burocracia e polÍtica: o perfil dos funcionÁrios … · no estado ou no governo que são...
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III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ELEITOS PARA O SENADO
BRASILEIRO NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Ana Paula Lopes Ferreira1
RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer um resgate histórico das elites políticas
focando num grupo profissional específico: os funcionários públicos, mostrando o perfil
destes parlamentares. Para classificar esses parlamentares como “funcionários públicos”
tomamos por base a passagem por cargos públicos durante as suas carreiras
profissionais. Testamos a seguinte hipótese: a porta de entrada na carreira política dos
senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado, em
decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar
etapas na carreira. Os resultados apontam que os senadores apresentam uma carreira
profissional longa e tendem a iniciar suas carreiras políticas deputados provinciais e
gerais, resultado que vai contra a hipótese testada.
Palavras-chave: senadores; funcionalismo público; Primeira República; perfil social.
INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho é mostrar as trajetórias e as carreiras públicas –
burocrática e eletiva – dos senadores eleitos durante a Primeira República brasileira
(1891-1930), que exerceram algum cargo público durante a suas carreiras profissionais.
Objetivando estudar detalhadamente o perfil destes parlamentares, problematizamos a
questão da carreira deles, tendo como hipótese que a porta de entrada na carreira
política dos senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado,
em decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar
etapas na carreira. Para testar tal hipótese é utilizada a prosopografia - meio de
1 Doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Orientada
pelo Prof. Dr. Odaci Coradini. E-mail: [email protected]
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investigar as características comuns de um grupo de atores, como questões sobre
família, origens sociais, posição econômica, educação, ocupação profissional entre
outros (STONE, 2011).
Por mais que não haja uma relação causal direta entre ocupação profissional e
carreira política, é possível afirmar que a posição na hierarquia social, ocupação
profissional e funções exercidas na esfera privada ou pública estão vinculadas com o
sucesso ou o fracasso nas carreiras políticas (GAXIE, 1980). Logo, conhecer as
atividades com as quais os legisladores se ocuparam antes de entrar na política deve, em
princípio, ajudar a entender as variações nas condições de êxito na disputa por uma
cadeira parlamentar. Deste modo optamos por estudar os funcionários públicos. A
escolha desta categoria profissional se dá pela sua importância em relação à sua
participação no âmbito político, sabe-se que a burocracia de Estado é, no Brasil, uma
importante fonte para o recrutamento político, sendo a presença de políticos oriundos da
administração pública um fenômeno histórico recorrente desde o período imperial
(SOARES, 2008).
Durante a Primeira República brasileira, essa categoria profissional representou
25,9% dos parlamentares. Para chegar a este percentual primeiramente foi necessário
definir o que entendemos como funcionários públicos, chegamos a seguinte definição:
pode ser considerado funcionário público o indivíduo que mantêm ou manteve vínculos
trabalhistas com entidades governamentais, exercendo cargo, emprego ou função
pública civil ou militar, com vencimentos salariais provenientes do Estado. Não sendo
considerado como cargos típicos do funcionalismo público brasileiro aquelas posições
no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários
municipais e estaduais, chefes de gabinetes políticos e chefes da Casa Civil da
Presidência da República.
A partir desta definição, foram utilizados critérios para a classificação da
ocupação dos parlamentares em questão. Deste modo, no presente trabalho, são
considerados “funcionários públicos” aqueles sujeitos que exerceram algum tipo de
atividade profissional no setor público, podendo ser caracterizada como carreira
profissional. A adoção deste critério se deu pelo fato de que no período em questão era
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comum o exercício de várias ocupações simultaneamente no período, por esse motivo
não é possível adotar o critério da última atividade profissional, o mesmo empregado
por Rodrigues (2002), o qual identifica a última atividade profissional ou ocupação que
candidatos/eleitos exerciam antes do début, ou seja, a estreia na carreira política. O
critério adotado neste trabalho, da passagem por cargos públicos, apesar de não ser
considerado o mais seguro, consiste no mais objetivo do ponto de vista metodológico,
pois aponta a carreira no serviço público e o exercício de fato da atividade profissional –
o que não ocorre, por exemplo, quando se distribuem os parlamentares com base em
autodefinições, pois geralmente eles declaram a sua profissão com base no diploma
universitário que possuem, mesmo nunca tendo exercido o ofício. Embora o uso do
indicador “passagem por cargos públicos” possa não corresponder à ocupação
predominante na vida do parlamentar, ou à sua atividade econômica principal, esse
critério pode ser um melhor preditor das atitudes dos legisladores do que quando se
considera seu currículo acadêmico.
Para atingir os objetivos propostos acima, o presente trabalho está dividido em
três partes. Na primeira sessão, expomos a discussão da literatura sobre o problema da
origem profissional das elites políticas. Na segunda parte, apresentamos a dinâmica
política e a burocracia da Primeira República. Na sessão seguinte apresentamos o perfil
sócio-profissional dos parlamentares, separados em duas subseções: uma com o perfil
social e a outra com a trajetória profissional. Por fim, na conclusão, sumariamos
algumas perspectivas que podem ser utilizadas para interpretação o significado dos
nossos achados empíricos.
1. PROFISSÕES DE ORIGEM: HABILIDADES SOCIAIS E RECURSOS
ECONÔMICOS
Há profissões mais propícias que outras para a entrada na carreira política? É
possível estabelecer uma relação entre as habilidades ensinadas pelas ocupações
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exercidas antes da carreira política e a atuação do político nos parlamentos depois de
eleito? A fim de responder a esta e outras questões, a presente sessão extrai da literatura
sobre a origem profissional das elites políticas elementos para uma avaliar o significado
da presença de uma dada categoria ocupacional na política institucional.
1.1. AS PROFISSÕES DA PROFISSÃO POLÍTICA
Nas relações entre posição e inserção social de origem, a entrada e o
desenvolvimento na carreira política estão condicionados pela disponibilidade de
recursos financeiros e tempo, da mesma forma pelo nível de afinidade entre as
atividades profissionais de origem e a atuação parlamentar. Nesse sentido a ocupação
profissional é responsável por oferecer oportunidades para o destaque individual. Sob
esse aspecto, a origem profissional é uma variável explicativa relevante para a
compreensão do sucesso eleitoral de determinados indivíduos. Essa perspectiva enfatiza
o uso de variáveis que podem revelar prestígio, conexões e habilidades importantes para
o exercício do mandato parlamentar (NORRIS & LOVENDUSKI 1997).
A definição de Norris & Levenduski (1997) sintetiza a ideia geral da literatura
sobre o papel da variável ocupação na profissão política. Porém, a especulação em torno
da importância da ocupação prévia na carreira política vem sendo discutida há tempos,
tendo entre seus precursores Max Weber.
Em seu trabalho a “Política como vocação”, resultado de uma palestra proferida
em 1919, Weber (1982), demonstra como as ocupações podem ser utilizadas como
recurso para o ingresso na carreira política, e o modo que a política como profissão
demanda a necessidade de conhecimento específico, logo algumas experiências
profissionais trazem esse conhecimento e qualificam o individuo para o exercício da
profissão política. Tomando como objeto a classe política e considerando variáveis que
contribuem para o ingresso e o sucesso na carreira política, como: disponibilidade de
recursos financeiros; tempo para se dedicar aos assuntos públicos - que está
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diretamente relacionado com a variável - e o nível de afinidade entre as atividades
profissionais de origem e os requisitos demandados para a atuação na política. O autor
também aponta algumas ocupações, que, segundo ele, seriam mais propícias para o
ingresso na carreira política como aquelas ligadas ao direito e o jornalismo. O
conhecimento especializado e a experiência advinda do exercício regular de
determinadas profissões são centrais e economizam um grande tempo de treinamento na
função. Porém é necessário contextualizar o trabalho do autor, uma vez que no período
que ele desenvolveu essa ideia, que podemos denominar de as “profissões da profissão
política”, eram poucas as pessoas aptas a exercer qualquer tipo de atividade que
demandasse um diploma ou status social, e as profissões de “prestígio” eram limitadas a
poucas ocupações, logo essas eram as que conseguiam chegar à carreira política.
Mais do que isso, o estudo de perfil da classe política deve levar em conta as
transformações políticas e socias que ocorrem em determinadas sociedades em longo
períodos de tempo. Apenas levantando as características de indivíduos num momento
específico não demonstra se eles de fato apresentam mudanças de perfil, assim como a
população em geral que ao longo do tempo apresentam níveis de educação mais
elevados ou concentração predominante em áreas urbanas do que a geração anterior.
Por exemplo, a maior parte dos estudos sobre elites aborda somente uma
legislatura específica ou resultados de uma eleição a fim de comparar o perfil de eleitos
e não-eleitos, nos quais geralmente os dados mostram a concentração de parlamentares
com um determinado partido ou nível de escolaridade. Isso não quer dizer que esse
perfil é uma constante, que está reproduzindo os resultados de eleições anteriores. É
preciso investigar se a longo prazo ocorre ou não mudanças no perfil dos políticos
eleitos. Ou seja, não quer dizer que a classe política apresenta característica próprias, é
preciso saber se essas características se mantêm constantes ao longo do tempo.
Dogan (1967) faz esse tipo de análise em seu trabalho “Les filières de la
carrière politique en France”, no qual realiza um estudo sobre a composição social da
elite política francesa abrangente o recorte temporal que vai de 1870 à 1950, trazendo a
discussão entre a estrutura sócio-ocupacional do eleitorado e a composição social da
elite política, levando em consideração as mudanças geracionais do eleitorado e da elite.
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Segundo o autor, as mudanças de uma geração para outra no recrutamento da elite
política são evidentes se levarmos em consideração não a profissão do ministro, ou
senador, mas a origem social, isto é, ocupação, posição, riqueza, relacionamentos da
família na sociedade. Assim como o filho de um comerciante, indústria ou nobre, o
advogado poderá ser classificado tanto como pertencente a classe média baixa, classe
média alta ou nobreza (DOGAN, 1967). Essa perspectiva de mudança geracional traz
uma análise mais profunda e precisa, pois reflete a mudança social pela qual o Estado
francês passou ao longo do período analisado, observando a ascensão de determinadas
camadas sociais à classe política e como algumas profissões tendem a continuar entre as
recrutadas pelos partidos políticos, como ocorre com os conselheiros municipais e
outros profissionais da administração pública com cargos elevados presentes no
Parlamento tanto no fim do século XIX quanto na metade do século XX. O autor
também aponta que a importância de alguns setores profissionais na elite política está
relacionada com as tendências políticas do momento.
Em trabalho posterior, Dogan (1999), assim como Weber (1982), também expõe
que há profissões que se predispõem a uma carreira pública, geralmente são profissões
que oferecem oportunidades por proximidade entre a formação escolar e a experiência
exigida para desempenhar a função de representação. Exemplo disso são os
parlamentares recrutados na área jurídica. O autor sublinha que esse meio é um rico
“viveiro de políticos” em decorrência da aproximação entre: a formação, a experiência
desses profissionais e o mundo político-institucional. Outra categoria que apresenta
crescimento gradual no parlamento francês são os funcionários públicos, somente no
intervalo 1946-1993, o percentual de funcionários na Assembleia Nacional francesa
mais que dobrou, passando de 14% para 38%, esse caso acompanha a tendência geral
dos países europeus no mesmo período.
Outro achado importante do trabalho de Dogan (1999), e que nos remete ao
sistema política brasileiro durante a Primeira República, é a conciliação de profissões. O
autor mostra que na França, junto com a profissão de origem, principalmente profissões
como advocacia e o serviço público, o indivíduo concilia alguma atividade política.
Somente após a entrada no parlamento e com garantia de estabilidade na vida política é
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que esses indivíduos abandonam a profissão original, assim, o período de exercício das
duas profissões concomitantemente, tem a ver com o prestígio desta última. Quanto
maior o tempo de carreira, menor o índice de acúmulo entre as duas profissões, o que
levaria à profissionalização desses políticos.
A questão principal sobre a importância da ocupação profissional nos estudos
apresentados até o momento remete a importância que algumas profissões tem no
desenvolvimento de habilidades essenciais para a atividade política, como a habilidade
de expressão, convencimento, sedução, argumentação e uso da oratória que costumam
ser comuns em diversos parlamentos no mundo (RODRIGUES, 2002). Além de ser
importante, que a ocupação ofereça tempo livre e/ou flexibilidade no horário de
trabalho, sem grandes prejuízos para a renda pessoal, como ocorre com professores
(SANTANA, 2008).
Visto o problema por outro ângulo, pode-se dizer que a identidade dos políticos
em termos de suas experiências profissionais prévias pode indicar (e às vezes
determinar) as condições socioeconômicas que influenciam a decisão de concorrer a um
cargo eletivo. Quanto mais bem posicionados na sociedade (em termos de renda e
reputação), mais chances efetivas de ser bem-sucedido na disputa política. Por analogia,
isso pode valer para os burocratas: quanto mais alta a função no Estado, mais fácil ou
rápida a trajetória e mais longe se pode ir na carreira parlamentar.
Por um lado, saber quais e como a profissão de origem pode ajudar o aspirante à
política a adentrar a arena política, não pode ser realizado sem levar em consideração o
papel social que o exercício da atividade política traz para o indivíduo. Bourdieu (1989),
na tentativa de explicar porque alguns conseguem tornar-se parte das elites a partir de
variáveis socioeconômicas, como a ocupação, mostra que a relação entre ocupação e
carreira política seria quase de interdependência. Sendo a atividade profissional um
meio de o indivíduo conseguir ser reconhecido como alguém preparado para assumir o
cargo político, além da ocupação profissional ser usada como um meio para o destaque
individual na arena política. Isso porque algumas profissões permitem disponibilidade
ou flexibilidade de tempo, além da experiência adquirida no exercício de determinadas
funções. Em contrapartida, a carreira política é um meio de evitar a depreciação de um
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patrimônio de reputação e reconhecimento, elementos úteis para a manutenção da
carreira política, principalmente em momentos de reeleição ou progressão da carreira
(BOURDIEU, 1989).
Com a discussão da bibliografia sobre o papel da origem profissional das elites
políticas, procuramos demonstrar a importância da relação entre origem profissional e
carreira política. Com resultados próximos, a maior parcela procura explicar essa
relação com base em questões socioeconômicas como prestígio da profissão,
disponibilidade de recursos econômicos e de tempo para se dedicar à política, com
especial ênfase no conhecimento que a ocupação de origem propicia e nas relações
sociais. A partir do entendimento da importância da origem ocupacional para o ingresso
e manutenção da carreira política, procuramos entender qual a importância desta
profissão na Primeira República e o que significava ser funcionário público neste
período, deste modo passamos à segunda parte deste trabalho: a dinâmica política da
Primeira República.
2. DINÂMICA POLÍTICA E BUROCRACIA NA PRIMEIRA
REPÚBLICA
A dinâmica política mudou com a transição do Império para a Primeira
República, principalmente em relação ao modo de recrutamento dos senadores. No
Brasil imperial não havia eleições regulares para o cargo de senador, que então era
vitalício, sendo estes parlamentares nomeados pelo imperador a partir de uma lista
elaborada previamente pelas províncias. O imperador recompensava ou cooptava
aliados políticos regionais com um canal de acesso ao topo da estrutura política.
Segundo Cerqueira Leite, “Era preciso que o futuro senador já tivesse ultrapassado
importantes degraus na arte da política, tivesse uma aprendizagem prática e escola só
poderia ser, então, a ocupação de alguns cargos como Deputado, Presidente de
Província, Ministro, Diplomata e Conselheiro de Estado” (CERQUEIRA LEITE 1978,
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p.44). Essa passagem do texto de Cerqueira Leite (1978) remete à linha tênue que
separa a carreira política da burocrática no Brasil imperial, e que por sua vez continua,
ainda que com algumas modificações, na Primeira República.
Transformações significativas também teve a burocracia, principalmente com a
transformação das antigas províncias em estados federativos, levando a mudança
político-institucional, além de corroborar a autonomia administrativa que as províncias
detinham (CARVALHO, 2011). A Constituição de 1891 previa a autonomia federativa
dos níveis da federação e da divisão dos poderes (união, estado e município). Segundo
Love (1970), o resultado dessa descentralização não foi somente a concessão de mais
autoridade para os governos estaduais e município, mas também a mudança da origem
da maior parcela de receitas fiscais para eles. Embora a União ainda recebeu mais da
metade das receitas arrecadadas por todos os níveis de governo, o regime republicano
fez o controle dos governos estaduais e municipais uma proposta lucrativa, dada a forma
patrimonial em que o governo foi exibido. Desse modo, era necessário um corpo
burocrático que desse conta desta nova realidade.
Outra característica desta época, é que o poder político estava concentrado nos
chefes políticos regionais, os chamados coronéis, além de ter como figura proeminente
em cada estado o governador. Isso se deu em decorrência da implantação do
federalismo pela República e do surgimento do governo do estado como ator político,
sendo necessário para as oligarquias locais e seus representantes – coronéis – se
associarem ao representante desse novo ator político, ou seja, o governador
(CARVALHO, 1997). A relação entre governo estadual e coronel passa a ser
necessária, as oligarquias estaduais garantem a manutenção do poder do coronel no
município, cedendo-lhe o controle de cargos públicos, acesso a verbas e poder político
de mando nos municípios aos senhores locais. Em contra partida o coronel apoia o
governo e garante os votos necessários para que esse se perpetue no poder (MARENCO
DOS SANTOS, 2013). Nesse aspecto Faoro (1959) ressalta que as despesas eleitorais
era uma conta paga pelo coronel, e que esse por sua vez não chegava a acumular capital
com o dinheiro público, em decorrência da escassez de recursos municipais, eles apenas
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garantiam a autonomia em relação a definição de cargos públicos, assim mantendo seu
poder.
Dentro deste contexto social e político surgiram diversos sistemas
administrativos estaduais, que se diferenciavam entre si em decorrência do montante de
recursos financeiros disponíveis, ou seja, os estados com economia mais forte podiam
contratar mais gente e expandir suas atividades (CARVALHO, 2011). Porém, é
necessário ressaltar que neste período a maioria da população ainda vivia no meio rural,
deste modo o emprego público permaneceu reduzido. Segundo Carvalho (2011), o
“perfil reduzido” do serviço público foi herança do Império “adentrou o período
republicano e conformou uma administração de caráter regulador e aristocrática, dotada
de limitadas fontes de financiamento” (CARVALHO, 2011, p. 42). Graham (1968), por
sua vez aponta que o serviço público, ainda que reduzido, era usado à serviço dos
interesses dos coronéis – que detinham o poder de nomeação e apadrinhamento dos
servidores -, sendo um meio da manutenção da ordem pública e de obter benefícios
políticos.
De um modo geral, o funcionalismo público na Primeira República era usado
para fins de favoritismo político, através das nomeações e apadrinhamento, sendo o
mesmo restrito somente para alguns indivíduos da elite, com alto nível de escolarização,
principalmente para o período, que ocupavam cargos elevados na administração estatal.
Assim, a mudança de regime político possibilitou uma nova configuração, ainda que
limitada, ao serviço público, sendo que o exercício da atividade burocrática ainda
proporcionava à elite altas remunerações e prestigio do exercício do cargo, que remetem
ainda ao Império e a burocracia portuguesa.
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3. O SÓCIO-PROFISSIONAL PERFIL DOS “SENADORES-
FUNCIONÁRIOS”
Sabe-se que a burocracia de Estado é, no Brasil, uma importante fonte para o
recrutamento político, sendo a presença de políticos oriundos da administração pública
um fenômeno histórico recorrente desde o período imperial (SOARES, 2008). Ao
longo do século XX a burocracia pública esteve presente de modo importante no
Senado brasileiro. Se somarmos várias categorias do Estado – militares, juízes e
promotores, empregados do setor público, servidores de alto escalão e professores –,
apesar das grandes distâncias sociais entre elas, veremos que os “senadores-
funcionários” somavam nada menos de 38,6% da Casa da década de 1940. O ponto
mais baixo da sua participação no Senado foi na conturbada década de 1930, 14,7%,
mas nos anos 2000 chegaram a ocupar 1/3 das cadeiras (A. CODATO, COSTA, &
MASSIMO, 2014).
Ao trazer a análise da participação de funcionários públicos na Primeira
República, a tarefa torna-se mais árdua, principalmente porque as fontes de dados são
escassas, bem como ausentes são as descrições e narrativas históricas com excepcional
aprofundamento. Para conseguir apresentar o perfil destes parlamentares, foi necessário
um trabalho prévio de coleta de dados, usando como fontes de coletas as fichas
biográficas produzidas pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado Federal
– Prodasen. Cada um dos indivíduos que passaram pelo Senado possuem uma ficha
biográfica, que traz informações pessoais e profissionais, seja na espera privada ou
pública. Porém somente estas fichas não foram suficientes para alimentar o banco de
dados, uma vez que não é raro faltar alguma informação importante nelas, deste modo
foi necessário recorrer a uma segunda fonte de informações, o Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro, elaborado pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.
A partir das fontes de dados citadas e da construção de uma planilha
prosopográfica é possível mostrar detalhadamente o perfil dos senadores com origem
profissional no funcionalismo público eleitos durante a Primeira República brasileira,
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tendo como primeiro passo a verificação do percentual de senadores que tiveram
passagem por algum tipo de cargo público durante a Primeira República, para
posteriormente analisar o seu perfil.
O levantamento dos senadores eleitos na Primeira República se deu a partir de
fichas biográficas fornecidas pelo Prodasen, a partir delas foram levantados o perfil de
359 parlamentares, sendo que destes 93 senadores passaram pela carreira burocrática
antes do ingresso no senado, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 - Número absoluto e percentual de senadores e "senadores-funcionários" eleitos durante a
Primeira República brasileira para o Senado
Frequência Percentual
Válido
Não Funcionário 266 74,1%
Funcionário Público 93 25,9%
Total 359 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB
N= 93 (indivíduos)
Conforme a Tabela 1, nota-se que a participação desse grupo profissional era
expressiva durante a Primeira República, com 25,9%. Desse percentual pode-se tirar
duas conclusões; a primeira é que isso é resultado do contexto social da época, que
permitia a poucos alcançarem seu lugar na classe política, sendo também que as
profissões de prestigio que possibilitariam essa inserção nas elites políticas também
eram escassas. A segunda conclusão é da relação estreita na história política brasileira
entre política e burocracia, herança do Império, quando a burocracia imperial constituía-
se em “várias”, com aspectos patrimoniais, nomeações e promoções na base do
apadrinhamento, separadas por estratificação salarial, hierárquica e social. Com divisões
internas, a burocracia no período imperial era uma rica fonte de recrutamento para
carreira política, as profissões ligadas a essa burocracia somavam 60% do total
(CARVALHO, 2008, p. 91, Quadro 11).
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Após a primeira exposição mais geral da participação dos funcionários públicos
no senado, será explorado, nessa sessão, o perfil sócio-profissional desse grupo
profissional, levando em consideração atributos que contribuem para sua formação e
inserção profissional, como vínculos associativos, educação superior, escalão do cargo
ocupado no serviço público e cargo eletivo de entrada na carreira política – o début. Ao
contrário do que é esperado, não trabalhamos com vínculos partidários em decorrência
da escassez de informações sobre esta variável. Como se trata de um trabalho
exploratório o objetivo das subseções seguintes é mostrar o perfil dos parlamentares,
apresentando suas principais características.
3.1. PERFIL SÓCIO-PROFISSIONAL
Nesta seção serão expostos dados referentes ao perfil dessa categoria no Senado
Federal, levando em conta vínculo associativos e formação acadêmica. Na seção
seguinte trataremos apenas dos atributos políticos
3.1.1. VÍNCULOS ASSOCIATIVOS
Os vínculos associativos são usados como recurso para a inserção na carreira
política, uma vez que a passagem por associações e sindicatos, pode ser entendida como
um meio de compensar a falta de atributos pessoais como notoriedade e diploma
(OFFERLÉ, 1989, p.167). Coradini (2012), aponta que recursos sociais são conversíveis
em trunfos eleitorais e a ocupação prévia de cargos públicos constitui um dos principais
condicionantes para boa parte dos candidatos. Sendo que há uma relação entre a origem
profissional e a entrada na carreira política, assim como uma relação entre as
predisposições e habilidades nas atividades profissionais de origem e aquelas da
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política. A ideia é de que a ocupação de cargos públicos pode favorecer o resultado
eleitoral, assim como a passagem por associações e sindicatos.
Estudando os vínculos associativos dos senadores da Primeira República, os
“senadores-funcionários” apresentam um percentual elevado de participação em
associações, sendo que 34,4% deles apresentam algum vínculo associativo, enquanto
que entre os demais senadores, 30,1% estão ligados a algum tipo de associação. Na
tabela abaixo é possível ver detalhadamente os tipos de associativismo aos quais os
senadores com origem profissional no serviço público estavam vinculados.
Tabela 2 – Número absoluto e percentual da participação dos senadores com origem profissional no
funcionalismo público eleitos na Primeira República em diferentes tipos de associações
Frequência Porcentual Porcentagem
acumulativa
Válido
Sem vínculo associativo 61 65,6% 65,6
Academia de letras 1 1,1% 66,7
Associações profissionais 8 8,6% 75,3
Associações abolicionistas 6 6,5% 81,7
Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro 7 7,5% 89,2
Outras 7 7,5% 96,8
Associações Republicanas 3 3,2% 100,0
Total 93 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB
N= 93 (indivíduos)
Dos dados apresentados na tabela 2, é necessário destacar, ainda que o
percentual seja baixo, os associados a entidades e associações profissionais tem a maior
representatividade (8,6%), que pode ser um indicador de uma relação entre dois
recursos políticos: associativismo e atividade profissional. Seguindo a colocação de
Coradini (2007), de que a existência de associativismo ou relação entre políticos não
depende apenas das lógicas do engajamento e militância associativa, mas de sua
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inserção e inter-relação com outros recursos e esferas de atuação. Esses dados também
indicam a atuação política dos parlamentares desde o Império, conforme indicam a
participação em associações republicanas e abolicionistas fundadas ainda no período
imperial.
3.1.2. FORMAÇÃO SUPERIOR
Segundo Kurzman & Healey (2004), os "intelectuais independentes são
encontrados no curso da história em todos os campos", fornecendo liderança
hegemônica e infraestrutura organizacional para os movimentos de transição política do
início do século XX, o ensino superior foi elemento unificador das elites brasileiras no
declínio do Império e na mudança para a República. De acordo com Carvalho, a elite
era “uma ilha de letrados num mar de analfabetos” (2008, p.59). Quase toda a elite
possuía algum tipo de graduação, principalmente em Direito, e, em menor proporção,
em Engenharia e Medicina, e isto a unificava ideologicamente. A educação superior,
durante o Império, era obtida em Portugal, e, após a Independência, em quatro capitais
brasileiras, o que promovia uma concentração geográfica que facilitava o contato
pessoal entre os estudantes, unificando-os ideologicamente dentro do controle do
governo brasileiro e português (CARVALHO, 2008). Na Primeira República este
cenário não difere, a elite continua apresentam elevados níveis de educação formal e
com formação restrita à poucas áreas da educação, conforme demonstra a tabela 3.
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Tabela 3 – Número absoluto e percentual de senadores com origem profissional no funcionalismo
público eleitos na Primeira República com ensino superior e por área de formação
Frequência Porcentual
Válido
Direito 45 48,4%
Engenharia 14 15,1%
Medicina 15 16,1%
Formação Militar 7 7,5%
Ciências Físicas e
Matemática 1 1,1%
Sem formação superior 10 10,8%
Sem informação 1 1,1%
Total 93 100,0%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB
N= 93 (indivíduos)
Os bacharéis em Direito representam quase metade do universo estudado com
48,4%, isso porque, no Brasil, desde o Império alguns cursos de nível superior são
responsáveis por fornecer profissionais para o serviço público, nesse período as
faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda funcionaram como centros de formação
de quadros para a magistratura, a vida política e a burocracia civil. Com isso, a vida
pública tornou-se campo de atividade reservada eminentemente ao bacharel
(CARVALHO, 2011). Esses percentuais elevados da participação de parlamentares com
formação em direito ocorre entre outras coisas, em decorrência da familiaridade com a
lei e a administração pública, o uso da palavra, falada e escrita, prática da negociação,
flexibilidade de tempo, facilidade para voltar a profissão em caso de perderem a eleição,
além do prestigio social (WEBER, 1982).
Outro dado importante a ser destacado é o percentual dos sem formação superior
(10,8%), demonstrando o elevado nível de educação formal da época, sendo que este
valor não difere dos outros senadores sem ensino superior no período que é de 9,8%.
Segundo Matthews (1985), os parlamentares costumam exercer profissões de maior
prestígio social do que a maioria da população. Em grande parte, isso é explicado pelo
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fato de que eles contam com nível educacional mais elevado do que a média da
população, principalmente, no caso brasileiro, se comparado a população em geral.
3.2. O PERFIL PROFISSIONAL ENTRE A BUROCRACIA E A
POLÍTICA
Os senadores com origem profissional no funcionalismo público apresentam
uma média de 8,3 cargos – entre burocráticos e eletivos – entre o seu início na carreira
burocrática e política até o début no senado, esses dados caracterizam uma carreira
longa, porém não há como saber o tempo de carreira em anos, uma vez que, em
decorrência da escassez de informações sobre data de entrada e saída dos diversos
cargos exercidos pelos “senadores-funcionários”, isto não foi possível, uma vez que
46,2% dos casos não há essas informações. Deste modo esta sessão vai se ater ao
escalão do serviço público ao qual estes parlamentares pertenceram, assim como o
modo de entrada na carreira política, ou seja, o début.
3.2.1. OS ESCALÕES DO SERVIÇO PÚBLICO
Para entender melhor o perfil dos “senadores-funcionários”, consideramos
necessário separá-los por escalões do serviço público ao qual pertenciam – baixo, médio
e alto. Desse modo optou-se por classificá-los a partir do critério de posição hierárquica
e poder de decisão que o cargo detem. Assim, os indivíduos que ocupam tais postos
controlam tipos e volumes de recursos políticos e burocráticos que demais indivíduos
não controlam.
A partir destes critérios, os diferentes tipos de carreiras foram divididos
conforme os escalões do funcionalismo público, da seguinte forma: baixo escalão -
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ajudante de ordens na casa militar, militares de baixa patente (como sargentos) e
secretários de instituições públicas, entre outros. Essas ocupações foram classificadas
como baixo escalão uma vez que estão na posição mais baixa da hierarquia, estando
submetidos a ordens superiores, além de possuir baixo poder de decisão. No médio
escalão foram incluídas ocupações que estão em cargos intermediários de hierarquia nos
locais de trabalho, nesta categoria encontram-se os profissionais liberais, como médicos,
advogados e engenheiros, fiscais de impostos, inspetores, policiais, professores
universitários, militares de patente intermediária (como capitães). Por fim, no alto
escalão estão incorporados os delegados de polícia, diretores e superintendentes estatais,
profissões do judiciário (como promotores públicos, juízes e procuradores), militares de
alta patente (como coronel, tenente-coronel, general de brigada, brigadeiros), entre
outros. Essas ocupações estão no topo da hierarquia, possuem elevado grau de decisão.
Deste modo, num contexto geral os 93 parlamentares oriundos do baixo, médio e
alto funcionalismo público estão distribuídos da seguinte forma:
Tabela 4 - Número absoluto e percentual de senadores com origem profissional no baixo, médio e
alto funcionalismo público eleitos na Primeira República
N %
Baixo 4 4,3
Médio 17 18,3
Alto 72 77,4
Total 93 100,0
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB
N= 93 (indivíduos)
Como era esperado, o alto escalão, em decorrência do seu status e demais
recursos, como influência e recursos financeiros, que são capitais importantes para o
ingresso na carreira política, apresenta predomínio entre os eleitos (77,4%). Enquanto
que o médio funcionalismo público tem uma representação modesta (18,3%) e o baixo
escalão tem a porcentagem mais baixa (4,3%). Esses dados demonstram que o aparato
burocrático da época estava concentrado em cargos de prestigio e alta remuneração,
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uma vez que não havia quase espaço para o cargos de baixo escalão, logo o acesso a
estes cargos eram restritos a poucos, sendo ocupados principalmente por integrantes de
famílias de prestígio social, mas que com o fim do Império precisaram se adaptar à nova
realidade social brasileira.
3.2.2. O DÉBUT
O cargo político de estreia está relacionado diretamente com a posse de
requisitos individuais que indicam o reconhecimento necessário à continuidade da
carreira política até um possível ingresso na Câmara Federal (MARENCO DOS
SANTOS, 2000).
Em seu trabalho sobre a Câmara Federal, Marenco dos Santos (2000) afirma que
o tempo de carreira política entre o début e a conquista de uma cadeira na Câmara
Federal é um reflexo da estabilidade existente no interior da classe política, o autor parte
da ideia que o fato dos indivíduos somente alcançarem uma vaga no legislativo federal
após uma longa trajetória política prévia revela uma estrutura de oportunidades que
favorece a continuidade na representação parlamentar, enquanto que, se a chegada à
Câmara Federal ocorre com frequência entre aqueles indivíduos com escassa
experiência política, isto sugere uma precária estabilidade, frágeis hierarquias internas e
uma situação de acentuada incerteza que ronda os portadores de um mandato
parlamentar.
No caso dos senadores com origem profissional no funcionalismo público eleitos
na Primeira República, a porta de entrada na carreira política também é, em sua maioria
os legislativos estaduais e a Câmara Federal, conforme demonstra a tabela 5.
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Tabela 5 - Primeiro cargo eletivo dos senadores com origem profissional no serviço público eleitos
na Primeira República (número absoluto e percentual)
Cargo N %
Vereador 11 11,8
Prefeito 8 8,6
Deputado provincial 28 30,1
Deputado geral 24 25,8
Governador 7 7,5
Senador 15 16,1
Total 93 100
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB
N= 93 (indivíduos)
Se considerarmos somente o universo dos senadores com origem no
funcionalismo público, eles fazem parte do grupo com escassa experiência política,
sendo que 55,9% deles iniciaram suas carreiras políticas diretamente no legislativo
estadual e federal (deputados provinciais com 30,1% e deputados gerais com 25,8%).
Porém é significativo o percentual daqueles que iniciaram a carreira diretamente no
Senado, com um total de 16,1%. Esses dados demonstram que a ocupação de cargo
público, é sim, um meio de queimar etapas na carreira, possibilitando o ingresso na
carreira política diretamente pelo legislativo, não havendo a necessidade de trilhar uma
carreia longa e gradual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente trabalho foi mostrar o perfil dos senadores com origem
profissional no funcionalismo público eleitos na Primeira República brasileira, a partir
da exploração de informações como vínculos associativos, área de formação superior,
escalão do serviço público ao qual pertencia e modo de ingresso na carreira política,
procuramos traçar um perfil dessa categoria profissional pouco explorada na literatura
nacional concernente ao estudo de elites.
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Em geral os “senadores-funcionários” são político com experientes, com
passagem em média por 8 cargos ao longo da carreira, entre cargos burocráticos e
eletivos, que exerceram, em sua grande maioria, cargos de alto escalão no
funcionalismo público, que entram na carreira política preferencialmente pelo
legislativo estadual (deputados provincial) e legislativo federal (deputado geral), ao
contrário do que esperávamos, assim refutando a hipótese de que a passagem por cargos
públicos pode ser um meio de queimar etapas na carreira política e possibilitar a entrada
diretamente pelo Senado em decorrência do status da profissão de origem.
Também é valido destacar o elevado percentual de “senadores-funcionários”
com algum vínculo associativo (34,4%), sendo esse valor superior ao percentual dos
demais parlamentares do Senado. Assim como a forte presença de bacharéis em Direito
entre estes parlamentares, indo de encontro com dados explorado em outros trabalhos
sobre elites parlamentares.
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