bourdieu - novas reflexões sobre a dominação masculina
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ovs reflexes sobre
domnao m sculin
P ier re 'Bourdiet i
Escrevi h alguns anos um artigo chamado liA Dominao
Masculina . Foi um texto que escrevi rapidamente, para responder a
uma demanda. Um certo nmero de pessoas, sobretudo do exterior,
reclamaram do meu trabalho, anlises sobre a diviso do trabalho
entre os sexos, e eu no estava muito contente com os usos que faziam
do que era dito como sendo meu pensamento. Era necessrio que eu
mesmo me explicasse. Escrevi ento o texto em questo, que sobre os
pontos essenciais estava um pouco confuso e isto por duas razes:
porque as coisas no estavam completamente claras na minha cabea e
tambm porque eu supunha que o essencial era conhecido, ou seja, a
~_lica,._da _~l afirmo que a dominao
masculina um caso particular. Ao mesmo tempo, havia uma espcie
de vazio no.lugar do cerne da anlise, o que induziu leituras inexatas.
Como se pode ver neste texto, retomo a Etnologia. Algum disse
que eu tinha mudado muito sob a influncia da crtica feminista. Para
mostrar que isto no verdade, eu poderia ler textos mais antigos e
me contentaria em mostrar as pginas 245-247 de meu livro L c SCIlS
Do original Nouvelles Rflexions sur Ia Domination Masculino . publicado em Le s C ahi ers ri u
GED ISS T / Sem inai re 1993 - 1994, Di u ision du Tr aua il, Rnpports SOCIlIX de Sex e el d e Po uuo ir , Paris,
IRESCO, n 11, 1994. pp. 91 - 104. Traduzido por Marta [ulia Marqucs Lopes. . .
Este texto foi traduzido do original e trata-se de uma interveno do autor em um seminrio, o
que justifica sua linguagem mais coloquial. Foram excludas desta .trad.u1l~ a introduo ao
referido seminrio feita por Dominique Fougeyrollas-Scerwebel e os dOISpnmelros pargrafos das
palavras de Pierre Bourdieu onde o autor faz agradecimentos ao grtlpO promotor do seminrio.
(N.da T.)
G ~N ER O ESAD E /29
Pra tique . Onde dizia que a Etnologia pode ser uma forma
particularmente potente de scio-anlise na condio em que ela no
esteja na relao de distncia arrogante, prepotente , frente ao seu
objeto, que caracterstica do objetivismo encarnado na minha viso
pelo estruturalismo, mas que ela seja capaz de se introduzir no
pensamento, na prtica mesmo daqueles que ela analisa (sem com isso
fazer uma fenomenologia dos outros), a condio que ela se situe alm
da alternativa entre as posies objetivistas e subjetivstas.
Continuo, ento, falando da fascinao cmplice e horrorizada
qu~ pode suscitar em ns a descrio do sistema kabyle (que uma
forma extrema do sistema mediterrneo que todos, .hornens ernulhe-
res, temos na cabea); no' deve dissimular que as mesmas discri-
minaes que atribuem s mulheres as ocupaes. contnuas e invi-
sveis so institudas sob nossos prprios olhos, tanto nas coisas como
nos crebros. O que tenha em mente }uea
anlise antropolgica
de
uma tal tradio cultural, suficientemente afastada para' se prestar
mais facilmente a objetivao e, no entanto, suficientemente prxima
para que possamos ter dela uma experincia participante, apresenta
um interesse absolutamente excepcional quando ela nos prope uma
objetivao de nossa prpria subjetividade.
Existem muitos trabalhos de Antropologia Comparada' sobre o
Mediterrneo que tendem a mostrar que a comunidade kabyle tem,
por razes histricas, funcionado como um conservatrio de u~a
espcie de inconsciente mediterrneo, que se pode encontrar por meio
de textos na Grcia antiga, mas tambm na Grcia atual, ou na Itlia do
Sul, ou na Espanha ou em torno do Mediterrneo. Ela conservou esse
sistema funcionando e, ao mesmo tempo, este nos confronta com
nosso inconsciente cultural em matria de masculinidade e
feminilidade. Por outro lado, se, como _t~}.l~eim
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LorES,
M EYER & W
i\LDOW
metforas tipicamente
faloc ntricas
(que, alis, eu no teria
percebido se no estivesse com os kabyles em mente), e eu
experimentei um especial prazer ao mostrar que Virgnia Woolf, um
dos grandes nomes do feminismo, dizia em seus romances coisas
muito mais interessantes que nos seus escritos feministas (que nunca
me impressionaram por sua consistncia terica).
Aps esses prembulos, tentarei mostrar que, para compreender a,(
~~~ao masculina que uma forma particular e particularmente
acabada da_yi91~IlCict simblica ... (outros exemplos podem ser
encontrados na dominao de uma etnia sobre outra ou das classes
.dominantes sobre as classes dominadas atravs, por exemplo, da
'cultura), podemos nq~, apoiar ..
sobre ..
a anlise, de '-ur:n~_ordem
~tltucional que, como toda instituio, existe de duas formas: de um
lado, nas coisas, sob forma, por exemplo, de divises espaciais entre os
~~cis )emininos e masculinos l e sob forma _de instrumentos
qif.e~.eij:1ados,masculinos ou 'femininos, e' por outro lado, no crebro,
n~m~ntes, sob a forma de princpios de viso, e de diviso, de
taxionomias. de princpios de classificao que assu{n~m
freqentemente a forma, em nossas sociedades, de duplas de
adjetivos. Por exemplo, li recentemente uma anlise em Sociologia da
Cincia onde era mostrado que a oposio entre hard e soft a forma
que assume no campo da cincia a diviso do trabalho entre os sexos, e
isso tanto na diviso do trabalho cientfico como nas representaes e
nas avaliaes de resultados cientficos, entre outros. Da mesma forma,
nos trabalhos que foram feitos por este grupo de pesquisa (GEDISST)*,
observamos na diviso do trabalho na indstria de vidros uma
oposio entre as zonas quentes e as zonas frias, e, como por
coincidncia, as zonas quentes so masculinas e as zonas frias so
femininas, como entre os kabyles. Por exemplo, eu relato um mito
kabyle ao final do qual eles explicam que as mulheres tm as ndegas
frias. Encontramos, nas nossas sociedades, sob forma de divises da
produo, esta oposio entre o quente e o frio que irredutvel sua
dimenso tcnica. Podemos ter at uma revoluo tcnica, o que
acontece no raro, sem que nada mude na diviso do trabalho. Isto
porque, tal oposio existe na objetividade e existe tambm dentro dos
cabeas, continuando assim a reproduzir estruturas das quais so o
prprio produto. Para compreender essas diferenas que so
irredutveis sua dimenso tecnolgica, mesmo que elas sejam quase
sempre justificadas em nome de argumentos tecnolgicos, a tecnologia
exercendo em nossa sociedade o papel que a natureza exerce nas
sociedades pr-capitalistas, necessrio ver que elas so quase sempre
enraizadas nessa estrutura de ordem (masculina) que existe ao mesmo
Grupo de Estudos sobre a Diviso Social e Sexual do Trilbillho/IRESCO, Paris, Fr ana,
GnNERO E S A DE / 31
I
tempo nas coisas e nos crebros, sob forma de princpios de diviso ou ,;'
nos corpos sob forma de muitas maneiras de usar o corpo, cuidados,
,j
postura, hcx is (palavra grega que significa habitus) , etc. ;.;' ~
O que preciso analisar para compreender a dominao mas-c,'
culina so, ao mesmo tempo, as estruturas insC~ t3~ 1i'l_oQjetividade..e rS ' ,
aquelas que o so na s 1bi.e JyJ~~,de'.uer dizer,nos corpos sob .aforma \, ~
de disposies corporaisrvisyeis .na_.I[I.~eira_de,usar o..
.corpo fos ~
l
joelhos fechados ou afastados, etc.) ~ nos crebros, sob forma_
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o fundamento da diferena social que a fundamenta. Dito de outra
forma, existe uma inverso de causas e de efeitos.
Para construir essa oposio, sirvo-me de oposies que so
fundamentais no mundo social como a oposio entre inflar / desinflar,
por exemplo. Esta oposio, que est presente em tudo na ordem
social, que serve para pensar mais ou menos tudo numa sociedade
agrria~
vai
ser utilizada para pensar a oposio entre o rgo
ma~culmo e o ~g~o fe~inino, dos quais a diferena, constituda por
mero
desta
oposiao,
vai se tornar
'0
fundamento natural de todas as
oposies que serviram para constitu-Ia. Para fazer a demonstrao
preciso de tempo. Temos a um esquema muito geral que se aplica a
t~do e coerente com todo um sistema de esquemas, ao qual ele
vinculado por li~aes flex.veis, caracterst.icas das lgicas prticas (por
exemplo, entre mflar / desmf1ar e alto
z baixo):
fazer parte do sistema
cOI:fere uma fora ~e sistematicidade que faz com que no se escape
facilmente desse genero de pensamento. A ratificao social de fatos
fisiol~gicos (a ereo, pensada segundo o esquema do inflar que
permite pensar todos os fatos da fecundidade) conduz a fundar numa
razo mitolgica, os traos mais arbitrrios da dominao masculina, e
a estabelecer, por exemplo, a ligao entre a virilidade fsica e a
viri idade psquica ou tica. Eu poderia invocar aqui, para passar
rapidamente nossa tr~dio, um livro de Robert
Nye
(M ascu lin it y an d
M ale Cod es of Honor 111 M odern France (Masculinidade e Cdigos
Masculinos de Honra na Frana Moderna], New York-Oxford, 1993)
sobre a honra aristocrtica e a honorabilidade burguesa na Frana (a
se apreendem coisas surpreendentes como o fato de
[aurs
ter ido
duelar na fronteira espanhola, que Proust duelou porque duvidaram
de sua virilidade, resumindo efeitos incrveis dos valores viris de
honra). Podemos ver ento que a ligao entre virilidade orgnica e
virilidade simblica (valores de honra, etc.) fortemente atestada,
tanto entre os kabyles como em nossas sociedades. .
. A2Si~/ os rgos sexuais na sua materialidade
anatmica
so
?~~ e _ construidos por meio de categorias sociais::': Par
. compreender essa relao
no
suficiente falar em construo social
.de sexo ,
'preciso analisar as condies sociais da construo social do
-,sexo, ~
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GmERoESADE/35
juntamente com a boca, o rgo masculino por excelncia. Por
exemplo, lembro-me de que, nos primeiros levantamentos que
tratava~ dos va~ores da ,honra, meus informantes falavam sempre de
qa bel, faire face (qzbla, vocabulo com a mesma raiz, que faz parte dessas
palavras nas quais uma pessoa que domina determinada cultura tem a
impresso de que toda sua cultura se condensa), olhar na cara,
dentro dos olhos, fazer frente, afrontar, por oposio conduta
feminina que manda que se abaixe os olhos, que a gente se mantenha
curvado.
A oposio reto/curvo rege toda a conduta corporal. Ensina-se
explicitamente s meninas que mantenham os braos cruzados,
apertem seus seios com bandagens, de maneira que eles sejam, tanto
quanto possvel, pouco visveis etc. Outra oposio muito importante
na construo social do corpo, a oposio frente/ costas, que aplicada
ao corpo masculino e ao corpo feminino, faz parecer que a frente
diferente e diferenciada e as costas indiferenciadas, o que -faz tambm
com que os insultos anti-homossexuais, por exemplo, se sirvam
precisamente desta oposio frente/ costas. Para compreender a viso
mediterrnica da homossexualidade preciso ter em mente essa
oposio frente/ costas, que profundamente inscrita no inconsciente e
que d origem aos insultos tanto gestuais como verbais.
- Para que vocs no pensem que estou indo muito longe com as
minhas histrias kabyles sobre a cintura e a frente e as costas, fao
:/ refer.nci~ rpida a um artigo que li: The Sociolog y o f Vag inal
Exnmination Trata-se de um belo trabalho inspirado em Goffman sobre
a maneira como os mdicos gerenciam O problema da transgresso do
tabu que implica o exame vaginal. Observa-se, nesse ato, uma primeira
fase na qual o mdico fala a uma pessoa, cara a cara; depois o mdico
sai e chama a pessoa a ser examinada numa pequena pea ao lado
onde est a enfermeira que a ordena Tire a roupa, etc.; depois o
mdico volta, em presena da enfermeira, e ele no examina nada mais
que uma vagina, dissociada de certa forma da pessoa, sobre a qual ele
fala na terceira pessoa (ela no tem nada); em seguida o mdico sai,
a mulher se veste, e o mdico v outra vez uma pessoa
qual ele se
dirige.
um artigo magnfico Por que o evoco neste momento?
Porque podemos ver concretamente, pelo uso do lenol, por exemplo,
que, na fase mais delicada do exame, este utilizado como que para
refazer uma cintura, quer dizer, uma barreira simblica entre a vagina
e a pessoa. Todas estas coisas um pouco exticas que estou contando
esto implcitas nos atos mais banais do nosso universo. A Etnologia
favorece a surpresa frente ao que acontece completamente
despercebido, quer dizer, o mais profundo e o mais profundamente
inconsciente da nossa experincia comum.
Os cortes, ou as censuras que instituem as categorias de percepo
socialmente constitudas, constituem o sagrado. Por exemplo, os
kabyles dizem que as mulheres tm o sagrado (s err ) que
produto do
escondido, dos cortes, da separao, etc., e o exame vaginal uma
transgresso desse sagrado, que preciso tomar lcito, mas mantendo-
a sob controle.
Podemos falar de construo social dos
rgos
sexuais, construo _
s~cja~sgt.:P-')_D\, seu todo, e, enfim, construo do ato
sexual.cl.Jm
dos instrumentos e elemento constitutivo dessa construo a posio_
em cimaZernbaixo. Encontrei junto aos kabyles, que no so muito
criadores de mitos, que no do muitas explicaes justificadoras sobre
o que eles fazem, um s mito; dois de fato. O segundo diz respeito ao
ato fundamentalmente masculino de semear, de inseminar : a mulher
quis semear no lugar do homem e, no lugar de nascer trigo, apareceu
cevada, planta fraca, frgil, etc. Os dois mitos dizem respeito
oposio masculino/feminino. Abrindo um parntese, mostrei, numa
poca em que o estruturalismo tratava esta oposio como outra
qualquer, que era a oposio fundamental, diretamente enraizada na
diviso sexual do trabalho que ela tendia a justificar. Digo isto para os
que pensam que descobri tais problemas recentemente, sob influncia
do feminismo. Mais precisamente, relaciono a diviso sexual do
trabalho no caso kabyle diviso que fez Marx num texto bastante
obscuro entre tempo de trabalho e tempo de produo, o que permite
articular a diviso do trabalho entre os sexos e a diviso do trabalho.
Retomando ao mito que evoquei anteriormente: a mulher
perversa, diablica, etc., conhece a coisa enquanto que o homem no a
conhece, ele ingnuo, inocente,
b u l1iya ,
toma a iniciativa do ato
sexual e ela fica por cima. O homem que achou a coisa interessante
quer recomear, mas na norma, quer dizer primeiramente em casa, no
espao domstico, fechado, sagrado, e no na font ain e (fonte), lugar
exterior, mido, tipicamente feminino, e na posio conveniente,
naquela em que o homem est como se diz por cima (os kabyles
explicam assim que as mulheres tm as 'ndegas frias: elas esto em
contato com o solo, coma fonte, etc.)
Assim, o ato sexual em si construdo e a inverso da relao
dominante/ dominado, alto e baixo, entre outras, considerada como
sacrilgio. Podemos ver rapidamente que esta construo simblica
no tem nada de especulativa, que ela no se reduz a representaes
e que, se estas existem, como no caso do mito, elas passam ao ato, elas
se tornam prticas por todo um trabalho, que evoquei rapidamente, de
construo social das categorias de sexo. Esse trabalho coletivo. Citei
os rituais de instituio, mas tambm identifiquei rituais muito bonitos
que tive dificuldades para compreender e que de incio me pareciam
por em prtica apenas oposies secundrias, superficiais, mas que, de
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fato, atuam na prtica, no ato: a separao do masculino e do feminino,
a dissociao do menino e de sua me, a ruptura masculinizante do
m:nino ~~m sua m~, c~isa~ que Nancy Chorodov evoca numa lgica
psicanaltica. Esses rituais ditos de separao, rituais de separao do
eu, rituais de separao do stimo dia, etc., tm todos a funo de
separar o menino de sua me. Nancy Chorodov diz que a
personalidade masculina construda, na ausncia
(s cheresse)
de
virilidade, pela ruptura com o mundo natural, a natureza, a mulher a
feminilidade etc., e que o ha b iius masculino
o produto dessa ruptura.
Ora, o que eu tinha mostrado que no caso kabyle essa ruptura existe
e que ela socialmente constituda, que existe todo um trabalho
explcito de separao, por exemplo: se deita a criana direita da
me, quer dizer do lado masculino, e se interpem coisas masculinas,
como o pente a cardar a l, a foice, em resumo, objetos fabricados pelo
fogo e que vo masculinizar a criana. Este encontro entre a
observao etnolgica e a descrio psicanaltica coloca em termos bem
concretos o problema da relao entre a Sociologia e a Psicanlise.
Existe uma espcie de construo. do inconsciente; seria necessrio
retomar aqui, em relao ao esquema do inflar, a anlise do texto de
Lacan que citei no comeo do meu artigo e que era ingenuamente
kabyle. A scio-anlise, possibilitada pela Etnologia, poderia evitar que
os psicanalistas mobilizassem de maneira inconsciente seu
inconsciente para analisar o inconsciente.
Nesse trabalho de construo social do corpo preciso citar o
f ens~~ sobre a ve~timenta e a forma de se portar masculina e
s
feminina. Tudo existe tambm em nossas sociedades. Existem
, ensinamentos d\~ralDti.f__o COtpO e poderamos, como fazemos na
gramtica, tecer quadros do que dizer e do que no dizer, tecer
quadros do que fazer e do que no fazer, enumerar tudo o que uma
mulher deve fazer ou no fazer com o seu corpo (por exemplo, manter
, os joelhos fechados). Por meio desse trabalho de educao, as
construes s.ociais so einb odied, incorporadas, inscritas no COlftQ.,gls__
se tomam sistemas .d~i?pS>~5_~s. (o que as coloca na noo de
IU ilitus) , princpios geradores de prticas e de apreciao de prticas,
ao mesmo- tempo maneiras de fazer e categorias de percepo dessas
maneiras de fazer.
Vocs devem se perguntar - portanto me perguntar - por que
preciso este longo desvio pela construo social das diferenas
sexuais? Porque penso que a condio sine qua /1011 para com-
preender verdadeiramente o que creio ser a fQr, .'_~_~~RecficLde,
dominao masculina, quer dizer a violncia .simblica como
lmita~~_
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~ficiente tmDq.L.fon.?c.i~pci .._des.?~s,_~SJLLl.t.: :~s.:.j:reciso transformar
profundamente as disposies adquiridas, ~or -umaesp-ce'-de
reciucao~ aquelqeencessia para perder um mau costume--
(m iiU Va s pli), um mau hbito de pegar a raquete, um mau sotaque, etc.
A gente sabe como longo e difcil mudar, e que preciso mudar de
forma inseparvel as condies de produo dessas disposies,
dessas estruturas incorporadas, preciso, portanto, mudar a ordem
simblica. A tomada de conscincia
ento indispensvel para
desencadear o processo de transformao e para assegurar seus
resultados. Retomando um pouco, quando falei dos fundamentos
cognitivos da dominao simblica, no me situava dentro de uma
filosofia intelectualista ( maneira de Descartes ou de Kant) do
conhecimento; quando falei de categorias, referia-me s disposies,
aos esquemas prticos.
Eu tinha dito no comeo que a aproximao talvez um pouco
forada entre os kabyles e Virgnia Woolf tinha a inteno de colocar a
questo da autonomia relativa do mundo simblico no interior do qual
se exerce a dominao masculina. Se a dominao pode se perpetuar e
sem dvidas se transformar, mas muito menos que a gente possa crer,'
~pesa~ das ~u~~nas tecnolgicas e ec~nmicas importantes, ser que
ISSOnao se justifica pelo fato de que existe uma autonomia relativa da
ordem simblica ou do que chamo dos bens simblicos em relao
'
ordem econmica e ordem tecnolgica?
(
aqui que gostaria de
evocar o livro de Nye.)
Gostaria de ter mostrado, se tivesse tido tempo, que existe uma
lgica especfica da economia dos bens simblicos, distinta da
economia econmica, e que essa lgica pode, por um lado, funcionar
na ordem puramente econmica, Poderia, por exemplo, evocar um
belo trabalho sobre as recepcionistas pagas que, no Japo,
acompanham os homens s custas das grandes empresas, e onde se v
como as burocracias modernas utilizam as estruturas mais tradicionais
da diviso do trabalho entre os sexos para realizar funes econmicas
ultra-racionais. Esta' lgica especfica da economia simblica se
perpetua at mesmo dentro das ordens mais puramente constitudas
enquanto' econmicas, como as empresas, e ela pode ser observada
sobretudo em outros universos, como na ordem da produo cultural
(no somente coincidncia se so as zonas mais feminizadas),
literria, artstica, televiso, rdio, etc., na ordem religiosa (e no por
acaso tambm que a que existe o trabalho beneficente feminino) e,
enfim, dentro da ordem domstica. Seria necessrio, mas isso seria
muito longo, que eu tentasse descrever a lgica especfica desta
economia e o que faz com que ela possa se perpetuar na direo e
contra todas as necessidades econmicas nas sociedades mais
invadidas pela lgica capitalista.
GOORO E
SA
OE / 39
Sobretudo, gostaria de mostrar que o fundamento da situao
dominada da mulher e sua perpetuao, alm das diferenas
temporais e espaciais, reside no fato essa.economia. ela
mai~LLClo.-que.sujeito preciso evocar aqui as anlises clebres de
Lvi-Strauss sobre as trocas de mulheres, reinterpretando-as de
maneira a reintroduzir a dimenso poltica (penso na dominao que
supe a troca e que se produz e se reproduz por meio dela). Mas se
fixando somente no papel passivo, aquele que conferido
mulher
nessa lgica, e que me parece ser o fundamento ainda hoje da relao
que as mulheres tm com seu corpo, que advm do fato que o seu ser
social um ser-percebido, um
pe rc ipi,
um ser para o olhar, e que, se
posso dizer, para o olhar e suscetvel de ser utilizado, a esse ttulo,
como capital simblico. A alienao simblica
qual elas so
condenadas pelo fato de que so fadadas a ser percebidas e se
perceberem pelas categorias dos dominantes, ou seja, masculinas, se
traduz na prpria experincia que as mulheres tm de seu corpo e do
olhar dos outros, o que foi to bem esclarecido e analisado por uma
fenomenloga americana, cuja anlise no terei tempo de fazer. Mas
tenho muito medo de ser mal compreendido e como tenho muito
pouco tempo tentarei me expressar por meio de um exemplo. Trata-se
de um belo artigo que li sobre as mulheres e o esporte que mostra
como aquelas que praticam intensamente o esporte vem sua relao
com seu corpo' se transformar, como elas chegam a uma relao com
seu corpo que se poderia dizer masculina, ou seja, a um corpo em si,
no lugar de ser um corpo para o outro, um corpo que por si mesmo
seu fim. Isso faz aparecer,
a c o nt ra ri o,
que o corpo imposto como
modelo, um corpo-para-o-outro, um 'corpo que existe pelo olhar dos
outros, um ser percebido. A alienao ligada ao fato de ter um corpo
, visvel, portanto de se encontrar colocada sob os olhares dos outros,
tem graus, ela mais potente quanto mais se desce na hierarquia social
porque se tem muito mais chance de ter um corpo pouco conforme aos
cnones dominantes. E, de fato, ela encontra seus limites com as
mulheres a quem a experincia do corpo como corpo-para-o-outro se
'impe com uma fora particular pelo papel que lhes atribudo no
'mercado dos bens simblicos, onde elas so
obje to , s e r-percebido,
capital
simblico que devem gerenciar, que administram frente aos homens.
A.transformao da relao ao 'corpo que provocaa prtica do esporte
acompanha-se de uma transformao profunda da sua relao com os
homens. A transformao de sua relao subjetiva com seu corpo faz
com que deixem de parecer femininas, quer dizer, disponveis, ao
menos simbolicamente. Sua relao com o corpo se encontra
modificada de tal maneira que elas no respondem ao que se espera
socialmente de uma mulher. Encontraramos, sem dvidas, coisas
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'; '
40 / LarES, MEYER
&
W
ALDOW
semelhantes em termos de modificaes da relao com o corpo entre
as profisses intelectuais, , ,' '. r
Para finalizar, queria exprimir uma falta: lembrei da existncia de
.uma economia dos bens simblicos, relativamente autnoma em
:';,relao s bases econmicas, autonomia relativa, evidentemente mas
no analisei os' fundamentos dessa autonomia e seu enraizamento na
lgica da reproduo biolgica e sobretudo social. No mostrei corno
as n~va~ tecnologias da repro~u~o biolgica, porexemplo.vpodem
,contnbUlr para transformara diviso produc /reproduo-qe est
nos funda~entos da economia dos bens simblicos,
por esse vis
qu~ podena ter voltado ao problema da relao entre as, relaes
sociaisde sexo e as relaes sociais de classe, Mas estou s anunciando
~s t,emas que ainda gostaria de tratar, Paro por aqui, pois j passei dos
limites estabelecidos, '
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