bosque marechal cÂndido rondon (1950 a 1970): …ndh.ufms.br/wp-anais/anais2010/aceitos em ordem...

13
583 BOSQUE MARECHAL CÂNDIDO RONDON (1950 A 1970): REFERÊNCIA E PATRIMÔNIO LONDRINENSE. * FROZONI, Fernanda Cequalini. ** O presente artigo visa abordar o Bosque Marechal Cândido Rondon, destacando sua condição como referência dentro da paisagem da região central da cidade de Londrina- PR, onde este se encontra; além do seu caráter de patrimônio, por conta da representatividade que possui tanto para a cidade, quanto para seus moradores. Foram analisadas as décadas de 1950 a 1970, com maior destaque, além da discussão de alguns aspectos atuais do local. Este Bosque se situa na região central de Londrina, e atualmente possui uma área de “[...] cerca de 21.235,89 m², divididos em duas alas separadas, tendo como limite as ruas Padre Bernardo Greiss (norte), Pará (sul), Rio de Janeiro (leste) e São Paulo (oeste)” (ALMEIDA e ADUM, 2007, p.10). Área esta que foi doada como espaço público pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), empresa colonizadora da cidade, na década de 1930. E, desde então, o Bosque aparece presente em muitos momentos da história londrinense. Na década de 1930, por exemplo, o local ficou conhecido por ser um espaço da política, isso devido ao conflito entre a CTNP, que desejava que Willie Davids fosse o prefeito da cidade, e o Estado, por meio do interventor Manoel Ribas, que impunha a figura do prefeito Joaquim Vicente de Castro, por meio de nomeação. Para demonstrar apoio a Davids, a população se reuniu no Bosque fazendo manifestações e passeatas, o que resultou na sua posterior nomeação para o cargo. Abaixo, está a figura 01, retratando esta passeata, onde podem ser vistas várias pessoas, entre homens, mulheres e crianças. O chão é de terra, mas no fundo se vê um poste de energia elétrica. Também podem ser notadas várias árvores, e, ainda, uma faixa com o seguinte dizer: “Viva o Dr. Willie Davids”. Também vale ressaltar que os manifestantes estão todos parados e olhando em direção à câmera do fotógrafo, o que mostra que elas sabiam que iriam ser fotografadas. * Monografia de especialização apresentada ao curso de História Social, Na Universidade Estadual de Londrina. Orientadora: Zueleide Casagrande de Paula. ** Graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Upload: lyquynh

Post on 14-Dec-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

583

BOSQUE MARECHAL CÂNDIDO RONDON (1950 A 1970): REFERÊNCIA E

PATRIMÔNIO LONDRINENSE.*

FROZONI, Fernanda Cequalini.**

O presente artigo visa abordar o Bosque Marechal Cândido Rondon, destacando

sua condição como referência dentro da paisagem da região central da cidade de Londrina-

PR, onde este se encontra; além do seu caráter de patrimônio, por conta da representatividade

que possui tanto para a cidade, quanto para seus moradores. Foram analisadas as décadas de

1950 a 1970, com maior destaque, além da discussão de alguns aspectos atuais do local.

Este Bosque se situa na região central de Londrina, e atualmente possui uma área

de “[...] cerca de 21.235,89 m², divididos em duas alas separadas, tendo como limite as ruas

Padre Bernardo Greiss (norte), Pará (sul), Rio de Janeiro (leste) e São Paulo (oeste)”

(ALMEIDA e ADUM, 2007, p.10). Área esta que foi doada como espaço público pela

Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), empresa colonizadora da cidade, na década de

1930. E, desde então, o Bosque aparece presente em muitos momentos da história

londrinense.

Na década de 1930, por exemplo, o local ficou conhecido por ser um espaço da

política, isso devido ao conflito entre a CTNP, que desejava que Willie Davids fosse o

prefeito da cidade, e o Estado, por meio do interventor Manoel Ribas, que impunha a figura

do prefeito Joaquim Vicente de Castro, por meio de nomeação. Para demonstrar apoio a

Davids, a população se reuniu no Bosque fazendo manifestações e passeatas, o que resultou

na sua posterior nomeação para o cargo.

Abaixo, está a figura 01, retratando esta passeata, onde podem ser vistas várias

pessoas, entre homens, mulheres e crianças. O chão é de terra, mas no fundo se vê um poste

de energia elétrica. Também podem ser notadas várias árvores, e, ainda, uma faixa com o

seguinte dizer: “Viva o Dr. Willie Davids”. Também vale ressaltar que os manifestantes estão

todos parados e olhando em direção à câmera do fotógrafo, o que mostra que elas sabiam que

iriam ser fotografadas.

* Monografia de especialização apresentada ao curso de História Social, Na Universidade Estadual de Londrina.

Orientadora: Zueleide Casagrande de Paula.

**

Graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

584

Figura01. Passeata a favor de Willie Davids. Fotógrafo: José Juliani. 12/09/1935. Acervo CDPH-UEL.

Mas, além deste caráter, na mesma época, década de 1930, o Bosque também era

um local de passeio, de lazer. Utilizado para a realização, por exemplo, de piqueniques do

colégio Mãe de Deus, um colégio comandado por freiras, existente até hoje na cidade.

Abaixo, na figura 02, pode ser visto um destes piqueniques, onde se nota que o chão ao invés

de ser de terra, era coberto por uma espécie não identificada de vegetação rasteira. Nela se

vêem várias crianças, entre meninos e meninas, e dois adultos: um homem no canto esquerdo,

e no canto direito, uma freira, que brinca com as crianças. Ao fundo, existem várias árvores. E

assim como na foto anterior, todos estão olhando em direção à câmera fotográfica.

585

Figura02. Piquenique no Bosque. Fotógrafo: José Juliani. Década de 1930. Acervo CDPH-UEL.

Duas décadas depois, em 1950, onde o trabalho se aprofunda, Londrina passa por

uma fase de crescimento e transformações que se deram, principalmente, porque nesta época a

cidade vivia o auge da cultura cafeeira. Por este motivo, Londrina adquiria importância e se

sobressaia frente a outras cidades da região. Segundo Arias Neto, a imprensa durante este

período, retratava a cidade com vários adjetivos, alegando sua prosperidade e grandeza:

“Cidade Milagre, Mina de Ouro do Brasil, Cidade Progresso, Grande Empório, Capital do

Norte e Capital do Café” (1998, p.147).

Mas, todo este crescimento levou a um aumento populacional, excedendo o

traçado inicialmente previsto para a cidade, e com isso, começam a surgir loteamentos

desprovidos de infra-estrutura e planejamento nas margens deste traçado. O que se percebe,

portanto, é que menos de vinte anos após a aplicação do primeiro traçado, este já estava

superado. E não eram apenas as áreas além do perímetro urbano que cresciam e se

modificavam. O centro da cidade também passava por uma renovação. As casas de madeira,

antes símbolo do desbravamento da mata, agora são substituídas por novas edificações: os

prédios e as residências de luxo em alvenaria. Estas residências serão ocupadas pelas elites, e

o centro, boa parte das vezes, é quem irá receber a maior parte do tratamento urbanístico da

cidade.

A geógrafa Maria Cecília Nogueira Linardi aponta que o próprio leito ferroviário

era um divisor da segregação:

[...] era perceptível dentro da cidade a configuração de áreas “mais nobres”, localizadas

em áreas privilegiadas, enquanto outras áreas definiam-se como populares. O próprio

leito ferroviário constituía o divisor de águas nesta segregação espacial; as vilas populares

cresciam a partir deste leito, onde localizavam-se especialmente armazéns e indústrias de

beneficiamento, comércio varejista, expandindo-se na direção Norte da cidade,

transformando algumas chácaras nas primeiras “vilas populares”; enquanto que a área

central ficava reservada para o comércio e os negócios, e algumas avenidas e ruas

privilegiadas, como reduto da classe “A”. (LINARDI, 1995, p.184).

As palavras da pesquisadora confirmam a linha férrea como ponte segregador:

quem morava acima da linha, era de uma classe social mais abastada, e quem morava abaixo

distanciava-se deste padrão. Esta divisão, no entanto, ainda permanece na lembrança da

população, que muitas vezes continua a rotular os bairros existentes acima e abaixo da antiga

estação ferroviária.

586

Tomando o texto do Professor Vicente Barroso, como um relato de época, já que

foi escrito durante a década de 1950, também se pode ler sobre a cidade de Londrina:

Outra conseqüência de tantos lugarejos novos é que apezar de muita gente, muita

arrecadação, muito dinheiro que corre... não se nota, nestas „cidades‟ certas cousas

indispensáveis: água canalizada, exgotos, luz, correio, telégrafo, telefone etc. o que

ocasiona transtornos gerais (1956, p.145.).

Logo, se verifica que havia uma disparidade quanto à distribuição espacial e

socioeconômica na cidade: enquanto alguns poucos bairros se beneficiavam destas mudanças,

outros tantos sofriam com a falta de recursos indispensáveis, como água, luz e esgoto. Foi

inclusive criada uma lei, a lei 133, na tentativa de ordenar este crescimento urbano no

município. Esta também foi responsável por trazer importantes arquitetos e urbanistas, para

ajudar a conter este desordenamento, como o urbanista Prestes Maia e o arquiteto Vilanova

Artigas. Prestes Maia é contratado pela prefeitura municipal, e em pouco tempo realiza um

plano urbanístico para a cidade. Já Artigas foi responsável pela construção de vários edifícios,

muito modernos para a época, como a antiga rodoviária (atual museu de arte) e a casa da

criança (atual secretaria de cultura).

Essa quase “revitalização” do centro irá incluir o Bosque Marechal Cândido

Rondon, que também passa por reformas, ganhando quadra de esportes, viveiro de animais e

um parque infantil, transformando o local em um centro de lazer para a população, na região

central da cidade:

[...] em 1953, no bojo das reformas urbanas, o Bosque foi alvo também de uma série de

modificações. O prefeito Milton Ribeiro Menezes, além de instalar um viveiro para

animais de várias espécies típicas da região, construiu um parque infantil, quadra de

esporte polivalente, vestiários e sanitários públicos. (ALMEIDA e ADUM, 2007, p.15).

A reforma ocorrida pode ser percebida nas imagens de Oswaldo Leite da década

de 1950 que se seguem. Na figura 03, o que se vê são algumas árvores do Bosque, um

pequeno poste de luz, algumas construções ao fundo, e mais no primeiro plano, montes de

areia e uma máquina de misturar concreto, sendo operada por um homem negro. Também há

dois carros no fundo, e o homem que opera a máquina não percebe que está sendo

fotografado.

Já na figura 04, também há homens trabalhando. Montando uma grade de aço,

possivelmente para o viveiro de animais. Também há mais alguns homens ao fundo

trabalhando. Estes também não percebem que estão sendo fotografados. Ambas foram feitas

pelo mesmo fotógrafo: Oswaldo Leite, contratado pela prefeitura, para registrar os feitos que

587

ocorriam na cidade, preocupando-se, talvez, em deixar uma boa imagem do que fazia esta

administração, uma imagem de uma gestão que trabalhava, e tinha como comprovar este

trabalho.

Figura 03. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.

Figura 04. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Década de 1950.

588

Em meio a estas transformações, é durante a mencionada década que este Bosque

também irá receber o nome que possui até hoje: Bosque Marechal Cândido Rondon. Este

nome foi uma espécie de homenagem feita ao referido Marechal, que morrera no início de

1958. 1 O jornal Folha de Londrina, na sessão atos de municipalidade, que destacava as leis

aprovadas pelos vereadores e o que ocorria no gabinete do prefeito, publicou a lei que

comprova a mudança de nome:

Sessão Atos da Municipalidade – Prefeitura do município de Londrina.

NOTA: LEI Nº 414. A CÂMARAMUNICIPAL DE LONDRINA, ESTADO DO

PARANÁ, DECRETOU E EU, PREFEITO MUNICIPAL, SANCIONO A SEGUINTE:

ART.1º - Fica o Executivo autorizado a denominar BOSQUE MARECHAL RONDON o

arvoredo existente nas duas quadras, de propriedade do Município, e situadas entre a

Catedral de Londrina e Rua Pará; e entre as Avenidas Rio de Janeiro e São Paulo,

separadas pela Rua Piauí.

ART.2º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições

em contrário.

EDIFÍCIO da Prefeitura do Município de Londrina, aos 4 de março de 1958.

ANTONIO FERNANDES SOBRINHO – PREFEITO MUNICIPAL.

MARIO CUNHA – SECRETÁRIO. (Jornal Folha de Londrina, 08/03/1958).

Sendo assim, pode-se perceber que durante a década de 1950, houve muitas

mudanças, mas não se pode esquecer de que quem acabou arcando com o custo da

modernização, foram as camadas mais populares, que por sua vez, não tiveram muitas

melhorias em suas vidas. Quem mais usufruiu destas transformações todas, foram os

segmentos sociais de poder aquisitivo mais alto, como confirma Arias Neto:

As vilas continuaram abandonadas à sua própria sorte, com problemas infra-estruturais

gravíssimos: falta de asfaltamento [...], de abastecimento de água e de energia elétrica.

[...] Desse modo, foram as elites e as classes médias as beneficiadas pelo processo de

modernização, sendo que seu custo foi socializado, ou seja, em outras palavras, as classes

populares pagaram – através de impostos, taxas e multas – por benefícios que não

receberam, e arcaram com o preço da implantação e manutenção da, pesada e

burocratizada, máquina administrativa municipal, que sobre elas desencadeou o processo

de repressão e banimento, confinando-as aos espaços tidos como adequados na nova ótica

urbanística (1998, p.162-163).

1 Informação cedida pela professora Ana Maria Chiarotti de Almeida, do curso de Ciências Sociais, da

Universidade Estadual de Londrina.

589

Porém, na década seguinte, em 1960, a cidade não cresce da mesma maneira.

Grandes geadas ocorrem no final da década de 1950, além de não se conseguir vender mais

tanto café como no início da década. Este produto, que fora o responsável por fazer circular

tanto dinheiro na cidade, agora já não causava o mesmo impacto. Por isto, sua cultura vai

sendo gradativamente substituída por outras, como a soja e o trigo, beneficiado também pela

mecanização da agricultura que começava a ocorrer no país2.

Com isso, os trabalhadores rurais vão perdendo seus empregos, e passam a vir

para a cidade, em busca de novas oportunidades. Bortolotti mostra bem esta situação local:

“Sem trabalho e sentindo-se dispensados do campo, muitos [agricultores] tomaram rumo em

direção às cidades [...]. O aumento repentino da população nas cidades não foi atendido pelos

equipamentos e serviços públicos, agravando os conflitos sociais” (2007, p.109).

Neste momento a cidade já apresentava uma estrutura urbana de apoio que foi

ampliada. Esta se manifestava através da criação de cooperativas, centros de pesquisa, difusão

de tecnologias, uso de técnicas e defensivos, presença da agroindústria, e também de

indústrias de pequeno porte, produtoras de bens de consumo não durável. 3

Esta situação faz com que a cidade ao mesmo tempo cresça e se destaque como

um pólo regional, mas também faz com que os trabalhadores que saem do campo, para tentar

uma vida nova, acabem indo constituir residência na periferia, o que impulsiona ainda mais

seu crescimento. Isso prova também que o desejo, durante a década de 50, de conter este

crescimento desordenado nas periferias não se realizou.

A década de 1970 se inicia, assim, com o crescimento da população urbana, e um

déficit habitacional para abrigá-la. De acordo com Bortolotti, o déficit habitacional da cidade

começou a ocorrer desde sua fundação, com a grande quantidade de pessoas que se dirigiam à

área urbana. Como a cidade não estava preparada, e nem planejada, para receber todo este

contingente populacional, estas pessoas passam a se instalar em fundos de vale e áreas

insalubres, o que acaba gerando um déficit habitacional.

Para Ana Cleide C. Cesário, esta população que se instala nas periferias é

composta pelos setores médios inferiores e proletários. Como não haviam fábricas ou grandes

empreendimentos que pudessem absorver toda esta mão de obra que a cidade recebera, este

contingente populacional acabam se dedicando “às funções subalternas do setor terciário e o

trabalho doméstico assalariado” (1986,p.535). Sendo assim, as idéias antes tão presentes e

2 PRIMAVESI, Ana. Agroecologia: Ecosfera, Tecnosfera e Agricultura. São Paulo, 1997.

3 LINARDI, Maria Cecília Nogueira. São Paulo, 1995.

590

divulgadas sobre Londrina, como sendo uma cidade altamente próspera diminui entre as

décadas de 1960 e 1970.

E, mais uma vez, o Bosque Marechal Cândido Rondon, juntamente com as

mudanças que ocorriam na cidade, também será modificado. Em 1971, o local se transformou

no primeiro terminal de ônibus urbanos da cidade de Londrina.4 Isto ocorreu neste local,

talvez por estar no centro da cidade; ser da prefeitura, evitando maiores gastos se fosse

construído em outro lugar; e também por ser um espaço já bastante conhecido da população.

E como a cidade crescera muito, precisava de um terminal de ônibus urbano. Para esta

transformação, foi necessário que se alargasse a Rua Piauí, que fica no entorno do Bosque.

Isto fez com que o espaço ficasse dividido em duas partes, como é até os dias atuais. Antes

disto, ele era um espaço único.

Abaixo, na figura 05, pode ser vista uma imagem do Bosque quando fora

terminal. O que se percebe é que o lugar era pequeno, sem muita estrutura. Por exemplo, os

bancos, que parecem ser de madeira, são pequenos e aparentemente desconfortáveis. Há a

presença de algumas pessoas também no local dos ônibus coletivos, e ainda alguns quiosques

ao lado direito. Nota-se que as árvores do Bosque ficam bem rentes ao lado direito, e ao fundo

há alguns prédios, o que comprova a verticalização da área central de Londrina, que começara

na década de 1950, e se acentua nas seguintes. Outro ponto a ser notado é o excesso de papéis

colados nos postes de sustentação da cobertura do local, feita por telhas de amianto. Este

terminal se encontrava na parte central do Bosque, como um prolongamento da Rua Piauí,

que fora alargada.

4 Informação cedida pelo funcionário Moacir, da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanismo de Londrina.

(CMTU).

591

Figura 05. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: Oswaldo Leite. 04/11/1979

No entanto, esta transformação irá alterar totalmente o caráter que o local possuía

antes. Pois quando fora doado pela Companhia de Terras Norte do Paraná, o espaço foi

apropriado pela população, e se tornou um lugar de passeio, descanso, festas. Depois, com o

Estado Novo5, era também um local de debates políticos, e mais tarde se tornou, ainda, um

acolhedor de inúmeras atividades econômicas, de fotógrafos lambe-lambe a artesãos.

Portanto, as pessoas se apropriaram do espaço com diversas finalidades diferentes,

desde o seu surgimento. Mas, nenhuma outra atividade ali desenvolvida fora tão destrutiva

como esta de terminal urbano.

A partir de 1971 novas modificações ocorreram no Bosque, estas foram ainda mais

importantes, por alterarem significativamente seu uso. Houve o alargamento da Rua Piauí

e o espaço do logradouro foi dividido em duas áreas, tendo sido instalado no local o

Terminal de Ônibus Urbano da cidade de Londrina. Ainda nesta década, com o

crescimento da cidade e o conseqüente aumento da violência, o local foi totalmente

cercado, o que afastou gradativamente usuários e, principalmente os artesãos.

(ALMEIDA e ADUM, 2007, p. 15-16).

O que ocorreu com o local foi, então, uma mudança de finalidade, conforme os

anos passavam. Primeiramente, era um local de festividades, de passeio e descanso para todas

as faixas etárias. Até a década de 1950, este caráter é mantido, prova disso é a construção do

5 Estado Novo, segundo Bóris Fausto, em seu livro “História do Brasil”, é o período da política brasileira

compreendido entre 10/11/1937 e 29/10/1945, onde Getúlio Vargas se vale de um golpe para continuar no poder.

É criada uma nova Constituição, onde o presidente era reconhecido a autoridade suprema do país. Também são

criados alguns órgãos como o DASP (Departamento de Administração do Serviço Público), que supervisionava

os interventores nos Estados; e o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de censura que

planejava a propaganda do governo, através de programas como a “Hora do Brasil”, nos rádios, e que existe até

os dias atuais.

592

parque infantil, dos viveiros de animais. Mas, junto com esta função, as pessoas e os políticos

locais foram agregando outras, como as de disputas eleitorais e as atividades econômicas.

No entanto, até este momento, o que se entende é que as pessoas ainda ficavam no

Bosque, sentavam, passavam um tempo ali. Porém, com a implantação do Terminal, este

caráter vai se perdendo, e as pessoas utilizam o local apenas para passagem. Elas não se

detêm ali. Talvez pelo aumento da violência, talvez porque não há mais tanta “paz” como

havia antes, afinal, agora a circulação de pessoas no local seria muito maior.

E o próprio Terminal leva consigo a idéia de um lugar de passagem, transitório,

onde tudo deve ser rápido. Junto com isto, a própria paisagem do local se degrada, pelo

constante uso, e pela falta de estrutura também para abrigar um terminal, além dos gases

emitidos pelos ônibus. O jornal Folha de Londrina, em 07 de fevereiro de 1982 publica uma

matéria sobre o Bosque que diz exatamente isto, da mudança de caráter do local:

No decorrer dos tempos, o Bosque sofreu sucessivas transformações. Depois do viveiro,

foram construídos um parque infantil, uma cancha de esportes polivalente, bancos e

banheiros; e até mesmo a estreita Rua Piauí foi alargada para a instalação do terminal de

ônibus urbano. Tudo isso tem cooperado para que o ambiente que antes funcionava como

uma pausa do conturbado movimento da cidade, se transformasse num lugar pouco

desejado pelos londrinenses. (Jornal Folha de Londrina, 07/02/82, p. 20).

Além disso, existem várias matérias publicadas no mesmo jornal durante o

período em que o Terminal esteve funcionando no Bosque, com títulos como: “Bosque. Neste

domingo, você poderia ir passear no Bosque. Mas ele está completamente abandonado – e

ninguém sabe o que será dele”; “O escuro e maltratado Bosque”; “Apesar dos muitos

administradores, o Bosque está em petição de miséria”. E as críticas e denúncias também são

várias:

O aspecto geral do Bosque é de completo abandono. Os poucos bancos de granito que

ainda restam, apresentam-se quebrados. À noite, a iluminação é precária, propiciando ao

vandalismo um excelente campo de ação. (Jornal Folha de Londrina, 25/05/1975).

De dia a parte do Bosque localizada abaixo do Terminal de ônibus urbanos de Londrina é

um espetáculo triste. Os seus bancos sujos e quebrados acomodam aposentados,

desempregados, casais de namorados e outros usuários dos coletivos, que têm pela frente

um cenário de abandono: um aviário descuidado, um parque infantil e uma quadra de

esportes danificados: debaixo das árvores, muito lixo. À noite o local é invadido pela

algazarra de travestis e malandros, que se aproveitam da falta de policiamento e de

iluminação para fazerem do Bosque o seu ponto de encontro. [...] segundo seus atuais

freqüentadores [...] o Bosque vive sujo; o mau cheiro que exala dos sanitários e do viveiro

– onde poucas aves sobrevivem sem cuidados especiais – incomoda; e, ao invés de

vegetação rasteira, o que se tem é mato. (Jornal Folha de Londrina, 12/01/1984).

593

Mas, apesar de todas estas transformações, e de todas as críticas, o Bosque não

perdeu o caráter de importância que tem para a cidade. Muito pelo contrário, com a sua

história, que muitas vezes se mistura à da cidade, sua importância cresce ainda mais. Adum e

Almeida mostram isto em seu livro:

O espaço do Bosque Marechal Cândido Rondon, do ponto de vista histórico, [...] é de

extrema relevância enquanto um espaço que abrigou diversas manifestações populares.

Existindo desde a fundação da CTNP, era um local de relações sociais, manifestações

públicas, festas e da economia informal. Devido à organização espacial feita pela

Companhia de Terras Norte do Paraná, ele fez parte do centro histórico da cidade e de

suas relações políticas, econômicas e sociais. (2007, p.19).

A trajetória histórica do Bosque, apresentada até aqui, justifica o argumento de

que este local pode ser considerado um patrimônio local. Por ter crescido junto com a cidade,

por ser parte de sua história e palco de manifestações como a ocorrida na década de 1930, que

definiu quem seria o prefeito da cidade; ou ainda, por ser o cenário de problemas sociais

como o do aumento da violência, que geraram e geram discussões, divergências de opiniões e

posições políticas sobre o uso deste espaço na atualidade.

É preciso considerar, também, que este local deve ser preservado não só para

“imortalizar a bravura dos pioneiros” 6, como uma mata no meio da cidade para ser uma

amostra do que estas pessoas enfrentaram para poder erguer uma cidade; mas também para

que a população, de uma forma geral, se sinta ali representada, tenha o Bosque como fazendo

parte da sua história. Até porque, este é um espaço democrático, por receber pessoas de

diversos estratos sociais. Para Schereiber, esta é uma característica comum aos parques

urbanos. Um lugar onde todos, por um momento, não desempenham nenhum papel

específico. Não há o médico, o padeiro ou o professor. Todos são iguais:

O parque urbano configura-se como um espaço aberto e de permanência, marcado pela

heterogeneidade social, graças ao seu caráter público, onde é possível encontrar

freqüentadores de distintos estratos, como numa espécie de suspensão temporal

imaginária dos seus específicos papéis sociais. (1997, p.149)

O Bosque é um dos elementos de representação do espaço da cidade de Londrina

no imaginário de seus habitantes. E, apesar de hoje ele não se caracterizar como um local de

permanência, já que a maioria das pessoas ali encontradas são transeuntes, ainda assim ele

deve ser preservado.

A não permanência em praças e parques é uma característica da cidade moderna,

onde tudo ocorre com rapidez, tudo precisa ser dinâmico. E talvez seja esta a característica

6 A cidade de Londrina possui um discurso elitista sobre a imagem de seus pioneiros. E, na história local, a

representação destas pessoas é feita em diversos espaços, inclusive o Bosque.

594

que o Bosque precise adotar para que estes transeuntes dêem a ele mais atenção. De acordo

com o que afirma Diêgoli:

Existe uma tendência de as pessoas entenderem que o tombamento é uma figura

cerceadora ou congeladora; divulgam erroneamente que num prédio tombado, nada pode

ser feito. [...] O que estamos tentando adotar, é uma política onde a figura do tombamento

seja maleável e adaptável às novas exigências, e inclusive o tombamento deve ter como

pressuposto a dinâmica natural das cidades (1992, p.209).

Sendo assim, este espaço deve receber ações que o dinamizem e ajudem na sua

apropriação por parte da população, pois, como foi dito, ele fazendo parte da cidade, deve

seguir o seu ritmo natural, que são as mudanças. Ele deve sempre mudar, portanto, para tentar

melhorar. Eduardo Yázigi, em um texto que discute o patrimônio ambiental urbano, onde

afirma que um patrimônio não se constrói como tal apenas através de ações públicas; quem o

faz ser patrimônio é a própria população, que reconhece e participa da sua história:

A construção do patrimônio ambiental urbano não se dá somente por ato público de

planejamento, mas pelo reconhecimento de uma história e uma co-participação, onde uma

população assistida sempre encontra seu jeito de arrumação. Neste sentido, seria um erro

supor que o patrimônio consiste de uma catalogação definitiva dos lugares (2003, p.260).

Yázigi afirma, ainda, que “Não se pode decidir e forçar as pessoas a ficarem nas

praças, única alternativa de lazer social num tempo em que não existiam televisão e mil outras

opções” (2003, p.256). Ou seja, os lugares como o Bosque, nos dias de hoje não têm mais

tanto atrativo como antes, por vários motivos: segurança, higiene e também porque hoje as

pessoas se distraem de outras maneiras.

O que o espaço em estudo necessita é de uma revitalização que o deixe mais

dinâmico e seguro, portanto. Afinal, sendo o Bosque um patrimônio da cidade, por todos os

motivos já relacionados, ele deve se transformar em um espaço que todos se sintam à vontade

para utilizá-lo. Além de ser muito importante, também, o implemento de políticas onde a

população aprenda a preservá-lo. Esta seria uma possível saída para o atual estado de

abandono em que se encontra este local.

Desta maneira, deveriam ser pensadas uma revitalização para este espaço, e uma

boa política com o foco na orientação da população, através de oficinas de patrimônio, por

exemplo, que mostrem a elas o valor dos bens da cidade, e por que eles devem ser

preservados; mostrando, ainda, que se cada um fizer sua parte, ajudar a preservar; a cidade

como um todo melhora.

595

Referências

ALMEIDA, Ana Maria Chiarotti de. ADUM, Sonia Maria Sperandio Lopes. Memória e

cotidiano do bosque. Londrina: EDUEL, 2007.

ARIAS, José Miguel Neto . O Eldorado: Representações da política em Londrina, 1930,

1975. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 1998.

BARROSO, Vicente. O Famoso Norte do Paraná - Terra onde se anda sobre o dinheiro.

Editora São Miguel, 1956.

BORTOLOTTI, João Baptista. Memórias do planejamento urbano de Londrina. Londrina:

Midiograf, 2007.

BOSQUE. Neste domingo você poderia ir passear no Bosque [...]. Folha de Londrina.

Sessão Serviço. P.20. Londrina. 07 fev.1982.

CESARIO, Ana Cleide Chiarotti. Poder e partidos políticos em uma cidade média

brasileira. Um estudo de poder local: Londrina Pr. 1934-1979. 1986. Tese (Doutorado).

Universidade de São Paulo, São Paulo-SP. 2 vols.

DIEGOLI, Leila Regina. Preservação e modernidade. In: Departamento do Patrimônio

Histórico. Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura de São Paulo. O direito à memória:

Patrimônio Histórico e cidadania. São Paulo, 1992.

ESCURO e maltratado Bosque, O. Folha de Londrina, Londrina, 25 mai. 1975.

FAUSTO, Boris. História do Brasil – 11.ed. – São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2003.

FAXINA e reforma geral no Bosque. Folha de Londrina. Londrina. 12 jan. 1984.

Jornal Folha de Londrina. Sessão atos da municipalidade. Londrina. 08 mar. 1958.

LINARDI, Maria Cecília Nogueira. Pioneirismo e Modernidade: A urbanização de

Londrina. 1995. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

SCHREIBER, Yara. Domingo no Parque: um estudo da relação homem-natureza na

metrópole paulistana, 1997. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Universidade

de São Paulo - USP, São Paulo – SP.

YAZIGI, Eduardo. Patrimônio ambiental urbano: refazendo um conceito para o planejamento

urbano. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges. Dilemas

urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003.