A interação humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação ou pela
determinação de significados atribuídos às ações dos outros (BLUMER, 1969). O mundo
das pessoas consiste em objetos. O citado autor tratou os objetos de maneira idêntica a
Mead. Para ele, os objetos são de três tipos: físicos (coisas), sociais (pessoas) e abstratos
(idéias). Os objetos adquirem significado somente através da interação simbólica.
b) Self (o ego/a própria pessoa)
Na interpretação que Blumer (1969) faz do pensamento de Mead, self significa
que a pessoa pode ser objeto de sua própria ação, ou seja, objeto de si própria. Ao afirmar
que o indivíduo possui um self, Mead enfatiza que, da mesma forma que o indivíduo age
socialmente com relação a outras pessoas, ele interage socialmente consigo mesmo e age
em relação a si próprio. Assim sendo, a pessoa pode tornar-se objeto de suas próprias ações
dentro da sociedade que, de acordo com Mead, precede a existência do self (HAGUETTE,
2003).
Para os interacionistas simbólicos, o self é um objeto social através do qual o
indivíduo age. O fato de possuí-lo converte o ser humano em um tipo especial de ator,
transforma sua relação no mundo e dá à sua ação um caráter único (BLUMER, 1969).
Assim, o self representa um processo social no interior do indivíduo que envolve duas
fases analíticas distintas:
1. O eu é a tendência impulsiva do indivíduo. É o aspecto inicial, espontâneo e desorganizado da experiência humana. Logo, representa as tendências não direcionadas do indivíduo.
2. O mim representa o �outro� incorporado ao indivíduo. Logo, ele compreende o conjunto organizado de atitudes e definições, compreensões e expectativas � ou simplesmente sentidos � comuns ao grupo. Em qualquer situação, o mim compreende o outro generalizado e, raramente, um outro particular. (HAGUETTE, 2003, p. 27).
Para os interacionistas simbólicos, o self é um objeto e interage com os outros. Por
isso, é definido, redefinido e muda constantemente. A esse respeito, Charon (1989, p. 65)
35
esclarece: �Como eu me vejo, como eu me defino, o julgamento que tenho de mim mesmo
são todos altamente dependentes das definições sociais que encontro na vida.� Assim, as
ações que o indivíduo executa evidenciam a importância da self-comunicação, self-
percepção ou autoconceito, identidade, self-julgamento ou auto-estima.
Todas as ações que são executadas dependem diretamente da comunicação
simbólica, sendo esta, então, a mais importante de todas e a que torna as demais possíveis.
O que eu penso e sinto sobre mim mesmo, como tudo o que está relacionado ao self,
resulta da interação. Isso faz com que o self-julgamento seja resultado, em grande parte, do
julgamento dos outros sobre mim. No caso da criança, por exemplo, o julgamento que os
�outros significantes� fazem dela é importante para que ela defina seu �autojulgamento�
(DUPAS, 1997).
c) Mente
A mente é concebida por Mead como um processo que se manifesta sempre que o
indivíduo interage consigo próprio usando símbolos significantes. Esta significância ou
sentido é também social em sua origem. Da mesma forma, a mente também é social, tanto
em sua origem como em sua função, porque ela surge do processo social de comunicação
(HAGUETTE, 2003).
Na concepção de Charon (1989), mente é ação que usa símbolos e dirige esses
símbolos em relação ao self. Seguindo esse raciocínio, podemos inferir que a pessoa, ao
tentar fazer algo, age em seu mundo e se comunica com o self através da manipulação de
símbolos. O seu mundo se transforma por causa das definições de mundo interpretado pela
mente, de modo que a ação resulta da interpretação ativa da pessoa aos objetos.
Charon (1989) ressalta que Mead e Blumer têm opiniões distintas acerca da ação
da mente. Para Mead (1977), a ação da mente se dá com o surgimento de problemas e
quando necessitamos solucioná-los. Segundo Blumer (1969), a ação mental é um processo
contínuo do indivíduo, fazendo as indicações do self em todos os dias e durante todo o
tempo.
36
d) Interação social
Todos os conceitos anteriormente descritos levam ao entendimento do que seja
interação social. Podemos resumir tudo isto afirmando que, na interação social, as pessoas
são vistas como atores que se relacionam, comunicam-se e interpretam um ao outro. A esse
respeito, Charon (1989, p. 138) acrescenta:
Quando interagimos, nós nos tornamos objetos sociais uns para os outros, usamos símbolos, direcionamos o self, nos engajamos em ação mental, tomamos decisões, mudamos direções, compartilhamos perspectivas, definimos a realidade, definimos a situação e assumimos o papel do outro. O entendimento da natureza da interação deve reconhecer a existência de todas essas atividades.
A interação social é construída a partir da ação social. A ação é formada à luz da
situação na qual ela acontece. As pessoas agem de acordo com a forma como interpretam a
situação. Assim, a interação simbólica envolve interpretação e definição, e ocorre entre as
pessoas envolvidas. Duas formas de interação sociais são identificadas na sociedade
humana. Para Mead (1977), trata-se de comunicação do gesto e do uso de símbolos
significantes; já para Blumer (1969), significa respectivamente interação não simbólica e
interação simbólica.
Cassiani (1994), abordando esse aspecto, afirma que o modelo característico da
interação se dá em nível simbólico, quando se procura entender e interpretar o significado
da ação do outro. Blumer (1969) argumenta que a interação é simbólica quando os atos de
cada indivíduo têm significado para o criador e o recebedor da ação. Charon (1989, p. 149)
faz a seguinte observação sobre a importância da interação social:
Os seres humanos são atores sociais: eles levam outros em conta quando agem e os outros fazem diferença nas suas ações. Quando a ação social se torna mútua, quando atores se levam em conta e ajustam seus atos, eles estão engajados numa interação social. A interação social é simbólica: intencionalmente comunicamos quando agimos e outros interpretam o que fazemos. Na interação rotulamos outros e isso diferencia aquilo que fazemos. Freqüentemente tentamos influenciar a identidade de outros, influenciando nossa ação em relação aos outros, o que freqüentemente interfere na maneira de como eles agem. Porque reconhecemos a importância de como os outros nos vêem nas situações, tentamos controlar o que apresentamos aos outros na interação. Entender a interação é reconhecer o ajustamento desses aspectos.
37
e) Sociedade
Na concepção de Mead, sociedade é toda atividade grupal que se baseia no
comportamento cooperativo. O comportamento humano envolve uma resposta às intenções
dos outros. Essas intenções são transmitidas através de gestos que se tornam simbólicos,
isto é, passíveis de serem interpretados (HAGUETTE, 2003).
Naturalmente, observamos que as noções de interação social e sociedade estão
intimamente relacionadas, resultando em uma sociedade de indivíduos engajados num
processo de interação social. Charon (1989) aponta dois conceitos dominantes no seio da
sociedade: o de cultura e de estrutura social. Cultura é entendida como costume, tradição,
norma, valor, regra, claramente derivada da ação das pessoas.
Portanto, a sociedade é uma interação cooperativa, que desenvolve cultura. Esta
tem o mesmo sentido de �consenso do grupo�, ou seja, as concordâncias, as divergências, a
linguagem, o conhecimento diverso e as regras que se supõe governarem a ação. Os
interacionistas simbólicos caracterizam a sociedade como dinâmica, ou seja, os indivíduos
interagem uns com os outros, definindo e alterando a direção dos atos uns dos outros.
Nessa perspectiva, Blumer (1969, p. 79) enfatiza:
O termo �interação simbólica� refere-se a um caráter peculiar e distinto de interação que acontece entre os seres humanos. A peculiaridade está no fato de que os seres humanos interpretam ou definem a ação um do outro, em vez de meramente reagir a elas. A resposta às ações é baseada no significado que elas têm para o indivíduo. Portanto, a interação humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação, ou por identificar o significado de uma ou de outra ação.
2.2 Articulando o interacionismo com o objeto em estudo
Tentaremos fazer uma conexão entre os conceitos do interacionismo simbólico e a
visão de mundo dos enfermeiros vivenciado pela suas experiências, de acordo com o que
representa para eles a relação entre teoria (modelos formais) e prática. Buscamos, com
isso, compor um sistema de informação e, assim, mapear sua linha de ação à luz de uma
interpretação em que os próprios enfermeiros procuram dar significado aos fatos inseridos
em sua realidade. Essa linha de ação, segundo Blumer (1969), consiste em considerar as
38
várias coisas que as pessoas observam e que as levam a formar uma regra de conduta,
baseada na sua interpretação.
A interação simbólica focaliza o significado dos eventos para as pessoas no
ambiente natural ou numa situação diária e está ligada ao conhecimento da filosofia
fenomenológica. Tanto a fenomenologia como o interacionismo simbólico estão
relacionados com o estudo dos aspectos internos ou experimentais do comportamento
humano, ou seja, ao modo como as pessoas definem os eventos ou a realidade e como elas
agem em relação às suas crenças. Para os interacionistas, o significado conduz o
comportamento a um estágio de deliberação ou definição da situação que precede a ação.
O real ou o significado da situação é criado pela pessoa e esta a conduz à ação e às suas
conseqüências (CHENITZ; SWANSON,1986).
O interacionismo vê o comportamento humano como o resultado de processos. De
acordo com Blumer (1969), todo comportamento humano é o resultado de um vasto
processo interpretativo. Nesse processo, de forma isolada ou coletiva, as pessoas se
conduzem pela definição de um objeto, evento ou situações por elas encontradas.
Dessa forma, o interacionismo é uma ferramenta teórica que possibilita a
compreensão do fenômeno de uma maneira mais ampla. Além disso, revela e aponta o
significado que a relação entre teoria e prática em enfermagem tem para o enfermeiro e o
que representa para o desenvolvimento de sistemas de informação. Possibilita, ainda,
compreender se esse significado é decorrente ou resultante da interação que o enfermeiro
faz com os elementos envolvidos no processo de trabalho. Procura, por fim, saber se esses
elementos são significativos, toda vez que interagem no seu ambiente de trabalho e como o
enfermeiro utiliza o processo interpretativo ao agir mutuamente com os objetos mais
significativos de sua prática.
Estabelecem-se a premissa de que o enfermeiro pode ou não, durante sua trajetória
assistencial diária no ambiente hospitalar, trazer à luz da razão as dificuldades encontradas
na sua prática. Diante de tal premissa, procuramos neste estudo desenvolver uma análise
que mostre a forma como ele enfrenta as barreiras profissionais tomando por base os
fundamentos do interacionismo simbólico.
39
Esta abordagem parece mais voltada para o conhecimento da percepção, assim
como do significado que determinada situação pode apresentar. No caso deste estudo,
procuramos saber como o enfermeiro percebe a relação teoria e prática na sua própria
experiência profissional e como essa vivência pode contribuir para desenvolver um sistema
de informação computadorizado em que haja interação entre os usuários.
2.3 Apresentando a opção metodológica
A grounded theory é uma abordagem metodológica que tem suas raízes no
interacionismo simbólico. Está voltada para conhecer a realidade a partir do conhecimento
da percepção ou �significado� que determinado contexto ou objeto tem para o outro. Trata-
se, portanto, de um método de pesquisa qualitativa que aplica alguns procedimentos
sistemáticos para desenvolver uma teoria. E o faz através dos métodos indutivo e dedutivo,
com base nos dados investigados, ao invés de testar uma teoria já existente (NICO, et al.,
2007).
O método foi desenvolvido por Glaser; Strauss (1967), sociólogos da
Universidade da Califórnia, no início da década de 1960. A ênfase era a necessidade de
compreender o ponto de vista do ator para entender a interação, o processo e a mudança
social. Strauss foi influenciado pelo interacionismo simbólico e pelos trabalhos de W. I.
Thomas, G. H. Mead e Herbert Blumer. A partir de uma perspectiva mais teórico-
quantitativa, Glaser desenvolveu uma abordagem para o pensamento reflexivo, métodos
sistemáticos de categorização e generalizações teóricas. Nesse aspecto, recebeu a
influência do interacionismo simbólico na compreensão de realidade social.
O propósito da grounded theory é a construção de uma teoria com base nos dados
investigados em um determinado objeto da realidade que são obtidos de maneira indutiva
ou dedutiva. Em seguida, esses dados são firmados em categorias conceituais que, ao
serem estabelecidas, podem explicar o fenômeno. Os comportamentos são estudados ao
nível simbólico e interacional e devem ser observados no ambiente, tendo em vista que os
significados são derivados da interação social.
Na grounded theory, os dados são coletados e a análise ocorre simultaneamente.
A pesquisa utiliza freqüentemente os dados durante o estudo, revisa perguntas da pesquisa
40
e busca fatos que estão acontecendo no cenário social. A constante comparação do método
é usada para desenvolver e refinar as categorias teoricamente relevantes.
Esse processo de análise comparativa continua durante toda a coleta de dados até
sua saturação, ou seja, quando a coleta de dados não produz novas informações. Tal
método é utilizado quando já existe um conhecimento mínimo sobre um fenômeno ou
quando uma nova perspectiva é requerida. Através desse processo, o investigador descobre
os padrões fundamentais da vida social ou do processo social básico, que leva ao
desenvolvimento da teoria.
Segundo Cassiani (1994), a grounded theory é uma metodologia de campo que
objetiva gerar constructos teóricos capazes de explicar a ação no contexto social sob
estudo. O investigador procura analisar processos que estão acontecendo no cenário social,
partindo de uma série de hipóteses. Unidas umas às outras, essas hipóteses podem explicar
o fenômeno, combinando abordagens indutivas e dedutivas.
Para Glaser; Strauss (1967), ao desenvolver uma teoria, o pesquisador deve fixar-
se na categoria conceitual, estabelecida a partir dos fatos e dos conceitos que podem
emergir. Por isso, na grounded theory, a coleta e a análise dos dados ocorrem
simultaneamente e são baseadas no método comparativo constante entre eles, a fim de ser
gerada a hipótese.
Assim, o pesquisador continuamente formula hipóteses e as descarta se não
parecem precisas. Entretanto, os dados considerados contraditórios não podem ser
descartados de imediato, porque podem contribuir, posteriormente, para o enriquecimento
da teoria. Alguns conceitos básicos para o entendimento e a utilização dessa metodologia
serão apresentadas a seguir:
a) Sensibilidade teórica: é a qualidade pessoal do pesquisador que indica a
percepção de sutilezas dos significados dos dados (STRAUSS; CORBIN, 1998). É a
capacidade de ter insights a respeito de um fenômeno, a habilidade de reconhecer e dar
significado aos dados e entendê-los. Segundo Glaser (1978), para se alcançar a
sensibilidade teórica, é preciso entrar no cenário da pesquisa com o mínimo de idéias
preconcebidas, especialmente aquelas logicamente deduzidas.
41
Agindo dessa maneira, o pesquisador será capaz de permanecer sensível aos
dados, registrar eventos e detectar acontecimentos, sem tê-los de filtrar com pensamentos e
ajustes de hipóteses ou tendências preexistentes. Para isso é preciso que mantenha um
equilíbrio entre criatividade e cientificidade e que assuma uma postura cética ao seguir os
procedimentos de pesquisa. O somatório de todos esses aspectos desenvolve a
sensibilidade teórica e ajuda na formulação de uma boa teoria.
b) Amostragem teórica ou amostra proposital: constitui-se no processo de coleta
de dados para gerar a teoria onde o analista coleta, codifica e analisa seus dados e decide
quais dados coletar e onde encontrá-los, a fim de desenvolver a teoria que está emergindo
(GLASER; STRAUSS, 1967). O objetivo da amostragem teórica é selecionar eventos ou
incidentes que são indicativos de categorias, a fim de que se possa desenvolvê-las e
relacioná-las.
Inicialmente, o investigador entrevista um grupo da população, seguindo seus
objetivos. Os códigos elucidados dessas entrevistas são utilizados para direcionar a coleta
de dados adicionais, desenvolvendo teoricamente as categorias com respeito às suas
propriedades e à sua conexão com outras categorias. A amostragem teórica de qualquer
categoria termina quando ela estiver, num processo de saturação teórica, elaborada e
integrada em uma teoria emergente (CASSIANI, 1994).
c) Memorandos e diagramas: os memorandos constituem uma forma de registro
referente à formulação da teoria, enquanto os diagramas são representações gráficas ou
imagens que permitem a visualização das relações entre os conceitos. Ambos podem ser
expressos por notas teóricas, notas metodológicas, notas codificadas ou subvariedades
delas.
Os procedimentos de coleta e análise de dados, com base no modelo de
paradigma proposto por Strauss; Corbin (1998), têm sua estrutura apoiada nos seguintes
elementos:
$ Condições causais: referem-se ao conjunto de eventos, incidentes ou
acontecimentos que levam à ocorrência ou ao desenvolvimento de um fenômeno.
São denominadas e apontadas, nos dados, através de expressões como: quando,
42
onde, uma vez que, porque, devido a, por causa de. Todavia, esses dados nem
sempre são evidentes, mas podem ser localizados.
$ Fenômeno: é a idéia central, o evento ou acontecimento, para os quais as
ações ou interações são dirigidas ou com os quais estão relacionadas.
$ Contexto: são as especificidades da condição causal e do fenômeno, ou seja,
um grupo específico de particularidades que os envolve, as condições dentro do
qual as estratégias de ação/interação são tomadas.
$ Condições intervenientes: indicam as condições estruturais que se apoiam
nas estratégias de ação-interação e que pertencem ao fenômeno. Essas condições
agem, facilitando ou restringindo as estratégias de ação-interação tomadas dentro
de um contexto específico. Podem incluir as seguintes condições: tempo, espaço,
cultura, status econômico, nível tecnológico, história, biografia do indivíduo, entre
outras.
$ Estratégias de ação-interação: indicam como as pessoas respondem às
condições causais, ou seja, direcionam a ação-interação para gerenciar, lidar ou
responder a um fenômeno e como ele se dá num determinado contexto. Essas
estratégias devem ser concebidas como processuais, seqüenciais, em movimento,
mudando ao longo do tempo, orientadas por metas, feitas por alguma razão. Elas
são descritas normalmente por verbos de ação, tais como: manter, procurar, fazer,
avaliar, entre outros.
$ Conseqüências: são identificadas como os resultados ou expectativas da
ação-interação em relação a um determinado fenômeno.
Na concepção de Dupas (1997), o uso desse modelo capacita o pesquisador a
pensar sistematicamente sobre os dados e a relacioná-los de modo mais complexo, de
forma que a resposta a cada um de seus elementos possa garantir a saturação teórica de
cada categoria.
43
44
3.1 Sistemas de informação
Para uma melhor compreensão deste capítulo, serão apresentadas, inicialmente,
algumas definições de sistema. A palavra sistema vem do grego sýstema que significa
reunião, grupo (FERREIRA, 1999). A disseminação do termo ocorreu a partir da Segunda
Guerra Mundial, com o surgimento de aplicações agregativas como os sistemas de defesa,
sistemas hidráulicos etc. (BIO, 1996).
No sentido mais geral, sistema é uma coleção ou arranjo de entidades ou coisas,
relacionadas ou conectadas de tal modo que formam uma unidade ou um todo
(WETHERBE, 1986). Hoje, o termo está sendo usado em diferentes campos com uma
variedade de significados. No campo empresarial, sistema é definido como um conjunto de
funções interdependentes, cuja interação, de acordo com o pensamento sistêmico, forma
um todo unitário. Mas sua subdivisão em partes não necessariamente produzirá valores
parciais que, somados, sejam equivalentes ao todo (ZAMBO; ACCIOLY, 1998).
Para Ossimitz (1997), sistema é uma entidade que mantém sua existência pela
interação mútua de suas partes, sendo que a interação é o elemento-chave da definição. As
interações são os elementos responsáveis em atribuir as características gerais do sistema e
não de suas partes isoladas. Somente é possível entender o sistema complexo, através das
interações e nunca através das partes.
Outra definição considera sistema como �um conjunto de elementos
interdependentes, interagentes, trabalhados com objetivos definidos e mútuos� (SANTOS,
2002. p. 32). A partir dessas definições, pode-se inferir que a palavra sistema tem muitas
conotações, sendo difícil encontrar uma definição completa porque depende da visão de
mundo de cada pensador.
Aplicando o conceito ao âmbito deste trabalho, sistema de informação é um
campo de estudo que se preocupa com alguns componentes básicos da tecnologia da
informação, a saber: tecnologia, desenvolvimento, uso e gerenciamento. Também nesse
âmbito, existem problemas em defini-lo exatamente. É preciso também levar em
consideração, a diferença das tradições científicas ou culturais entre a ciência da
computação e as ciências sociais, por exemplo, baseada em diferentes posições filosóficas
ou diferentes visões de mundo. Trata-se de um fato histórico que tem gerado diferentes
45
interpretações ao campo de estudo de sistema de informação (RODRIGUES FILHO;
LUDMER, 2005).
Assim, numa visão formal, o sistema de informação compreende a integração de
vários componentes: hardware, software, pessoas, informações e processos. Atuando
juntos, eles se complementam formando um conjunto de funções específicas e
harmoniosas, com o propósito de maximizar os benefícios da capacidade humana e
tecnológica. Para que esses benefícios possam acontecer, é preciso coletar dados,
armazenar, processar e gerar relatórios necessários à organização (PAHO, 2001).
De modo geral, os sistemas informatizados nos hospitais foram construídos
levando-se em conta a capacidade dos computadores em manipular uma grande quantidade
de informação, armazenando-a e colocando-a à disposição dos usuários, quando
necessário. Assim, a proposta básica de um sistema desse tipo é gerenciar a informação de
que o profissional necessita para realizar seu trabalho de forma mais eficiente (MARIN,
1995).
3.1.1 Sistema de informação: visão rígida (hard)
Os sistemas de informação são encontrados em todos os setores de saúde,
destacando-se: hospitais, clínicas, centros comunitários de saúde, agências de saúde,
órgãos de pesquisa e instituições educacionais. Sua configuração é multiforme e depende
de como será usada, bem como do tipo de trabalho que desempenha na organização. Para
isso, é imperativo que se façam pesquisas e que se repensem aspectos como o fluxo de
trabalho existente, as rotinas e as práticas correntes. Assim, o objetivo do sistema de
informação em saúde é facilitar a gerência da informação clínica e administrativa de um
serviço, buscando melhorar a qualidade do atendimento e a redução de custos.
Embora os sistemas de informação em saúde utilizem intensivamente a tecnologia
da informação, os modelos vigentes nas organizações têm sido construídos numa visão de
mundo racional e mecanicista. Esse modelo tradicional de visão rígida ou hard está
fundamentado no pensamento funcionalista. Por isso, é incapaz de atender às necessidades
do mundo organizacional, inserido no contexto de globalização da informação, cada vez
mais complexa e sujeito às turbulências macroeconômicas e, conseqüentemente, aos
conflitos sociais.
46
Para que se compreenda esse pressuposto, é preciso observar que a informação
está inserida no processo sócio-organizacional. Nesse sentido, a grande questão é saber por
que o modelo racional ou tradicional não satisfaz as necessidades organizacionais para o
desenvolvimento de sistemas de informação. A esse respeito, serão apontados alguns
aspectos do enfoque tradicional, na tentativa de responder a essa questão:
• As metodologias tradicionais para o desenvolvimento de sistemas de
informação têm suas raízes no pensamento positivista, com a influência
funcionalista dos cientistas da computação.
• A ênfase está centralizada nas questões técnicas do software.
• O enfoque é mecanicista e fortemente influenciado pela escola de
administração científica taylorista.
• O aspecto humano da organização é ignorado, assim como a riqueza social
na articulação dos processos de trabalho.
• A visão científica positivista da escola do pensamento em sistemas de
informação supõe que o mundo contém sistemas produzidos para alcançar
objetivos.
• A visão tradicional considera que as organizações são sistemas com
necessidades de informação.
• O enfoque tradicional separa conceitualmente o sistema de informação das
pessoas e suas práticas de trabalho.
• O enfoque tradicional focaliza o problema, as tarefas, as habilidades, o fluxo
de informação e os procedimentos.
Os tópicos apresentados tentam apontar sucintamente, no contexto da escola de
pensamento de sistemas de informação, as características dos modelos racionais
tradicionais ou modelos hard que entram em desarmonia com a realidade das organizações
do século XXI. Isso acontece porque têm sido incapazes de atuar, em tempos de
globalização e de muitas fusões, em um ambiente cada vez mais complexo e com
perspectivas humanas conflitantes.
Assim sendo, os conceitos de sistemas de informação tendem a fugir do modelo
rígido, de visão puramente técnica, para explorar outros paradigmas na organização que
possui não só tecnologia, mas vida social. Alguns autores têm apontado essa tendência de
47
pesquisa, tanto nos Estados Unidos quanto nos países europeus (EVARISTO;
KARAHANNA, 1997; CHECKLAND; HOLWELL, 1998).
Apesar de parecer natural, a visão comumente exposta sobre sistema de
informação é supor que as organizações são entidades sociais, que buscam alcançar
objetivos. Para Rodrigues Filho (2001), a atividade da administração é tomar decisões e o
papel dos sistemas de informação é apoiar o processo de tomada de decisão. Comentando
o trabalho de Checkland e Holwell, que citam o livro de Davis, o referido autor explicita
ser função do sistema de informação gerencial proporcionar informação para apoiar as
operações, a administração e as funções de tomada de decisão das organizações. Por outro
lado, as organizações são vistas como sistemas abertos, contendo um conjunto de
subsistemas com objetivos que não podem ser alcançados sem a administração dos
recursos humanos e materiais.
É importante enfatizar que o paradigma racional, cuja atividade organizacional
está baseada no processo decisório e na busca de objetivos e de informações, tem sido o
modelo dominante no desenvolvimento de sistemas de informação durante várias décadas.
Só agora, vem sendo despertado o interesse por uma perspectiva alternativa que caracteriza
o pensamento em sistemas flexíveis, tentando, assim, compreender as atividades humanas
e a vida organizacional.
3.1.2 Sistema de informação: visão flexível (soft)
As pesquisas em sistemas de informação estão sendo desafiadas por formas
conceituais alternativas, diferentes dos modelos descritivos, prescritivos e normativos,
oriundos do pensamento positivista, para focalizar diferentes níveis de análises,
metodologias, epistemologia e interpretação crítica da realidade. Essa perspectiva
divergente e polarizada é resultante dos efeitos produzidos pela atividade humana, em
nível individual, na organização e na sociedade.
Com isso, as preocupações sociais, éticas e técnicas passaram a ser vistas como
partes integrantes do sistema sócio-organizacional. Portanto, se a tecnologia da informação
é capaz de mudar a rotina de nossas vidas, a participação das pessoas no desenvolvimento
de sistemas é uma oportunidade que não se pode ignorar (SCHULER, 1994).
48
Outro aspecto relevante a ser observado é a relação da informação com os atores
sociais que a utilizam. O estudo da informação pressupõe a possibilidade de definição de
vários objetos, segundo o olhar e o paradigma no qual estão inseridos (FERNANDES,
1995). Essa compreensão não é vislumbrada no método tradicional de construção de
sistemas de informação. Daí a existência de uma lacuna entre a teoria e a prática nessa área
de conhecimento, causando falhas em projetos de sistemas de informação, ausência de
retorno nos investimentos em tecnologia da informação e apatia dos usuários em relação à
praticidade do sistema.
Nesse sentido, é possível perceber que o modelo tradicional de sistemas de
informação tem suas limitações, enquanto paradigma técnico-funcionalista, no atual
contexto das organizações. Tais limitações ocorrem, especialmente, no complexo sistema
de saúde que não exige apenas técnica (hardware, software, nets), estruturas de dados,
arquiteturas de dados, bancos de dados, nem ambientes e padrões de interface gráfica.
Hoje, esse sistema envolve profissionais que cuidam de pessoas. Envolve também a
formalização do conhecimento associado à informalização, para proporcionar à sociedade
um serviço de saúde com qualidade e rapidez de atendimento para o paciente. Envolve, por
fim, modernização, segurança, racionalização de atividades e desenvolvimento
profissional.
Nessa perspectiva, o desenvolvimento de sistemas de informação em saúde
representa um esforço que rompe os princípios do modelo tradicional para vislumbrar
novos paradigmas na área de conhecimento em tecnologia e sistemas de informação. Esse
novo modelo facilita uma maior interação entre os usuários, minimiza a relação teoria e
prática e contribui para melhorar a qualidade e a eficiência da informação.
Um sistema de informação típico do ambiente hospitalar tem como objetivo o
registro de informações sobre os pacientes, de tal forma que possam ser compartilhadas por
todos os setores do hospital que delas necessitem. Torna-se evidente, a partir dessa
definição, que há valorização dos aspectos técnicos presentes no modelo tradicional em
detrimento do suporte social, ou seja, dos usuários que utilizam e estudam as informações.
A dimensão social no desenvolvimento de sistemas de informação surge
quebrando o consenso ortodoxo no estudo das organizações e apontando para uma
49
pluralidade de enfoques teóricos, cujas implicações produziram novas concepções teóricas
e organizacionais. Essa alternativa ocorre num período em que a globalização da
informação influencia as organizações quanto aos aspectos culturais, econômicos, políticos
e sociais. As organizações não podem mais estar atreladas a conceitos antiquados e
fechados, quanto à visão de mundo dos que desenvolvem sistemas.
Acima de tudo, é importante formar uma visão crítica em relação à tecnologia da
informação que está sobrepondo-se às dimensões sociais, tornando-se autojustificada,
autoperpetuada e, até mesmo, onipresente. Na realidade, os tecnicistas inventam os
sistemas e o usuário não se preocupa com os motivos dessa invenção. A tecnologia está
redefinindo o que se entende por arte, privacidade, inteligência, etc. Vive-se um excesso de
tecnologia e informação, onde a individualidade é minada e a liberdade é comprometida.
Assim, a compreensão de organização está voltada para a construção de uma
realidade organizacional na qual as intervenções simbólicas são manipuladas e
interpretadas pelos atores sociais envolvidos. Estes respondem às pressões externas,
podendo ser fortalecidos ou enfraquecidos na sua estrutura de poder estabelecido. Portanto,
o reconhecimento da necessidade de interpretar e entender a participação das pessoas,
como sujeitos ativos no processo organizacional, constitui um novo enfoque que rompe o
discurso rígido estabelecido pelo paradigma funcionalista.
Serão apresentadas a seguir algumas características fundamentais da visão flexível
ou soft para o desenvolvimento de sistemas de informação nas organizações:
• a valorização dos atores sociais no processo organizacional é destacada;
• o modelo de sistema é construído de acordo com a visão de mundo das pessoas;
• a ênfase do modelo soft concentra-se no "desenho participativo", por considerar o
sistema de informação de caráter eminentemente social;
• o modelo é centralizado no usuário, dando prioridade às situações, aos
relacionamentos e às interações de grupo.
Essas características são instrumentalizadas com o enfoque interpretativo do
sistema de informação que pode compreender o processo de mudança organizacional,
fazendo um linking entre contexto social e processo social (WALSHAM, 1993). O modelo
50
alternativo interpretativo permite o entendimento das pessoas e suas ações e da forma
como a ordem social é produzida e reproduzida. Além disso, a perspectiva interpretativa
tem um imperativo social crítico.
Portanto, o modelo flexível de sistemas de informação, através do paradigma
interpretativo, pode ser visto como um sistema social implementado tecnicamente, em que
se enfatizam a natureza social da organização e a perspectiva interacionista e política no
processo organizacional como determinantes do fenômeno social.
Iivari (1991), analisando os trabalhos de Kling e Scacchi a respeito da estrutura
organizacional, declara que o aspecto interacionista vê a organização como uma arena na
qual as pessoas apresentam um significado importante. Para ele, a perspectiva política é
como um campo de batalha no qual os participantes lutam continuamente pelo controle de
valiosos recursos.
Finalmente, um aspecto importante que se constata no modelo flexível, pela sua
posição epistemológica interpretativa, é a sua versatilidade quanto às questões sociais e
organizacionais na construção de sistemas de informação. Isso ocorre, sobretudo, porque,
ao romper com a metodologia ortodoxa dominante, esse modelo possibilita a produção de
riquíssimos trabalhos de pesquisa no campo do conhecimento em tecnologia e sistemas de
informação.
Como se pode observar, os dois enfoques (rígido e flexível) para desenvolvimento
de sistemas de informação produzem conhecimentos diferentes, porque são fundamentados
em metodologias divergentes e em uma visão de mundo diferente.
3.2 Paradigmas para o desenvolvimento de sistemas de informação
O positivismo representa uma corrente do pensamento que alcançou, na lógica
formal e na metodologia da ciência, avanços consideráveis para o desenvolvimento do
conhecimento geral e, em especial, no sistema de informação em enfermagem.
Atualmente, vem sendo bastante explorado na literatura, utilizando-se de uma abordagem
tradicional de pesquisa com raízes no pensamento positivista, que é uma doutrina criada no
século XIX por Auguste Comte.
51
Caracteriza-se, sobretudo, pela orientação antimetafísica e antiteológica que
pretendia imprimir à filosofia, e por preconizar como válida unicamente a admissão de
conhecimentos baseados em fatos e dados da experiência. O caráter dessa doutrina está
fundamentado no conhecimento de dados empíricos, cujo teor, geralmente, acaba por ser
privilegiado (sensacionismo, intuicionismo, simbolismo etc.) e, muitas vezes, leva ao
agnosticismo, ao relativismo ou ao misticismo.
Essa linha de pensamento gerou um movimento doutrinário chamado Círculo de
Viena, fundado em 1924 por Moritz Schlick (1882-1936), filósofo alemão. Nesse grupo,
reuniu os filósofos alemães Philipp Franck (1884-1956), Otto Neurath (1882-1945), Rudolf
Carnap (1891-1970), Hans Reichenbach (1891-1935), bem como os filósofos austríacos
Friedrich Waismann (1896-1959), Ludwig Wittgenstein, Hans Hahn (1880-1934) e outros.
Na avaliação de Gottlob Frege e de B. Russell, esses estudiosos desenvolveram a análise
lógica da linguagem científica, associando o enfoque empirístico do positivismo ao
formalismo lógico-matemático.
Surgiu também o movimento doutrinário de pensadores de língua inglesa, entre
outros, dos filósofos ingleses Alfred Jules Ayer (1910-1989), George Edward Moore
(1873-1958) e Gilbert Ryle (1900-1976) e do matemático e filósofo norte-americano
Willard van Orman Quine (1908). Esse movimento era caracterizado principalmente pelo
fisicismo, pela crítica da linguagem e pela adoção do método axiomático (neopositivismo,
empirismo científico e empirismo lógico) (FERREIRA, 1999).
Assim sendo, o empirismo científico ou neopositivismo, ou ainda empirismo
lógico, passou a predominar como método científico e influenciou, sobremaneira, os
sistemas organizacionais. Sucintamente, esse método está fundamentado nos seguintes
aspectos:
! O positivismo considera a realidade como sendo formada por partes isoladas,
de fatos atômicos, ou seja, uma visão isolada dos fenômenos sociais. Na sua
concepção, o mundo é um amontoado de coisas separadas, fixas.
! O positivismo não aceita outra realidade que não sejam os fatos que possam ser
observados.
52
! Para o positivismo, não interessavam as causas dos fenômenos. A atitude
positiva consistia em descobrir as relações entre as coisas. Para isso, elaboravam-
se determinadas estratégias (questionários, escalas de atitudes, escalas de opinião,
tipos de amostragem etc.) e se privilegiava a estatística. O que interessava era
verificar como se produziam as relações entre os fatos (TRIVIÑOS, 1994).
! O espírito positivista defende uma forte bandeira: a da neutralidade da ciência.
Nesse aspecto, deve-se buscar um conhecimento neutro, livre de juízo de valor.
Seu papel é apenas exprimir a realidade e não julgá-la.
! O positivismo lógico estabelece o princípio da verificação (demonstração da
verdade). Em outras palavras, só será verdadeiro aquilo que puder ser verificável,
confrontado com o dado.
! O positivismo faz distinção entre valor e fato. Os fatos são objeto da ciência e
os valores são apenas expressões culturais e, portanto, não constituem
conhecimento científico.
! O positivismo reconhece apenas dois tipos de conhecimentos autênticos,
verdadeiros e legítimos: o empirismo e o lógico.
Apesar da grande influência do positivismo nas ciências, surgiram as críticas e os
ataques por parte dos próprios integrantes do Círculo de Viena, talvez porque esses
pensadores pretendessem fazer do positivismo lógico uma filosofia geral da ciência. Karl
Popper formulou o racionalismo crítico que explica o comportamento humano, o saber, as
idéias, as organizações sociais etc. Defendeu também o caráter hipotético de todo
conhecimento científico e propôs o método hipotético-dedutivo.
A crítica da Escola de Frankfurt foi profunda e cavou o túmulo do positivismo.
Seus principais representantes - Horkheimer, Adorno, Marcuse, Benjamin, Fromm e
Habermas - dirigiram suas flechas ao positivismo que aparecia como um alvo cheio de
pontos vulneráveis, fáceis de acertar e de destruir (TRIVIÑOS, 1994).
Vale salientar, ainda, a influência do paradigma funcionalista que, ao lado do
positivismo, constituem duas fortes correntes do domínio ortodoxo na metodologia
tradicional para desenvolver sistemas de informação. O paradigma funcionalista originou-
se na França, no início do século XIX. Foi motivado pelo crescente interesse nos estudos
da natureza do mundo, na suposição de que os modelos desenvolvidos para o estudo dos
53
animais, plantas, moléculas, etc. poderiam ser aplicados ao estudo da existência humana.
Os principais defensores dessa corrente de pensamento são: Frederick Taylor, Auguste
Comte e Emile Durkheim (MTROYAL, 2001).
De acordo com Burrel; Morgan (1979), o paradigma funcionalista apresenta uma
abordagem objetiva de análise do mundo social. As pessoas que trabalham com esse
paradigma estão preocupadas com o status quo, a ordem social e o consenso. Nessa
abordagem, o mundo em volta do investigador é realista, positivista e determinista. Os
funcionalistas acreditam que há uma explicação racional para quase todas as coisas que
acontecem e despendem consideráveis esforços na tentativa de entender as leis ou as
verdades que estão por trás dos fatos.
Os funcionalistas desejam colocar esse conhecimento em proveito da sociedade,
no âmbito da ciência, da educação ou, até mesmo, dos consumidores em geral. Aqueles
que trabalham com esse paradigma acreditam ainda que os modelos e métodos
desenvolvidos para estudar a natureza das ciências podem ser usados para uma análise
sobre a existência humana. Acreditam também que "a verdade está lá fora", somente
requerendo procedimentos específicos e investigação livre para encontrá-la. Nessa
perspectiva, são usadas ferramentas da pesquisa, como análise quantitativa, experimentos e
análise de conteúdo, para explicar, entender, predizer e controlar o mundo.
Todavia, com a evolução do conhecimento, novas alternativas de investigação
científica foram surgindo para a compreensão do fenômeno a ser investigado. Burrel;
Morgan (1979), com base na epistemologia, fazem distinção entre o positivismo e o
antipositivismo. O positivismo, segundo eles, procura explicar e predizer o que acontece
no mundo social pelo método de pesquisa, pela relação entre os elementos constituintes.
Já para o antipositivismo, o mundo social só pode ser entendido pelo ponto de
vista do indivíduo que está diretamente envolvido na atividade, o qual está para ser
estudado. Para os citados autores, todo cientista social aborda sua disciplina através de
pressupostos explícitos ou implícitos sobre a natureza do mundo social e a maneira como
pode ser investigado. Esses pressupostos têm as seguintes dimensões:
% ontológica: refere-se à essência do fenômeno do ser;
% epistemológica: nasce das bases do conhecimento;
54
% humana: refere-se à relação entre o homem e o ambiente;
% metodológica: surge das implicações das dimensões anteriores.
O conjunto constituído desses pressupostos compõe um paradigma. Nas ciências
sociais, o termo �paradigma� é geralmente usado para descrever os fundamentos das
concepções básicas coexistentes nas teorias, especialmente, para uma avaliação das
ciências sociais. Para Gomes (2001), paradigma é a visão de mundo aceita amplamente em
uma disciplina e que determina a direção e os métodos de seus pesquisadores. Significa
dizer que é um conjunto de visões relacionadas ao homem, à sociedade e à maneira de agir
para se alcançar a verdade e que pode se tornar consenso entre os pesquisadores.
Burrel; Morgan (1979) apontam quatro paradigmas que podem ser usados no
estudo das ciências sociais e organizações, além de serem um instrumento de análise do
conhecimento. Segundo Rodrigues Filho; Borges; Ferreira (1999), esses paradigmas
podem ser utilizados para a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de informação. No
diagrama a seguir, apresenta-se uma matriz 2X2 em que são demonstrados os quatro
paradigmas:
Mudança radical
Paradigma humanista
radical
Paradigma
estruturalista radical
Subjetivo
Paradigma
interpretativo
Paradigma
funcionalista
Objetivo
Regulação
Figura 2: Quatro paradigmas (RODRIGUES FILHO; BORGES; FERREIRA,1999).
Burrel; Morgan (apud RODRIGUES FILHO; BORGES; FERREIRA, 1999),
dividiram o campo da teoria organizacional em quatro paradigmas. Dessa forma o
conhecimento do mundo social pode ser concebido como sendo objetivo ou subjetivo e
também em termos de ordem e conflito. As teorias de regulação pressupõem que as
sociedades modernas são caracterizadas mais pela ordem do que pelos conflitos. Por outro
lado, as teorias de mudanças radicais conjecturam que as relações sociais são
55
condicionadas mais por pressões contraditórias, objetivando transformações, do que por
forças de continuidade e transformação. A seguir, serão analisados os quatro paradigmas
apontados por Burrel; Morgan (1979):
a) Paradigma humanista radical: reflete uma posição subjetiva e de mudança
radical da sociedade, enfatizando que a realidade social é construída e mantida, porém com
uma postura de avaliação mais crítica. Combina a filosofia subjetivista da ciência com a
teoria de mudança radical da sociedade. Esse paradigma compreende a ordem social como
sendo o produto de coerção e não de consentimento. A teoria crítica é o enfoque mais
influente no paradigma humanista radical. Tem em comum com o paradigma interpretativo
a visão do mundo social numa perspectiva antipositivista, nominalista, voluntarista e
ideográfica. Porém, está comprometido com uma visão de sociedade que enfatiza a
necessidade de superar e transcender as limitações impostas pelos arranjos sociais atuais.
b) Paradigma estruturalista radical: advoga as teorias de mudança radical a partir
de uma perspectiva objetivista. A dimensão desse paradigma, que é baseado na teoria
marxista, centraliza-se na concepção materialista do mundo social, ligada por estruturas
concretas e reais. As contradições estruturais tentam explicar a presença de conflitos e
tensões sociais tão freqüentes nas organizações e na sociedade. Todo esse contexto tem um
grande potencial para mudança radical, sempre que as estruturas não possam ser capazes
de regular a instabilidade.
Para os defensores desse paradigma, as raízes dos problemas e desordens sociais,
as crises ecológicas, a crescente depressão psicológica, condições de trabalho degradante,
precárias condições sociais, residem na estrutura capitalista. Segundo entendem, esses
problemas só podem ser minimizados através de uma transformação radical e
revolucionária do sistema capitalista.
c) Paradigma funcionalista: originou-se no positivismo e reflete uma posição
objetiva com uma teoria de regulação social. É dominante nas ciências sociais e nas
pesquisas de desenvolvimento e utilização de sistemas de informação. Procura examinar
regularidades e relações que levam a generalizações e princípios universais. Nessa
perspectiva, preocupa-se com o entendimento da sociedade de uma forma geradora do
conhecimento empírico.
56
d) Paradigma interpretativo: reflete uma posição subjetiva e de regulação social.
Baseia-se na visão de que as pessoas constroem e mantêm, simbolicamente e socialmente,
suas próprias realidades organizacionais. Nessa perspectiva, a atividade humana é
considerada coesa, ordenada e integrada.
Para Santos (2003), chega-se ao fim de um ciclo de hegemonia de certa ordem
científica de um paradigma. Vive-se uma época de perplexidade semelhante à que ocorreu
em meados do século XVI, quando a idéia de universo orgânico, vivo e espiritual foi
substituída pela noção do mundo comparado a uma máquina e a máquina do mundo
converteu-se na metáfora dominante da era moderna.
Com Bacon, no século XVII, surge o método científico, passando a
ciência a ter o objetivo de dominar e controlar a natureza; com Descartes surge o método
dedutivo, segundo o qual toda a ciência é conhecimento certo e evidente. Rejeitava-se todo
conhecimento que era meramente provável e acreditava-se naquele que não podia gerar
dúvidas. De acordo com Gomes (2001), o paradigma dominante vai sendo construído
neste contexto de idéias. Daí considerar-se o homem como uma máquina, aproximando-o
da natureza e separando o objeto do sujeito, o conhecimento científico do senso comum, o
saber científico do saber subjetivo.
Japiassu (1981) propõe uma alternativa para superar esse paradigma dominante,
que é através da ciência crítica e da interdisciplinaridade. A ciência crítica consiste em
resistir às práticas científicas em seu real contexto sociopolítico e cultural. Já a
interdisciplinaridade refere-se ao trabalho em comum, tendo em vista a interação das
disciplinas científicas, de seus conceitos e diretrizes, de sua metodologia, dos
procedimentos de seus dados e da organização de seu ensino.
O conhecimento científico atingiu um estágio que lhe permite dialogar com outras
formas de conhecimento e fazer intercâmbio entre as ciências naturais e sociais. O mesmo
ocorre com o paradigma interpretativo, que é produto da tradição de idealistas alemães, de
pensamento social, exemplificado nos trabalhos de Immanuel Kant. A tradição idealista foi
quase vinculada ao movimento romântico na literatura e nas artes, iniciado na metade do
século XVIII. Dentre os principais representantes desse enfoque, destacam-se: Max Weber,
Clifford Geertz, Erving Goffman. As abordagens científicas associadas com o paradigma
57
interpretativo são: o interacionismo simbólico, a etnografia e a fenomenologia
(MTROYAL, 2001).
a) Interacionismo simbólico: abordagem que atribui considerável importância ao
significado e à interpretação essencial do processo humano. A realidade do mundo existe
apenas na experiência humana e aparece somente na forma pela qual os seres humanos
vêem este mundo (BLUMER, 1969).
b) Etnografia: é o estudo descritivo de um ou de vários aspectos sociais ou
culturais de um povo ou grupo social. A pesquisa interpretativa etnográfica ajuda a
entender o pensamento humano e a ação social no contexto organizacional. Essa
abordagem utiliza vários métodos: a observação participante e intensiva no campo de
trabalho, entrevista não-estruturada, observação ilustrada por documentação de vídeo e
outros (MERTENS, 1998).
c) Fenomenologia: é o estudo descritivo de um fenômeno ou de um conjunto de
fenômenos em que estes se definem, quer por oposição às leis abstratas e fixas que os
ordenam, quer por oposição às realidades de que seriam as manifestações. Seu principal
representante é o filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938). Caracteriza-se
principalmente pela abordagem dos problemas filosóficos segundo um método que busca a
volta "às coisas mesmas", numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originários da
experiência, entendida esta como a intuição das essências (TRIVIÑOS, 1994; FERREIRA,
1999).
O enfoque interpretativo, como metodologia alternativa para desenvolvimento de
sistemas de informação, tem uma visão de processo organizacional que valoriza o aspecto
humanístico no contexto social em que está inserido. Nesse sentido, os sistemas de
informação não podem estar desvinculados do trabalho das pessoas. Pelo contrário, devem
ser compatíveis com a natureza da prática do trabalho. Caracterizam-se por estarem
inseridos no mundo social (relações sociais, organizações, divisão de trabalho, motivação,
competência, habilidades). Não se trata, simplesmente, de um arcabouço técnico. O que
existem são seres humanos que desenvolvem suas ações interagindo e interpretando os
dados e informações de acordo com a realidade social vivenciada pela experiência.
58
Os métodos interpretativos estão demonstrando mais eficiência na compreensão
da realidade organizacional, tendo em vista sua flexibilidade em refletir as práticas de
trabalho, o contexto dos usuários e a interação sócio-organizacional no desenho de
sistemas. Dessa forma, o desenvolvimento efetivo de sistemas de informação requer um
trabalho conjunto envolvendo, não somente o conhecimento técnico organizacional, mas
também os níveis comportamental e ambiental. Isso requer o uso de uma metodologia
alternativa, descrita na perspectiva interpretativa, cujo foco no aspecto participativo dos
usuários no desenvolvimento do sistema é fundamental.
Por outro lado, os paradigmas identificados por Burrel e Morgan, no contexto da
pesquisa organizacional e social, também se manifestam no domínio do desenvolvimento
de sistemas de informação. Essas dimensões permitem que as pessoas que atuam na
organização tenham condições de compreender seu papel no contexto organizacional,
livrando-se da dominação, alienação, exploração e repressão.
Para a pesquisa em sistemas de informação, esses objetos conceptuais
possibilitam uma análise crítica da estrutura social existente, com o propósito de gerar
mudanças entre a relação informação/dados, sistema de informação/organização.
Possibilitam também uma análise da existência humana em seus diferentes papéis para o
desenvolvimento e uso de sistemas de informação, tecnologia, organização e a ampla
sociedade que forma todo esse contexto.
Neste tipo de abordagem, a participação dos atores sociais é elemento integrante
do processo de conhecimento. Isso porque eles são capazes de interpretar os fenômenos e
atribuir-lhes um significado, pois experienciaram a problemática na vivência profissional.
Por esta via, a interação é sempre simbólica, justificando-se daí o nosso interesse em
compreender os significados com o foco interpretativo, a partir do significado atribuído e
interpretado pelos sujeitos investigados.
3.3 Metodologias para o desenvolvimento de sistemas de informação
As pesquisas em sistemas de informação são diversificadas e apresentam-se em
diferentes formas. Nesse caso, serão feitas algumas considerações que diferem
acentuadamente da abordagem dominante �positivista� para concepções paradigmáticas
59
alternativas. Contudo, é impossível analisar toda a literatura relevante sobre cada uma das
metodologias adotadas para a pesquisa em sistemas de informação.
O desenvolvimento conceitual como categoria de método de pesquisa refere-se a
vários modelos e sistemas. Esses modelos, em geral, não fazem descrição alguma da
realidade existente, mas ajudam a criar uma nova, embora não tragam, necessariamente,
alguma realização material (p. ex: desenvolvimento de metodologias de sistemas de
informação). A produção de desenvolvimento técnico como produto do artefato médico,
incluindo software, os modelos conceituais e os sistemas como ferramentas cognitivas e
expansivas, bem como a compreensão do sujeito e a exploração dos detalhes serão temas
abordados sob dois aspectos metodológicos: tradicional e alternativo.
3.3.1 Metodologia tradicional
A abordagem metodológica, predominantemente ortodoxa, para o
desenvolvimento de sistemas de informação, em geral, e na enfermagem em particular,
segue, tradicionalmente, os passos recomendados pela literatura positivista e funcionalista
(SABA; JOHNSON; SIMPSON, 1994; ÉVORA, 1995; MARIN, 2001; ÉVORA; DALRI,
2002). Esses passos são: planejamento, análise, implantação, avaliação e manutenção.
Cada passo será analisado a seguir:
• Planejamento: é a fase do conhecimento e diagnóstico do serviço. Nela se
estabelece o que se pretende informatizar e como se quer fazer. Prevê-se
também o que será informatizado no curto, médio e longo prazo.
• Análise: é a fase em que são identificadas, descritas, quantificadas e
analisadas as atividades do sistema atual e como se quer fazer a mudança.
• Implantação: essa fase se caracteriza pelo desenvolvimento e implantação do
sistema resultante dos estudos já realizados. São indispensáveis o treinamento
dos usuários e a utilização de teste-piloto.
• Avaliação: nessa fase procura-se avaliar o grau de satisfação do usuário em
relação ao sistema e se este responde às expectativas e aos objetivos a que se
propõe.
• Manutenção: nessa fase, são feitas as alterações necessárias no sistema para
garantir a funcionalidade e diminuir os defeitos que possam existir.
60
A metodologia tradicional em sistemas de informação caracteriza-se por ser um
sistema técnico baseado nos pressupostos filosóficos do empirismo lógico ou da
epistemologia positivista. Esta abordagem teórica trata a tecnologia como hard.
Para o desenvolvimento de sistemas de informação na organização, tem-se
adotado, ao longo dos anos, a metodologia tradicional, cujo enfoque tecnicista refere-se
aos meios técnicos e ao know-how tecnológico (arquitetura de sistema, estrutura cliente-
servidor, linguagem de programação e ambiente de dados oracle, banco de dados como
SQL, server, DB2, informix, access, e, outras plataformas de servidor windows, novell,
linux). Os avanços das aplicações computacionais nas empresas têm contribuído para
acelerar as novidades em hardware e software e em telecomunicações que surgem no
mercado todos os dias, tornando cada vez mais prática e rápida a vida corporativa. No
entanto, todo esse aparato tecnológico tem fortalecido a ortodoxia dominante da
metodologia tradicional.
Outro aspecto relevante a ser observado na implementação prática de um sistema
de informação organizacional nos modelos mecanicista e racional está nos graus variáveis
de sucesso operacional. Como ainda não há um consenso geral sobre qual é o melhor
caminho a ser seguido, muitos problemas aguardam uma solução mais eficiente. Um dos
problemas a ser resolvido é compreender as organizações de saúde em toda a sua
complexidade, a fim de se poder difundir a tecnologia na organização que facilite a
interação usuário-máquina.
Nesse sentido, é preciso entender que existem diversas peculiaridades próprias da
contingência organizacional. Quando os processos operacionais básicos de um sistema de
informação focalizam mais as aplicações técnicas e menos a natureza social das
organizações hospitalares, o sistema enfrenta problemas, porque os profissionais de saúde,
em sua maioria, não foram treinados para lidar com a tecnologia e sistemas de informação.
Pode-se afirmar, no entanto, que, apesar da queda de preços e das vantagens
oferecidas, a tecnologia computacional, quando inserida dentro da organização de saúde
sem o envolvimento e participação dos atores sociais do sistema, tem decepcionado muitas
pessoas. Em conseqüência, tem elevado os custos hospitalares de investimento e a sua
eficiência tem sido questionada. Na impossibilidade de se encontrar uma solução para as
61
reclamações dos usuários, pelo menos foi possível compreender que existe falta de
entendimento da base teórica sobre informação, gerência e sistemas de informação, assim
como uma limitada visão do método de pesquisa organizacional.
Todos esses aspectos têm contribuído significativamente para aumentar os
investimentos em sistemas de informação. Entretanto, a literatura registra que cerca de
50% dos projetos de sistemas de informação são falhos e a taxa de sucesso não passa de
40%. A esse respeito, Rodrigues Filho; Ludmer (2005) referem-se ao trabalho de Warren e
Adman, onde relatam dados do Ministério da Indústria e Comércio do Reino Unido, acerca
dos resultados de investimentos em tecnologia da informação. O estudo mostra que esses
resultados são desanimadores:
! entre 80% a 90% não alcançam os objetivos de desempenho;
! cerca de 80% dos sistemas são entregues fora do prazo, excedendo o
orçamento previsto;
! cerca de 40% dos projetos de desenvolvimento falham ou são abandonados;
! menos de 40% apontam a necessidade de treinamento e exigências de
habilidades;
! menos de 25% integram, de forma apropriada, os objetivos dos negócios e
da tecnologia;
! apenas entre 10% a 20% atendem todos os critérios de sucesso.
Para entender-se essa situação, parte-se do pressuposto de que existe uma grande
lacuna entre a concepção do desenho racional do sistema de informação e o
comportamento da realidade sócio-organizacional que leva ao risco inevitável de falha no
sistema. Heeks; Mundy; Salazar (1999) enfatizam que as falhas acontecem,
freqüentemente, porque os sistemas de informação são fundamentados em análises formais
e em um modelo tecnologicamente racional das funções organizacionais.
Por outro lado, esses sistemas, são introduzidos dentro de uma realidade informal
e desordenada, demonstrando uma evidente falta de combinação entre os modelos formais
(dentro do sistema de informação) e a percepção dos usuários desse sistema isso
inevitavelmente, reflete mais uma abordagem informal e pragmática da sua própria
realidade organizacional. Conseqüentemente, um sistema de informação inflexível e
62
prescritivo traz como resultado a baixa utilização entre os usuários do sistema, ou seja, alto
investimento em tecnologia para um feedback ineficaz.
O sucesso ou fracasso de um sistema de informação depende do nível de
entendimento entre a concepção do desenho de sistema e a realidade que está sendo
introduzida. Nesse sentido, Mumford (2006) realizou um estudo procurando fazer um
resgate histórico do desenho sóciotécnico enfatizando os valores, as pessoas envolvidas e a
organização. O autor mostrou que os princípios sócio-técnicos podem desenvolver
diferentes formas de humanizar o impacto potencial da tecnologia da informação no
mundo do trabalho e das organizações.
Portanto, em razão da evolução ocorrida nos processos através dos quais a
informação organizacional é gerada e transmitida, a abordagem da metodologia tradicional
utilizada no tratamento dos sistemas de informação tornou-se ineficaz. A complexidade e a
interconectividade dos sistemas organizacionais, bem como suas dinâmicas, já não
permitem a estereotipagem da epistemologia positivista. Conforme afirmam Boland;
O'leary (1991), outros enfoques enfatizam que a tecnologia não é apenas um objeto físico,
mas uma forma de conhecimento prático.
Em outras palavras, a tecnologia é uma invenção social que deve ser flexível e
modelada, durante a sua utilização, porém fixando limites e abrindo possibilidades que
modelam seus usuários. Em razão disso, é preciso que se utilize cada vez mais, uma
metodologia alternativa que reconheça a tecnologia como um componente interpretativo
para a construção social da realidade, ou seja, a sociologia do trabalho.
3.3.2 Metodologias alternativas
A área de sistemas de informação tem crescido extraordinariamente nas últimas
décadas. Essa tendência vem transformando o panorama da informação, em especial,
devido aos seguintes fatores: evolução das implementações tecnológicas de ambiente
mainframe distribuído na arquitetura cliente - servidor, envolvendo a internet e intranets;
mudanças na tecnologia da interface do usuário, que era baseada em caracteres, para
interface gráfica, multimídia e World Wide Web - WWW; mudanças nas aplicações de
transação dos sistemas de processamento em relação aos sistemas de apoio colaborativo no
63
trabalho; uso da tecnologia da informação como elemento facilitador do processo de
negociação em reengenharia e redesenho.
Essa tecnologia de mudanças, unida ao ambiente organizacional em
transformação, assim como a crescente rede de comunicação e organização virtual,
internacionalização e globalização de muitas empresas, têm intensificado as mudanças de
valores. Por outro lado, a orientação do cliente (serviços de qualidade) e a qualidade de
vida no trabalho impõem novas demandas no desenvolvimento de sistemas de informação.
Essas mudanças têm propiciado uma progressiva discussão sobre
desenvolvimento de sistemas de informação, em particular, sobre os vários modelos,
ferramentas, metodologias e enfoques. Tais discussões têm possibilitado o surgimento de
novas alternativas de enfoques e metodologias no desenvolvimento de sistemas de
informação. Como resultado, o foco de atuação do velho paradigma (modelo tradicional)
tornou-se insustentável, porquanto é reconhecido no meio científico que os sistemas de
informação são muito mais um fenômeno social do que meramente um fenômeno técnico
no processo organizacional (RODRIGUES FILHO, 2001).
Esse enfoque surge como uma tentativa de se estudar as ações organizacionais
para enfrentar os desafios tecnológicos da informação e da telecomunicação. Dessa forma,
para que se possa analisar a complexidade do sistema organizacional, considerando-se os
inter-relacionamentos das partes que o compõem, é necessária a utilização de metodologias
alternativas, ou seja, uma linha crítica e interpretativa para desenvolver sistemas de
informação.
Para efeito de estudo, convém esclarecer que o paradigma interpretativo apresenta
uma abordagem subjetiva de análise sociológica. As pessoas que trabalham com esse
paradigma desejam entender o mundo social como ele é. Desejam chegar a uma conclusão
sobre o fenômeno que estão estudando, a partir do entendimento da experiência humana no
nível em que ele ocorre e no mundo à sua volta.
Partindo desse entendimento, novos enfoques e metodologias para desenvolver
sistemas de informação começaram a ganhar espaço nas pesquisas, passando a ser modelos
alternativos à ortodoxia dominante. Cita-se como exemplo a metodologia de desenho
participativo que enfatiza o papel central do usuário no processo de desenho ou construção
64
do sistema. Esta, obviamente, é uma oportunidade para que o usuário coopere no
desenvolvimento do sistema. Logo, o desenho participativo é eminentemente cooperativo e
tem sido discutido por vários pesquisadores na literatura (KJACR; MARSDEN, 1995;
KYNG; MATHIASSEN, 1997; RODRIGUES FILHO, 2001).
É importante destacar que a abordagem participativa centra-se no relacionamento
social, no conhecimento formal e informal, na competência mútua, na interação
interpessoal e de grupos e na experiência vivenciada pela prática do trabalho. Nessa
abordagem, aqueles que desenvolvem sistemas que adotam o enfoque interpretativo dão
prioridade ao contexto contingencial, ao relacionamento e à interação social, com ênfase na
participação extensiva dos usuários no processo de desenho do sistema. Essa metodologia
tem como orientação básica desenhar o sistema com as pessoas e não para as pessoas,
buscando extrair da realidade prática toda a experiência do usuário. Dessa forma, procura-
se minimizar a lacuna de conhecimentos inerentes aos requisitos de aplicação existente
entre o produtor de sistemas e o usuário final, para garantir a usualidade.
O desenho participativo reconhece que os usuários estão nas melhores posições
para colher informações sobre seu próprio trabalho. Isso abre a possibilidade para que os
programadores cheguem a um modelo mais preciso e realista do sistema. Além disso, por
causa do envolvimento no processo, os usuários estão mais aptos a aceitar o sistema final,
uma vez que são vistos como colaboradores ativos no processo de desenho.
Nessa perspectiva, os usuários são obrigados a tomar decisões. Sob a forma de
desenho participativo, esse processo se faz através de consultas, onde eles são convidados
a fornecer evidências para a tomada de decisão, seja por meio de entrevista ou
questionário, seja por percepções subjetivas fornecidas pelo grupo. A tomada de decisão,
nesse caso, assume uma conotação democrática, na medida em que todos os participantes
têm voz igual, responsabilidade, completa autoridade e não são pressionados por qualquer
força política. Nesse contexto, as pessoas podem tomar decisões com base em seus
próprios julgamentos.
Além do desenho participativo, outras abordagens metodológicas no
desenvolvimento de sistemas de informação apontam na direção de algumas importantes
pesquisas em sistemas de informação que são empregadas para reforçar o enfoque
65
interpretativo e crítico no campo da tecnologia da informação. A metodologia, segundo
Hirschheim; Iivari; Klein (1997), pode ser interpretada como um conjunto organizado de
conceitos, métodos, crenças, valores e princípios normativos, apoiado por um conjunto de
técnicas, ferramentas e atividades. A técnica, nesse contexto, consiste de uma seqüência
bem definida de elementos operacionais que possam garantir a realização de certos
resultados, se executada corretamente.
Portanto, as metodologias merecem permanente atenção, mesmo que o foco dessa
atenção possa ser mudado para novo aspecto. Para os objetivos deste estudo, foram
selecionados alguns enfoques que se contrapõem ao domínio ortodoxo no desenvolvimento
de sistemas de informação e representam concepções sociológicas �alternativas� e
significativamente diferentes. Esses enfoques serão analisados a seguir:
a) Enfoque interacionista: está vinculado ao corpo da pesquisa conduzida na
Universidade da Califórnia, por Irvine, Kling e seus colegas. O adjetivo �interacionista�
caracteriza o aspecto mais distinto do enfoque, ou seja, a visão da organização. O
interacionismo e a perspectiva organizacional fornecem uma linguagem apropriada e
conceitos da dinâmica social que ajudam a explicar as atrações e dilemas do uso do
computador nas organizações. Essa abordagem já foi detalhada no capítulo II desta tese.
b) Enfoque baseado nas ações por palavras: está focalizado no significado das
palavras que são trocadas num diálogo. Esse foco na linguagem é determinado pelas
necessidades do grupo de trabalho e outras formas de comunicação social. As ações por
palavras são unidades básicas de comunicação que expressam a intenção das pessoas. Para
compreender o significado de uma ação por palavra, deve-se levar em conta a situação
social em que ocorre (o contexto). Este consiste dos seguintes elementos: emissor,
receptor, o tempo e o lugar da comunicação. A palavra é uma forma complexa de ação
humana, que, em determinados contextos, pode significar coisas diferentes. Portanto, esse
enfoque procura interpretar os enunciados de fato, buscando obter a palavra que
corresponda à existência de um estado, independentemente do contexto.
Trabalhos pioneiros desenvolvidos no enfoque baseado nas ações por palavras nos
Estados Unidos e na Europa vêm apresentando uma origem teórica comum, mas têm se
diferenciado um pouco na sua aplicação. Nesse aspecto Hirschheim; Iivari; Klein (1997)
66
apontam alguns autores como Winograd, Flores e Lyytinen têm focalizado no discurso as
ações por palavras. Desde 1990, o enfoque nas ações por palavras tem estimulado o
interesse da comunidade acadêmica em sistemas de informação, conduzindo várias
metodologias que são evidenciadas pelo crescente número de referências.
c) Metodologia de sistema soft - MSS: foi desenvolvida na década de 1970 por
Peter Checkland e outros pesquisadores da Universidade de Lancaster, na Inglaterra. A
metodologia deriva do �movimento dos sistemas�. Checkland vê nesse modelo uma
tentativa para dar um enfoque holístico ao problema, tendo em vista que o enfoque
tradicionalista da ciência natural falhou nesse aspecto. O movimento dos sistemas pode ser
localizado em disciplinas como a sociologia, a biologia, a ecologia, a economia, pesquisa
operacional e outras. Checkland faz a distinção do pensamento sistêmico em hard e soft,
numa tentativa de usar o conceito de sistemas para resolver problemas.
Para o autor, o pensamento de sistema hard é identificado nos sistemas de
engenharia (como estratégia de pesquisa tradicional ou enfoque do desenho para
engenheiros e tecnologistas) e análises de sistemas (com avaliação sistemática dos custos e
outras implicações que definem a necessidade de vários caminhos). O sistema hard tem
seu ponto de partida na construção do problema e na suposição de que os objetivos dos
sistemas são bem definidos e consistentes. Por outro lado, o sistema soft tem como ponto
de partida o problema que não foi construído dentro da atividade social do sistema, no qual
há debilidade por ser o problema mal definido. Checkland refere-se ao pensamento de
sistemas hard como a otimização de paradigma, enquanto o sistema soft é referido como o
estudo do paradigma (SIMONSEN, 1994).
Para Hirschheim; Iivari; Klein (1997), a MSS é uma metodologia que objetiva
possibilitar o aprimoramento nas áreas de interesse social pelas atividades das pessoas
envolvidas na situação. O estudo se desenvolve, através de processo iterativo, conceitos de
sistemas usados para refletir sobre conceitos e percepções e debate do mundo real,
novamente, refletindo sobre os acontecimentos com base em conceitos. A reflexão e o
debate são estruturados por modelos sistêmicos. Estes são compreendidos como holísticos
em certos aspectos do problema-situação.
67
O desenvolvimento da MSS depende muito da pesquisa-ação. Segundo Checkland
e Scholes (apud HIRSCHHEIM; IIVARI; KLEIN, 1997), essa metodologia se distingue
das outras visões por enfatizar a estrutura intelectual como uma pré-condição para um
estudo efetivo da pesquisa-ação, através dos seguintes aspectos: a identificação da
situação-problema; a expressão da situação-problema; a formulação da definição de base
de sistemas; a formulação de modelos conceituais de sistemas; a comparação do modelo
com o mundo real; a descrição de mudanças sistematicamente desejáveis e praticáveis; a
ação para melhorar a situação-problema. A MSS não deve ser tratada como uma técnica ou
método, mas como uma metodologia bem documentada. É reconhecida amplamente no
ambiente acadêmico de sistemas de informação, sendo freqüentemente referida na
literatura nesta área.
d) Enfoque sindicalista: está focalizado na força político-institucional e parece ser
mais bem adaptado para organizar a cooperação entre gerente e sindicato. Esse enfoque
surgiu na década de 1960, principalmente em três países escandinavos: Dinamarca,
Noruega e Suécia. Essa prática pode ser explicada pelo alto nível de sindicalização da
força de trabalho. Isso tem criado uma situação favorável que assegura aos empregados e
sindicatos o direito de participar no desenho e na tomada de decisão em sistemas de
computador.
O reconhecimento dessa mudança é uma importante motivação para a formulação
de estratégias do sindicato para desenvolver um sistema baseado em computador. As mais
recentes publicações refletem o enfoque sindicalista, denominando-o �desenho
cooperativo�, que é teoricamente mais uma filosofia de Heidegger e Wittgenstein do que
de Marx.
O enfoque no desenho cooperativo tem estimulado consideráveis interesses, sendo
considerado pré-requisito técnico à participação do usuário na atual construção de sistemas
de informação da atualidade. Para facilitar o importante papel do usuário, tem-se apontado
o desenvolvimento de várias ferramentas, técnicas e princípios para apoiar sua participação
efetiva. Embora a tradição sindicalista tenha usado vários nomes para caracterizar seu
enfoque, o rótulo �sindicalista� é originado na relação industrial da Escandinávia como
fundo social. Destaca-se o papel do sindicalismo como patrocinador e parceiro dos
68
maiores projetos de pesquisa, evidenciando-se, além disso, a crença no sindicalismo como
legítimo representante dos trabalhadores (HIRSCHHEIM; IIVARI; KLEIN, 1997).
e) Enfoque da prática profissional no trabalho - PPT: enfatiza o estudo da prática
de trabalho de sistemas profissionais frente à tentativa de melhorá-lo. Nesse sentido, o
enfoque PPT tem sido relacionado entre os métodos e práticas de desenvolvimento de
sistemas de informação. A base empírica do enfoque PPT é derivada da investigação das
condições que determinam a prática de trabalho dos desenvolvedores de sistemas. A base
teórica está inspirada em estudos teóricos da organização, em particular, a �prática
reflexiva�.
A base da ação organizacional, estudada na perspectiva do enfoque PPT,
fundamenta-se em três dicotomias: produto-orientado versus visão do processo-orientado;
reflexão versus ação; visão versus realidade presente. O enfoque enfatiza experiências,
reflexões e estudos no desenvolvimento da prática do trabalho em busca do aumento do
profissionalismo. O desenvolvimento está baseado na experiência empírica para projetos
práticos de desenvolvimento de sistemas, sem qualquer força pré-conceitual teórica
(HIRSCHHEIM; IIVARI; KLEIN, 1997).
Em síntese, a questão básica da pesquisa no enfoque PPT é perguntar como a
experiência, a reflexão e o estudo podem ser organizados no desenvolvimento da boa
prática de trabalho em direção ao aumento do profissionalismo. Convém, entretanto,
ponderar que a melhor prática de trabalho pode ser estudada pela combinação de três
estratégias: estudo teórico (estudando novos métodos e ferramentas ou estruturas de
análise); procura de uma ampla área de alcance da experiência prática; melhoria do estudo,
no sentido de construir uma mente aberta para uma concepção de atitude profissional que
encoraje as pessoas a procurarem informações pertinentes, através da interação com a
comunidade profissional e de estudo da literatura.
Os cinco enfoques analisados não podem ser considerados completos como
metodologias alternativas de desenvolvimento de sistemas. No entanto, representam
significativo avanço na pesquisa em sistemas de informação e têm potencial para se
tornarem metodologias completas. Outras ferramentas e técnicas podem dar suporte à
69
informação entre os usuários e o programador. Alguns exemplos dessas ferramentas são,
resumidamente, os seguintes:
% Abordagem histórica: pode ser usada como um meio de descrever as
atividades do dia-a-dia do usuário ou um cenário particular dentro do qual o
problema é destacado e avaliado pela capacidade do usuário em determinar
se o desenho de um novo sistema de informação está sendo conduzido na
direção certa.
% Exercício de lápis e papel: permite que um desenho particular seja
considerado e avaliado com o mínimo de recursos. O usuário apresenta um
ensaio geral usando modelos de papel no sistema, possibilitando que
algumas inconsistências entre as necessidades do usuário e o desenho atual
sejam descobertas.
% Workshops: é outra técnica útil que pode ajudar a desenvolver sistemas,
levando o usuário a entender o desenho do ponto de vista um do outro e isso
produz um denominador comum entre ambas as partes.
% Brainstorming (tempestade de idéias): permite ao usuário e ao programador,
informalmente, trocarem idéias sem qualquer julgamento subjetivo a ser
alcançado.
Em resumo, pode-se afirmar que o sucesso ou insucesso de um sistema de
informação depende da metodologia adotada e do nível de entendimento entre a concepção
do desenho do sistema e a realidade na qual está inserido. Quando um sistema de
informação deriva do modelo racional hard (enfoque positivista) de organização, ele
encontrará uma realidade diferente do comportamento organizacional e social. No nosso
ponto de vista, o modelo interpretativo ou soft permite analisar a realidade corrente de
forma participativa, para identificar aquilo que é desejável e possível de ser implementado
com sucesso no sistema de informação.
Daí a necessidade de compreender e interpretar a perspectiva dos atores sociais,
participantes do processo organizacional, para, juntos, proporem um novo sistema de
informação. Tal sistema deve ser capaz de apoiar as operações clínicas (processamento dos
procedimentos de rotina) e o gerenciamento (fluxo de informação, apoio à gestão ou
70
sistema de informação gerencial - SIG), bem como de integrar vários subsistemas, com o
propósito de gerar subsídios para o gerenciamento organizacional.
3.4 Necessidades de novos enfoques em enfermagem
Atualmente, é impossível imaginar o serviço de enfermagem sem o uso de um
registro de informação, seja manual ou computadorizado. Na realidade, a utilização da
informação como veículo de comunicação na gestão hospitalar vem evoluindo de uma
prática tarefeira e isolada para um contexto de integração de informação. O propósito dessa
mudança é integrar a organização em um único sistema nos diversos pontos de geração e
utilização da informação dentro do hospital.
No âmbito da enfermagem, o sistema de informação computadorizado deve conter
informações suficientes para descrever e sustentar a sua prática. Sabe-se que, existem
sistemas ineficientes por não levarem em consideração o conhecimento tácito nem a
cultura organizacional. Nesse caso, o pessoal de enfermagem não tem uma participação
efetiva no desenvolvimento do sistema. Os profissionais não são suficientemente
envolvidos com o processo, para compreenderem que não estão simplesmente preenchendo
uma ficha. Devem entender que estão alimentando um conjunto de dados que possibilitará
comparações e estatísticas entre pacientes, realização de investigações epidemiológicas e
ajuda no gerenciamento das decisões.
Os modelos formais ou teóricos não conseguem expressar a realidade da prática
de enfermagem dentro do contexto organizacional, nem sua metodologia de trabalho. Por
essa razão, muitos sistemas de informação têm fracassado trazendo como conseqüência sua
rejeição por parte da enfermagem. Em geral, esses modelos apresentam as seguintes
deficiências:
• Têm uma abordagem mais voltada para aspectos administrativos do hospital
do que para prática assistencial de enfermagem.
• Não dão qualquer contribuição para o processo decisório em enfermagem,
ou seja, nenhum apoio ao plano assistencial de enfermagem (fenômenos,
intervenções e resultados).
71
• Enfatizam os aspectos técnicos do software, sem a participação do usuário
final (a enfermagem). Além disso, apresentam pouca flexibilidade.
Assim, é possível supor que, embora haja avanços significativos nos sistemas de
informação em enfermagem, tais sistemas estão fadados ao fracasso por negligenciarem os
fatores sociais e organizacionais que envolvem o sistema de informação. É preciso
enfatizar que a prática de enfermagem não é somente técnica, mas se desenvolve num
ambiente social e organizacional, pois está inserida num contexto sociológico. Para Scott
(2001), o sistema de informação em enfermagem tem potencial para modificar os
caminhos da assistência, melhorando a coleta e o uso dos dados. O sistema pode ser
desenhado para apoiar a enfermagem a realizar os objetivos de fornecer custo-efetividade e
alta qualidade no cuidado do paciente.
Para Heeks; Mundy; Salazar (1999), os fatores sociais e organizacionais não são
exatamente uma questão relativamente objetiva da realidade, tanto quanto o processo de
trabalho ou estrutura organizacional. Pelo contrário, têm uma percepção relativamente
subjetiva. Essa é a mudança que se espera no desenvolvimento de sistemas de informação
em enfermagem: um sistema soft que leve em consideração a compreensão dos usuários
(pessoal de enfermagem), suas expectativas e pontos de vista, contribuindo assim para o
êxito na execução do sistema diante da complexidade da prática de enfermagem.
O sistema de informação em enfermagem necessita de uma mudança no
paradigma do modelo hard para o soft, para se chegar à realidade tal qual é percebida pelos
usuários, especialmente da enfermagem que cuida diretamente do paciente. É, exatamente,
nesse aspecto onde ocorrem as maiores dificuldades para os analistas de sistemas ou
desenvolvedores, em virtude de haver uma lacuna entre a teoria (modelo formal), a
concepção de desenho racional e a prática (modelo informal) na realidade comportamental
da enfermagem assistencial.
A lacuna existente entre a concepção do desenho racional (modelo formal) e o
comportamento da realidade do cuidado de enfermagem (modelo soft) tem conduzido a
inevitáveis falhas e dificuldade de aceitação dos usuários do sistema. A falta de uma visão
social e organizacional, característica do enfoque rígido, que é inflexível e prescritivo,
resulta no pequeno uso do sistema pelo pessoal de enfermagem.
72
Se o sistema de informação necessita de informações providas pela enfermagem, é
lógico imaginar que esse sistema proporcione algo em troca. Do contrário, que vantagens
teriam os enfermeiros em perder tempo com o computador na sua rotina já tão
sobrecarregada? Na realidade, os modelos formais que dependem da informação da
enfermagem não contribuem quase nada para a melhoria da qualidade da assistência ao
paciente.
Por outro lado, para se conseguir o envolvimento dos profissionais de
enfermagem, é necessário, de alguma forma, proporcionar algo que lhes permita perceber
que o tempo gasto alimentando o sistema resulta em economia de tempo e esforço. Com
isso, eles podem realizar outras tarefas e terão mais tempo para cuidar do paciente. O
melhor enfoque no sentindo de "proporcionar algo" para o pessoal de enfermagem é o
desenvolvimento de um sistema soft (enfoque flexível). Sem dúvida, este é o principal
meio para combinar os fatores técnicos com os sociais e organizacionais utilizados pela
enfermagem, interagindo a teoria e a prática no contexto assistencial do hospital.
Nesse sentido, há necessidade da criação de padrões relacionados aos protocolos
de comunicação nos diferentes tipos de aplicação. Esses padrões devem também estar
relacionados à interface para com o usuário e, até mesmo, ao estabelecimento de um
conjunto de dados mínimos em enfermagem que deve ser considerado como de natureza
global na instituição. Segundo Ilha (1993), essa filosofia se encaixa mais adequadamente
com a abordagem orientada a objetos, na qual os diversos módulos, com interface padrão,
comunicar-se-iam entre si, a fim de promoverem a funcionalidade e a unicidade do sistema
como um todo.
Portanto, o ponto de partida de mudança do enfoque rígido para o enfoque flexível
está em se analisar a lacuna entre teoria e prática em enfermagem. Todavia, não há um
método direto para a análise dessa lacuna em direção a uma nova proposta de sistema de
informação em enfermagem. Nesse caso, sugere-se um sistema metodológico alternativo
voltado para a análise do contexto sociológico da organização e o desenho participativo do
novo sistema.
Essa análise requer o conhecimento da realidade, seus fluxos, procedimentos,
documentos e conhecimentos informais vivenciados pela experiência da prática de
73
enfermagem. Essa realidade deve ser interpretada no contexto organizacional, associando-
se ao sistema de informação computadorizado. Quanto ao desenho participativo, trata-se de
um enfoque alternativo nessa metodologia que enfatiza a participação das pessoas na
construção de um sistema de informação que retrate o conhecimento explícito a partir do
conhecimento tácito.
O sistema flexível reconhece a existência da lacuna entre a teoria e a prática de
enfermagem. Para preencher essa lacuna, defende que haja uma mudança potencial
possibilitando-se a discussão de forma participativa dos envolvidos com o sistema,
usuários de enfermagem e analistas de sistemas, para identificar as mudanças possíveis e
desejáveis. Quando as lacunas são identificadas pelos usuários participantes, as mudanças
possíveis e desejáveis serão incorporadas ao sistema de informação que poderá ser
implementado de forma bem sucedida.
O sistema de informação em enfermagem, mesmo no enfoque flexível, exige um
trabalho de melhoria contínua, que deve ocorrer de forma dinâmica para acompanhar os
avanços da tecnologia, o upgrade do sistema e as mudanças organizacionais. A
participação do pessoal de enfermagem é fundamental nesse processo. É preciso entender
que não existe sistema de informação perfeito. Entretanto, um sistema será viável e bem
sucedido quando procura adaptar o meio ambiente em relação aos fatores técnicos, sociais
e organizacionais.
Esse modelo inclui a percepção do usuário, elemento-chave no desenvolvimento
do sistema de informação, minimizando, assim, a distância que existe entre a realidade
atual e a concepção do desenho do sistema de informação em enfermagem. Esse enfoque
extrai a visão de mundo do usuário para a concepção de um desenho mais informal,
compatível com a realidade comportamental dos responsáveis pelos cuidados de
enfermagem.
A participação da enfermagem no processo de construção do sistema de
informação computadorizado é muito importante, pois é o agente da prática assistencial e o
usuário final do sistema. Trata-se de um processo dinâmico, de modo que exige a melhoria
contínua do sistema e os ajustes para a melhoria da qualidade, facilitando o acesso mais
74
rápido da informação e possibilitando a avaliação e o repensar do processo de trabalho
realizado.
Atualmente, o ambiente de cuidado de saúde enfatiza o controle de custos,
eficiência, efetividade e medida dos resultados do paciente. O melhor caminho para medir
cientificamente esses fatores é o uso da informação. Essa proposição é verdadeira e tem
implicações para a enfermagem, com educação e treinamento (SCOTT, 2001).
75
76
4.1 O modelo teórico e a prática em enfermagem
Buscando uma melhor compreensão da natureza da prática de enfermagem, várias
abordagens distintas tentam interpretar a interação teoria e prática. Nessa perspectiva,
Wilfred Carr (apud FEALY, 1997) procura articular uma compreensão do caminho entre
teoria e prática. Ele fornece uma descrição de quatro enfoques para o entendimento das
teorias educacionais e explica a visão da prática que cada enfoque incorpora.
As considerações filosóficas do binômio teoria e prática oferecem duas visões:
uma de natureza prática e outra de natureza teórica. Nesse sentido, Carr (1986) propõe uma
estrutura para descrever e criticar os caminhos pelos quais essa interação é compreendida
dentro da enfermagem. O autor pontua quatro enfoques principais, abordando-os dentro de
uma visão explícita sobre a natureza da teoria: o senso comum, a ciência aplicada, a prática
e o enfoque crítico.
a) Enfoque com base no senso comum
A abordagem com base no senso comum sugere uma prática conduzida pela
teoria. Nesse caso, a teoria deriva da compreensão do conhecimento extraído da
enfermagem assistencial, inclusive com seus insights. A relação entre o modelo teórico e a
prática ocorre quando a teoria é integrada a uma boa prática, podendo ser utilizada para
guiá-la.
b) Enfoque com base na ciência aplicada
Dentro dessa abordagem, a interação entre o modelo teórico e a prática dá-se
quando a teoria é vista como princípio abstrato que serve para dar consistência e guiar a
prática. A relação, nesse caso, é sustentada pela teoria como evidência objetiva derivada
da investigação empírica que pode apoiar a prática para guiá-la e regulá-la. Esse enfoque
representa uma generalização da visão teoria e prática em que predomina a teoria dentro da
relação. Tem base no pensamento positivista (CARR, 1986).
c) Enfoque com base na prática
Carr (1986) deixa claro que esse tipo de enfoque representa um panorama do
conhecimento que mantém a arte de deliberação. Nessa abordagem, a relação entre o
77
modelo teórico e a prática é apoiada na teoria que serve para informar à enfermagem
assistencial o significado do que seja uma "boa prática" e, desta forma, oferecer um
caminho adequado, justo e ético. Assim, a função da teoria é informar aos enfermeiros
assistenciais o senso da boa conduta e as estratégias da prática. Isso aumenta as exigências
atribuídas à deliberação da prática e o julgamento é relativo ao status da teoria e prática,
que pode ocupar uma posição preeminente dentro da relação.
d) Enfoque com base na crítica
A abordagem crítica representa uma tentativa de reconciliar a ciência aplicada
com a prática. Para tanto, a teoria e a prática são interpretadas como sendo mutuamente
indispensáveis e dialeticamente relacionadas. Esse enfoque vê as práticas sociais como
algo inerente ao contexto da relação entre a teoria e a prática. Desse modo, a enfermagem
assistencial, quando se empenha numa crítica de auto-reflexão, poderá aumentar seu
autoconhecimento e autonomia (CARR, 1986).
Fealy (1997) ressalta que, dentro dessa análise, existe a visão de que a
enfermagem é uma atividade essencialmente ética. Por esse motivo, requer deliberação e
julgamento prático, em face das contingências situacionais, confirmando aspectos do
enfoque prático. De acordo com o referido autor, as mais recentes abordagens concernentes
à relação entre o modelo teórico e a prática demonstram uma tendência para ver a
enfermagem como uma profissão inerentemente social. Trata-se de uma profissão que
exige dos seus profissionais uma auto-reflexão crítica do seu desempenho, a fim de que
possam desenvolver sua autonomia. Essa situação dentro de nossa realidade social, ao
considerar a auto-reflexão crítica como uma forma válida de conhecimento, aponta
evidências para a abordagem crítica.
Nesse sentido, a relação entre teoria e prática tem sido reconceitualizada para
considerar a realidade social. Isto é evidenciado nos estudos de Carr (2006) e Powers
(2007). Segundo Wilson-Thomas (1995), a teoria crítica social pode ser explorada como
um link da distância entre teoria e prática, desde que, na condição de ciência, libere as
pessoas dos constrangimentos ideológicos e das estruturas sociais que servem apenas para
perpetuar suas condições sociais. A realidade social dos enfermeiros é formada pela
racionalidade técnica, sendo representada pelos �[...] fatores organizacionais e políticos
78
que promovem ou reprimem o desenvolvimento da Enfermagem.� (RAFFERTY;
ALLCOCK; LETHLEAN, 1996, p. 685).
Desse modo, o conceito de práxis de enfermagem representa uma epistemologia
em que a teoria e a prática atuam juntas, ou seja, operam na mesma direção na qual a teoria
apóia determinada prática. Entretanto, em si mesma, a prática é essencial para o
desenvolvimento teórico dos conceitos em enfermagem. Essa unidade entre o modelo
teórico e a prática é alcançada no dia-a-dia, através do processo de reflexão que serve para
modificar e desenvolver a prática. A práxis confere ao enfermeiro assistencial a força para
criar conhecimentos. Nesse aspecto, oferece-lhe um caminho para reduzir a distância entre
teoria e prática, a fim de legitimar o julgamento do profissional de enfermagem (ROLFE,
1997).
É oportuno lembrar que o debate epistemológico tem progredido nas últimas
décadas, apresentando inúmeros conceitos. Esse debate inclui as teorias de enfermagem, o
pensamento, a natureza e o papel do paradigma, enfatizando-se a natureza científica e a
naturalística fenomenológica em determinadas origens das teorias de enfermagem. Nesse
sentido, Fealy (1997) ressalta que as tentativas de tornar a enfermagem uma ciência têm
suas origens em sociedades culturalmente complexas, que incluem a pesquisa como meio
para influenciar o paradigma de natureza médica. Isso pode ser verificado nas disciplinas
de cuidados de saúde. Assim, a perspectiva das origens das teorias de enfermagem, quanto
à natureza de sua prática e à relação teoria e prática, é menos polarizada e representa
posições consideradas mais abertas, ecléticas e pluralistas.
Em sua principal tese a respeito das teorias de enfermagem, Ellis (1992)
argumenta que os enfermeiros assistenciais, engajados no desenvolvimento da teoria,
construíram um caminho que está implícito nas ações e outro através do qual a teoria pode
surgir durante o exercício da prática. Acrescenta que os enfermeiros conseguem
generalizar um �sistema� ou uma �postura teórica�, com relação a alguns fenômenos
práticos e, através deles, testam essas generalizações: �Nós não estamos suficientemente
conscientes da extensão na qual usamos e adaptamos a teoria na prática. Também
raramente reconhecemos, apesar de criarmos ou desenvolvermos teoria em prática.�
(ELLIS, 1992, p.517).
79
Ao enfatizar a importância do fenômeno da prática e o papel do enfermeiro
assistencial no desenvolvimento da teoria, Ellis (1992) propõe uma visão da interação
teoria e prática em que a teoria está voltada diretamente para a prática, devendo ser usada
para guiar a prática. Assim, os elementos da prática teriam a função de testar a teoria. É
importante notar que, no entendimento da autora, o elemento tácito é encontrado
extensivamente no discurso filosófico da enfermagem.
4.2 Conhecimento explícito e conhecimento tácito
Diante das considerações expostas, faz-se necessária uma reflexão sobre a
compreensão do conhecimento explícito e tácito em enfermagem como elementos
indispensáveis para o desenvolvimento de sistemas de informação. Os pesquisadores de
enfermagem têm se esforçado no sentido de desenvolver sistemas de informação que
focalizem a importância da padronização de uma linguagem comum nesse campo. Nessa
perspectiva, é indispensável colher informações, a partir do ambiente de trabalho do
enfermeiro, para que se possa ajustar esse novo paradigma à tecnologia do cuidar.
Sob essa ótica, a padronização com vista ao desenvolvimento de um sistema de
informação tem suas limitações, porque ela surge de fora para dentro, com o intuito de
resolver problemas operacionais que não se adaptam à dinâmica do ambiente hospitalar. É
oportuno lembrar que os sistemas de classificação em enfermagem têm sido enfatizados
como uma ferramenta destinada a melhorar o conhecimento teórico-prático da
enfermagem. A diferença entre esse conhecimento formal ou explícito (teoria) e o
conhecimento informal ou tácito (prática) precisa ser considerada, não apenas para efeito
de desenvolvimento do sistema de informação, mas especialmente com o propósito de
melhorar a qualidade da informação gerenciada pela enfermagem.
Convém esclarecer que a distinção entre conhecimento tácito e explícito, com
base na dimensão epistemológica, já vem sendo estudada por Michael Polanyi desde a
década de 1960. O conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e, assim, difícil
de ser formulado e comunicado. É aquele conhecimento que as pessoas possuem, mas não
está escrito em lugar nenhum, residindo apenas na cabeça dos profissionais. Já o
conhecimento explícito é transmitido em linguagem formal e sistemática; é aquele que está
registrado de alguma forma e, assim, disponível para as demais pessoas.
80
Segundo Polanyi (1997), a importância do conhecimento tácito na cognição
humana pode corresponder ao argumento central da psicologia de gestalt. Essa abordagem
afirma ser a percepção determinada em termos da forma na qual é integrada no padrão
geral ou gestalt. Para o autor, os seres humanos são capazes de adquirir conhecimentos a
partir da criação e organização ativa de suas próprias experiências. Essa tese pode ser
evidenciada no dia-a-dia da prática de enfermagem, quando se percebe a complexidade de
conhecimentos que envolvem as ações de enfermagem. Portanto, esses profissionais
podem saber muito mais do que são capazes de dizer e registrar. Porém, esse conhecimento
é um recurso que precisa ser gerenciado para atingir plenamente os objetivos da
organização hospitalar. A gestão do conhecimento é uma área nova confluente entre a
tecnologia da informação e a administração.
O conhecimento em enfermagem é um conjunto constituído por experiências,
valores, informações contextuais e avaliação de novas experiências e informações. Nessa
perspectiva, o conhecimento é visto como algo inseparável das pessoas. Na enfermagem, o
conhecimento se encontra não apenas nos documentos (prontuários, registros manuais,
etc.), bases de dados e sistemas de informação, mas também nos processos, na prática e na
experiência acumulada pelo pessoal de enfermagem.
Por outro lado, o conhecimento apreendido pelos enfermeiros ocorre de diversas
formas: por comparação, pela experimentação, por associação com outros conhecimentos e
por intermédio de outros profissionais (médicos, nutricionistas, farmacêuticos, etc.). Na
realidade, o conhecimento é criado no dia-a-dia do trabalho da enfermagem, sendo
transmitido de pessoa para pessoa, através de meios estruturados (vídeos, livros,
documentos, Web, etc.) e não-estruturados. Significa dizer que os enfermeiros adquirem
conhecimento das pessoas que já o têm, ou seja, é o aprendizado interpessoal e o
compartilhamento de experiências e idéias.
Na prática, o pessoal de enfermagem cria, em sua mente, um modelo do ambiente
hospitalar em que está inserido, incluindo elementos cognitivos e técnicos. O elemento
cognitivo pode ser representado por esquemas, paradigmas, perspectivas, crenças e pontos
de vista que ajudam a compreender o mundo em sua volta; já o elemento técnico inclui
know-how (conhecimento das técnicas e habilidades de enfermagem). Esses elementos
constituem o conhecimento tácito, o qual permite a visualização da realidade, ou seja, �o
81
que é�, e a percepção �do que deveria ser�. A compreensão desses elementos constitui o
fator-chave para o desenvolvimento de um sistema de informação fundamentado na
interação teoria e prática.
Portanto, em enfermagem não se pode desvincular a teoria da prática, quando se
pretende desenvolver um sistema de informação, porque eles são elementos que não se
separam, mas se complementam. Assim, teoria e prática interagem e cambiam atividades
criativas que podem ser executadas de forma consistente. Pode-se afirmar que o modelo de
sistema de informação em enfermagem deve estar fundamentado numa conjuntura crítica
em que o conhecimento surge e se expande a cada dia, através da inter-relação da teoria
com a prática. Essa interação envolve fatores subjetivos e objetivos veiculados através do
meio social, de �transformação do conhecimento�. Para Nonaka; Takeuchi (1997), a
cognição humana é um processo dedutivo de indivíduos, mas um indivíduo nunca está
isolado da interação social quando desenvolve seus conhecimentos. Assim, através do
processo de conversão social, a teoria e a prática se expandem, tanto em termos de
qualidade, quanto de quantidade.
Por outro lado, existe a compreensão de que o conhecimento da prática é um
recurso imenso, mas não aproveitado. Em conseqüência, poucas pesquisas têm sido
desenvolvidas na comunidade acadêmica buscando identificar o motivo por que esses
profissionais não usam a pesquisa baseada no conhecimento da prática. Embora o
enfermeiro tenha à sua disposição uma estrutura hospitalar para criar novos
conhecimentos, esse saber não é codificado ou publicado. Além disso, nem sempre é
possível fazer uma reflexão ou estabelecer uma discussão no próprio ambiente de trabalho
(MEERABEU, 1992).
Em conseqüência, o conhecimento da prática torna-se uma "dor de cabeça
metodológica" pela escassez de pesquisas que relatem essa experiência, embora muitos
aspectos da enfermagem possam ser pesquisados, através da participação dos enfermeiros
assistenciais. Em vista disso, questões epistemológicas envolvendo o objeto do
conhecimento em enfermagem e sua filosofia devem ser bem analisadas, a fim de que seja
possível dar respostas às indagações sobre a profissão como uma prática, uma ciência e
uma arte.
82
Portanto, a criação do conhecimento em enfermagem é resultado de uma interação
constante e dinâmica entre teoria e prática. É a partir dessa compreensão que se pode
moldar um sistema de informação induzido pelas diversas variáveis que compõem a
realidade da enfermagem. Somente com a socialização do conhecimento, que começa no
campo da interação, é possível compartilhar experiências e paradigmas entre as pessoas da
equipe de enfermagem. Para externalizar suas opiniões, as pessoas devem fazer uso do
diálogo ou da reflexão coletiva, onde se discutem questões relacionadas ao trabalho,
contribuindo para estabelecer as bases do conhecimento prático ainda inexplorado. Quando
esse conhecimento adquirido é integrado ao conhecimento já existente, forma-se um novo
produto.
4.3 Interação do conhecimento tácito com o conhecimento explícito
Com a visão focalizada nas questões humanas, sociais e organizacionais dos
sistemas de informação, serão analisadas as razões da importância da interação do
conhecimento tácito e com o conhecimento explícito que levam ao sucesso ou insucesso no
desenvolvimento de sistemas de informação. Como se sabe, os novos sistemas de
informação têm um potencial considerável para aprimorar o funcionamento das
organizações de cuidado de saúde (NEUMANN; PARENTE; PARAMORE, 1996;
RAGHUPATHI, 1997).
Todavia, esse potencial só pode ser utilizado se o sistema de informação em saúde
puder ser desenvolvido e implementado com sucesso. A esse respeito, há um grande
número de pesquisas que relatam histórias de sucesso, mas parecem estar ligadas às
imagens de um falso sucesso. Em seus estudos, Heeks; Mundy; Salazar (1999) mostram
que há evidências de que a maioria dos sistemas de informação revelou-se um fiasco, tanto
no setor privado quanto no público, por adotar metodologias ortodoxas.
Por conseguinte, pode-se inferir que muitos, ou talvez, quase todos os sistemas de
informação em saúde são falhos e enfrentam problemas. Vários estudiosos em sistema de
informação têm enfatizado essa questão com veemência (KEEN, 1994; ANDERSON,
1997; HEEKS; MUNDY; SALAZAR, 1999; KAUTZ; MADSEN; NORBJERG, 2007). Da
mesma forma, pesquisas mostram que muitas instituições de saúde têm investido recursos
83
financeiros em abundância, na tentativa de implementar um sistema de informação (PARÉ;
ELAM, 1998).
Desse modo, é preciso questionar por que tanto o sistema manual quanto o
computadorizado falham. A resposta a essa questão pode estar contida na lacuna existente
entre a teoria e a prática. Para isso, faz-se necessário tomar um rumo alternativo aos atuais
padrões de "livro de receita" empregado pelos analistas de sistemas. O ponto de partida
pode estar na contingência que visualiza não somente o desenho, mas também a redução da
lacuna entre teoria e prática emanada da situação de trabalho. O conhecimento tácito pode
ser reconhecido, em situações específicas, para o desenvolvimento do sistema de
informação e isso poderá ser uma estratégia para melhorar a aceitação do sistema para o
usuário. Nessa perspectiva, dois aspectos são fundamentais:
a) Emparceiramento do ambiente com a tecnologia: as experiências sugerem que
esforços para introduzir sistemas de informação clínica, dentro da situação de prática,
resultam em falhas de conseqüências imprevisíveis, se seus aspectos técnicos forem
enfatizados e os fatores sociais e organizacionais forem negligenciados (ANDERSON,
1997). As diversas experiências com sistemas de informação computadorizada deixam
claro que os estudos clínicos na implementação desses sistemas são, eminentemente,
sociais e organizacionais, e não somente técnicos.
b) Fatores sociais e organizacionais: esses fatores não devem ser considerados
apenas uma questão objetiva da realidade no processo de trabalho ou na estrutura
organizacional, mas também uma percepção relativamente subjetiva. Entretanto, essa
dimensão só será compreendida quando os problemas aparecem, levando a perceber-se que
há diferença entre o modelo assumido na construção do sistema e a percepção dos usuários
do sistema.
Pode-se, portanto, afirmar que um bem sucedido sistema de informação em
enfermagem é aquele que tende a adaptar o meio ambiente em relação aos fatores técnicos,
sociais e organizacionais. Deve envolver, além disso, a percepção subjetiva da realidade,
ou seja, a aproximação do conhecimento tácito com o explícito. Para Heeks; Mundy;
Salazar (1999), o sucesso ou insucesso do sistema depende da aproximação ou da distância
existente entre a realidade e a concepção do desenho do sistema.
84
Desse modo, a idéia de desenho participativo no desenvolvimento do sistema de
informação depende da visão de mundo dos analistas que dominam o processo e da
enfermagem usuária desse sistema. Por outro lado, as pessoas que desenvolvem esse
sistema são, em sua maioria, técnicos. Diante dessa preocupação com o tecnicismo dos
analistas de sistema, questiona-se: Aonde o analista de sistema precisa chegar para
compreender a experiência vivenciada pela enfermagem na assistência? O que o analista de
sistema precisa saber para compreender a lacuna entre a teoria e a prática em enfermagem
e desenvolver sistemas de informação compatíveis com a realidade da enfermagem?
Cumpre assinalar que a visão de mundo do técnico em informática ou do gerente
de enfermagem, quando incorporados na concepção de um desenho participativo para o
desenvolvimento de sistemas de informação, pode causar conflitos com a realidade. Esse
conflito pode ser provocado pela lacuna existente entre o conhecimento formal (teoria) e o
tácito (prática), na concepção de um desenho racional do sistema que caracterize a
realidade dos enfermeiros assistenciais.
Westrup (1998) relata a dificuldade dos profissionais da saúde em mudarem
velhos paradigmas para um novo paradigma, que seja racional, eficaz, reconhecido e que
descreva a realidade do processo. Na verdade, os enfermeiros têm problemas em
diferenciar o que fazem e o que dizem fazer e registram no prontuário do paciente. Por
exemplo, sabe-se que, para planejar o cuidado ao paciente, a enfermagem usa uma
metodologia denominada de processo de enfermagem. Mas, na prática, esse processo é
visto como algo que desperdiça tempo, sendo considerado até desnecessário por muitos
enfermeiros. Como conseqüência disso, o processo de enfermagem, geralmente, não é
realizado na prática, tal qual apresentado pelo conhecimento teórico.
Dessa forma, uma exploração e análise dos discursos filosóficos contemporâneos,
sobre a natureza da teoria em enfermagem e sua prática, tem mostrado evidências que
confirmam um dualismo na relação teoria e prática. Mas, essas dimensões não podem ser
dicotomizadas no processo de construção do conhecimento. Essa visão se opõe ao modelo
positivista, cuja tendência é pensar a teoria e a prática como campos distintos.
A enfermagem é uma ciência que tenta aplicar seus conhecimentos formais na
prática do cuidado ao paciente, de forma ética e holística. Num processo dinâmico de auto-
85
reflexão e com base epistemológica, a prática faz gerar novos conhecimentos denominados
de tácitos. Assim, a relação teoria e prática na enfermagem tem se desenvolvido através de
um discurso filosófico que pontua um estado de ecletismo, franqueza e pluralismo teórico
com respeito aos caminhos do desenvolvimento de sistemas de informação.
86
87
5.1 As organizações e o sistema de informação
Apesar do significativo interesse da literatura em estudar as mídias digitais que
estão transformando a sociedade contemporânea e a vida institucional, é preciso procurar
entender o modo como as novas tecnologias caracterizam o dia-a-dia da conduta
organizacional e a interação social. Há um crescente número de pesquisas empíricas que
mostram o caráter situacional e contingencial das novas tecnologias que estão na ordem do
dia. Porém, esses estudos ainda são pouco conhecidos dentro da sociologia. Tais
abordagens incluem a etnografia, a grounded theory, a fenomenologia, entre outros
métodos de pesquisa qualitativa, cujo foco é a interpretação da conduta organizacional,
interação social e sistema de informação.
Nessa perspectiva, os pesquisadores procuram diferentes tipos de pesquisa,
conforme o interesse. Em seguida, publicam seus trabalhos sob vários aspectos de análises,
metodologias, epistemologias e conceitos de racionalidade, embora isso possa levar, em
alguns momentos, a divergências. Essa diversidade e pluralidade têm gerado certa
fragmentação, fazendo com que sejam discutidas e enfocadas questões como paradigmas e
multiplicidade metodológica tanto no âmbito da teoria das organizações como nos sistema
de informação.
Na atualidade, existe um consenso de que, na sociedade pós-moderna, a
informação é fundamental para as organizações. Para alguns estudiosos, trata-se da mais
importante ferramenta para o gestor tomar decisões que podem significar o seu sucesso ou
fracasso. A informação pode ser considerada, em muitas organizações, como um fator
estruturante. Por isso, requer do gestor a percepção objetiva e precisa dos valores da
informação e do sistema de informação. Nesse sentido, a tecnologia da informação se
coloca como a chave para a competitividade efetiva e como diferencial para a lucratividade
na nova sociedade.
Sem dúvida, a informação é muito importante para as organizações, embora
muitas sejam insensíveis quanto à busca e manutenção dessa informação. O resultado disso
é que investem mal no desenvolvimento de sistemas de informação, quando avaliam a
relação custo-benefício. Significa que a informação tem valor econômico para a
organização e pode gerar lucro ou causar prejuízo. Deve-se esclarecer o significado da
88
palavra �informação�. Neste trabalho, pode ser compreendida como um conjunto de
estruturas significantes ou interpretáveis, com poder de gerar conhecimento para o
indivíduo ou sua organização.
Em seu estudo, Moresi (2000) descreve a arquitetura da informação no âmbito de
uma organização, com a seguinte tipologia:
• Informação de nível institucional: possibilita observar as variáveis presentes
nos ambientes externo e interno, com a finalidade de monitorar e avaliar o
desempenho, o planejamento e as decisões de alto nível.
• Informação de nível intermediário: permite observar as variáveis presentes nos
ambientes externo e interno, monitorar e avaliar seus processos, o
planejamento e a tomada de decisão de nível gerencial.
• Informação de nível operacional: possibilita ao nível operacional executar suas
atividades e tarefas, monitorar o espaço geográfico sob sua responsabilidade, o
planejamento e a tomada de decisão de nível operacional.
Em um sentido mais amplo, a informação situa-se em todos os níveis da
organização. Ela flui de cima para baixo e de baixo para cima. Porém, a convergência da
tecnologia e dos sistemas de informação tem afetado os processos de trabalho das
organizações. Por essa razão, a implantação de qualquer sistema de informação, numa
determinada organização, é de fundamental importância para a interação social e para uma
análise baseada em metodologias centradas no desenho participativo para desenvolvimento
de sistemas de informação. No entanto, cada situação tem sua especificidade. Assim,
deverá ser analisada e avaliada qual a melhor metodologia a ser utilizada na solução do
problema.
Existem várias situações em que o método científico pode ser utilizado com
sucesso para o desenvolvimento de um sistema de informação nas organizações. Mas,
qualquer que seja a abordagem, é preciso que se compreenda o comportamento da
organização. Deve-se fazer um exame dos processos de trabalho e uma análise
sóciotécnico para a implementação de uma plataforma tecnológica, conforme ilustra a
Figura 3.
89
Figura 3 � Interação social do sistema no contexto da organização
Evidentemente, esses elementos devem estar integrados para a construção de uma
análise e modelagem da informação. Significa que devem atuar como um link,
comunicando e ordenando os resultados entre eles. Naturalmente, o método participativo
ou software apresenta um processo metodológico em que o aprendizado e as mudanças
ocorrem constantemente durante todo o desenvolvimento do sistema.
O sistema envolve fatores organizacionais, humanos e técnicos. Integrados, esses
fatores deverão atender aos objetivos planejados, proporcionando melhoria e otimizando os
processos de trabalho e da gestão. Com isso, podem aumentar a lucratividade e a
competitividade da organização, melhorar o clima no ambiente interno e estabelecer a
efetividade na administração. Estes são alguns dos benefícios resultantes de uma
abordagem preocupada com a interação do sistema de informação com a organização. Na
atualidade, observa-se que as metodologias alternativas são uma necessidade para a
sobrevivência das organizações na sociedade da pós-moderna.
É importante explicar, previamente, a natureza dos termos que serão utilizados
neste estudo. Por exemplo, interação é o processo que acontece quando as pessoas agem
em relação a outras, dentro de um contexto social. Essa concepção exige uma distinção
entre ação e comportamento. No âmbito deste trabalho, comportamento significa tudo que
o indivíduo faz; ação é um comportamento intencional com base na idéia de como as
outras pessoas poderão interpretá-lo e reagir. Portanto, na interação social, as pessoas e os
grupos sociais elaboram idéias sobre o que é esperado, bem como sobre os valores, crenças
e atitudes que a ela se aplicam. Essa base conceitual encontra respaldo em autores
clássicos, a exemplo de Mead (1977) e Schültz (1997).
Contexto organizacional
Contexto organizacional
Análise organizacionalAnálise sóciotécnico Plataforma tecnológica
90
Outro autor clássico que procurou compreender a ação social para explicá-la no
seu desenvolvimento e efeitos foi Max Weber. Para ele, a compreensão é sempre uma
captação do sentido, ou seja, a concepção subjetiva que têm os atores sociais da ação num
dado contexto ou a construção pelo pesquisador mediante um método. O conceito
weberiano leva em consideração, ao mesmo tempo, o outro (a ação social, os processos
históricos, as significações culturais) e o pesquisador, com seus interesses e valores
(WEBER, 1969).
Nessa concepção, o sistema de informação pode ser considerado uma parte
integrante do sistema social que constitui a organização envolvendo pessoas, processos e
tecnologias. Portanto, não é apenas um conjunto de instruções e programas empregados
durante a utilização do sistema. Em alguns estudos, o sistema de informação é visualizado
apenas como um instrumento técnico de aplicação lógica ou computacional. Com isso, não
são considerados os valores sociais que o modelo representa para os usuários do sistema.
Para Rodrigues Filho (2007), a interação entre o sistema de informação e a
organização é problemática. Se, para muitos, a visão de sistema de informação é limitada, a
de organização é mais limitada ainda. Isso se explica porque o conceito de organização é
estático e rígido. Como resultado, a pesquisa em sistema de informação é influenciada por
esta concepção. No Brasil, são raras novas abordagens, ao contrário do que ocorre nos
países desenvolvidos. Os pesquisadores brasileiros precisam avançar nos estudos das
teorias das organizações, de forma que as pesquisas em sistema de informação sejam mais
consistentes.
Os estudos de sistema de informação têm revelado uma importância crescente,
independentemente do tipo de organização. A necessidade de mudar paradigmas
tradicionais vem sendo demonstrada com o surgimento da sociologia da informação, que
se preocupa com o estudo da informação sob o aspecto das questões sociais e culturais.
Para Castells (2007), sociedade da informação é um conceito utilizado para
descrever uma sociedade, cuja economia que faz uso da tecnologia da informação e
comunicação no sentido de lidar com a informação. É, portanto, uma sociedade que usa a
informação como elemento central de toda a atividade humana. Assim, os sistemas de
informação com visão social permitem a democratização da informação e o
91
desenvolvimento de tecnologias participativas e interativas. Porém, não podem deixar de
utilizar a informação como recurso estratégico, baseado na interação dos indivíduos com a
organização.
Essa interação ocorre a partir das perspectivas históricas, racionais e sociais.
Todavia, é preciso frisar que tal interação tem limites, em função das diferenças da
dimensão humana e dos efeitos que as organizações podem gerar no comportamento dos
atores sociais. No entanto, é importante destacar que os estudos organizacionais levam em
consideração as diversas perspectivas para o entendimento dos diversos ângulos sociais e
as peculiaridades da organização.
Atualmente, verifica-se um grande interesse da sociologia e da economia, a
respeito das organizações e das relações entre os atores sociais e econômicos. Ela
preocupa-se também com o impacto que isso proporciona no comportamento, desempenho,
gestão, recursos e estratégias no desenvolvimento de sistemas de informação no nível das
interações interorganizacionais e sociais (SACOMANO NETO; TRUZZI, 2002; RIBEIRO
et al., 2003; GIDDENS, 2005).
5.2 Tecnologia da informação e interação social
As tecnologias da informação estão cada vez mais presentes em nossas atividades
profissionais e pessoais, na qualidade de seres humanos, geradores de conhecimento e
utilizadores da informação. Isso é facilmente observado pela forma como nos organizamos,
trabalhamos, nos divertimos e até mesmo o que pensamos. Todas as nossas atividades são,
de certa forma, influenciadas pela tecnologia que funciona, não apenas como um
instrumento que nos auxilia, mas também por ocupar o papel de mediadora entre a
informação e as necessidades individuais e organizacionais.
A tecnologia da informação, quando interage com o contexto social da
organização, é essencial tanto do ponto de vista acadêmico quanto profissional. Ela
transforma as ações dos indivíduos, valorizando sua competência, gerando benefícios
sociais e econômicos que estimulam o desenvolvimento. Portanto, é uma fonte de recursos
fundamentais para a formação e manutenção das redes sociais. Inegavelmente, cumpre um
papel significativo, em particular, nos sistemas de informação, por ser um elemento
integrador e eficaz para promover a reestruturação das organizações.
92
Na pós-modernidade, a sociedade se encontra interconectada, com ênfase na
produtividade e na necessidade de relacionamentos, que são fatores essenciais para a
sobrevivência da organização. Os avanços em tecnologia da informação crescem nas
organizações, recebendo investimentos vultosos e provocando o que se denomina de
�explosão da informação�. Nesse novo contexto, as organizações têm desenvolvido seus
próprios sistemas de informação sem necessariamente pensar em cooperação com outras
entidades fora de suas fronteiras. Muitas vezes, também não pensam nos agentes sociais
que devem interagir com a tecnologia da informação.
Agora que a conectividade é tecnicamente possível e economicamente viável, a
integração entre sistemas fica mais difícil (ARCIERI, 2002). Assim, a migração para um
trabalho cooperativo (groupware) com a prevalência de relacionamentos
interorganizacionais pode ser considerada uma mudança de paradigma, porque o foco no
aspecto humano da tecnologia pode ser visto como uma escolha estratégica e de interação
social. Para Campos; Teixeira (2004), os usuários têm objetivos bem específicos
(operacionais) com a implantação dos sistemas e, por isto, deveriam ser envolvidos no
processo desde a fase inicial de levantamento.
No entanto, os desenvolvedores de tecnologia da informação nem sempre
entendem claramente quais os objetivos que os gestores e usuários pretendem atingir e,
muitas vezes, não sabem disponibilizar recursos, nessa área, que possam atingir esses
objetivos. Assim, em muitos casos, ocorre uma lacuna entre o que esperam os usuários e o
que oferecem os desenvolvedores. Além disso, as ações dos tecnicistas são desenvolvidas
de forma distinta, provocando diversos impactos nos resultados da adoção da tecnologia.
A construção social do sistema de informação torna-se fundamental sob uma ótica
humanizada, em oposição à visão positivista dos tecnicistas que ignoram a natureza da
realidade social. Na visão humanista, os fatos sociais são conhecidos e considerados na
interação com a tecnologia da informação. Além disso, são levados em consideração os
atores envolvidos no processo de construção.
Ramonet (apud GOUVEIA; CAIO, 2004) afirma que as tecnologias da
informação desempenham um papel ideológico central, para estimular o pensamento. Ao
reconhecer a influência da tecnologia da informação em nossa sociedade, entende o citado
93
autor que a riqueza das nações, no século XXI, será resultado do conhecimento, da
informação, da capacidade de inovação e não mais da produção de matérias-primas.
Não há como desvincular a tecnologia da informação do conhecimento e da
interação social. Essas dimensões caminham juntas, de forma dinâmica e abrangente,
considerando a integração de diferentes agentes (desenvolvedores e usuários). Tal
interação está baseada no processo de mútua ação que envolve a tecnologia, a organização
e as pessoas, que influenciam e são influenciadas pela tecnologia adotada pela organização,
conforme mostra a Figura 4. Como se observa na figura, a tecnologia da informação e a
interação social podem ser analisadas sob três aspectos: a) quanto à tecnologia escolhida;
b) quanto à organização na qual está inserida; c) quanto aos atores sociais envolvidos.
Figura 4: Relação entre tecnologia da informação e interação social
A tecnologia escolhida para um sistema de trabalho colaborativo tem o objetivo
de integrar as diversas áreas e unidades dentro da organização, a fim de agilizar o processo
de comunicação e execução de tarefas, bem como de auxiliar na tomada de decisão. No
entanto, essa tecnologia pode ser modificada pelas pessoas, de acordo com suas
necessidades e interesses organizacionais. Enfim, a tecnologia é um meio através do qual a
ação humana é facilitada ou dificultada por intermédio de esquemas interpretativos,
facilidades e normas.
A organização, na qual a tecnologia está inserida, envolve as pessoas que realizam
suas atividades e exercem sua autoridade, influenciando os atores sociais em suas
interações com a tecnologia. Isso pode ser exemplificado pelas intenções, normas
profissionais, conhecimento, padrões e recursos disponíveis.
Organização
Tecnologia Pessoas
94
Embora a tecnologia da informação seja usada para ajudar as pessoas que
trabalham nas organizações, muitas vezes, é capaz de influenciar a própria estrutura
organizacional, no sentido de ampliar suas possibilidades de trabalho ou produção. Nesse
caso, a organização pode sofrer transformações sociais e econômicas rápidas e intensas,
deixando-a aberta às mudanças do ambiente externo.
Essa possibilidade é reforçada por Campos; Teixeira (2004), ao afirmarem que as
estruturas rígidas não são mais suficientes para eliminar incertezas. Com isso, as ligações
da organização com o exterior estão afetando os comportamentos administrativos.
Portanto, não existe apenas uma forma de desenhar a estrutura, o que existem são
estruturas contingenciais internas e externas, ligadas a cada organização.
Por outro lado, os atores sociais envolvidos no processo de desenvolvimento de
tecnologia da informação passam a considerar os valores por eles adotados. Esses valores,
de certa forma, influenciam o seu comportamento na organização, caracterizando o que se
denomina de cultura organizacional. Nesse sentido, Weber (1969) sugere que uma
abordagem organizacional adequada configura uma análise da cultura organizacional.
Assim, em termos gerais, pode-se afirmar que a cultura ajuda a normatizar o
comportamento dos atores sociais na organização, porque estabelece as bases a partir das
quais as pessoas adotam uma conduta.
É importante destacar que todas essas perspectivas teóricas podem ser
compreendidas como uma tentativa de construir um modelo que supere a lacuna existente
entre abordagens tecnicistas e sociológicas, entre modelos tradicionais (hard) e
interpretativos (soft) para o desenvolvimento de sistema de informação. É inegável que a
integração da tecnologia da informação com os agentes sociais permite um melhor
entendimento para a adoção de novas tecnologias, formas de gestão e controle
organizacional.
O grande desafio das organizações da pós-modernidade está no conhecimento dos
detalhes, cuja origem tácita resultante será única para a empresa. A visão estratégica
propõe que sejam explorados os valores sociais existentes na organização. Tais valores se
constituem uma riqueza ativa de informações corporativas e cabedais de conhecimento
expressos em conteúdo, utilização, usuários e contexto. O resultado final é um sistema de
95
informação que proporciona, eficazmente, coleta de informações de diversos formatos,
aplicações e serviços.
5.3 Interação social: uma ponte entre o conhecimento formal e a prática
A interação social pode ser compreendida como um processo pelo qual agimos e
reagimos em relação àqueles que estão ao nosso redor. Para Giddens (2005), a interação
social, de uma maneira ou de outra, compõe a maior parte de nossa vida. Ela se refere tanto
a situações formais quanto a situações informais.
As organizações são constituídas por uma malha de interações sociais que dão
dinamismo ao ambiente corporativo. O conceito de interação social é um dos focos da obra
de Vygotsky(2002), na qual enfatiza a dialética entre o indivíduo e a sociedade. O autor
destaca, o intenso efeito da interação social, da linguagem e da cultura sobre o processo de
aprendizagem. Esse processo é muito importante para o conhecimento tácito e a
transformação de conceitos espontâneos em científicos, através do processo de tornar
explícito o que antes era tácito.
A interação social é capaz de construir na organização um ambiente de
aprendizagem contínua, como acontece com os programas de educação em serviço. Isso
reforça a idéia de que o conhecimento se constrói de forma compartilhada e de que esse
compartilhamento tem forte efeito motivador no trabalho.
É possível admitir que as tecnologias e os sistemas de informação, assim como os
programas de educação em serviço, podem propiciar, de maneira progressiva, todas as
formas de interação, permitindo o desenvolvimento de sistemas plenamente compatíveis
com a realidade social dos usuários. Vale ressaltar que a interação social no ambiente
organizacional quebra paradigmas do modelo tradicional de desenvolvimento de sistemas,
herança legada pelo positivismo das ciências tecnicistas, podendo migrar progressivamente
para abordagens do �ser social�.
Assim, o ambiente organizacional passa a ter um caráter social e cultural
adquirido através da interação social. Em conseqüência, constitui identidades que criam
impacto nas relações estabelecidas pelo indivíduo com o meio. As experiências
96
vivenciadas na prática corporativa formam modalidades de interação que influenciam a
construção da identidade cultural na organização.
Não há como negar que a interação social contribui para a formação de uma
cultura digital, tão presente na sociedade pós-moderna. De fato, a tecnologia da informação
está incorporada à cultura, juntamente com o ethos tecnológico, com variadas
significações. A interação social com a tecnologia da informação facilita o alcance de
níveis mais elevados de desenvolvimento de sistema de informação.
Pellanda (apud MACHADO et al., 2005) afirma que está surgindo uma nova
cultura, que denominou de cibercultura, com um alcance muito profundo na construção da
sociedade e dos sujeitos. Essa nova cultura é permeada pela presença maciça de
componentes existentes na rede de computadores, com tecnologias que trazem como
dispositivos novas possibilidades de ver, perceber e vivenciar o mundo, recriando formas
de relação entre os seres humanos. Assim, a tecnologia que envolve a cibercultura
revoluciona não só as máquinas, como também as interações que os sujeitos fazem entre si
e com a sociedade, transformando sua capacidade de se relacionar com o outro, bem como
de ver e agir no seu mundo.
A construção da ponte que faz a conexão entre o conhecimento formal e a prática
no desenvolvimento de um sistema de informação deve considerar alguns elementos
importantes que atuam de forma integrada: o conhecimento, a ação social e a cultura. A
presença do conhecimento está na construção daquele saber diretamente aplicável na
prática. Trata-se de um conhecimento operacional que vai dar organicidade à tecnologia da
informação, eleita como agente da transformação social.
A lacuna entre teoria e prática demonstra que o sistema de trabalho imprime uma
linguagem própria para a comunicação e que a linguagem formalizada é capaz de ser
apreendida por todos os atores sociais. Portanto, a gestão do conhecimento pode explicitar
elementos do processo de trabalho, especialmente o conhecimento das pessoas na prática.
Esse conhecimento tácito ainda não está legitimado como elemento de valor, no
desenvolvimento de tecnologias da informação.
Assim, identificar o saber tácito do trabalhador possibilita o compartilhamento
desse conhecimento e a sua integração na organização, envolvendo relações sociais tão
97
amplas que podem rivalizar com os discursos da sociedade da informação. A situação da
interação social, objeto da sociologia, permanece impermeável à decifração da forma
desejada. Por outro lado, as metodologias tradicionais têm se expandido e afastado o
usuário da informação. É preciso refletir sobre essas questões, de modo a abrir o debate
sobre o conhecimento ideal, para que se possa desenvolver tecnologias da informação.
A ação social refere-se à projeção individual dos participantes, enquanto sujeitos,
tanto do ponto de vista emocional quanto social. Em outras palavras, trata-se de uma
atitude que leva em conta ações ou reações de outros indivíduos e é modificada a partir
desses eventos. O termo "ação social" foi introduzido por Max Weber e é mais abrangente
que a expressão �fenômeno social�, posto que o indivíduo não é passivo, mas,
potencialmente, ativo e reativo.
Para Weber (1979), a sociologia é uma ciência que procura compreender a ação
social. Por isso, considerava o indivíduo e suas ações como elemento-chave da
investigação, evidenciando o que para ele era o ponto de partida para a sociologia: a
compreensão e a percepção do sentido que a pessoa atribui à sua conduta.
O principal objetivo de Weber era compreender o sentido que a pessoa dá à sua
conduta; perceber a sua estrutura inteligível e não apenas limitar-se à análise das
organizações sociais, como afirmava Durkheim. Com efeito, é preciso compreender,
interpretar e explicar, respectivamente, o significado, a organização e o sentido, bem como
evidenciar irregularidades das condutas (WEBER, 1979).
Com esse entendimento, Weber não tinha a intenção de negar a existência ou a
importância dos fenômenos sociais. Seu propósito era dar importância à necessidade de
entender as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais.
Na sua concepção, no domínio dos fenômenos naturais, só se podem aprender as
regularidades observadas por meio de proposições confirmadas pela experiência
vivenciada na prática. Somente assim, é possível compreendê-las.
Esse complexo e maleável sistema de relações sociais formou o que Wellman
(apud CASTELLS, 2003) chama de comunidades personalizadas, representando a
privatização da sociabilidade, que passou a ser baseada na individualidade. No entanto,
esse novo padrão de sociabilidade não considera a individualidade como uma forma de
98
isolamento, porque há uma interligação constante entre os indivíduos. Esse fenômeno pode
ser denominado de individualismo em rede, que é um padrão social e não um acúmulo de
indivíduos isolados.
O fato é que as pessoas montam suas redes, on-line e off-line, com base em seus
interesses, valores, afinidades e projetos. Para Castells (2003), a flexibilidade e o poder de
comunicação da internet e a interação social on-line desempenham crescente papel na
organização social como um todo.
A presença da cultura, por sua vez, evidencia-se nas manifestações culturais que
envolvem as pessoas dentro da organização. As pessoas estão impregnadas de
manifestações decorrentes do processo de socialização. Esse processo ocorre em razão do
estreito vínculo de amizade em que os indivíduos convivem com mais freqüência no
ambiente organizacional. Os propósitos que levam a interação social são imanentes da
cultura dos sujeitos, a qual é produzida coletivamente e permanece devido ao
reconhecimento coletivo. Dessa forma, segundo Machado et al. (2005), estar inserido na
cultura significa compartilhar um mundo particular objetivo.
Portanto, a interação social para desenvolver sistemas de informação só pode
ocorrer quando houver um vínculo entre pessoas, conhecimento e cultura. Esses elementos
perpassam os movimentos existentes nas organizações, com suas características e
envolvimentos próprios das contingências. Assim, se existe uma cultura característica de
uma determinada organização, isso quer dizer que o sistema de informação pode estar
contido nas premissas culturais da organização. Com base nessas considerações, percebe-
se que a interação social se constitui num link que vai responder ao ambiente corporativo
com as linguagens culturais que ela compreende e com as quais se comunica. Isso permite
que o sistema de informação seja carregado de sentidos condizentes com a cultura
organizacional.
99
100
6.1 Natureza do estudo
Para uma melhor compreensão do fenômeno investigado, optamos pelo enfoque
da pesquisa qualitativa que, segundo Bogdan; Biklen (2003) apresenta algumas
características, a saber:
• tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como
instrumento-chave;
• é descritiva;
• os pesquisadores estão preocupados com o processo e não simplesmente com
os resultados ou o produto;
• os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente;
• o significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa.
Tendo em vista essas características, adotamos o método qualitativo, na tentativa
de descobrir e entender o que há por trás do desenvolvimento de um sistema de informação
em enfermagem. Partimos do princípio de que o método quantitativo não é capaz de
apresentar respostas, sem uma complexa reflexão da experiência vivenciada no dia-a-dia
da prática de enfermagem, onde reside o verdadeiro valor do fenômeno investigado.
Reforçando essa argumentação, Strauss; Corbin (1998) afirmam que o método
qualitativo produz resultados não obtidos por meio de procedimentos estatísticos ou outros
meios de quantificação. Nesse aspecto, referem-se tanto às pesquisas feitas sobre a vida,
histórias e comportamentos de pessoas, como àquelas envolvendo o funcionamento
organizacional, os movimentos sociais ou as relações interacionais.
Dessa forma, tomamos a decisão de trilhar a linha qualitativa, tentando ordenar as
etapas do processo de pesquisa. Esta se inicia com o design ou plano de ação, vindo, em
seguida, a coleta de dados, a interpretação ou análise dos dados e a explicação do
fenômeno investigado.
6.2 Método de abordagem
Após fazermos uma reflexão sobre os vários métodos de pesquisa, chegamos à
conclusão de que a abordagem da grounded theory se mostrou mais apropriada para este
101
estudo, porque procura investigar os processos nos quais estão ocorrendo os fenômenos.
Além disso, busca uma fundamentação detalhada, para, a partir daí, realizar a análise
sistemática dos dados e fazer comparações destes, até que surja a teoria. Na realidade, a
teoria é vista como um processo em desenvolvimento e não como um produto acabado.
Como afirma Ângelo (1989), esse método consiste na descoberta e no desenvolvimento de
uma teoria a partir das informações obtidas e analisadas de forma sistemática e
comparativa.
Chama-nos a atenção nesse método o fato de que se trata de um processo contínuo
de crescimento, em que cada etapa dá seqüência à próxima, até que os dados estejam
conceitualizados em categorias para integrar a teoria. Segundo Cassiani (1994), a coleta e a
análise dos dados constituem um processo que os autores denominam de double-back
steps, ou seja, move-se para frente, mas constantemente volta-se às etapas anteriores. Suas
etapas são: coleta de dados, codificação aberta, amostragem teórica, elaboração de
memorandos e surgimento das hipóteses e dos processos centrais.
Com o conjunto de dados estruturados pelo método da grounded theory,
buscamos fazer um exame mais detalhado, na perspectiva do interacionismo simbólico.
Nesse caso, trabalha-se com os símbolos significativos, enfatizados pelo discurso dos
enfermeiros, penetrando em seu domínio de experiência e tentando entender o valor
individual de cada um. Com isso, é possível ver os objetos como eles vêem, de forma que
possibilite a interpretação consciente, determine padrões entre os dados coletados e,
finalmente, permita conceituar o que foi descoberto.
Para a adoção desse método, de acordo com Blumer (1969), é preciso, antes de
tudo, que o pesquisador tenha habilidade de se colocar na posição do indivíduo, de assumir
o papel do outro, de aproximar-se das pessoas, observar seus problemas, conversar com
elas, observar suas vidas e como se relacionam. Portanto, essa visão mais próxima e
completa no dia-a-dia do trabalho dos enfermeiros possibilitou o desenvolvimento e o
aprimoramento da pesquisa. Os dados, as relações analíticas e as interpretações que
surgiram foram fundamentadas na realidade empírica em que os enfermeiros estão
inseridos.
102
6.3 Contexto da pesquisa
O estudo foi realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley �HULW, da
Universidade Federal da Paraíba. Por se tratar de um centro de referência na formação de
profissionais de enfermagem no Estado, essa instituição possui em desenvolvimento, na
Unidade de Clínica Médica, o processo de sistematização da assistência de enfermagem.
Além disso, está em fase de implantação a informatização das unidades de internação.
Conforme foi mencionado no capítulo I, desenvolveu-se um projeto com o
envolvimento da enfermagem para construir um modelo participativo de sistema de
informação automatizado. Embora os objetivos do projeto não tenham sido alcançados em
sua totalidade, a experiência em si foi muito gratificante e serviu de reflexão para estudar
questões mais amplas relacionadas ao conhecimento teórico e à prática de enfermagem no
dia-a-dia do hospital. O presente estudo é uma continuidade desse trabalho, porém com um
foco direcionado para as idéias que emergiram da percepção dos enfermeiros assistenciais
em relação ao sistema de informação em enfermagem na prática.
6.4 Sujeitos colaboradores da pesquisa
Os atores participantes da pesquisa foram enfermeiros assistenciais que trabalham
na Unidade de Clínica Médica do HULW. A participação desses profissionais na pesquisa
dependeu da concordância e disponibilidade em contribuir com o estudo. Antes de iniciar o
processo de coleta dos dados, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa - CEP do Hospital Universitário, que aprovou o parecer do relator.
Antes do início da coleta dos dados, os enfermeiros foram informados sobre o
nosso interesse pela pesquisa. Fizemos um esclarecimento detalhado dos objetivos da
pesquisa e, em seguida, uma breve exposição da proposta, a fim de não causar dúvidas ou
constrangimento a respeito do estudo. Solicitamos a permissão para utilizar as informações
apresentadas durante a coleta dos dados. Esclarecemos também que a participação deveria
ser espontânea. Durante o transcorrer desse processo, tivemos sempre a preocupação em
zelar pelas observâncias éticas, preconizadas para a pesquisa envolvendo seres humanos,
de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL-MS,
1996). Nesse sentido, foi assegurado aos enfermeiros o respeito e o sigilo quanto aos seus
103
sentimentos, opiniões e informações pessoais, em relação às quais poderiam ter pleno
conhecimento.
Atendendo ao princípio ético da autonomia, apresentamos, antes de iniciar a
coleta dos dados, o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice A). Como se
sabe, é um instrumento imprescindível quando se trata de pesquisa envolvendo seres
humanos, que leva em consideração a dignidade do indivíduo e defende sua
vulnerabilidade. Em consonância com esses princípios, foi mantido um contato preliminar
com os enfermeiros. Quando eles concordavam em colaborar, agendávamos um encontro,
ocasião em que eram dadas as devidas informações a respeito do estudo e de seu objetivo,
enfatizando-se a importância da participação deles. Salientamos, particularmente, a
garantia do anonimato, a privacidade, a confidencialidade, bem como a liberdade de
participação, sem que isto viesse a interferir em nosso relacionamento como pesquisador.
Após a anuência, os enfermeiros assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido.
A população de enfermeiros da Clínica Médica do HULW era constituída por
dezessete profissionais, segundo informação colhida junto a chefia de enfermagem da
clínica. O número de enfermeiros que iriam participar do estudo não foi estabelecido, a
priori, uma vez que o método de abordagem da grounded theory não adota uma
amostragem estatística. Esta é determinada pelo propósito do estudo e pela relevância
teórica, ou seja, o seu potencial para o desenvolvimento da teoria.
Assim, na amostragem teórica, procuramos coletar dados que pudessem subsidiar
a teoria. Dessa forma, ao coletar, codificar e analisar os dados tivemos condições de
decidir se havia ou não a necessidade de coletar mais dados, a fim de desenvolver a teoria
até alcançar a saturação teórica. Esta ocorre quando nenhum dado adicional consegue
acrescentar algo novo. A saturação da amostragem foi atingida após a realização da 8ª
entrevista. Todavia, avançamos um pouco mais, para garantir a consistência dos dados até
que decidimos encerrar na 12ª entrevista, o que correspondeu a 70% da população
investigada.
6.5 Estratégias para obtenção dos dados
As técnicas de coleta de dados utilizadas como ferramenta de pesquisa para
compreensão do fenômeno em estudo foram a observação participante e a entrevista.
104
Naturalmente, iniciamos a coleta por meio da observação. Para tanto, ouvimos os
enfermeiros, procurando compreender as suas apreensões verbalizadas pela linguagem
oral.
Essa fase de observação permitiu uma maior interação entre pesquisador e o
pessoal de enfermagem, inclusive, através da participação em reuniões científicas, em sala
de aula. Nesse momento, eram discutidos temas voltados para a assistência de enfermagem
(diagnóstico, intervenção e resultados) e para o registro dessas informações no plano de
cuidado. Para os enfermeiros, a nossa presença era importante, porque possibilitava
presenciar situações de interação ou falas que contribuíram para a compreensão do
fenômeno investigado, sem esquecer o nosso papel de observador participante. Além disso,
tivemos a sensibilidade de identificar, entre eles, os que podiam contribuir com a
investigação.
Com o contato mais próximo dos enfermeiros em sala de aula ou mesmo nas
enfermarias, além das observações, foram iniciadas algumas interações por meio de
conversas informais. Esse diálogo e as observações que foram registradas permitiram
compreender o significado da experiência dos enfermeiros em relação à teoria e à prática
do sistema de informação, no qual procuramos recompor o processo como um todo.
Passamos a conhecer as evidências, a fim de esclarecer os objetivos propostos, através da
leitura meticulosa dos dados. Assim, foi possível elaborar questões que revelassem a
tendência atribuída ao caráter subjetivo da realidade dos enfermeiros, na esperança de
entender a sua experiência na prática assistencial e as possíveis dificuldades concernentes à
aplicação da teoria na prática de enfermagem.
Durante toda a fase de desenvolvimento do método, foram elaborados
memorandos, que são registros ou anotações relacionados ao processo, onde descrevíamos
as ideais, os insigths, as hipóteses ou as sínteses das codificações. O uso de anotações
possibilitou registrar as informações observadas e, posteriormente, colocadas no papel para
se poder utilizar esse registro na complementação da análise dos dados. Essa técnica nos
ajudou a compreender, com mais profundidade, as implicações da lacuna entre teoria e
prática em enfermagem no desenvolvimento de sistemas de informação. Por sua natureza,
o método é flexível e propicia mais liberdade ao observador para novamente conceitualizar
105
o problema, após sua familiarização com a situação (POLIT; HUNGLER, 2004). Segue
um exemplo de como foram realizados os memorandos.
Notas do pesquisador (memorando incial): Ao presenciar a realidade da prática assistencial do enfermeiro, eu percebo o quanto são complexas as suas atribuições e acho, inclusive, que eles também percebem isso. Parece-me que não está muito claro aos enfermeiros para que se presta a teoria. Qual é o papel da teoria para afetar a prática? A impressão que tenho, através de minha observação, é que isso não é passado de forma muito clara, a fim de perceberem o que é uma e o que é a outra e para que elas se prestam. Eu acho que existe uma lacuna entre a teoria e a prática justamente pela falta de preparo na formação para processar essa adaptação da teoria. Isso leva muitas vezes o enfermeiro a rejeitar a teoria quando exerce sua prática. É isso que tenho observado. Vou procurar questionar esse aspecto na próxima entrevista.
Assim, as informações foram registradas em pequenas anotações ou memorandos,
frases, palavras, gestos. Isso ocorreu até mesmo com a impressão demonstrada pelo
entrevistado no momento em que ocorria a entrevista. Todos os registros foram
organizados obedecendo às recomendações metodológicas propostas por Schatzman;
Strauss (1973), consistindo de notas de observação (NO), notas metodológicas (NM) e
notas teóricas (NT).
As notas de observação, conforme os citados autores, são as descrições sobre os
eventos obtidos especialmente pela observação, apresentando a menor interpretação
possível. Portanto, cada NO representa algum acontecimento de especial interesse para
subsidiar o julgamento dos dados, como também para obter evidências que esclareçam os
fatos, utilizando-se as expressões: quem, o que, quando, onde e como. Exemplo de NO: O
que poderia ser feito, para que aquilo que o enfermeiro faz na prática, possa aparecer nos
registros de enfermagem?
As notas teóricas ocorrem quando o pesquisador tenta, ao encontrar os fatos, tenta
registrar a interpretação, ou seja, dar o significado e estabelecer conexões entre notas de
observações ou conceitos já elaborados. São as interpretações, hipóteses e inferências com
o propósito de desenvolver conceitos. Exemplo de NT: Parece que os enfermeiros
conferem um significado diferente para a relação teoria e prática e sua ligação com o
sistema de informação em enfermagem. Verificar.
Finalmente, as notas metodológicas se referem a alguns atos operacionais
utilizados para instruir o pesquisador (um lembrete, uma crítica), a fim de que possa tomar
106
decisões que delineiem o estudo em consonância com os problemas encontrados na
aquisição de novos dados e a maneira estratégica de resolvê-los. Exemplo de NM: Parece
que o conhecimento em termos de sistema de informação entre os enfermeiros é
superficial, em virtude das informações colhidas nas entrevistas até o momento. Logo, vou
continuar perguntando sobre o assunto e filtrando as informações, comparando o discurso
dos enfermeiros jovens com o dos mais experientes na unidade de clínica médica e
procurando ver a situação de forma a compreender a relação entre teoria e prática.
O início das entrevistas aconteceu após algumas semanas de convivência com os
enfermeiros no ambiente hospitalar e na sala de aula. Nós sentimos que havíamos
conquistado um relacionamento de confiança e amizade com o grupo. Então,
compreendemos que já havia condições para tentar obter mais da experiência dos
enfermeiros e escolher os que poderiam colaborar com este estudo, através da entrevista.
A entrevista foi realizada no decorrer do processo, como estratégia preferencial
para a compreensão dos dados obtidos. Segundo Gil (2002), a entrevista é uma das técnicas
de coleta de dados mais utilizadas no âmbito das ciências sociais. Minayo (2006) admite
que a entrevista é uma das técnicas mais usadas no processo de trabalho de campo. A
entrevista pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas na
qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte da
outra, o entrevistado (HAGUETTE, 2003).
Dentre as diferentes formas de entrevista, escolhemos a entrevista semi-
estruturada. Esta, como afirma Triviños (1994), parte de certos questionamentos básicos,
apoiados em teorias ou hipóteses que interessam à pesquisa. Esses questionamentos
oferecem amplo campo de investigação, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à
medida que se recebem as respostas do informante. Nesse sentido, elaboramos um plano de
orientação constituído de questões que norteavam o foco da investigação.
A coleta dos dados teve início com um teste-piloto, cuja finalidade foi avaliar a
compreensão dos entrevistados a respeito dos questionamentos propostos e descobrir as
primeiras categorias potenciais. Participaram do teste-piloto três enfermeiros, sendo dois
alunos de mestrado e um assistencial do HULW/UFPB. Foram elaboradas duas questões
norteadoras:
107
$ Como você vê a relação teoria e prática em enfermagem?
$ Como você descreve sua experiência prática em relação à sistematização
da assistência de enfermagem?
O procedimento para a realização das entrevistas aconteceu da seguinte forma: ao
entrarmos em contato com os enfermeiros, agendávamos o dia, hora e local para as
entrevistas. Antes do início da entrevista, esclarecíamos, de forma sintetizada, os
propósitos do trabalho. Informávamos ainda aos entrevistados que seria utilizado um
gravador durante a entrevista, conforme explicitado no termo de consentimento livre e
esclarecido, não tendo havido restrições. As entrevistas duraram em média trinta minutos.
Os entrevistados não demonstraram dificuldades em expressar suas opiniões a respeito das
questões formuladas.
Concluída essa fase, que podemos denominar de "teste-piloto da entrevista",
procedemos à análise dos conteúdos das entrevistas. Para isso, fizemos a transcrição no
computador da fala de cada entrevistado, utilizando um editor de texto � Microsoft Word -
com numeração na margem esquerda, a fim de facilitar o recorte do discurso. Após a
digitação, realizamos uma revisão minuciosa do texto com a audição da gravação,
comparando a fala com o texto, linha por linha, palavra por palavra, certificando-nos se o
texto relatava fielmente o pensamento do entrevistado para identificar qualquer trecho
incompleto ou com palavras erradas.
Corrigido o texto transcrito, iniciou-se o processo de recortes ou identificação das
unidades de análise dos dados. Um a um, os recortes eram codificados, separados e
impressos, numa tabela contendo, na margem esquerda, os dados identificados e, na
margem direita, os códigos.
Em seguida, passamos ao processo de reflexão sobre cada código atribuído aos
dados identificados, separando-os por afinidade ou semelhança. Eram também separados
se apresentassem alguma relação ou complementação de idéias ou expressões. Dessa
forma, foi possível detectar códigos repetidos ou que tinham o mesmo significado e, a
partir daí, foi reduzido o número de códigos. Todo esse trabalho foi manual. Após
concluir essa etapa, o material foi digitado numa planilha, listando-se todos os códigos de
cada entrevista em arquivo separado.
108
O procedimento seguinte foi a impressão dessa planilha e uma análise isolada de
cada entrevista. Procuramos, com isso, agrupar os códigos que tinham afinidades ou que se
complementavam, constituindo assim, as primeiras categorias. A principal dificuldade,
nessa tarefa, foi atribuir um significado para cada grupo de códigos. Para todo
agrupamento de códigos, formulava-se a seguinte pergunta: O que significa isso? A
resposta a essa questão indicava o nome da categoria.
Após a construção das categorias, foram retomadas as planilhas, fazendo-se a
digitação, abrindo-se uma coluna para a codificação axial. Nesse momento, foram
agrupadas todas as planilhas que estavam em arquivos separados, fazendo-se um quadro
geral com as categorias e subcategorias existentes. A partir daí, foi possível selecionar as
categorias que tinham o mesmo significado, reagrupando-as para construir o que se
denomina de codificação axial. Trata-se de uma nova forma de se organizar os dados,
formando novas categorias.
Concluída essa etapa, as planilhas foram digitadas e impressas, abrindo-se nova
coluna, que foi denominada de codificação seletiva. Com isso, procurou-se integrar as
categorias estabelecidas na codificação axial por afinidades, de acordo com suas
propriedades e dimensões. Nessa etapa, também surgiram dificuldades, por se tratar de um
processo analítico e de profunda subjetividade que depende da forma como o pesquisador
interpreta os dados.
Após o término dessa fase, percebemos que as questões elaboradas e respondidas
pelos enfermeiros não alcançavam os objetivos do estudo em sua totalidade. Verificamos
que faltava ainda alguma coisa. Fizemos uma releitura das entrevistas e observamos que os
enfermeiros não apontavam, em nenhum momento de seus discursos, o sistema de
informação. Portanto, precisava ser elaborada uma questão que provocasse uma resposta
voltada para esse aspecto. Diante desse fato, as questões norteadoras foram reformuladas e
passaram a ter, após uma breve introdução, as seguintes proposições:
Os sistemas de informação podem ajudar a enfermagem. Só que esses sistemas
nem sempre são centrados no usuário e sua prática, mas na visão de quem os desenvolve,
utilizando os modelos teóricos. Supondo que se pretenda desenvolver um sistema de
informação em enfermagem centrado na prática de enfermagem, responda:
109
1. Que relação há entre teoria e prática em enfermagem, ou seja, como você
percebe os modelos teóricos em relação à sua prática? Eles são aplicados?
Correspondem à prática?
2. O trabalho de sistematização é um bom caminho para registrar a sua
prática ou é apenas outro modelo teórico que nada tem a ver com a sua
prática?
3. Se você fosse participar do processo de desenvolvimento de um sistema de
informação em enfermagem computadorizado, que elementos de sua prática
você consideraria importante para estar disponível no computador?
Após isso, foi preciso retornar aos primeiros entrevistados do teste - piloto, a fim
de avaliar quais eram sua percepção em relação às novas questões. As entrevistas foram
realizadas com sucesso, não havendo dúvidas quanto à formulação das questões.
Concluídas as entrevistas, procedemos à transcrição, leitura e pré-análise dos dados e todo
o procedimento anteriormente descrito.
Em seguida, demos início à coleta definitiva dos dados, marcando novas
entrevistas com outros enfermeiros. No entanto, algumas vezes era preciso remarcar o
encontro, porque os enfermeiros tinham algum impedimento, sendo a entrevista agendada
para um dia diferente do que fora estabelecido. Essa situação nos inquietou, mas tal fato é
comum ocorrer quando se usa esse tipo de coleta de dados.
A cada entrevista realizada, seguíamos o mesmo ritual metodológico utilizado
para chegar à codificação seletiva. Fazíamos o aprofundamento da análise da categoria
central, que é aquela categoria mais ampla e abstrata o suficiente para envolver todas as
expressões identificadas.
Para uma melhor compreensão dos dados, além de trabalharmos com arquivos
digitalizados, foram organizados também, por medida de segurança, arquivos impressos
com todos os dados coletados e analisados separadamente. Havia pastas só para
entrevistas, para identificação de códigos e categorias, e um quadro geral com categorias,
codificação axial, codificação seletiva e categoria central.
É importante salientar que todas as categorias foram codificadas, obedecendo à
seqüência das entrevistas, identificadas com códigos de dois caracteres numéricos (Enf. 01
110
a Enf. 12). Com isso, buscou-se preservar o anonimato do entrevistado e facilitar a análise,
caso houvesse dúvidas ou necessidade de realizar uma consulta no impresso ou no
computador.
6.6 Análise das informações
Para compreender o significado dos dados que foram obtidos com as entrevistas e
as observações, procedemos à análise dos dados, codificando-os, categorizando-os e
identificando a categoria central. A abordagem da grounded theory e a perspectiva do
interacionismo simbólico, como métodos de pesquisa qualitativa, ampliaram a visão do
fenômeno. Isso porque foram aproveitados todos os dados advindos da análise das
entrevistas e outros adquiridos pelo próprio investigador, como as notas de observação, as
notas metodológicas e as notas teóricas que estão inseridas no desenvolvimento da análise.
Após a conclusão de cada entrevista, realizamos a transcrição, digitando-a e
imprimindo-a. A codificação foi feita manualmente e os códigos foram anotados na
margem direita da página. Essa etapa é denominada por Strauss; Corbin (1998) de
codificação aberta. Trata-se de uma etapa do processo de análise que ocorre durante todo o
tempo da coleta dos dados, embora haja características distintas, dependendo do
andamento do processo.
Em seguida, separamos os dados ou recortes, que são as unidades de análise, e
nomeamos cada idéia ou evento, de modo que viesse a representar os fenômenos
identificados. A partir daí, surgiram os primeiros conceitos que foram comparados uns com
os outros, fazendo-se sempre o mesmo questionamento: O que significa isso? Com esta
pergunta, procurava-se organizar os dados para que fenômenos semelhantes pudessem
receber a mesma identificação.
Nessa fase, elaboramos alguns memorandos que auxiliaram no desenvolvimento
da teoria, em virtude de ser um registro escrito do processo de análise dos dados, podendo
ser considerado como o pensamento abstrato que se tem sobre os dados. Esse
procedimento nos facilitou guardar a informação e disponibilizá-la quando necessitávamos.
As anotações possibilitaram maior reflexão sobre o fenômeno investigado e
proporcionaram insigths que contribuíram para uma compreensão mais apurada do estudo.
111
Na etapa seguinte, atribuímos um nome conceitual ou abstrato para cada
agrupamento de dados realizados, código por código, que tinha alguma semelhança entre si
ou mesmo características distintas. Os dados categorizados receberam a denominação de
categorias, conforme foram interpretados. Esta é uma característica da análise qualitativa,
ou seja, a intersubjetividade que busca no processo reflexivo as respostas que explicam um
determinado fenômeno. Nesse aspecto, Strauss; Corbin (1998) afirmam que a
categorização permite reduzir o número de unidades de análise trabalhadas.
Essas categorias mudavam de nome, cada vez que se buscava nas entrevistas mais
conceitos e se faziam comparações dos dados. O nome da categoria sofria modificações,
até que finalmente se encontrasse uma que representasse o significado do código agrupado.
Como se pode perceber, essa fase exige muita paciência e introjeção, porque é preciso ir
além dos dados, para vivenciar a experiência dos informantes. São apresentados abaixo
alguns exemplos de recortes ou unidade de análise:
Dando prosseguimento à análise dos dados, passamos à etapa denominada por
Strauss; Corbin (1998) de codificação axial. Esta envolve um grupo de procedimentos
seguidos pelo investigador em que os dados são agrupados em novas formas,
estabelecendo as conexões entre as categorias, buscando expandir e densificar a teoria
emergente. Essas operações são denominadas de conexões teóricas. As conexões são
estabelecidas entre uma categoria e suas subcategorias, em termos das condições causais,
contexto, condições intervenientes, estratégias e conseqüências (CASSIANI, 1994).
Nos agrupamentos realizados, trezentos e seis códigos foram agrupados em
quinze categorias. Através de um processo indutivo de agrupamentos dos códigos em
categorias e da análise comparativa dos dados, com o propósito de identificar os códigos
mais significativos para construir o fenômeno, foi possível reduzi-las para quarenta e oito
[...] para facilitar o registro de enfermagem, eu sugiro que a evolução seja
informatizada, que esteja no computador.
[...] eles (os modelos formais) não são aplicados na prática aqui diária.
[...] existe uma lacuna entre teoria e prática.
[...] o que a gente faz só é visto por nós mesmos, os médicos não têm interesse
em conhecer o que fazemos.
112
códigos e quatorze categorias. O Quadro 1 apresenta um exemplo desse processo. O
desenvolvimento dessa análise foi importante, porque forneceu a base para fazer as
relações entre as categorias, subcategorias e categorias maiores.
Convém enfatizar ainda que, no transcorrer do processo de análise, para codificar
e categorizar os dados houve momentos de dificuldades quando não se conseguia
interpretar o significado dos discursos expressos pelos enfermeiros. Isto retardava o
andamento da análise até que surgia um insight e, assim, prosseguíamos com a reflexão.
Esse trabalho foi exaustivo e às vezes gerava confusão com o volume de dados, códigos e
categorias que precisavam ser analisados e reduzidos.
UNIDADES DE ANÁLISE CÓDIGOS CATEGORIA [...]a relação teoria e prática não é aplicada; não consigo aplicar na prática.
[...] os diagnósticos de enfermagem a gente não aplica, mas eu acho que não tinha muita condição de aplicar devido ao tempo.
Não aplicando os modelos formais na prática.
Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática de enfermagem.
[...] existe uma lacuna entre teoria e prática.
[...] eu acho que existe uma lacuna muito grande entre a teoria e a prática.
Percebendo lacunas na prática de enfermagem.
[...] eu, particularmente, não consigo ainda associar as duas coisas; usar bem a teoria na prática.
[...] o que você aprende, o que você tem a desenvolver, você nunca consegue desenvolver.
Não conseguindo associar a teoria à prática.
[...] a gente sente essa dificuldade que a prática é uma coisa e a teoria é outra.
Percebendo a prática diferente da teoria.
Quadro 1: Exemplificando o agrupamento de códigos e da categoria
Em seguida, passamos à etapa do processo analítico, onde as categorias foram
trabalhadas em profundidade e densidade de consistência. Esse refinamento é denominado
por Strauss; Corbin (1998) de codificação seletiva. Consiste num processo de integração
entre as categorias e subcategorias definidas (um nível de análise mais abstrato). Esse
processo é feito, após a descrição analítica do relato, até descobrir a categoria central que
113
deve estar presente na maioria dos relatos e deve ser ampla e abstrata para incluir e
expressar todas as outras.
A condução desse processo permitiu a redução das categorias por meio da
comparação e organização dos dados, constituindo-se outras mais amplas e densas. É uma
atividade de pura reflexão em que a subjetividade flui durante todo o processo, indo além
dos dados para descobrir os pontos de ligação entre as diversas categorias, possibilitando,
dessa forma, a sua integração.
O passo seguinte foi identificar a categoria central, resultante da integração
analítica das categorias mais amplas e densas geradas nas doze entrevistas realizadas.
Segundo Strauss; Corbin (1998), a categoria central é o cimento condutor que coloca e
mantém adequadamente juntos todos os componentes da teoria, ou seja, a categoria central
torna explícita a experiência vivenciada pelos enfermeiros na construção do modelo
conceitual. Para Jorge (1997), a categoria central surge no processo de análise, no qual se
delineia a centralidade da categorização, o principal tema em torno do qual giram todas as
categorias.
Quando essa etapa do trabalho foi atingida, buscamos inter-relacionar os
fenômenos com as categorias representativas que traduzissem concretamente a
sensibilidade teórica para compreender o significado da experiência dos enfermeiros como
um todo e, a partir daí, desenvolver um modelo teórico representativo dessa experiência. O
fenômeno foi examinado na perspectiva do paradigma de análise de Strauss; Corbin
(1998), como uma forma para agrupar as categorias e facilitar a análise dos dados. Para
tanto, buscamos entender quais eram as condições causais em que se desenvolvia o
fenômeno, o contexto e as estratégias que estavam sendo conduzidas, bem como as
conseqüências que determinavam a ocorrência. Todo esse processo será desenvolvido nos
capítulos seguintes.
114
115
7.1 Relatando a experiência vivenciada pelos enfermeiros
Neste capítulo, serão apresentados os resultados obtidos através das entrevistas
realizadas com os enfermeiros, cujas reflexões tornaram-se possíveis após a aplicação
metodológica da grounded theory: recortes de unidades de análise, identificação de
códigos, agrupamentos e categorizações, até alcançar como resultado analítico a categoria
central. A relação entre as categorias permitiu o estabelecimento da integração e
compreensão do fenômeno, tarefa que foi facilitada com a utilização do modelo de
paradigma de Strauss; Corbin (1998).
A trajetória percorrida nessa etapa da investigação teve início com a apresentação
dos fenômenos em separado, que foram interpretados à luz do interacionismo simbólico.
Procedemos, em seguida, à integração dos fenômenos gerando a categoria central, que
permitiu a compreensão da experiência dos enfermeiros em relação à teoria e prática de
enfermagem para o desenvolvimento de sistema de informação, representado através de
um modelo teórico fundamentado nos dados para cada fenômeno identificado.
É importante destacar que os dados analisados foram extraídos das entrevistas e
das observações realizadas durante a nossa permanência na clínica. As análises desses
dados possibilitaram realizar vários agrupamentos os quais resultaram em dois fenômenos
que reúnem diversas categorias e subcategorias. Esses fenômenos oferecem links que
permitem a compreensão da transformação do conhecimento tácito em explícito na prática
de trabalho do enfermeiro, a fim de minimizar a lacuna entre teoria e prática em
enfermagem e desenvolver sistemas de informação.
Portanto, a apresentação dos resultados deste estudo será feita de modo a permitir
uma compreensão das experiências dos enfermeiros, a partir da identificação de dois
fenômenos, que receberam as seguintes denominações: Tentando articular os modelos
teóricos com a prática de enfermagem para desenvolver sistemas de informação; Vendo a
lacuna entre teoria e prática no sistema de informação em enfermagem.
Cada fenômeno, com suas respectivas categorias e subcategorias, será apresentado
e interpretado em separado. Para um melhor entendimento, os fenômenos serão
apresentados em negrito. Também cada etapa do modelo de paradigmas de Strauss e
Corbin será apresentada em negrito e as categorias destas em itálico, sendo a palavra
116
iniciada com letra maiúscula. Os textos que representam as unidades de análise ou recortes
serão apresentados com letras minúsculas.
7.1.1 Fenômeno 1
O Fenômeno 1 mostra a situação da prática do enfermeiro assistencial na tentativa
de desenvolver cuidados de enfermagem respaldados numa base teórico-científica,
retratada pelo modelo teórico aqui denominado processo de enfermagem ou sistematização
da assistência. Até agora, os enfermeiros não têm um vocabulário padronizado, nem
taxonomia e sistema de classificação que possam servir de referência para aplicar na
prática e desenvolver sistemas de informação que representem os elementos da sua prática
em todas as diferentes situações vivenciadas por eles. De qualquer forma, percebemos um
grande interesse e motivação, entre os enfermeiros, para estudar os esquemas de
classificação em enfermagem e tentar articulá-los com a prática, a fim de desenvolverem
padrões de qualidade que maximizem os benefícios da capacidade humana e tecnológica.
Os enfermeiros da Clínica Médica do HULW/UFPB ainda não dispõem de um
adequado sistema de classificação da prática de enfermagem, apesar de que existem
esforços no sentido de articular o conhecimento teórico (explícito) da enfermagem e usá-lo
na organização do conhecimento informal (tácito) para desenvolver sistemas de
informação em enfermagem. A transformação do conhecimento resultante da interação
entre o conhecimento tácito e o explícito é importante por muitas razões, dentre as quais se
destacam:
% melhoria na comunicação entre os enfermeiros e outros profissionais, em
virtude do entendimento da linguagem e do significado comum;
% eliminação das ambigüidades das descrições dos cuidados de enfermagem
para avaliação, aprimoramento da qualidade e gestão de apoio à decisão;
% geração de novos conhecimentos em enfermagem, através da pesquisa;
% educação e treinamento do pessoal de enfermagem;
Tentando articular os modelos teóricos com a prática de
enfermagem para desenvolver sistemas de informação
117
% desenvolvimento de sistemas de informação para documentação em
enfermagem (DELANEY; MEHMERT; PROPHET, 1992; CLARK;
LANG, 1992).
Vale ressaltar que a articulação dos modelos teóricos com o conhecimento tácito
em enfermagem é um esforço desenvolvido pelos enfermeiros para traduzir o que eles
pensam e descrevem sobre seus pacientes nos diferentes formulários, a fim de estabelecer
uma terminologia comum, aceitável e apropriada para construir sistemas de informação.
Dessa forma, o sistema de informação poderá conter informações explícitas e tácitas, sendo
que a informação tácita permeia a prática clínica. Uma pequena parte pode ser representada
pela informação explícita, embora se reconheça que nem toda informação tácita ou
explícita esteja adequada para a automação.
A. Destacando as condições causais
As categorias "Procurando adequar os modelos formais com a prática de
enfermagem" e "Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem da NANDA�(∗ ) mostram
as causas que desencadeiam o fenômeno em estudo. São consideradas causais porque os
enfermeiros estão envolvidos no processo de sistematização da assistência de enfermagem
em que, efetivamente, estudam os modelos teóricos fundamentados nos sistemas de
classificação e nos diagnósticos de enfermagem da NANDA. Com isso, não só apóiam as
fases do processo de enfermagem (histórico, diagnóstico, intervenção, implementação e
avaliação), como também contribuem para o registro computadorizado em enfermagem.
Assim, há uma louvável tentativa dos enfermeiros em estabelecer as bases de um
modelo de sistematização (diagnóstico, resultados e intervenções) com a prática de
enfermagem. Utilizam, para isso, os diagnósticos de enfermagem, apesar das limitações e
dificuldades encontradas, por causa da qualidade do trabalho existente na unidade de
Clínica Médica do HULW, conforme os relatos descritos pelos enfermeiros.
A1 - Procurando adequar os modelos teóricos com a prática de
enfermagem
(∗ ) NANDA � North American Nursing Diagnosis Association (Associação Norte-Americana de Diagnósticos de Enfermagem)
118
Essa categoria aparece como um dos fatores que despertam a compreensão da
relação teoria e prática em enfermagem, por envolver um extenso volume de informações
clínicas e um conhecimento altamente especializado para implementar e avaliar os
processos e resultados, a fim de que o enfermeiro tome decisões clínicas e administrativas
com mais eficiência. Nesse sentido, para desempenhar efetivamente seu papel, o
enfermeiro procura adaptar os modelos teóricos apoiados pelo ambiente da prática clínica.
Com isso, chega ao entendimento do seu papel na construção do conhecimento e do tipo de
apoio que essa ligação entre o conhecimento explícito e tácito trará para o trabalho da
enfermagem. Nessa categoria, foram encontradas quatro interações combinadas através de
subcategorias, conforme ilustra o Quadro 2:
Códigos Subcategorias
A1.1 Associando os modelos teóricos da enfermagem com a realidade da prática.
A1.2 Tentando aplicar aquilo que aprendeu.
A1.3 Reconhecendo a importância das teorias em enfermagem.
A1.4 Tentando conciliar a teoria com a prática de enfermagem.
Quadro 2: Procurando adequar os modelos teóricos com a prática de enfermagem
A1.1 Associando os modelos teóricos com a realidade da prática de
enfermagem
Nesse contexto, os enfermeiros procuram encontrar conexões entre o modelo
teórico e as atividades assistenciais de enfermagem (história clínica do paciente,
diagnóstico, intervenções e resultados). É o que se observa nos seguintes depoimentos:
[...] o enfermeiro soma conhecimentos da sua prática e aquilo continua sempre
dando mais substância, mais concretude ao seu trabalho junto ao paciente.
[...] estamos tentando fazer a ligação com os modelos teóricos que são os
diagnósticos e suas intervenções.
[...] o modelo que nós estamos usando parte de nossa realidade da Clínica
Médica.
Apesar dessa iniciativa, ainda se percebe a existência de uma diferença entre o
conhecimento teórico ou explícito da enfermagem que os enfermeiros, com boa vontade,
119
tentam somar com o conhecimento tácito e informal da sua realidade prática. Sabe-se que
as duas categorias de conhecimento são complementares e importantes na construção de
sistemas de informação. Todavia, algumas barreiras operacionais precisam ser superadas.
A1.2 Tentando aplicar aquilo que aprendeu
Essa subcategoria representa o esforço dos enfermeiros em tentarem aplicar os
conhecimentos adquiridos formalmente na prática clínica. Vale ressaltar que esses
profissionais participam semanalmente de atividades educativas, com o objetivo de revisar,
aprofundar e adquirir novos conhecimentos, a fim de desenvolverem o processo de
sistematização, a partir do modelo formal, para serem aplicados na prática. É importante
esclarecer que o conteúdo teórico surge da necessidade observada na prática assistencial,
ou seja, o conhecimento formal a partir do informal. A criação do conhecimento pode ser
alcançada convertendo-se o conhecimento tácito em conhecimento explícito
(MEERABEAU, 1992; NONAKA; TAKEUCHI, 1997). A esse respeito, os enfermeiros
enfatizam:
[...] a gente precisa ter conhecimento para aplicar na prática.
[...] quando eu vi os diagnósticos, estava muito no começo e agora já vi que tem
classificações novas, mas com certeza, com estudo, a gente vai conseguir aplicar.
[...] a gente procura fazer o máximo para chegar lá. Infelizmente, devido a
muitos processos e também até, como eu já disse, às vezes o fator tempo não tem
condição de a gente avançar. Mas a gente procura fazer, pelo menos na prática, o
certo.
A educação permanente e um programa de treinamento em serviço são
instrumentos que fornecem a motivação necessária para os enfermeiros empreenderem
esforços no sentido de desempenharem o processo de enfermagem voltado para as
necessidades do cuidado do paciente.
A1.3 Reconhecendo a importância das teorias em enfermagem
Os enfermeiros consideram que as teorias são importantes para a construção do
conhecimento em enfermagem. Indubitavelmente, a teoria em enfermagem está
fundamentada no modelo biomédico e na psicossociologia. A conceituação da enfermagem
120
como uma prática, uma ciência e uma arte pode ser vista através de estudos
epistemológicos e filosóficos. Como se sabe, a maioria dos modelos teóricos existentes na
enfermagem brasileira é de origem norte-americana. Por essa razão, os enfermeiros da
Clínica Médica do HULW procuram meios para adequação à sua prática assistencial,
embora ainda de forma incipiente, conforme esclarecem:
[...] a teoria é muito importante na prática de enfermagem.
[...] reconhecendo a importância da teoria que temos que ter, porque você não vai
prestar assistência a um paciente se você não tem noção nenhuma do que seja
aquilo que ele esteja portando.
[...] você tem que ter o embasamento, você tem que ter a fundamentação teórica.
[...] a teoria é a parte de definição de princípios de uma ciência.
[...] a teoria seria a educação da prática.
É inquestionável a validade dos modelos teóricos que buscam fundamentar a
prática de enfermagem e trabalhar no sentido de acrescentar algo novo a essa prática, mas
com respaldo teórico. Porém, os enfermeiros têm consciência das limitações desse
conhecimento acadêmico, como se observa nos seguintes relatos:
[...] a gente tem um pessoal de enfermagem mais antigo que não está muito
acostumado com esses modelos. Estão um pouco defasados de teoria.
[...] o enfermeiro precisa ter tempo para avaliar de forma sistematizada o que é
produzido na teoria.
Podemos afirmar que as dificuldades atribuídas pelos enfermeiros podem estar
relacionadas aos seguintes fatores:
! deficiência na formação acadêmica dos enfermeiros;
! inexistência de programas formais de educação permanente que explorem
conteúdos teóricos dos modelos conceituais e filosóficos em enfermagem;
! pouca divulgação das teorias no meio acadêmico e assistencial;
! incongruência entre o paradigma funcionalista da prática de enfermagem
hospitalar e o paradigma humanista das teorias de enfermagem.
121
A1.4 Tentando conciliar a teoria com a prática de enfermagem
Nesse contexto, enfatizamos a necessidade sentida pelos enfermeiros, com o
propósito de viabilizarem a aplicação de teorias de enfermagem na prática. Para tanto, é
preciso que haja um esforço conjunto entre enfermeiros assistenciais e docentes do
Departamento de Enfermagem, para a construção de um corpo de conhecimento ligando a
teoria com a prática e a prática com a teoria, como medidas inseparáveis. Colhemos, nesse
sentido, os seguintes relatos:
[...] as teorias de enfermagem são várias. A gente sempre está lendo e se
inteirando, procurando adaptar e o que a gente pode fazer melhor para o
paciente.
[...] eu acho que dá para conciliar teoria e prática.
[...] na verdade a prática não caminha sem a teoria.
[...] a gente está vendo os professores, nessa inter-relação, tentando passar para
os enfermeiros os conhecimentos para a gente introduzir na prática.
[...] há essa importância muito grande de você ter a teoria e a prática caminhando
juntas. Isso é fundamental.
[...] a teoria não pode estar desvinculada de uma prática.
Cabe lembrar que, se a teoria tem por objetivo dar consistência ao conhecimento
tácito, descrevendo e explicando um fenômeno da prática, a sua aplicabilidade deve ser
trabalhada pelos enfermeiros para gerar novas teorias, aprimorá-las, questioná-las ou até
mesmo contestá-las.
A2 - Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem
Ao tentarem articular os modelos teóricos com a prática de enfermagem, os
enfermeiros também estão fazendo uso dos diagnósticos de enfermagem, na tentativa de
utilizá-los na prática. Portanto, a categoria "Buscando utilizar os diagnósticos de
122
enfermagem" é uma seqüência da categoria "Procurando adequar os modelos teóricos com
a prática de enfermagem" e com ela, evidentemente, apresenta relações. Este é outro fator
provocante de causa do Fenômeno 1. Nessa categoria, foram encontradas quatro interações
combinadas, através de subcategorias, conforme ilustra o quadro abaixo:
Códigos Subcategorias
A2.1 Tendo dificuldades com os diagnósticos de enfermagem na prática.
A2.2 Tentando usar alguns diagnósticos de enfermagem.
A2.3 Vendo os diagnósticos de enfermagem como um assunto novo.
A2.4 Não aplicando na prática os diagnósticos de enfermagem.
Quadro 3: Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem
A2.1 Tendo dificuldades com os diagnósticos de enfermagem na
prática
O esquema de classificação de diagnósticos de enfermagem carrega em si um
complexo conhecimento do trabalho e da função da enfermagem nos cuidados de saúde.
Embora os diagnósticos tenham sido enfatizados como instrumento para melhorar o
conhecimento e a prática de enfermagem, é possível verificar que se trata de um
conhecimento acadêmico (enfoque rígido) para incorporar a realidade clínica dos
enfermeiros. Isso se torna evidente observando-se os relatos dos enfermeiros, onde
apontam dificuldades em dominar e aplicar os diagnósticos:
[...] a gente sente dificuldades com os diagnósticos. Você se depara com eles e
pergunta: como vou fazer?
[...] o que confunde mesmo é que um paciente tem vários diagnósticos. Quando a
gente pega um diagnóstico, pensando que está dentro daquele contexto,
imediatamente, vem outro.
[...] para a gente ainda está sendo um pouco difícil implementar os diagnósticos
de enfermagem.
[...] para as minhas colegas daqui não é tão fácil os diagnósticos, porque elas são
mais antigas do que eu e algumas sentem muitas dificuldades.
123
[...] eu acho que a teoria sobre os diagnósticos, a gente não consegue aplicar hoje
na prática totalmente, porque o próprio trabalho em si dificulta.
[...] a gente está começando, caminhando devagarzinho, até poder introduzir o
sistema de diagnóstico, para poder fazer o processo de enfermagem como tal e já
pensar em colocar esses dados no computador.
Inegavelmente, os diagnósticos de enfermagem representam um avanço para a
enfermagem mundial. Todavia, os nossos enfermeiros ainda enfrentam dificuldades quanto
à sua utilização e praticidade que podem ser enfocadas sob diversas perspectivas:
& os enfermeiros tiveram pouco conhecimento sobre diagnósticos de
enfermagem durante a formação acadêmica;
& a complexidade do conhecimento e o número crescente de diagnósticos de
enfermagem que surgem a cada versão publicada pela NANDA;
& a base de dados que compõe os diagnósticos de enfermagem é importada
dos Estados Unidos, carecendo de uma tradução para o português que se
adapte à nossa realidade;
& as contingências ambientais do trabalho da enfermagem representam um
importante fator que dificulta a utilização dos diagnósticos;
& a falta de um registro eletrônico dos dados do paciente para compor um
sistema de informação computadorizado em enfermagem.
A2.2 Tentando usar alguns diagnósticos de enfermagem
Durante a nossa permanência na unidade de Clínica Médica, pudemos observar
que havia alguns enfermeiros que enfrentavam as barreiras operacionais e tentavam usar na
prática os diagnósticos de enfermagem para alguns pacientes. Esse esforço era
recompensado, principalmente, quando os estudantes de graduação buscavam aprender na
prática a sistematização do cuidado de enfermagem: diagnóstico, intervenção e resultados.
Vale ressaltar que pouquíssimos enfermeiros utilizavam os diagnósticos no plano de
cuidados de enfermagem, em virtude das razões anteriormente apontadas. Seus
depoimentos comprovam isso:
[...] para que usar as teorias, usar a NANDA, se a gente não tem os diagnósticos
de enfermagem para fechar e fazer a sua implementação?
124
[...] às vezes alguns diagnósticos a gente faz. Alguns. Todos os diagnósticos não.
[...] os enfermeiros do ensino, unidos a alguns enfermeiros assistenciais, estão
trabalhando, por exemplo, num sistema de classificação.
A falta de estabilidade advinda da utilização dos diagnósticos de enfermagem
torna-se um problema para o serviço por não ser capaz de responder aos anseios dos
estudantes de enfermagem que procuram desenvolver na prática aquilo que aprenderam na
teoria.
A2.3 Vendo os diagnósticos de enfermagem como um assunto novo
A principal razão para o pouco conhecimento e domínio na utilização dos
diagnósticos de enfermagem na prática é a alegação de que se trata de um assunto novo
para a nossa realidade. De fato, o diagnóstico de enfermagem surgiu na década de 1970,
com a criação da NANDA. A partir daí, várias discussões e trabalhos de pesquisa se
encarregaram da sua divulgação e validação nos diversos serviços de enfermagem nos
Estados Unidos, na América Latina e na Comunidade Européia. Em seus depoimentos, os
enfermeiros apontam essa lacuna:
[...] na prática, o diagnóstico é um assunto novo, porque quem terminou o curso
há cerca de 10 a 15 anos, quando fazia a graduação em enfermagem, não teve a
oportunidade de estudar como se está explorando hoje.
[...] nós adquirimos o conhecimento sobre os diagnósticos, quando já estávamos
exercendo a profissão, como enfermeiras. Na formação não tivemos esse
conhecimento.
[...] nós estamos estudando para começar a fazer o diagnóstico de enfermagem,
porque não é uma coisa fácil.
Há uma imensa necessidade de que os diagnósticos de enfermagem sejam
institucionalizados na prática de enfermagem. Com isso, eles poderão oferecer valiosas
informações sobre o processo de cuidado do paciente e o desenvolvimento de sistemas de
informação em enfermagem.
A2.4 Não aplicando na prática os diagnósticos de enfermagem
125
Finalmente, podemos perceber que, na realidade do HULW, os enfermeiros não
aplicam os diagnósticos de enfermagem no seu dia-a-dia clínico. Na verdade, o que existe
é o desejo de conhecer e aprender a operacionalizá-lo no processo de enfermagem. Apenas
alguns enfermeiros fazem uso dos diagnósticos, mas não de forma sistematizada e com
pouquíssimos pacientes. É o que expressam em seus relatos:
[...] os diagnósticos de enfermagem a gente não aplica, mas eu acho que não
tinha muita condição de aplicar por causa do tempo.
[...] o sistema de classificação, os diagnósticos de enfermagem, a gente não está
bem integrado com esse sistema, devido ao tempo.
[...] eu nunca trabalhei com os diagnósticos de enfermagem.
[...] a gente não está com os diagnósticos de enfermagem da NANDA
completamente traduzidos para o português, a fim de que possamos ter um
acesso direto.
Portanto, não nos surpreendeu o relato dos enfermeiros em não aplicarem os
diagnósticos de enfermagem na prática clínica. Isso ocorre por conta da complexidade do
trabalho e da diversidade de papéis assumidos com tarefas associadas ao processamento de
informações, aplicação de conhecimentos na prática clínica e conhecimentos tácitos
adquiridos no dia-a-dia do seu desempenho. Essas informações fornecem valiosos insights
que apóiam o conhecimento do trabalho da enfermagem, embora não sejam capturadas
para desenvolver sistemas de informação.
B. Destacando o contexto
A categoria relacionada ao contexto do Fenômeno 1 é: "Vendo a sistematização
como um caminho para desenvolver sistemas de informação em enfermagem". Essa
categoria explica o fato de os enfermeiros quererem aplicar os modelos teóricos na prática
de enfermagem, a partir de uma metodologia de trabalho que sistematize suas ações e
organize o trabalho, de forma que produzam resultados e possam ser mensurados. Os
enfermeiros vêem a sistematização dos cuidados de enfermagem como uma forma de
aprofundar os conhecimentos, tanto formais quanto informais, e melhorar a qualidade da
assistência e do registro das informações de enfermagem, conforme se pode constatar nos
relatos a seguir:
126
[...] eu acho a sistematização um bom caminho para registrar a minha prática,
porque é bom a gente estar sempre renovando.
[...] a gente não tem tempo de estar sentado e estar revisando. E essa prática de
sistematização vai nos alertando, nos orientando mais.
[...] eu acho que a sistematização, eu acho não, creio, comprova-se que tudo que
é organizado facilita a vida de todo mundo, sobretudo a do paciente, que é o
objeto de nosso trabalho.
[...] a sistematização, não somente eu, mas acredito que muitos profissionais de
enfermagem vêem como um caminho, uma forma para registro da prática de
enfermagem.
[...] o trabalho de sistematização, eu vejo como um caminho para o registro da
prática, que é uma das coisas que falta na enfermagem.
[...] a cada dia eu só consigo confirmar que a sistematização é nossa saída para
fazer uma assistência de boa qualidade. A gente não pode abrir mão disso.
[...] eu creio que a sistematização é um bom caminho sim. Se for encarada
realmente com responsabilidade, consegue sim. Se for encarada, se for
supervisionada.
A adoção do processo de sistematização favorece a autonomia do enfermeiro e
proporciona segurança na prática clínica, assim como no desempenho de seu papel de
trabalhar em equipe: o coleguismo, a parceria, a cooperação. Não há como negar que esse
contexto complementa o entendimento do Fenômeno 1, com cinco interações, conforme
mostra o quadro abaixo:
Códigos Subcategorias
B1.1 Tentando trabalhar a sistematização.
B1.2 Vendo os elementos da prática de enfermagem na sistematização da assistência.
B1.3 Reconhecendo a importância da sistematização.
B1.4 Sentindo dificuldades em relação à sistematização.
B1.5 Sentindo necessidade de participação na sistematização.
Quadro 4: Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistemas de informação em enfermagem
127
B1.1 Tentando trabalhar a sistematização
Os enfermeiros da Clínica Médica vinham, ao longo dos anos, desenvolvendo
uma prática baseada em normas e rotinas repetidas e com pouca reflexão sobre a sua
atuação. Todavia, esse modelo mecanicista que não leva em conta o cientificismo da
profissão passou a ser questionado por alguns enfermeiros que buscaram uma estratégia
para minimizar esse problema.
A solução encontrada foi a utilização de um método de trabalho que favoreça a
individualidade e continuidade da assistência, bem como o estudo de conteúdos que
reforcem os conhecimentos tácitos e explícitos. Então, optou-se por trabalhar a
sistematização dos cuidados de enfermagem na busca de construir um corpo de
conhecimento próprio, fundamentado teoricamente, e que pudesse melhorar a assistência
de enfermagem. A esse respeito, colhemos os seguintes depoimentos:
[...] a gente vem fazendo coisas em nível de sistematização e tentando melhorar a
assistência de enfermagem.
[...] nós já estudávamos a implementação das etapas que a gente podia da
sistematização dentro da clínica, como uma necessidade de resposta para nós
mesmos.
[...] a sistematização aqui no hospital já tem certo tempo que a gente está
implementando e acrescentando melhorias.
[...] a gente já começou a trabalhar a sistematização com a prescrição de
enfermagem, levantamento de dados no histórico e evolução diária do paciente
feito pelo enfermeiro, que é de qualidade mais estruturada.
[...] a sistematização é uma assistência de enfermagem planejada e registrada,
individualizada, de acordo com as necessidades do cliente, baseada nos
princípios científicos que são os modelos das teorias.
[...] a gente tem tudo de forma organizada, tudo baseado na realidade que ele está
apresentando, porque cada indivíduo é um indivíduo. A assistência vai ser
individualizada e global, dentro de um processo de necessidade deles.
[...] a partir do momento em que você introduz na sistematização o plano de
assistência, você vê as ações sendo implementadas e as respostas que o paciente
128
apresenta. Você vai poder avaliar a assistência, ao nível de qualidade, a eficácia
dessa assistência.
Podemos afirmar que a sistematização é um método que tem auxiliado a mudança
da prática de enfermagem na Clínica Médica do Hospital Universitário. Nessa perspectiva,
os enfermeiros vêm buscando superar as limitações do ambiente organizacional,
procurando alcançar os objetivos da assistência de enfermagem com qualidade.
B1.2 Vendo os elementos da prática de enfermagem na sistematização
da assistência
Os enfermeiros tentaram elaborar um documento que possibilitasse colher uma
grande quantidade de dados do paciente. Entretanto, depararam-se freqüentemente com
registros fragmentados, desestruturados e descoordenados. Buscando tornar a prática de
enfermagem mais visível no processo de sistematização, os enfermeiros desenvolveram
estudos que os conduziram à construção de um roteiro sistematizado de dados do paciente
contemplando as necessidades potenciais de cuidados de enfermagem. Os elementos da
prática de enfermagem que constituem o conjunto de dados necessários para o processo de
sistematização dos cuidados de enfermagem utilizado pelos enfermeiros da Clínica Médica
são os seguintes:
' identificação;
' motivo da internação/queixa principal;
' exame físico e outras informações;
' necessidades/autocuidado;
' fatores de risco;
' impressões do enfermeiro.
É importante também destacar que esses elementos foram extraídos não apenas
dos modelos teóricos (conhecimento explícito), mas também da experiência vivenciada na
prática (conhecimento tácito). A conjunção desses conhecimentos resultou num documento
que tem facilitado o trabalho da enfermagem, conforme depoimentos dos enfermeiros:
[...] os elementos da prática, eu vejo como dentro da sistematização, mas nos
modelos formais, eu não vejo.
129
[...] essa proposta de sistematização, onde a gente tem uma avaliação do doente,
onde reúne uma história clínica, diagnósticos de enfermagem, em qualquer das
classificações.
[...] a questão dos modelos teóricos, na sistematização, tem em parte.
[...] eu acredito que seja viável, o pequeno espaço, o pouco que a gente tem
aplicado na sistematização. Isso, mais explicitamente, em relação aos
diagnósticos e às intervenções.
Para os enfermeiros da Clínica Médica do HULW, os elementos do histórico que
compõem o processo de sistematização têm auxiliado na validação da teoria na prática e
vice-versa.
B1.3 Reconhecendo a importância da sistematização
Inquestionavelmente, a sistematização da assistência de enfermagem representa
um avanço para a prática clínica desenvolvida pelos enfermeiros do HULW que visa à
qualidade da assistência a ser prestada. Esse reconhecimento dos enfermeiros sobre a
importância da sistematização na enfermagem do HULW é fundamental para que esses
profissionais sejam valorizados pela organização formal e informal, assegurando a
continuidade do modelo assistencial. Os relatos abaixo expressam essa preocupação:
[...] a sistematização é importante porque você vai resgatar tudo isso que você
expressa verbalmente.
[...] eu acho que qualquer experiência em nível de sistematizar a informação hoje
é válida no HULW.
[...] a assistência é meio rude de um modo geral, mas a sistematização lapida,
ela vai conduzir a um sistema organizado.
[...] a sistematização vai melhorar o registro de nossa prática.
[...] a sistematização é importante para registrar a prática, mas o tempo e a
quantidade de paciente que nós ficamos fazem com que a gente não tenha.
É...(faz uma pausa para pensar) vamos dizer... um bom andamento na
sistematização.
130
O reconhecimento da importância da sistematização por parte dos enfermeiros é
essencial para fundamentar a assistência de enfermagem na recuperação, manutenção e
promoção da saúde do paciente, assim como para possibilitar o desenvolvimento de um
registro de enfermagem mais confiável dentro de um sistema de informação
computadorizado.
B1.4 Sentindo dificuldades em relação à sistematização
Apesar de enfatizarem a importância da sistematização no processo de trabalho da
enfermagem, os enfermeiros enfrentam inúmeras dificuldades, em virtude de fatores
contingenciais (qualidade do trabalho no ambiente organizacional) e operacionais (falta de
padronização nos procedimentos de enfermagem). Além disso, a falta de familiaridade e o
pouco conhecimento de alguns enfermeiros com a metodologia do trabalho trazem
dificuldades no desempenho do processo de sistematização da assistência. Nesse sentido,
os enfermeiros apresentaram os seguintes depoimentos:
[...] para as minhas colegas daqui não é tão fácil, porque elas são mais antigas do
que eu e algumas sentem muitas dificuldades.
[...] como você tem três enfermeiros de plantão, dois ficam pela manhã e um fica
o dia todo. Então fica difícil você conseguir organizar, você conseguir realizar
essa sistematização.
[...] a gente encontra dificuldades. Imagine realmente implantar ou utilizar o que
tem proposto de sistematização!
[...] eu acho que a sistematização tem que ser uma coisa mais ao nível de rodízio.
Vamos fazer um rodízio. Hoje a gente fica nisso, amanhã você fica naquilo, você
fica na burocracia; amanhã você assiste, depois de amanhã você supervisiona.
A educação permanente e um programa contínuo de treinamento em serviço são
estratégias que poderiam ser implantadas pela administração do HULW, em parceria com
os Departamentos de Enfermagem da UFPB. Com isso, haveria maior motivação para o
pessoal de enfermagem responder às várias questões relacionadas à sistematização,
desempenho e avaliação no registro de dados que necessitam modificações ou mesmo
cancelamento.
131
B1.5 Sentindo necessidade de participação na sistematização
Não há dúvida de que o sucesso da sistematização está centrado na participação
de todos os componentes da equipe de enfermagem. Não depende apenas dos enfermeiros,
mas também dos auxiliares e técnicos de enfermagem, que são presença constante no
processo de cuidar do paciente. Contudo, não tem sido parte integrante do processo formal
de informações do paciente. A sistematização como estratégia norteadora para organizar a
prática do trabalho da enfermagem não pode deixar de envolver o pessoal de nível médio
da enfermagem na construção do conhecimento formal e informal, para tornar visível o
trabalho invisível desses profissionais. Os enfermeiros da Clínica Médica estão percebendo
isso, conforme expressam em seus relatos:
[...] o ideal seria que todos os enfermeiros participassem da sistematização, até
os auxiliares de enfermagem também. Devia ter um treinamento tanto para
enfermeiros como para os auxiliares de enfermagem para não ficar só no papel.
[...] eu vejo a sistematização da assistência de enfermagem como uma
possibilidade, a partir do momento em que as pessoas tomam a decisão de
investir esforços nisso.
[...] eu acho que a sistematização tem que ser um processo. Não é só enfermeiro
está inserido, tem que ser o grupo de trabalho, a equipe como todo.
[...] os auxiliares de enfermagem devem fazer a sistematização, têm que ter
conhecimento, porque eles vão fazer parte também da realização do plano de
assistência, as atividades, as atribuições inerentes a eles.
[...] não há o envolvimento de todos com o processo de sistematização. Apenas
os enfermeiros e bem poucos participam.
O modelo participativo no desenvolvimento da sistematização exige, como
requisito central, o envolvimento de todos os componentes da equipe de enfermagem. Por
outro lado, enfatiza a oportunidade de construírem o conhecimento cooperativo que venha
influenciar na qualidade da prática clínica e fortalecer o relacionamento social e a interação
em grupo.
132
C. Desenvolvendo estratégias de ação
A visão dos enfermeiros frente à sua experiência vivenciada na prática, como foi
demonstrado, está voltada para a sistematização da assistência de enfermagem como um
caminho para a construção de um conhecimento integrado (explícito/tácito). Diante da
possibilidade de se desenvolver um sistema de informação que revele o que a enfermagem
produz no dia-a-dia, essa percepção provocou as seguintes estratégias de ação: Procurando
elementos da prática de enfermagem para compor um sistema de informação; Avaliando
as vantagens que o sistema de informação traz para a enfermagem.
Acreditamos que a procura de elementos da prática de enfermagem venha resgatar
o conhecimento tácito inerente à prática clínica do enfermeiro utilizada na sistematização.
Além disso, a aplicação de modelos teóricos pode ser estrategicamente desenhada de forma
adequada para automação. Nesse aspecto, vale ressaltar que os modelos teóricos que não
encontram feedback na prática de enfermagem, geralmente, estão fadados ao esquecimento
e ao abandono.
Daí acreditar-se que os elementos da prática de enfermagem existentes na
sistematização sejam fundamentais para desenvolver sistema de informação em
enfermagem. Essa estratégia de ação é composta pela interação das seguintes
subcategorias, conforme ilustra o quadro 5:
Códigos Subcategorias
C1.1 Tornando visível a prática de enfermagem.
C1.2 Propondo elementos ao sistema de informação em enfermagem.
Quadro 5: Procurando elementos da prática de enfermagem para compor um sistema de informação
C1.1 Tornando visível a prática de enfermagem
A maior preocupação entre os enfermeiros, e que tem gerado descontentamento na
enfermagem, é o fato de que eles trabalham muito, são sobrecarregados de atribuições,
produzem bastante em função do paciente e da organização. Entretanto, o que fazem na
prática não é visível para efeito de mensuração da produção e avaliação da relação custo-
benefício em enfermagem.
133
Essa situação tem causado constrangimento, sobretudo, nos enfermeiros, porque
eles gastam boa parte do seu tempo em tarefas relacionadas ao relato dos cuidados
prestados ao paciente, através da sistematização da assistência. No entanto, há uma
deficiência significativa na qualidade e quantidade de registros das atividades
desenvolvidas na documentação clínica. Dessa forma, poucos dados capturados na
sistematização são processados significativamente, ou seja, se tornam visíveis. Tais fatos
são externados pelos enfermeiros da seguinte forma:
[...] o sistema de informação torna visível aquilo que o enfermeiro faz.
[...] para tornar mais visível a nossa prática e facilitar o registro num sistema de
informação, teria que ser um trabalho que você começasse desde o auxiliar de
enfermagem, uma coisa de baixo para cima.
[...] para tornar a prática de enfermagem visível, era preciso que tudo fosse
quantificável, porque não temos nada quantificável. A gente não diz o quanto a
gente vale, a gente devia dizer o quanto a gente vale, se a gente documentasse
tudo isso que a gente faz.
Sem dúvida, o sistema de informação computadorizado é capaz de tornar visível o
que a enfermagem faz e produz. O serviço de enfermagem envolve um grande volume de
dados e níveis de detalhes, acomodando uma variedade de informações capturadas da
prática clínica e que podem apoiar o trabalho da enfermagem.
C1.2 Propondo elementos ao sistema de informação em enfermagem
Essa categoria é uma conseqüência da necessidade de tornar visível a prática de
enfermagem. Para tanto, os enfermeiros da Clínica Médica do HULW propuseram alguns
elementos ou dados mínimos de enfermagem que podem ser adequados ao sistema de
informação. De acordo com Saba; McCormick (1996), os dados de enfermagem são itens
codificados necessários para o desenvolvimento de sistema de informação
computadorizado. Os dados de enfermagem, uma vez processados, geram informações em
enfermagem que, ao serem analisadas, interpretadas e agregadas, produzem o
conhecimento em enfermagem.
Nos últimos anos, o grande foco de interesse na profissão tem buscado determinar
que dados são essenciais para garantir o cuidado de enfermagem. A grande questão é saber
134
que tipos de dados são necessários para descrever os diagnósticos de enfermagem, as
intervenções e os resultados. Essa discussão já mobilizou os enfermeiros da Clínica
Médica do HULW ao implementarem a sistematização da assistência de enfermagem.
Nessa perspectiva, estão estudando os dados que reflitam o julgamento clínico da
enfermagem sobre problemas/necessidades do paciente, intervenções e atividades ou
resultados. A ausência desses elementos no sistema de informação em enfermagem
impossibilita o registro das atividades que o enfermeiro faz e, inclusive, a diferença de
cuidado realizado. Os depoimentos a seguir evidenciam essa preocupação:
[...] elementos como histórico, a evolução de enfermagem para assistência direta
ao paciente, as prescrições de enfermagem.
[...] os elementos de minha prática que considero importantes para serem
registrados no computador. São todas as informações relacionadas ao paciente
[...] do nome do paciente ao quadro clínico, medicação e aos cuidados que ele
precisa.
[...] os elementos de minha prática que considero importantes para serem
registrados no computador diariamente são o estado geral do paciente, a gente
saber clicar lá e ver como aquele paciente já passou em outros plantões, porque
aí a gente já saberia seguir, ter um acompanhamento daquilo que já está
relacionado com ele.
[...] a queixa principal e a queixa no momento, a aceitação da dieta, a aceitação
da medicação, como aquela medicação está indo.
[...] sinais vitais, temperatura, tudo que o paciente sentiu é só colocar um X ali. O
que ele tem, se está com perda de cabelo, de peso, com problema de peso, tudo
ali, e eu só clicar, só um X e não ser preciso copiar tudo.
[...] o relatório, porque no relatório a gente anota as alterações, os exames.
[...] eu acho que dá para encaixar aí os diagnósticos de enfermagem, porque as
prescrições vão ser em cima disso, o que a gente vai perceber do nosso paciente.
[...] para a minha prática, seria interessante que houvesse uma folha de controle
de sinais vitais, porque aí você tem logo uma noção de como o paciente está
apresentando [...]. Então você tem logo uma geral que facilita o trabalho do
médico.
135
[...] aí fica o nome do paciente, o diagnóstico, com a observação clínica que é a
situação dele e qual a dieta.
[...] a admissão do paciente, com o histórico, prescrição de enfermagem,
evolução de enfermagem, diagnóstico de enfermagem.
[...] um instrumento que trabalha a prescrição e a evolução diária e também um
instrumento que o pessoal de nível médio lida, que é a anotação de tratamentos.
[...] a higiene, as condições de higiene oral, higiene corporal.
[...] as condições de se alimentar, de digerir o alimento, as condições do aparelho
digestivo.
[...] dados sobre a condição emocional do cliente, a forma como ele se apresenta,
como ele se dispõe a conversar ou não conversar, a se expressar ou se fechar, se
introverter.
[...] locomoção ou inabilidade para locomover-se, que seria imobilidade no leito,
parcial ou total.
[...] os dados completos de identificação do paciente, o quadro clínico do
paciente, a medicação do dia, os cuidados que se deve ter diretamente com
aquele paciente e as observações que porventura possam ser relacionadas com
alguma intercorrência, são os principais elementos da nossa prática.
Diante dos depoimentos apresentados pelos enfermeiros pode-se sucintamente
delinear um conjunto de elementos mínimos de informações do paciente que podem apoiar
o enfermeiro no desenvolvimento da assistência de enfermagem e no sistema de
informação computadorizado, representando todos os elementos da prática de enfermagem
exercida pelos enfermeiros, conforme ilustra a figura 5:
136
Figura 5 - Esquema do conjunto de dados necessários ao paciente, a partir da experiência dos enfermeiros da Clínica Médica do HULW
C2 � Avaliando as vantagens que o sistema de informação traz para a
enfermagem
A enfermagem é uma profissão muito dependente de informações. É preciso
acessá-las de forma apropriada para desempenhar uma grande variedade de intervenções
que envolvem o cuidado de enfermagem: as exigências administrativas e de controle, o
crescente conhecimento biomédico, a tecnologia em saúde, as modalidades terapêuticas e a
expansão do conhecimento em enfermagem que propõe um crescimento de problemas
complexos.
Diante dessa situação, os enfermeiros reconhecem que um sistema de informação
computadorizado pode fornecer as informações sobre todo o processo de cuidados do
paciente, facilitando a documentação clínica e administrativa e ajudando na sistematização
da assistência. Nesse sentido, foram colhidos os seguintes depoimentos:
Histórico
[1] Dados de identificação do paciente
[2] Queixa principal e a queixa no momento
[3] Exame clínico de enfermagem
3.1 Sinais vitais
3.2 Descrição semiótica
3.3 Observação clínica
[4] Alimentação
[5] Medicação
[6] Intercorrências
Diagnósticos de enfermagem
Padrão NANDA - definições e classificações - estrutura multiaxial da taxonomia.
Plano de intervenções ou cuidados de enfermagem
Resultados esperados ou evolução do paciente
137
[...] em nível de documentação, o computador facilita, assim como o prontuário
eletrônico.
[...] o computador é um instrumento que vai facilitar o registro.
[...] na informática as coisas se desenvolvem com mais facilidade. Temos com
mais precisão todas as informações sobre o paciente.
[...] o sistema de informação facilita a seleção de intervenções e estabelece os
diagnósticos de enfermagem.
[...] o computador é um instrumento que traz benefícios.
[...] você registra tudo que acontece com o paciente no computador. Com isso, a
gente ganha mais tempo com o paciente.
[...] com o computador você se torna prático. Eu acho que ajudaria, era uma
forma de mostrar o que a enfermagem faz.
[...] a gente tem as informações visualizadas pelos enfermeiros, auxiliares de
enfermagem e médicos. Cada categoria tem seu relatório.
[...] eu penso que, se tivéssemos um computador com todo o plano de cuidados
de enfermagem e os diagnósticos à nossa disposição, se não demandar muito o
tempo da gente, com certeza que isso ajudaria.
A documentação do processo de enfermagem é um dos componentes frágeis da
sistematização do cuidado de enfermagem desenvolvido pelos enfermeiros da Clínica
Médica do HULW. As causas principais para esse problema estão relacionadas ao número
insuficiente de pessoal de enfermagem, à grande demanda de pacientes, à falta de tempo
para registrar os cuidados fornecidos e à ausência de formulários estruturados para a coleta
de dados e uma compreensão de sistemas para processamento de dados. Todavia, essa
situação pode ser melhorada com a adoção de um eficiente sistema de documentação que
possa ser usado pelos enfermeiros que desejam ser uma parte integrante do sistema de
informação computadorizado.
D. Conseqüências do Fenômeno 1
É preciso levar em consideração as contingências do envolvimento dos
enfermeiros com o modelo de sistematização implementado na Clínica Médica. Esse
138
modelo tem sido direcionado para a melhoria da assistência ao paciente e para a interação
da equipe da enfermagem. De acordo com os depoimentos relatados pelos enfermeiros,
percebe-se que o processo da sistematização converge para uma expectativa de
desenvolvimento de um sistema de informação computadorizado em enfermagem como
uma conseqüência potencial da necessidade de estabelecer conexões entre o modelo
teórico e o conhecimento da prática clínica. A conseqüência resultante das expectativas
exteriorizadas pelos enfermeiros envolve a seguinte categoria:
D1 Querendo um sistema de informação
Um dos maiores objetivos da informática em enfermagem é implantar um sistema
de informação clínica que atenda as necessidades da enfermagem para processamento de
informações que apóiem a sua prática, inclusive as peculiaridades contingenciais e os
padrões de sistemas (LIPPEVELD; SAUERBOM; BODART 2000; SABA;
McCORMICK, 2001; PAHO, 2001).
Como se sabe, um sistema de informação consiste de um conjunto de elementos
formado por pessoas, informações, processos, hardware e software, que, trabalhando
juntos, esses elementos se complementam para desenvolver funções específicas. As
pessoas, o sistema e o processo de trabalho devem funcionar em harmonia para maximizar
os benefícios da capacidade humana e tecnológica.
Mas, para que esses benefícios aconteçam, é indispensável a participação ativa
dos enfermeiros no desenvolvimento do sistema, a fim de potencializar o crescimento e a
autodeterminação indispensáveis para o questionamento e a transformação do
conhecimento tácito em conhecimento explícito informatizado.
Portanto, é imperativa a participação dos enfermeiros assistenciais no desenho do
sistema para que possam, explicitamente, comunicar suas necessidades aos
desenvolvedores. Com isso, o sistema automatizado será capaz de satisfazer as
expectativas dos usuários finais e verdadeiramente servir para a prática clínica. Os próprios
enfermeiros reconhecem essa necessidade:
[...] a gente vê essa necessidade hoje em dia. O enfermeiro deve ter a sua posição
também, sua participação dentro da equipe de saúde.
139
[...] o que falta agora é a gente se organizar e ter essa ferramenta.
Os enfermeiros da Clínica Médica sentem essa necessidade, a qual foi
representada pela interação de duas subcategorias, segundo consta no quadro a seguir.
Códigos Subcategorias
D1.1 Sentindo necessidade de um sistema de informação computadorizado.
D1.2 Buscando um sistema de informação computadorizado que seja prático.
Quadro 6: Querendo um sistema de informação
D1.1 Sentindo necessidade de um sistema de informação computadorizado
O processo de sistematização da assistência e o gerenciamento da unidade de
Clínica Médica envolvem um grande volume de informações e dados complexos. Estes se
perdem no emaranhado de papéis e registros fragmentados, incompletos e não confiáveis
que relatam os cuidados dos pacientes e que, muitas vezes, não são lidos pelos
profissionais de enfermagem, nem pelos médicos.
Em face dessas dificuldades enfrentadas pelos enfermeiros da Clínica Médica no
desenvolvimento da sistematização da assistência de enfermagem, cresce a expectativa
quanto à necessidade de se implementar um sistema de informação computadorizado que
possa ser útil à prática do trabalho da enfermagem. O sistema deve também ser capaz de
capturar e processar dados de enfermagem e de saúde com ampla densidade, área e
detalhes, originados da prática desde o cuidado ao paciente até o apoio gerencial da
unidade. A esse respeito, são transcritos os seguintes depoimentos:
[...] a gente precisa ter um sistema informatizado de relato do nosso trabalho
junto ao paciente e eu acho até de controle administrativo das unidades.
[...] é sempre possível procurar aquelas informações que são mais significativas e
que vão ajudar a compreender melhor a situação do cliente e identificar suas
necessidades de cuidado.
[...] eu creio que o sistema de informação pode disponibilizar dados.
[...] quanto ao plano de cuidados informatizado aqui não tem, mas facilitaria
demais se tivesse porque você já faz no texto padrão.
140
[...] a gente pode lidar com as informações sem a necessidade de escrever cada
nova coisa.
Os enfermeiros têm um importante papel na assistência ao paciente e podem
influenciar positivamente na implementação de um sistema de informação
computadorizado usando as terminologias da enfermagem. Mas, para se alcançar esse
objetivo, é preciso que se façam mudanças na forma de gerenciamento, promovendo-se
treinamento e educação em serviço. Porém, tais mudanças só ocorrerão com o
envolvimento dos enfermeiros, de modo a transformar velhos paradigmas em novos
paradigmas. Convém ressaltar que isso não requer apenas a implementação da tecnologia
em si, mas também uma mudança de atitudes, valores, habilidades e relações sociais.
D1.2 Buscando um sistema de informação computadorizado que seja
prático
Os enfermeiros assumem muitos papéis e possuem um complexo conhecimento
da prática clínica. Entretanto, muitas informações deixam de ser registradas no sistema
manual, porque eles perdem muito tempo nessa tarefa e se afastam do paciente para
desenvolver tarefas tipicamente burocráticas. Por essa razão, os enfermeiros necessitam de
um sistema de informação computadorizado, construído no ambiente da prática clínica, de
fácil manuseio, simples e prático, que tenha o mínimo possível de texto livre e mais opções
só para selecionar e �clicar�. Dessa forma, reduz-se o tempo de registro e aumenta-se o
tempo de atenção direta ao paciente, conforme relatos dos enfermeiros:
[...] é uma perda de tempo que tenho, mas se eu já tivesse tudo só para clicar,
colocar um X, seria fácil nesse sentido para mim.
[...] hoje só está faltando a cabeça para botar as idéias no papel e depois na
máquina.
�[...] a nossa saída enquanto enfermeiro é investir na instituição de princípios e
realmente em sistemas mais aperfeiçoados de trabalho que dêem uma seqüência
lógica para aquilo que a gente faz�.
�[...] a gente tem que ousar e criar sistemas que realmente retratem o que a gente
faz�.
141
�[...] eu gostaria de trabalhar com um processo instável, mas relativamente
tranqüilo e sapiente�.
[...] nem tudo você pode clicar. Então você teria que anotar no computador
alguma coisa que não estivesse dentro daquele esquema do computador. Aí você
acrescentaria, mas que fosse o mínimo possível.
�[...] nós precisamos usar um sistema de informação que seja competente�.
É importante que o ambiente da prática clínica da enfermagem seja transformado
pela nova geração de informações e tecnologia, apoiando o trabalho do enfermeiro que
exige mais praticidade, em termos de decisão computadorizada e que reconhece a arte da
prática clínica no desenvolvimento de sistemas de informação. A Figura 6, a seguir, é uma
representação gráfica do Fenômeno 1.
142
Figura 6 - Modelo teórico do Fenômeno 1: Tentando articular os modelos formais com
prática de enfermagem para desenvolver sistemas de informação.
CONDIÇÕES CAUSAIS
Procurando adequar os modelos formais com a prática de enfermagem. Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem
CONTEXTO Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistemas de informação em enfermagem.
ESTRATÉGIAS
Procurando elementos da prática de enfermagem para compor um sistema de informação. Avaliando as vantagens que o sistema de informação traz para a enfermagem.
CONSEQÜÊNCIA
Querendo um sistema de informação.
143
7.1.2 Fenômeno 2
Este fenômeno procura explicar as influências que a lacuna existente entre a teoria
e a prática de enfermagem provoca no desenvolvimento de sistemas de informação, assim
como no preparo dos enfermeiros. Estes têm manifestado insatisfação e uma grande
preocupação com o bem-estar do paciente. Não há dúvida de que essa situação afeta o
desempenho da prática de enfermagem que requer uma conexão integral entre a teoria e a
prática e vice-versa, como medidas inseparáveis. A relação teoria e prática pode ser
fortalecida pelo uso de uma abordagem interpretativa e pela visão de que a realidade é
sociável.
Os discursos dos enfermeiros, relatados nas entrevistas, apontam para uma
tendência em pensar a teoria e a prática como dimensões separadas. Por outro lado,
indicam uma tendência de ver o relacionamento como sendo uma atividade ética em que a
compreensão da prática, a deliberação e o julgamento são elementos exigidos para a
condução da prática clínica. Como se sabe, o relacionamento entre teoria e prática tem
caminhos congruentes, uma vez que a prática de enfermagem está contextualizada numa
operação humana e social, ou seja, numa realidade social que é inerentemente
problemática.
Fealy (1999) enfatiza que o caminho da relação teoria e prática não pode ser
expresso explicitamente, mas está implícito nos debates, na visão de mundo dos
enfermeiros, nas suas crenças e suposições. Ressalta ainda o autor que, no estado atual das
coisas, com respeito à relação teoria e prática, há um ecletismo e pluralismo, bem como
uma abertura ampla para contribuições de diferentes paradigmas de conhecimento, com
vista ao desenvolvimento epistemológico.
A. Destacando as condições causais
As categorias �Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática� e
�Tendo dificuldades com o preparo dos enfermeiros� mostram as causas que
desencadeiam todo o fenômeno em questão. São consideradas causais, porque nascem da
preocupação dos enfermeiros ao perceberem que existe uma lacuna entre a teoria e a
Vendo a lacuna entre teoria e prática no sistema de
informação em enfermagem
144
prática, ou seja, o chamado �vácuo teoria e prática�. Essa lacuna pode dificultar não só o
desempenho clínico, como também o desenvolvimento de sistemas de informação e o
preparo dos enfermeiros.
Portanto, é natural que os enfermeiros da Clínica Médica questionem essa
situação, porque a profissão de enfermagem se caracteriza por ser humanística. Assim, o
conhecimento que ela adota inclui aqueles que permitem a auto-reflexão e o
reconhecimento das distorções sociais inerentes.
A1 - Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática
A análise do discurso dos enfermeiros permite compreender como eles vêem o
relacionamento teoria e prática. Podemos perceber que, na visão dos enfermeiros, existe
uma lacuna entre teoria e prática. Isso é importante porque retrata uma experiência coletiva
compreendida por todos. Nesse aspecto, os enfermeiros mostram que há uma fragilidade
no caminho da sistematização e do sistema de registro de informações. Estes são
problemas que precisam ser compreendidos para o desenvolvimento de suas ações
profissionais. Os depoimentos a seguir expressam bem essa situação:
[...] eu vejo como realmente existindo uma distância entre a teoria e a prática.
[...] o que o enfermeiro aprende, ele não aplica.
[...] a gente não tem conseguido acompanhar na prática o que se produz na
teoria.
[...] ainda existe um distanciamento entre a teoria e a prática.
[...] eu acho que a prática não tem sido calcada numa teoria, pelo menos nos que
praticam hoje.
[...] eu acho que existe uma lacuna na teoria em relação à prática. Eu diria em
termos de notificação, documentação.
[...] existe uma lacuna entre a teoria e a prática. A gente sente essa dificuldade
que a prática é uma coisa e a teoria é outra.
[...] a nossa prática é bem diferente da teoria.
145
Além desses depoimentos dos enfermeiros assistenciais, foram identificadas
algumas lacunas emergidas na visão do relacionamento teoria e prática em enfermagem,
especialmente, nas seguintes atividades:
! em alguns procedimentos técnicos;
! no registro de informações em enfermagem;
! na administração de medicamentos;
! na elaboração do plano de cuidados de enfermagem.
Os enfermeiros sentem esse problema e estão dispostos a discutir formas para
diminuir o impacto causado pela lacuna entre teoria e prática. Com isso, pretendem ajudar
na formulação de estratégias que eliminem ou minimizem essa lacuna. Nessa categoria,
identificamos a interação de duas subcategorias, conforme mostra o quadro abaixo:
Códigos Subcategorias
A1.1 Querendo aproximar a teoria da prática.
A1.2 Não aplicando os modelos teóricos na prática.
Quadro 7: Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática de enfermagem
A1.1 Querendo aproximar a teoria da prática
A relação entre teoria e prática em enfermagem é complexa, porque envolve a
concepção de enfermeiros assistenciais, enfermeiros gestores, pesquisadores e docentes
engajados na sistematização da assistência de enfermagem. Para os enfermeiros
assistenciais e docentes, a preocupação está focalizada no esforço para alcançar maior
integração entre teoria e prática para, a partir daí, promover práticas que melhor expressem
a base teórica e suas proposições, princípios e prescrições.
Os enfermeiros da Clínica Médica têm procurado realizar uma prática que se
aproxime da teoria. Além disso, estão preocupados em superar os problemas associados
com a lacuna provocada pela falta de relação teoria e prática, oferecendo um programa de
educação em serviço. Esse programa procura mostrar a visão acerca de fatos e formas, no
sentido de entender as condições potenciais que essa lacuna pode assumir, tentando
caracterizar a prática com uma descrição das origens e propostas da teoria.
146
Dentro desse enfoque, os enfermeiros expressaram alguns depoimentos revelando
a necessidade de aproximar a teoria da prática, podendo-se destacar os seguintes:
[...] a gente tem conseguido trabalhar nos últimos três anos, mais aproximado
com a teoria e a prática. Isso tem trazido lucro muito significativo.
[...] se lá a gente já tivesse uma prática calcada nessa teoria, com certeza, em
outros lugares em que saem nossos profissionais dessa escola, sairiam pessoas
com essa prática baseada numa teoria ou nas teorias.
[...] a teoria e a prática, eu vejo que elas precisam caminhar juntas.
[...] você estuda a teoria e vai fazer a prática. Então permite uma troca de
informações que concretiza a teoria.
[...] muita coisa interfere na relação entre teoria e prática de enfermagem, desde a
organização do hospital, as condições materiais, a quantidade de pessoal, a
motivação, o salário, tudo isso vai influenciar.
[...] há certa dificuldade de você aproximar a teoria da prática, mas persistimos.
[...] porque muitas colegas aqui sentem essa dificuldade em aproximar a teoria da
prática; pelo fato de terem terminado um curso e daí terem se distanciado dos
livros.
Os enfermeiros evidenciam em seu discurso a necessidade de integração teoria e
prática. O caminho existe e é fruto de muita reflexão dentro da enfermagem. O problema é
sentido por todos e tende a estar presente nas bases conceituais, filosóficas e
epistemológicas. Nessa perspectiva, é preciso entender que a teoria é alguma coisa que é
para ser usada dentro da prática e que a prática é potencialmente útil para completar a
teoria. Estas concepções são extraídas do pensamento positivista. Teoria e prática não são
exclusivas, nem realidades únicas, ao contrário, são inseparáveis.
A1.2 Não aplicando os modelos teóricos na prática
Os modelos teóricos aqui abordados dizem respeito a alguns modelos de sistemas
de classificação que estão sendo desenvolvidos na Europa, pelos países membros da União
Européia, e nos Estados Unidos, onde são reconhecidos pela Associação Americana de
Enfermagem (ANA).
147
Esses sistemas de classificação utilizam algumas fases do processo de
enfermagem, a saber: diagnóstico, plano de intervenções e avaliação. Esses elementos que
compõem o modelo formal podem fazer parte integrante do registro computadorizado em
saúde (BAKKEN et al., 2000; BEYA, 2000). Todavia, existem esquemas de classificação
que não envolvem todos os aspectos do processo de enfermagem, mas apenas alguns, por
exemplo: diagnósticos, resultados e intervenções.
Na Clínica Médica do Hospital Universitário, os enfermeiros não utilizam na
prática de enfermagem nenhum dos modelos teóricos existentes, tais como: o Sistema de
Classificação Omaha (SCO), a Classificação das Intervenções de Enfermagem de Iowa
(NIC), a Classificação dos Cuidados Domiciliares de Saúde (HHCC) e a Classificação dos
Resultados do Paciente (NOC). Apesar de saberem que a adoção de sistemas de
classificação pode melhorar o conhecimento formalizado da enfermagem, os enfermeiros
encontram barreiras que vão desde as questões educacionais até as operacionais. Tais
barreiras impedem a aplicação desses modelos na prática clínica, conforme os relatos
abaixo:
[...] muita coisa como os diagnósticos de enfermagem e sistemas de classificação
nós não temos. Esses formulários não são utilizados por nós aqui na clínica.
[...] eu percebo que os modelos formais não são aplicados na prática, de jeito
nenhum.
[...] os modelos formais não são aplicados na prática diária aqui.
[...] o diagnóstico de enfermagem não é colocado na prática.
[...] eu, particularmente, não consigo ainda unir as duas coisas, assim, usar um
dos modelos formais na prática.
[...] a gente não aplica os modelos formais na prática. Não é bem isso que o
enfermeiro aplica, devido ao tempo.
A ausência de um modelo de classificação para a prática de enfermagem traz
algumas conseqüências para o exercício eficiente da enfermagem. Isso atinge não somente
a assistência, mas, especialmente, o gerenciamento do serviço e o registro de enfermagem.
Falta um sistema de informação computadorizado que disponha de um vocabulário
148
padronizado, taxonomia e esquema de classificação e que represente os elementos da
prática de enfermagem em diferentes situações.
A2 - Tendo dificuldades com o preparo dos enfermeiros
Os enfermeiros, por trabalharem em um hospital de ensino, defrontam-se com um
eterno conflito: a realidade versus o ideal, ou seja, a enfermagem como deve ser versus a
enfermagem como é. A lacuna entre teoria e prática tem influenciado diretamente no
preparo dos profissionais de enfermagem, em particular, dos enfermeiros. Na opinião de
Rolfe (1996), essa lacuna não existe como resultado da falha dos enfermeiros assistenciais
para ler e implementar os estudos realizados. O problema é que a maioria dos estudos em
enfermagem é executada dentro de uma estrutura teórica inadequada para a prática de
enfermagem atual.
Na realidade, o modelo acadêmico que prevalece no preparo dos enfermeiros é o
técnico-racional, que descreve uma perspectiva científica da enfermagem como um
conhecimento hierárquico, teórico e de status acadêmico. Por isso não tem preocupações
com os problemas existentes no ensino da enfermagem clínica e assistencial, nem busca
soluções para eliminar a lacuna entre teoria e prática. Por outro lado, somente através de
uma abordagem crítica é que se pode dimensionar a ciência aplicada, o conhecimento e a
prática de enfermagem, que são essenciais no preparo dos enfermeiros. A visão dos
enfermeiros, quanto ao preparo dos profissionais de enfermagem, está explicitada nos
seguintes relatos:
[...] a gente precisa trabalhar o preparo dos enfermeiros.
[...] a gente vê a fragilidade, a dificuldade e como a gente precisa investir para
que aquele profissional chegue aonde a gente considera que é a otimização do
trabalho dele.
[...] é necessário que haja orientação, partindo dos auxiliares de enfermagem, da
participação deles para execução, porque não é só enfermeiro que faz.
[...] há necessidade de muito estímulo, de você estar sempre injetando ânimo nas
pessoas, de ver a necessidade de estudar, mas estudar diariamente, de você ficar
sempre buscando.
149
A importância do preparo dos enfermeiros, desde a sua formação acadêmica, não
pode ser negada, em relação à sistematização da assistência e ao desejo de valorização
profissional. Dessa forma, a educação continuada, como estratégia de ensino pós-
formação, permite ao enfermeiro uma melhor posição para reivindicar maiores recursos.
Nessa direção, a enfermagem precisa redefinir a perspectiva coletiva e filosófica para
questionar a eficiência qualitativa do paradigma tradicional que tem não só impedido a
compreensão da teoria, como também limitado a prática de enfermagem.
B. Destacando o contexto
As categorias indicativas de contexto do Fenômeno 2 são: �Vendo a relação entre
enfermeiro e paciente� e �Vivenciando a prática de enfermagem�. Essas categorias
destacam o contexto em que a lacuna teoria e prática se insere, influenciando no
desempenho e no desenvolvimento de sistemas de informação.
B1 - Vendo a relação entre enfermeiro e paciente
Essa categoria está orientada para uma visão da enfermagem holística(∗ ). Refere-se
à prática de enfermagem em que os enfermeiros desempenham pessoalmente ações que
proporcionem benefícios, mantenham a vida, a saúde e o bem-estar do paciente.
Na relação entre enfermeiro e paciente, é imprescindível respeitar a dignidade do
paciente, aceitando-o, tratando-o em suas necessidades básicas e específicas, dando-lhe
total garantia de esforço para encontrar a solução dos problemas e procedendo aos
cuidados de enfermagem. Nessa relação, o enfermeiro deve proporcionar ao paciente
conforto e segurança. O paciente é prioridade para o enfermeiro. Essa preocupação está
presente nos seguintes depoimentos:
[...] o enfermeiro pára pouco junto ao paciente.
[...] hoje, os enfermeiros estão querendo ser mais enfermeiros de birô mesmo, só
ficar ali escrevendo.
∗ Teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível, e que não pode ser explicado pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente.
150
[...] cada vez mais que se está propalando um sistema de informação
computadorizado, eu vejo que está ficando ainda mais distante o enfermeiro da
assistência de enfermagem, porque ele fica ligado naquilo, naquele computador.
[...] a enfermagem anda muito solta. O enfermeiro chega, abre o relatório, abre o
horário da medicação, mas não vai junto ao paciente.
[...] é como se não existisse uma relação direta entre a pessoa que é cuidada e o
profissional enfermeiro.
[...] não existe uma relação direta enfermeiro-cliente.
Com esses dados, pretendemos chamar a atenção para um aspecto considerado
muito importante: os enfermeiros da Clínica Médica percebem que existe uma distância
entre o enfermeiro e o paciente. Eles reconhecem que há falta de uma relação mais direta
de cuidados entre enfermeiros e pacientes. Esse é o grande dilema que os enfermeiros estão
vivenciando, por abrirem mão do que lhes compete e daquilo que é específico de sua
formação - assistir diretamente o paciente em suas necessidades - para preencherem outros
espaços e desempenharem papéis e atribuições que os afastam da sua missão de cuidador.
É preciso registrar que os enfermeiros da Clínica Médica, em sua maioria, estão
conscientes de que a sistematização do cuidado, a individualidade do paciente, o
gerenciamento da assistência e a supervisão são metas desejáveis, porém eles têm sentido
dificuldades em alcançá-las. Todavia, a qualidade da assistência não depende apenas da
execução de ações e técnicas bem planejadas, mas também de um sentimento de empatia.
A atitude e atuação dos enfermeiros em relação ao paciente são fundamentais para que ele
possa superar a situação em que se encontra. Essa categoria apresentou duas interações,
conforme demonstra o quadro 8:
Códigos Subcategorias
B1.1 Tentando trabalhar junto ao paciente.
B1.2 Trabalhando a humanização.
Quadro 8: Vendo a relação entre enfermeiro e paciente
151
B1.1 Tentando trabalhar junto ao paciente
A maior parte dos enfermeiros da Clínica Médica tem a percepção da necessidade
de trabalhar junto ao paciente, de sistematizar o cuidado, de utilizar métodos e práticas que
melhorem a qualidade da assistência de enfermagem. Todavia, constatamos que inúmeros
fatores operacionais têm dificultado o relacionamento enfermeiro-paciente.
Embora os enfermeiros tentem trabalhar junto ao paciente para a
operacionalização da sistematização da assistência de enfermagem, há muitas barreiras
para serem vencidas e que interferem no cuidado de enfermagem personalizado, contínuo e
integral. Os enfermeiros da Clínica Médica estão preocupados com essa situação,
conforme expressam em seus relatos:
[...] o enfermeiro tem que trabalhar junto com o doente, nada isoladamente. Eu
acho que tem que caminhar juntos.
[...] quem está mais junto do paciente é a enfermagem, sem sombra de dúvidas.
[...] a enfermagem é quem fica vinte e quatro horas com o paciente.
[...] eu queria escrever o mínimo possível e dar mais assistência ao paciente, eu
queria trabalhar mais junto do paciente.
[...] a gente vê as reações do paciente, até mesmo a sua evolução, melhor do que
os médicos que fazem uma visita diária.
[...] a enfermagem está muito ligada à assistência.
[...] na prática o que eu gosto é de ser assistencial, eu gosto de assistir o paciente
da hora que chego até o final.
Os enfermeiros apontam a necessidade de se trabalhar junto aos pacientes, em
função dos aspectos da sistematização da assistência, individualizando-a e identificando as
necessidades afetadas e os problemas apresentados pelos pacientes. Apesar das
dificuldades operacionais, o trabalho sistematizado pode aproximar o enfermeiro do
paciente e contribuir para o desenvolvimento integral do aluno e o aprimoramento do
conhecimento dos enfermeiros.
152
B1.2 Trabalhando a humanização
A humanização envolve uma política administrativa integrada e permanentemente
centrada na assistência personalizada ao paciente, com a participação de toda a equipe de
saúde. Deve ser vista como uma prática efetiva dos princípios da qualidade, em que se
procura superar as expectativas e necessidades dos pacientes.
A qualidade na perspectiva humanística do hospital é tão importante quanto o
tratamento que se oferece ao paciente. Nesse sentido, o pessoal de enfermagem deve estar
consciente de que o seu serviço existe em função das pessoas (clientes ou pacientes). Os
antigos princípios da enfermagem, como generosidade e humanidade, devem ser
resgatados, por exemplo: o enfermeiro pode executar atividades simples, como escrever
uma carta para o paciente, servir as refeições, confortar, animar e assim por diante.
Os enfermeiros têm uma grande responsabilidade com o paciente. Pode-se até
afirmar que são os profissionais mais envolvidos e comprometidos com o cuidado ao
paciente. Daí a necessidade de desenvolverem atitudes que favoreçam a humanização do
atendimento de enfermagem, a qual deve começar desde a recepção até a unidade de
internação. Os depoimentos a seguir enfatizam essa preocupação:
[...] a partir do momento em que o enfermeiro trabalha a humanização, ele
consegue priorizar e melhorar. Sem isso, não consegue.
[...] eu gosto muito de conversar com o paciente. Eu seguro na mão do paciente,
pergunto como ele está e aí ele começa a dizer as coisas, debulhar porque, às
vezes, ele tem uma ansiedade, saudade de casa, da família, às vezes, é um
problema que está incomodando. Se você começa a conversar e escutá-lo, ele já
se sente aliviado.
[...] o enfermeiro tem que ouvir as pessoas, para daí poder ajudar.
[...] o paciente está dependendo de uma maior interação com o enfermeiro,
realmente, com o enfermeiro.
Trabalhar a qualidade significa proporcionar satisfação ao cliente, seja ele interno
ou externo, através da busca contínua do conhecimento e do aperfeiçoamento
disponibilizado pela tecnologia. Todavia, qualidade na área de saúde tem uma conotação
153
diferente que vai além da mera satisfação do cliente, ou seja, significa o ato de cuidar do
paciente holisticamente.
Os enfermeiros são responsáveis, direta ou indiretamente, por oferecer ao paciente
uma assistência com dignidade e humanidade e que lhe garanta o direito à saúde e à vida.
Neste aspecto, a equipe de enfermagem tem o compromisso de implementar ações para
uma assistência de qualidade, a fim de conduzir a saúde de forma integrada, numa visão
holística do homem.
B2 - Vivenciando a prática de enfermagem
Nessa categoria, os enfermeiros tentaram descrever a prática de enfermagem
desenvolvida na Clínica Médica. A percepção dos enfermeiros de que a enfermagem se
caracteriza como assistencial está pautada num antigo paradigma funcionalista que traz de
maneira contundente o seu lado negativo, quando atribui grande ênfase ao ato de cuidar do
paciente como se fosse um ritual de ações, com inúmeros procedimentos executados,
tarefeiros e mecanicista. Nesse modelo, o que importava era somente o volume de trabalho
realizado, geralmente fragmentado, em que o auxiliar de enfermagem era responsável pela
parte de tarefas (medicação, controle de sinais vitais, diurese, etc.) e os enfermeiros pela
parte administrativa.
Mesmo sendo uma conseqüência da enfermagem praticada no passado, a
enfermagem atual tem se caracterizado por interferir no processo de reavaliação de
prioridades assistenciais, buscando sempre a excelência da prática profissional, conforme
indicam os relatos dos enfermeiros:
[...] na prática, a enfermagem do Brasil, hoje, se caracteriza como serviço
assistencial, onde se presta a assistência prática que pode estar ou não vinculada
às questões teóricas produzidas acerca da enfermagem.
[...] a prática é corre-corre, tem assistência ao paciente. Muitas vezes, a gente
quer fazer mais por ele, mas não tem condição porque são vários pacientes.
[...] é preciso avaliar até que ponto o enfermeiro não deve ser um mero executor
de medidas médicas.
154
[...] a gente precisa trabalhar mais as questões gerais de como se definem, dentro
dos conselhos e dentro das associações, a prática de enfermagem.
Observamos, pelos relatos dos enfermeiros, que há necessidade de pautar a prática
de enfermagem por novos paradigmas e abrir mão, por exemplo, da liderança em troca da
delegação, disseminando a tomada de decisão entre os enfermeiros. Como resultado, é
possível agilizar processos, priorizando as etapas mais importantes, fazendo uso da
tecnologia da informação para a otimização dos resultados e automatizando atividades de
rotina (MARX; MORITA, 2000).
A prática de enfermagem, neste novo século, deve refletir uma visão holística,
oposta ao modelo tradicional. Nesse aspecto, deve buscar a satisfação do paciente através
da sistematização integral da assistência de enfermagem e estimular a auto-realização
profissional, valorizando os aspectos éticos, sociais e organizacionais.
C. Desenvolvendo estratégias de ação
Os problemas decorrentes da lacuna entre teoria e prática e as dificuldades no
preparo dos enfermeiros, inseridos no contexto da relação enfermeiro-paciente que
caracteriza a prática de enfermagem, foram revelados pelos enfermeiros da Clínica
Médica, propiciando as seguintes estratégias de ação:
• C1 - Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem.
• C2 - Avaliando as dificuldades com o sistema de registro manual.
• C3 - Procurando minimizar as restrições ao sistema de informação
computadorizado.
C1 - Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem
A prática de enfermagem do HULW, particularmente, da Clínica Médica
apresenta muitas dificuldades que têm preocupado os enfermeiros por causa do
comprometimento com a qualidade da assistência prestada ao paciente, e ainda com a
satisfação profissional. Os enfermeiros externaram suas inquietações, através dos seguintes
depoimentos:
155
[...] a gente vê uma insatisfação muito grande por parte dos enfermeiros e
auxiliares de enfermagem, insatisfação no trabalho.
[...] a gente tem dificuldade, mas estamos lutando para buscar mais
conhecimento.
[...] e há ainda essa dificuldade, porque tem muitas enfermeiras que dizem: o que
sei é o suficiente.
[...] algumas enfermeiras não correm atrás da evolução propriamente dita das
coisas. Então, ainda existe essa dificuldade.
[...] você trabalha de manhã, é uma rotina, à tarde é outra e à noite é outra
completamente diferente.
[...] às vezes, você fica temeroso de tomar decisão, de fazer uma tomada de
posição.
[...] a enfermagem não tem muito valor, porque os próprios profissionais não
conquistam.
A partir dos relatos acima, alguns aspectos merecem ser destacados como
dificuldades percebidas pelos enfermeiros:
• a insatisfação no trabalho do pessoal de enfermagem;
• o comodismo de alguns enfermeiros;
• a variedade de rotinas;
• o receio em tomar decisões;
• a falta de valorização da enfermagem.
Para os enfermeiros, essas dificuldades transcendem a capacidade de atuação,
embora estejam dispostos a lutar para superá-las. No entanto, outras dificuldades foram
detectadas e categorizadas em três interações, conforme ilustra o quadro 9:
156
Códigos Subcategorias
C1.1 Sentindo dificuldade em supervisionar.
C1.2 Tendo dificuldades na execução da prática de enfermagem.
C1.3 Percebendo a existência de déficit do pessoal de enfermagem.
Quadro 9: Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem
C1.1 Sentindo dificuldade em supervisionar
Os enfermeiros têm se deparado com ausência de supervisão para acompanhar o
desenvolvimento das atividades assistenciais de enfermagem. Essa carência é resultante da
falta de enfermeiros efetivamente preparados para o exercício dessa função. Cabe ao
enfermeiro supervisor direcionar os interesses e valores, de tal forma que haja uma forte
afinidade entre os objetivos individuais e organizacionais.
O fato de a equipe de enfermagem trabalhar de forma dividida, fragmentada, faz
com que os responsáveis pela assistência aos pacientes precisem ser acompanhados,
orientados e supervisionados. Essa medida é necessária, para que possam ser detectados
possíveis problemas inerentes à contingência da prática de enfermagem e promovidas as
correções, através de medidas educativas e treinamento em serviço. A respeito dessa
situação, os enfermeiros apresentaram os seguintes relatos:
[...] a coisa mais difícil no nosso trabalho é supervisionar os outros, porque
aquilo que a gente executa pode garantir e o que a gente não executa, a gente é
co-responsável sem, nem sempre, poder estar vendo.
[...] os enfermeiros e auxiliares de enfermagem estão acostumados a atuar
rotineiramente, sem uma supervisão direta. Fazem aquilo que é rotina fazer e não
aquele cuidado que é geral.
[...] a gente tem que estar sempre cobrando, cheque isso, cheque isso aqui.
Alguém faz, outro não faz, às vezes o plantão está muito tumultuado e não dá
para fazer.
[...] falta um compromisso maior, um assumir mais a situação, um dedicar-se
mais, falta supervisão.
[...] não existe uma supervisão, é onde eu falo que é importante a supervisão.
157
[...] se não existir ninguém cobrando, supervisionando, com certeza, nada vai ser
feito.
Como se observa, os enfermeiros buscam na supervisão uma forma de motivar
seu desempenho profissional com a criação de um ambiente organizacional adequado à
liderança. Isso quer dizer que o enfermeiro supervisor deve exercer sua autoridade e
influência, para criar um ambiente de satisfação no trabalho do pessoal de enfermagem, de
modo que os profissionais se sintam razoavelmente seguros e motivados. Além disso, para
ser eficiente, a supervisão deve desenvolver a competência do pessoal, proporcionando-lhe
treinamento contínuo e experiência.
C1.2 Tendo dificuldades na execução da prática de enfermagem
No exercício da prática de enfermagem, os enfermeiros enfrentam dificuldades de
caráter operacional, que prejudicam o desempenho da sistematização da assistência. Os
enfermeiros assumem muitos papéis e carregam uma complexidade de informações que
comprometem o andamento do trabalho assistencial e gerencial. De acordo com o relato
dos enfermeiros, as principais dificuldades são as seguintes:
• assumem múltiplos papéis e atribuições;
• apresentam sobrecarga de trabalho;
• são mal remunerados;
• trabalham de forma não programada;
• têm pouco conhecimento em sistema e tecnologia da informação;
• não recebem orientações dos superiores.
Ressaltamos ainda que, devido a esses problemas, os enfermeiros não vêem
possibilidades de mudanças organizacionais em todo o contexto já exposto, conforme
declaram:
[...] eu acho que essas questões a gente resolve no dia-a-dia, porque, na
realidade, nós somos assistenciais, nós somos médicos de plantão, nós somos
administradores do hospital, nós somos supervisores de limpeza, nós somos a
nutricionista, a copeira em muitas horas, nós somos farmacêutico e, na realidade,
isso só nos traz prejuízo para nossa prática essencial.
158
[...] há sobrecarga de trabalho para a equipe de enfermagem.
[...] nem todos os enfermeiros estão interessados em mudanças; uns se
interessam, outros não.
[...] a nossa remuneração é muito baixa.
[...] o trabalho da enfermagem é um trabalho assistencial. Ele nem sempre é
programado pela gente.
[...] a gente sabe que há uma quantidade pequena de resistentes e de pessoas que
ainda não usam a informática na prática de enfermagem.
[...] tem plantões que a gente acumula funções que não são nossas, mas que a
gente tem que resolver pelo bem do paciente e isso atrapalha.
[...] teríamos que ter um chefe que chegue para você e que lhe cobre sim. Aí o
doente, vamos ver onde ele melhorou ou onde não melhorou. Isso é que tem de
haver na enfermagem.
C1.3 Percebendo a existência de déficit do pessoal de enfermagem
Os enfermeiros se defrontam com uma dura realidade: o déficit de pessoal de
enfermagem. A falta de uma política de recursos humanos tem comprometido o
quantitativo de pessoal de enfermagem, agravado pelas aposentadorias, absenteísmos e
remanejamentos ocorridos na Clínica Médica do HULW. A ausência de uma política de
pessoal apropriada é percebida pelos enfermeiros como uma grande dificuldade para o
exercício da sistematização da assistência, conforme esses depoimentos:
[...] nós, como seres humanos, temos o nosso contexto, as nossas complexidades
e existe déficit de pessoal.
[...] para a gente fazer uma enfermagem de qualidade científica, nós, com
certeza, precisamos de mais enfermeiros e auxiliares de enfermagem.
[...] nós temos o problema de que pouquíssimos enfermeiros estarem na área
gerencial, como um todo, nas instituições hospitalares e ambulatoriais de saúde
no Brasil.
159
[...] eu acho que a gente não tem muito tempo porque a gente é tudo, é
enfermeira, é secretária, enfim, é tudo.
[...] eu noto que nós quase não temos enfermeiro assistencial. São pouquíssimos
os enfermeiros assistenciais. O enfermeiro assistencial está sendo extinto
totalmente. É o que eu sinto no meu ambiente de trabalho.
As falhas em suprir as necessidades de pessoal resultam em problemas de
alocação. Os sinais e sintomas de má alocação podem ser verificados no quantitativo de
pessoal, nas inúmeras atribuições e responsabilidades e nos gastos excessivos ou
insuficientes de pessoal, equipamento e manutenção. Dependendo da localização e da
causa do problema, as intervenções devem ser planejadas.
C2 - Avaliando as dificuldades com o sistema de registro manual
Esta categoria representa mais uma dificuldade enfrentada pelos enfermeiros
comprometendo a prática de enfermagem e o sistema de registro manual vigente. Através
de seus relatos, os enfermeiros apontam as falhas no mecanismo de armazenamento de
dados. Apesar da tentativa em desenvolver a sistematização da assistência, os registros não
sofreram qualquer mudança que viesse a agilizar a recuperação dos dados, organizá-los e
disponibilizá-los para o livre acesso dos profissionais de saúde.
O sistema de registro manual da Clínica Médica permaneceu inalterado com os
velhos problemas (registro não estruturado metodologicamente). Em face das falhas no
registro manual, os enfermeiros anseiam por uma mudança que torne o registro de
enfermagem mais organizado, claro, objetivo e de fácil recuperação. Nos relatos a seguir,
os enfermeiros expressam suas opiniões em relação ao registro manual:
[...] eu acho que a gente teria hoje que partir para registrar as nossas ações, o
essencial de nossas ações pelo menos e poder avaliar as nossas ações.
[...] a questão essencial para a enfermagem hoje seria registrar a nossa atividade
junto ao paciente.
[...] eu acho que é aí onde está o fruto do nosso trabalho, é no registro. E muitas
vezes a gente se perde nisso.
160
[...] eu registro tudo que eu faço com o meu paciente, mas não é o que eu sinto
com todos os enfermeiros. Eles deixam lacunas demais para preencher no
registro.
[...] registramos no livro de ocorrência da clínica tudo que acontece de
anormalidade com aquele paciente, qualquer intercorrência que tiver. O que a
gente observar, a gente registra no livro e na própria evolução do paciente para
que seja visto pelo médico e pelos próprios enfermeiros que estão recebendo o
plantão.
[...] a gente está discutindo a falta de informação. O não registro é uma falha que
a gente tem.
[...] os outros profissionais não lêem o que a enfermagem escreve nos registros.
Não é visto, nem pelos próprios profissionais de enfermagem, nem pelos
médicos.
[...] a gente encaminha dados de pacientes que se confundem com o que o
serviço social encaminha.
[...] a gente tem dificuldade de separar o que a gente vai registrar e o que não vai.
[...] a gente tem muita dificuldade com as letras dos médicos.
[...] nem sempre a gente consegue registrar todas as informações que colhemos
do paciente, principalmente, quando a gente está sozinho no plantão.
[...] para você reunir, assistir e registrar é muito difícil. Ou você assiste muito
bem ou você aplica sua teoria muito bem.
[...] a enfermagem atua muito e registra pouco.
[...] a gente teria por obrigação de escrever lá no prontuário, como está a
evolução do paciente e as ocorrências, mas nem sempre dá tempo.
[...] eu acho que, para tornar a prática de enfermagem mais visível e facilitar o
registro no sistema de informação, é preciso boa vontade. Aí é o principal, ter
boa vontade.
[...] juntando aqueles papéis não serve de nada, porque não há ali uma
informação que seja sistematizada, que tenha alguma importância.
161
[...] o que a gente precisa realmente é primar mais pelos registros, documentar e
também aprofundar mais essas questões.
As dificuldades apresentadas nesses relatos podem ser assim resumidas:
% falta um conjunto de dados mínimos em enfermagem para que se possa
registrar o essencial das ações de enfermagem;
% há perdas de informações com o registro manual;
% existem lacunas no registro das informações;
% os profissionais não lêem o que a enfermagem registra;
% há diversidade de instrumentos de registro que subutiliza o prontuário;
% ilegibilidade dos escritos médicos;
% deficiência de pessoal acarretando falta de tempo para o registro;
% excesso de papéis no prontuário;
% a enfermagem atua muito e registra pouco.
Não obstante as dificuldades apontadas pelos enfermeiros da clínica médica, eles
reconhecem a importância do registro para a prática de enfermagem. Sentem necessidade
de um sistema de informação que contemple todos os elementos necessários à prestação de
cuidados de enfermagem em qualquer que seja a unidade de internação.
Como se pode observar, as dificuldades provocadas pelo sistema manual de
registro exigem mudanças de atitude dos enfermeiros, a partir da consciência de que o
registro é importante. É preciso implantar um sistema mais moderno, que apresente
flexibilidade e conectividade, que melhore o desempenho, ofereça segurança e proteção
aos dados. É preciso criar-se uma interface que motive o pessoal de enfermagem a usar o
sistema com facilidade, integrando o aspecto técnico com o sócio-organizacional.
C3 - Procurando minimizar as restrições ao sistema de informação
computadorizado
Esta categoria gera, para os enfermeiros, a percepção de que seus conhecimentos
em tecnologia e sistemas de informação são superficiais e não lhes dão segurança para o
desenvolvimento do registro eletrônico em enfermagem inerente à sua função. Mediante
essa percepção, os enfermeiros sentem a necessidade de adquirir conhecimentos que lhes
162
proporcionem o entendimento das necessidades de informação em enfermagem para usar a
tecnologia adequada, especialmente, a habilidade para comunicar esse conhecimento para
outros, através do uso de um sistema de informação computadorizado. É o que deixam
transparecer em seus depoimentos:
[...] mesmo que essas informações se encontrassem no computador, eu acho que
não ajudaria. Apesar de ser mais trabalhoso a gente prescrever manualmente, eu
ainda acho que o computador não iria ajudar muito nisso não, porque ia ser o
mais restrito possível.
[...] muitas enfermeiras não sabem ainda lidar com o computador, por isso é
muito difícil para a gente dizer que utiliza o computador.
[...] a gente tem um computador na unidade, mas a gente não usa muito ele,
porque ele só foi colocado aqui para a gente admitir e dar alta ao paciente.
[...] eu sei que é difícil encontrar todas as informações no computador, por causa
da complexidade da enfermagem, mas existem coisas que você tem que registrar.
Outro fator que causa restrição ao uso do computador pelos enfermeiros,
conforme seus relatos, é o distanciamento do paciente, em virtude do tempo gasto na frente
do computador para digitar informações. Obviamente, tem-se claro que os enfermeiros não
conhecem as ferramentas tecnológicas (códigos de barra na identificação do paciente,
medicamentos e exames, computadores de mão, coletores de dados sem fios para consultar
prontuários e registrar procedimentos e resultados, mesmo à beira do leito do paciente).
Essas e outras ferramentas podem agilizar a coleta de dados, fazendo com que o
enfermeiro não perca tempo digitando no computador, visto que esse trabalho pode ser
feito por um digitador. Essa problemática pode ser percebida nos seguintes depoimentos:
[...] eu acho que o computador pode prender um pouco o profissional a ele.
[...] eu vejo uma dificuldade, o enfermeiro ficar só ligado no computador.
[...] eu acho que eu perco tempo digitando no computador.
[...] a gente vê o enfermeiro escravizado no computador e às vezes até o paciente
está precisando de atenção e assistência e o enfermeiro não tem esse tempo.
163
A educação permanente e um programa de treinamento em serviço podem
fornecer a motivação para o pessoal de enfermagem responder com atitudes positivas o
modo de registro de dados por computador.
D. Conseqüências do Fenômeno 2
Como conseqüência da percepção dos enfermeiros de que existe uma lacuna entre
a teoria e a prática de enfermagem, as condições causais e o contexto em que se inserem,
bem como as estratégias estabelecidas resultaram na categoria �Entendendo o sistema de
informação como um caminho para a valorização e o crescimento da enfermagem�.
Os enfermeiros gostariam de ser valorizados como profissionais e acreditam que
terão o reconhecimento do seu trabalho pelos médicos, funcionários, colegas e pela
sociedade. Tal sentimento tem aflorado nos enfermeiros, mesmo diante de situações
adversas da prática de enfermagem. Eles querem contribuir com seus conhecimentos para
ajudar o paciente a recuperar a qualidade de vida.
Com esse propósito, os enfermeiros caminham em direção aos seus objetivos,
olhando constantemente para si mesmos e avaliando se estão aptos a alcançá-los. Esse
sentimento é vivenciado pelos enfermeiros, ao reconhecerem que, apesar das dificuldades,
a enfermagem tem valor, conforme expressam nos relatos:
[...] a gente devia dizer o quanto a gente vale, se a gente documentasse tudo isso
que a gente faz.
[...] a gente não diz o quanto a gente vale. Então se agrava mais ainda a
necessidade de saber o que a gente está produzindo.
[...] eu estou querendo alguma coisa, eu estou querendo melhorar, querendo
crescer, querendo oferecer o melhor para o paciente.
[...] eu acho que a enfermagem tem jeito. Mas, é um trabalho árduo e bem longo,
é um trabalho longo, muito longo mesmo.
[...] a enfermagem tem bons profissionais, tem pessoas qualificadas, tem pessoas
que estudam, o dia-a-dia está nos ensinando.
164
[...] o que você coloca na sua escrita, é daí que vem a valorização do nosso
trabalho. As pessoas podem ver que, realmente, a enfermeira detecta problemas e
que ela também tem suas intervenções.
[...] a gente tem uma riqueza, tem uma riqueza muito grande, porque a gente está
ali, direto com o paciente.
[...] a melhor assistência vai ser de acordo com a nossa capacidade de
aperfeiçoamento, vontade e coesão do grupo.
Outro aspecto que merece ser destacado é que os enfermeiros, ao mesmo tempo
em que desejam ser valorizados, também vêem a necessidade de crescimento no meio
científico e no ambiente de trabalho. Estão atentos à expansão do conhecimento e à
aplicação de novas tecnologias que têm aberto espaços para o surgimento de especialidades
em enfermagem. A partir da percepção de que a enfermagem está em constante mudança e
crescimento, os enfermeiros sentem-se mais estimulados a continuar no caminho
escolhido, conforme relatam:
[...] a enfermagem tem gradativamente crescido na consciência crítica do
profissional, na fundamentação científica.
[...] a enfermagem hoje tem uma posição diferente, de realmente estudar, de
questionar com os outros profissionais e isso está trazendo um crescimento muito
grande.
[...] a enfermagem vem crescendo nesses últimos tempos, devido ao
conhecimento.
[...] eu quero que a enfermagem cresça mais, enquanto profissão.
A categoria �Entendendo o sistema de informação como um caminho para a
valorização e o crescimento da enfermagem� representa o alvo desejável dos enfermeiros
na superação de diversos obstáculos estruturais e humanos. Esses obstáculos se originam a
partir da lacuna entre teoria e prática e do preparo dos enfermeiros, até o contexto do
ambiente organizacional com a dificuldade em desenvolver sistemas de informação em
enfermagem. A Figura 7 é uma representação gráfica do Fenômeno 2.
165
Figura 7 - Modelo teórico do fenômeno 2: Vendo a lacuna entre teoria e
prática no sistema de informação em enfermagem.
Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática. Tendo dificuldades com o preparo dos enfermeiros.
Vendo a relação entre enfermeiro e paciente. Vivenciando a prática de enfermagem.
CONDIÇÕES CAUSAIS CONTEXTO
ESTRATÉGIAS
Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem. Avaliando as dificuldades com o sistema de registro manual. Procurando minimizar as restrições ao sistema de informação computadorizado.
CONSEQÜÊNCIA
Entendendo o sistema de informação como um caminho para a valorização e o crescimento da enfermagem.
FENÔMENO 2
166
7.2 Inter-relacionando os fenômenos e descobrindo a categoria central
Através da inter-relação dos dois fenômenos obtidos neste estudo �Tentando
articular os modelos teóricos com a prática de enfermagem para desenvolver sistemas de
informação� e �Vendo a lacuna entre teoria e prática no sistema de informação em
enfermagem�, procuramos integrar as categorias em termos de contexto, condições
causais, estratégias e conseqüências, para descobrir a categoria central que reúna todas as
outras.
Os dois fenômenos e seus respectivos componentes, de acordo com o modelo de
paradigma de Strauss; Corbin (1998), foram reunidos e analisados teoricamente. A análise
estabelecida a partir dessa correlação não foi um processo rápido e fácil. Pelo contrário,
exigiu muita reflexão, que tomou por base a compreensão da experiência dos enfermeiros,
suas ligações e relações mútuas, a fim de se chegar à identificação da categoria central, que
é o cerne deste processo de integração. Como estratégia para apresentar um modelo teórico
que melhor expresse o entendimento do fenômeno investigado foi elaborado um diagrama,
ilustrado na Figura 8, apresentada adiante, o qual passamos a descrever.
A categoria central que reúne as outras categorias é representada pelo processo
�Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de informação em
enfermagem�. Esse processo apresenta duas dimensões: a formal ou explícita e a informal
ou tácita. A dimensão explícita é caracterizada pela formalização do conhecimento em
enfermagem (conteúdo e raciocínio) e está diretamente relacionada às causas geradoras do
fenômeno tal qual se apresenta para os enfermeiros. É aqui denominada de situação. A
situação real, específica, é o contexto em que as ações e interações sociais estão ocorrendo.
Já a dimensão tácita representa o conhecimento capturado da prática, ou seja, a informação
informal que permeia a prática clínica da enfermagem. Está apresentada na Figura 8 como
sendo as estratégias de ação e as conseqüências para o fenômeno investigado.
A condição causal está representada pelas categorias �Procurando adequar os
modelos teóricos com a prática de enfermagem�; �Buscando utilizar os diagnósticos de
enfermagem�; �Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática� e �Tendo
dificuldades com o preparo dos enfermeiros�. Os enfermeiros demonstraram interesse em
167
conhecer os modelos teóricos e procuram, na medida do possível, articulá-los com a sua
prática. Para isso, utilizam o modelo teórico da NANDA com seus diagnósticos.
No entanto, inúmeras barreiras têm obstaculizado essa prática e, assim, emerge o
sentimento de que existe uma lacuna entre a teoria e a prática que compromete o preparo
dos enfermeiros e o processo de trabalho (prática clínica). Esse contexto está representado
pelas categorias �Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistema de
informação em enfermagem�; �Vendo a relação entre enfermeiro e paciente� e
�Vivenciando a prática de enfermagem�.
Os enfermeiros têm vivenciado um contexto dinâmico na prática de enfermagem,
com o advento de novas tecnologias e métodos de trabalho. A sistematização é percebida
pelos enfermeiros como um caminho para ultrapassar as barreiras e visualizar a resolução
dos problemas da prática e do sistema de informação em enfermagem. Além disso, no
contexto da sistematização, a relação enfermeiro-paciente possibilita uma prática social
humanizada e individualizada.
Todo esse contexto constitui a vivência da prática de enfermagem da Clínica
Médica. Como se pode observar, as relações apresentadas se configuram,
indubitavelmente, com a �situação� tal qual se apresenta para os enfermeiros. Assim,
definindo-se a situação, a causa e o contexto, foi possível vislumbrar as estratégias de ação
a serem desenvolvidas e as conseqüências que as interligam.
Como estratégias, estão representadas, na parte lateral da Figura 8, as categorias
que manifestam interesse de buscar alternativas que venham fortalecer a interação teoria e
prática no sistema de informação em enfermagem. Com esse objetivo, identificamos as
seguintes categorias: �Procurando elementos da prática de enfermagem para compor um
sistema de informação�; �Avaliando as vantagens que o sistema de informação traz para
a enfermagem�; �Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem�; �Avaliando as
dificuldades com o sistema de registro manual� e �Procurando minimizar as restrições ao
sistema de informação computadorizado�.
Percebemos, mais uma vez, a inter-relação, pois os enfermeiros procuram
elementos da prática de enfermagem, ou seja, o que eles fazem, descrevem e pensam sobre
os cuidados do paciente e o gerenciamento das informações. Nesta ação, são avaliadas as
168
dificuldades vivenciadas na prática de enfermagem e no sistema de informação manual.
Também são percebidas e avaliadas as restrições ao sistema de informação
computadorizado que pode ser um instrumento de estímulo para superar as dificuldades de
atuação na instituição.
Após terem traçado as estratégias de ação, os enfermeiros vêem as conseqüências
que essa ação gera para a sua prática, representada nas seguintes categorias: �Querendo um
sistema de informação� e �Entendendo o sistema de informação como um caminho para a
valorização e o crescimento da enfermagem�.
Em consonância com as estratégias fundamentadas nos elementos da prática, nas
avaliações e na tentativa de minimizar as restrições ao sistema de informação
computadorizado, os enfermeiros apontaram caminhos inter-relacionados, demonstrando
que querem um sistema de informação que seja participativo em seu desenho, além de
criativo, porque reconhecem as vantagens que o sistema traz para a prática de enfermagem.
Tudo isso significa para eles a busca da valorização do seu trabalho diante dos
outros profissionais, da organização hospitalar e da sociedade. Além disso, acreditam no
crescimento da enfermagem, a partir dessas mudanças, concretizando a busca de sua
realização e estabilização profissional que convergem na interação teoria e prática.
Obviamente, as conseqüências advindas das estratégias assumidas e a integração
dos fenômenos expostos nos levaram a compreender que aquelas categorias apontavam
para a seguinte categoria central: �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver
sistema de informação em enfermagem�. Dessa maneira, todas as categorias foram
integradas ao fenômeno central. Nesse processo de análise e integração, constatamos que
os enfermeiros procuram, através da experiência vivenciada na prática, diminuir a lacuna
entre teoria e prática, fazendo com que tenham aspirações com relação ao futuro
profissional.
O processo mostra que, apesar das limitações organizacionais e funcionais, os
enfermeiros querem um sistema de informação que retrate a realidade da sua prática clínica
(conhecimento tácito), mas que possa conter elementos do modelo teórico (conhecimento
explícito), adequando-os a um sistema automatizado que contemple o processo de
enfermagem na sua integralidade.
169
A categoria central �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver
sistema de informação em enfermagem� também indica que esta é uma decisão
estritamente individual, tendo pouca ou nenhuma influência da organização que, se não
estimula, também não desestimula. Os enfermeiros percebem que podem procurar um
caminho, através do processo de sistematização, que os conduza a concretizar o
desenvolvimento de um sistema de informação que proporcione segurança e satisfação no
exercício da prática de enfermagem.
Por outro lado, em nível social, esse processo mostra a vontade dos enfermeiros
de crescer e sentir-se valorizados junto à sociedade, de modo que possam concretizar suas
metas profissionais, tornando-as socialmente significativas. Neste sentido, o desejo de
crescer e ser valorizado está integrado no processo �Buscando a interação teoria e prática
para desenvolver sistema de informação em enfermagem�. Essa interação permite tornar
visível o conhecimento invisível que só existe em nível tácito e que está baseado no
processo de trabalho da enfermagem. A interação teoria e prática significa, para os
enfermeiros, a maneira pela qual eles podem tentar reduzir a lacuna entre a teoria e a
prática no sistema de informação. Assim, os enfermeiros buscam um sistema de
informação que seja guiado por um corpo de conhecimento teórico derivado da teoria
embutida na prática clínica.
Em resumo, a categoria central �Buscando a interação teoria e prática para
desenvolver sistema de informação em enfermagem� é ação, conseqüência e processo. Ela
significa um caminho a seguir em direção à valorização e ao crescimento da enfermagem.
Portanto, será interpretada na perspectiva interacionista, no capítulo seguinte.
170
TENTANDO ARTICULAR OS MODELOS FORMAIS COM A PRÁTICA DE ENFERMAGEM PARA
DESENVOLVER SISTEMAS DE INFORMAÇÃO
VENDO A LACUNA ENTRE TEORIA E PRÁTICA NO SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM ENFERMAGEM
Figura 8 - Descobrindo a categoria central: Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de informação em enfermagem.
CONDIÇÕES CAUSAIS
! Procurando adequar os modelos formais com a prática de enfermagem.
! Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem.
! Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática.
! Tendo dificuldades com o preparo dos enfermeiros.
CONTEXTO
! Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistemas de informação em enfermagem.
! Vendo a relação entre enfermeiro e paciente.
! Vivenciando a prática de enfermagem.
ESTRATÉGIAS • Procurando elementos da
prática de enfermagem para compor um sistema de informação.
• Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem.
• Avaliando as dificuldades com o sistema de registro manual.
• Procurando minimizar as restrições ao sistema de informação computadorizado.
• Avaliando as vantagens que o sistema de informação traz
CONSEQÜÊNCIAS • Querendo um sistema de
informação. • Entendendo o sistema de
informação como um caminho para a valorização e o crescimento da enfermagem.
BUSCANDO A INTERAÇÃO TEORIA E PRÁTICA PARA DESENVOLVER SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM ENFERMAGEM
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8.1 Indo em busca da teorização
O objetivo deste capítulo é analisar os dados apresentados no capítulo anterior,
tendo como base teórica o interacionismo simbólico, a fim de compreender o processo
�Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de informação em
enfermagem�. Antes de iniciar essa teorização, é preciso destacar que o interacionismo
simbólico envolve uma série de conceitos. No entanto, este estudo não tem a intenção de
explorar todos, procurando deter-se naqueles que podem ter alguma relação com os dados
e a análise realizada.
Para essa discussão, tomamos por base o pensamento de Blumer (1969), no que se
refere à interação simbólica, conforme descrita no capítulo II deste estudo. Na perspectiva
interacionista, o significado assume papel central no próprio processo social. Assim sendo,
a interpretação consciente é a ênfase dada à concepção interacionista do significado. Nesse
sentido, para se interpretar a ação humana, é preciso partir da posição do ator, ou seja, ver
a situação como ele a vê, perceber o objeto como ele o percebe, identificando seu
significado, conforme o significado que aquele objeto tem para o ator e seguindo a linha de
conduta organizada por ele.
Ao se entrar nesse contexto, é preciso estar no papel do ator e ver seu mundo do
ponto de vista dele (BLUMER, 1969). Assim, o significado que as pessoas atribuem às
suas experiências, bem como o processo de interpretação, são elementos essenciais e
construtivos para entender suas ações e identificar o mundo de seus objetos. Para tanto,
elas são preparadas para agir de acordo com o significado que atribuem aos objetos que
compreendem o seu universo.
Com base na orientação interacionista, buscamos entender a ação dos enfermeiros
diante da relação teoria e prática no sistema de informação em enfermagem.
Necessariamente, é importante ver os objetos da maneira como são vistos pelos próprios
enfermeiros. Portanto, tentamos, a partir desses princípios, compreender o agir dos
enfermeiros em relação ao fenômeno central: �Buscando a interação teoria e prática para
desenvolver sistema de informação em enfermagem�. No desenvolvimento desse processo,
serão preservadas as falas dos enfermeiros, interpretando-as e tentando-se visualizar a
situação tal como ela aparecia para os enfermeiros, observando-se tudo aquilo que
173
consideram importante e anotando-se a forma como descrevem e interpretam as ações
pretendidas.
8.2 Discutindo o processo de ação e interação
O processo desenvolvido para entender a relação teoria e prática em enfermagem
no sistema de informação conduziu a situações que se inter-relacionam, dentro da visão de
mundo dos enfermeiros, vivenciado a partir da experiência desses profissionais. Assim
sendo, partiu-se da compreensão de que o processo �Buscando a interação teoria e prática
para desenvolver sistema de informação em enfermagem� está integrado, conforme Figura
9, aos seguintes elementos: ao contexto organizacional, ao conhecimento (teórico-prático)
e ao sistema de informação. Esses elementos serão analisados a seguir.
Figura 9 - Elementos integrados ao desenvolvimento de sistemas de informação
8.2.1 O contexto organizacional
Uma organização deve ser interpretada como um sistema complexo, com
inúmeros subsistemas interdependentes. No macroambiente organizacional, existe um
conjunto de pessoas que formam uma sociedade onde ocorrem as interações. Nessa
sociedade, os enfermeiros estão interagindo, trocando informações, interpretando,
dirigindo e controlando o self, definindo e alterando a direção dos atos um do outro.
Portanto, a organização não se constitui de uma entidade isolada ou estanque,
principalmente, no hospital em que os enfermeiros formam um corpo social que está
INTERAÇÃOConhecimento
explícito Conhecimento
tácito
Organização
Sistema de informação
174
constantemente interagindo, construindo e reconstruindo um processo social, ao lidarem
com a interdisciplinaridade, em que os significados são também socializados.
Assim, na complexa organização hospitalar, particularmente no HULW, os
enfermeiros interagem uns com os outros como se estivessem num cenário de dificuldades
e não numa organização racional. Esta visão gera a impressão de que a idéia de se
implantar um sistema de informação, nesse contexto, onde ocorrem as interações sociais, é
problemática, uma vez que a informação está fundamentada no significado.
Na perspectiva organizacional para desenvolver sistema de informação em
enfermagem, conforme mostra a Figura 9, os enfermeiros atribuem intersubjetivamente
significados ao mundo e são capazes de construir uma visão de informação concernente à
sua realidade social. Tais manifestações relativas ao contexto organizacional podem ser
utilizadas para uma melhor interpretação e para dar um significado a algumas
complexidades do mundo vivenciado pelos enfermeiros. Esta interpretação pode
desencadear ações e interações entre esses setores.
Desta forma, a organização, passa de objeto físico a objeto social, a partir do
momento em que os enfermeiros constroem a realidade organizacional por intermédio de
processos de poder e de intervenções simbólicas, que manipulam, a começar de sua ação.
Dentro desse processo, interpretam as demandas, através das definições dos objetos, de tal
maneira que podem fortalecer ou abalar a ordem estabelecida. De acordo com Checkland;
Holwell (1998), a organização deve ser vista como um processo social onde o mundo é
interpretado de forma que reconheça como legítimas as ações participativas que
estabelecem normas e padrões sociais compartilhados. Portanto, não se podem discutir
sistemas de informação sem enfocar o contexto organizacional.
8.2.2 O conhecimento (teórico-prático)
Na organização hospitalar, os enfermeiros assumem muitas atribuições e trazem
consigo um complexo conhecimento de trabalho. Antes de analisar essa questão, é preciso
fazer as seguintes observações: o conhecimento diz respeito a crenças e compromissos,
sendo uma função de atitude, perspectiva ou intenção específica; o conhecimento está
relacionado à ação, com algum objetivo; o conhecimento diz respeito ao significado, sendo
relacional e específico ao contexto (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
175
Desta forma, a complexidade do conhecimento de enfermagem reflete-se nas
tarefas associadas, como o processamento da informação, nas quais se incluem a
acumulação de dados, uso de informação, aplicação do conhecimento no trabalho e os
novos conhecimentos em geral. Nesse sentido, para que possam desempenhar efetivamente
seu papel, os enfermeiros se apóiam no ambiente da prática clínica para interpretar os
eventos ou objetos, tornando visíveis os significados antes invisíveis na sua função de
aplicadores do conhecimento. Por isso, o conhecimento em enfermagem está
essencialmente relacionado com as ações de enfermagem.
O conhecimento em enfermagem é criado pelos próprios enfermeiros e depende
do contexto organizacional em que está inserido. Entretanto, temos observado uma lacuna
entre a teoria (conhecimento explícito) e a prática clínica (conhecimento tácito). A
natureza da lacuna entre a teoria e a prática em enfermagem tem sido uma grande
preocupação para os enfermeiros assistenciais, pesquisadores e profissionais engajados em
educação e treinamento de pessoal. O propósito é explorar em que nível a prática reflete a
teoria e como minimizar os problemas associados com a disfunção da relação teoria e
prática. Os enfermeiros trazem consigo um vasto conhecimento formal e vão, ao longo do
tempo da vivência prática, adquirindo conhecimentos, a partir de suas próprias
experiências, de forma que eles podem saber mais do que admitem. Portanto, o
conhecimento depende do contexto sócio-organizacional e da interação teoria e prática.
O conhecimento tácito e o explícito não são totalmente separados, mas
mutuamente complementares. Como opera nas duas direções, essa interação é chamada de
�conversão do conhecimento� e constitui um processo social (NONAKA; TAKEUCHI,
1997). A interação teoria e prática em enfermagem é o caminho para desenvolver sistemas
de informação com base nas seguintes suposições:
% a teoria é algo que deve ser usado ou integrado dentro da prática;
% a prática tem um conhecimento potencial para completar ou quase
completar a integração com a teoria.
Na interação teoria e prática, a teoria deve estar voltada diretamente para a prática,
enquanto as ações da prática têm a função de testar a teoria. Benner; Wrubel (2001), com
base na tradição descritivo-interpretativa, afirmam que a excelência da prática está
176
embutida na prática em si e que a teoria é derivada da prática. Afirmam também que a
prática é um ato social e não meramente uma ciência aplicada. Portanto, a caracterização
do conhecimento em enfermagem é um processo de visão que tem por base uma
epistemologia interpretativa, em que a teoria é necessária para descrever, interpretar e
explicar a prática.
8.2.3 Sistema de informação
Tomando-se por base a Figura 9, o sistema de informação em enfermagem deve
ser entendido como um processo complexo que envolve estudos técnicos, organizacionais,
comportamentais e ambientais. A integração do sistema dentro da prática e do processo de
enfermagem refere-se a muitos fatores como educação, mudanças de atitudes, cultura
organizacional, padronização da linguagem e prática sistematizada, exceto a tecnologia. Na
opinião de Goossen; Epping; Abraham (1996), o sistema de informação em enfermagem
não é somente um software ou um hardware. Mais do que isso, envolve pessoas, estrutura
organizacional e processos que permitem a coleta de dados, o processamento e o uso
racional da informação.
Nessa perspectiva, os enfermeiros da clínica médica e pesquisadores tentam
desenvolver um sistema de informação usando a metodologia tradicional e ignorando o
complexo contexto organizacional e social que os envolve. Na realidade, os enfermeiros,
assim como os demais profissionais de saúde e as pessoas em geral, têm pouco
conhecimento em tecnologia e sistemas de informação e acreditam que a tecnologia, por si
só, é a solução para todos os problemas.
Há uma má interpretação na definição de tecnologia, que é vista, geralmente,
como o �computador� e seus programas. A Organização Pan-Americana de Saúde define
tecnologia da informação como um conjunto de conhecimentos técnicos e tarefas, que tem
o objetivo de satisfazer as aplicações dos usuários. Envolve a criação, a direção e o
suprimento de recursos tecnológicos (hardware, software e comunicação), necessários para
o desenvolvimento e a operação de aplicações documentais de uma organização (PAHO,
2001).
Para Rodrigues Filho (2001), a tecnologia está voltada para um mercado onde as
pessoas são convidadas a adaptar-se a ela, em vez de irem procurar outras formas que
177
podem ser adequadas. Em outras palavras, a tecnologia deve ir ao encontro das
necessidades das pessoas, beneficiando-as no seu bem-estar e na qualidade de vida. Essa
abordagem sugere que a tecnologia usada no desenvolvimento do sistema de informação
deva ter uma configuração sóciotécnica. Isso pressupõe um enfoque tanto empírico-
analítico como fenomenológico-hermenêutico, além de uma visão de mundo socialmente
determinada pela experiência vivenciada na prática.
Assim, para que se possa estabelecer a interação teoria e prática no sistema de
informação em enfermagem, é indispensável a participação dos enfermeiros no processo de
desenho do sistema. Para tanto, eles devem considerar o que está acontecendo na prática
em termos de definição, interpretação, significado, conhecimentos baseados no trabalho,
objetos, comunicação, símbolos, processos e comportamento social. Vale salientar que a
interação da organização e do conhecimento (tácito/explícito) com o sistema de
informação supõe a captura e o processamento de dados de enfermagem com ampla
densidade de detalhes. Essa medida permite o estabelecimento de um registro longitudinal
do indivíduo, que pode ser desenvolvido através de sistemas computadorizados e do
registro eletrônico do paciente.
8.3 Indo em busca do significado do processo
Inicialmente, é importante apontar algumas concepções teóricas para que se possa
entender o processo a partir do referencial interacionista. Nesse aspecto, deve-se partir da
idéia de que as �coisas� têm um significado para as pessoas. Este é um aspecto básico; é o
ponto inicial para o entendimento de qualquer comportamento que se deseje investigar.
Desconsiderar esse princípio é falsificar o comportamento pretendido, segundo Blumer
(1969).
As premissas relacionadas ao significado estão expostas no capítulo II deste
estudo. Todos os conceitos vistos anteriormente surgem da interação social e são parte
dela. A interação social é constituída a partir da ação social. A ação é interpretada como
social, quando as pessoas são levadas em consideração, ou seja, quando nossas ações são
orientadas pelo que os indivíduos fazem numa situação, porque eles são considerados
objetos sociais. Dupas (1997) afirma que a ação social significa o seguinte: o que o ator faz
envolve outra pessoa ou pessoas. Para que ela seja simbólica, deve haver comunicação, que
178
pode ser manifestada em forma de palavras ou atos que expressem quem somos nós e o
que pensamos.
É preciso esclarecer que a interação simbólica abrange a interpretação e a
definição, ocorrendo em e entre as pessoas envolvidas, fazendo com que haja mudanças,
dependendo da adaptação que ocorre nas ações dos atores envolvidos. Assim sendo, o que
os atores fazem depende, em parte, do que os outros fazem na mesma situação. É
interessante observar que, as pessoas não são a causa do que nós fazemos. Nós interagimos
com elas e essa interação é que determina o que fazemos (BLUMER, 1969).
Portanto, o significado dos objetos para as pessoas não é obra do acaso. Pelo
contrário, ele se forma através da interação social que o indivíduo estabelece consigo
mesmo e com as outras pessoas. Em nossa opinião, a experiência humana é mediada pela
interpretação. Nessa perspectiva, Bogdan; Biklen (2003) enfatizam que o significado
atribuído pelas pessoas às suas experiências, assim como os processos de interpretação, são
elementos fundamentais e indispensáveis para se compreender o significado necessário à
captação das definições e dos processos que estão subjacentes à construção destes.
Desta forma, os enfermeiros agem e atuam no contexto hospitalar, de acordo com
o significado que os objetos sociais têm para eles. Esse significado é formado através da
interação com os diversos grupos com os quais os enfermeiros têm contato ou por
intermédio de indivíduos que são significantes. Os significados de um objeto podem ser
diferentes para diferentes indivíduos, e a ação em torno desse objeto se diversificará
conforme variam os significados. Entretanto, eles não são imutáveis, pois podem ser
modificados ou transformados através da interação social (CASSIANI, 1994). Neste
estudo, constatamos que alguns enfermeiros, inseridos num contexto de trabalho
exatamente igual, viam o mesmo objeto de forma diferente, quando faziam afirmativas do
tipo:
[...] o diagnóstico é aquilo que a gente já faz e não sabe que é o diagnóstico de
enfermagem na realidade.
[...] os diagnósticos de enfermagem a gente não aplica.
179
Essa diferente interpretação interfere na ação dos enfermeiros em relação ao
objeto ou sistema de classificação da prática de enfermagem. Isso pode ser um meio de
explicar o interesse ou não de desenvolver a sistematização da assistência. Tais definições
foram construídas a partir da visão de cada um. Convém destacar que, nesse caso, o
significado que tudo isso tem para os enfermeiros influencia no seu comportamento.
Buscar conhecê-lo nos parece uma forma de compreender as suas ações.
A esse respeito, Blumer (1969) afirma que o sentido das coisas é derivado, ou se
origina, da interpretação social que o indivíduo estabelece consigo mesmo e com os outros.
No caso do exemplo anterior, a �definição� de diagnóstico de enfermagem que os
enfermeiros manifestaram estabelece uma relação com a visão que eles têm de si mesmos,
dos diagnósticos e da interação com os outros. É possível que haja várias pessoas que
pensem da mesma forma daqueles que tenham influenciado e, por sua vez, recebido a sua
influência, conforme se depreende desse depoimento:
[...] a gente está começando, caminhando devagarzinho, até poder introduzir o
sistema de diagnóstico, para poder fazer o processo de enfermagem como tal e já
pensar em colocar esses dados no computador.
Como se observa, há interesse dos enfermeiros em caminhar na direção de um
sistema que facilite o processo de enfermagem. Esse outro significado é também
compartilhado pelos auxiliares de enfermagem. Portanto, não importa a maneira como os
enfermeiros agem em relação aos diagnósticos; de uma forma ou de outra, eles reconhecem
que a sistematização do cuidado de enfermagem conduzirá a resultados positivos. É
importante ressaltar que a interação não ocorre somente entre os enfermeiros, mas também
dentro deles. Por isso, para Blumer (1969), os significados são manipulados e modificados
através de um processo interpretativo usado pela pessoa ao lidar com as situações que ela
encontra.
Nesta abordagem, destacamos um importante conceito para nossa análise: o
processo de interpretação. Neste, o indivíduo visualiza um objeto em dois momentos
distintos: no primeiro, indica para si mesmo as coisas em relação às quais ele está agindo,
isto é, interage consigo mesmo; no segundo, interpreta os significados à luz da situação na
qual está agindo (HAGUETTE, 1990). Ao fazer essas interpretações, o indivíduo está
180
interagindo consigo mesmo, através de um processo social internalizado, denominado de
self.
Quando manifesta que �está caminhando devagarzinho�, o enfermeiro tem
expectativas de alcançar a excelência no trabalho. Por isso, age de acordo com o
significado que atribui ao modelo teórico representado pelos diagnósticos de enfermagem e
a sistematização da assistência. Assim, o interesse manifestado pelos enfermeiros em
caminhar na direção de uma prática sistematizada dá-se porque acreditam no potencial que
a enfermagem tem para desenvolver esse tipo de atividade.
O processo de interpretação ocorre quando a pessoa interpreta os significados e
trabalha com eles. Nesse momento, seleciona, confere, reagrupa e modifica o significado, à
luz da situação em que está inserida. Isso significa que, após a interpretação e comunicação
consigo mesma, a pessoa transforma o significado das coisas através da ação. Para o
enfermeiro, o significado da interação teoria e prática no sistema de informação em
enfermagem surge através de um processo de interação que indica a si mesmo as coisas
que têm ou não sentido para o sistema. O enfermeiro interpreta este significado sob a
perspectiva da sua situação e direciona a sua ação, através de um processo social
internalizado. Nesse caso, constrói uma �linha� ou direção, à luz dessa interpretação, ou
seja, ele busca recursos para conseguir o seu intento ou ficará como está, se estiver
desinteressado.
Segundo Blumer (1969), a pessoa é um organismo atuante que está sempre
lidando com situações, a partir do significado que determinado �objeto� tem para ela. Age
com base na interpretação da situação em que está inserida. E assim, define as coisas que
devem ser levadas em conta, as avalia e toma decisões sobre sua linha de ação. Portanto, as
ações só têm sentido a partir do significado do objeto para a pessoa que influencia na
formação do comportamento, fazendo indicações aos outros e a si mesma, e interpretando-
as.
8.4 Construindo o processo
A trajetória da experiência vivenciada pelos enfermeiros foi identificada nos
dados com o referencial teórico escolhido. Além disso, aqueles conceitos relacionados com
a ação trazem uma compreensão profunda para os achados. Neste estudo, definimos a
181
categoria central �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de
informação em enfermagem� como um processo de ação a partir da definição e
interpretação da situação organizacional, da dimensão do conhecimento tácito/explícito e
do sistema de informação.
Para descrever o que acontece na interação, Charon (1989) aponta os elementos
mais compreensivos ao processo que trata da ação humana, o qual está esquematizado na
Figura 10. Descrevendo essa interação, Mead (1977) identificou quatro estágios na ação
humana. Esses estágios foram levados em consideração para melhor compreender o
processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de informação
em enfermagem�.
Estágio 1: o impulso - Mead sugere que o ato começa com o organismo em
�estado de desequilíbrio�. Há um �desconforto relacionado ao comportamento� e uma
�ativação através da interrupção�. O impulso é uma disposição generalizada para agir, mas
não determina a direção do ato; apenas indica haver algum tipo de ação.
Estágio 2: a percepção - Nesse estágio, os indivíduos definem sua situação,
procuram estímulos externos (objetos), notam e definem aspectos do ambiente que podem
ser usados para alcançar os seus objetivos para aquela situação. Para tanto, procuram
alguma coisa em toda a situação. Os objetos são vistos pelos indivíduos como úteis ao que
procuram e, conseqüentemente, agem em direção a ele. Os indivíduos agem num mundo de
significados, num mundo de objetos, especialmente do objeto social, que é definido de
acordo com seu uso pelos objetivos definidos numa situação.
Estágio 3: a manipulação - Nele, os atores manipulam seu ambiente, agem e
entram em contato com aspectos relevantes, usando os objetos de acordo com os
propósitos que foram definidos para si mesmos. Os atores manipulam as coisas e as
pessoas pela aparência física, pela conversa, pelos escritos ou até mesmo pelas
transgressões.
Estágio 4: a consumação - É o ato final onde o objetivo é alcançado e o
equilíbrio restaurado, embora seja por um momento apenas. Os atos nem sempre são
consumados, uma vez que a pessoa pode começar outro ato antes que o anterior termine. É
o que acontece quando focaliza sua atenção sobre alguma outra coisa ou se desvia da
182
seqüência da ação. Após a consumação, acontece outra seqüência de impulso - percepção e
definição, manipulação e consumação - dando continuidade à linha de ação.
A importância da descrição de Mead (1977) está no fato de que a atividade
humana é percebida, definida e manipulada em seu ambiente para alcançar objetivos. No
âmbito do presente estudo, essa abordagem é pertinente para a análise e a compreensão do
significado do processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema
de informação em enfermagem�.
Figura 10 - Esquema do processo da ação humana (CHARON, 1989)
Determina objetivos.
Aplica perspectivas de grupos de referência e de outros significantes.
Vê-se no lugar do outro na situação.
Destaca, aponta, define para o self os objetos na situação.
Aplica as experiências passadas.
Considera o futuro.
Vê o self na situação.
A ENTRADA DO ATOR NA SITUAÇÃO
Elementos que definem a situação para a pessoa: self, pensamento, símbolos, perspectivas, outros significantes, grupos de referência, habilidade de colocar-se no lugar do outro, memórias do passado.
O ATOR DEFINE A SITUAÇÃO PARA O SELF
O ATOR DETERMINA A LINHA DE AÇÃO EM DIREÇÃO AO OBJETO (INCLUINDO
OUTROS ATORES)
O ATOR AGE PUBLICAMENTE (UM ATO SOCIAL)
Os outros dão significado ao ato público do ator, de acordo com suas perspectivas e definem a situação (inclui assumir o papel do outro).
Os outros determinam a linha de ação.
Os outros agem publicamente (atos sociais).
O ATOR INTERPRETA OS ATOS DOS OUTROS E AVALIA OS PRÓPRIOS ATOS À LUZ DOS ATOS DOS OUTROS (DETERMINA O QUE ELES SIGNIFICAM, REPRESENTAM) - A INTERPRETAÇÃO É BASEADA NO ASSUMIR O PAPEL DO OUTRO NA SITUAÇÃO.
O ATOR REVISA AS SUAS PERSPECTIVAS, A DEFINIÇÃO DA SITUAÇÃO E A DIREÇÃO DA LINHA DE AÇÃO.
183
8.5 Interpretando o processo à luz do interacionismo simbólico
O processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de
informação em enfermagem� à luz do interacionismo simbólico, conforme mostra a Figura
9 no final deste capítulo, apresenta os quatro estágios da ação humana, propostos por Mead
(1977): o impulso (entrada da situação); a percepção (definição da situação); a
manipulação (a ação) e a consumação (conseqüências). A seguir serão analisados, por meio
de conexões, os estágios do processo.
Estágio 1: o impulso (entrada da situação)
O primeiro elemento a destacar na interpretação é o impulso para agir, revelado
no estágio 1, ou seja, a entrada da situação. Tomando-se por base o diagrama apresentado
na Figura 11, percebe-se que o enfermeiro entra na situação, exercendo seu papel com um
self. Com isso, passa a ter metas, grupos de referência e outros significantes, influenciando
e recebendo influências, através das ações e das interações no trabalho. O enfermeiro
manifesta certo desequilíbrio causado pela situação, embora a princípio não desenvolva
qualquer ação. Esse estágio é caracterizado pelas categorias �Procurando adequar os
modelos formais com a prática de enfermagem�; �Buscando utilizar os diagnósticos de
enfermagem�; �Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática� e �Tendo
dificuldades com o preparo dos enfermeiros.�
Os enfermeiros definem o modelo teórico como sendo o sistema de diagnóstico de
enfermagem da NANDA. Os dados reunidos nessas categorias revelam que os enfermeiros
procuram aplicar e utilizar esse modelo na prática clínica. Entretanto, não conseguem
trabalhar de modo sistematizado com todos os elementos do processo de enfermagem
(histórico, diagnóstico, intervenções e resultados), por se sentirem desmotivados,
sobrecarregados, desvalorizados e inquietos. Tais sentimentos são exteriorizados pelos
enfermeiros ao manifestarem que existe uma lacuna entre a teoria e a prática em
enfermagem.
Diante dessa realidade, não se pode deixar de considerar a maneira como eles
vêem, definem e julgam a situação. Nessa atitude, percebem as dificuldades existentes com
o preparo dos enfermeiros, ou seja, eles vêem a si mesmos enfrentando dificuldades com a
prática de enfermagem, em virtude de tentarem articular os modelos teóricos na prática.
184
Porém, não conseguem, por causa da lacuna entre o que aprenderam (conhecimento
explícito) e o que fazem (conhecimento tácito). Essa percepção está evidenciada nos
seguintes relatos:
[...] se fez um curativo, uma injeção, ajudou o paciente a se alimentar, fez um
banho no leito, então aí se encerra a atividade de enfermagem. Mas não é bem
por aí, a gente quer muito mais que isso.
[...] a teoria nós temos que colocar em prática para que, a partir daí, os que forem
se formando passem a ver uma prática.
Tais percepções sugerem uma dependência nas definições sociais que são
encontradas na vida profissional ou pessoal do enfermeiro. Além disso, o self, que é a
perspectiva dos grupos de referência, é utilizado pelo enfermeiro como um quadro de
referência na organização de sua área perceptual. É importante destacar que o enfermeiro,
assim como qualquer pessoa, se relaciona com vários grupos sociais, na família, no
trabalho e entre amigos. As perspectivas desses grupos influenciam na definição da
situação. No Hospital Universitário, conforme se observou os grupos de referência com os
quais o enfermeiro se relaciona lhe são significantes: são os companheiros de trabalho, as
chefias de clínica e de divisão, o pessoal médico e os outros profissionais da saúde.
No entanto, a percepção que o enfermeiro tem de alguns de seus colegas da
enfermagem é a de que eles não demonstram interesse em atualizar seus conhecimentos,
inovar a prática clínica, participar de grupos de estudos que contribuam para o
desenvolvimento de sistema de informação e melhoria da qualidade assistencial da prática
de enfermagem, entre outras atividades que podem propiciar o crescimento profissional.
São pessoas apáticas, que não acreditam na instituição em que trabalham, nem na própria
enfermagem, de forma que não se pode contar com o apoio desses profissionais.
Ao definirem sua perspectiva em relação a alguns colegas, os enfermeiros também
apontam outros que formam um grupo atuante na organização, especialmente em termos
de estudos e visão profissional. Esse grupo responde positivamente aos estímulos externos
e internos, quanto à melhoria nos sistemas e na qualidade do cuidado de enfermagem.
Trata-se de elementos importantes porque podem assumir outro significante para o
enfermeiro. Nesse sentido, observamos que os enfermeiros estimulados interagem com o
185
grupo de estudo da sistematização que se reúne periodicamente para discutir temas de sua
prática clínica. Isso, para eles, é significante porque vê a perspectiva de continuar
estudando conteúdos a partir da experiência vivenciada na prática (práxis).
É interessante notar que os docentes dos Departamentos de Enfermagem da UFPB
também interagem com o grupo de enfermeiros, ministrando aulas a partir das
necessidades sentidas por eles. Além disso, realizam estágios com os estudantes de
enfermagem no próprio campo de atuação do enfermeiro, na tentativa de minimizar a
lacuna entre teoria e prática em enfermagem. Contudo, esses professores não são
considerados o �outro significante� para os enfermeiros, uma vez que sua participação na
clínica não é contínua e também porque não se submetem à hierarquia organizacional do
hospital. É o que expressa uma enfermeira assistencial neste depoimento:
[...] o enfermeiro-docente tem tempo para pesquisar, disponibilidade e condições
para produzir o que é científico na enfermagem e não na assistência.
Na percepção do enfermeiro, o docente é apenas um elemento facilitador para o
ensino e a pesquisa clínica em enfermagem. Ele não atua plenamente na rotina assistencial
vivenciada pelo enfermeiro, ou seja, o docente está envolvido com o grupo, mas não faz
parte da equipe.
Estágio 2: a percepção (definição da situação)
A definição da situação é o momento no qual o enfermeiro percebe em que
contexto se encontra. Vê que a organização não oferece muitas possibilidades de mudanças
e entende que ele mesmo tem que buscar os resultados. Esse estágio é caracterizado pelas
seguintes categorias: �Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver
sistemas de informação em enfermagem�; �Vendo a relação entre enfermeiro e paciente�;
�Vivenciando a prática de enfermagem�. Assim, o enfermeiro define a sua situação para o
self.
Na opinião de Haguette (2003), a definição da situação é preliminar a qualquer ato
do comportamento autodeterminado e supõe um estágio de exame e deliberação. Charon
(1989) considera a definição da situação como a soma das informações relevantes,
reconhecidas pelo ator para a localização de si mesmo e dos outros, de forma que possa se
186
engajar numa determinada linha de ação e interação. Esse estágio ocorre internamente,
com o exercício das experiências vivenciadas no passado e a perspectiva de futuro, dentro
dos grupos de referência em relação às metas estabelecidas, assim como dos outros
significantes. Portanto, tendo entrado na situação ou contexto, o enfermeiro percebe
claramente a relação entre a situação que está vivenciando e suas perspectivas pessoais.
Ao tentar definir a situação, o enfermeiro utiliza-se de um artifício a que se pode
denominar de background(∗ ). Por essa razão, existem três diferentes definições para uma
mesma situação. Todavia, as divergências existentes na definição da situação têm relação
entre si, quando se focaliza o contexto da enfermagem na Clínica Médica do Hospital
Universitário. Nesse aspecto, pode-se observar que a sistematização da assistência está
diretamente vinculado à relação enfermeiro-paciente que, por sua vez, constitui a prática de
enfermagem. Logo, a interação desses elementos é fundamental para se entender o
contexto da situação.
Quando se insere na situação, o enfermeiro passa a viver uma realidade pessoal e
social, que é desenvolvida a partir das interações estabelecidas pelo ambiente
organizacional que o leva a interpretar os atos e os objetos sociais. Assim, quando define
que a sistematização é o caminho para desenvolver sistemas de informação, o enfermeiro
interpreta a situação que está vivenciando, independentemente de como esteja funcionando
o sistema. Nesse caso, ele considera a situação fundamental para transformar a realidade da
prática de enfermagem. Ao definir a situação para a relação enfermeiro-paciente, o
enfermeiro está categorizando uma relação na qual está envolvido diretamente, que é a
assistência de enfermagem. Essa situação encontra-se implícita nele e todas as suas
decisões e ações estão voltadas para este referencial.
Quando define a situação �Vivenciando a prática de enfermagem�, o enfermeiro
acrescenta seu ponto de vista pessoal, e sua concepção de mundo para a prática clínica e
gerencial da enfermagem. Nesse sentido, estabelece para si objetivos e aplica a perspectiva
de um outro significante ou grupo de referência que podem ser relevantes na situação. É
vivenciando a prática de enfermagem que o enfermeiro se define, ou seja, exterioriza o que
está fazendo e acontecendo na situação em que se encontra em relação ao self, sendo capaz
de se julgar perante a situação. Em outras palavras, identifica-se vivenciando a prática de (∗ ) Acontecimento que explica fatos posteriores; último plano de uma perspectiva.
187
enfermagem e interpreta o que está vivendo. Relembra experiências passadas em situações
parecidas e define o futuro, conforme se pode inferir desse relato:
[...] a enfermagem é uma profissão do futuro e vai ficar muito mais ainda se ela
tiver na sua prática usando a ferramenta que a sociedade hoje mais utiliza para
ser veloz nas suas respostas, veloz na ação.
Na dinâmica da vivência prática, o enfermeiro vai definindo e interpretando seu
próprio contexto para construir sua linha de ação. Neste ponto, nosso estudo converge com
o pensamento de Blumer (1969), quando afirma que o importante é que o indivíduo esteja
construindo sua linha de ação, ao invés de receber indiferentemente as ações determinadas
por outrem.
Assim, ao se construir teoricamente o processo �Buscando a interação teoria e
prática para desenvolver sistema de informação em enfermagem�, uma reflexão gerou o
seguinte questionamento: Até que ponto o enfermeiro, ao definir sua situação, tem uma
atitude que o predisponha a uma ação? Convém salientar que uma atitude é concebida
como um propósito ou maneira de se manifestar esse propósito, um estado de prontidão
que gera a ação, dirigindo-a e moldando-a. Charon (1989) considera atitude como uma
tendência para a ação que pode ser usada para esclarecer um tipo de ação. Portanto, a
atitude do enfermeiro pode explicar o processo �Buscando a interação teoria e prática
para desenvolver sistema de informação em enfermagem�.
Blumer (1969) contra-argumenta, afirmando que não é uma tendência organizada
que provoca a ação. Segundo o autor, a atitude é meramente um elemento no
desenvolvimento do ato, é uma proposta inicial para uma linha de ação. Nesse caso, não
importa a tendência, mas sim o processo pelo qual o ato foi construído, ou seja, a atitude é
o processo definidor do ato, é a capacidade que tem o indivíduo de indicar uma ação.
Ao interpretar sua vivência, o enfermeiro toma a atitude em direção à ação. Dessa
maneira, ele se vê na situação como sujeito ativo e estabelece estratégias para superar os
obstáculos da interação teoria e prática no sistema de informação em enfermagem. Essa
atitude está representada pelas seguintes categorias: �Procurando elementos da prática de
enfermagem�; �Avaliando as dificuldades na prática de enfermagem�; �Avaliando as
dificuldades com o sistema de registro manual�; �Avaliando as vantagens que o sistema
188
de informação traz para a enfermagem� e �Procurando minimizar as restrições com o
sistema de informação computadorizado�.
Essas estratégias são construídas dentro das duas dimensões do conhecimento:
teórico ou explícito e informal ou tácito. Na epistemologia tradicional, o conhecimento
deriva-se da separação do sujeito e do objeto da percepção. Então, o enfermeiro, como
sujeito da percepção, adquire conhecimento mediante a análise da sua experiência
vivenciada na prática. Quando está procurando elementos da prática de enfermagem, o
enfermeiro envolve-se com o objeto da sua prática, ou seja, há um envolvimento e
compromisso pessoal com aquilo que ele realiza. É através da interação que o enfermeiro
rompe com as dicotomias tradicionais e interpreta seu objeto, o qual passa a constituir uma
fonte de conhecimento. Grande parte de nossos conhecimentos é fruto de nosso esforço
voluntário de lidar com o mundo (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
Dessa forma, o conhecimento tácito ou informal está implícito nos elementos da
prática de enfermagem, incluindo os elementos cognitivos e técnicos. Os elementos
cognitivos são denominados de �modelos mentais�. Segundo Johnson-Laird (1983), as
pessoas criam modelos do mundo estabelecendo e manipulando analogias em suas mentes,
como, por exemplo, os esquemas, paradigmas, perspectivas, crenças e pontos de vista que
as ajudam a perceber e definir seu mundo. Por sua vez, o elemento técnico do
conhecimento tácito designa os conhecimentos técnicos, culturais e administrativos.
Convém observar que o enfermeiro, ao avaliar as dificuldades na prática de
enfermagem, refere-se às imagens da sua realidade e sua visão do presente e perspectiva do
futuro. Quando procura elementos da prática de enfermagem, ele mostra �o que é� e
quando avalia as dificuldades, visualiza �o que deveria ser�. Dessa forma, estabelece
estratégias para alcançar suas metas e, então, nasce no seu �eu� a consciência de seu papel
na relação entre a teoria (conhecimento explícito) e a prática (conhecimento tácito) em
enfermagem.
Essa consciência tem despertado o enfermeiro, no sentido de reconhecer as
vantagens do sistema de informação computadorizado para uma prática de enfermagem
sistematizada, segura e ágil. Os dados informatizados em enfermagem são as ferramentas
básicas usadas para elaborar e registrar o processo de enfermagem, através da
189
sistematização: diagnósticos, intervenções, resultados, documentação e avaliação dos
cuidados de enfermagem ao paciente. O que importa para o enfermeiro em relação ao
sistema de informação computadorizado não está apenas nas facilidades que o sistema traz
para a enfermagem. O mais importante é o que ocorre no seu contexto, fazendo-o agir ou
procurando ações que indicam a busca da valorização e do crescimento da enfermagem.
Na visão interacionista, que representa as condições causais no modelo do
paradigma de Strauss; Corbin (1998), os eventos, os estímulos e as emoções não fazem
parte do pensamento que diz ser a conduta humana uma resposta a estes fatores. Isso
significa que o enfermeiro quer um sistema de informação e reconhece suas vantagens. E o
faz porque acredita que isto valoriza e enriquece a enfermagem. Logo, os seus atos são
dirigidos para alcançar suas metas.
É importante compreender que o enfermeiro lida com um grande volume de dados
e informações, que têm detalhes variados, gastando muito tempo com o registro manual
desses dados. Essa dificuldade é avaliada pelo enfermeiro através da difusão interativa do
conhecimento que pode subsidiar a criação de um sistema de informação computadorizado.
Ao mesmo tempo em que libera o conhecimento tácito para criar nova tecnologia de
registro do paciente, o enfermeiro se depara com a resistência do pessoal de enfermagem
ao sistema automatizado.
Como estratégia, o enfermeiro está procurando minimizar as restrições ao sistema
de informação computadorizado, através da identificação das dificuldades enfrentadas pelo
pessoal de enfermagem na formalização e comunicação do conhecimento tácito. Nesse
sentido, um pré-requisito para o desenvolvimento de sistemas computadorizados em
enfermagem é a socialização como meio de compartilhar o conhecimento tácito entre o
pessoal de enfermagem. A partir daí, os profissionais de enfermagem podem representar
seus conceitos: funções, nomenclaturas, descrição de sinais, sintomas, intervenções e
resultados, classificação de pacientes, medicação, estabelecimento de prioridades, etc.
A relação desses elementos capturados na base do conhecimento tácito é ampliada
para uma estrutura de organização de dados. Estes podem ser convertidos em
conhecimento formal, através de um conjunto de instruções no computador. Como
190
resultado, é possível a criação de um novo conhecimento que alcança diferentes níveis
organizacionais e interacionais entre a equipe interdisciplinar de saúde.
Para que essa estratégia funcione com eficácia, é essencial a participação de todo
o pessoal de enfermagem na definição do modelo de sistema, analisando cuidadosamente
as estruturas, as categorias e a terminologia que será usada para descrever os conceitos de
enfermagem. O modelo lógico será usado como a base do conjunto de dados mínimos de
enfermagem e conceitos de sistemas de classificação para o desenvolvimento adequado do
software, com uma interface interativa, que facilite a utilização do usuário.
Ao construir a linha de ação, estabelecendo estratégias, o enfermeiro está sendo
objeto de si mesmo, guiando suas ações de acordo com a base desse objeto. Para Blumer
(1969), o que importa é o ser humano como objeto de si mesmo, capaz de guiar suas ações
no sentido daquilo que lhe é significante. Nesse caso, o self objeto emerge através do
processo de interação social (enfoque participativo). Nessa perspectiva, qualquer que seja a
ação do enfermeiro, ela é concebida quando aponta as divergências existentes entre o
pessoal de enfermagem, relacionadas ao sistema de informação computadorizado. Dessa
forma, quando o enfermeiro atribui um significado ao seu objeto (sistema de informação),
ele julga sua adequação à estratégia de ação e toma decisões com base nesse julgamento,
fixando metas para si próprio e partindo para ações concretas, a fim de alcançá-las.
Estágio 3: a manipulação (ação)
Nesse estágio, tendo elaborado suas estratégias de ação, levando em conta as
dimensões do conhecimento explícito e tácito, o enfermeiro parte para a construção da
linha de ação �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de
informação em enfermagem�. Nessa ação, pode agir ou não em direção à interação teoria e
prática no sistema de informação. Também pode demonstrar interesse em outras ações, no
sentido de buscar significado para o sistema de informação em enfermagem.
Ao buscar a interação teoria e prática em enfermagem, o enfermeiro está
atribuindo um significado ao objeto e interagindo com o meio social e organizacional.
Julga que, através das estratégias de ação, poderá buscar o significado para o que faz,
tornando visível sua prática. Agindo na direção contrária, o enfermeiro indica que não está
191
atribuindo significado às suas ações, julgando que estas não lhe darão respostas para o
significado que procura em relação ao desenvolvimento de sistemas de informação.
É importante ressaltar que as pessoas agem considerando as várias coisas que têm
significado para elas, ou seja, desejos, objetivos, ações de outros, auto-imagem e, por
conseguinte, uma provável linha de ação. Nessa perspectiva, Blumer (1969) afirma que o
homem é um organismo respondente, pois somente responde aos apelos de seu mundo ou
de si próprio. É um organismo ativo que manipula e lida com tais fatores. Assim fazendo,
cria e dirige sua linha de ação.
Essa é a razão pela qual este estágio foi denominado de manipulação, uma vez
que o enfermeiro age por si mesmo, buscando concretizar suas metas. Portanto, para
interpretar o que esboça, o enfermeiro molda uma estratégia de ação, para poder agir
consigo mesmo e com o mundo à sua volta, com os objetos e a situação organizacional.
Através dessa ação, capacita-se a transformar o conhecimento de grupo em conhecimento
organizacional que o rodeia e guia as ações que desenvolve.
Na dimensão epistemológica, representada no eixo horizontal pelo conhecimento
explícito e tácito (Figura 11), o enfermeiro, através do processo de auto-interação, tem a
consciência de que esses eixos não são independentes entre si, mas interagem mutuamente
e continuamente no ambiente organizacional. Os depoimentos a seguir expressam essa
consciência:
[...] o enfermeiro adquire novos conhecimentos com sua prática e isso é
contínuo. Sempre vai existir mais e mais durante toda sua vida profissional,
dando-lhe mais experiência ao seu trabalho de cuidar do paciente.
[...] eu reconheço a importância da teoria que precisamos ter para prestar
assistência ao paciente. Mas eu acho que o conhecimento adquirido com a
prática também é fundamental, porque o que a gente faz no dia-a-dia, com
certeza, a gente não esquece, fica para sempre.
Essa condição exposta na perspectiva do enfermeiro, segundo Blumer (1969),
consiste numa série de indicações que a pessoa faz para si mesma, usando-as para dirigir a
ação. Daí, a razão por que o enfermeiro busca os meios ou as estratégias para a interação
entre o conhecimento tácito e o explícito. Procura, com isso, atingir a sua meta, que é
192
desenvolver um sistema de informação que represente a sua experiência vivenciada na
prática. Esse ato poderá ser designado como a manipulação e consumação da meta. Assim
sendo, representa o momento em que o enfermeiro, após ter definido e interpretado o
objeto, responde, através de ações, à meta estabelecida. Nesse sentido, o ato é sempre uma
resposta para agir. O enfermeiro indica o que quer, estabelece uma meta ou objetivo,
mapeia uma linha de conduta, amolda-se ao ambiente organizacional e verifica o resultado.
Essas cinco ações estão evidenciadas nos seguintes depoimentos:
• Indica o que quer: [...] um sistema de informação que torne visível aquilo que a gente
faz na prática.
• Estabelece uma meta ou objetivo: [...] a gente tem que ter um sistema
informatizado que relate o nosso trabalho junto ao paciente.
• Mapeia uma linha de conduta: [...] a gente tem que juntar esforços para construir
um sistema de informação em enfermagem que espelhe a capacidade que a gente tem de
produzir um trabalho de qualidade.
• Amolda-se ao ambiente organizacional: [...] a nossa saída, enquanto enfermeiro, é
investir na educação contínua e no treinamento em serviço para a gente se ajustar aos
sistemas que visem melhorar o nosso trabalho e dar uma seqüência lógica àquilo que a
gente faz.
• Verifica o resultado: [...] com um sistema de informação computadorizado, a
enfermagem daqui se consolida como uma profissão que não tem como recuar nesse
processo assistencial exigido hoje pela sociedade.
É importante esclarecer que o fato de dar referência ao ato não significa tão-
somente que o enfermeiro esteja buscando a interação teoria e prática para desenvolver
sistema de informação em enfermagem. O ato também representa os objetos sociais e
organizacionais dos quais o enfermeiro retira a linha de ação com a intenção de decidir
algo no presente. Por exemplo: se o enfermeiro sente restrições ao uso do computador
como ferramenta auxiliar de trabalho, ele age segundo uma linha de ação que traçou. Essa
determinação é entendida como sendo influenciada pela interação com os outros
enfermeiros e com o self.
193
Estágio 4: a consumação (conseqüência)
Nesse estágio, o enfermeiro demonstra interesse age. O seu ato é concretizado
através do desencadeamento das seguintes categorias: �Querendo um sistema de
informação� e �Entendendo o sistema de informação como um caminho para a
valorização e o crescimento da enfermagem�. Conseqüentemente, ao demonstrar que
busca a interação teoria e prática no sistema de informação em enfermagem, o enfermeiro
manifesta significados importantes para a construção de seus ideais, que são a valorização
e o crescimento profissional, possibilitando-lhe caminhar na direção de um sistema de
informação eficiente. Por outro lado, o enfermeiro que não manifesta interesse representa a
categoria �Tendo sentimentos de restrições ao sistema de informação�. Ele não acredita
nas mudanças, é apático e pessimista em relação à organização e ao meio social onde
interage. Mesmo assim, pode buscar outra forma de encontrar um significado para o
sistema de informação.
Neste processo, um ato concreto está definido: o enfermeiro da Clínica Médica do
HULW quer um sistema de informação computadorizado e isso representa uma mudança
de mentalidade. O enfermeiro interpreta sua experiência vivenciada na prática e percebe
que o registro manual das ações de enfermagem é limitado, inseguro, de difícil
acessibilidade, de natureza complexa.
Em sua luta para conseguir o desejado, o enfermeiro responde aos estímulos, não
apenas por ser um organismo ativo, mas porque tais estímulos são coerentes com sua visão
de mundo e expectativa de futuro. Além disso, no pensamento interacionista, o enfermeiro
está envolvido na interação social, faz indicações a si mesmo e responde a essas
indicações. Na realidade, o enfermeiro é um elemento social que trabalha com a percepção
das coisas à sua volta. Através do processo de auto-indicação, ele valoriza aquilo que
observa, atribuindo significados, podendo usá-los para dirigir sua ação. Assim, quando ele
atribui um significado ao objeto, tende a guiar sua ação para esse significado. Por outro
lado, quando não é possível identificar um significado, também não há possibilidade de se
desenvolver uma ação concreta em volta desse objeto.
Blumer (1969) afirma que essa visão do indivíduo dirigindo-se e indicando-se está
em oposição a pontos de vista estabelecidos que consideram uma série de fatores à ação
194
humana. Esse ponto de vista traz à tona a idéia de que tais visões ignoram o processo de
auto-interação, ou seja, o indivíduo projeta seu mundo e constrói sua ação. Embora o
enfermeiro tenha liberdade para agir, como uma resposta da ação humana, o seu
comportamento dentro da organização passa a ser explicado mediante estímulos do
ambiente social com o qual interage. Nesse aspecto, inclina-se a esclarecer sua linha de
ação ou conduta como conseqüência de motivos individuais e estabelece um estado
intrínseco que antecede a ação. Portanto, não existe definição nem interpretação da
situação. É possível que haja falhas nesse tipo de explicação que não leva em conta o
modelo e a maleabilidade da conduta humana.
É interessante ressaltar que o enfermeiro, ao assumir o direcionamento de seu
caminho, atribui razões para suas ações e as esclarece para si próprio e para os outros,
determinando motivos às circunstâncias. É o que se observa nos seguintes depoimentos:
[...] as pessoas precisam saber por que o enfermeiro senta no balcão e fica
escrevendo. Muitas vezes, elas não entendem, não sabem que aquilo ali é uma
prática nossa e que ele está inserido naquela prática.
[...] é preciso que o enfermeiro saiba cumprir as suas tarefas, mas tendo
conhecimento, porque ele está fazendo aquela tarefa, tem que ter esse
conhecimento.
Para o enfermeiro, o importante é agir, empenhar-se pelo que quer, embora os
motivos sejam recursos úteis à ação, capacitando-o a compreender a direção de sua ação
num contexto significativo, tão bem quanto à de outros. Conforme Charon (1989), quando
atribuem motivos aos atos, os indivíduos não reagem, mas sim agem usando seu ambiente
e respondendo a ele. Essa ação torna-se uma interação complexa de atividades que são, às
vezes, encobertas ou expostas.
Diante disto, o enfermeiro atribui motivo a seu ato de querer um sistema de
informação computadorizado que interaja com sua prática. Nesse caso, aponta razões para
suas ações nem sempre adequadas à sua conduta e muitas vezes involuntárias e ingênuas.
Essas razões podem ser denominadas �motivos encobertos�, porque nem sempre são reais.
Na verdade, pode-se inferir que muitas vezes o enfermeiro não tem consciência de seus
motivos, conforme expressam esses relatos:
195
[...] eu quero trabalhar com um sistema de informação estável, que seja simples,
mas criativo.
[...] eu acho que a gente tem que ter tudo programado, informatizado para que
todos falem a mesma linguagem.
A perspectiva interacionista, voltada para este estudo, mostra que o enfermeiro
está vivenciando uma situação na qual tem que agir, observar, interpretar e investigar os
objetos sociais. Deve agir em direção ao desenvolvimento de um sistema de informação
capaz de interagir ou comunicar-se com o enfermeiro e a equipe de enfermagem. A partir
da auto-interação e da auto-indicação, o enfermeiro desenvolve uma linha de ação para a
construção de um sistema de informação em enfermagem. Indica que dados do
conhecimento tácito devem ser capturados pelo sistema, ou o que lhe é exigido da prática
que precise ser informatizado.
Nessa atitude, estabelece sua meta de trabalho, avalia o processamento das
informações, que são complexas por terem diferentes origens, e estabelece sua linha de
ação. Nessa auto-interação para desenvolver sistemas de informação, o enfermeiro mantém
sua atitude prospectiva que pode ser abandonada, revista ou substituída. Qualquer que seja
a conduta, segundo o interacionismo, este é um recurso no qual o ser humano se engaja na
ação social (BLUMER, 1969).
Diante disto, no processo �Buscando a interação teoria e prática para
desenvolver sistema de informação em enfermagem�, o enfermeiro está interagindo
consigo mesmo e com os outros, definindo e interpretando a situação, seus atos e os atos da
equipe de enfermagem. Somente através dessa definição e interpretação da situação é que o
enfermeiro poderá desenvolver um sistema de informação em enfermagem. Para isso, deve
decidir seus objetivos e estabelecer sua linha de ação, de acordo com o significado que
atribui ao seu objeto social.
O processo de auto-indicação origina-se de uma situação de instabilidade que leva
o enfermeiro a agir, em virtude das condições sócio-organizacionais desfavoráveis que tem
vivenciado na sua prática. Portanto, a categoria central �Buscando a interação teoria e
prática para desenvolver sistema de informação em enfermagem� é mais do que um
196
roteiro de ação. É o processo de auto-indicação que ocorre de forma individual, mesmo
reconhecendo a possibilidade de influência de fatores extrínsecos.
Figura 11 - O processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de informação em enfermagem� à luz do interacionismo simbólico
ESTÁGIO 1 (O IMPULSO)
Entrada na situação Procurando adequar os modelos formais com a prática de enfermagem. Buscando utilizar os diagnósticos de enfermagem. Sentindo que existe uma lacuna entre a teoria e a prática. Tendo dificuldades com o preparo dos enfermeiros.
ESTÁGIO 2 (A PERCEPÇÃO)
Definindo a situação Vendo a sistematização como um caminho para desenvolver sistemas de informação em enfermagem. Vendo a relação entre enfermeiro e paciente. Vivenciando a prática de enfermagem.
Construção da linha de ação BUSCANDO A INTERAÇÃO TEORIA E PRÁTICA
PARA DESENVOLVER SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM ENFERMAGEM
ESTRATÉGIA DE AÇÃO % Procurando elementos da
prática de enfermagem para compor um sistema de informação. % Avaliando as dificuldades na
prática de enfermagem. % Avaliando as vantagens que o
sistema de informação traz para a enfermagem.
ESTRATÉGIA DE AÇÃO % Avaliando as dificuldades com o
sistema de registro manual. % Procurando minimizar as
restrições ao sistema de informação computadorizado.
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO EXPLÍCITO
E TÁCITO
ESTÁGIO 3 (A MANIPULAÇÃO)
AÇÃO
Os enfermeiros agem em direção à interação teoria e prática no sistema de
informação em enfermagem.
Os enfermeiros não agem em direção à interação
teoria e prática no sistema de informação em
enfermagem. ESTÁGIO 4 (A CONSUMAÇÃO)
CONSEQÜÊNCIAS (ATO CONCRETIZADO)
CONSEQÜÊNCIAS
Querendo um sistema de informação. Entendendo o sistema de informação como um caminho para a valorização e o crescimento da enfermagem.
Tendo sentimentos de restrições ao sistema de informação
197
198
Nestas considerações, procuramos ressaltar alguns pontos de vista e posições
expostas ao longo do trabalho. Não se trata de resumir os temas abordados, mas sim de
evidenciar algumas teses de importância geral. A interpretação situou-se à luz do
interacionismo simbólico, utilizando, para isso, a grounded theory como referencial
metodológico que possibilitou uma nova perspectiva e compreensão para a situação
investigada.
O significado atribuído pelos enfermeiros ao sistema de informação requer uma
ampliação. Ao invés de designar simplesmente um modelo técnico, o desenvolvimento de
sistemas engloba um conjunto de fatores sociais e organizacionais que interagem com
diversos aspectos contingenciais, considerando-se os inter-relacionamentos das partes que
o compõem.
O estudo revelou que os enfermeiros reconhecem a existência de uma lacuna entre
teoria e prática no processo de trabalho da enfermagem. Esse fato dificulta o preparo dos
profissionais de enfermagem, além de trazer implicações para o desenvolvimento de
sistemas de informação. Essa situação merece ser considerada sob duas dimensões: a
dimensão do conhecimento teórico/explícito e a dimensão do conhecimento
informal/tácito.
A dimensão do conhecimento explícito diz respeito aos modelos teóricos,
representados aqui pelo processo de enfermagem, através da sistematização do cuidado
(histórico e problemas de enfermagem, diagnósticos, intervenções e resultados). Os
enfermeiros buscam utilizar e articular o conhecimento teórico com a prática, mas não
conseguem aplicá-lo em sua totalidade por causa de inúmeras barreiras pessoais e
operacionais.
Por outro lado, a dimensão do conhecimento tácito inclui o conhecimento prático,
vivenciado pela experiência dos enfermeiros que emerge da complexidade dos problemas
de enfermagem compartilhados pelos enfermeiros. As dimensões desse conhecimento
foram referidas neste estudo, levando-se em consideração a percepção identificada pelos
enfermeiros, o significado que é atribuído à interação teoria e prática em enfermagem e sua
repercussão no sistema de informação.
Ao se considerar a lacuna entre teoria e prática em enfermagem no
desenvolvimento de sistemas de informação como paradigma percebido e definido na
visão de mundo dos enfermeiros da Clínica Médica do HULW, pretendeu-se trabalhar com
199
esses enfermeiros para diminuir essa lacuna, através da conversão do conhecimento, ou
seja, da interação social entre o conhecimento explícito e o conhecimento tácito.
Não se pode deixar de mencionar que se trata de um processo social entre
indivíduos e dentro do sistema organizacional. Dessa forma, para se desenvolver um
sistema de informação em enfermagem, faz-se necessário o compartilhamento do
conhecimento entre os enfermeiros. Esse conhecimento deve ser interpretado e avaliado no
processo prático da informação. Nesse aspecto, é preciso reconhecer que nem todo
conhecimento em enfermagem é pertinente para computadorização.
Com essa noção básica em mente, os enfermeiros podem tentar codificar e
padronizar um conjunto de dados mínimos, no sentido de fornecer um ponto de partida da
informação. Esses dados devem ser incorporados através da interação entre o
conhecimento explícito e tácito (teoria e prática), fornecendo apoio aos complexos papéis
desempenhados pelos enfermeiros da Clínica Médica do HULW.
Observou-se ainda que, para o enfermeiro, a sistematização da assistência é o
caminho mais adequado para se atingir os objetivos dos cuidados de enfermagem
compatíveis com a filosofia de trabalho da enfermagem da Clínica Médica do HULW.
Além disso, esse método de trabalho está fundamentado numa base teórica que permite
uma contínua revisão de conteúdo, possibilitada pelas reuniões científicas desenvolvidas
de forma periódica na citada unidade.
Faz-se necessário entender que a sistematização da assistência permite uma maior
aproximação na relação enfermeiro - paciente. Nesse processo, o enfermeiro é um
�educador�, �facilitador� e �promotor�, tendo sempre o propósito de ajudar o paciente a
recuperar sua qualidade de vida. A sistematização é vivenciada na prática de enfermagem
da Clínica Médica e deve ser reconhecida pela instituição para garantir a continuidade do
processo de enfermagem, porque ela representa o real papel desses profissionais.
Por outro lado, como método de trabalho, a sistematização possibilita que o
enfermeiro disponha de um maior número de informações a respeito do paciente. Para isso,
o sistema de registro deve ser claro e preciso, de modo a tornar visível a prática invisível
da enfermagem. Assim, o processo de trabalho em enfermagem voltado para a
sistematização da assistência torna-se um caminho viável para o desenvolvimento de
sistemas de informação em enfermagem, de acordo com a vivência prática (conhecimento
200
tácito), aliada a uma base teórica (conhecimento explícito), para validar a teoria na prática
e vice-versa.
O estudo revelou ainda que os enfermeiros traçam estratégias para si (self). Nessa
perspectiva, procuram elementos da prática de enfermagem para incorporar ao sistema de
informação, avaliam as dificuldades vivenciadas com a prática de enfermagem e com o
registro manual de informações, procurando também minimizar as restrições com o
sistema de informação computadorizado. Tudo isso é feito, através do processo de auto-
indicação, ou seja, os enfermeiros são capazes de apontar ou não determinadas ações, de
acordo com o significado atribuído àquele objeto, mesmo que não tenham uma noção exata
da dimensão desse processo.
Para o desenvolvimento de sistemas de informação, a partir do estabelecimento de
ações, tal qual apregoa o modelo participativo ou enfoque soft, o que importa é identificar
o conhecimento tácito que os enfermeiros querem capturar da prática e trabalhar com
aqueles que têm significado para compor uma base de dados computadorizados. Só dessa
maneira, haverá garantias de sucesso e continuidade no desenvolvimento de sistemas de
informação. Esta pode até ser uma conclusão apressada, mas a realidade é que nem todos
os enfermeiros têm oportunidade de participar e interagir na construção de sistemas e de
traçar sua própria linha de ação que torne visível aquilo que fazem e dizem.
No processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de
informação em enfermagem�, foram identificadas as ações nas quais os enfermeiros
podem agir: uns em direção à interação teoria e prática no sistema de informação; outros
na direção contrária. O ato concretizado pela ação revela que os enfermeiros querem um
sistema de informação que seja criativo e soft, porque reconhecem as suas vantagens.
A razão que leva os enfermeiros a defenderem um sistema de informação é a
busca da valorização e do crescimento profissional. Eles vêem nisso uma maneira de
encontrarem o próprio sentido para seu trabalho nesta ação. Dessa forma, os enfermeiros
descobriram o significado que a interação teoria e prática em enfermagem tem para o
sistema de informação, ou seja, identificaram um sentido para seu trabalho, significado
real, por ter partido da realidade social e organizacional.
Assim, o enfermeiro constrói uma concepção de si mesmo, quando busca a
interação teoria e prática, ao mesmo tempo em que elabora uma representação simbólica
do mundo a sua volta. É exatamente em relação a essa concepção sobre si mesmo que o
201
enfermeiro, ao interagir com as condições sócio-organizacionais, estabelece as metas e os
projetos que conduzem ao seu crescimento e à sua valorização profissional.
O processo �Buscando a interação teoria e prática para desenvolver sistema de
informação em enfermagem� é fruto da nossa percepção do fenômeno, capturado no
contexto histórico vivenciado pelos enfermeiros da Clínica Médica do HULW. Esse fato
revela algumas limitações do estudo, destacando-se as seguintes: outros eventos
organizacionais com potencial de influenciar as variáveis em estudo que ainda não foram
alcançadas; deixaram de ser contemplados alguns aspectos concernentes à cultura
organizacional e à estrutura conceitual, descrita como abstratas e de difícil entendimento
entre os enfermeiros, existindo, dessa forma, a possibilidade de ser o tema ampliado e
aprofundado; a coleta de dados envolveu enfermeiros da Clínica Médica do HULW, até
atingir um nível de saturação da amostra, de forma que os resultados podem não
representar uma generalização.
Por essa razão, acreditamos que seja preciso desenvolver outros estudos e
envolver diferentes instituições, públicas e privadas, para buscar compreender os diferentes
pontos de vista que possam influenciar no desenvolvimento de sistemas de informação.
As discussões deste estudo têm implicações para a comunidade acadêmica e
assistencial da enfermagem. Assim sendo, merecem investigações posteriores que
salientem tanto o aspecto da interação teoria e prática, como a complexidade e a
interconectividade dos sistemas de informação em saúde, bem como sua dinâmica. As
conseqüências decorrentes da divulgação deste trabalho para a enfermagem devem servir
de alerta aos enfermeiros para a necessidade de refletirem, conjuntamente, sobre a
conversão do conhecimento por meio da interação teoria e prática. O propósito é
desenvolver sistemas de informação que atendam as suas necessidades e ajudem a alcançar
as metas a que se propõem, em especial, o crescimento e a valorização profissional, através
de um modelo soft de produção do conhecimento em serviço.
É preciso também observar que o estudo trouxe um efeito positivo para os
enfermeiros da Clínica Médica do HULW. Sem dúvida, proporcionou uma rica
experiência, através da interação como sujeitos ativos no processo de construção do
conhecimento, captado no contexto sócio-organizacional que os circunda, em que a teoria e
a prática se inter-relacionam. Nesta ação compartilhada, a percepção dos enfermeiros
mostra a importância do conhecimento tácito na construção de sistemas de informação.
202
Mesmo que eles enfrentem dificuldades operacionais, não devem desistir, mas persistir
para que possam alcançar o alvo: Buscando a interação teoria e prática para desenvolver
sistema de informação em enfermagem.
Acreditamos que essa investigação, à luz do interacionismo simbólico e do
enfoque metodológico da grounded theory, possa contribuir para a mudança na maneira de
pensar pesquisa em sistemas de informação. Esperamos também que os enfermeiros e
pesquisadores definam um enfoque centrado na interação teoria e prática, em que esses
profissionais, como sujeitos e não objeto receptor de informações, sejam receptivos às
mudanças sociais e ao aperfeiçoamento do sistema.
Por fim, convém salientar que este estudo não se esgota aqui. Ao contrário, temos
expectativas de que seus resultados e conclusões sejam vistos como um ponto de partida
para compreender a prática de enfermagem no sistema de informação automatizado.
203
204
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Apêndice A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido De acordo com a Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996,
do Conselho Nacional de Saúde Prezado (a) Senhor (a):
Esta pesquisa trata sobre Sistema de informação e interação social: buscando a
relação teoria-prática em Enfermagem. Está sendo desenvolvida por Sérgio Ribeiro dos Santos, aluno do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do Profº Dr. Artur Fragoso de Albuquerque Perruci.
O objetivo do estudo é compreender a relação entre teoria e prática do processo de trabalho em enfermagem e as implicações para o desenvolvimento de sistemas de informação. Busca, com isso, contribuir para o desenvolvimento de sistemas de informação que venham atender a necessidade da prática de enfermagem melhorando seus registros e a sistematização da assistência.
Solicitamos a sua colaboração para realizarmos uma entrevista gravada, como também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de saúde e publicá-los em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo.
Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações nem a colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador. Caso decida não participar do estudo, ou resolva a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano, nem haverá modificação na assistência que vem recebendo na Instituição.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa. Contato com o pesquisador responsável: Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o (a) pesquisador pelo telefone 9984.4329. Endereço (Setor de Trabalho):Departamento de Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. Telefone: (083)3216.7248 Atenciosamente,
Assinatura do Pesquisador Responsável
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu
consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente de que receberei uma cópia deste documento. ______________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
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Apêndice B
Roteiro de Entrevista
Os sistemas de informação podem ajudar a enfermagem. Só que esses sistemas nem
sempre são centrados no usuário e sua prática, mas na visão de quem os desenvolve,
utilizando os modelos teóricos. Supondo que se pretenda desenvolver um sistema de
informação em enfermagem centrado na prática de enfermagem, responda:
1. Que relação há entre teoria e prática em enfermagem, ou seja, como você
percebe os modelos teóricos em relação à sua prática? Eles são aplicados?
Correspondem à prática?
2. O trabalho de sistematização é um bom caminho para registrar as sua prática ou
é apenas outro modelo teórico que nada tem a ver com a sua prática?
3. Se você fosse participar no desenvolvimento de um sistema de informação em
enfermagem computadorizado, que elementos de sua prática você consideraria
importantes para serem disponibilizados no computador?
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CERTIDÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DO HULW