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Dança. Crítica Helena Katz ESPECIAL PARA O ESTADO O experimento foi batizado co- mo Sem Título, mas traz uma questão precisa. Trata-se do pri- meiro resultado que Vanessa Macedo produz para testar até onde a dramaturgia de uma par- titura fechada se mantém quan- do é realizada por corpos sem familiaridade com o vocabulá- rio que a constitui. O ‘teste’ foi realizado por três exímios re- presentantes daquela espécie de artistas que sabem o que fa- zer em um palco e que, infeliz- mente, vem se tornando rara. Os três convidados para apren- der a coreografia de 15 minutos de Vanessa Macedo e criar uma encenação própria com o seu ma- terial foram: Ângela Nolf, que fundou o Balé Ópera Paulista em 1983 e hoje coordena a curso de graduação em Dança na Unicamp; Roberto Alencar, ex- Cia. Borelli, que ganhou o 14.º Cultura Inglesa Festival com Um Porco Sentado (em parceria com Lúcia Roma- no); e Lavínia Biz- zotto, ex-Quasar, atual membro da companhia de Re- nato Vieira. Assisti-los dançando é um presente. A qua- lidade da movimentação de ca- da um merece um manifesto exclusivo para exemplificar o que presença cênica quer di- zer, como cuidar do acabamen- to de cada um dos movimen- tos, como fazer do espaço um parceiro, as maneiras precisas de distribuir o peso de cada ação, por mínima que seja, além, é claro, da maestria téc- nica indispensável para dar nascimento a qualquer tipo de dança, com ou sem partitura. A preocupação de Vanessa pa- rece ter como prioridade não apenas a fidelidade à partitura, mas também o modo do movi- mento ser realizado. Foi um primeiro momento neste tipo de investigação. O próximo poderia dilatar a experiência que acaba de ser realizada tro- cando as suas va- riáveis, ou seja, testando o que sucede quando artistas compe- tentes, maduros e que não per- tencem à sua companhia, “na- turalizam” a sua coreografia nos seus corpos usando a mes- ma encenação. Quem acompanha os 10 anos de suas realizações na compa- nhia que fundou, a Fragmento, sabe que Vanessa se interessa pelo tipo de coreografia que a maioria supõe ser o denomina- dor comum da dança: tem mar- cação fixa, mantém conexão com a música e reúne uma cole- ção de passos. No século 20, foi sobretudo a partir dos anos 1970 que esse tipo de coreogra- fia passou a ser questionado por muitos artistas em outros tipos de entendimento de com- posição. Justamente por isso, o interesse de Vanessa em explo- rar a ligação da dramaturgia com a maneira de realizar a co- reografia é de grande relevân- cia para todos, inclusive para os que não trabalham com esse tipo de partitura. A discussão tem complexida- de. Afinal, todo fluxo de movi- mentos que carrega uma assina- tura enfrenta a seguinte condi- ção: cada um dos movimentos vai tomar a forma que o corpo que os executa conseguir lhes dar. A singularidade que ir- rompe nas três danças de Sem Título, deixam à percepção o reconhecimento da partitura e também das dramaturgias locais que Ângela, Roberto e Lavínia criam. Tudo leva a crer que a hipótese que daí re- sulta é a do reconhecimento da força da assinatura que um intérprete experiente tam- bém tem. Muito da beleza da dança tem a ver com isso. UM ESPETÁCULO EM TRÊS VERSÕES HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ‘TESTE’ AVALIA O QUE CADA INTÉRPRETE ACRESCENTA À ENCENAÇÃO Sem Título. Estudo do coreógrafo e bailarino Roberto Alencar Ministério da Cultura e Mozarteum Br TEMPORADA PATROCINADORES APOIO Atividade gratuita do PROJETO MOZARTEUM: Club 1 V X S LITHUANIAN NATIONAL S MOZARTEUM BRASILEIRO (11) 3815 6377 www.mozarteum INFORMAÇÕES E VENDAS

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2013 Caderno2 D5

VALE

Dança. Crítica

Coletânea que é lançada hojereúne 20 textos jornalísticos

O QUE ESTÁESCRITO

Helena KatzESPECIAL PARA O ESTADO

O experimento foi batizado co-mo Sem Título, mas traz umaquestão precisa. Trata-se do pri-meiro resultado que VanessaMacedo produz para testar atéonde a dramaturgia de uma par-titura fechada se mantém quan-do é realizada por corpos semfamiliaridade com o vocabulá-rio que a constitui. O ‘teste’ foirealizado por três exímios re-presentantes daquela espéciede artistas que sabem o que fa-zer em um palco e que, infeliz-mente, vem se tornando rara.

Os três convidados para apren-der a coreografia de 15 minutosde Vanessa Macedo e criar umaencenação própria com o seu ma-terial foram: Ângela Nolf, quefundou o Balé Ópera Paulistaem 1983 e hoje coordena a cursode graduação em Dança naUnicamp; Roberto Alencar, ex-Cia. Borelli, que ganhou o 14.ºCultura Inglesa Festival comUm Porco Sentado (em parceriacom Lúcia Roma-no); e Lavínia Biz-zotto, ex-Quasar,atual membro dacompanhia de Re-nato Vieira.

A s s i s t i - l o sdançando é umpresente. A qua-lidade da movimentação de ca-da um merece um manifestoexclusivo para exemplificar oque presença cênica quer di-zer, como cuidar do acabamen-to de cada um dos movimen-tos, como fazer do espaço umparceiro, as maneiras precisasde distribuir o peso de cadaação, por mínima que seja,além, é claro, da maestria téc-

nica indispensável para darnascimento a qualquer tipo dedança, com ou sem partitura.

A preocupação de Vanessa pa-rece ter como prioridade nãoapenas a fidelidade à partitura,mas também o modo do movi-mento ser realizado. Foi umprimeiro momento neste tipode investigação. O próximo

poderia dilatara experiênciaque acaba de serrealizada tro-cando as suas va-riáveis, ou seja,testando o quesucede quandoartistas compe-

tentes, maduros e que não per-tencem à sua companhia, “na-turalizam” a sua coreografianos seus corpos usando a mes-ma encenação.

Quem acompanha os 10 anosde suas realizações na compa-nhia que fundou, a Fragmento,sabe que Vanessa se interessapelo tipo de coreografia que amaioria supõe ser o denomina-

dor comum da dança: tem mar-cação fixa, mantém conexãocom a música e reúne uma cole-ção de passos. No século 20, foi

sobretudo a partir dos anos1970 que esse tipo de coreogra-fia passou a ser questionadopor muitos artistas em outrostipos de entendimento de com-posição. Justamente por isso, ointeresse de Vanessa em explo-rar a ligação da dramaturgiacom a maneira de realizar a co-reografia é de grande relevân-cia para todos, inclusive paraos que não trabalham com essetipo de partitura.

A discussão tem complexida-de. Afinal, todo fluxo de movi-mentos que carrega uma assina-tura enfrenta a seguinte condi-ção: cada um dos movimentosvai tomar a forma que o corpoque os executa conseguir lhesdar. A singularidade que ir-rompe nas três danças de SemTítulo, deixam à percepção oreconhecimento da partiturae também das dramaturgiaslocais que Ângela, Roberto eLavínia criam. Tudo leva acrer que a hipótese que daí re-sulta é a do reconhecimentoda força da assinatura que umintérprete experiente tam-bém tem. Muito da beleza dadança tem a ver com isso.

Literatura. Perfis

UM ESPETÁCULOEM TRÊS VERSÕES

HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 24/8/2008

‘TESTE’ AVALIA O QUE

CADA INTÉRPRETE

ACRESCENTA À

ENCENAÇÃO

Sem Título. Estudo do coreógrafo e bailarino Roberto Alencar

Ministério da Cultura e Mozarteum Brasileiro apresentam

TEMPORADA

PATROCINADORES

REALIZAÇÃOMANTENEDORAPOIO

Atividade gratuita do PROJETO MOZARTEUM: Clube do Ouvinte 20h no próprio teatro.

13 abr 21h e 14 abr 19h I Sala São Paulo

VLADIMIR LANDE regente

XIAYIN WANG piano

Schubert, Gershwin, Shostakovitch, Ciurlionis

LITHUANIAN NATIONAL SYMPHONY ORCHESTRA

MOZARTEUM BRASILEIRO (11) 3815 6377 www.mozarteum.org.br I INGRESSO RÁPIDO (11) 4003 1212 www.ingressorapido.com.br

PROGRAMAÇÃO SUJEITA A ALTERAÇÕES

I N F O R M A Ç Õ E SE VENDAS

A POEIRADOS OUTROS(ArquipélagoEditorial. 168págs., R$ 38).Lançamento:hoje, às 18h30.Local: LivrariaCultura do Con-junto Nacional(Av. Paulista,2.073, tel.3170-4033).

João. Umdelicioso,inspirado edivertidoperfil

Luiz Zanin Oricchio

De celebridade mesmo, só JoãoGilberto comparece na coletâ-nea de textos jornalísticos APoeira dos Outros, que o editor-assistente do Aliás Ivan Marsi-glia lança hoje. Os outros 19 refe-rem-se a pessoas comuns, queseriam anônimas não estives-sem de alguma forma envolvi-das em fatos excepcionais. Bem,nem todos os perfis são de pes-soas, mas isso veremos depois.Dos 20 textos, 17 foram publica-dos no Estado, dois na revistaTrip e um na Playboy.

Comecemos por João, mes-mo porque o perfil que Ivan lhededica serve como exemplo desua proposta jornalística. Quemlê o título adivinha em que fonteo repórter vai beber. João Gilber-to Está Resfriado remete ao textofamoso de Gay Talese sobre ocantor Frank Sinatra, que eraavesso, como nosso João, ao con-tato com a imprensa ou com ou-tros seres humanos.

Talese, impossibilitado de en-trevistar o genioso (e genial) ar-tista, fez o que pôde. Ouviu gen-te que convivia com Sinatra e,juntando depoimentos às suasobservações, escreveu o perfilque se tornou clássico do chama-do jornalismo literário, Frank Si-natra Está Resfriado. Como acon-tecia que João, às vésperas decompletar 80 anos, estivessetambém atacado pelo banal po-rém incômodo vírus influenza,Ivan toma o título de Talese em-prestado e o adapta aos trópicos.O resultado é um delicioso per-fil, pincelado a partir de histó-rias sugestivas e pitorescas.

O texto de João Gilberto EstáResfriado é leve, inspirado, diver-tido. Há outros assim, como Car-naval na Praia dos Pelados, escri-to originalmente para a Playboy,que relata a incursão do repórterà famosa Praia do Pinho, santuá-rio nudista situado no litoral ca-tarinense. Nesse texto, a reporta-gem observacional é, natural-mente, obrigatória, embora o jor-nalista tenha também conversa-do com muita gente no local. Co-mo ele diz, “observar, de todo

modo, é o esporte predileto doPinho”, constatação feita ao as-sistir a uma partida de vôlei queos jogadores, rapazes e moças,disputavam, digamos, in natura.

O tom suave e divertido deveceder espaço ao sério e ao gravequando outros temas se apresen-tam, como é o caso do texto queabre o livro, A Memória das Pare-des, que tem por centro uma casamuito especial no bairro de Ca-xambu, em Petrópolis. Compra-da por uma família nos anos 70,ela se revelou ser a mal-afamadaCasa da Morte de que falavamex-presos políticos. Era um tene-broso centro de tortura na épocada repressão. Seguindo a indica-ção de uma antiga “moradora”, apresa política Inês Etienne Ro-meu, a casa foi identificada. Ha-via sido adquirida por um enge-nheiro e reformada. Lá, ele criou

a família. Hoje, a casa foi desapro-priada para futura transforma-ção em museu sobre os anos dechumbo. Essa reportagem, publi-cada sob o título E o Direito à Me-mória Bateu à Porta recebeu o12.º Prêmio Estadão de Jornalis-mo na categoria Perfil. A pegadaé política e discute uma questãodelicada. O que vale mais: o direi-to de propriedade ou os interes-ses da memória do País?

Desse mesmo teor – e tom – éo doloroso relato que fecha o vo-lume, A Longa Viagem de X2, so-bre a luta de uma senhora de For-taleza pela recuperação dos res-tos mortais do filho, BergsonGurjão Farias, assassinado naGuerrilha do Araguaia. Em 1969,Bergson entrou para a clandesti-nidade e seus pais nunca mais oviram. Apenas em 2009, restosmortais encontrados na região

do Araguaia foram reconhecidoscomo sendo seus. “Passados 24anos da redemocratização (o tex-to é de 2009), ainda existem cercade 140 desaparecidos políticosno Brasil”, constata o jornalista.Nenhuma das famílias tem espe-rança de voltar a vê-los vivos.Mas lutam para lhes dar sepultu-ra digna. Enterrar os mortos é amaneira simbólica de fazer o lu-to e voltar a viver. Recusar essedireito é punir, mais uma vez, asfamílias dos desaparecidos.

A pauta do livro é bastante va-riada, assim como o tom adota-do. O escritor pode optar peloponto de vista de uma onça emSou Suçuarana. Ou, em PobreCristiano, traçar o “perfil” deum obus do século 19, relíquiada Guerra do Paraguai, para dis-cutir a questão da memória his-tórica na América Latina. Ou fa-

lar pelo ponto de vista da faixapresidencial, em Com a Palavra,a Faixa, ao evocar nossos hábi-tos republicanos.

O que não varia é o talento embuscar uma apuração em regra, ocapricho no texto, a originalida-de na abordagem e o uso de técni-cas ficcionais para fins de repor-tagem, traços que definem o jor-nalismo literário. São matériasextensas para os padrões atuaisdo jornalismo impresso, masque se leem com rapidez e pra-zer. Quando o jornalismo tradi-cional se encontra na encruzi-lhada da internet, parece inte-ressante apostar cada vez maisem textos desse tipo, que nãoapenas informam, mas interpre-tam e iluminam fatos sob ângu-los originais. Sem o diferencialdo texto, o jornalismo impressocondena-se à obsolescência.