brasileiras cÉlebres e a educaÇÃo das mulheres … · 2 compilados e encadernados na própria...
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BRASILEIRAS CÉLEBRES E A EDUCAÇÃO DAS MULHERES CARIOCAS DO
SÉCULO XIX
GABRIELLA ASSUMPÇÃO DA SILVA SANTOS LOPES1*
ADRIANA APARECIDA PINTO2*
O presente trabalho tem como objetivo apresentar as biografias de mulheres
denominadas Brasileiras Célebres de autoria de Joaquim Norberto de Sousa Silva, que
integraram a seção “Esboços Biográficos” da Revista Popular, periódico de propriedade do
editor e livreiro francês Baptiste Louis Garnier. Esse texto é parte da pesquisa de mestrado em
desenvolvimento que objetiva compreender as formas de abordagem da/sobre a educação
feminina na Revista Popular por meio da propagação de costumes, práticas e valores.
A Revista Popular circulou no Brasil quinzenalmente entre os anos de 1859 a 1862.
De acordo com Miranda e Azevedo (2010) Garnier, seu editor, mudou-se da França para o Rio
de Janeiro em 1844 e se estabeleceu na Rua do Ouvidor. Entrou para o mercado editorial,
publicou livros de importantes literatos e intelectuais dos oitocentos e adentrou o ramo dos
impressos periódicos em 1859 com a Revista Popular, que foi substituída pelo Jornal das
Famílias em 1863, perdurando até 1878. No mesmo ano em que a Revista Popular chegou ao
seu fim, Joaquim Norberto de Sousa Silva reuniu os textos da coluna/seção Brasileiras Célebres
em um livro de mesmo nome também publicado por Garnier.
Os exemplares da Revista Popular foram acessados por meio da Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional, acervo em que a publicação encontra-se organizada em 16 tomos.
Conforme observado em Abreu (2008), cada tomo reuniu 6 números que eram publicados
quinzenalmente durante três meses. Essa organização se explica pois, conforme previsto em
algumas contracapas do periódico, ao longo de 3 meses os 6 números publicados poderiam ser
*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados. Bolsista
Capes (2017-2019).
*Professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados.
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compilados e encadernados na própria livraria Garnier, formando um volume de cerca de 400
páginas.
Abreu (2008) ainda indica que Revista Popular media 25x17 cm, com gravuras de
moda disponibilizadas em papel couché em tamanho de 27x20 cm, que foram ilustradas pelos
artistas franceses Coulin Toudouze, Jules David e Compte-Calix. Essas gravuras eram
disponibilizadas para as leitoras da revista se dedicarem aos trabalhos de coser e se inteirarem
das novidades da moda francesa. Além dos figurinos a publicação trouxe retratos de
personagens biografados na seção/coluna de “Esboços biográficos”, cidades ou monumentos
que foram abordados na seção de “Descrições”, algumas vinhetas desenhadas e partituras de
música.
Sobre o seu corpo editorial e colaboradores, percebe-se na capa da revista que a
publicação indicava que Garnier era seu editor-proprietário e como também observado por
Machado (2013), a partir do sétimo volume passou-se a publicar uma lista com os seus
colaboradores e redatores, na qual pode-se encontrar nomes como Joaquim Norberto de Sousa
Silva, Cônego Fernandes Pinheiro, Joaquim Manuel de Macedo, Casimiro de Abreu, Manuel
de Araújo Porto Alegre dentre outros nomes conhecidos de intelectuais e literatos do Rio de
Janeiro.
Conforme já colocado por Pinheiro (2002) e Miranda e Azevedo (2010), a Revista
Popular possuía uma intenção eclética. O periódico buscou contemplar um público variado,
vista a ampla cobertura de temas que somavam mais de 20 seções, abordando assuntos
relacionados à economia, política, literatura, educação, história, geografia, ciências, higiene,
contos, narrativas, crônicas, variedades, dentre outros. A respeito dessa ampla variedade de
seções, em sua primeira edição, que circulou já em janeiro de 1859, uma carta dos editores,
uma espécie de editorial da revista, afirmou que iria “escrever de tudo para todos” de forma que
todos pudessem compreender, como pode ser visto no trecho abaixo:
[...] Falaremos em termos que todos entendam. Não teremos mistérios
reservados para os iniciados. Quando falarmos ao lavrador queremos que o
financeiro nos compreenda, quando nos dirigimos ao engenheiro, que o
filósofo não fique em jejum (REVISTA POPULAR, Tomo I, 1859, p. 03).
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Contudo, embora se anunciasse para todos, em relação a outros periódicos que
circularam em sua época, possuía um valor pouco acessível, visto que de acordo com Pinheiro
(2002) a assinatura anual para a cidade da Corte custava 20$000 réis, a semestral 10$000 réis e
a trimestral 6$000. Machado (2013) assinala ainda que em 1859 publicações bem conceituadas
como O monarchista era oferecido por 8$000 réis ao ano e 4$000 no preço semestral e A
marmota por 5$000 réis o semestre, sendo então mais acessíveis do que a Revista Popular.
Mesmo com suas mais de 20 seções que abordavam temáticas variadas, algumas delas
tiveram maior proeminência, o que certamente deu algumas entonações para revista. Conforme
Pinheiro (2004), a Revista Popular orientou-se por uma inclinação mais informativa, política e
literária, já Azevedo (1990 apud MIRANDA; AZEVEDO, 2010) afirma ser essa publicação
própria de um momento em que o interesse pela literatura suplantou as discussões políticas,
indo ao encontro de Martins (2013), que ao abordar a imprensa dos meados dos oitocentos,
explica que o jornalismo político pesado havia decaído, oportunizando uma maior aparição de
folhetins, crônicas e contos. Dutra (2005) afirma que as duas publicações periódicas de Garnier
possuíram características recreativas e instrutivas. Até o momento a pesquisa tem identificado
entonações mais informativas e literárias, com possibilidades recreativas e instrutivas como
pode ser observado no trecho a seguir:
[...] Nem sempre sérios pois sérios, procuraremos também contribuir parar o
recreio de nossos leitores. Mas recreando, pode-se instruir disfarçadamente,
não nos esqueceremos disso. O recreio, que se busca nos livros, deve ser uma
instrução amena (REVISTA POPULAR, Tomo I, 1859, p. 03).
Foi possível observar também que a publicação dedicou atenção a um público que
cresceu durante o século XIX, as mulheres. A primeira carta dos redatores propôs que a revista
escreveria para um público diverso e não deixou de sinalizar a atenção do periódico às leitoras,
evidenciado os temas e seções que lhes seriam mais pertinentes:
Houve tempo, em que a mulher só cultivava o coração, hoje cultiva também o
espírito. Não haverá pois na Revista parte alguma que por qualquer princípio
vos seja vedada, formosas filhas de Eva; mas haverá uma privativamente
vossa, pelo que ficareis melhor aquinhoadas. (Assinai pois ou fazei assinar
vossos pais ou maridos, que é o mesmo.) Os trabalhos de agulhas para as
solteiras, a economia doméstica para as casadas, e as modas para todas – tudo
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isto é do vosso exclusivo domínio (REVISTA POPULAR, Tomo I, 1859, p.
03).
Mesmo que a leitura de outras partes da revista fossem permitidas, a publicação
demarcou os temas considerados de domínio feminino, como a economia doméstica e os
“trabalhos de agulha”, que poderiam instruir na costura e na moda, conteúdos que geralmente
integravam jornais e revistas femininas ou eram destinados às mulheres nos periódicos em
geral.
Data de 1827 a aparição do primeiro periódico com tema feminino no Brasil, O
Espelho Diamantino, que circulou em 1828, seguido pelo O Beija-flor de 1830, O Espelho das
Brasileiras de 1831, que foram sucedidos por outras experiências que se tornaram mais assíduas
por volta dos meados dos oitocentos, como pode ser observado em Costa (2008), que destaca
ainda o Novo Correio de Modas: jornal do mundo elegante consagrado às famílias brasileiras
de 1852-1854, Marmota Fluminense de 1852-1857, O Jornal das Senhoras: modas, literatura,
belas-artes, theatro e crítica de 1852-1855, A Marmota de 1857 a 1864, Jornal das Famílias
de 1863 a 1878, dentre outros.
Esses periódicos não apenas demonstram o crescimento de publicações voltadas ou
com temas para o público feminino, como também uma expansão do público leitor composto
por mulheres. Hallewell (2005) aponta que da independência do Brasil até a maioridade de D.
Pedro II, o público leitor feminino aumentou o suficiente para alterar o equilíbrio do mercado
de impressos. Costa (2007) ao abordar as publicações periódicas direcionadas às mulheres,
explica que as leitoras foram se constituindo como um segmento em expansão durante os
oitocentos como consequência de algumas medidas relacionadas à instrução e educação
feminina. O autor concorda com Martins (2008), quando esta afirma que as mulheres eram
leitoras assíduas dos impressos desde o Império, mesmo que possuíssem um baixo índice de
alfabetização que ficava restrito aos segmentos sociais mais elevados.
De acordo com Neves e Machado (1999) foi com a lei de 15 de outubro de 1827 que
ficou determinada a criação de cadeiras de primeiras letras para as mulheres nas cidades e vilas
mais populosas do Brasil. No tocante a instrução elementar, conforme é explicado por Schueler
e Gondra (2008) as escolas possuíam currículos diferenciados para meninos e meninas, estas
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ficariam sem o ensino de geometria, limitadas ao ensino de aritmética e deveriam aprender a
doutrina cristã, leitura, escrita e cálculo elementar, acrescidas das prendas e economia
doméstica, como aulas de bordado e costura.
Para esses autores, ao menos na análise do que foi prescrito, sobretudo na legislação
do século XIX, a escolarização das meninas deveria se pautar por uma educação moral sólida,
que buscasse a formação de esposas e mães para a vida doméstica. Contudo salientam que as
experiências acerca da educação feminina não devem ser tomadas no singular e portanto
existiram vertentes relacionadas à tradição católica e jesuítica, que negava a instrução às
mulheres, defendendo apenas a formação moral cristã, outra mais em voga a partir do meados
do século XIX, inspirada no positivismo e no cientificismo, que defendia a educação feminina
como um meio para a formação de mães que dominassem as novas ciências e saberes da
puericultura, higiene e psicologia. Por último, uma vertente defendida em menor grau, buscava
a igualdade entre os sexos, reivindicando a participação feminina em cursos superiores e
profissões consideradas masculinas (GONDRA; SCHUELER, 2008).
Também sobre a educação das mulheres e meninas durante o século XIX, Jinzenji
(2008) afirma que a escolarização delas veio acompanhada da propagação de publicações como
jornais, revistas, da circulação de romances, sermões, apresentações teatrais, sociedades
literárias, bibliotecas e etc. Conforme Schueler e Gondra (2008), também pode-se considerar a
imprensa como força educativa durante os oitocentos. Foi nesse sentido que interessou para
essa pesquisa compreender a educação feminina em meados dos oitocentos a partir da difusão
de costumes, práticas e valores contidos na Revista Popular.
Pinheiro (2007) evidência que Garnier já havia notado a importância das mulheres
enquanto leitoras na Revista Popular direcionando à elas as seções de Economia Doméstica,
Narrativas, Poesias e Higiene e por posteriormente ter mudado o tom de seu periódico, já que
o Jornal das Famílias direcionava-se ao público feminino. No exame da Revista Popular foram
localizadas outras seções com temas que se dirigiam às mulheres, sua educação e recreio como
as de “Instrução e Educação”, “Fragmentos de um livro”, alguns textos da seção de
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“Variedades”, parte das “Cronicas da Quinzena”, e as biografias “Brasileiras Célebres”, que
serão abordadas nesse texto.
Brasileiras Célebres: educar por meio do exemplo
Os textos denominados Brasileiras Célebres formaram em parte a seção/coluna
“Esboços Biográficos”, que integrou a Revista Popular durante todos os anos de sua circulação.
Eles foram assinados por Joaquim Norberto de Sousa Silva, importante colaborador da revista,
que como apontado por Moreira (1996), contribuiu em todos os 16 tomos da publicação com
textos de diversos gêneros como poesias, teatro, ensaios, críticas, temas relacionados à história
do Brasil, história da literatura e crítica literária.
De acordo com Soares (2002), o autor nasceu em Niterói em 1820 e frequentou o
Seminário São Joaquim, antes dele ser transformado no Imperial Colégio D. Pedro II.
Posteriormente fez aulas de comércio, inglês, francês, filosofia e retórica. Começou suas
contribuições na imprensa entre o final dos anos de 1830 e início da década de 1840 no jornal
Minerva Brasiliense, Revista Guanabara, Semana e no Jornal do Commercio.
Ainda de acordo com a autora, Joaquim Norberto de Sousa Silva iniciou sua trajetória
no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1841, quando foi indicado como
membro correspondente. Importante lembrar que o Instituto, de acordo com Guimarães (1988),
foi fundado em 1838 e possuía como atribuições publicar documentos e trabalhos relevantes
para a história do Brasil, enfatizar a importância do ensino público de história, manter relações
com instituições congêneres em outros países e províncias do Império.
Enders (2000) ao abordar a produção de vultos nacionais no Segundo Reinado, observa
que o IHGB assimilou a atribuição de recensear e homenagear os grandes homens, visto que a
instituição publicou em suas revistas estudos dedicados aos “Brasileiros ilustres pelas ciências,
letras, armas e virtudes”. A autora ainda ressalta que esse registro de histórias de vida
extrapolou a revista do IHGB indo para os dicionários bibliográficos da época - e como visto
na Revista Popular, direcionou-se também a outras publicações periódicas.
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Marize Malta (2011) informa que as biografias de senhoras consideradas ilustres
poderiam ser um assunto direcionado às mulheres dentro dos impressos periódicos. Na Revista
Popular não faltaram indicações ao livro Brasileiras Célebres, nem de que sua leitura era
recomendada e instrutivas às moças. Na seção “Estudos Literários”, assinada por A. E. Zaluar,
o livro é descrito como uma coleção de notícias biográficas de senhoras ilustres e notáveis por
seus talentos e heroísmos. Zaluar elogia Joaquim Norberto de Sousa por sua ampla pesquisa
documental e por escrever um livro que poderia fortalecer o patriotismo. De acordo com Zaluar:
As paginas brilhantes da historia dos povos, onde se inscrevem os nomes de
suas heroínas, são em todas as nações um écho do sentimento nacional, e um
documento irrefragável da influencia que o sexo frágil e gracioso, essa porção
meiga e quase divina de nossas mimosas companheiras, tem exercido sempre
nos destinos sociaes, desde os mais remotos tempos, até depois que o
christianismo investiu a mulher de todo o seu poder e acção no caminho e nas
dificeis peregrinações da humanidade (REVISTA POPULAR, Tomo XIV
1862, p. 59).
Na seção “Fragmentos de um livro”, assinada por Maria Amalia3, que recomendava
leituras e livros apropriados às moças, a autora comentou que Joaquim Norberto de Sousa
reuniu mulheres com base fecunda na religião, boas mães, esposas e filhas. Afirmou a autora
que o livro Brasileiras Célebres deveria andar de mãos dadas com as famílias e recomendou
que ele fosse utilizado pelos colégios, pois inspiraria as meninas a amarem seu país.
O livro de Norberto também foi comentado nas “Cronicas da Quinzena”, também
presentes na revista, escritas por Joaquim Manuel de Macedo, que de acordo com Abreu (2008)
foi possivelmente o autor por trás da assinatura pseudônima de O Velho.
As Brasileiras Celebres derão patriótico assumpto para muitos artigos que
forão publicados na Revista Popular e que formão hoje um elegante volume.
3 Andréa Correa Paraiso Müller (2015) em seu artigo A leitura feminina sob tutela na imprensa oitocentista,
acredita que os textos foram escritos pelo crítico Nunes Alvares Pereira e Sousa, um colaborador da revista. Sua
suspeita se explica, pois em sua primeira aparição, o texto veio precedido de uma introdução de Nunes Alvares,
que afirmou que estava revelando algumas cartas guardadas há algum tempo de uma moça que fora sua amiga e
que dedicou-se ao estudo e a meditação e assim, logo em seguida inicia os escritos de Maria Amália. Ao comentar
sobre um livro lançado contemporaneamente a publicação da revista, Brasileiras Célebres de 1862, mais suspeitas
são lançadas sobre a autoria de Maria Amália, visto que Nunes havia informado estar com as cartas há algum
tempo.
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O auctor da obra, o Sr. J. Norberto de Souza Silva, foi colher nas historia e
nos livros antigos, e mais ainda com documentos escriptos modernos, os
nomes e as acções de muitas das nossas patrícias que fizeram notáveis pelo
amor e pela fé, pelas armas o virtudes, pela vocação religiosa, pela poesia, e
nas letras e bellas-artes, e emfim pela dedicação patriótica: esta colheita deu-
lhe, como era de esperar, um famoso ramo de bellas flores.[...] O distincto
proclamador da gloria do bello sexo brasileiro rendeu cultos ás heroinas de
todas as idades, e ornou de virentes louros mais de uma nobre cabeça já
coroada de cabellos brancos. [...] Concluo repetindo que o Sr. Norberto de
Souza Silva sahiu-se muito bem do seu empenho, deu-nos um livro curioso e
sympathico, e tem direito a ser declarado, por todas as senhoras, benemérito
do bello sexo brasileiro (REVISTA POPULAR, tomo XIV, 1862, p. 253).
No próprio livro, Joaquim Norberto justifica seu trabalho a partir da ausência de um
livro apropriado à leitura feminina que apresentasse “célebres compatriotas”. Uma das
intenções do autor também incide no objetivo de retirar do esquecimento e até mesmo do
desconhecimento mulheres que ele considerava como ilustres para a história do Brasil,
“patrícias merecedoras das páginas da História”, que em suas palavras:
Pallidos, como são, encontrareis com tudo nestes esboços muitos factos
memoraveis da historia nacional e não poucas acções magnânimas, feitos de
valor, provas de amor da patria, rasgos de desinteresse, exemplos de virtudes,
actos de piedade e mostras de ilustração dividas ao sexo feminino, lidas nas
chronicas da pátria ou ouvidas nas tradições nacionais[...] Apresentando estas
leituras a nemuma de vos, quero seduzir com o exemplo de mulheres
guerreiras ou puramente litteratas; mero historiador não curo de fazer
proselytos. Niguém ignora que os séculos que ahi jazem com suas gerações
extintas prescreverão a missão da mulher (SILVA, 1862, p. 04.)
No trecho acima, pode-se compreender que o autor buscava apresentar não só
biografias, mas episódios relacionados à história nacional. Considerava ainda que suas
biografadas eram exemplos de virtudes e amor à pátria, contudo salienta que não buscava
difundir apenas características de mulheres guerreiras e literatas, como se esses atributos
devessem ser acompanhados de outros talvez considerados mais “apropriados” às mulheres.
Assim, o autor reuniu as biografias de mulheres que viveram no Brasil desde o período colonial,
agrupadas em algumas categorias como “Amor e Fé”, “Armas e virtudes”, “Religião e
Vocação”, “Gênio e Gloria”, “Poesia e Amor”, “Pátria e Independência”, organização que não
ocorria nas seções da Revista Popular.
Quadro 1
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Biografada Categoria
Clara Camarão Armas virtudes
Dona Maria Úrsula de Abreu
encastre
Armas e virtudes
Dona Rosa Maria de Siqueira Armas e virtudes
Dona Maria Joaquina
Dorothea de Seixas
Poesia e amor
D. Maria de Souza Armas e virtudes.
Dona Maria Barbara Amor e Fé
Dona Rita Joanna de Souza Gênio e Glória
Irmã Germana Religião e vocação
Joana Angélica Pátria e independência
Dona Maria de Jezus (Maria
Quitéria)
Pátria e independência.
Dona Delfina da Cunha Gênio e Gloria
As Paulistanas Pátria e independência
Senhoras Bahianas Pátria e independência
Madre Jacinta de S. José Religião e vocação
Dona Barbara Heliodora
Guilhermina da Silveira
Poesia e amor
Damiana da Cunha Amor e fé
Dona Angela do Amaral Gênio e gloria
Dona Gracia Hermelinda da
Cunha Mattos
Gênio e gloria
Joanna de Gusmão Religião e vocação
Fonte: LOPES (2018).
Na categoria denominada “Amor e Fé” foram trazidas os exemplos de Damiana da
Cunha e Maria Bárbara. As duas foram abordadas como modelos da fé cristã, Damiana foi
relatada por Joaquim Norberto de Sousa Silva como uma indígena cristianizada que auxiliou
na evangelização de outros indígenas na região de Goiás. Maria Bárbara, foi retratada como
um modelo de fidelidade e pureza, proveniente da sua educação católica. As características
ressaltadas nessa biografia se relacionavam ao episódio no qual Maria Bárbara teria ido buscar
água junto a um poço onde foi assassinada em um embate para resguardar a sua honra quando
um homem tentou violentá-la.
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Nas biografias designadas de “Armas e Virtudes”, foram destacadas por meio das
personagens Maria de Souza, Rosa Maria de Siqueira, Maria Úrsula e Clara Camarão,
mulheres que empunharam armas para proteger as pessoas e os locais onde viviam e até mesmo
a fé cristã. De acordo com Joaquim Norberto, Clara foi uma indígena carijó nascida no Ceará,
esposa de Felipe Camarão. Ela teria empunhado armas contra a invasão holandesa ocorrida no
nordeste do Brasil ainda no período colonial. Ainda nessa categoria, Rosa Maria foi descrita
como uma moça bem educada, casada com Antônio Cunha Solto Maior, que deixando o Brasil
rumo à Lisboa foram atacados por argelinos no mar, descritos por Norberto como contrários ao
cristianismo. Na ocasião, Rosa Maria teria auxiliado os tripulantes de sua embarcação no
combate aos argelinos com muito êxito, indicando que além de lutar para salvar sua nau,
tratava-se também da defesa da fé cristã. Acerca do que Norberto afirmou na introdução de seu
livro, esse conjunto de biografias mostrou em parte exemplos de mulheres que lutaram e
empunharam armas, contudo elas teriam realizado tais feitos sobretudo por amor e proteção das
suas localidades de origem, incitando assim o patriotismo.
Na categoria de “Poesia e Amor”, Norberto trouxe histórias de mulheres que viveram
no contexto da Inconfidência Mineira. Abordou a vida de Maria Joaquina Dorothea Seixas e
Bárbara Heliodora, a primeira foi noiva de Thomaz Antonio Gonzaga, um ouvidor e poeta de
Vila Rica, que foi condenado ao degredo em Moçambique, que serviu de inspiração para as
liras Marília de Dirceu escritas por Thomaz. Bárbara Heliodora foi esposa do coronel Ignácio
Jose de Alvarenga Peixoto, degredado em Angola também no período em que ocorreu a
Inconfidência Mineira, foi lembrada por Norberto pelo cuidado com sua família na ausência de
seu marido e por ter mantido a fidelidade conjugal a ele.
As biografias da categoria “Gênio e Gloria” trouxeram Rita Joana de Souza, Delfina
da Cunha e Gracia Hermelinda. Norberto representou mulheres bem educadas que se
dedicaram às artes da poesia e pintura e aos saberes como a geografia e a história. O que indica
que essas áreas poderiam ser compatíveis com a educação das mulheres da época em que
escreveu. No caso de Gracia Hermelinda, Norberto apresentou o exemplo de uma menina bem
educada que elaborou reflexões sobre a educação das meninas, na opinião do autor uma boa
leitura para as mães aplicarem na educação de seus filhos e filhas. Gracia teria incentivado uma
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educação feminina pautada nos preceitos religiosos, virtudes e na ciência, desde que realizados
com decência.
Em “Religião e Vocação”, Norberto trouxe as biografias de Irmã Germana, Madre
Jacyntha e Joanna de Gusmão, mulheres que se dedicaram à fé cristã. Elas foram consideradas
por Norberto como exemplos de resignação, pureza, devoção, cuidado aos necessitados e
propagação do evangelho aos indígenas, características influenciadas pela educação católica. A
vida nos conventos foi uma das alternativas adequadas para as moças, mesmo que as leitoras
não escolhessem a dedicação à vida religiosa, nesses modelos o autor trouxe características
cristãs para as mulheres de sua época, a devoção, pureza, a caridade e a propagação da sua fé
aos que não a conheciam.
Sob a categoria de “Pátria e Independência”, Norberto compôs um grupo de mulheres
que se dedicaram à emancipação do Brasil, como Joana Angélica, Maria Quitéria e o conjunto
de mulheres denominadas de Bahianas e Paulistanas. Joana Angélica foi uma freira do
convento da Lapa em Salvador. Os portugueses permaneceram na província baiana mesmo após
ao 7 de setembro de 1822, a Bahia obteve a sua independência apenas em 2 de julho de 1823.
Em meio aos embates entre portugueses e brasileiros, o convento de Joana estava sob suspeita
de abrigar soldados brasileiros e foi atacado. Na tentativa de defender suas irmãs, enfrentou os
soldados portugueses e foi morta por uma baioneta, sendo lembrada por seu sacrifício, pois
perdeu sua vida em favor da pátria e proteção de seu convento.
Maria Quitéria, também baiana, foi a filha de um colono português que ao saber dos
conflitos que se desenvolviam entre portugueses e brasileiros fugiu para a casa de sua irmã e
incentivada por ela, pegou as roupas de seu cunhado e ingressou no regimento de artilharia,
mudando posteriormente para o batalhão dos caçadores denominados de Voluntários da Pátria.
Quitéria teria se destacado no manejo com as armas, mas logo foi descoberta. Ainda assim
recebeu a insígnia de Cavalheiro da Imperial Ordem do Cruzeiro pelos seus feitos. Esses
exemplos foram considerados por Norberto como modelos de patriotismo.
Oliveira (2015) ao investigar a escrita biográfica e a operação historiográfica dos
sócios do IHGB durante os oitocentos, esclarece que esses temas não foram consensuais dentro
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da agremiação. A autora então sinaliza que existiram duas modulações para a biografia, que
não estavam separadas por uma linha rígida, mas indicam nuances para o uso da biografia e sua
relação com o gênero histórico. A primeira diz respeito a busca por traçar a vida de brasileiros
distintos, que não deveriam cair no esquecimento, fixando memórias que ofereceriam exemplos
moralizantes para aqueles que lessem as biografias. A segunda modulação percebia a biografia
como “chaves possíveis de acesso à apreensão e representação dos quadros gerais do passado”
(OLIVEIRA, 2015, p. 284).
A autora ainda salienta, sobre essas duas modalidades de escrita, que com relação às
novas exigências disciplinares do século XIX, não era preciso renunciar a função magistra
vitae, fornecedora de exemplos, em nome dos novos postulados de cientificidade que emergiam
(OLIVEIRA, 2015). Os sentidos da escrita biográfica também são assinalados por Enders
(2000), quando aponta que a biografia do período possuiu uma missão pedagógica, servindo
como difusora de exemplos, como um guia moral e cívico, mas também como uma
reconstituição viva do passado.
Somam-se às análises das autoras os apontamentos de Rodrigues (2008), que ao
afirmar o valor pedagógico da obra, reitera que ao longo das biografias de Brasileiras Célebres,
a história do Brasil esteve ao fundo das experiências de cada uma das mulheres abordadas, mas
também colaboraram com a construção de um arquétipo da mulher almejada no período. Para
a autora, e como tem sido possível observar na pesquisa, as mulheres da obra Brasileiras
Célebres projetavam características e qualidades cristãs, patrióticas, relacionadas à boa
educação, à dedicação às artes, à fidelidade conjugal e o cumprimento das responsabilidades de
uma “boa esposa”. Quando fosse filha, seus predicados seriam a obediência e quando mãe, a
dedicação aos filhos, esmero em sua educação e sempre muito presente.
Considerações Finais
Ao analisar as biografias publicadas por Joaquim Norberto de Sousa Silva, tanto na
revista quanto no livro, verifica-se a presença das duas modulações apresentadas por Oliveira
(2015). A primeira modulação apontada pela autora, evidencia-se quando Norberto afirma que
apresenta “exemplos de virtudes, actos de piedade e mostras de ilustração dividas ao sexo
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feminino” (SILVA, 1862, p. 04). Sendo assim, por meio das suas biografias, o autor apresentou
características que deveriam educar, que precisavam ser assimiladas, pois seus modelos
representaram mulheres baseadas nos preceitos cristãos, que foram boas mães, boas esposas,
moças bem educadas nas artes, literatura e conhecimentos referentes ao seu país, ou que
obstante de sua “condição feminina”, defenderam seus locais de origem e população, um
exemplo de boa cidadã, uma boa brasileira.
Por outro lado, relativo à segunda modulação, as biografias não deixaram de apresentar
momentos que constituíram a história do Brasil, passando por episódios relacionados às
invasões holandesas no nordeste do território, a Inconfidência Mineira, ao qual Norberto
demonstrou sua desaprovação ao “despotismo colonial”, bem como a Independência brasileira
e os esforços que os brasileiros fizerem em prol da causa. Inclui-se aqui a tentativa do autor em
apresentar alguns dos documentos em que baseou sua pesquisa, bem como o reparo de alguns
equívocos de trabalhos anteriores, para evidenciar, de certa forma, o seu “rigor metodológico”.
Ao considerar que durante o século XIX a circulação de livros, jornais e revistas
contribuíam com a educação da população e também das mulheres, embora elas já pudessem
ser escolarizadas, além do teor pedagógico já sinalizado pelas biografias, evidencia-se mais
uma vez que os escritos de Joaquim Norberto de Sousa Silva possuíam um intuito de educar as
mulheres, seja pela sua leitura em um periódico que se propunha ao recreio e instrução das
moças ou pela sua pretendida inserção do livro na escolarização feminina no município da
Corte.
Referências
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