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CMG Marco Antônio do Amaral Silva BRASIL E ÍNDIA: VIABILIDADE DE UMA PARCERIA ESTRATÉGICO-MILITAR NO MÉDIO PRAZO Monografia apresentada ao Curso de Política e Estratégia Marítimas da Escola de Guerra Naval como trabalho de conclusão de curso. Orientador: CMG(RM-1) Cláudio Marin Rodrigues Rio de Janeiro Escola de Guerra Naval 2006

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CMG Marco Antônio do Amaral Silva

BRASIL E ÍNDIA: VIABILIDADE DE UMA PARCERIA

ESTRATÉGICO-MILITAR NO MÉDIO PRAZO

Monografia apresentada ao Curso de Política eEstratégia Marítimas da Escola de Guerra Navalcomo trabalho de conclusão de curso. Orientador: CMG(RM-1) Cláudio Marin Rodrigues

Rio de Janeiro

Escola de Guerra Naval

2006

RESUMO

Esta monografia apresenta um estudo de pesquisa sobre a Índia e o Brasil, tendo

como marco teórico a perspectiva abrangente dos estudos sobre segurança internacional, à

qual pertence a Escola de Copenhague, sendo Barry Buzan um dos seus maiores nomes. Com

base na teoria dos Complexos Regionais de Segurança difundida por Buzan e Ole Waever,

buscou-se levantar as relações interestatais dos dois Estados no Sul da Ásia e na América do

Sul. O propósito é avaliar a viabilidade de uma parceria estratégico-militar entre a Índia e o

Brasil no médio prazo, verificando como os dois Estados interagem e são influenciados pelos

seus vizinhos, pelas principais potências regionais e com a potência hegemônica, os EUA. O

Mercosul e o conflito na Colômbia, na América do Sul, e a histórica rivalidade entre a Índia e

o Paquistão, no Sul da Ásia, são descritos e analisados no texto. Em face da realidade distinta

vivida pela Índia e pelo Brasil nos campos político, econômico, tecnológico e militar nessas

regiões, não há, no momento, possibilidade concreta de uma parceria estratégico-militar entre

os dois Estados. Contudo, o bom relacionamento e as iniciativas bilaterais atuais abrem

perspectivas para acordos nas áreas de defesa, comercial e diplomática, na busca de uma

maior cooperação e inserção no cenário internacional. A atuação conjunta, coordenada e pró-

ativa em fora multilaterais, como a ONU e a OMC, e em iniciativas com interesses

convergentes, como o G-3, G-4 e G-20, aproxima os dois Estados e cria sinergia para uma

melhor capacidade de negociação que pode ser mutuamente benéfica.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALCA - Área de Livre Comércio das AméricasABACC - Agência Brasileira-Argentina de Controle e Contabilidade de Material

NuclearAIEA - Agência Internacional de Energia AtômicaAUC - Autodefesas Unidas da ColômbiaBACEN - Banco Central do BrasilCASA - Comunidade Sul-Americana de NaçõesCSONU - Conselho de Segurança da ONUCTBT - Tratado para a Proibição Completa de Testes NuclearesELN - Exército de Libertação NacionalEUA - Estados Unidos da AméricaFARC - Forças Armadas Revolucionárias da ColômbiaMDICE - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorMERCOSUL - Mercado Comum do SulMRE - Ministério das Relações ExterioresMTCR - Regime de Controle sobre Tecnologia de MísseisOEA - Organização dos Estados AmericanosOMC - Organização Mundial do ComércioONU - Organização das Nações UnidasPDN - Política de Defesa NacionalTNP - Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................5

2 REVISÃO DA LITERATURA..............................................................................................8

3 A ÍNDIA E O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DO SUL DA ÁSIA..........12

3.1 Fatores Fisiográficos e Econômicos...........................................................12

3.2 Disputas fronteiriças e influência de atores externos na região .................13

3.3 Ações Estratégicas da Índia na Ásia.........................................................16

3.4 Atuação da Índia em fora multilaterais.......................................................17

3.5 O Poder Militar Indiano..............................................................................18

4 O BRASIL E O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DA AMÉRICA DO SU.21

4.1 A Influência dos norte-americanos na América do Sul..............................21

4.2 Fatores Fisiográficos e Econômicos...........................................................25

4.3 Ações Estratégicas do Brasil na América do Sul........................................26

4.4 Atuação do Brasil em fora multilaterais.....................................................31

4.5 O Poder Militar do Brasil............................................................................32

5 A VIABILIDADE DE UMA PARCERIA ESTRATÉGICO-MILITAR ENTRE A ÍNDIA

E O BRASIL NO MÉDIO PRAZO..........................................................................................35

6 CONCLUSÃO.....................................................................................................................39

REFERÊNCIAS......................................................................................................................41

MAPA N°2.............................................................................................................................44

ANEXO B...............................................................................................................................45

APÊNDICES.......................................................................................................................................52

5

1 INTRODUÇÃO

A nova ordem mundial1 surgiu após o fim da Guerra Fria (1991), com a dissolução da

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), quando as disputas ideológicas entre os EUA

e a URSS terminaram. Ela propiciou uma oportunidade para o aparecimento de novos atores no

cenário internacional. Neste contexto, os grandes Estados em desenvolvimento em termos políticos

e econômicos, como o Brasil e a Índia, vêm buscando parcerias que atendem não só aos interesses

econômicos de abertura de novos mercados, mas também abrir canais de cooperação cultural e

técnico-científico. Na realidade, significa a retomada da iniciativa política dos Estados em

desenvolvimento, com o propósito de estabelecer novo patamar de negociação com os Estados

desenvolvidos.

O Brasil foi apontado em 20032 juntamente com a China, a Índia e a Rússia, pelo banco

norte-americano Goldman Sachs, como um dos países que mais crescerão até 2050. O grupo é

chamado de BRIC, um acrônimo formado pelas iniciais desses países. Pelas projeções, somente os

Estados Unidos da América (EUA) e Japão, além dos quatro supramencionados, figurarão entre as

economias mais ricas do mundo.

Segundo Paul Kennedy3, a análise da atual situação econômica aponta que a Índia, que

vem crescendo a taxas de 6% ao ano, multiplicará por 36 vezes a sua renda per capita nos próximos

50 anos, e que o Brasil, assim mesmo tendo crescido 2,3% em 2005, possui um potencial para

crescer em um ritmo de 3,6% ao ano nos próximos 50 anos, o que significa quintuplicar a sua renda

per capita, nesse período.

Então, por que considerar uma parceria estratégico-militar entre o Brasil e a Índia? Este

autor decidiu considerar a Índia adequada pelas similitudes (importância geopolítica, território

continental e democracia consolidada) e, ao mesmo tempo, diferenças (culturais, tamanho

populacional, conflitos fronteiriços latentes e religião) com o Brasil, para melhor compreender o

complexo cenário mundial que nos cerca.

A Índia, no Fórum Econômico Mundial de Davos4, realizado na Suíça em 2006, foi

juntamente com a China os dois Estados que dominaram os debates desenvolvidos no encontro. As

suas vantagens comparativas no setor de serviços, em especial, a tecnologia da informação5, vêm1 Novo contexto das Relações Internacionais onde os Estados Unidos da América (EUA) são a única potência hegemônica militar,além de um cenário internacional com maior imprevisibilidade, insegurança, manutenção do critério da força e dos conflitos. Site:www.Tempopresente.org.2 Dominic Wilson; Roopa Purushothaman. Dreaming With BRICs: The Path to 2050. Goldman Sachs, 2003. p.2.3 Em artigo publicado no jornal “El País”, em 26 de novembro de 2003.4 Revista Veja, 7 de junho de 2006, p. 126.5 Revista Veja, 7 de junho de 2006, p. 122.

6

atraindo empresas de alta tecnologia para o país, melhorando a renda e a qualidade de vida da

população. Possui uma classe média emergente de cerca de 300 milhões de pessoas e o inglês é a

língua falada por algo entre 50 e 100 milhões de habitantes. Erigida sobre essa base, destaca-se

também as indústrias de informática que começam a ter um papel transnacional (NYE, 2002, p. 65).

No campo militar, a Índia tem um poder militar que possui entre 85 e 90 ogivas

nucleares (NYE, 2002, p. 77) e uma despesa bélica de aproximadamente 20,44 bilhões de dólares

(2005) (SIPRI6). No “Complexo Regional de Segurança do Sul da Ásia”7 é um importante ator no

equilíbrio de poder da região.

Por outro lado, em relação ao Brasil, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 23 de

setembro de 2003, em discurso na Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou

que o governo brasileiro elegia, entre outras, a seguinte política de consecução: estabelecer

parcerias internacionais com vistas a um desenvolvimento equânime e à construção de um mundo

pacífico, tolerante e solidário. A política externa do governo Lula prioriza a aproximação com os

estados em desenvolvimento. Na mesma data, reforçando a importância da cooperação multilateral,

citou o “estabelecimento de um foro trilateral (G-3 – formado por África do Sul, Brasil e Índia),

orientado para a cooperação política e projetos de interesse comum”.

Neste trabalho, o espectro temporal abordará, em especial, o período do Pós-Guerra Fria

(1991), e incluirá digressões a respeito de possíveis apoios da Índia ao Brasil em fora multilaterais,

como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a ONU, tendo como destaque o apoio ao

pleito do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (CSONU)8. Além

do mais, a viabilidade de uma parceria estratégico-militar do Brasil com a Índia, na busca de seus

interesses políticos, poderia aumentar o poder de negociação internacional nas áreas econômica e de

defesa.

O marco teórico utilizado para sustentar o pressuposto do autor será a obra de Barry

Buzan e Ole Waever, Regions and Powers: The Structure of International Security, que aborda os

conceitos de Complexos Regionais de Segurança nos estudos de segurança e nas relações entre os

Estados. O tema será desenvolvido em quatro capítulos: Revisão da Literatura; A Índia e o

Complexo Regional de Segurança do Sul da Ásia; O Brasil e o Complexo Regional de Segurança da

6 Stockolm International Peace Research Institute (SIPRI). 7 Complexo de Segurança pode ser definido como um grupo de estados cuja preocupação com a segurança primária os vinculasuficientemente juntos, ao ponto que as questões de segurança nacional não podem ser consideradas verdadeiramente separadas umas dasoutras. O termo possui a vantagem de indicar tanto o caráter do atributo que define o grupo (segurança), como a noção da intensainterdependência que distingue qualquer grupo específico de seus vizinhos. Os complexos de segurança enfatizam a interdependênciaproveniente da rivalidade, como também aquelas de interesses compartilhados (People, States and Fear: Security Studies in Post-ColdWar Era, BUZAN, 1991, tradução nossa). 8 Como a Índia também quer uma vaga no CSONU, o Brasil já declarou que apóia esse pleito.

7

América do Sul e A Viabilidade de uma Parceria Estratégico-Militar no Médio prazo entre a Índia e

o Brasil, além de uma Conclusão.

A justificativa para este trabalho reside no fato de sua estreita conexão com as relações

internacionais, a segurança e a geopolítica, possibilitando uma visão das posições do Brasil e da

Índia nos contextos regionais da América do Sul e do Sul da Ásia, respectivamente.

8

2 REVISÃO DA LITERATURA

Durante o período da Guerra Fria (1947-1991), os estudos sobre segurança não

evoluíram muito devido ao cenário internacional estar vivendo sob a égide da dissuasão nuclear e

da bipolaridade entre os EUA e a URSS. A questão ideológica era a tônica das relações

internacionais e os conflitos entre as duas potências hegemônicas ocorriam na periferia dos centros

do poder. Os exemplos das Guerras na Coréia (1950-1953) e no Vietnã (1964-1975), entre outras,

ilustram como ocorriam as disputas entre aqueles dois Estados.

Após o término da Guerra Fria, com o fim da bipolaridade e a ascensão dos EUA à

condição de única superpotência, os estudos de segurança se desenvolvem em torno de três

diferentes teorias, segundo Barry Buzan. A perspectiva regionalista (regionalist perspective), à

qual pertence à Escola de Copenhague, da qual Buzan é um dos maiores representantes; a

perspectiva neorealista (neorealist perspective) e a perspectiva globalista (globalist perspective).

A perspectiva regionalista, que incorpora o conceito de balanço de poder e as

características intrínsecas das regiões do mundo, afirma que os estudos de segurança internacional

devem, também, levar em consideração os aspectos não-militares da segurança, ampliando-se o seu

escopo para introduzir as ameaças provenientes das dimensões política, econômica, social e do

meio ambiente. Mesmo que temas como economia, meio ambiente, condições sanitárias, fluxo de

refugiados etc. sejam basicamente domésticos, eles têm forte impacto nas relações interestatais,

sendo deste modo, correto sua inclusão no estudo em lide. Essa teoria contém elementos das

perspectivas neorealista e globalista. ( BUZAN; WAEVER, 2003, p. 10-11).

A perspectiva neorealista está fundamentada na teoria realista. Ela é estadocêntrica e

utiliza o conceito de balanço de poder – unipolaridade, bipolaridade e multipolaridade. A

perspectiva globalista é geralmente conhecida como uma antítese da perspectiva neorealista. A ótica

desses teóricos é de que devem ser incluídas nos estudos de segurança as dimensões cultural e

transnacional, além das abordagens relativas à economia e à política no âmbito internacional. Parte

do pressuposto de que a segurança é um valor universal (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 6-7).

Segundo Buzan, a “segurança nacional” pode ser definida como a situação em que um

Estado está livre de ameaças que lhe possam causar danos, o que implica não haver ameaça de um

ataque militar ou de ações coercitivas, de subversão interna, e, ainda, a inexistência de uma situação

na qual os valores políticos, econômicos e sociais, essenciais para a manutenção da qualidade de

vida, estejam em processo de deterioração (BUZAN, 1991, p. 60).

No entender de Buzan, a força de um Estado é diretamente proporcional ao seu nível de

coesão político-social - a qualidade da dinâmica entre esses elementos determina as condições do

9

Estado forte ou do Estado fraco. Desse modo, Estado fraco “é aquele que possui um baixo nível de

coesão sócio-política e geralmente alto nível de violência política interna” (BUZAN; WAEVER,

2003, p. 492).

De acordo com Buzan e Waever, Complexo Regional de Segurança “é um conjunto de

unidades cujo principal processo de securitização, dessecuritização ou ambos são tão interligados

que seus problemas de segurança não podem racionalmente ser analisados ou resolvidos

separadamente um do outro” (2003, p. 44). Outra definição importante é a de Super-Complexo

Regional de Segurança: “a set Regional Security Complexes (RSCs) within the presence of one or

more great powers generates relatively high and consistent levels of interregional security

dynamics”9 (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 492).

Outros dois conceitos importantes são o de cobertura (overlay) e de penetração

(penetration), abaixo descritos:

Cobertura - ocorre quando os interesses das grandes potências externas transcendem à merapenetração, na medida em que procuram dominar a região fortemente e a interdependênciada dinâmica de segurança local cessa a sua operação. É normalmente resultado de um longoperíodo de posicionamento de uma grande potência na região com Forças Armadas, e noalinhamento de Estados locais de acordo com os padrões de rivalidade das grandespotências. Exemplos de cobertura ocorridos durante a Guerra Fria: Leste da Ásia eComunidade dos Estados Independentes (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 472 e 490,tradução do autor).

Penetração - acontece quando potências externas fazem alinhamentos de segurança comEstados dentro de um Complexo Regional de Segurança. Exemplos de penetração ocorridosdurante a Guerra Fria na Ásia: os EUA alinhados com o Paquistão e a URSS alinhada coma Índia e a China (BUZAN; WAEVER; 2003, p. 46, tradução do autor).

O termo securitização (securitisation), amplamente utilizado por Buzan e Waever, é

definido como “um processo decisório político por intermédio do qual um entendimento é

construído no interior de uma comunidade política, cujo propósito é negociar algo, como uma

ameaça real, assim como facilitar ações conjuntas a favor de medidas urgentes e excepcionais para

lidar com essa ameaça” (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 491, tradução do autor). O processo inverso

é chamado de dessecuritização (desecuritisation).

Os Complexos Regionais de Segurança podem ser enquadrados em três tipos de padrão

de segurança, que dependem da cooperação, da confiança mútua e das relações políticas entre os

Estados que o integram: Formação Conflituosa, Regime de Segurança e Comunidade de Segurança.

Segue-se a descrição de cada padrão supracitado:

9 “É um conjunto de Complexos Regionais de Segurança dentro do qual a presença de uma ou mais de uma grandepotência produz relativamente um alto e consistente nível de dinâmica de segurança inter-regional” (BUZAN;WAEVER, 2003, p. 492, tradução do autor).

10

Formação Conflituosa - é um padrão de segurança interdependente moldado pelo medo daguerra e expectativas de uso da violência nas relações políticas (BUZAN; WAEVER, 2003,p. 489, tradução do autor). Regime de Segurança - é um padrão de segurança interdependente ainda moldado pelomedo da guerra e expectativas do uso da violência nas relações políticas, mas onde essemedo e expectativas são contidos por acordos com um conjunto de regras de condutas. Hátambém expectativas que essas regras serão observadas (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 491-492, tradução do autor).Comunidade de Segurança - é a região onde os Estados no longo prazo não podemimaginar guerras entre si mesmos. Exemplo: Comunidade Européia (BUZAN; WAEVER,2003, p. 471, tradução do autor).

Nesse contexto, a relação entre os Estados na América do Sul e no Sul da Ásia será vista

sob a perspectiva regionalista, com a utilização do conceito de Complexo Regional de Segurança.

A seguir serão descritas as características gerais dos Complexos Regionais de Segurança da

América do Sul e do Sul da Ásia. Esse estudo é importante para a análise da viabilidade de uma

parceria estratégico-militar entre o Brasil e a Índia no médio prazo.

A América do Sul tem sido tradicionalmente um Complexo Regional de Segurança não

coberto (overlaid), embora penetrado (penetrated), principalmente pelos EUA. Dividido em dois

Sub-Complexos, Norte Andino e Cone Sul (Anexo A, Mapa n° 1) foi considerado uma Formação

Conflituosa na grande parte de sua história. Nos períodos Pré-Guerra Fria e durante a Guerra Fria,

a estrutura de segurança sul-americana continha vulnerabilidades domésticas (fraca dinâmica entre

os Estados com conflitos e pequena cooperação) e incipiente interação inter-regional, porém com

intervenção global dos EUA. (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 337).

Na região, os quatros níveis considerados nos estudos de segurança (doméstico,

regional, inter-regional10 e global11) não são balanceados. As interações que fluem por intermédio

dos níveis são em algumas vezes fortes, sendo em outras fracas. O transbordamento da violência em

conflitos domésticos já é uma realidade, como o combate a narcoguerrilha na Colômbia, e de

alguma forma tem sido utilizado para intervenções externas.

Com o fim da Guerra Fria, o combate às drogas e a guerra contra o terrorismo subiram

de relevância na agenda de segurança dos EUA. Assim, as duas questões mais importantes para o

futuro da América do Sul passaram a ser as seguintes: no Norte Andino, a narcoguerrilha na

Colômbia, com interferência e inserção dos EUA, e no Cone Sul, a superação das dificuldades

momentâneas do Mercosul. O Complexo Regional de Segurança da América do Sul é considerado

um Regime de Segurança, com perspectivas do Sub-Complexo do Cone Sul evoluir para o status de

uma Comunidade de Segurança (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 337-339).

10 Nível inter-regional - quando as relações ocorrem somente entre duas regiões vizinhas. Exemplo: o Sul da Ásia e oOriente Médio.11 Nível global - quando é conduzido por preocupações sobre questões globais. Exemplo: O comunismo durante aGuerra Fria e o terrorismo após os atentados de 11 de setembro nos EUA.

11

Por outro lado, o Complexo Regional de Segurança do Sul da Ásia (Anexo A, Mapa n°

2) está inserido no Super-Complexo Regional de Segurança da Ásia, onde a China é o principal ator

(BUZAN; WAEVER, 2003, p. 124). É formado pela Índia, Paquistão, Bangladesh, Butão, Ilhas

Maldivas, Nepal e Sri Lanka.

No período da Guerra Fria, o Sul da Ásia foi influenciado pela bipolaridade entre os

EUA e a ex-URSS. A Índia e o Paquistão disputavam o poder regional sustentados pela

nuclearização da rivalidade militar, a partir de meados da década de 1970. Durante aqueles tempos

existia uma clara ligação entre a Índia e a ex-URSS, e do Paquistão com os EUA e a China. Esse

padrão de interligação entre o nível doméstico e o regional permaneceu estável por toda a Guerra

Fria.

Outrossim, no período pós Guerra Fria, a região foi primordialmente afetada pela China,

o maior competidor sob a ótica da Índia, em virtude da perda hegemônica da ex-URSS e pelo

desinteresse dos EUA em continuar influindo na região, pelo menos até o atentado terrorista de 11

de setembro de 2001, no território norte-americano. Após este evento, os norte-americanos

passaram a atuar ativamente no continente, em especial no Afeganistão (BUZAN; WAEVER, 2003,

p. 449). Esse Complexo é atualmente considerado uma Formação Conflituosa.

Com o apoio dos EUA, a Índia, sendo o seu parceiro confiável nos campos político e

econômico no Sul da Ásia, passou a atuar com mais desenvoltura no nível inter-regional,

fortalecendo os seus laços com os Estados da região. Conforme a economia da Índia cresce os

governos do Sudeste Asiático (Malásia, Cingapura, Tailândia etc.) podem se aproximar do Estado

indiano para, juntos, compor um contrapeso geopolítico em relação à China.

Ressalta-se, porém, que o Paquistão também é um aliado dos EUA, principalmente após

o amplo apoio paquistanês ao governo norte-americano, durante a guerra contra o Talibã no

Afeganistão, em 2001.

12

3 A ÍNDIA E O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DO SUL DA ÁSIA

3.1 Fatores Fisiográficos e Econômicos

A Índia é um Estado com 3.288 milhões de Km² e população de 1,079 bilhão (OMC-

2004), constituída por uma diversidade cultural, religiosa e étnica formada ao longo de 4000 anos.

Em 2050, o número poderá passar para 1,6 bilhão12. A maioria é constituída por hindus, 850

milhões, e de mulçumanos, 140 milhões, terceira maior população mulçumana do mundo, que vive

na maior parte do tempo em harmonia, porém tendo alguns momentos de tensão que revelam uma

divisão entre as duas comunidades. O crescimento demográfico maior entre os mulçumanos,

quando comparado ao dos hindus, poderá acentuar essa divisão13.

Desde a sua independência do Império Britânico em 1947, a Índia busca se afirmar no

cenário internacional. Situada no Sul do continente asiático e ao norte do oceano Índico, no qual se

projeta, é impulsionada a desempenhar um papel de maior relevância e, cada vez mais consciente

disso, vem despertando o interesse das grandes potências, especialmente dos EUA, da Rússia e da

China.

O legado da colonização inglesa, tradicional Monarquia Parlamentarista, permitiu que a

Índia desenvolvesse instituições consolidadas e, a par dos assassinatos da primeira-ministra Indira

Gandhi e de seu filho Haggi Gandhi por extremistas Sikh14, seja considerada uma democracia

estável, com 60 anos. De acordo com Javiso Santiso15, essa estabilidade democrática é uma

vantagem competitiva que o Estado indiano possui em relação a outros Estados em

desenvolvimento, como a China. Ainda segundo Santiso, “as democracias demonstram uma

capacidade de absorção, sem sobressaltos ou repressão, dos conflitos e tensões criados pela

decolagem econômica em ambientes onde persistem grandes focos de extrema pobreza” (2006, p.

A-12).

Apesar de possuir uma população formada por homens e mulheres com razoável padrão

cultural e de consumo16, a Índia enfrenta conflitos internos - religiosos, diversidade étnica e

diferentes dialetos -, contenciosos fronteiriços com a China e com o Paquistão, e um contingente de

aproximadamente 35% da população abaixo da linha de pobreza (THOMAS, 2005, p. 48), desafios

colossais que terá de superar para tornar-se uma potência política, econômica e militar do século

XXI. 12 Revista Veja, 7 de junho de 2006, p. 118.13 Revista Veja, 07 de junho de 2006, p. 118-138.14 Grupo minoritário com 2% da população indiana (THE MILITARY BALANCE, 2006, p. 236). 15 Em artigo publicado no Jornal Valor Econômico, em 15 de maio de 2006, p. A-12.16 Revista Veja, 7 de junho de 2006, p. 122.

13

Na região de Punjab, no noroeste do país (onde o separatismo foi muito forte na década

de 1980), os movimentos de autonomia têm conduzido uma guerrilha, realizando atos terroristas em

Assam. Além disso, a rebelião maoísta progride no Estado de Uttar Pradesh, no nordeste do

território, em conexão com a do Nepal. Os indianos têm enfrentado, com sucesso, todos esses

conflitos internos simultaneamente, o que tem custado considerável volume de recursos humanos e

financeiros. A luta contra as organizações extremistas mobiliza forças paramilitares e mesmo

militares.

O Estado indiano por sua vez amplia e reforça a sua presença na Ásia Central e no

Oriente Médio, região que concentra as maiores jazidas de petróleo do mundo. Com crescimento

econômico médio de 5,9% ao ano nos últimos 15 anos (Banco Central do Brasil - BACEN), vem

procurando novas fontes de fornecimento de petróleo para suprir as suas necessidades internas cada

vez mais elevadas. O Estado importa 70% do petróleo que consome. Um acordo assinado em 2003

para fornecimento pelo Irã de petróleo e gás e outro, em 2005, para envio de gás liquefeito de

petróleo, mostram o avanço na direção oeste.

Essa expansão possui razões não só de ordem econômica, mas importantes interesses

estratégicos de longo prazo na medida em que o Irã como aliado pode contribuir para que a Índia

contenha o vizinho Paquistão.

3.2 Disputas fronteiriças e influência de atores externos na região

As ameaças a sua integridade territorial decorrem dos problemas fronteiriços com a

China e com o Paquistão, cujos conflitos acontecem nas regiões montanhosas e de altos platôs que

fazem parte do Himalaia.

Com a China, os alvos das disputas territoriais são dois setores do Himalaia: um na

região da Cachemira17 (área de Aksai-chin) e outro no extremo nordeste. Essas disputas conduziram

a conflitos militares no início da década de 1960. A Índia até hoje reivindica a devolução de

territórios perdidos.

A Cachemira, região estratégica que possui água em abundância, é também o centro de

disputa com o vizinho Paquistão. Nessa região, o relevo é montanhoso. Os mulçumanos

representam 75% do contingente demográfico da província, que foi reivindicada pela Índia e pelo

Paquistão, em 1947, quando encerrou o domínio britânico sobre o subcontinente.

Naquele ano, grande parte daquela província, com exceção de sua porção setentrional,

passou para o controle da Índia, provocando uma guerra que perdurou até 1949. O cessar-fogo,

17 A Cachemira busca a sua independência, por meio de movimentos separatistas.

14

patrocinado pela ONU, confirmou o domínio hindu sobre a maior parte da região. Em 1965, houve

um conflito armado que terminou de forma não-conclusiva. Desde então, a província está

permanentemente em conflito que gera tensões na área militar. Esse quadro é agravado pelo fato de

que tanto a Índia quanto o Paquistão desenvolvem uma corrida armamentista de perigosa dimensão

nuclear. Em 1974, a Índia realizou o seu primeiro teste nuclear.

A disputa entre os dois Estados conduziu à realização de novos testes nucleares, entre

maio e junho de 1998, os quais, na ocasião, provocaram uma condenação por parte da comunidade

internacional. Eles possuem também, mísseis de alcance intermediário com capacidade de lançar

armas nucleares a médias distâncias (Anexo B).

Em palestra proferida na Escola de Guerra Naval (EGN), em 12 de abril de 2006, o

professor Andrew Hurrel afirmou que “a Índia vem acompanhando com atenção as ações do

vizinho Paquistão, pois esse Estado, mesmo tendo uma sociedade instável, tem mantido o seu poder

de influência na Cachemira, ajudando os movimentos separatistas, e mesmo no restante do território

indiano, em especial no nordeste do país.”

O entorno estratégico da Índia está cercado de tensões crescentes, ampliadas por fatores

entre os quais se pode ressaltar:

- a recente desenvoltura com que a China vem se comportando no ambiente regional e

seu permanente contencioso com Taiwan – considerada uma província rebelde;

- a realização pela Coréia do Norte de testes com o míssil balístico intercontinental

Taepodong-2, com alcance entre 3.500 e 6.000 km, fato que preocupa os EUA e o Japão. Em 04 de

julho de 2006, a Coréia do Norte lançou 7 mísseis, entre eles um míssil Taepodong-2, que caíram

inofensivamente no Mar do Japão, a cerca de 600 km do território japonês;

- a presença dos EUA, que interferem direta e indiretamente nos processos políticos e

estratégicos locais;

- o restabelecimento de um papel relevante desempenhado pela Rússia, em especial no

que tange às interações entre os Estados desta parte do continente e Ásia Central;

- as implicações, não somente da segunda Guerra do Golfo no Iraque (2003), como

também, da crise nuclear do Irã;

- o terrorismo que é representado pela presença atuante da Al-Qaeda na própria Índia 18,

no Afeganistão, Iraque e Paquistão; e

- os intensos fluxos migratórios, profundas diferenças religiosas e graves problemas

sociais.

18 A Al-Qaeda realizou 2.000 atentados terroristas em território indiano, nos últimos anos, por considerar esse Estado aprincipal barreira à expansão do islamismo na Ásia (Site www. tempopresente.org).

15

A Rússia, situada ao norte da Ásia, por ser um importante ator global, merece um

destaque em virtude de sua nova postura estratégica de Estado anti-hegemônico aos EUA naquele

continente, conhecida como Doutrina Primakov, nome do assessor especial para assuntos

relacionados com a diplomacia do Presidente Vladimir Putin. A partir de 2000, o governo russo

inicia uma aproximação com a China – não existem mais rivalidades entre os dois Estados, e assina

o Pacto de Shangai19 – aliança defensiva que inclui quatro Estados da Ásia central, oriundos da ex-

URSS (Uzbequistão, Kazaquistão, Kirghistão e Tadjiquistão). O Irã e a Índia foram convidados pela

Rússia para participarem como observadores. A China não se opôs a essa ação russa, porém exigiu

um status idêntico para o Paquistão.

Em 2005, a Rússia estabeleceu uma parceria estratégica com a Índia, tendo os seguintes

objetivos principais: conter o islamismo, melhorar a barganha com a China, conter a influência dos

EUA na região e promover o comércio bilateral, em especial no que concerne a grandes compras

de equipamentos. Os dois Estados desenvolveram um míssil anti-navio – BrahMos, com 290 km de

alcance. Existe também uma versão para a Força Aérea indiana desse míssil com testes previstos

para 2006, com planos para emprego nas aeronaves Sukoi-30 MKI. Essas ações demonstram uma

sólida confiança indo-russa na área de pesquisa e desenvolvimento voltada para defesa, trazendo

benefícios para a Índia na busca de uma maior inserção regional (THE MILITARY BALANCE,

2006, p. 228).

Nesse contexto, devem ser incluídas na análise algumas reflexões de Joseph Nye Jr.:

Não sou o único a alertar os EUA para uma política externa que combina unilateralismocom arrogância e o paroquialismo. Vários americanos adeptos da teoria das relaçõesinternacionais realista exprimiram a mesma preocupação com a capacidade de resistênciado nosso país. No transcurso da história, surgiram coligações de países contrários àspotências dominantes, e não falta quem esteja à procura de novos Estados desafiantes.Alguns encaram a China como novo inimigo; outros se sentem ameaçados por umapossível aliança entre a Rússia, a China e a Índia. E há quem veja a Europa unida umaNação-Estado capaz de pôr em xeque a nossa primazia (2002, p. 17).

Nye expressa preocupação na possível formação do “Triângulo Estratégico da Ásia”,

uma ameaça à hegemonia norte-americana em todo o continente asiático.

Em outro trecho do livro Nye afirma:

É improvável que a Índia, sozinha, se torne um desafio para os EUA neste século, masdispõe de ativos consideráveis a ser acrescentados às dimensões de uma coalizão sino-russo-indiana. Mesmo assim, é reduzida a possibilidade de que esta chegue a ser uma sériaaliança antiamericana. Assim como pesam suspeitas sobre uma relação sino-russa, é grandea rivalidade entre a Índia e a China. Ainda que os dois países tenham selado acordos em1993 e em 1996, prometendo uma solução pacífica para os conflitos de fronteira quelevaram os dois países à guerra em 1962, vale recordar que o ministro da Defesa indiano

19 A Organização de Cooperação de Shangai concentra suas ações sobre os problemas de segurança, aí incluindo oterrorismo, porém se interessa cada vez mais pelos temas econômicos, especialmente no que tange aos recursosenergéticos ( LAMBALLE, 2006, p. 5).

16

rotulou a China como “o inimigo potencial número um” pouco antes que seu país fizesse ostestes nucleares de maio de 1998. Em vez de se tornar uma aliada, é mais provável que aÍndia venha a integrar o grupo de nações asiáticas interessadas em contrabalançar a China(2002, p. 66-67).

Nota-se que a Rússia tem adotado ações estratégicas pró-ativas para unir os três Estados

emergentes da Ásia, agindo de forma a confrontar a influência dos EUA na área. Ao que parece

vem conseguindo obter sucessos em sua empreitada, haja vista os acordos estratégicos que tem

assinado, como acima supramencionados. Os EUA por sua vez têm acompanhado de perto a

aproximação sino-indiana. Um entendimento estreito entre a Índia e a China teria efeitos

indesejáveis para os norte-americanos e seus aliados, como os japoneses.

A preocupação do governo dos EUA é inconteste, tanto que assinou um acordo de

cooperação nuclear com a Índia, em 18 de julho de 2005, um auxílio no campo nuclear para

aplicação civil. No escopo de um acordo de defesa, com validade de uma década, assinado em 27 de

junho do mesmo ano, inclui a venda de armamentos modernos, que prevê até aeronaves modelos F-

16 e F-18. A ajuda dos EUA na área nuclear considera a separação entre os programas civil e

militar, além de um compromisso de não-proliferação. Os dois Estados propuseram, também, uma

cooperação para o domínio da tecnologia de defesa antimíssil, assim como assinaram um acordo de

cooperação na área espacial (LAMBALLE, 2006, p. 6).

3.3 Ações Estratégicas da Índia na Ásia

Na direção do sudeste Asiático, um Sub-Complexo20 do Complexo Regional de

Segurança do Leste da Ásia (ANEXO A, MAPA n° 2), região próxima geograficamente e devido

aos seus arquipélagos de Andarma e Nicobar, a Índia iniciou uma postura política de abertura.

Participa, assim como Bangladesh e o Paquistão, dos trabalhos da “Association of Southeast Asian

Nations (ASEAN) Regional Fórum” (ARF), cuja principal atividade concentra-se nos problemas de

segurança. Em outubro de 2005, ocorreu em Cochin, Estado indiano de Kerala, uma reunião sobre

segurança marítima.

Essa atuação na ARF reforçou a posição do Complexo Regional de Segurança do Sul da

Ásia no Super-Complexo da Ásia21. Isso demonstra, também, o movimento do Estado indiano para

20 Sub-Complexo Regional de Segurança é o mesmo que um Complexo Regional de Segurança, com a diferença de que um Sub-Complexo é firmemente embutido dentro de um amplo Complexo Regional de Segurança (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 492,tradução nossa). 21 É formado pelos Complexos Regionais de Segurança do sul da Ásia e do leste da Ásia. Definido como um conjunto de Complexos Regionais deSegurança no interior do qual a presença de uma ou mais potências regionais produzem um elevado e consistente nível de dinâmica de segurançainter-regional (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 492, tradução nossa).

17

atuar no nível inter-regional, tornando-se um fator de importante preocupação para a China, grande

potência com forte influência na Ásia (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 121).

Com outros quatro Estados do Sul da Ásia - Nepal, Butão, Bangladesh e Sri Lanka -, a

Índia participa da “Bay of Bengal Iniciative for Multi-Sectoral Technical Índia Economic

Cooperation” (BIMSTEC), associação que inclui ainda Mianmar e a Tailândia, porém exclui o

Paquistão. A primeira reunião de cúpula da Associação da Ásia Oriental ocorreu em dezembro de

2005.

A Índia busca desenvolver sólidas relações bilaterais com todos os Estados do sudeste

Asiático e da Ásia oriental. Com a Indonésia, mantém um franco diálogo estratégico cultivado por

intermédio de reuniões anuais. Essas relações tendem a se intensificar, em face da inclusão de uma

cooperação no campo da tecnologia espacial com a instalação, na província da Indonésia de Irian

Jaya, de uma estação indiana de acompanhamento de satélites (LAMBALLE, 2006, p. 5).

3.4 Atuação da Índia em fora multilaterais

A Índia tem ampliado a sua esfera de influência para além do Sul da Ásia. Assim como

a China, participa ativamente na busca de soluções para os grandes problemas da humanidade,

como, por exemplo, o aquecimento global. O seu destacado papel no G-20, ao lado do Brasil,

quando atua firmemente para defender os interesses dos Estados em desenvolvimento.

Como importante produtor agrícola, denuncia os subsídios oferecidos pelos Estados

desenvolvidos aos seus agricultores, ao mesmo tempo em que busca acesso aos mercados europeu e

norte-americano. Na OMC sua influência tem aumentado, graças a uma estreita cooperação, não só

com o Brasil, mas também com a África do Sul. O Fórum de Diálogo Índia, Brasil22 e África do Sul

(IBAS – G-3), pilar do G-20, tem o propósito de aprimorar a posição estratégica dos três Estados,

vistos como líderes do diálogo Sul-Sul, além de procurar a democratização das práticas da OMC.

Os governos declaram também o IBAS como um esforço para fortalecer o multiculturalismo, a

democracia e a coordenação de ações entre seus integrantes, ampliando assim sua capacidade de

atuação no seio dos Estados em desenvolvimento (ANEXO B).

Esse esforço de aproximação consolidou-se ainda mais, na recente reunião de ministros

do G-3, em abril de 2006, no Rio de Janeiro. De alguma maneira, os documentos e comunicados

gerados no encontro contribuem para o aprimoramento da agenda de cooperação e do discurso do

22 Para o Brasil, o que mais interessa é a redução dos subsídios aos produtores de soja, milho, trigo, algodão e arroz dos EUA – com menos subsídios,a produção seria menor, abrindo espaço para a produção brasileira. Com relação à Europa, o país queria avançar no fim dos subsídios à exportação –que afetam principalmente as vendas de açúcar – e melhorar as condições de acesso para produção como carnes, açúcar e álcool, lácteos e cereais. Lásão as tarifas altas que atrapalham (Correio Braziliense, Economia, p-16, 01 jul. 2006).

18

G-3. Em linhas gerais, os três Estados concordam com as seguintes medidas no campo da segurança

e defesa:

- é necessário reformar a carta da ONU, em particular o Conselho de Segurança;

- as novas ameaças à segurança – tais como o terrorismo e o crime organizado transnacional –

devem ser enfrentadas por meio de eficaz cooperação internacional;

- a cooperação no âmbito do Grupo pode desenvolver-se na área científica e tecnológica, com

ênfase em biotecnologia, fontes alternativas de energia, espaço exterior, aeronáutica, informática e

agricultura;

- entre os instrumentos a serem utilizados para incrementar a cooperação em matéria de

defesa figuram, entre outros, o intercâmbio de pessoal, a criação de oportunidades de treinamento e

a troca de experiência em operações de paz;

- há espaço para projetos conjuntos no campo da indústria de defesa, por intermédio do co-

desenvolvimento de produtos e da implementação conjunta de estratégias de marketing e

comercialização; e

- é possível cooperar para combater a proliferação de Armas de Destruição em Massa, com

realce para as ações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) (Anexo B).

3.5 O Poder Militar Indiano

Na área militar, apesar das constantes ameaças à integridade territorial, na Cachemira, e

insurreições internas, a Índia não tem deixado de expor ambiciosos planos estratégicos para o

século XXI, buscando ampliar a sua atuação no Oceano Índico. Em consonância com a estratégia

supracitada, em abril de 2005, a Marinha indiana iniciou a construção no próprio país do primeiro

Navio de Defesa Aérea23, o Vikrant, com 37.500 ton, que deverá entrar em operação em 2012. O seu

submarino nuclear, cujo projeto foi iniciado em 1982, deverá ficar pronto em 2007. Encomendou

também, seis submarinos Scorpene da França, em 2003, com previsão do primeiro navio da classe

ser entregue em 2010 (THE MILITARY BALANCE, 2006, p. 252-254).

Esses planos de investimento destinam-se a projetar o poder de sua Marinha e

estabelecer uma “ordem indiana” para além de suas tradicionais áreas de influência – Sri Lanka e

Ilhas Maldivas. Essa estratégia leva em conta a presença de numerosa diáspora24 indiana em vários

Estados lindeiros ao Índico. A nova prioridade estratégica serviria como contraponto às tradicionais

23 A Marinha indiana tem a intenção de construir três Navios de Defesa Aérea.24 A diáspora indiana, claramente menos numerosa do que a chinesa, porém avaliada em 20 milhões de pessoas, fornecea Nova Délhi uma abertura sobre o mundo, em particular na direção do Oriente Médio, Europa, EUA e na região dosoceanos Índico e Pacífico (LAMBALLE, 2006, p. 7, tradução nossa).

19

fontes de ameaças continentais representadas pela China e o Paquistão. Com o Orçamento de

Defesa comparável ao de Taiwan e Austrália – somados - e um efetivo da ordem de 1,173 milhão

de militares e 1,721 milhão de paramilitares25, a Índia é uma potência militar regional no Sul da

Ásia, em virtude de possuir mísseis de alcance intermediário – Míssil Balístico Agni-II, com 2.000

km de alcance26, aviação estratégica e arma nuclear. Essa capacidade militar pode dissuadir no

Complexo de Segurança do Sul da Ásia, porém, por enquanto, não no contexto do Super-Complexo

da Ásia, no qual o seu equipamento é menos sofisticado e suas despesas correspondem a apenas

metade das atribuídas à China (US$ 41 bilhões, em 2005, SIPRI).33333

A doutrina de defesa da Índia tem como “Equalizadores de Poder” 27 a aviação

estratégica, que possui 852 aeronaves de combate, e o armamento nuclear com míssil de alcance

intermediário. O Ministério da Defesa indiano tem planos para adquirir 126 novas aeronaves de

combate, em substituição as aeronaves MIG-21, e realizar ainda em 2006, os primeiros testes com

o novo Míssil Balístico Agni-III, com 3.000 km de alcance (THE MILITARY BALANCE, 2006, p.

253).

A renovação das suas Forças Armadas com vistas a uma possível entrada no CSONU é

uma preocupação constante do governo indiano. Os vultosos investimentos realizados ao longo dos

últimos anos e as parcerias com a Rússia têm contribuído para a consecução deste objetivo, haja

vista os armamentos adquiridos dos russos, tais como Navios-Aeródromo, Submarinos e Aeronaves

(THE MILITARY BALANCE, 2006, p. 255).

Depreende-se que a atuação da Índia no contexto regional do Sul da Ásia e no oceano

Índico é uma ação estratégica de longo prazo com vistas a manter sua posição de potência regional,

além de servir como dissuasão para a China e o Paquistão, caso tentem ameaçar o Estado indiano.

É inquestionável que resta a esse Estado, pujante do Sul da Ásia, um longo caminho a

trilhar para que se junte ao concerto das grandes Nações, porém tem essa ambição e vem

conquistando os meios necessários para alcançar os seus objetivos estratégicos. Como

supramencionado, nas próximas quatro décadas poderá alçar o terceiro lugar entre as maiores

economias do mundo, atrás dos EUA e da China. Ela atua ativamente para que o mundo reconheça

a sua importância. A admissão como membro permanente do CSONU permanece um objetivo

relevante de sua diplomacia. É inexorável que o Estado indiano crescerá de importância

continuamente no cenário internacional, sobretudo se conseguir encontrar um caminho que permita

um entendimento com a China (LAMBALLE, 2006, p. 8).

25 THE MILITARY BALANCE, 2006, p. 236.26 THE MILITARY BALANCE, 2006, p. .229.27 Equalizador de Poder pode ser definido como capacidades que o Estado desenvolve com o propósito de se contrapor aum maior poder de um inimigo ou possíveis inimigos.

20

21

4 O BRASIL E O COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA DA AMÉRICA DO SUL

“Somos muito criativos... e quando nos unimos, o Brasil pode se sair bem de qualquersituação... não só no futebol.” Luiz Felipe Scolari, treinador da seleção brasileira campeãdo mundo em 2002.

4.1 A Influência dos norte-americanos na América do Sul

Os Estados sul-americanos e suas relações são decorrentes da influência das culturas pré-

colombiana, das ex-coloniais européias e dos EUA. Para se entender o atual contexto sul-americano

é importante também conhecer a história pós-independência.

Segundo Kelly, citado em Buzan, 2003, cinco das sete guerras travadas na consolidação

dos Estados na América do Sul envolveram Estados Tampões - Bolívia, Equador, Paraguai e

Uruguai - e freqüentemente resultou em perda de territórios do Estado Tampão28. Nenhum Estado

deixou de existir em virtude dessas guerras.

O início da hegemonia dos norte-americanos na América do Sul é marcado pela

Doutrina Monroe, 1823, “América para os americanos”, que tinha como propósito conter a

influência da Europa na manutenção da Santa Aliança na América29.

Durante a era imperialista, 1880-1910, os EUA começaram a agir como polícia regional,

Corolário Roosevelt, de Theodore Roosevelt (1901-1909), conhecida também como política do“Big

Stick”, que não era conduzida pela necessidade de estabelecer um sistema de segurança regional,

porém por interesses econômicos.

No início da Primeira Guerra Mundial (1914), época em que os EUA substituíram a

Inglaterra como principal agente financiador das trocas comerciais, investidor externo e parceiro

comercial na América do Sul, o poder norte-americano trouxe mais desconfiança e repulsa dos

Estados da região. Um sentimento de antiamericanismo cultural e intelectual misturado com uma

visão geopolítica de uma possível ameaça proveniente do Norte. Por intermédio de leis

internacionais e diplomacia com cunho multilateral, os Estados sul-americanos agiram para

restringir o intervencionismo dos EUA (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 310).

28É um Estado interno ao Complexo Regional de Segurança, onde ele se mantém à parte da força da região. Algunsexemplos de Estados Tampões: Nepal, Bolívia, Equador, Paraguai, e Uruguai (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 483).29Pacto da Santa Aliança, firmado pela Rússia, Prússia e Áustria, em 26 de setembro de 1815, foi uma resposta russa atodas as cortes européias, no sentido de regularem as relações internacionais pelos princípios do sistema arcaico: olegitimismo monárquico, o intervencionismo destinado a esmagar as revoltas populares, a mística do cristianismo, ogoverno supranacional dos povos. Na realidade, as ameaças da Santa Aliança na América Latina foram ilusórias(CERVO; BUENO, 1992, p. 17-18).

22

Nos anos 1920-30, a “política norte-americana” se altera para a “Diplomacia do Dólar”30.

O seu domínio econômico torna-se cada vez maior e se estende até o início da Guerra Fria (1947).

Com a “Política de Boa Vizinhança” do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), na qual

a força da economia tornou-se mais central, as intervenções unilaterais foram deixadas de lado. O

crescimento do comércio do Brasil com a Alemanha nazista, inclusive com oferta alemã para a

venda de armamentos, além do aumento da influência desse Estado na América do Sul foram os

principais motivos para a mudança da postura estratégica dos EUA supracitada (CERVO; BUENO,

1992, p. 230-231).

Os EUA permaneceram preocupados com a influência extra-regional na região durante a

década de 1930, em especial da Alemanha nazista e da URSS.

A Doutrina Truman, divulgada em 1947, que origina a Guerra Fria, tinha como

propósito conter o comunismo. O presidente norte-americano Harry S. Truman (1945-1953) definiu

a contenção à URSS como prioridade de sua política externa.

Na mesma ocasião, foram criados o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

(TIAR), em 1947, e a Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948. Esses organismos

internacionais serviram de estrutura para legitimar a hegemonia norte-americana na América do

Sul, na América Central e no Caribe, assim como palco para que os Estados da região apresentem

as suas demandas e tentem ganhar alguma influência na política dos EUA (CERVO; BUENO,

1992, p. 249).

Nos anos de 196031 e no início dos anos 1970, os EUA interferiram na condução da

política interna dos Estados sul-americanos e fomentaram na deposição de muitos governantes

eleitos, em virtude de temerem que fossem cooptados pelo regime soviético. Como exemplos

podem-se citar a Guiana Inglesa, em 1963, o Brasil, em 1964, e o Chile, em 1973. Como

conseqüência, tem-se uma época marcada por governos de direita, em especial nos Estados do Cone

Sul, cujo traço característico é de regimes militares considerados desumanos envolvidos num ciclo

de escalada com o terrorismo de esquerda. (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 311).

O Brasil, após 1964, o Chile de Augusto Pinochet, depois de 1973, e com mais

intensidade a repressão política da Argentina, entre o pós-regime militar (1976) e as guerrilhas de

ex-peronistas, deixaram milhares de mortos e desaparecidos. Apesar de originalmente terem

30 Política idealizada pelo presidente dos EUA William Howard Taft (1909-1913) que tinha dois objetivos: afastar os EstadosEuropeus da América Centra, América do Sul e do Caribe e ajudar os Estados fragilizados dessas regiões.31 Nesta ocasião foi lançada a “Aliança para o Progresso” do presidente John F. Kennedy (1961-1963). A “Aliança para o Progresso”(1961), de cujos marcos históricos faz parte a iniciativa brasileira da Operação Pan-Americana (OPA) divulgada em 1958 pelopresidente Juscelino Kubitschek (1955-1960), tinha como propósito destinar US$ 20 bilhões do governo norte-americano para seremempregados em programas de desenvolvimento na América Latina, no decorrer dos então próximos dez anos (CERVO; BUENO,1992, p. 290).

23

ajudado esses regimes, os EUA, após o governo de Jimmy Carter (1977-1981), censuraram e

demonstraram um sentimento de repúdio ao comportamento deles.

Nos anos da década de 1980, os governos militares perderam sua força, sendo os

regimes militares substituídos por democracias. Nessa época, o Banco Mundial, o FMI e outras

organizações multilaterais capitaneadas pelos EUA atribuíram importância a um conjunto de

políticas que visavam restaurar o crescimento da América do Sul, que vivia sua pior crise

econômica desde a Segunda Guerra Mundial.

Dentro desse quadro, surgiu o “Consenso de Washington”, título que derivou de uma

conferência organizada em 1990, na capital dos EUA, pelo economista John Williamson. Ele

propôs uma agenda de reformas liberalizantes com as quais as organizações multilaterais sediadas

em Washington - Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) -, o Congresso, o Federal Reserve, o Tesouro norte-americano e grupos de

especialistas estariam de acordo.

Os temas sobre os quais haveria consenso eram nove: disciplina orçamentária; mudanças

nas prioridades do gasto público – de áreas menos produtivas para a saúde, a educação e a infra-

estrutura; reforma fiscal destinada à busca de bases tributárias amplas e progressividade moderada;

liberalização financeira, particularmente da taxa de juros; busca e preservação de taxas cambiais

competitivas; abertura para o ingresso de investimentos estrangeiros diretos; privatização;

desregulamentação; e garantia de direitos de propriedade. (NÓBREGA, 2005, p. 66).

Ao seguirem essa “Cartilha”, nos anos 1990, alguns Estados da região tiveram as suas

economias afetadas e passaram por crises de balanço de pagamento. O Brasil, em 1999, e a

Argentina, em 200132. A exceção foi o Chile que, desde o advento do governo Pinochet (1973),

começou sua política liberal e, nessa mesma época, se tornou a quarta economia de maior

crescimento no mundo.

Numa tentativa de alcançar as metas estabelecidas no “Consenso de Washington” e que

tiveram resultados medíocres, Williamson passou então a defender uma nova agenda, composta por

medidas destinadas a proteger as economias regionais em crise – tais como superávits

orçamentários para utilização em maus momentos, controle do endividamento de governos

subnacionais (sic), acumulação de reservas internacionais, câmbio flutuante, políticas monetárias

associadas à metas de inflação, supervisão prudente do sistema financeiro e aumento da poupança

32 As três principais causas da estagnação relativa da América do Sul, segundo Williamson, foram: a) a série de crises que atingiram osmercados emergentes: México (1994), Ásia (1997) e Rússia (1998) – muitos Estados atraíram capitais em excesso em decorrência de taxascambiais valorizadas ou usaram o câmbio fixo como âncora para vencer a inflação, e por isso ficaram vulneráveis a súbitos estancamentosdos fluxos de capitais; b) reformas incompletas; e c) a natureza das políticas públicas, voltadas mais para o curto prazo do que para odesenvolvimento de longo prazo (NÓBREGA, 2005, p. 67).

24

doméstica. Finalmente se promoveria a segunda geração de reformas, que seriam focalizadas nas

instituições (NÓBREGA, 2005, p. 67).

O Brasil, a partir do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-

2003), passou a adotar essas medidas que trouxeram estabilidade macroeconômica, a retomada do

crescimento econômico, o controle da inflação e a redução da vulnerabilidade a choques externos.

Ao assumir o mandato em 1° de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve as

linhas mestras do plano econômico do governo anterior, com alguns ajustes, permitindo assim a

estabilidade da economia.

Neste ponto é importante, mesmo voltando um pouco no tempo, acrescentar a mudança

da estratégia dos EUA para o continente sul-americano, tornando-a mais militarizada com a adição

da guerra global ao terrorismo, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A

instalação de pequenas Cooperative Security Locations (CSLs33), no passado recente chamadas de

Forward Operating Locations (FOLs), em Manta, no Equador, que é usada desde 2001 para vôos

de vigilância realizados por aeronaves E-3 AWACS norte-americanas nas áreas produtoras de

cocaína na Colômbia e Estados vizinhos, e a de Mariscal Estigarriga, Paraguai, desde 2005, essa

com 3.800 m de comprimento e 80 m de largura, muito próxima dos campos de gás da Bolívia; da

Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Paraguai34; e do Aqüífero Guarani, que se estende pelo Brasil,

Paraguai, Uruguai e Argentina35.

Em relação ao Brasil, após a “Cumbre de Las Americas”, em Mar del Plata, em 2005,

que foi considerada um fracasso em mais uma tentativa de se implantar a ALCA, o presidente

norte-americano George W. Bush (2001- ), em visita ao Brasil, declarou “que o Brasil é um

parceiro preferencial e oferece tranqüilidade nos campos político e econômico aos EUA. A China é

um grande adversário comum aos dois Estados.” Essa afirmação foi colocada no contexto da

agressiva atuação comercial e estratégica da China na América do Sul, dentre outras regiões, que

tem de algum modo contrariado os negócios norte-americanos no continente.

Abre-se perspectiva para o retorno de negociações bilaterais Brasil-EUA, que

contribuem para uma melhor cooperação e reforça a percepção dos demais Estados sul-americanos

da importância estratégica do Brasil para os EUA, uma potência hegemônica militar. A posição

brasileira no subcontinente pode se fortalecer e deste modo facilitar a consecução dos objetivos da

política externa do Brasil para a região.

33 Existem aproximadamente 25 bases militares dos EUA (CSLs) espalhadas pela América do Sul, América Central e pelo Caribe,como por exemplo Guantânamo, Cuba; Soto Cano, Honduras; Hato Rey, Curaçao; e Comalapa, El Salvador, além das duassupracitadas. Disponível em TBRNews.org, disponível em http://www.tbnews.org/Archives/a2161.htm. Acesso em 19 jul. 2006.34 A região, que possui uma grande comunidade árabe, é acusada pelos EUA por apoiar financeiramente por intermédio da lavagemde dinheiro, contrabando, corrupção e pirataria, ás atividades dos grupos terrorista HAMAS E Hezbollah (IRC Américas ProgramSpecial Report. Disponível em http://www.americas.irc-online.org/am/2991. Acesso em 19 jul. 2006). 35 Disponível em http://www.americas.itc-online.org/am/2991. Acesso em 19 jul. 2006.

25

4.2 Fatores Fisiográficos e Econômicos

O Brasil está inserido na América do Sul que engloba a porção predominantemente

meridional do continente americano, abrangendo 12 Estados, dos quais dez possuem fronteiras com

o Estado brasileiro. O subcontinente possui 12% da superfície terrestre e cerca de 360 milhões de

habitantes, sendo que pouco mais da metade deste contingente é de brasileiros (ATLAS – IBGE,

2002, p. 47 e 78).

Na região, o Brasil surge como Estado de maior dimensão, 8,5 milhões de km², maior

população – 186 milhões de habitantes, economia com potencial taxa de crescimento e o maior

Produto Interno Bruto (PIB)36. Constitui-se, assim, pelo seu povo empreendedor, extensão

territorial, economia diversificada, sólidas instituições econômicas, democracia vibrante e recursos

naturais abundantes num “Estado Pivô” no concerto das nações sul-americanas (O RELATÓRIO

DA CIA, 2006, p. 139).

Todas as fronteiras com o Brasil são bem definidas, solidificadas por profícuas ações

diplomáticas que remontam ao século XIX e início do século XX. Entretanto ainda persistem

ressentimentos de Estados que foram prejudicados em pleitos fronteiriços37, que podem gerar

conflitos e impactar no Estado brasileiro. A título de exemplo, o mais recente conflito de fronteiras

entre o Peru e o Equador (1995), que teve o Brasil como mediador, resultou na Declaração de Paz

do Itamaraty, em 1995, e no Acordo Global e Definitivo de Paz, assinado em 1998, na cidade de

Brasília, DF.

Por outro lado, existem problemas nas fronteiras com relação aos ilícitos transnacionais,

tais como o contrabando e o tráfico de drogas. Porém, em virtude da necessidade dos Estados

resolverem essa questão, estão sendo estabelecidos mecanismos para enfrentar essas dificuldades de

modo conjunto e integrado.

Os problemas de ordem institucional no nível regional que podem transbordar para o

Brasil, tais como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a Autodefesas Unidas

da Colômbia (AUC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), na Colômbia, e o Grupo Sendero

Luminoso, no Peru, dentre outros, estão sendo administrados e controlados a contento por seus

Estados (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 329).

36 O PIB em 2005 cresceu 2,5 % e está estimado em US$ 750 bilhões de dólares (BACEN). Estima-se que em 2006 o seu PIB crescerá 3,5%(BACEN).37 O presidente da Bolívia Evo Morales recentemente declarou que o Brasil comprou o estado do Acre, que pertencia à Bolívia, por preço irrisório,não respeitando os interesses do povo boliviano. O Tratado de Petrópolis assegurou ao Brasil a posse daquele estado, em 1903. O presidente bolivianotambém tem dito que a “vontade indeclinável” de recuperar uma saída ao Oceano Pacífico, que a Bolívia perdeu para o Chile no final do século XIX(1883-1884) (Correio Braziliense, mundo, p. 22, 01 jul. 06).

26

Os antagonismos políticos existentes, principalmente no Cone Sul, sejam culturais,

econômicos ou sociais não impedem as tentativas de integração. Os recentes casos do gás boliviano,

envolvendo a Petrobrás e o governo daquele Estado, e a questão das fábricas de celulose no rio

Uruguai, entre a Argentina e o Uruguai, podem ser resolvidos de acordo com as normas que regem

o direito internacional e pela via diplomática.

Os regimes políticos democráticos estáveis adotados pelos Estados têm proporcionado

equilíbrio e a credibilidade das instituições nacionais e transnacionais. As recentes ondas de

populismo e de nacionalismo, especificamente na Venezuela, presidida por Hugo Chávez, e na

Bolívia, presidida por Evo Morales, têm condições de serem controladas pelas claúsulas

democráticas inseridas nos esforços regionais de integração.

Para tornar essa análise mais consistente, é importante acrescentar a visão da Central

Inteligence Agency dos EUA (CIA) sobre as perspectivas para o Brasil e a América do Sul até o ano

2020:

[...] O sucesso ou fracasso do Brasil em equilibrar as medidas econômicas a favor docrescimento com uma agenda social ambiciosa, que busca reduzir a pobreza e igualar adistribuição de renda, terá um profundo impacto no desempenho econômico e político daregião durante os próximos 14 anos. A busca por investimentos estrangeiros diretos, peloincremento da estabilidade regional e pela integração da população marginalizada -inclusive com relação ao comércio e a infra-estrutura econômica – continuarão a ser osaxiomas da política externa brasileira. O Brasil é um parceiro natural, tanto para os EUAcomo para a Europa; o Estado tem potencial de melhorar o seu desempenho comoexportador de petróleo (O RELATÓRIO DA CIA, 2006, p. 139).

4.3 Ações Estratégicas do Brasil na América do Sul

Neste subitem será enfocada a atuação estratégica do Brasil na América do Sul, em

especial sua posição no Mercosul e na Amazônia, tema de relevância no atual cenário regional.

O parágrafo único do art. 4° da Constituição Brasileira estabelece que “a República

Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da

América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Por esse

motivo, é dever do governo trabalhar estabelecendo políticas de Estado em prol da integração sul-

americana.

Os mais recentes exemplos nesse sentido, como a negociação conjunta do Mercosul -

União Européia, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) (2004) e a Cúpula América do

Sul – Países Árabes (CASPA) (2005) têm obtido prioridade na agenda diplomática brasileira. A

necessidade de ampliação e aprofundamento do Mercosul (1991) parece ser também uma prioridade

27

estabelecida, em virtude de que o bloco, a exemplo de CASA e CASPA, é percebido como

plataforma de política exterior que pode incrementar a atuação do Brasil na região e no mundo.

Apesar da existência de assimetrias econômicas que distanciam os Estados mais

desenvolvidos, como o Brasil38, a Argentina e o Chile, daqueles em processo de desenvolvimento,

os acordos de integração econômica em vigor tentam minimizar essas dicotomias, pois os ganhos

político-militares suplantam as perdas econômicas.

Uma plena integração dos mercados na região e a cooperação na América do Sul, com o

conseqüente desenvolvimento econômico e social, devem levar em consideração a necessidade de

execução de um projeto de revitalização da infra-estrutura nos modais de transporte e de energia.

Neste contexto, essas ações podem facilitar a união dos Estados voltados para o Pacífico, o Caribe e

o Atlântico Sul, evitando assim que os Estados que se defrontam ao mar fiquem de costas uns para

os outros.

Ao enfatizar essa necessidade de integração do continente, o General Meira Mattos, em

seu livro “Uma Geopolítica Pan-Amazônica”, destaca que o desenvolvimento da região amazônica,

envolvendo todos os Estados abrangidos por ela, seja concretizado por intermédio de uma estratégia

regional ou multilateral e não por meio de iniciativas isoladas, priorizando os projetos de infra-

estrutura.

O cenário atual é propício ao fomento dessa integração e, não de maneira sectária ou

segregacionista, tentar reconstruir o sonho utópico de Simon Bolívar de promover a união dos

povos ibéricos da América do Sul. Seria um movimento pendular da diplomacia externa do Brasil,

que poderia se estender para a América Central e o México.

A par da recente onda de populismo e da mais recente bandeira das esquerdas latino-

americanas, o neo-indigenismo, propalados por Evo Morales e Hugo Chávez, influenciados por

Fidel Castro, ditador cubano, não haverá retrocesso nos esforços de integração regional pois “a

cooperação sul-americana é o caminho natural para a inserção internacional do Brasil” (COSTA,

2002, p. 1).

Nesse contexto, o Brasil tem buscado a ampliação e consolidação do Mercosul. Com a

adesão da Venezuela, em dia 04 de julho de 2006, quinto Estado-membro do Mercosul,

originalmente composto por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o bloco econômico passará a

ter um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em US$ 1 trilhão, o correspondente a 76% de toda a

América do Sul, e um comércio global de cerca de US$ 300 bilhões. A população de

38 A CIA incluiu o Brasil como uma das cinco potências emergentes dos próximos vinte anos, considerando fatores como democracia vibrante,empreendedorismo da sociedade e fortes instituições econômicas. Norman Gall, um dos norte-americanos que melhor entendem o Brasil, ampliouessa análise para assinalar que o Estado brasileiro reúne condições privilegiadas de realizar o potencial imaginado pelo banco Goldman Sachs. “OBrasil não sofre o tipo de tensão ética, religiosa e lingüística que aflige a Rússia, a Índia e a China. Esses Estados conseguiram formar uma elitecientífica e tecnológica maior, mas a produtividade brasileira por trabalhador é muito maior” (NOBREGA, 2005, p. 351).

28

aproximadamente 260 milhões de habitantes (2005) e uma área de 12.700.000 km² se constituem

em promissor mercado consumidor (MDICE).

No discurso que fez, na cerimônia de adesão do novo sócio em Caracas, na Venezuela, o

presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou “a importância da Venezuela entrar no Mercosul,

dizendo que o processo de integração a partir de agora é continental, ligando a Patagônia ao

Caribe”. O presidente afirmou, ainda, que “o ingresso da Venezuela no Mercosul contribuirá para

desfazer a impressão equivocada de que o bloco atende apenas aos estados do Sul e do Sudeste do

Brasil”.

O Mercosul atraiu outros Estados sul-americanos, o Chile e a Bolívia adquiriram o

“status” de Estados associados em 1996 e 1997, respectivamente. Em 2003, o Peru foi incorporado

como Estado livre associado. Já em 2004, foi a vez da Colômbia39 e do Equador (GEREZ, 2006).

Os aspectos fisiográficos específicos do Brasil e dos demais Estados do Mercosul,

destacando-se a permeabilidade e a uniformidade do relevo nas áreas de fronteira e a rede

hidrográfica, facilitam sobremaneira as ligações, as comunicações, o comércio, o turismo e o

intercâmbio cultural entre a maioria dos seus membros. Esses aspectos são facilitadores da

construção e manutenção da infra-estrutura de transporte, energia e comunicações necessários para

promover o desenvolvimento. Há espaço físico disponível para acomodar a expansão demográfica

nos vazios existentes.

Os modais de transporte rodoviário, a saída para o oceano Pacífico ligando o Estado do

Acre ao Peru; ferroviário, a ligação de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, a São Paulo; hidroviário,

Tiête-Paraná e Paraguai-Paraná-Prata; e aéreo; de uma maneira geral, possuem uma infra-estrutura

de estradas de rodagem, ferrovias, hidrovias, aeroportos e portos compatíveis para atender ao fluxo

de transporte de cargas, de passageiros e de intensa produção agropecuária regional.

As assimetrias estruturais existentes no Brasil e nos demais Estados do Mercosul, tais

como a desigualdade de renda, a pobreza, o analfabetismo, a saúde, o crime organizado, a violência

urbana, o narcotráfico, dentre outras, não impedem que a integração econômica se processe em

conformidade com os acordos estabelecidos (BRASIL, MRE, 2006).

Até antigos antagonismos militares foram superados. Caminhou-se em direção à

integração militar. Os dois rivais de ontem – Brasil e Argentina40 -, hoje executam operações

39O Mercosul, apesar de contrariar os interesses dos EUA, que tentam reduzir a sua expansão por meio de acordos comerciais bilaterais com outrosEstados, dentre eles a Colômbia (27 de fevereiro de 2006) e o Peru (12 de abril de 2006), ação essa que causou inclusive a retirada da Venezuela doPacto Andino, em abril de 2006, avança em busca da superação de obstáculos, como os listados a seguir: a dificuldade de construção de uma basejurídica, o fato de muitos acordos firmados pelos poderes executivos não serem aprovados pelo poder legislativo e a tentativa de superação dasassimetrias estruturais já citadas, dentre outras. Essas dificuldades são desafios a serem superados com o empenho dos governos dos Estados-membros ( BUZAN; WAEVER, 2003, p. 325-327). O Congresso norte-americano ainda não aprovou os Acordos Comerciais com aColômbia e o Peru (Departamento de Estado dos EUA).

40 Os dois Estados assinaram o Tratado de Tlatelolco e o Tratado de Não-Proliferação Nuclear na década de 90, afastando o risco denuclearização do Cone Sul.

29

conjuntas de força de paz e vários exercícios militares conjuntos, como as Operações entre as

Marinhas, no Atlântico Sul, Fraterno e UNITAS – já eram conduzidas antes daquela rivalidade

acabar, porém foram incrementados o planejamento, a execução e a troca de observadores.

A extensa fronteira terrestre, o caráter também ibérico de seus vizinhos, a

meridionalidade de sua posição geográfica, a litoralidade atlântica, todos estes fatores se

constituem em elementos mais proximamente indicadores de uma atuação internacional do Brasil

(COSTA, p.15). Essas características, em si mesmas, já indicam a importância do Estado brasileiro

no contexto regional do Mercosul.

O Brasil, por sua posição geoestratégica, detentor de uma gama de recursos que

permitam alavancá-lo como líder regional - povo, território, recursos naturais e instituições

democráticas consolidadas -, não pode deixar de exercer esse papel natural que se apresenta. A

projeção de sua liderança deve ser paulatina, partindo do âmbito regional e se consolidando no

continente sul-americano, para, a seguir, ser irradiada para o mundo.

Isso só ocorrerá caso seja seguida as concepções geopolíticas dos Generais Golbery e

Meira Mattos, onde o Brasil deve desenvolver as suas áreas centrais (os “heartlands” de

Mackinder), estabelecer-se como “Império” brasileiro em termos de pujança econômica e social,

para que obtenha uma robusta força estatal e tenha amplas condições de influir nas suas áreas de

interesse (DIÉGUES, 2006, p. 32-34).

Seguindo essa concepção geopolítica, o Brasil, juntamente com a Argentina, Paraguai e

Uruguai, Estados integrantes do Mercosul, firmaram com a Índia, em 25 de janeiro de 2004, um

Acordo de Comércio Preferencial que estabelece disciplinas de comércio e preferências tarifárias

fixas entre as partes. Os dispositivos contidos no referido instrumento deverão facilitar as

negociações subseqüentes para o estabelecimento de uma Área de Livre Comércio Mercosul-Índia.

O comércio bilateral entre o Brasil e a Índia, em 2003, somou aproximadamente US$ 1,5 bilhão41,

com saldo positivo para o Brasil correspondente a 55% desse valor. O Acordo entre o Mercosul e a

Índia contribuirá para incrementar esse intercâmbio comercial e diversificar a pauta de exportação

bilateral, gerando uma dinâmica de comércio com efeitos positivos entre as Partes (BRASIL, MRE,

2006).

O fim da “Rodada de Doha”, em julho de 2006, onde os Estados mais ricos não

chegaram a um acordo com os Estados em desenvolvimento para a eliminação dos subsídios na

agricultura, traz como uma de suas conseqüências o incremento da dificuldade de implantação da

ALCA. Nesse contexto, o Mercosul tem um momento propício para se aprofundar e ser ampliado

41 Em 2005, as exportações do Brasil para a Índia tiveram um aumento de mais de 100% (Correio Brazilense, ColunaPolítica, 12 fev. 2006).

30

e, no futuro, possivelmente terá a Bolívia como membro pleno e o Peru e Cuba como associados. A

expansão é a melhor defesa contra a invasão de exportações baratas dos chineses (TEIXEIRA,

2006, p. 3).

O Brasil e a Argentina continuam sendo os centros gravitacionais do continente sul-

americano e os maiores beneficiários do volume de comércio de US$ 40 bilhões, e com perspectiva

de crescimento, do Mercosul. O fortalecimento do bloco cria um ambiente econômico com

economia de escala e contribui para a melhora do balanço de pagamentos dos seus membros. A

contenção da China, uma das preocupações dos EUA, consolida a posição do Brasil no cenário

regional e contribui para dar mais robustez às transações comerciais no interior do bloco.

Outra área de interesse para o Brasil e que necessita de ações estratégicas, além de uma

presença cada vez maior do Estado brasileiro é a Amazônia. Alguns acontecimentos recentes

contribuíram para inserir com mais intensidade essa rica, cobiçada e gigantesca região na agenda de

prioridades dos governantes dos Estados Amazônicos.

A posse de Alan Garcia na presidência do Peru, em 28 de julho de 2006, que logo após

a sua vitória nas urnas manifestou o interesse em estreitar os laços com o Brasil, principalmente

integrando a região amazônica de ambos os Estados, e a entrada da Venezuela no Mercosul como

membro pleno deverão contribuir para tornar esse bloco econômico menos “Cone Sul” e também,

voltado à região amazônica. As estradas e pontes em construção se projetam em direção ao Peru, à

Venezuela e à Colômbia. Além disso, existe a possibilidade do uso dos cursos fluviais e a abertura

de oportunidades de geração de energia, único modo eficaz de integrar a região ao desenvolvimento

sustentado nacional, tentando superar o seu isolamento secular.

A Amazônia legal brasileira abrange 60% do território nacional, abriga 21 milhões de

pessoas e é o maior bioma de floresta equatorial do mundo. Todos os Estados da Europa, com mais

de 400 milhões de habitantes, caberiam no mapa da Amazônia, e mesmo assim ainda sobraria

espaço. O valor da região está baseado em suas três principais funções: cobertura florestal, reserva

de biodiversidade e reservatório de carbono. Como abrigo para 10% a 20% de todas as espécies

conhecidas, a Amazônia é uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo (CAPOBIANCO,

citado em THOMAS, 2005, p. 110).

O Brasil possui abundantes fontes de água doce, com mais de 70% desses recursos

concentrados na bacia amazônica, representando 12,7% do total mundial. Com 7,32 trilhões de

metros cúbicos, o território brasileiro dispõe dos maiores fluxos internos de água, seguidos da

Rússia (4,50 trilhões), da China (2,83 trilhões), do Canadá (2,79 trilhões) e dos EUA (2,48 trilhões).

Caso seja administrado de forma adequada, esse vital e precioso recurso atenderá as necessidades

31

agrícolas, industriais e domiciliares do Brasil, assim como auxiliará a impulsionar o seu

crescimento econômico e também aprimorar o bem-estar social (THOMAS, 2005, p. 122).

Nesse contexto, os estudos apontam que em 2025 o solo agrícola irrigado deverá

produzir 70% de todos os alimentos para nutrir dois bilhões de pessoas a mais, a demanda mundial

de água deverá ser duplicada e quatro bilhões de pessoas – metade da população do planeta –

poderão estar vivendo em uma situação de extrema escassez de água. A grandeza dos números não

deixa nenhuma dúvida da importância estratégica da região amazônica para o Brasil e para os seus

Estados vizinhos (THOMAS, 2006, p. 122).

O governo e as Forças Armadas brasileiras já adotaram várias ações que tem como

propósito proteger essa riquíssima região tais como o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM)

e o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM); o projeto Calha Norte, que junto com os Pelotões

de Fronteira do Exército brasileiro, contribuem para vivificar as fronteiras com os vizinhos Estados

Amazônicos; e o deslocamento de tropas para a área, principalmente em direção a região

denominada “Cabeça do Cachorro”, no noroeste do Estado do Amazonas, próxima à fronteira com a

Colômbia.

As declarações de Alan Garcia são positivas e coloca a Amazônia, neste novo mapa do

Mercosul, como uma promissora área-pivô do desenvolvimento nacional e da integração regional. É

preciso enfrentar os problemas que persistem em impedir a expansão do Estado brasileiro na região:

precária presença de funcionários públicos habilitados em temas de meio ambiente, o avanço do

desmatamento42 – principalmente no estado de Mato Grosso (THOMAS, 2005, p. 116), a

permanência de fluxos clandestinos e do crime transfronteiriço. O caminho é a contínua busca de

um perfil regional e auto-sustentado no campo sócio-ambiental para alçar o desenvolvimento

amazônico (TEIXEIRA, 2006, p. 3).

4.4 Atuação do Brasil em fora multilaterais

Na percepção da diplomacia brasileira, o ingresso do Estado brasileiro em gestões

multilaterais permite aperfeiçoar sua inserção no cenário internacional, possibilitando assim o

incremento de sua capacidade de negociação e o exercício de liderança em atuações conjuntas,

notadamente na ONU e OMC. O Mercosul também é um exemplo marcante deste tipo de postura.

Mais recentemente, principalmente nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-

2003) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003- ), a atuação em grupos que exercem pressão

42 Desde 2000, uma área de floresta equivalente à Bélgica foi perdida no estado de Mato Grosso. (THOMAS, 2005, p.116).

32

internacional, como o G-3, o G-2043 e o G-4 (Brasil, Índia, Japão e Alemanha – que buscam, por

intermédio de uma ampla reforma do CSONU, a ascensão ao posto de membros permanentes do

órgão) têm servido de plataforma de política exterior para o Brasil atender aos seus interesses mais

primordiais, nos campos político, diplomático e comercial.

Ressalta-se também, que, em geral, a aproximação se faz com respeito a temas

específicos, de modo que uma convergência de interesses na esfera comercial não necessariamente

pode ser transportada para negociações que se desenvolvem em outras áreas, tais como meio

ambiente ou mesmo financeira.

4.5 O Poder Militar do Brasil

A PDN traz a seguinte definição de Segurança: “é a condição que permite ao País a

preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre

de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e

deveres constitucionais” (2005, p. 5).

A publicação também define Defesa Nacional como “conjunto de medidas e ações do

Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses

nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas” (2005, p. 5).

As Orientações Estratégicas previstas nos artigos 6.7 e 6.21, dessa PDN, estabelecem,

respectivamente, o seguinte:

Art. 6.7 - “As Forças Armadas devem estar ajustadas à estatura político-estratégica do País,considerando-se, dentre outros fatores, a dimensão geográfica, a capacidade econômica e apopulação existente”.

Art. 6.21 - “É prioritário assegurar a previsibilidade na alocação de recursos, em quantidade

suficiente, para permitir o preparo adequado da Forças Armadas”.

Na avaliação deste autor, percebe-se que com o seu poder militar fragilizado por um

longo período de contenção de seu orçamento de defesa, o governo brasileiro não tem cumprido o

previsto na PDN. Essa ação prolongada, apesar da permanente influência diplomática e econômica,

tem contribuído para que o Brasil enfrente dificuldades em exercer a sua dissuasão no continente.

Em 2005, gastou US$ 8,68 bilhões (SIPRI) com as Forças Armadas, tendo que reduzir os

investimentos em novos equipamentos e em ciência e tecnologia. Os principais programas

43 Grupo de Estados em desenvolvimento, dentre eles, a Índia – formado para apoiar as negociações comerciaisinternacionais, particularmente no que se refere ao setor agrícola.

33

estratégicos, o Projeto Nuclear conduzido pela Marinha do Brasil (MB), e o Veículo Lançador de

Satélites (VLS), pelo Comando da Aeronáutica e a Agência Espacial Brasileira, vêm sofrendo para

se manter com os escassos recursos recebidos do Governo Federal. É importante ler, ouvir, avaliar

e disseminar as opiniões e análises de especialistas em defesa, como a abaixo mencionada, visando

sensibilizar as autoridades governamentais e os políticos sobre a necessidade de possuir um poder

militar fortalecido.

Em palestra proferida na EGN, em 21 de junho de 2006, o historiador israelense Martin

Van Creveld declarou:

“O Brasil precisa se impor no cenário internacional, nós vivemos num mundo em que aguerra convencional está acabando. Ela está desaparecendo e diminuindo dia-a-dia. Osmísseis e as Armas nucleares são os fatores mais importantes para o fim das armasconvencionais. Quando comparado com a maioria dos Estados do mundo, o Brasil temmuita sorte. O País é grande e possui 180 milhões de habitantes. Não existe contraste maiorentre Israel e o Brasil. Qualquer Estado tem que pensar em como se defender, casonecessário. Mísseis de um lado e “facas” do outro lado. Em mundo onde a proliferaçãonuclear está continuando, é muito tolo para o Brasil desistir de posicionar as sua Armasnucleares por todo o território.”

Em outro trecho da palestra, ele fez a seguinte afirmação:“em recente encontro com o

ministro de Defesa da Índia, Ele declarou-me que se você quiser lutar contra os EUA, em primeiro

lugar, garanta que tenha Armas nucleares, depois desenvolva outras capacidades tecnológicas.”

As declarações supracitadas reforçam a importância dos projetos estratégicos para o

Estado brasileiro como o nuclear e do Veículo Lançador de Satélites, “Equalizadores de

Poder”, como fator dissuasório na segurança e defesa do Brasil.

O Senador Saturnino Braga, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa

Nacional do Congresso Nacional (CREDEN), afirmou em palestra proferida, no dia 26 de abril de

2006, que “as preocupações que demandam a atuação das Forças Armadas brasileiras são: a

Amazônia; o Aqüífero Guarani; o combate ao tráfico de armas e de drogas nas fronteiras; as novas

ameaças - o terrorismo e o crime organizado e as Missões de Paz da ONU”. Declarou, também, na

ocasião que “o Brasil precisa se afirmar como Potência da Paz”.

Aliás, esse discurso de “Potência da Paz” já tinha sido ouvido dos palestrantes do MRE,

Embaixador Antonio Patriota e o Ministro João Luiz Pinto, e quando da visita do autor àquele

ministério, na mesma época. É preocupante essa postura dos legisladores e formuladores da nossa

política externa, pois sinaliza uma perigosa direção que pode enfraquecer ainda mais o poder

militar e a segurança do Estado brasileiro.

34

A dicotomia entre as afirmações de Martin Van Creveld e do Presidente da CREDEN e

do MRE demonstra o reduzido grau de mentalidade quanto à questão de segurança, fruto do longo

período em que o Brasil não participa de um conflito armado - desde a Segunda Guerra Mundial -,

e da falta de ameaças concretas à integridade do território nacional, que na atualidade são

consideradas difusas. É imperioso reverter esse quadro antes que seja tarde demais. As Forças

Armadas brasileiras precisam investir em pesquisa e desenvolvimento, em novas tecnologias e

armas modernas, buscando alcançar um patamar à altura da sua importância estratégica no cenário

regional e mundial.

Segundo Samuel Pinheiro Guimarães, que é Secretário-Geral do MRE, no livro “Os

Desafios do Brasil na era dos Gigantes”, 2006, o Brasil, que possui um potencial de poder grande,

precisa revitalizar suas Forças Armadas, assegurar um assento no CSONU, continuar o

desenvolvimento do seu Programa Nuclear e buscar a integração regional. O mundo que existe hoje

com uma potência hegemônica deve ser abandonado e tornar-se multipolar. O sistema multipolar

envolve zonas polarizantes.

Essas afirmações vindas de um nacionalista e exercendo importante cargo no Itamaraty,

que também é defendida por uma gama de analistas em relações internacionais, demonstram que

existem possivelmente duas vertentes antagônicas no MRE.

35

5 A VIABILIDADE DE UMA PARCERIA ESTRATÉGICO-MILITAR ENTRE A ÍNDIA E O

BRASIL NO MÉDIO PRAZO

A Orientação Estratégica do Art. 6.11 e a Diretriz do Art. 7.1, alínea XXIV, da PDN

abaixo descritas, oferecem o arcabouço legal que respalda a busca de novas parcerias estratégicas

pelo Brasil com Estados como a Índia. No entanto, a análise das relações desses Estados com seus

vizinhos nos Complexos Regionais de Segurança onde se inserem e com as principais potências do

cenário internacional, condiciona a viabilidade de concretizar aquelas parcerias.

Art. 6.11 – “Além dos países e blocos tradicionalmente aliados, o Brasil deverá buscaroutras parcerias estratégicas, visando a ampliar as oportunidades de intercâmbio e a geraçãode confiança na área de defesa.”

Art. 7.1, alínea XXIV – “criar novas parcerias com países que possam contribuir para o

desenvolvimento de tecnologias de interesse da defesa.”

Ao compararmos o contorno estratégico do Brasil e da Índia, o Complexo Regional de

Segurança do Sul da Ásia é considerado uma Formação Conflituosa, marcado principalmente pelas

tensões entre a Índia e o Paquistão, enquanto o Complexo Regional de Segurança da América do

Sul é um Regime de Segurança. O Cone Sul tem evoluído para se tornar no futuro uma Comunidade

de Segurança, onde o Mercosul tem tido um papel primordial no incremento do nível de cooperação

entre os Estados da região.

Os dois principais Estados do Sul da Ásia, a Índia e o Paquistão, são nuclearizados e

não assinaram o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), o Regime de Controle

sobre Tecnologia de Mísseis (MTCR) e o Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares

(CTBT). Com relação à América do Sul, Brasil e Argentina são signatários do Tratado de Tlatelolco

(América Latina e Caribe, 1967), dentro da iniciativa de criar Zonas Livres de Armas Nucleares

(ZLANS) em grande parte do Hemisfério Sul, e assinaram o TNP, o MTCR e o CTBT. Criaram

ainda, em 1991, a Agência Brasileira-Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear

(ABACC), Organismo bilateral que acompanha por meio de inspeções periódicas o projeto nuclear

dos dois Estados.

O Brasil aderiu em abril de 1996, ao Grupo de Supridores de Nucleares. Do mesmo

modo que se pode dizer em relação ao MTCR, a participação brasileira no NSG contribui para uma

maior inserção do País nos debates sobre o comércio de tecnologia sensível e nos fluxos

internacionais de intercâmbio dessas tecnologias para fins pacíficos.

Depreende-se que a confiança mútua no Cone Sul pode levar a uma dinâmica de

cooperação, com efeitos positivos para que se alcance em médio prazo o status de uma Comunidade

de Segurança, como já mencionado anteriormente. Nela a estabilidade pode impulsionar todos os

36

Estados da região rumo a uma melhor qualidade nas relações e a um desenvolvimento econômico e

social sustentável no longo prazo. O objetivo é o crescimento conjunto de modo a reduzir as

assimetrias existentes na região como um todo.

Para não se fixar somente na teoria de Buzan e Waever com relação à perspectiva da

evolução dos Complexos Regionais de Segurança, faz-se necessário descrever o que disse Martin

Van Creveld em Palestra na EGN, 21 de junho de 2006, sobre a arma nuclear:

“Com o advento da arma nuclear a teoria de Clausewitz está ultrapassada. Um Irã nuclearnão seria mais perigoso do que uma Índia nuclear, um Paquistão nuclear ou um IsraelNuclear. A história nos ensina que os Estados nucleares são menos perigosos do que osEstados não-nucleares. Eles são mais calmos por que não temem pela sua sobrevivência.”

Essa visão leva a uma reflexão no que concerne ao futuro do Sul da Ásia, considerada

por Buzan e Waever uma Formação Conflituosa, na medida em que sugere que Estados

nuclearizados, no caso a Índia e o Paquistão, tendem a ser mais cooperativos e solidários. Com base

nessa ótica, a região poderá caminhar no futuro em direção a um Regime de Segurança e

posteriormente atingir o status de uma Comunidade de Segurança.

A questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU, tema comum na agenda nos

dois Complexos Regionais de Segurança, e que impacta as relações interestatais, é pela sua

importância estratégica motivo de debates acalorados nos Estados com estatura político-estratégica

do Brasil e da Índia. A criação do G-4 denota a importância do assunto para esses Estados. A

Argentina e o México se opõem à aspiração da diplomacia brasileira de ter um assento permanente

no CSONU, assim como o Paquistão é contrário às pretensões da Índia. Na Europa, a Itália não

aceita o pleito da Alemanha, do mesmo modo no Leste da Ásia, a China se opõe ao aumento de 15

para 21 do número de participantes no CSONU, e usa o veto da entrada do Japão como desculpa.

Á luz dos acontecimentos mais relevantes atualmente em pauta no cenário internacional,

a possível reforma do CSONU não será resolvida nem no curto prazo, nem no médio prazo. As

grandes potências não têm interesse em dividir poder com os outros Estados, reforçando a

percepção de que a Índia e o Brasil terão que unir esforços para obterem os apoios necessários que

lhes permitam alcançar, no futuro, um assento permanente naquele órgão colegiado. O Brasil, para

fortalecer sua candidatura, chefia desde 2004 a missão de paz da ONU no Haiti (MINUSTAH).

Além do tema supramencionado, a interação diplomática entre os dois Estados está

sendo constantemente incrementada. O Acordo Preferencial do Mercosul, já citado, e o Acordo de

Cooperação de Defesa Brasil-Índia, de 2006, em que os dois Estados concordam em explorar as

oportunidades no setor de defesa, abrangendo cooperação militar e não-militar como treinamento;

37

exercícios conjuntos de defesa; compartilhamento de informação e equipamentos; cooperação entre

suas indústrias de defesa, com compartilhamento de tecnologia, desenvolvimento, produção,

comércio, serviços e propaganda de seus produtos; aparentemente parece mais um esforço

diplomático que tem remotas chances de prosperar na área de defesa. O mesmo não se aplica na

área comercial, onde há espaço para empresas como a Embraer, Petrobras e Sadia, entre outras, na

busca de uma fatia do crescente mercado indiano.

Na realidade, no momento não há nenhum projeto estratégico de tecnologia na área de

defesa, tais como o Aeroespacial e o Nuclear, que tenha a participação de empresas e agências do

governo indiano. No passado, houve uma participação indiana em projetos conjuntos na área

Aeroespacial no Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), especificamente no sistema de

carregamento de atitude do foguete.

Cabe ressaltar que dois oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil

participaram como observadores da ONU, na guerra Índia-Paquistão.

A Índia está inserida no Complexo Regional de Segurança do Sul da Ásia com

problemas no nível regional, principalmente as disputas fronteiriças com a China e o Paquistão, que

a obriga buscar parcerias e alianças estratégicas no campo militar com Estados que possam

propiciar um contínuo aperfeiçoamento da sua capacidade militar. Entre quais podemos citar os

EUA e a Rússia.

No nível doméstico, a Índia possui desafios consideráveis que necessita enfrentar, tais

como conflitos internos que a divide e a enfraquece; a questão da água – há um esforço para reduzir

a poluição, aprimorar as redes de distribuição e assegurar uma melhor distribuição, interligando os

principais cursos d’água do seu território; a busca de novas fontes de suprimento de petróleo e de

gás; o controle do crescimento demográfico (LAMBALLE, 2006, p. 8); e a epidemia de HIV/AIDS,

que pode afetar seriamente suas perspectivas econômicas caso não seja controlada. De acordo com

dados recentes da ONU, a Índia ultrapassou a África do Sul como o Estado com maior número de

pessoas infectadas pelo HIV (O RELATÓRIO DA CIA, 2006, p. 139).

O Brasil encontra-se imerso no Complexo Regional de Segurança da América do Sul,

onde tem como maior desafio buscar a integração regional, por intermédio da consolidação e

ampliação do Mercosul e da CASA. A proteção da Amazônia, o seu desenvolvimento auto-

sustentado e os projetos de infra-estrutura com os Estados Amazônicos vizinhos são da mesma

maneira importantes para o futuro do Estado brasileiro e da região. As Forças Armadas brasileiras

têm conduzido um esforço contínuo para deslocar tropas e meios para a região amazônica,

denotando a securitização da área para o Brasil. No sentido inverso, no Cone Sul, vem ocorrendo a

38

dessecuritização da fronteira com a Argentina, em face das medidas de confiança mútua adotadas

nos últimos 20 anos44.

Nesse contexto, a viabilidade de uma parceria estratégico-militar no médio prazo entre a

Índia e o Brasil é inexeqüível em virtude dos dois Estados vivenciarem realidades díspares nos seus

Complexos Regionais de Segurança, principalmente na área de segurança e de defesa. As diferentes

ameaças militares, a grande distância geográfica e os distintos objetivos estratégico-militares

existentes entre esses Estados corroboram essa assertiva.

44 A lição da guerra das Malvinas/Falklands, entre a Argentina e a Inglaterra, em 1982, deu origem a três decisões importantes: a eleição por

unanimidade do embaixador brasileiro Baena Soares, em 1984, para o cargo de Secretário-Geral da OEA; a criação pela ONU, por iniciativa do

Brasil, da “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, em 1986; e os Chefes de Estado da Argentina e do Brasil firmaram, em Buenos Aires, em 29

de julho de 1986, a “Ata para Integração Brasileiro-Argentina”, com 12 protocolos anexos, e criaram a “Comissão de Execução do Programa de

Integração Brasileiro-Argentina”, para avaliar, em reuniões semestrais, o desempenho dos mecanismos e propor novas iniciativas (CERVO; BUENO,

1992, p.408-409).

39

6 CONCLUSÃO

Como dois Estados que lutam para obterem uma maior inserção no cenário

internacional, o Brasil e a Índia possuem desafios regionais de monta que superam em importância

uma parceria estratégico-militar no médio prazo. Ao vislumbrar essa cooperação mais estreita, no

que diz respeito tanto às doutrinas, quanto no campo tecnológico e no possível emprego conjunto de

suas Forças, o atual estágio de cada Estado desencoraja o estreitamento da parceria bilateral na área

militar. A Índia é um Estado nuclearizado do Terceiro Mundo, que enfrenta um longo e desgastante

conflito com o Paquistão, possuidor de armamento nuclear e capacidade de lançá-los a média

distância. O Brasil também é um Estado do Terceiro Mundo inserido numa região considerada

periférica e sob influência norte-americana, potência hegemônica militar.

A Índia não compartilha as mesmas preocupações estratégicas com Estados como o

Brasil, excetuando-se as três dimensões possíveis: o plano retórico e diplomático, onde se observam

identidades e interesses comuns, definidos em termos abstratos; um plano comercial, onde as

exportações brasileiras para a Índia cresceram 100%, em 2005, e nas oportunidades que se abrem

no mercado daquele Estado, com o acelerado crescimento indiano, para empresas do Brasil como

Embraer, Sadia e Petrobras; e num plano mais limitado da cooperação militar, no qual há espaço,

embora estreito, para a troca de informações no trato de tecnologias, de processos específicos e na

formação de recursos humanos.

O Estado supracitado encontra-se contido no Complexo Regional de Segurança do Sul

da Ásia, com dinâmica e características distintas da vivenciada pelo Brasil, além de fomentar

acordos, parcerias e alianças estratégicas com Estados do Primeiro Mundo como os EUA, e Estados

em ascensão, como a Rússia. Diante desse quadro, a viabilidade de uma parceria estratégico-militar

no médio prazo entre a Índia e o Brasil, um Estado às voltas com uma série de problemas

domésticos e regionais e sem grandes atrativos a oferecer, torna-se inexeqüível no atual contexto

em que o Estado brasileiro tenta se firmar como potência regional, cercado por pequenos Estados

que ora o enxergam como parceiro e garantidor de seus pleitos, ora como uma ameaça com

intenções expansionistas. As diferentes ameaças militares, a grande distância geográfica e os

distintos objetivos estratégico-militares existentes entre esses Estados reforçam essa tese.

40

A continuidade do diálogo com a Índia, dentro das iniciativas do G-3, G-4 e G-20 está

em conformidade com a Política Externa do Brasil e da PDN. Nesse contexto, os resultados já são

percebidos e têm fortalecido a posição dos dois Estados nas diversas discussões nos fora

multilaterais que têm participado, tais como a ONU e a OMC.

Inclusos nos BRIC e com perspectivas de figurarem em 2050 entre as seis maiores

economias do mundo, os dois Estados devem caminhar de forma cooperativa na solução dos seus

problemas domésticos e regionais. Os desafios são imensos e é primordial a priorização da busca de

soluções no entorno estratégico em que vivem. No caso do Brasil, o fortalecimento do Mercosul e

de suas Forças Armadas; a busca de um assento permanente no CSONU; a proteção, os projetos de

infra-estrutura com os Estados vizinhos e o desenvolvimento auto-sustentado da Amazônia; a

continuidade dos projetos estratégicos como o Nuclear e o VLS; a redução da pobreza; o

aprimoramento da distribuição da renda; o combate ao contrabando de armas e ao tráfico de drogas;

e a integração regional, por intermédio de iniciativas como o próprio Mercosul e a CASA.

Por outro lado, a Índia necessita enfrentar os conflitos internos que a divide e a

enfraquece; a questão da água - se esforça para reduzir a poluição, aprimorar as redes de

distribuição e assegurar uma melhor distribuição, interligando os principais cursos d’água do seu

território; a busca de novas fontes de suprimento de petróleo e de gás; a redução da pobreza e da

epidemia de HIV/AIDS e o controle do crescimento demográfico. Assim como o Brasil, uma

admissão como membro permanente do CSONU permanece um objetivo relevante de sua

diplomacia externa. É inexorável que com as ações estratégicas que vêm implementando, o Estado

indiano crescerá de importância continuamente no cenário internacional, sobretudo se conseguir

encontrar um caminho que permita um entendimento com a China.

Destarte, os dois Estados podem também desenvolver projetos conjuntos na área nuclear

e ambiental, entre outras, no longo prazo, aproveitando as experiências bem sucedidas de cada um.

O entorno estratégico vivenciado atualmente pelo Brasil e pela Índia em seus Complexos Regionais

de Segurança, América do Sul e Sul da Ásia, respectivamente, desencoraja uma maior aproximação,

situação que possivelmente será mais favorável no futuro.

41

REFERÊNCIAS

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ANEXO A

MAPA N° 1

44

MAPA N°2

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ANEXO B

ENTREVISTA: MONOGRAFIA COM REPRESENTANTE DOMINISTÉRIO DA DEFESA

Subsídios dos Departamentos de Política e Estratégia –DPE e de Cooperação- DECOP

• Questão 1 - QUAIS SÃO OS INTERESSES DO BRASIL E DE SUAS FORÇASARMADAS NO CONTEXTO DA ATUAL POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NOSUL DA ÁSIA, EM ESPECIAL COM A ÍNDIA?O Brasil dedica, tradicionalmente, grande atenção ao continente asiático. Mais

recentemente, entretanto, as interações diplomáticas, principalmente no campo político eeconômico, tornaram-se mais intensas do que a média observada ao longo da história de nossapolítica exterior, mesmo quando comparadas ao período em que o País buscou aproximar-sedessa região do mundo, nas décadas de 1970 e 1980. Entre as razões que levaram a estamudança de postura estão: 1) o próprio aprofundamento da interdependência global, quecontribui para a intensificação dos fluxos comerciais, financeiros, migratórios einformacionais; 2) o extraordinário desempenho econômico de alguns países asiáticos – taiscomo os “Tigres”, a China, o Japão e a Índia – nas últimas décadas; 3) em conseqüênciadisso, o incremento de sua importância relativa, nos planos político e estratégico; e 4) apercepção de que o Brasil e os seus principais parceiros na região têm características einteresses comuns, que os aproximam e facilitam a articulação de seus projetos dedesenvolvimento e de inserção internacional45.

Ao longo da História, os laços de cooperação bilateral com os países asiáticos estreitaram-se fortemente na esfera comercial. O dinamismo econômico dessa região, relativamenterecente, levou a que a diplomacia brasileira nela identificasse importantes oportunidadescomerciais, articulando acordos destinados a favorecer as trocas econômicas entre o Brasil eos países da região. Nesse contexto, ao buscarem se internacionalizar, muitas empresasbrasileiras contemplaram, de forma marcante, o continente asiático. O foco das atençõesrecaiu, assim, na pragmática observação de que era importante, para o Governo e para asempresas brasileiras, fazer-se presente nesses mercados em rápida expansão.

Mais recentemente, sobretudo no atual Governo, enfatizou-se a dimensão política dorelacionamento, pela via das “parcerias estratégicas” no eixo sul-sul. Busca-se, com isso,associar o Brasil a outras potências médias que com ele dividem a realidade de pertencer aoHemisfério Sul do Globo. Entre elas, China e Índia ocupam posição privilegiada, assim comoRússia e África do Sul – por razões distintas e em condições específicas.

A Índia se destaca, contudo, devido à histórica coincidência de posições políticas adotadaspelos dois países com relação a questões sensíveis e relevantes no contexto internacional.Avultam, nesse particular, o tradicional alinhamento os dois países com respeito ao Tratadode Não-Proliferação Nuclear (que perdurou até a decisão brasileira de aderir ao Tratado) e aestratégia comum nas negociações multilaterais amplas (sistema OMC e, antes, no âmbito doGATT). Nos últimos anos, a diplomacia brasileira – e suas Forças Armadas – têm direcionadoesforços para ampliar a agenda bilateral, como ilustram as conversas no âmbito do G-3, assondagens na área de uma possível aproximação das indústrias de defesa e a recente decisãode se criar aditâncias militares nos dois países. Apreciam-se, pois, oportunidades de seexplorar melhor as afinidades entre os dois países. Pretende-se, por exemplo, que o

45 Ver, em anexo, o conjunto de argumentos listados pelo Itamaraty para justificar o interesse do Brasil na região.

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intercâmbio científico-tecnológico progressivamente articule a aproximação entre aseconomias e sociedades dos dois países.

A atuação bilateral do Brasil em relação à Índia, no governo Lula, tem se desenvolvido noplano bilateral e no âmbito do Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul (IBAS ou G-3). Este fórum visa a aprimorar a posição estratégica dos três países, vistos como líderesregionais no Hemisfério Sul. Os governos apresentam o IBAS, ainda, como um esforço parafortalecer o multiculturalismo, a democracia e a concertação de ações entre seus integrantes,podendo servir para ampliar sua capacidade de atuação entre os países em desenvolvimento.

Em síntese, no contexto da atual Política Externa Brasileira, que dá prioridade àsrelações sul-sul, uma nova fase nas relações bilaterais entre Brasil e Índia abriu-se peladeterminação de utilizar o potencial substancial existente entre os dois países e asoportunidades para aprofundar a cooperação mutuamente benéfica, para promoverdesenvolvimento socioeconômico e prosperidade para a Índia e Brasil e para fortalecer amultipolaridade a nível internacional e aumentar os fatores positivos da globalização.

Os dois países, por meio do Acordo de Cooperação de Defesa Brasil-Índia,concordam em explorar oportunidades para cooperação no setor de defesa abrangendocooperação militar e não-militar como treinamento, exercícios conjuntos,compartilhamento de informação e equipamentos e cooperação entre suas indústrias dedefesa, com o compartilhamento de tecnologia, desenvolvimento, produção, comércio,serviços e propaganda de seus produtos.

• Questão 2 - CONSIDERANDO QUE A ESTRATÉGIA DA ÍNDIA TEM COMO“EQUALIZADORES DE PODER” O USO DA AVIAÇÃO ESTRATÉGICA E DAARMA NUCLEAR, ALÉM DE DETER TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DEMÍSSEIS DE LONGO ALCANCE, QUAIS SÃO AS POSSIBILIDADES DO BRASILESTABELECER UMA PARCERIA ESTRATÉGICO-MILITAR COM AQUELE PAÍS?

No campo da segurança, a cooperação entre Brasil e Índia pode ser entendidade forma mais ampla a partir dos contatos estabelecidos por intermédio do G-346. Entretanto,mesmo fora do espectro do IBAS, para se analisar os fatores que condicionam aspossibilidades de cooperação nesse campo é preciso considerar os parâmetros com base nosquais cada país considera: (1) suas percepções de ameaças; (2) suas hipóteses de emprego dasForças Armadas; (3) sua participação em organismos internacionais multilaterais (regionais eglobais); (4) sua economia de defesa nacional; (5) as relações de segurança com seusvizinhos; e (6) seu papel na condução dos regimes internacionais de segurança.

No campo estritamente militar, no que concerne tanto aos “processos” (ou doutrinas),quanto ao “nível tecnológico” e ao “horizonte de emprego das Forças”, o atual estágio de cadapaís apresenta desincentivos ao aprofundamento da coordenação bilateral ou trilateral. A Índiaé um país nuclearizado, que há décadas enfrenta delicado contencioso com um de seusprincipais vizinhos, o Paquistão, o qual também possui armas nucleares e capacidade delançá-las a longas distâncias. Ademais, no entorno estratégico dos dois países prevalecemfortes tensões, ampliadas por fatores entre os quais se pode destacar: a recente desenvolturacom que a China vem se comportando no ambiente regional e seu permanente contenciosocom Taiwan; a constante presença dos E.U.A., que interferem direta e indiretamente nosprocessos políticos e estratégicos locais; o restabelecimento de um papel relevante

46 Ver texto completo em RAMALHO DA ROCHA, A. J; VELLOZO Jr., Joelson; ROLLEMBERG, Carlos A.Notas Técnicas do Departamento de Cooperação/MD, nº 1, fevereiro/2006. Índia, Brasil e África do Sul – IBAS,pp. 5-9.

47

desempenhado pela Rússia, especialmente no que concerne às interações entre os países destaparte do continente e a Ásia Central; e, não menos importante, as implicações tanto dasegunda Guerra do Golfo quanto da atual situação do Irã. Não bastasse a complexidade doambiente geopolítico, ampliada pela presença da Al-Qaeda, a região marca-se por intensosfluxos migratórios, profundas diferenças religiosas e graves problemas sociais.

Em outras palavras, a Índia não compartilha preocupações estratégicas com países comoBrasil e África do Sul, excetuando-se duas dimensões possíveis: de um lado, o plano retóricoe diplomático, em que se observam identidades e interesses comuns, definidos em termosabstratos; de outro lado, em um nível mais limitado da cooperação militar, em que há espaçopara a troca de informações no trato de tecnologias, de processos específicos e de formação derecursos humanos.

Brasil e Índia inserem-se, pois, em ambientes políticos-estratégicos bastantedistintos. A posição dos dois países com relação aos principais temas de segurançainternacional não encontra convergência evidente, em especial quanto à questão da não-proliferação nuclear. Além disso, a posição relativa dos dois países com relação à grandepotência mundial – os EUA – faz que o horizonte estratégico da Índia não se alinheprontamente com o do Brasil, país de menor expressão e de escassos recursos disponíveis paraestabelecer grandes projetos de cooperação na área. Assim, uma parceria estratégico-militartenderá a surgir apenas em níveis mais específicos e limitados das estruturas militares de cadapaís, devendo corresponder apenas ao incremento de intercâmbios e à execução de projetos depequeno porte.

Graças às mudanças observadas na posição brasileira na década de 1990, temas como anão-proliferação caracterizam um tipo de engajamento claramente divergente de cada país,como ilustram as posições relativas, por exemplo, ao Tratado de Não-Proliferação (TNP). Orecente acordo entre índia e E.U.A. neste campo e o fortalecimento da posição brasileira noGrupo de Supridores Nucleares abrem espaço, todavia, para uma aproximação entre os doispaíses. Em contraste, a convergência política em foros multilaterais como o Conselho deSegurança das Nações Unidas (particularmente quando se trata de missões de paz) e a OMCpodem balizar as reais possibilidades de cooperação entre os três países, mais particularmenteentre Brasil e Índia.

Assim, até o presente, o IBAS consiste em um conjunto de declarações de intenções ebaseia-se numa proposta de objetivo político a ser alcançado, não possuindo uma organizaçãoconcreta. É importante ter em mente, contudo, que, não obstante a escassa institucionalizaçãodas iniciativas, Chefes de Estado e de Governo, assim como Ministros de Estado da Índia, doBrasil e da África do Sul encontraram-se periodicamente durante o período que se estendeu daDeclaração de Brasília, em 06/06/2003, ao Comunicado Ministerial da Cidade do Cabo, em11/03/2005. O esforço de aproximação consolidou-se, ainda, na mais recente reunião deministros, em abril de 2006, no Rio de Janeiro. Em certa medida, esses documentos ecomunicados contribuem para a sofisticação da agenda de cooperação e do discurso do G3.Em linhas gerais, os três governos concordam em que, no campo da segurança e defesa47:

o é necessário reformar a Organização das Nações Unidas, em particular o Conselho deSegurança;

o as novas ameaças à segurança – tais como o terrorismo e o crime organizadotransnacional – devem ser enfrentadas por meio de eficaz cooperação internacional;

o a cooperação no âmbito do Grupo pode desenvolver-se na área científica etecnológica, com ênfase em biotecnologia, fontes alternativas de energia, espaçoexterior, aeronáutica, informática e agricultura;

47 Declaração de Brasília (06.06.2003); Plano de Ação (01.02.2004); e Comunicado Ministerial da Cidade doCabo (11.03.2005). Disponíveis em www.unb.br/irel/ibsa

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entre os instrumentos a serem utilizados para incrementar a cooperação em matéria dedefesa figuram, entre outros, o intercâmbio de pessoal, a criação de oportunidades detreinamento, e a troca de experiências em operações de paz;

1 há espaço para projetos conjuntos no campo da indústria de defesa, por meio do co-desenvolvimento de produtos e da implementação conjunta de estratégias demarketing e comercialização; e

2 é possível cooperar para combater a proliferação de Armas de Destruição em Massa,com realce para as ações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica(AIEA).

De forma conclusiva, Índia e Brasil respondem a estruturas e a dinâmicas regionaisespecíficas para a Ásia e América do Sul. O Brasil estabelece em sua Política de DefesaNacional a proscrição de armas nucleares, entretanto, poderá compartilhar com a Índia nodesenvolvimento de energia nuclear para atender fins pacíficos. O Acordo de Defesarecentemente assinado, reconhece o interesse de cooperar na área de defesa e segurança,principalmente no campo da pesquisa e desenvolvimento tecnológico, apoio logístico eaquisição de equipamentos bélicos.1 O próprio Acordo prevê a possibilidade de venda, em futuro próximo, de aeronaves da Embraer para o governo indiano, o que abre perspectivas de cooperação no setor aeroespacial.

• Questão 3 - O DIÁLOGO SUL-SUL É NO MOMENTO UMA PRIORIDADE PARA OGOVERNO BRASILEIRO, PRINCIPALMENTE PARA OBTER APOIOS AOS SEUSPLEITOS, NOS DIVERSOS FORA MULTILATERAIS. DE QUE FORMA O BRASILPODERIA FORTALECER AS RELAÇÕES COM A ÍNDIA, TENDO COMOPROPÓSITO AMPLIAR A SUA CAPACIDADE DE NEGOCIAÇÃO NOS DIVERSOSORGANISMOS MULTILATERAIS?

O Brasil e a Índia são países em desenvolvimento de ampla dimensãoterritorial. Enfrentam desafios semelhantes em termos econômicos e sociais. Compartilhampontos de vista similares sobre o sistema internacional e aspiram a maior participação nasdecisões políticas, econômicas e financeiras mundiais. Com base em visões e desejos comuns,Brasil e Índia almejam desenvolver e aprofundar a estreita cooperação e consulta que jámantêm nos foros internacionais.

O Brasil e a Índia estão entre as maiores democracias do mundo. Ao mesmotempo em que tratam de desenvolver e aprimorar suas instituições democráticas noplano interno aspiram a que a democracia prevaleça, igualmente, na ordeminternacional. Ressaltam o papel central das Nações Unidas na preservação da paz e dasegurança internacionais. Sublinham, ainda, a necessidade de estrita observância daCarta das Nações Unidas e dos princípios e normas do Direito Internacional. Brasil eÍndia concordaram que o funcionamento das Nações Unidas deveria ser maisdemocrático e que o Conselho de Segurança deveria ser ampliado para serverdadeiramente representativo dos membros das Nações Unidas. Os países emdesenvolvimento, que representam a grande maioria dos membros da Assembléia Geralda ONU e têm um papel cada vez mais proeminente nos assuntos mundiais, deveriamestar integralmente representados na categoria de membros permanentes no Conselhode Segurança reestruturado. Eles também concordaram que a reforma e a ampliação doConselho de Segurança deveriam ser parte de uma só iniciativa.

49

Na percepção da Chancelaria brasileira, o ingresso do País em concertações multilateraispermite aperfeiçoar sua inserção internacional (e, portanto, sua capacidade de negociação), aoexercer liderança em atuações conjuntas. O MERCOSUL é o exemplo marcante deste tipo depostura. Mais recentemente, tanto o G-3, quanto o G-20 (grupo de países em desenvolvimento– dentre eles, a Índia – formado para apoiar as negociações comerciais internacionais,particularmente no que se refere ao setor agrícola – www.g-20.mre.gov.br) e o G-4 (grupo depaíses – Brasil, Índia, Japão e Alemanha – que buscam, por intermédio de uma ampla reformado Conselho de Segurança das Nações Unidas, ascensão ao posto de membros permanentesdo órgão) têm servido de plataforma de política exterior do Brasil para atender aos seusinteresses mais primordiais, nos campos político, diplomático e comercial. Cabe ter presente,contudo, que, em geral, a aproximação se faz com respeito a temas específicos, de modo queuma convergência de interesses na esfera comercial não necessariamente se pode transportarpara negociações que se desenvolvem em outras áreas, tais como meio ambiente ou mesmofinanças.

• Questão 4 - A CONQUISTA DE UM ASSENTO PERMANENTE NO CONSELHO DESEGURANÇA DA ONU É UM DOS OBJETIVOS POLÍTICOS DO BRASIL. QUAISAS PRINCIPAIS AÇÕES POLÍTICAS, MILITARES E DIPLOMÁTICAS QUE O PAÍSDEVE EMPREENDER PARA ALCANÇAR ESSE OBJETIVO? É POSSÍVELCONCRETIZÁ-LO?

É sempre possível concertar posições por meio de iniciativas semelhantes àsque se mencionou na resposta à questão anterior. No caso deste objetivo específico da políticaexterna brasileira, cabe distinguir uma posição de longo prazo da forma como se apresentou econduziu este objetivo nos últimos anos. Pode-se defender a linha de argumentação – coerentecom as mais elevadas tradições da inserção internacional do País – que defende a soluçãopacífica de controvérsias, a construção de um ambiente internacional em que prevaleçamsoluções pautadas por normas (em vez de puras relações de poder) e o aperfeiçoamento dasinstituições internacionais, com vistas a construir um sistema multilateral mais representativoda atual distribuição de poder no cenário internacional. Em contraste, é bastante questionávela forma como se pretendeu alcançar este objetivo, tanto pelo óbvio erro de diagnóstico ao sepromover uma associação com Alemanha e, principalmente, Japão, quanto pelo fato de quenão se pode exercer liderança sem a legitimidade conferida pela aceitação dos liderados. Comrelação às associações, desde o início das discussões sobre a possível reforma da ONU,avultavam as dificuldades de os países europeus chegarem a um consenso sobre a indicaçãoda Alemanha, bem como as resistências a mais um representante da Europa com statusprivilegiado no Conselho. Mais importante, contudo, é a completa objeção da China aoingresso do Japão. No que diz respeito à liderança pretendida pelo Brasil, de que o ingressono Conselho seria uma evidência, os equívocos foram ainda maiores. Para além dastradicionais disputas com a Argentina e com o México (agora algo despropositadas), a disputade posições com outros países da região em foros multilaterais como a OMC, o BID e a OEAdesgastaram a boa vontade que poderia haver quanto à candidatura brasileira. De resto, esse éo tipo de posição para a qual nenhum país se oferece; no máximo, cria condições para que seunome seja encaminhado por nações amigas.

Por falar em criar condições, especificamente no campo militar, a participação permanente do Brasil em Operações de Paz poderá influenciar politicamente econtribuir para um futuro assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. É

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preciso destacar a importância do Brasil na atual operação em curso no Haiti, em que opaís exerce o comando da Força de Paz.

• Questão 5 - NO CONTEXTO SUL-AMERICANO, ONDE O BRASIL EXERCE UMALIDERANÇA NATURAL, ALÉM DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, QUAIS SÃO OSPRINCIPAIS DESAFIOS PARA O PAÍS?

O Brasil, dentro do contexto da América do Sul, enfrenta problemas evulnerabilidades, como desigualdade no nível de desenvolvimento, apresentando carênciasbásicas de capital e de tecnologia.

Os problemas sociais de distribuição desigual de renda, o analfabetismo, asaúde, o desemprego e a pobreza em toda a região caracterizam um desafio de grandeproporção para os governos. O crime organizado é responsável pela violência urbana,alimentado pela corrupção crônica dos aparelhos políticos latino-americanos. A produção dedrogas e suas ligações com o crime organizado e o narcotráfico agravam o quadro. Existetambém a interferência externa visando a obter respaldo da comunidade internacional parapunir países que não se comportem bem com respeito aos chamados “interesses comuns dahumanidade”, tais como direitos humanos, controle do meio ambiente e outros. Um outrodesafio para os países são as barreiras comerciais às exportações, bem como o cerceamento aodesenvolvimento tecnológico.

Por outro lado, os assuntos de política internacional têm se tornados maisrelevantes para a opinião pública nacional, de forma geral, para a mídia e para a comunidadecientífica, em particular. É preciso ter um projeto claro com relação à região, algo maisconcreto do que propostas de cooperação multilaterais definidas em linguagem diplomática,como a Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN). É positivo o fato, contudo, de que asvisões das relações internacionais no continente se multiplicam, e, se dificultam os consensos,melhor informam os tomadores de decisão.

Os processos de integração, antes inspirados pelo ideal de distensãodiplomática e militar, agora se concentram em questões que extrapolam as medidas deconfiança mútua e as trocas comerciais. Nos últimos anos, questões de infra-estrutura física,de integração de cadeias produtivas (inclusive a da indústria de defesa da região), deregulamentação do comércio de serviços, da livre circulação e da promoção econômica esocial dos povos da América do Sul estão em destaque na agenda política dos países daregião. Como exemplos disso, podem-se indicar iniciativas como a negociação conjunta coma União Européia, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN) e a Cúpula América doSul – Países Árabes (ASPA). A necessidade de revitalização do Mercosul parece ser tambémuma prioridade estabelecida, já que o bloco, a exemplo de CSN e ASPA, é percebido comoplataforma de política exterior que pode incrementar em grande medida a atuação brasileirana região e no mundo.

A capacidade de responder aos desafios traçados – em particular os vinculadosà infra-estrutura e ao bem-estar econômico-social dos países – tem sido posta em xeque,inclusive porque muitos vêem iniciativas como a CSN e a ASPA na condição de produtos daretórica política de alguns líderes regionais, sem qualquer possibilidade de repercutir de formaobjetiva no desenvolvimento nacional dos países ou até mesmo no padrão de cooperação entreeles. Ademais, caso não haja uma convergência de expectativas entre os países a respeito dosprocessos de articulações multilaterais, poucas serão as possibilidades de se conseguir algumresultado concreto. Eis aí, talvez, o maior dos desafios.

Os desafios mais relevantes, contudo, são de dois tipos: uns dizem respeito aofortalecimento de lideranças populistas na região, cuja concepção de democracia merece

51

reparos importantes. A possibilidade de essas lideranças estimularem tensões internacionaispara se fortalecer no plano doméstico é bastante elevada. Outros desafios referem-se aotransbordamento de tensões sociais internas para outros países da região. O risco de o conflitocolombiano produzir problemas no território – e até mesmo no relacionamento – com o Brasilfala por si.

• Questão 6 - A ATUAÇÃO AGRESSIVA DOS EUA NO CENÁRIO INTERNACIONALÉ HEGEMÔNICA E INCONTESTÁVEL, SEJA ORA REALIZANDO ACORDOSCOMERCIAIS BILATERAIS OU NA ÁREA NUCLEAR, COMO O RECENTEACORDO ASSINADO COM A ÍNDIA, ASSIM COMO EFETUANDO ASCHAMADAS GUERRAS PREVENTIVAS. DE QUE MANEIRA OS EUA PODERIAMAGIR PARA EVITAR UMA POSSÍVEL PARCERIA ESTRATÉGICO-MILITARENTRE A ÍNDIA E O BRASIL?

Cada região do globo possui estruturas dinâmicas próprias, em geralmarcadas por processos muito peculiares e pelo envolvimento direto de potências regionais.Da mesma forma, grandes potências extra-regionais demonstram interesse diverso por cadaregião, interferindo de modo particular em seus processos estratégicos. Também desempenhapapel relevante o conjunto das relações internacionais de cada país em áreas como economia,política e, em alguma medida, cultura e religião.

Não há indícios claros, até o momento, de que as relações bilaterais entre Brasil eÍndia possam ser obstaculizadas pelos EUA. Em todo caso, os tipos de associação – tanto noque toca à retórica política quanto à prática diplomática – que o Brasil vier a praticar no futuropodem comprometer as possibilidades de cooperação com a Índia, em qualquer área e não sóna militar. A intervenção estadunidense na venda de aviões da EMBRAER para a Venezuela(aviação militar) e para o Irã (aviação comercial) é exemplo elucidativo disso.

• Questão 7 - QUAIS OS PRINCIPAIS ACORDOS E TRATADOS ATUALMENTE EXISTENTES ENTRE O BRASIL E A ÍNDIA? HÁ INTERESSE EM AMPLIÁ-LOS?

Os acordos internacionais assinados entre Brasil e Índia cobrem um amploespectro de temas. O Itamaraty, por intermédio de sua Divisão de Atos Internacionais,sistematizou o conjunto destes documentos, a que se pode ter acesso a uma tabela (ver cópiaem anexo) com o conjunto de atos e o texto integral de cada um deles pelo link:http://www2.mre.gov.br/dai/biindia.htm

52

APÊNDICES

QUESTÃO 1

•Na página oficial do Ministério das Relações Exteriores(http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/relreg/oceania/index.htm),tem-se uma descrição ampla do universo das relações internacionais do Brasil com o continente:

“Por sua importância geoestratégica e pujança econômica, a Ásia e a Oceania se apresentamcomo uma área bastante promissora para uma proativa ação diplomática brasileira no novoséculo. Constituem um dos espaços mais dinâmicos do planeta, abrigando uma riqueza deculturas, etnias, religiões e instituições sócio-políticas, onde se combinam tradiçõeshistóricas milenares com rupturas surpreendentes de pós-modernidade.

O perfil do Brasil em certos quadrantes da região já se apresenta sólido e consistente. Hárelacionamentos densos e dinâmicos com países como China, Japão, Índia e Coréia do Sul.Existem boas perspectivas para consolidar laços cada vez mais estreitos com países daASEAN, Austrália e Nova Zelândia. As relações com Timor-Leste ocupam lugar de particularimportância, em virtude de vínculos culturais da lusofonia. Ao mesmo tempo, o Brasil abrigaexpressivos contingentes populacionais de origem japonesa, chinesa, coreana e outras, quereforçam os liames humanos entre duas regiões antípodas.

Com a China, o Brasil estabeleceu uma Parceria Estratégica modelar desde oestabelecimento das relações diplomáticas em 1974, que ganhou densidade consistente apartir dos anos 90, quando importantes iniciativas foram consolidadas nos camposeconômico, comercial, científico e tecnológico. No campo de ciência e tecnologia, pode-secitar o programa China-Brazil Earth Resources Satellites–CBERS, considerado paradigmade cooperação Sul-Sul nesse setor. Na área comercial, graças a um dinamismo semprecedentes no intercâmbio comercial, a China transformou-se hoje num dos maioresmercados para o Brasil na Ásia e no mundo. Há um forte compromisso, tanto da parte doBrasil quanto da China, de dar continuidade ao processo de adensamento e fortalecimentodessa parceria bilateral.

O Brasil mantém com o Japão um relacionamento secular, quer pelos vínculos humanos, quereconômico e comerciais. Em tempos recentes, o dinamismo do intercâmbio bilateral seressentiu das crises que afetaram um e outro país, em ciclos adversos distintos, mas queparecem próximos de superação. A par da notável contribuição dos fluxos imigratórios deorigem japonesa para a conformação da sociedade brasileira, temos agora importantecontingente de nacionais brasileiros residentes no Japão cooperando para o desenvolvimentoda economia local. Teremos proximamente a comemorar o centenário da imigração japonesapara o Brasil (1908-2008) e esperamos que a presença brasileira no Japão seja igualmentemotivo de congraçamento sinérgico entre os dois países.

A Índia é outro país-continente que vem desvelando suas potencialidades de forma admirável .(grifo nosso) O ritmo de crescimento econômico na última década tem sido elevado esustentado, atraindo as atenções internacionais para seu promissor mercado interno. Asrelações entre o Brasil e a Índia têm ganhado uma densidade crescente, graças àconscientização recíproca das afinidades e sinergias. O fluxo e a densidade da interlocuçãobilateral vem refletindo crescentemente as virtualidades de importante eixo de cooperaçãoSul-Sul.

A Coréia do Sul desponta crescentemente como promissor pólo de interação com o Brasil.Em 2001, foi afirmada a "Parceria Especial" entre os dois países. Áreas estratégicas decooperação, como tecnologia da informação, biotecnologia, eletro-eletrônica e materiaisestratégicos foram selecionadas para serem focos prioritários de iniciativas para pesquisa edesenvolvimento conjuntos, como outro estratégico nicho de interação entre o Brasil e a Ásia.

Com a ASEAN, o Brasil busca abrir nova frente dinâmica de interlocução. Trata-se de umbloco político-econômico com mais de 600 milhões de habitantes, com peso ponderável no

53

contexto da política asiática. As variadas configurações de diálogo em que está envolvida(ASEAN+3, ASEM, ARF, APEC, FOCALAL) dá uma idéia da atratividade despertada poresse grupamento de países que inclui notáveis "tigres" e "dragões". O acercamento maiorcom esses países, seja em bases bilaterais, seja através do Mercosul, reverterá emsignificativa expansão do espaço de interlocução e intercâmbio do Brasil na Ásia.

[...]

O Governo brasileiro busca maior aproximação com a Ásia e a Oceania mediante oestabelecimento ou a intensificação de canais de diálogo com os agrupamentos regionais,inclusive por intermédio do Mercosul e do Grupo do Rio. Cabe assinalar que o Brasil émembro do Grupo de Cairns, que reúne importantes países exportadores de produtosagrícolas e do qual fazem parte os seguintes membro da Ásia e Oceania: Austrália, Fidji,Filipinas, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia e Tailândia. O Brasil participa também doFórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste (FOCALAL) que reúne quinze paíseslatino-americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, ElSalvador, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) e quinzeasiáticos (Austrália, Brunei Darussalam, Camboja, China, Cingapura, Coréia, Filipinas,Indonésia, Japão, Laos, Malásia, Mianmar, Nova Zelândia, Tailândia e Vietnã).

• As perspectivas comerciais com a Índia passam primordialmente pelos seguintes itens48:

1 – Produtos farmacêuticos, remédios e healthcare.2 – Aviação (Embraer): jatos e helicópteros.3 – Produtos de engenharia, autopeças e automóveis.4 – Produção de Etanol da Índia com tecnologia brasileira e venda de etanol produzido no Brasil, na

Índia.5 – Produtos Químicos, Agro-químicos, Pesticidas, Inseticidas exportados da Índia para o Brasil.6 – Fabricação de Motocicletas indianas no Brasil. Empresas indianas interessadas são TVS e Bajaj

Auto.7 – Colaboração nos setores de IT e Software.8 – Colaboração nos setores financeiros e bancos, com abertura de linhas de crédito (Exim Bank of

India).9 – Infra-estrutura urbana, como projetos de ferrovias, hidrovias, rodovias, energia elétrica,

abastecimento de água e gás, construção de residências, etc.10 – Setor de Alimentos Processados e Bens de Consumo.

• A tabela a seguir sistematiza a recente evolução das trocas comerciais do Brasilcom a Índia49.

48 Apresentação realizada, em 2004, pelo Sr. Yogeshwar Varma, Cônsul Geral da Índia no Brasil.www.indiaconsulate.org.br 49 Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, Departamento de Planejamento e Desenvolvimento de ComércioExterior – DEPLA, Intercâmbio Comercial Brasil/Índia – Janeiro-Novembro de 2005.

54

Exportação Importação

Índia Índia Part. % Valor

1997 166 - 52.994 0,3 216 - 59.747 0,4 383 -1998 145 -12,9 51.140 0,3 212 -2,1 57.763 0,4 357 -6,81999 314 116,6 48.011 0,7 170 -19,7 49.295 0,3 484 35,72000 217 -30,7 55.086 0,4 271 59,6 55.839 0,5 489 1,02001 285 31,2 58.223 0,5 543 100,1 55.572 1,0 828 69,42002 654 129,1 60.362 1,1 573 5,6 47.241 1,2 1.227 48,12003 553 -15,4 73.084 0,8 486 -15,2 48.291 1,0 1.039 -15,32004 652 17,9 96.475 0,7 556 14,4 62.812 0,9 1.208 16,3

2005/jan-nov 1.021 70,9 107.412 1,0 1.151 124,4 66.979 1,7 2.172 95,62004/jan-nov 598 - 87.281 0,7 513 - 57.126 0,9 1.111 -

(1) Variação (%) sobre o período anterior.

Fonte: SISCOMEX.

Corr. Comércio da Índia

Var.% (1)

Total Brasil

Part. %

Var.% (1)

Total Brasil

Var.% (1)

• As informações contidas nas duas tabelas abaixo foram coletadas e estão disponíveis napágina da Organização Mundial do Comércio (OMC) – http://www.wto.org. Todos os dados sereferem ao ano de 2004.

Índia Brasil África do SulPopulação (em milhar) 1.079.721 178.718 45.584PIB (em dólar corrente, em milhões) 691.876 604.855 212.777PIB (Paridade de Poder de Compra, em milhões de

dólares)3.362.960 1.482.859 510.103

Balanço de Pagamentos (em milhões de dólares) 6.853 11.669 -6.982Comércio per capita 145 883 1.995Participação do comércio internacional / PIB 2002-2004

(em porcentagem)28,7 29,8 55,8

PIB Real (1995 = 100) 168 122 130Exportações de bens e serviços (volume, 1995 = 100) 240 229 138Importações de bens e serviços (volume, 1995 = 100) 190 120 145Posição no comércio mundial de bens (exportação) 30 25 37Posição no comércio mundial de bens (importação) 23 29 32Posição no comércio mundial de serviços (exportação) 16 35 40Posição no comércio mundial de serviços (importação) 15 30 40Participação no total mundial de exportações de bens

(em porcentagem)0,83 1,05 0,5

Participação no total mundial de importações de bens(em porcentagem)

1,03 0,69 0,6

Participação no total mundial de exportações de serviços(em porcentagem)

1,86 0,54 0,38

Participação no total mundial de importações de serviços(em porcentagem)

1,96 0,77 0,43

Participação sul-africana no comércio internacional do Brasil e da Índia

Participação no total de importações (empercentagem)

Participação no total de exportações (empercentagem)

PPaís

11993

11996

11999

22000

22001

22002

22003

22004

País1

19931

19961

19992

20002

20012

20022

20032

2004

55

BBrasil

0,44

0,48

0,3

0,34

0,47

0,35

0,35

0,37

BBrasil

0,46

0,55

0,47

0,53

0,66

0,78

0,98

1,04

ÍÍndia

0,13

0,64

0,82

0,83

0,76

0,68

0,63

0,61

ÍÍndia

0,24

0,76

0,69

0,6

0,57

0,57

0,73

0,98

• As informações contidas na tabela abaixo foram coletadas e estão disponíveis na página daConferência das Nações Unidas sobre Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) –http://www.unctad.org.

Investimento Externo Direto recebido (emmilhões de dólares)

ÍÍndia

BrasilÁfrica doSul

20045

5.3351

18.166585

20034

4.2691

10.144720

20023

3.4491

16.590757

20013

3.4032

22.4576.789

QUESTÃO 2

• Todas as informações contidas nas duas tabelas abaixo foram coletadas e estãodisponíveis na página do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) –http://www.sipri.org.

ÍÍndia

BBrasil

África doSul

Gasto militar em milhões de dólares 2004 (em dólarconstante de 2003)

115.059

77.500

2.645

Gasto militar em milhões de dólares 2003 (em dólarconstante de 2003)

112.698

77.901

2.596

Gasto militar em milhões de dólares 2002 (em dólarconstante de 2003)

112.342

99.357

2.538

Gasto militar em milhões de dólares 2001 (em dólarconstante de 2003)

112.357

99.323

2.371

Gasto militar em relação ao PIB 2003 (empercentagem)

, 2,1

11,6

1,6

Gasto militar em relação ao PIB 2002 (empercentagem)

22,3

11,9

1,6

Gasto militar em relação ao PIB 2001 (empercentagem)

22,2

11,9

1,6

• Lista com os 15 maiores orçamentos militares em 2004 (em dólares convertidos emParidade de Poder de Compra):

PPosição

PaísGasto

(em bilhões)P

PosiçãoPaís

Gasto(em bilhões)

11

Estados Unidos 455.39

9Itália 34.5

22

China 161.11

10ArábiaSaudita

29.1

56

33

Índia 81.81

11Turquia 24.3

44

Rússia 66.11

12Coréia do Sul 23.1

55

França 51.21

13Brasil 20.7

66

Reino Unido 46.21

14Irã 18.5

77

Alemanha 36.91

15Paquistão 16.1

88

Japão 35.2

• A questão do Desarmamento na Política Exterior do Brasil

Lista da participação dos três países em alguns foros multilaterais, tratados e regimesrelacionados com desarmamento internacional e não-proliferação de armas de destruição em massa.Na coluna de cada país, as datas referem-se à ratificação. Na primeira coluna da esquerda, as datasreferem-se à assinatura e/ou início do processo de adesão.

Índia Brasil África do Sul

2 Participação no Conselho de Segurança desde 1990 1991-19921993-1994;1998-1999; 2004-2005

Nãoparticipou

3 Participação na Conferência de Desarmamento Membro Membro MembroRegistro da ONU de Armas

Convencionais (06/12/1991)1992-2003 1996-2004 1992-2004

Convenção sobre Certas ArmasConvencionais – CCWC (10/04/1995)

01/03/1984 03/10/1995 13/09/1995

Protocolo II (1997) 02/09/1999 04/10/1999 26/06/1998Convenção para a Proibição de Minas (03/12/1997) Não aderiu 30/04/1999 26/06/1998

Convenção sobre Armas Biológicas –BWC (10/04/1972)

15/07/01974 27/02/1973 03/11/1975

Convenção sobre Armas Químicas –CWC (13/01/1993)

03/09/1996 13/03/1996 13/09/1995

Agência Internacional de EnergiaAtômica – AIEA (1957)

Membrofundador

Membro fundador Membro fundador

Proibição Parcial de Testes Nucleares – PTB(08/08/1963)

18/10/1963 04/03/1965 22/11/1963

Tratado de Não-Proliferação Nuclear –TNP (01/07/1968)

Não aderiu 18/09/1998 10/07/1991

Protocolo adicional (12/06/2002) Não aderiu Não aderiu 13/09/2002Tratado para a Proibição Completa de TestesNucleares – CTBT (24/09/1996)

Não aderiu 24/07/1998 30/03/1999

4 Grupo de Fornecedores de Material Nuclear – NSG (1974)

Não aderiu Membro Membro

Coalizão Nova Agenda (1998) Não aderiu Membro fundador Membro fundador

5 Regime de Controle sobre Tecnologia de Mísseis – MTCR (1987)

Não aderiu 1995 1995

Texto extraído do site do Itamaraty ( http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/agintern/desarm/index.htm )

57

[...]

Para o Brasil, desarmamento e não-proliferação são lados opostos da mesma moeda: sem umprocesso de desarmamento efetivo, dificilmente poderão ser evitados os perigos daproliferação nuclear. Assim, com sólidas credenciais no campo da não-proliferação, o Brasilparticipa com desenvoltura de discussões que se espera conduzam a processo irreversível dedesarmamento nuclear geral e completo.

Fomos um dos primeiros países a assinar e ratificar o CTBT (24.07.1998) e temos atuadoconstrutivamente nas discussões da Comissão Preparatória (PREPCOM) da futuraOrganização encarregada de acompanhar a implementação do Tratado (a OCTBT).Concluído o CTBT, defendemos o início imediato de negociações sobre um acordo para aproibição da produção de materiais físseis para fins explosivos (cut-off ou fissban treaty,como é chamado). Ademais, ante a criação de Zonas Livres de Armas Nucleares (ZLANS) emgrande parte do Hemisfério Sul, com os Tratados de Tlatelolco (América Latina e Caribe,1967), Rarotonga (Pacífico Sul, 1985), Bangkok (Sudeste Asiático, 1995) e Pelindaba (África,1996), o Brasil vem apresentando na Assembléia-Geral das Nações Unidas (AGNU), desde1996, um projeto de Resolução de ampla aceitação, instando a que seja reconhecido oestatuto de desnuclearização criado por aqueles Tratados e a que iniciativas análogas sejamtomadas por parte de outros países e regiões, no quadro dos esforços internacionais em proldo desarmamento nuclear geral e completo.

Os testes nucleares levados a cabo por Índia e Paquistão em maio e junho de 1998 foramobjeto de forte condenação pelo Brasil. Denunciamos o Memorando de Entendimento coma Índia sobre Cooperação nos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, que havia sido assinadoem janeiro de 1996. Junto com a Argentina oferecemos compartilhar com Índia ePaquistão nossa experiência bilateral na promoção da confiança mútua e da transparência.Adicionalmente, temos condenado doutrinas baseadas no poder dissuasório mínimo.

[...]

Os compromissos brasileiros na área da não-proliferação de armas de destruição em massaforam estendidos, em 1995, ao campo dos veículos lançadores dessas armas (mísseis de longoalcance), com a adesão do País ao Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR).Outro regime de não-proliferação a que aderimos, em abril de 1996, foi o Grupo deSupridores Nucleares (NSG). A exemplo do que se pode dizer em relação ao MTCR, aparticipação brasileira no NSG contribui para uma maior inserção do País nos debates sobreo comércio de tecnologia sensíveis e nos fluxos internacionais de intercâmbio dessastecnologias para fins pacíficos.

QUESTÃO 3

• Mais informações poderão ser obtidas na Divisão de Ásia e Oceania I (DAOC I) do Itamaraty.

Divisão da Ásia e Oceania I (DAOC I) Esplanada dos Ministérios Bloco H - Palácio Itamaraty Anexo I - Sala 73470170-900 Brasília, DF - Brasil Tel: (0XX61) 3226-4837 // 3411-6660 / 6523/ 6675 / 6528 – Secretário Thiago MenezesFax: (0XX61) 3322-7983

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QUESTÃO 7