boni jr., jonas de oliveira. o estádio do espelho de jacques lacan - gênese e teoria

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JONAS DE OLIVEIRA BONI JÚNIOR O estádio do espelho de Jacques Lacan: gênese e teoria Dissertação apresentada ao I nstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica Área deConcentração: Psicologia Clínica Orientador: Prof. Dr. Christian I ngo L ensDunker SÃO PAULO 2010 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer 

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    JONAS DE OLIVEIRA BONI JNIOR

    O estdio do espelho de Jacques Lacan:

    gnese e teoria

    Dissertao apresentada aoInstituto de Psicologia daUniversidade de So Paulo paraobteno do ttulo de Mestre emPsicologia Clnica

    rea deConcentrao:Psicologia Clnica

    Orientador: Prof. Dr. ChristianIngo LensDunker

    SO PAULO2010

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    AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTETRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARAFINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicaoBiblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Boni Jnior, Jonas de Oliveira.O estdio do espelho de Jacques Lacan: gnese e teoria / Jonas de

    Oliveira Boni Jnior; orientador Christian Ingo Lenz Dunker. -- SoPaulo, 2010.

    215 f.

    Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao emPsicologia. rea de Concentrao: Psicologia Clnica) Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Psicanlise 2. Constituio do sujeito 3. Lacan, Jacques, 1901-1981 4. Corpo I. Ttulo.

    RC504

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    Nome: BONI J NIOR, J onas deOliveiraTtulo: O estdio do espelho deJ acques Lacan: gneseeteoria

    Dissertao apresentada aoInstituto de Psicologia daUniversidade de So Paulo paraobteno do ttulo de Mestre emPsicologia Clnica

    Aprovado em: __________________________

    Bancaexaminadora:

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ___________________

    J ulgamento: ___________________ Assinatura: ___________________

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ___________________

    J ulgamento: ___________________ Assinatura: ___________________

    Prof. Dr. ______________________ Instituio: ___________________

    J ulgamento: ___________________ Assinatura: ___________________

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    A meuspais, amor quemefez vida...

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Christian Ingo Lenz Dunker, meu orientador, pela pacincia em me

    ensinar que o tempo de aprender nem sempre coincide com o tempo de

    desejar, e que ainda assim eles esto inseparveis como propulsores um do

    outro, num eterno crculo de desejo em aprender.

    A Michele Roman Faria, minha supervisora, pela disposio em

    compartilhar minha experincia clnica e abrir meus ouvidos para as

    particularidades e possibilidades dos sujeitos diante de situaes to difceis

    e arrebatadoras.

    A Maria Amlia Matos, minha primeira orientadora em pesquisa, por me

    acolher com todo carinho e dedicao, quando eu ainda era apenas um

    estudante recm ingresso na Psicologia e por me mostrar at o ltimo dia em

    vida que pesquisa exige rigor e dedicao.

    Ao grupo de orientao, Paulo, Letcia (L), Rafael (Rafa), Joo, Leandro,

    Marcelo, Abenon, Ronaldo, Tatiana e Cris, por lerem os meus textos e me

    sinalizarem onde as coisas no funcionavam.

    Aos meus amigos de Consultrio, Beatriz, Mara, Karina, Rafael (Rafa),

    Pedro e Tiago, pelas discusses sobre meu texto, sobre psicanlise, sobre a

    clnica e, principalmente, sobre amizade.

    A Camila Popadiuk, pelo primeiro projeto em psicanlise, e por ser

    companheira, amiga, confidente e presente (nos dois sentidos) mesmo

    trilhando seus caminhos to longe na Frana.

    Ao Arthur, por me suportar nos momentos mais tensos e difceis de toda a

    experincia de mestrado.

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    A todos os meus amigos que diante de minha ausncia mantiveram-se

    presentes, Rosana, Diogo, Felipe, Diego (Bruno), Gisele, rika (POP),

    Brbara, Giorgio, Vanessa (Minante), Tati, Samanta, Ingrid, Tici, Cris, e

    tantos outros que esto marcados em minha vida.

    A todos os meus pacientes,

    A Nilton, Flvia e Sandro, que sem a presena do rosto em minha memria,

    fizeram ponte para muitas de minhas conquistas at ento.

    A Raul Pacheco,

    A meus irmos, Neude, Elaine e Elder, e meus pais, por entenderem que eu

    tambm sou amor clnica e psicanlise.

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    O estdio do espelho no a palavra mgica.O que chato no tanto o fato de repeti-lo,

    pormdemal empreg-lo.LACAN, 1955/1985, p. 134

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    RESUMO

    Este trabalho tem como objeto de estudo o texto "O estdio do espelho como formador dafuno do eu tal como nos revelada na experincia psicanaltica" (1949/1998) e a teoria do

    estdio do espelho estabelecida por Jacques Lacan entre 1936 e 1964. A proposta

    investigativa concentra-se em trs vertentes: (1) Acompanhar a gnese da formulao

    lacaniana do estdio do espelho entre os anos de 1936 e 1938; (2) Analisar a estrutura

    temtica da concepo apresentada em 1949; e (3) Organizar as reformulaes e inflexes

    para a teoria do estdio do espelho realizadas por Lacan, a partir do modelo do esquema

    ptico entre os anos de 1954 e 1964. O objetivo geral concentra-se em examinar os principaistemas e noes psicanalticas desenvolvidos, de acordo com os trs momentos para a teoria do

    estdio do espelho. Em adjacncia, especificamente nas vertentes (1) e (2), objetiva-se

    recuperar as principais referncias tericas utilizadas por Lacan, enquanto na vertente (3) o

    exerccio metodolgico consiste em organizar as referncias na prpria obra de Lacan. As

    duas principais consideraes finais apontam para a distino entre o texto de 1949 a teoria e

    os temas desenvolvidos em torno do estdio do espelho, e a definio do conceito enquanto

    demarcao dos trs registros Real Simblico Imaginrio (RSI) pela inscrio do objeto a,

    trao unrio e imagem especular.

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    ABSTRACT

    This work aims to study the text The mirror stage as formative of the function of the I as

    revealed in psychoanalytic experience" (1949/1998) and the mirror stage theory proposed by

    Jacques Lacan between 1936 and 1964. The research proposal focuses on three aspects: (1)

    To present the genesis of Lacan's formulation of the mirror phase theory between 1936 and

    1938; (2) To analyze the thematic structure of the concept presented in 1949; and (3) To

    organize the reformulations and inflections of the mirror stage theory Lacan carries out in

    view of the optical model, between the years 1954 and 1964.The overall goal is to examine

    the main themes and psychoanalytic notions developed, in regards to the three moments

    proposed for the mirror stage theory. Secondarily, specifically in sections (1) and (2), the

    objective is to recover the main theoretical references used by Lacan, while in part (3) the

    methodological exercise is to organize the references in Lacan's own work. The two main

    conclusions point to the distinction between the 1949 text, the theory itself and the themes

    related to the mirror stage, and the definition of the concept as a demarcation of the three

    orders Real Symbolic Imaginary (RSI) by the inscription of the objet (petit) a, the unary trait

    and the specular image.

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    SUMRIO

    1

    APRESENTAO................................................................................................................................................12

    2INTRODUO..................................................................................................................................................17

    3MTODO: OBJ ETIVOS, MATERIAL E ESTRUTURA DA DISSERTAO.............................................28

    3.1 OBJ ETIVOS.......................................................................................................................................29

    3.2 SOBRE O MATERIAL DO ESTDIO DO ESPELHO DE J . LACAN......................................29

    3. 3DA ESTRUTURA EM CAPTULOS E OS OBJ ETIVOS ESPECF ICOS...................................34

    3.3.1 THE LOOKING-GLASS PHASE: GNESE DA TEORIA DO ESTDIO DO

    ESPELHO................................................................................................................................................34

    3.3.2O ESTDIO DO ESPELHO DE 1949.............................................................................35

    3.3.3TEORIA DO ESTDIO DOESPELHO ENTRE 1954 E 1964.....................................35

    3.3.4CONSIDERAES FI NAIS...........................................................................................36

    4THE LOOKING-GLASS PHASE: GNESE DA TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO..........................37

    4.1 OS TTULOS E A ESTRUTURA PARA O ESTDIO DO ESPELHO DE 1936..........................37

    4.2 O SUJ EITO E O EU (J E) EM 1936..................................................................................................44

    4.3THE L OOKING-GLASS PHASE: O EU [MOI] E O CORPO........................................................58

    4.4 KOJ VE E WALLON: DUAS REFERNCIAS PARA A TEORIA DE 1936...............................70

    5O ESTDIO DOESPELHO DE 1949...............................................................................................................82

    5.1 O ESTDIO DO ESPELHO: CONSIDERAES SOBRE AS ORIGENS DO EU.....................82

    5.2.O ESTDIO DO ESPELHO, O CORPO E A FUNO DA IMAGEM.....................................100

    5.3.OS ARROLAMENTOS DO EU E INTERLOCUTORES TERICOS.........................................116

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    5.4TRECHOS FI NAIS: FI LOSOFIA E CLNICA.............................................................................133

    6TEORIA DOESTDIO DO ESPELHO DE J . LACAN ENTRE 1954A 1964.............................................143

    6.1 O ESQUEMA PTICO NA TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO DE J . LACAN.................146

    6.2 O EU E O SUJ EITO NA TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO ENTRE 1954 E 1964..........160

    6.3 OS REGISTROS DO CORPONA TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO...............................181

    7CONSIDERAES FI NAIS............................................................................................................................188

    BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................................193

    ANEXO A.............................................................................................................................................................203

    ANEXO B.............................................................................................................................................................211

    NDICE 1.............................................................................................................................................................215

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    1APRESENTAO

    (...) se lembrava, de repente, de que havia algo chamadocorpo, um territrio prprio, com efeito, mas meioabandonado, do qual o frenesi da traduo passavahoras distraindo-o. ALAN PAULS, O PASSADO, p.85.

    A experincia de pesquisa em psicanlise no um mero exerccio epistemolgico,

    pois qualquer interesse terico deveria estar implicado em alguma perspectiva clnica.

    Obviamente, nem sempre essa relao emerge ao final da travessia em torno do objeto

    investigado, contudo, em sua gnese encontrar-se-o impasses clnicos, dvidas diagnsticas,

    casos mal sucedidos e um desejo do analista pela teoria que seja no mnimo equivalente ao

    desejo do analisante ao cuidado de si.

    Assim ocorreu comigo. Ao fim do percurso, a evidncia clnica parece no estar em

    primeiro plano, porm toda a gnese est sustentada em razes profundas tanto com a clnica

    psicanaltica quanto com o desejo de analista do investigador.

    Este trabalho apresenta um compndio de referncia para a teoria do estdio do

    espelho de Jacques Lacan, num intervalo de quase trinta anos da obra deste autor, desde as

    construes hipotticas das primeiras palavras em 1936 at a ltima meno ao esquema

    ptico em 1964.

    Para o leitor que se dispuser a enveredar pelas construes arquitetadas nestes

    captulos, fica o alerta que nem sempre as palavras escritas condizem com toda profundidade

    pretendida no pensamento. Algo se perde, e sempre se perder. a lgica prpria da

    linguagem. Desta forma, acredito que h sempre trs dimenses em jogo na construo de um

    texto, especialmente com a dimenso que tem o de um mestrado.H o sujeito que se dispe ao

    trabalho investigativo, em torno de um objeto de estudo principal e a materializao de todo

    percurso no processo de escrita.Nenhum dos trs separa-se integralmente ao longo de toda

    experincia e hora ou outra um prevalece.

    No incio era o verbo ou no incio era a palavra, alguns dizem. Neste caso, o incio a

    clnica. A origem deste trabalho est nos impasses encontrados na experincia clnica

    hospitalar em torno do corpo na cena analtica. Ao longo do ano de 2007, no Programa de

    Aprimoramento Profissional do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da USP

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    (PAP/HCFMUSP), no curso de Psicologia Clnica Hospitalar em aids1, coloquei-me escuta

    de pacientes, que ou espontaneamente procuravam o servio de psicologia, ou eram

    encaminhados por outros profissionais da instituio, para acompanhamento psicolgico. No

    geral, a demanda se configurava em torno do impacto sofrido, e esta palavra cabe

    perfeitamente, com os efeitos da Lipodistrofia2. Minha experincia clnica na instituio

    hospitalar foi marcada pela sndrome lipodistrfica e seus efeitos adversos no organismo e no

    corpo dos sujeitos na cena analtica.

    O termo Lipodistrofia refere-se descrio pela clnica mdica de modificaes da

    forma do corpo e alteraes do metabolismo lipdico e glicdico dos indivduos vivendo com

    HIV/aids, e pode ser apontado como um dos efeitos adversos do uso prolongado de

    medicaes Anti-retroviral (ARV)3,

    Por diversas vezes no tempo dos atendimentos, a questo trazida para a anlise

    transcendia a fala e se presentificava no corpo dos sujeitos. Lembro-me de uma paciente que

    falava sobre no se olhar no espelho e no frequentar piscinas ou praias h mais de cinco

    anos, pois sentia seu corpo deformado. Ela dizia j no ter msculos nas pernas, mas ao cruz-

    las, nada falava sobre as veias saltadas, estas apenas se acentuavam e pulsavam.

    De repente, o corpo me despertou interesse. Mas qual corpo minha experincia clnica

    convocava escuta e investigao? O corpo marcado pela fala ou o corpo cuja lngua me erainaudvel? O que fazer com esse corpo na cena analtica? Quais as referncias da psicanlise

    para este organismo em transformao? Estas perguntas situaram-se como pano de fundo no

    projeto de pesquisa a ser desenvolvido em formato de monografia no curso citado.

    Meu trabalho de concluso realizou uma leitura psicanaltica da lipodistrofia, a partir

    de Sigmund Freud (1856-1939), Jacques Lacan (1901-1981) e Franoise Dolto (1908-1988), e

    centrou-se nas questes da imagem corporal e os processos de acomodao da imagem com o

    corpo em mudana, configurando hipteses sobre o impacto desse processo nas estruturas

    1 No incio da epidemia por HIV/aids, AIDS referia-se a Acquired Immune Deficiency Syndrome, cujatentativa no Brasil centrava-se no termo SIDA (Sndrome da Imuno Deficincia Adquirida). Entretanto, o usocorrente para AIDS e as relaes de estigma construdas socialmente levaram tericos a postular o uso paraAIDS em letras minsculas numa tentativa de amenizar os efeitos sociais para os sujeitos que vivem com ainfeco viral. O site oficial do Ministrio da Sade brasileiro refere-se aids, em letras minsculas, em rarasexcees com todas as letras maisculas. (www.aids.gov.br)2

    Estas alteraes foram posteriormente denominadas de sndrome lipodistrfica do HIV, conceituadacomo perda dos depsitos de gordura perifrica (lipoatrofia) e/ou acmulo de gordura central (lipo-hipertrofia)e/ou manifestaes metablicas lipdicas e glicmicas (GUIMARES et al/2007).3 Proposta teraputica de medicamentos que atenuam a multiplicao do HIV no corpo do sujeito,quando em contato com o vrus. Iniciou em 1987 com a aprovao da Zidovudina e no perodo de 1987 a 2003,havia 15 novos agentes ARVs distribudos no Brasil pelas instituies do Sistema nico de Sade (SUS).

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    clnicas propostas por Lacan. O ttulo do trabalho foi Uma Aproximao Psicanaltica da

    Lipodistrofia entregue ao PAP/HCFMUSP no ano de 2008.

    O trabalho rodeou um problema em psicanlise a respeito das nuances sobre o corpo, a

    carne e o organismo humano, no campo psicanaltico, e da indeterminao dos elementos

    metapsicolgicos que falem sobre fenmenos clnicos do invlucro composto por rgos,

    msculos, sangue e toda obscuridade que h por detrs da pele. As fronteiras tericas sobre o

    corpo eram pouco comentadas pela literatura, a saber, das diferenas entre organismo, carne,

    corpo4. Quando usar estes termos? Seriam nomenclaturas de diferentes campos tericos para o

    mesmo objeto em questo? Enfim, duas entre outras perguntas que foram suscitadas.

    O termo imagem corporal o operador conceitual do corpo mais retomado em

    trabalhos cientficos com a tica psicanaltica, muitas vezes atrelado noo de auto-estima,como se fossem concepes de mesmo estatuto terico. As trs principais teorias utilizadas

    para a questo do corpo ou sobre o termo imagem corporal so de S. Freud, J. Lacan e F.

    Dolto. O aporte terico a estes autores nem sempre faz jus s posies muito distintas,

    colocando-os em dilogo sem considerar suas particularidades epistemolgicas quando

    comparados determinados conceitos, ou internamente em suas respectivas obras.

    Por exemplo, sobre S. Freud, faz-se meno ao corpo erogeneizado, e citao

    comumente reafirmada, quanto ao corpo como projeo de uma superfcie esobre o eu-corpreo do texto de 1923 O Eu e o Id, como sinnimos conceituais ou como termos

    anlogos em psicanlise. De J. Lacan, o uso de imago, miragem, antecipao imaginria do eu

    ocorre sob a nomenclatura do registro Imaginrio, ao qual se fixa o domnio para o texto O

    Estdio do Espelho como formador da funo eu tal como nos revelada na experincia

    psicanaltica de 1949. Para F. Dolto lana-se mo da imagem inconsciente do corpo, de livro

    de mesmo ttulo, como sinnimo de imagem corporal.

    Diante deste cenrio, trs questes principais foram formuladas:(1) De qual corpo trata a psicanlise?

    (2) Qual a extenso terica e clnica para o termo imagemcorporal? Tratar-se-ia de

    um conceito?

    (3) O corpo tratado pela psicanlise se sustenta por um escopo condizente a uma

    clnica?

    A partir da experincia clnica citada anteriormente e dos questionamentos tericos

    que se despertaram, poderia situar meu novo objeto de pesquisa em torno do corpo em

    4 Dunker (2005) sustenta a tese de que a tripartio entre corpo, carne e organismo ainda exige umametapsicologia a ser desenvolvida no mbito terico em psicanlise.

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    psicanlise, porm o seguimento da pesquisa no campo da corporeidade levantou algumas

    constataes intrigantes a respeito do estdio doespelhode Jacques Lacan.

    Primeiramente a surpresa diante da extenso do ttulo do texto, O estdio do espelho

    como formador da funo do eu tal como nos revelada na experincia psicanaltica,

    embora sempre seja referido apenas como O Estdio do Espelho. Talvez, trata-se de um

    processo metonmico para o trabalho de Lacan justificado pela prpria extenso do ttulo,

    composto por dois perodos (o estdio do espelho como formador... tal como nos

    revelada na experincia...), mais de dez palavras e no qual h pelo menos trs idias: 1.

    estdio do espelho enquanto modelo, metfora, gramtica... etc; 2. formao da funo do

    eu; 3. a experincia psicanaltica.

    Repetem-se duas clebres frases (reproduzidas abaixo) aos moldes de comocompreender o estdio do espelho deLacan.

    Basta compreender o estdio do espelho como umaidentificao, no sentido pleno que a anlise atribui aesse termo, ou seja, a transformao produzida nosujeito quando ele assume uma imagem cuja

    predestinao para esse efeito de fase suficientementeindicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago(LACAN, 1998/1949, p. 97).

    Pois a forma total do corpo pela qual o sujeito antecipanuma miragem a maturao de sua potncia s lhe dada como Gestalt [...] (LACAN, 1998/1949, p. 98).

    A compulso repetio dessas duas sentenas pode ser justificada por diferentes

    caminhos:

    (1) O recurso da sntese de uma nica idia do texto pela repetio, em virtude da

    complexidade da escrita de Lacan, embora a maioria de seus textos ou apresentaes orais

    tenha esta caracterstica retrica;

    (2) A iluso do desenvolvimento de uma nica concepo terica diante do nmero de

    pginas do texto (oito!), relativamente curto (Escritos, 1949/1998, pp. 96-103), o que nos

    leva terceira;

    (3) Por ser um texto curto, e por ser o primeiro texto de Lacan, estas duas frases

    resumem o que Lacan procura desenvolver em 1949. Nada mais do que isso.

    Conota-se o carter inaugural em psicanlise de Lacan para a apresentao de 1949,

    embora no primeiro pargrafo do texto, o autor revela que tal concepo j fora trazida

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    ateno treze anos antes, isto , em 1936, inclusive sendo apresentadas duas vezes em duas

    instituies de psicanlise: na Sociedade Psicanaltica de Paris (SPP) e na International

    Psychoanalitical Association (IPA).

    Ainda mais, h uma superposio entre a teoria do estdio do espelho, o texto de 1949

    e o uso do modelo do esquema ptico, amplamente conhecido pela comunidade psicanaltica

    como se fossem sinnimos entre si. Porm, a teoria do estdio do espelho tem sua gnese em

    1936, com a publicao de um texto com o mesmo nome em 1949 e a insero do modelo

    ptico ocorrido no incio dos anos de 1950, modelo qual empregado por dez anos na obra

    lacaniana, especificamente at 1964.

    Diante dessas consideraes, as duas citaes clebres podem ser conclusivas das teses

    a respeito do tema desenvolvido no estdio do espelho? Elas resumem todas as concepes

    desenvolvidas no texto de 1949? Por fim, dado que Lacan retomou esta concepo ao longo

    de toda sua obra, o desenvolvido no texto de 1949 contempla toda a extenso terica

    conceitual do estdio do espelho? Qual a concepo temtica desenvolvida pelo estdio do

    espelho de Lacan? Qual a abrangncia terica que o texto de 1949 comporta? De que forma

    Lacan o concebeu? Como compreender a teoria do estdio do espelho?

    Diante da formulao de tais perguntas, o objeto de estudo deste projeto tanto o texto

    O estdio do espelho como formador da funo do eu tal como nos revelada na experinciapsicanaltica (1998/1949) de Jacques Lacan quanto teoria estabelecida pelo autor entre os

    anos de 1936 e 1964

    E eis que o pesquisador, o novo objeto de estudo e a escrita foram lentamente sendo

    levados ao texto, aos temas e teoria em si definidos por estdio do espelho de Lacan

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    2INTRODUO

    De partida, aventamos a hiptese de que possvel argumentar uma distino entre os

    temas, o texto de 1949 e a teoria em si definidos por estdio do espelho no escopo

    psicanaltico de Jacques Lacan. Nesta perspectiva, orientamos o percurso do trabalho segundo

    a questo: Qual a extenso conceitual para o termo estdio doespelho?

    Em 1949, Lacan realiza a amplamente conhecida comunicao denominada de O

    estdio do espelho como formador da funo do eu tal como nos revelada na experincia

    psicanaltica. Por se tratar do nico trabalho publicado e diretamente vinculado teoria do

    estdio espelho, costuma-se centralizar para este texto qualquer referncia conceitual ao

    estdio do espelho, muitas vezes atribuindo a ele reformulaes e inflexes que ocorrero

    anos depois de sua apresentao.

    Convm ter como ressalva que at 1966, data da primeira publicao da obra

    Escritos, o presente texto s havia sido publicado em 1949, na Revue Franaise de

    Psychanalyse,n.4, outubro-dezembro de 1949, nas pginas 449 a 455. Ainda que o texto de

    1949 tenha sido publicado logo aps a apresentao em Zurique, h rumores de que a incluso

    na obra Escritos (1966/1998) tenha sido efetivada aps inmeras revises textuais pelo

    prprio Lacan em conjunto com o editor Jacques-Alain Miller. Outros trabalhos do autor que

    contm referncias ao tema ou teoria do estdio do espelho tambm tinham sido publicados

    em revistas de psicanlise e psiquiatria da Frana aos moldes do ocorrido com o texto de

    1949. Entretanto, as principais indicaes de compreenso para a concepo do estdio do

    espelho ocorrem desde o incio dos anos 50 at o final dos anos 80, tempo em que o autor

    realizou os famosos seminrios semanais em importantes instituies de ensino na Frana. A

    publicao deste material s se efetivou anos depois, tanto que ainda restam alguns

    seminrios a serem publicados.Portanto, estes dados da histria de publicao dos trabalhos

    de Lacan podem justificar uma leitura para o estdio do espelho que no contemple a extenso

    de seu conceito na obra do autor, porm esta posio deve ser reconsiderada.

    A primeira apresentao de Lacan sobre a concepo do estdio do espelho ocorreu

    numa reunio da Sociedade Psicanaltica de Paris (SPP), em 16 de junho de 1936 e logo em

    seguida retornando a tal temtica no XIV Congresso Internacional da International

    Psychoanalytical Association (IPA) emMarienbad, no mesmo ano. Lacan no entregou ou

    publicou o material destas apresentaes. Contudo, em 2003, Grard Guillerault publicouintegramente as notas de Franoise Dolto sobre a leitura preliminar de Lacan na SPP.

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    Em 1938, Lacan escreveu o texto Os complexos familiares na formao do

    individuo" e encontramos indcios historiogrficos que permitem correlacionar este material

    com a concepo apresentada em 1936, obviamente considerando que tenham ocorrido

    alteraes importantes nestes dois anos de intervalo entre um e outro.

    A identificao afetiva uma funo psquica cujaoriginalidade a psicanlise estabeleceu, especialmenteno complexo de dipo [...]. Mas o emprego desse termo,na etapa que estamos estudando, mal definido nadoutrina: foi isso que tentamos suprir com uma teoria daidentificao cujo momento gentico designamos peladenominao de estdio do espelho (LACAN,

    1938/2003, p.46)

    Em sntese, o estdio do espelho apresentado sob a gide de esclarecimentos para um

    momento importante do sujeito humano, estabelecido entre os seis meses e dois anos

    (LACAN, 1938/2003, p. 43), sobre as funes psquicas oriundas das transformaes

    ocorridas pelas identificaes. O recurso terico que o autor encontra para sustentar sua

    concepo organizado sobre os termoscomplexoe imago, aos quais podemos estabelecer

    duas operaes simultneas que podem ocorrer no tempo determinado. A primeira est

    vinculada s operaes simblicas que decorrem da experincia de trs complexos

    primordiais, quais sejam: Desmame, Intruso e dipo, e permitem localizar as inscries da

    posio subjetiva nas relaes de objetos. A segunda concentra na descrio da identificao

    que se opera com a assuno da imago do corpo prprio e o reconhecimento de uma

    superfcie que delimita um continente referente ao eu. Em adjacncia, possvel arquitetar

    relaes de influncia de autores na concepo citada, por exemplo Henri Wallon (1879-

    1962) e Alexandre Kojve (1902-1968).

    por intermdio do complexo que se instauram nopsiquismo as imagens que do forma s mais vastasunidades do comportamento: imagens com que o sujeitose identifica alternadamente para encenar, como atornico, o drama de seus conflitos. Essa comdia [...] uma comdia dellartre, no sentido de que cadaindivduo improvisa e a torna medocre ou sumamente

    expressiva [...], mas tambm segundo uma lei paradoxalque parece mostrar a fecundidade psquica de todainsuficincia vital (LACAN, 1936/1998, p. 93).

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    Em comparao com a apresentao de 1936, Lacan sustenta sua argumentao, no

    ano de 1949, em torno dos efeitos produzidos pela assuno da imagem especular pelo sujeito

    diante do espelho, que se reconhece como tal na imagem vislumbrada de seu corpo. Ainda

    assim, possvel vincular a esta operao, a influncia da matriz simblica e a posio do

    sujeito na inscrio de umaUrbild do eu.

    O que chamei de assuno triunfante da imagem, com ammica jubilatria que a acompanhar, a complacncialdica no controle da identificao especular, aps omais breve balizamento experimental da inexistncia daimagem atrs do espelho, contratando com osfenmenos opostos no macaco , pareceu-me manifestarum desses fatos de captao identificatria pela imagoque eu estava procurando isolar. Ele se relacionava damaneira mais direta com a imagem do ser humano queeu j encontrara na organizao mais arcaica doconhecimento humano. (LACAN 1946/1998, p. 187)

    Lacan realiza um desenvolvimento de suas teses intercalando com referncias a

    autores de campos tericos variados, demarcando uma composio influenciada por diversosestilos e campos semnticos na composio de 1949. Encontramos referncias a Jean-Paul

    Sartre (1905-1980), Wolfgang Khler (1887-1967), James Mark Baldwin (1861-1934),

    Claude Lvi-Strauss (1908-2009), Jakob von Uexkll (1864-1944), Roger Caillois (1913-

    1978), Charlotte Bhler (1893-1974), Louis Bolk (1866-1930), Hieronymus Bosch (1450-

    1516), Sigmund Freud (1856-1939), Anna Freud (1895-1982), Melanie Klein (1882-1960).

    Ao que tange as hipteses temticas desenvolvidas neste texto, por exemplo, Muller e

    Richardson (1982) dividem-no em campos temticos:(I) Psicanlise e Filosofia: Experincia sobre a qual convm dizer que nos ope a

    qualquer filosofia diretamente oriunda doCogito (LACAN, 1998/1949, p.96).

    (II) Corpo: Pois a forma total do corpo pela qual o sujeito antecipa numa miragem a

    maturao de sua potncia s lhe dada comoGestalt [...](LACAN, 1998/1949, p. 98).

    (III) Subjetividade: a transformao produzida no sujeito quando ele assume uma

    imagem(LACAN, 1998/1949, p. 97).

    (IV) A Experincia Clnica: Os sofrimentos da neurose e da psicose so, para ns, aescola das paixes da alma [...] (LACAN, 1998/1949, p. 103).

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    A apresentao de 1949 comporta uma multiplicidade temtica que necessita ser

    investigada em direo a abri-lo em possibilidades de leitura, para que a concepo

    apresentada por estdio do espelho no ano referido seja compreendida pela sua prpria

    exposio terica. Como no saber que tal concepo no abarque uma perspectiva diferente

    das inflexes e reformulaes estabelecidas por Lacan nos anos posteriores?

    Por fim, o terceiro momento que se pode definir para a teoria do estdio do espelho

    compreende a insero ocorrida com o modelo do esquema ptico, inspirado em Henri

    Bouasse. (1866-1953). A primeira insero deste modelo ocorre em 24 de fevereiro, na aula

    denominada A tpica do imaginrio (1954/1986, p. 94) includa no livro 1, Os escritos

    tcnicos de Freud. A nica publicao de Lacan que inclui o esquema ptico ocorre com o

    texto Observao sobre o relatrio de Daniel Lagache: psicanlise e estrutura de

    personalidade (1960/1998, p. 680). Entretanto, a recorrncia deste modelo em correlao

    com a teoria do estdio do espelho permanece at o ano de 1964, em 22 de abril, na aula

    intitulada Anlise e verdade ou fechamento do inconsciente do livro 11 Os quatro

    conceitos fundamentais da psicanlise.

    Trata-se de um modelo ptico, ao qual sem dvida oexemplo de Freud me autoriza, no sem se motivar, para

    mim, numa afinidade com os efeitos de refraocondicionados pela clivagem entre o simblico e oimaginrio (1960/1198, p.679)

    Neste perodo entre 1954 e 1964, possvel localizar a retomada das concepes

    elaboradas nos anos anteriores, por exemplo o tema da assuno da imagem especular, sob a

    indicao dei(a):

    [...] ao conceber a chamada dinmica do estdio doespelho como consequncia de uma prematurao donascimento, genrica no homem, da qual resulta, notempo demarcado, a identificao jubilatria doindivduo ainda infans com a forma total em que seintegra esse reflexo do nariz, ou seja, com a imagem deseu corpo [...] (LACAN, 1956/1998, p. 429).

    Para tanto, torna-se fecundo acompanhar as reformulaes e inseres conceituais a

    partir de novas influncias tericas para Lacan, por exemplo, do campo da lingstica,

    matemtica, sociologia e da prpria psicanlise. Isto implica em consideraes a respeito da

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    identificao simblica neste momento, passvel e necessria para a compreenso do

    enodamento dos trs registros (RSI), para o sujeito, diante do espelho. A sustentao desta

    retrica ocorre pela via do conceito de significante e de trao unrio, que nos momentos

    anteriores poderiam ser relacionados com o conceito de complexo (1938) e matriz simblica

    (1949).

    Vocs tero que ver a que no Outro (A) que o sujeitose constitui como ideal, que ele tem que regular o acertodo que vem como eu, ou o eu ideal, que no o ideal doeu quer dizer, a se constituir em sua realidadeimaginria. Este esquema torna claro eu o sublinho a

    propsito dos ltimos elementos que trouxe, em tornoda pulso escpica que ali onde o sujeito se v, isto ,

    onde ele se forja essa imagem real e invertida do prpriocorpo que dado no esquema do eu, no de onde elese olha. (LACAN, 1964/2008, p. 143)

    Em nosso trabalho, definimos um terceiro momento de inflexo terica fundamental

    para a teoria do estdio do espelho, sobre a insero do objeto pequeno a, resto que

    impossvel de ser atribudo de sentido, e permanece enquanto elemento Real da perda

    irreparvel da inscrio subjetiva na linguagem, no modelo do esquema ptico no incio da

    dcada de 60.A sistematizao das principais reformulaes tericas para a teoria do estdio do

    espelho e, consequentemente, para o modelo do esquema ptico, entre os anos de 1954 e

    1964, tornam descontextualizada qualquer atribuio para a teoria do estdio do espelho

    enquanto constructo terico essencialmente delimitado pela inscrio da imagem especular

    pelo sujeito. Este recorte pode ser referente ao desenvolvido em 1949, ainda que neste,

    possamos localizar uma dupla referncia para o termo, tanto para a inscrio daUrbild do eu

    quanto para a matriz simblica possvel de ocorrer no momento precoce descrito entre os seis

    e dezoito meses de vida.

    Por se tratar de um termo amplamente conhecido e estudado na comunidade

    psicanaltica, especialmente as de orientao lacaniana, conveniente mapear brevemente a

    insero do estdio do espelho no campo temtico de pesquisas em psicanlise, primeiro para

    situarmos o leitor em qual perspectiva nosso objeto de estudo abordado e segundo, dado que

    este o efeito que encontramos, para justificarmos como h a tendncia de correlacionar, de

    maneira unvoca, o texto de 1949, os temas e a teoria em si estabelecida por estdio do

    espelho.

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    O estdio, ou a fase do espelho a vassourinha com aqual [Lacan] entrou na psicanlise. Ele renova asteorias do eu [moi] recusando qualquer concepo que

    tenda a fazer do eu uma instncia do conhecimento doreal e funda a dimenso do imaginrio. Essavassourinha limpa at mesmo a casa de Freud, por sera que se acha a descrio do eu como ncleo do sistema

    percepo conscincia. Em compensao, Lacanreconhece em Freud a pertinncia de referir o eu aocorpo (e superfcie), como tambm diviso dasegunda tpica entre eu, isso e supereu. Longe de seraparelho de conhecimento, o eu o lugar do des-conhecimento e daVerneinung (denegao); sua gnesecom o estdio do espelho o explica (PORGE, 2006, p.67)

    No mesmo movimento que descrevemos do que ocorre com o ttulo do texto e na

    repetio das frases clebres enquanto definio da concepo estabelecida em 1949, h a

    tendncia de enquadrar o campo temtico para o estdio do espelho em torno do corpo, do

    narcisismo ou da identificao. bem provvel que estas respostas ou estes modos de

    leitura estejam vinculados poca em que foram realizados, mesmo porque essencialmente

    Lacan correlaciona o estdio do espelho a uma sorte de conceitos pr-definidos em

    psicanlise.

    A introduo ao narcisismo na obra lacaniana se faz emseu texto Le stade du miroir comme formateur de Lafonction du J e. neste texto que Lacan vai retomar atese freudiana sobre a constituio do eu, posterior suaformulao de segunda teoria das pulses e que, paraque se realize, ele se apodera da libido de objeto quevem do Isso e se impe ao Isso como objeto ertico.(BEHAR, 1994, p. 15).

    Behar (1994) afirma que a introduo do conceito de narcisismo ocorre com a

    apresentao de 1949 e na publicao pelo texto O estdio do espelho como formador da

    funo do eu tal como nos revelada na experincia psicanaltica (1949/1998). A partir desta

    hiptese a autora realiza o recorte da concepo estabelecida por Lacan como uma releitura

    do tema do narcisismo aos moldes da relao especular e da formao do eu, sob a gide da

    segunda teoria das pulses.

    Nasio (1997) se refere ao estdio do espelho como qualificao dado por Lacan para o

    momento inaugural da constituio subjetiva, atravs da estruturao do eu do sujeito,

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    enquanto marca de uma experincia de percepo fundamental para o infans. Faria (2010)

    afirma que o conceito do estdio do espelho descreve o percurso do beb em estabelecer uma

    imagem de seu prprio corpo como uma unidade, e que fornece criana o ponto de partida

    para uma primeira e rudimentar identificao. (FARIA, 2010, p. 45-46)

    [...] modo de identificao que chamamos imaginria eque determina a estrutura do eu. Encontramos mais umavez o desafio terico que levou Lacan a designar pelonome de identificao o processo de formao de umanova instncia psquica, neste caso o eu. No momentoinaugural desse processo formador, qualificado porLacan como estdio do espelho, o eu antes de mais

    nada, um esboo, a marca de uma experinciaperceptiva excepcional deixada na criana (NASIO,1997, p. 116).

    As inmeras abordagens para a concepo do estdio do espelho tambm podem ser

    localizadas em psicanalistas que desenvolveram um conjunto terico distinto do que fora

    realizado por Lacan, como vemos no caso de Franoise Dolto e D. W. Winnicott (1896-1971).

    Dolto, famosa psicanalista francesa, tinha estudado medicina e mantinha um percurso

    suficientemente prximo das teorizaes psicanalticas da Frana a partir do ano de 1936. Ementrevista a E. Roudinesco (ROUDINESCO & DOLTO, 1989, pp.36), no ano de 1986, Dolto

    relata seu primeiro encontro com Lacan e os textos que levaram a se interessar por ele. O

    primeiro contato ocorreu com o artigo Motivos do crime paranico. O crime das irms

    Papin de 1933 e, em seguida, com o texto Os complexos familiares na formao do

    indivduo de 1938. A influncia de Lacan pode ser vislumbrada no livro A criana do

    espelho5, ainda que a leitura realizada por Dolto tenha particularidades tericas

    (GUILLERAULT, 2005) principalmente, por exemplo a diferena entre esquema corporal e

    imagem inconsciente do corpo.

    Dolto postula que a organizao do eu, representada pela hiptese terica do estdio

    do espelho, e a organizao da imagem corporal, inicia-se a partir das referncias viscerais, do

    real do corpo, e das nomeaes pelo outro, porm:

    [...] apenas aps a experincia especular, que a

    criana repete experimentalmente por suas idas e vindas

    5 DOLTO, F. & NASIO, J.D.A crianado espelho. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2008.

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    deliberadas diante do espelho, que ela comea, de certaforma, a se apropriar de seu prprio corpo e armadilharalm de seu narcisismo. (...) Em particular, seu prpriorosto, que o espelho lhe revela e que ser doravanteindissocivel de sua identidade, solidria de seu corpo,

    trax, tronco membros, convence a criana de que ela semelhante aos outros humanos, um dentre eles(DOLTO, 2004, p. 129).

    Contudo, a autora declara que Lacan realiza uma construo sob a supremacia do olhar

    diante do espelho. O curioso notar que Dolto est diretamente vinculando a teoria do estdio

    do espelho ao texto de 1949, pois as afirmaes da autora na citao abaixo nos direcionam

    para o qu Lacan, posteriormente a 1949, insere no esquema ptico sobre a dimenso do no

    especularizvel.

    Acrescento que valorizamos frequentemente a dimensoescpica das experincias ditas especulares: sem razo,se no insistimos suficientemente no aspecto relacional,simblico, destas experincias que a criana pode fazer.

    No suficiente que exista um espelho plano. De nadaserve se o sujeito confrontado, de fato, com a falta deum espelho de seu ser no outro. Pois isto que importante (DOLTO, 2004, p.121).

    Outro autor que se utilizou da concepo lacaniana de estdio do espelho foi

    Winnicott, importante mdico psiquiatra de crianas, em sua formao acadmica, mas que

    gradativamente tornou-se um influente terico em psicanlise. Em seu famoso texto de 1967,

    O papel de espelho da me e da famlia no desenvolvimento infantil, o autor faz referncia

    direta teorizao lacaniana do estdio do espelho e a apreende em tom de contribuio parasuas prprias construes psicanalticas, concedendo descrio da experincia do espelho

    .uma formulao completamente distinta da pronunciada por Lacan.

    Sem dvida, o artigo de Jacques Lacan, Le Stade duMiroir (1949), me influenciou. Ele se refere ao uso doespelho no desenvolvimento do ego de cada indivduo.Lacan, porm no pensa no espelho em termos do rostoda me do modo como desejo fazer aqui(WINNNICOTT, 1967/1975, p. 153).

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    Porm, a tradio oriunda da psicanlise de Winnicott no mantm boas relaes com

    a produo lacianana, pelo menos assim que Peter Sloterdijk pronunciou e publicou uma

    anlise a respeito da apresentao de Lacan sobre o estdio do espelho. O titulo do trabalho

    deste autor se chama Onde comeam os erros de Lacan, no qual disseca a apresentao de

    1949 com olhar particularmente enviesado e crtico sobre a experincia descrita por Lacan.

    [...] possvel mostrar sem muito esforo que esteinicial e mais famoso fragmento terico do corpo dadoutrina lacaniana apresenta uma brilhante construoenganosa que se erige na base da voluntariosa e patticafalsa avaliao da comunicao inicial didica entre a

    criana e seu acompanhante-complemento, o qual via deregra a me, sem falar nos meios de complementaopr-natais. A imagem prpria especular, como tal, nopode acrescentar auto-averiguao da criana nadaque no estivesse plantado desde h muito no nvel dos

    jogos de ressonncia vocais, tteis, interfaciais eemocionais e dos sedimentos internos destes. Antes detodo e qualquer encontro com a prpria imagem noespelho uminfans no descuidado sabe muito bem ecom preciso o que significa viver de maneira notraumatizada no interior de uma dualidade continente esustentadora (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    O titulo do trabalho comentado, obviamente, munido de duplo sentido, correlaciona

    tanto o erro de Lacan com o estdio do espelho quanto com o erro de toda a obra do autor,

    como se os erros de Lacan tivessem comeado j na sua primeira concepo psicanaltica.

    Vejamos as principais crticas de Sliterdik elencadas abaixo:

    I. Lacan pressupe uma situao infantil primitiva que, desde sempre, foi combalida

    pela impossibilidade de se sustentar a si mesmo. Para Lacan, cada lactente despedaado

    pelos estados de aniquilamento incurveis. Desde o incio e de forma inevitvel, a psicose

    sua verdade e realidade. (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    II. A verdade seria que o despedaamento precederia a totalidade e que a primeira

    palavra pertenceria, por toda parte, a uma psicose originria (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    Ao que poderemos constatar em nossa anlise da estrutura temtica da concepo

    apresentada em 1949, SLOTERDIJK pontua para a suposio da situao infantil primitiva de

    no se sustentar sozinha, em virtude do descontrole motor e fsico do infans nos primeiros

    meses de vida. Porm, este autor concebe que para Lacan as fantasias de corpo despedaado

    uma interpretao da criana em virtude dos estados de aniquilamento incurveis, como sefossem a prpria organizao da psicose. Primeiro, ser que a interpretao de Lacan para o

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    termo corpo despedaado enviesada neste sentido? Segundo, as concepes de psicose

    esto sendo referenciadas sobre a mesma definio?

    III. Reconhecer-se no espelho como isso, sim, sou eu mesmo significaria, portanto:

    rir para uma imagem subitamente reluzente, sentir sua integridade como uma mensagem da

    salvao e ascender, em jbilo e liberto, a um cu imaginrio de imagens totais, no qual a

    anterior dilacerao real e verdadeira nunca mais necessitaria ser confessada. Finalmente o

    infanspoderia deixar para trs seu despedaamento humilhante e sua impotncia furiosa; ser-

    lhe-ia dada, de repente, a possibilidade de, recm-invulnervel, atravessar flutuando o vidro

    do espelho, chegar ao espao de imagens e ingressar, tal como um heri transfigurado, no

    reino de uma integridade demente radiante, salvo da miservel condio primria, para a

    qual ele, de agora em diante, pensa nunca mais ter que voltar, supondo que o escudo onrico

    da imagem do eu incorruptvel se afirme contra todas as perturbaes posteriores.

    (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    Este autor interpreta o texto lacaniano de maneira curiosa, por exemplo, com a

    afirmao sobre imagem subitamente reluzente, sentir sua integridade como uma mensagem

    da salvao e ascender, em jbilo e liberto, a um cu imaginrio de imagens totais, no qual a

    anterior dilacerao real e verdadeira nunca mais necessitaria ser confessada denota que a

    aquisio da imagem especular implica numa mudana de paradigma, como se antes dessainscrio fosse possvel interpretar o mundo de uma maneira absolutamente aterrorizante e

    repleta de perturbaes. De fato, isso pode estar em jogo, mas ser que h imersa na

    concepo de Lacan esta cronologia interpretativa antes da imagem especular?

    IV. De resto, cabe notar que antes do sculo XIX a maioria dos lares da Europa no

    possua espelho, de forma que j sob o mais simples aspecto histrico-cultural, o teorema de

    Lacan, apresentado como um dogma antropolgico vlido atemporalmente, vazio de

    contedo (SLOTERDIJK, ANEXO B) e . Do ponto de vista emprico permanece semqualquer esclarecimento a pergunta de saber se a viso precoce da prpria imagem no espelho

    realmente ajuda as crianas psicticas, que esto no limite entre o estgio de lactente e o da

    primeira infncia, nas ressurreies imaginrias mediante fantasias de integridade embasadas

    pticamente (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    Esta crtica est reunida sob dois argumentos aparentemente muito simples de serem

    rebatidos, mas que o faremos medida de construo de nosso texto, dado que estamos

    apenas apresentado as crticas deste autor, para depois refutarmos, caso seja possvel. Primeira

    questo que surge desta passagem, Lacan confere ao espelho, descrito em 1949, a necessidade

    de sua presena enquanto materialidade de objeto? Segunda, a concepo do estdio do

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    espelho uma medida de interveno clnica ou apenas uma descrio terica para conceitos

    em psicanlise?

    V. Ainda assim, se no fundamento de um si mesmo fosse possvel, efetivamente,

    encontrar um imaginrio auto-ofuscante desse tipo, tambm seria esclarecido porque o sujeito

    em um universo lacaniano poderia encontrar sua salvao ou, ao menos, sua ordem, somente

    no simblico. Somente a submisso lei simblica salva da psicose constitutiva. Mas, o que

    isto seno a continuao do catolicismo por meios aparentemente psicanalticos?

    (SLOTERDIJK, ANEXO B).

    Por fim, ainda que no tenhamos iniciado propriamente nosso desenvolvimento

    argumentativo nesta dissertao, podemos de partida refutar esta afirmao crtica e

    reveladora do desconhecimento deste autor da obra lacaniana nas prprias palavras de Lacan,

    que nunca estipulou uma teoria que se objetivasse em salvao pelo recurso simblico como

    direo do tratamento na clnica psicanaltica, e muito menos relevasse a psicose a qualquer

    categoria patolgica na semiologia psicanaltica. Ao que tange da continuao do catolicismo

    por meios aparentemente psicanalticos, cabe lembrar da funo da psicanlise e sua

    teorizao enquanto campo semntico inaugurado por Freud, judeu, que ao correlacionar seu

    mtodo religio o fez apenas pela via analtica.

    Os sofrimentos da neurose e da psicose so, para ns, aescola das paixes da alma, assim como o fiel da

    balana psicanaltica, quando calculamos a inclinaode sua ameaa em comunidades inteiras, d-nos o ndicede amortecimento das paixes da polis (LACAN,1949/1998, p. 103)

    Diante deste cenrio construdo em torno de nosso objeto de estudo, pudemos

    primeiramente acompanhar que h outras referncias lacanianas ao estdio do espelho, para

    alm do texto produzido em 1949. Mapeamos o campo temtico no qual este conceito est

    inserido, que, de partida pode ser definido pela sua multiplicidade. Apontamos para a grande

    influncia do termo estdio do espelho na comunidade psicanaltica, a tal ponto de outros

    autores o utilizarem em suas prprias concepes. Porm, h grande tendncia em

    correlacionar o texto de 1949 aos temas desenvolvidos na teoria definida por estdio do

    espelho. Este nosso ponto de partida.

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    3MTODO: OBJ ETIVOS, MATERIAL E ESTRUTURA DA DISSERTAO

    Nesta seo apresentaremos nosso percurso metodolgico. Procuramos contemplar

    tanto a hiptese de que h diferenas significativas nos desenvolvimentos conceituais entre

    teoria, textoe temas referentes ao estdio do espelho de J. Lacan, quanto inteno de

    expandir as possibilidades de leituras para o texto O Estdio do espelho como formador da

    funo do eu tal como nos revelada na experincia psicanaltica6 (1949/1998),

    No que tange ao tema, deparamo-nos com a dificuldade de circunscrever em qual

    campo temtico se enquadrava pergunta que orienta o percurso deste trabalho: Qual a

    extensoconceitual do estdio doespelho deLacan?Ainda que a comunidade psicanaltica reserve um lugar terico suficientemente

    delimitado, comoprinceps da tpica do imaginrio, o referido texto de 1949 utilizado como

    bibliografia bsica em estudos psicanalticos dos mais variados temas e objetos de estudo, por

    exemplo, a tpica do imaginrio, o tema da imagem do corpo, os fenmenos corporais, o

    enigma da constituio subjetiva, entre outros.

    O uso encontrado na literatura psicanaltica parece efeito da prpria leitura dada ao

    E.E. (1949/1998), enquanto tentativa de compreend-lo, pois, de fato, a escrita truncada deLacan e as inmeras fontes explcitas e implcitas, com que o autor procura dialogar, esto

    compiladas em apenas oito pginas.

    Sendo assim, antes de delimitar a univocidade do tema, decidimos qualific-lo em

    torno da multiplicidade, com a estratgia de partir do encontrado textualmente, e logo propor

    campos temticos em torno da teoria do estdio do espelho, a partir do texto de 1949.

    Alm desta abertura quanto aos temas delimitados, optamos por circunscrever trs

    momentos da teoria do estdio do espelho, correspondentes aos desenvolvimentosapresentados em 1936, 1949 e aps 1950.

    (1) O primeiro coincide com o produzido e elaborado por volta de 1936, para o qual

    sinalizamos a apresentao oral emMarienbad e na Sociedade Psicanaltica de Paris (SPP),

    ainda que os esforos estejam concentrados em reconstruir a teoria do estdio do espelho

    6 A partir do presente momento, a siglaE.E. (1949/1998) referir-se- ao texto de 1949 publicado na obraEscritos (1998). Entretanto, a cada incio de captulo desta dissertao, faremos meno ao ttulo de maneiraestendida, a no ser quando julgarmos conveniente.

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    elaborada neste ano, em virtude da ausncia textual do material apresentado por Lacan nestas

    duas ocasies.

    (2) O segundo momento refere-se ao texto produzido e elaborado no ano de 1949, O

    estdio do espelho como formador da funo do eu tal como nos revelada pela experincia

    psicanaltica. Neste momento, necessrio distinguir entre os temas apresentados, da teoria

    estabelecida e do texto propriamente dito.

    (3) O terceiro momento refere-se s inflexes introduzidas e reformulaes nos anos

    subseqentes a 1949, diludas entre os textos includos na obra Escritos (1966/1998) e nas

    aulas compiladas nos seminrios realizados por Lacan at o ano de 1964, ano qual se encontra

    a ltima meno ao esquema ptico correlativo a teoria do estdio do espelho (QUINET,

    2004). Desta forma, pela ausncia de um texto especfico que se ocupe da teoria do estdio do

    espelho, o exerccio similar ao de uma reconstruo das reformulaes introduzidas por

    Lacan, e, ento propor uma teoria do estdio do espelho aps 1949.

    3.1 OBJ ETIVOS

    A proposta metodolgica estrutura-se primordialmente sobre o textoE.E. (1949/1998),

    enquanto objeto de estudo propriamente especificado. Contudo dividimos os objetivos em

    duas vertentes gerais, como funo que orienta no s para o momento referente ao produzido

    em 1949, mas tambm para os outros dois momentos referentes teoria do estdio do espelho,

    isto antes de 1949 e depois de 1949:

    1. Examinar os principais temas e noes psicanalticas desenvolvidos, de acordo com

    os trs momentos para a teoria do estdio do espelho;2. Recuperar as principais referncias tericas utilizadas por Lacan;

    3.2 SOBRE O MATERIAL DO ESTDIO DO ESPELHO DE J . LACAN

    Lacan faz o primeiro desenvolvimento da teoria do estdio do espelho em formato de

    leitura preliminar, numa reunio da Sociedade Psicanaltica de Paris (SPP), em 16 de junho de

    1936, sob o ttulo The Looking-Glass Phase (ROUDINESCO, 1994, p. 78). Lacan no

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    entregou ou publicou qualquer material desta apresentao a SPP, por motivos no revelados,

    ou discutidos. Porm, Franoise Dolto, ento presidente da mesa desta leitura preliminar, fez

    anotaes durante tal apresentao e as publicou no International J ournal of Pscuchoanalysis

    em 1937. Mesmo que haja esta referncia de publicao, Jane Gallop (1992, pp. 77-78)

    discute as impossibilidades de encontrar, de fato, a publicao de tais manuscritos7.

    Dois meses aps a reunio na SPP, em agosto de 1936 em Marienbad, Lacan participa

    pela primeira vez de um congresso organizado pelaInternational Pychoanalytical Association

    (IPA), no qual expe trabalho intitulado The Looking-Glass Phase, ou como aponta

    Roudinesco, Le stade du mirror. Thorie d'un moment structurant et gntique de la

    constitution de la ralit, conu en relation avec l'exprience et la doctrine

    psychalanalytique(ROUDINESCO, 1994, p. 484) - O estdio do espelho. Teoria de ummomento estruturantee gentico da constituio da realidade, concebido e a relao coma

    experincia ea doutrina psicanaltica.

    Ao que consta nos trabalhos historiogrficos de E. Roudinesco (1988; 1994) ou A. de

    Mijolla (1990), a apresentao deMarienbad a releitura do que fora apresentado na reunio

    de junho na SPP, sob a nomenclatura The Looking-Glass Phase, embora tambm haja o

    segundo ttulo para o trabalho.

    Com efeito, no congresso emMarienbad (1936) que Lacan afirma introduzir o temado estdio do espelho: a concepo do estdio do espelho que introduzi em nosso ltimo

    congresso, h treze anos, no me pareceu indigna, por ter-se tornado mais ou menos de uso

    comum no grupo francs, de ser novamente trazida ateno de vocs (LACAN, 1949/1998,

    p. 96). Ainda que Lacan marque o impacto do tema do espelho na comunidade psicanaltica,

    para os anais deMarienbad no entregou qualquer material8.

    Entretanto, em 1937 Henri Wallon pede a Lacan que desenvolva um texto sobre a

    experincia do espelho, (ROUDINESCO, 1988), em virtude da ressonncia da apresentaoem Marienbad, a fim de compor um nmero especial da Encyclopdie franaise, com o ttulo

    7 Deparei-me com percurso semelhante ao buscar no sistema bibliotecrio da USP o exemplar de talperidico sinalizado por Roudinesco. Havia indicao da existncia deste nmero na biblioteca da Faculdade deSade Pblica, o nico nas bibliotecas do Brasil. Porm, no ano de 2009 foi impossvel ter acesso a ele, porrazes que o sistema no explica.8 Roudinesco (1994) especula as significaes de tal ato pela via do corte dado por Ernest Jones a Lacan,aps dez minutos do incio da apresentao. Jane Gallop (1992) lana mo da pergunta Por onde comear?,quando se trata de ler Lacan ou mesmo sobre as fontes do estdio do espelho, dado que este tema o mote do

    primeiro trabalho propriamente psicanaltico de Lacan e o primeiro a ser apresentado em um congresso dePsicanlise. O ponto : esta primeira apresentao na IPA encontra-se no publicada sob a rubrica de Lacan.

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    La famille9, publicado em 1938, reeditado com o ttulo Les complexes famaliaux dans la

    formation de l'individu10 e, posteriormente, includo na obra Outros Escritos, como Os

    Complexos Familiares na Formao do Indivduo (LACAN, 1938/2003).

    Tal pedido de Wallon se cruza com o interesse de Lacan por este autor, quando

    circulavam pela Sociedade de Psiquiatria da Frana, entre os anos de 1928 e 1934. Entre

    outros trabalhos, neste grupo Wallon divulgou Les Origines du Caractre chez L'enfant

    (1934), no qual expe a prova do espelho.

    Em 1949, no primeiro congresso da IPA aps a segunda Grande-Guerra, Lacan retoma

    o tema do estdio do espelho. Trata-se do primeiro trabalho realizado por Lacan aps uma

    dcada sem escritos em psicanlise. Neste retorno, o autor traz a ateno de seus ouvintes para

    uma teoria a respeito do estdio do espelho como11 formador da funo do eu, a partir daexperincia psicanaltica. Diferentemente do ocorrido em 1936, entrega o material para os

    anais do congresso, publica naRevueFranaisedePsychanalyse em 1949, e, por fim, inclui

    na nica obra compilada em vida de seu material produzido em psicanlise, o texto intitulado

    O Estdio do Espelho como formador da funo do eu, tal como nos revelada na

    experincia psicanaltica, amplamente divulgado entre os psicanalistas.

    Pela ausncia textual das primeiras apresentaes e a referncia indireta entre Estdio

    do Espelho e Complexos Familiares, costuma-se fazer meno teoria do estdio doespelho exclusivamente ao texto de 1949. Entretanto esta posio deve ser reconsiderada.

    Em 2003, na Frana, quase setenta anos depois da primeira apresentao na SPP e em

    Marienbad, Grard GUILLERAULT anexa integralmente as anotaes de Dolto no livro Le

    miroir et la psych. Dolto, Lacan et le estade du miroir pela Gallimard, e em 2005 este

    mesmo livro traduzido para o espanhol como Dolto, Lacan Y El Estadio del Espejo. Este

    autor12 manteve contato com Franoise Dolto e sua experincia na Frana, atravs de Colette

    Percheminier, diretora do Arquivos de Franoise Dolto, possibilitou acesso s anotaes doque Lacan apresentou em junho de 1936 na SPP, e que fora reapresentado na IPA em

    Marienbad.

    9 Segue a referncia completa do texto como apresentada por ROUDINESCO (1994): LACAN, J. Lafamille. Encyclopdie franaise, tomo 8.40.3-16 e 42.1.8 (Paris: Larousse, 1938).10 A partir de ROUDINESCO (1994), a reedio apresentada apenas pela editora e o ano, seminterttulos ou bibliografia. No Brasil, o texto includo na obra LACAN, J. (2003) Outros Escritos, sob ottulo Os complexos familiares na formao do indivduo e interttulo Ensaio de anlise de uma funo em

    psicologia, pp. 23-90.11 Este insero do como no ttulo nos parece sinalizar uma diferena com a concepo que Lacaninaugura, se distanciando das noes de fase e momento, para uma retrica com toques metafricos.12 Em nota (GUILLERAULT, 2005, p. 36) ,o autor agradece a Colete Percheminier. Ao longo do

    primeiro captulo aponta a relao com Dolto e a importncia desta autora ao que Lacan produziu sobre o estdiodo espelho.

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    Embora Lacan faa sua primeira apresentao terica num congresso de psicanlise,

    no ano de 1936 em Marienbad com The Looking-Glass Phase, o E.E. (1949/1998)

    considerado o texto princeps (LECLAIRE, 2007, p. 8) no campo psicanaltico, como afirma

    Serge Leclaire em Psicanalisar de 1968, no primeiro trabalho clnico conduzido e

    transmitido sob o escopo lacaniano (DUNKER, 2009, p. 46).

    No raro atualmente, bem como nas dcadas seguintes publicao de E.E.

    (1949/1998), classifica-se o texto em torno de elucubraes sobre ocorpo e sobre oeu13, alm

    da gnese terica para o que Lacan intitulou de registro imaginrio14, a saber, o recurso da

    imagem do corpo na formao da funo do eu[J e], denominadoeu [moi].

    Porm, Lacan faz referncia teoria do estdio do espelho15 de maneira intensa

    enquanto constri sua posio terica em psicanlise. Por exemplo, a extenso cronolgica

    dos textos na obra Escritos enquadra-se entre os anos de 1936 at 1966, com a incluso de

    Para alm do Princpio de Realidade e A cincia e a verdade, respectivamente. O

    nmero de textos ou manuscritos (de conferncias e congressos) soma 34 textos, dentre os

    quais 17 fazem referncia textual teoria do estdio do espelho, num total de 35 citaes

    (LACAN, 1998, pp. 908-917). Em detalhes, desde Para alm do Princpio de Realidade

    (1936) at Subverso do sujeito e dialtica do desejo no inconsciente freudiano (1963)

    possvel encontrar alguma meno ao tema do espelho. A estatstica destes nmeros revelaque cada texto, dos 17 sinalizados acima, traz pelo menos uma referncia ao tema elaborado

    nesta teoria.

    13 No texto traduzido oficialmente no Brasil (1966/1998), h a insero do termo EU grafado entrecolchetes, [eu], quando Lacan faz uso pelo pronome da primeira pessoa da lngua francesa J e, e EU semcolchetes, eu, quando utilizaMoi. Teoriza-se uma intencionalidade em Lacan ao usar os diferentes para se referir primeira pessoa do singular, embora J ee Moi tenham posies e uso diferentes na semntica da lnguafrancesa. Este estilo em teorizar comumente encontrado em Lacan, quando recorta palavras ou expresses deuso comum da lngua para criar conceitos em psicanlise, por exemplo passagem ao ato. No caso paraJ e eMoi, Lacan utiliza essa possibilidade da lngua francesa para conceituar duas instncias psquicas em

    psicanlise, como discute o tradutor em Nota da Edio brasileira (1966/1998, p. 936). No entanto, fica asquestes: Ser que em 1949 poderamos inferir a diferena conceitual entre J ee Moi? Tratar-se-ia de umadiferena conceitual ou de traduo do Francs para o Portugus?14 Esta classificao para o texto um tanto aproximativa, considerando que Lacan no faa referncia aotermo registro imaginrio no texto de 1949. Os primeiros desenvolvimentos, em direo formalizao de talconceito, podem ser sistematicamente acompanhados ao longo dos anos de 1953-54, ao que resultou no livroOs escritos tcnicos de Freud, ou seminrio um. V-se, ento, quatro anos aps a publicao do texto oE.E.(1949/1998).15 No Escritos (1966/1998, p. 908)), h uma srie de ndices anexados ao final do livro, cuja formulaofoi acompanhada por Lacan e Jacques Alain-Miller, a fim de propiciar ao leitor pontos firmes na circulao pelosconceitos desenvolvidos na obra, em virtude da densidade da escrita de Lacan. O primeiro intitulado de ndice

    ponderado dos principais conceitos (p. 908). H duas claves destinadas ao estdio do espelho enquantoconceito, isto , ocorrncias que fornecem definies essenciais, suas funes e suas propriedades principais(p. 908). Desta forma, o estdio do espelho poderia ser formalizado enquanto um conceito em psicanlise? Outratar-se-ia de um campo envolvendo uma srie de conceitos? Ao que podemos afirmar, h trs possibilidades dereferncia ao estdio do espelho, ao que se poderia enquadrar ao tema, teoria e ao texto propriamente dito de1949.

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    Ainda assim afinamos esta sistematizao em dois campos em relao as duas

    apresentaes para o tema do espelho, a partir da data de cada texto que Lacan faz referncia,

    ou seja, para os textos produzidos antes de 1949, supe-se do apresentado em Marienbad,

    enquanto todos os textos ps 1949 referir-se-iam ao de Zurique, com exceo de citaes

    explcitas aMarienbad. Para o primeiro caso, isolamos trs textos: Para Alm do 'Princpio

    de Realidade' (1936/1998, p.92) Formulaes sobre a causalidade psquica (1946/1998, p.

    185) e A agressividade em psicanlise (1948/1998, p.115)16.

    O segundo grupo abarca a maior quantidade de referncias teoria e ao tema do

    estdio do espelho, distribudas em 14 textos da obra, como por exemplo, em Introduo

    terica s funes da psicanlise em criminologia (1951/1998, pp 149-150.); Seminrio

    sobre 'A carta roubada' (1957/1998, pp 57-58); no qual pgina 58 Lacan desenha o

    esquema L e o relaciona diretamente ao estdio do espelho.; De uma questo preliminar a

    todo tratamento possvel da psicose (1959/1998, pp. 558-559); em que h a exposio do

    esquema R, como explicitao topolgica do que seria o par imaginrio do estdio do

    espelho (p.558). Em Observao sobre o relatrio de Daniel Lagache 'Psicanlise e

    estrutura da personalidade' (1960/1998, pp. 674-687), Lacan redesenha o esquema ptico17,

    intitulado A iluso do buqu invertido de Henri Bouasse (1866-1953), promovendo uma

    variao do modelo (p. 681) e ao passo que transforma o modelo anterior (p. 687) a fim decriar analogia com os movimentos na anlise (Anexo 2. Quadro comentado das

    representaes grficas, 1966/1998, p. 920).

    Esta constatao de partida nos coloca diante do impasse do uso da teoria do estdio

    do espelho exclusivamente vinculada ao texto de 1949. Lacan convoca a teoria do estdio do

    espelho como referncia conceitual numa extenso cronolgica que abarca incluses e

    reformulaes tericas muito importantes em sua obra, como a do significante e do objetoa

    principalmente. Desta forma, podemos presumir para a teoria do estdio do espelho que h o

    16 Em virtude de haver 14 textos que trazem referncias ao estdio do espelho de 1949, decidimosapresentar a lista completa na seo NDICE 1.17 Lacan faz a primeira insero do esquema ptico na aula de 24 de fevereiro de 1954, intitulada de Atpica do imaginrio, includa no livro Os escritos tcnicos de Freud (LACAN,1953-54/1986, p.94) . Trata-sedo uso da experincia do bouquet invertido, do fsico Henri Bouasse, inserido no estudo Optiqueet photomtriedites gometriques do 23 volume (publicado em 1934 e reeditado 1947) de sua obra. curioso notar que a

    publicao de tal volume antecede dois anos o primeiro (1936) trabalho de Lacan, e sua reedio antecede doisanosE.E. (1949/1998). Segundo Quinet (2004, p. 131), o uso do esquema ptico acontece na obra lacaniana pordez anos, em que a ltima reformulao de tal esquema acontece na aula de 28 de novembro de 1962, Docosmo Unheimlichkeit, do livro A angstia (LACAN,1962-63/2005, pp.48-49). A partir do livro 11, Osquatro conceitos fundamentais da psicanlise (LACAN, 1964/2008), Quinet afirma que Lacan no retorna comtal referncia esquemtica. Na seo 6 desta dissertao, o leitor encontra em detalhe as reformulaes dosesquemas pticos em Lacan.

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    impacto conceitual com tais inflexes, e portanto, a teoria do estdio do espelho deva ser

    reconsiderada em sua circunscrio ao apresentado em 1949.

    Assim exposto, seria muito curioso, embora intrincada na gnese da teoria de Lacan,

    que a temtica iniciada em 1936, apresentada em 1949 e reformulada aps este ano seja

    reduzida de modo exclusivo a umateoria do imaginrio, e ao que enlaa o corpo e o eu. A

    teoria do estdio do espelho pode ser compreendida em diversas perspectivas a depender da

    referncia textual de Lacan. Isto , se considerarmos ao produzido em 1949, podemos

    concluir uma determinada posio para a teoria do estdio do espelho e consequentemente o

    impacto para os temas desenvolvidos neste ano. Caso expandimos a perspectiva da teoria em

    sua abrangncia na obra de Lacan, isto , de 1936 a 1964, pretendemos mostrar que se trata de

    uma teoria com sustentao conceitual para alm dos efeitos da tpica do imaginrio.

    De carter especial e de partida para este trabalho, temos como tese a crena na

    diferena entre os temas inerentes ao estdio do espelho, do texto produzido em 1949 e da

    teoria do estdio do espelho na obra de Lacan entre 1954 e 1964.

    3. 3DA ESTRUTURA EM CAPTULOS E OS OBJ ETIVOS ESPECFI COS

    Arquitetamos uma estrutura em captulos para a dissertao que contemple nossos

    objetivos gerais, e privilegie a argumentao dos trs momentos referentes teoria do estdio

    do espelho, a depender das respectivas referncias textuais desenvolvidas acima.

    3.3.1 THE LOOKING-GLASS PHASE: GNESE DA TEORIA DO ESTDIO DOESPELHO

    Especificamente a este captulo, marcamos a novidade da descrio e anlise do

    material transcrito por F. Dolto, e includo em G. Guillerault (2005), sobre a apresentao no

    ano de 1936 para a teoria do estdio do espelho. Contudo, nosso texto primordial de

    referncias propriamente o texto de Lacan Os complexos familiares na formao do

    indivduo (1938/2003).

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    A estratgia metodolgica consiste em reconstruir a concepo de 1936 em duas

    perspectivas: contedo e forma. Organizamos o contedo desenvolvido, as principais teses

    concebidas por Lacan e as hipteses que as sustentam a teoria do estdio do espelho de 1936.

    Quanto forma, procuramos fazer um levantamento dos principais autores influentes na

    concepo de Lacan e os textos escritos por eles no contexto dos anos 1930.

    Optamos por respeitar a temporalidade cronolgica da produo lacaniana e no

    recorrer, neste captulo, a textos que tenham sido produzidos aps 1938. A inteno reduzir

    o possvel de interferncias e reformulaes em torno do que fora realizado no ano de 1936.

    3.3.2O ESTDIO DO ESPELHO DE 1949

    Com estratgia semelhante realizada no captulo 1, organizamos a apresentao e

    anlise, exclusiva e propriamente do texto O estdio do espelho como formador da funo do

    eu tal como nos revelada na experincia psicanaltica (1939/1998). Este material de Lacan

    fora apresentado ao XVI Congresso Internacional de Psicanlise em Zurique em 1949,

    publicado inicialmentena RevueFranaisedePsychanalyse, n.4, outubro-dezembro de 1949,e em 1966 includo na obra Escritos (1966/1998).

    Em linhas gerais, os eixos norteadores se definem em torno de forma e contedo,

    porm, medida do possvel procuramos no preencher possveis lacunas com hipteses ou

    noes de comentadores ou reformulaes de Lacan de anos posteriores a 1949.

    3.3.3TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO ENTRE 1954 E 1964

    Neste captulo, procuramos apresentar as reformulaes realizadas por Jacques Lacan

    na teoria do estdio do espelho aps o ano de 1949, especificamente circunscrito entre 1954 e

    1964. Nosso eixo metodolgico consiste na referncia ao esquema ptico enquanto modelo

    expositivo para a teoria do estdio do espelho, a partir da experincia dobouquet invertido, do

    fsico Henri Bouasse (1866-1953).

    Os textos que sustentam este captulo referem-se queles escritos ps 1949, includos

    na obra Escritos (1966/1998) e em aulas compiladas no formato de seminrios de Lacan.

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    3.3.4. CONSIDERAES FINAIS

    ttulo de concluso deste trabalho, recuperamos as principais teses para a teoria do

    estdio do espelho de 1936, de 1949 e dos anos subsequentes a 1950. Reafirmamos a hiptese

    da diferena entre os temas, o texto de 1949 e a teoria do estdio do espelho, a fim de uma

    abertura de perspectiva terica no campo psicanaltico desta teoria de J. Lacan.

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    4THE L OOKING-GLASS PHASE: GNESE DA TEORIA DO ESTDIO DO ESPELHO

    A concepo do estdio do espelho que introduzi emnosso ltimo congresso, h treze anos, no me pareceuindigna, por ter-se tornado mais ou menos de usocomum no grupo francs, de ser novamente trazida ateno de vocs [...].

    LACAN, 1949/19998, p. 96

    A epgrafe escolhida se encontra no primeiro pargrafo do texto O Estdio do

    Espelho como formador da funo do Eu tal como nos revelada na experinciapsicanaltica (1949) de Jacques Lacan. Esta escolha implica em trazer para a ateno do

    leitor a concepo realizada no XIV Congresso Internacional da International

    Psychoanalytical Association (IPA) emMarienbad, no ano de 1936, intitulada TheLooking-

    Glass Phase (ROUDINESCO, 1994; GUILLERAULT, 2005). Em virtude da aproximao

    com o texto Os complexos familiares na formao do indivduo (1938/2003) e da

    publicao de Grard Guillerault, em 2005 a apresentao The Looking-Glass Phase

    passvel de reflexo, como discutimos na seo 3MTODOS: OBJ ETIVOS, MATERIAL EESTRUTURA DA DISSERTAO.

    Trazer para o primeiro plano, e primeiro captulo desta dissertao, a anlise e

    desenvolvimento da concepo de Lacan em 1936, abrir possibilidade de leitura para o tema

    e teoria do estdio do espelho.

    Extramos o contedo desenvolvido, as principais teses concebidas por Lacan e as

    hipteses que as sustentam sobre a concepo que inaugura. Paralelamente, procuramos fazer

    um levantamento dos principais autores influentes a Lacan e dos textos escritos por eles no

    contexto dos anos 1930.

    4.1 OS TTULOS E A ESTRUTURA PARA O ESTDIO DO ESPELHO DE 1936

    H dois ttulos diferentes como referncia para o trabalho de Lacan no ano de 1936;

    (1) Lestadedu mirror. Thorie d'un moment structurant et gntiquedela constitutiondela

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    ralit, conu emrelation avec l'exprience et la doctrine psychalanalytique18 e, (2) The

    Looking-Glass Phase, embora este seja datado como oficial.

    Existem diferenas significativas, no uso das palavras, na construo de cada um dos

    ttulos, no somente pela lngua, mas principalmente pelo uso de termos distintos em cada um

    deles, por exemplo, momentoestruturanteegentico, no primeiro, e fase no segundo.

    No que se refere ao primeiro, o ttulo mantm estreita relao com a apresentao de

    1949 em Zurique, embora em 1936, o estdio do espelho seja definido como uma teoria de

    momento estruturante e gentico da constituio da realidade, enquanto em 1949, o estdio do

    espelho encontra-se circunscrito formao da funo doeu [J e]19. Em ambos, a sustentao

    se faz a partir da experincia psicanaltica.

    Os termos estruturante e gentico implicam dois estatutos diferentes para aconstituio da realidade do sujeito.Estruturante20 se vincula a um momento de organizao

    das possibilidades do sujeito humano, a partir da construo em psicanlise que o homem

    antes de ser regido por instintos est logicamente determinado por relaes de outra ordem, a

    partir das quais se estrutura a vida psquica. Enquanto o termogenticopode ser vinculado

    tanto como gnesis da estruturao da realidade, isso , ponto inicial do movimento de

    estruturao subjetiva, ou ainda s mudanas orgnicas em conseqncia da maturao

    biolgica dos neurnios e da tnica muscular descritas no perodo de 6 a 18 meses na criana,que pode estar diretamente vinculado idiaestruturante.

    Na problemtica da constituio do sujeito envolvida na teoria do estdio do espelho

    em 1936, Arantes (1992) argumenta duas vertentes distintas que compem a teoria lacaniana:

    a primeira vinculada construo da realidade, atravs das imagens e dos objetos de interesse

    do indivduo, e a segunda referida constituio doeu, atravs das identificaes do sujeito.

    Seria esta dualidade implicada nos termos estruturante e gentico?

    TheLooking-Glass Phase pode ser traduzido de diversas maneiras para o portugus,entretanto, as conjugaes possveis implicam numa fase, cuja funo do olho21 se sobressai

    18 A traduo do ttulo encontra-se em Roudinesco (1994, p. 484): O estdio do espelho. Teoria de ummomento estruturante e gentico da constituio da realidade, concebido em relao com a experincia e adoutrina psicanaltica.19 Em nota oficial no texto de 1949, o editor sinaliza tratar-se do J e (pronome pessoal da primeira pessoado singular em Francs) como sujeito do inconsciente, diferentemente do Eu [moi], enquanto funo.Acreditamos ao final desta dissertao, esclarecer a facticidade desta diferena no ano de 1936, e as implicaes

    para os anos subsequentes na teoria do estdio do espelho. Isto , trata-se de uma diferena primordial entreJ eeMoipara a teoria ou seria apenas uma questo de traduo?20 O presente termo facilmente pode ser aproximado noo de estrutura, embora no ano de 1936 estaidia dificilmente esteja imersa no ensino de Lacan, em virtude da importncia do Estruturalismo na concepode estrutura.21 Ver HUOT (1991) e PRISZKULNIK (1986).

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    em consonncia a uma superfcie de vidro que reflita uma imagem, e ao mesmo tempo seja

    possvel visualizar o que h para alm do vidro22.

    Looking-glass o termo usado na lngua inglesa para se referir ao modelo do

    espelho na poca vitoriana, quando o homem utilizava o vidro como material para ver

    nuances do prprio reflexo, em virtude da ausncia de conhecimento sobre o manuseio do ao

    como superfcie superposta ao vidro. A palavra correlata para o modelo seria mirroir, que

    tambm pode ser empregada como verbo, com o qual se exprime a idia de igualdade, de

    cpia.

    Em 1936, os dois termos poderiam ser empregados por Lacan, o que nos leva a

    considerar a escolha para o uso do termo looking-glass e a idia subjacente a ele. Ou seja, a

    escolha de Lacan perpassa a concepo de uma superfcie refletora que permite tanto o

    reflexo da imagem quanto a presena da cena por detrs da superfcie. Este jogo entre olho,

    olhar, imagem e cena do mundo elemento de importncia capital na constituio da

    realidade. O ponto curioso desta escolha est no termo que abriga tanto o reflexo da imagem

    quanto a impossibilidade de reflexo idntica com o objeto23. Nas anotaes de Dolto, tal

    considerao no aparece. 24

    Pode-se afirmar, ento, uma constante em relao a esses dois ttulos. Trata-se de um

    intervalo no tempo, no qual separa dois momentos distintos para o sujeito humano. Nestaencruzilhada, algo do ambiente considerado na c