bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo*bronquiolite obliterante com pneumonia em...

4
154 Addor, Gabriela, et al. Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo* Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia GABRIELA ADDOR, ANDREIA SALARINI MONTEIRO (TE SBPT) , DAVID HENRIQUE NIGRI, WILHERMO TORRES, CARLOS ALBERTO DE BARROS FRANCO (TE SBPT) Uma paciente 48 anos apresentou-se, assintomÆtica, mas com achado radiológico de condensaçıes alveolares, algumas constituindo nódulos em lobo superior direito, lobo mØdio e língula com predomínio perihilar. Foi considerado o diagnóstico diferencial de neoplasia, sarcoidose, doenças granulomatosas e tuberculose, entre outras doenças. O diagnóstico de bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo foi estabelecido atravØs de videotoracoscopia e foi iniciado o tratamento com esteróides. Houve boa evoluçªo com resoluçªo radiológica. J Bras Pneumol 2004; 30(2) 154-157 48 years-old woman, asymptomatic, presented with radiographic findings of patchy airspace consolidation with nodular opacities in the upper right lobe, middle lobe and lingula. The differential diagnoses of neoplasms, sarcoidosis, granulomatous diseases and tuberculosis were considered. Diagnosis of Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia was made by means of videothoracoscopy whereupon treatment with corticosteroids was begun. The patient had a positive evolution with resolution of the radiographic finding. Descitores: Bronquiolite obliterante. Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo Key words: bronchiolitis obliterans organizing pneumonia, bronchiolitis obliterans * Trabalho realizado na Escola MØdica de Pós-Graduaçªo da PUC-RJ. Disciplina de Pneumologia e na Clínica Narros Franco-Consultoria em Aparelho Respiratório Endereço para correspondŒncia - Gabriela Addor. Rua Sorocaba 464/402, Botafogo, Rio de Janeiro/RJ CEP: 22271-110. Tel: 22667392. e-mail: [email protected] / [email protected] Recebido para publicaçªo, em 8/5/3. Aprovado, após revisªo em, 26/8/3. INTRODU˙ˆO A Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo foi descrita em 1985 por Epler et al. como uma enfermidade distinta, com manifestaçıes clínicas, radiológicas e prognóstico diferentes de outras doenças intersticiais pulmonares. Em 1983 Davison et al. descreveram uma entidade semelhante, que denominaram pneumonia criptogŒnica em organizaçªo. A bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo (BOOP) Ø caracterizada pela presença de preenchimento de tecido conjuntivo no interior dos espaços aØreos distais, que ocorre predominantemente em ductos alveolares e alvØolos, e com o freqüente acometimento tambØm de bronquíolos (1,7) . Esse padrªo histopatológico pode estar associado a doenças do tecido conjuntivo, vasculites, infecçıes, pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia obstrutiva, aspiraçªo, uso de drogas, toxinas sistŒmicas ou inaladas, pneumonia eosinofílica crônica, malignidades hematológicas, ou tambØm ser de doença idiopÆtica (7,8) . Neste œltimo caso, Ø preferencialmente chamada pneumonia criptogŒnica em organizaçªo (COP). Como a utilizacªo do termo BOOP pode causar confusªo com outras doenças de vias aØreas como a bronquiolite constritiva (1) , e enfatiza

Upload: others

Post on 25-Oct-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo*Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo estabelecidas (1). A sintomatologia Ø geralmente inespecífica, e pode

154

Addor, Gabriela, et al.Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização

Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização*Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia

GABRIELA ADDOR, ANDREIA SALARINI MONTEIRO (TE SBPT), DAVID HENRIQUE NIGRI, WILHERMO TORRES, CARLOSALBERTO DE BARROS FRANCO (TE SBPT)

Uma paciente 48 anos apresentou-se, assintomática, mascom achado radiológico de condensações alveolares, algumasconstituindo nódulos em lobo superior direito, lobo médioe língula com predomínio perihilar. Foi considerado odiagnóstico diferencial de neoplasia, sarcoidose, doençasgranulomatosas e tuberculose, entre outras doenças. Odiagnóstico de bronquiolite obliterante com pneumonia emorganização foi estabelecido através de videotoracoscopia efoi iniciado o tratamento com esteróides. Houve boa evoluçãocom resolução radiológica.

J Bras Pneumol 2004; 30(2) 154-157

48 years-old woman, asymptomatic, presented withradiographic findings of patchy airspace consolidation withnodular opacities in the upper right lobe, middle lobe andlingula. The differential diagnoses of neoplasms, sarcoidosis,granulomatous diseases and tuberculosis were considered.Diagnosis of Bronchiolitis obliterans organizing pneumoniawas made by means of videothoracoscopy whereupontreatment with corticosteroids was begun. The patient hada positive evolution with resolution of the radiographicfinding.

Descitores: Bronquiolite obliterante. Bronquiolite obliterantecom pneumonia em organização

Key words: bronchiolitis obliterans organizing pneumonia,bronchiolitis obliterans

* Trabalho realizado na Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-RJ. Disciplina de Pneumologia e na Clínica Narros Franco-Consultoriaem Aparelho RespiratórioEndereço para correspondência - Gabriela Addor. Rua Sorocaba 464/402, Botafogo, Rio de Janeiro/RJCEP: 22271-110. Tel: 22667392. e-mail: [email protected] / [email protected] para publicação, em 8/5/3. Aprovado, após revisão em, 26/8/3.

INTRODUÇÃOA Bronquiolite obliterante com pneumonia em

organização foi descrita em 1985 por Epler et al.como uma enfermidade dist inta, commanifestações clínicas, radiológicas e prognósticodiferentes de outras doenças intersticiaispulmonares. Em 1983 Davison et al. descreveramuma entidade semelhante, que denominarampneumonia criptogênica em organização. Abronquiolite obliterante com pneumonia emorganização (BOOP) é caracterizada pela presençade preenchimento de tecido conjuntivo no interiordos espaços aéreos distais, que ocorrepredominantemente em ductos alveolares e

alvéolos, e com o freqüente acometimento tambémde bronquíolos(1,7). Esse padrão histopatológicopode estar associado a doenças do tecidoconjuntivo, vasculites, infecções, pneumonite dehipersensibi l idade, pneumonia obstrutiva,aspiração, uso de drogas, toxinas sistêmicas ouinaladas, pneumonia eosinofí l ica crônica,malignidades hematológicas, ou também ser dedoença idiopática (7,8) . Neste último caso, épreferencialmente chamada pneumoniacriptogênica em organização (COP). Como autilizacão do termo BOOP pode causar confusãocom outras doenças de vias aéreas como abronquiol ite constr it iva (1), e enfatiza

Page 2: Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo*Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo estabelecidas (1). A sintomatologia Ø geralmente inespecífica, e pode

155

Jornal Brasileiro de Pneumologia 30(2) - Mar/Abr de 2004

DISCUSSÃOA BOOP idiopática é a forma mais comum de

BOOP e geralmente surge entre a quinta e a sextadécadas de vida, mais freqüentemente em nãotabagistas, sem predileção entre os sexos. Suaincidência e prevalência ainda não foram

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho:BOOP: Bronquiol ite obl iterante com pneumonia emorganizaçãoTCAR: tomografia computadorizada de alta resoluçãoBAAR: bacilo álcool-ácido resistenteCOP: pneumonia criptôgenica em organizaçãoPCR: reação em cadeia da polimerase (polimerase chainreaction)FAN: anticorpo antinuclearANCA: anticorpo anti citoplasma de neutrófilos

Figuras 1 e 2. Áreas de consolidação alveolar combroncograma aéreo, algumas assumindo aspecto denódulos, mais confluentes em região perihilar direita.

demasiadamente o componente bronquiolar, quepode ser encontrado em outras afecções nãoassociadas a pneumonia em organização, ele temsido cada vez menos empregado(3). O uso do termogenérico pneumonia em organização foi portantoproposto, com as modificações adequadas a cadacaso, como por exemplo: pneumonia emorganização associada a artrite reumatóide,pneumonia em organização associada a pneumoniaviral, etc(1).

RELATO DO CASOUma engenheira, de 48 anos, tabagista (25

anos/maço), assintomática, foi submetida aexame radiológico de tórax de rotina, queevidenciou infiltrado alveolar em lobo superiordireito e lobo médio. Não havia história deinfecção recente, uso de drogas sistêmicas ouinaladas, ou de viagem recente. Negava históriade asma ou sinusopatia.

O exame físico era normal. A tomografiacomputadorizada de alta resolução do tóraxmostrou condensações alveolares, algumasconstituindo nódulos, em lobo superior direito,lobo médio e língula, com predomínio perihilar(Figuras 1 e 2). A espirometria foi normal, comvolume expiratório forçado no primeiro segundo(VEF1) de 2.58L (91%) e capacidade vital lenta(CV) de 3.68L (107%). O teste de caminhada deseis minutos não apresentou alterações, comsaturação inicial de O2 de 98% e final de 97%,sendo a distância percorrida de 320 metros. Asorologia para HIV foi negativa. Hemograma, VHS,proteína C reativa e cálcio sérico eram normais.As sorologias para doenças do colágeno evasculites sistêmicas (incluindo FAN, ANCA , Anti-DNA, Anti-Sm, Anti-SS-A, Anti-SS-B e fatorreumatóide) foram negativas. A broncofibroscopiacom biópsia transbrônquica foi normal, com examebacterioscópico pela coloração de Gram, culturapara germes comuns, BAAR, pesquisa direta parafungos e PCR para Mycobacterium tuberculosisnegativos no lavado broncoalveolar. O examehistopatológico resultou inconclusivo. Foi realizadabiópsia pulmonar por videotoracoscopia, a qualfoi compatível com BOOP (Figura 3). Foi entãoiniciada prednisona a 40mg/dia, com melhoratomográfica importante em 45 dias. Após seismeses havia somente discreto infiltrado em vidrofosco.

Page 3: Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo*Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo estabelecidas (1). A sintomatologia Ø geralmente inespecífica, e pode

156

Addor, Gabriela, et al.Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização

estabelecidas(1). A sintomatologia é geralmenteinespecífica, e pode estar ausente em 13% doscasos (6), como ocorreu nesta paciente, queprocurou atendimento pneumológico porapresentar alterações no radiograma de tórax. Ospacientes geralmente apresentam tosse e dispnéia,podendo também ocorrer sintomas constitucionais,como perda de peso, mialgia, mal estar, prostraçãoe febre. Nos exames laboratoriais pode haveraumento do VHS e da proteína C reativa(7). Osachados clínicos mais comuns são estertorescrepitantes e taquipnéia. Baqueteamento digitalnormalmente está ausente. Os achadosradiológicos mais comuns são áreas deconsolidação uni ou bilateralmente. Pequenasopacidades nodulares podem ser encontradas em10% a 50% dos casos. À tomografia do tóraxobserva-se consolidação do espaço aéreo em 90%dos casos de BOOP, com predomínio em áreasinferiores. A atenuação em vidro fosco pode serencontrada em 60% dos casos(1). Em 15% dospacientes pode-se encontrar múltiplos nódulos(1).

Contrariamente aos achados mais comuns daliteratura, a paciente deste caso era assintomáticae o exame radiológico não usual (infiltrado comnódulos predominando nos lobos superiores), oque levou à pesquisa dos seguintes diagnósticosdiferenciais: sarcoidose, neoplasias, doençafúngica, proteinose alveolar, granulonatose deWegener e tuberculose.

Para o diagnóstico de BOOP é necessária acoleta de material para o exame histopatológico,a qual pode ser realizada através de biópsiatransbrônquica, que apesar de demostrarbronquiolite obliterante na maioria dos casos, nãoé adequada na exclusão de lesões associadas. Issonão ocorre na biópsia cirúrgica, pois o material éobtido sob visão direta e em maior quantidade. Opapel da biópsia transbrônquica no diagnósticoda BOOP ainda não está totalmente definido(1). Apaciente foi submetida à biópsia transbrônquica,que foi inconclusiva pois no material obtido nãohavia componente representativo pulmonar. Abiópsia pulmonar por videotoracoscopia neste casofoi essencial para a definição diagnóstica. Nãohouve complicação relacionada ao procedimento.

O diagnóstico de COP é feito através daexclusão de outra patologia ou mecanismoagressor associado ao quadro de BOOP. Nopresente caso, as sorologias para colagenose evasculites sistêmicas foram negativas e a biópsiacirúrgica foi importante na exclusão de doençasinfecciosas ou neoplásicas que poderiam estarassociadas.

A maioria dos pacientes tem recuperaçãocompleta com a administração de corticóide,prednisona em doses que variam de 0.75mg/Kg a1,5mg/kg como dose inicial, a qual deve sermantida por seis a doze meses, e posteriormentereduzida gradualmente(7). Um pequeno percentualde pacientes recupera-se espontaneamente (7).Raramente ocorre progressão para insuficiênciarespiratória e óbito. A evolução para fibroseintersticial difusa sugere outro diagnostico, assimcomo a recaída com doses de esteróide superioresa 20mg(8). Pode ocorrer recidiva após a reduçãoou retirada do corticóide, geralmente no primeiroano após o diagnóstico, em 9% a 58% dos casos(8),porém não há relação entre o número de recidivase o prognóstico(7,8). Por ser a BOOP uma doençade característica benigna, raramente evoluindocom insuficiência respiratória e óbito, é importanteo estabelecimento de um protocolo de tratamentoequilibrado e eficiente com mínimos efeitoscolaterais. Não existe um consenso na literaturasobre a oportunidade de tratamento e a dose aser utilizada de corticosteróides. O tratamentoprecoce parece evitar recidivas(8). Neste caso clínicooptou-se pela utilização de doses menores deprednisona (0.75mg/kg), com redução gradual e

Figura 3. Proliferação fibroblástica jovem, com algumaconcentricidade, ocupando a luz alveolar(HE 400x)

Page 4: Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo*Bronquiolite obliterante com pneumonia em organizaçªo estabelecidas (1). A sintomatologia Ø geralmente inespecífica, e pode

157

Jornal Brasileiro de Pneumologia 30(2) - Mar/Abr de 2004

suspensão em seis meses. Observou-se boa respostaradiológica e ausência de recidiva até o momento.A boa resposta também pode ser atribuída aoinício do tratamento numa fase assintomática.

No presente caso, a paciente apresentavaachado radiológico extenso sem associação comalterações clínicas ou laboratoriais, e a biópsiapulmonar cirúrgica foi o único método capaz deestabelecer o diagnóstico. A instituição detratamento na fase assintomática, associada auma dose mais baixa de corticosteróide composterior redução gradual, mostrou boa resposta,sem efeitos colaterais graves ou recidivas.

REFERÊNCIAS1. Joint statment of ATS and ERS. Classification of the

idiopatic interstitial pneumonias; internacional consensusstatement. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:277-304.

2. Mokhtari M, Bach PB, Tietjen PA, Stover DE. Bronchiolitisobliterans organizing pneumonia in cancer: a case series.Respir Med 2002;96:280-6.

3. Fortuna FP, et al. O espectro clínico e radiológico dapneumonia em organização: análise retrospectiva de 38casos. J Pneumol 2002;28(6):317-32.

4. De Almeida P, et al. Bronquiolite obliterante na formanodular. J Pneumol 2002;28:335-8.

5. Kroegel C, Reibetaig A, Hengst U, Mock B, Hafner D,Grahmann PR. Bilateral symmetrical upper-lobe opacities:an unusual presentation of bronchiolitis obliteransorganizing penumonia. Chest 2000;118:863-5.

6. Cazzoto S, et al. Bronchiolitis obliterans-organizingpneumonia: an Italian experience. Respir Med ; 94:702-08.

7. Cordier JF. Organising pneumonia. Thorax 2000;55:318-28.

8. Lazoir R, et al. Cryptogenic organizing pneumonia:characteristics of relapses in a series of 48 patients. Am JCrit Care Med 2000;162:571-7.

9. Kuru T. Nonresolving or slowly resolving pneumonia. ClinChest Med 1999;20:623-51.

10. Fishman AP. Chronic obstructive lung disease: overview.In: Fishman AP, editor. Fishman�s pulmonary diseases anddisorders. 3rd ed. New York: McGraw-Hill; 1998. Chap.42,p.645-58.

11.King TE. Bronchiolitis. In: Fishman AP, editor. In: Fishman�spulmonary diseases and disorders. 3rd ed. New York:McGraw-Hill; 1998. Chap.54, p.825-47.