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BOLETIM Número 10 Outubro 2017 EDITORIAL 1. Perante os resultados das eleições autárquicas do passado dia 1 de Outubro, tem sido question- ado na comunicação social se os mesmos serão de molde a porem em causa a solução política que tem viabilizado o Governo do PS. Efectivamente, enquanto a principal força política da direita (o PSD) sofreu uma derrota es- trondosa, foi o PS quem alcançou melhores resul- tados (enquanto as forças à sua esquerda não conseguiram alcançar todos os seus objectivos, tendo algumas delas perdido importantes posições que detinham desde há vários anos); o que tudo determina a questão de saber a quem mais aproveita a solução política desencadeada há cerca de de dois anos entre o PS e as forças políticas à sua esquerda; e se estas últimas, perante uma eventual apreciação negativa desse problema, tende- riam a desvincular-se, ainda que progressivamente, de tal compro- misso político, interrompendo assim o ciclo da actual legislatura. Essa eventualidade – perspectivada como tábua de salvação pelas forças políticas da direita – já foi desmentida pelos responsáveis políticos direc- tamente envolvidos; sem prejuízo de podermos discuti-la também com os nossos estimados leitores, no âmbito deste Boletim, discorrendo – digamos – sobre “as eleições e o futuro”. 2. Segundo o nosso ordenamento constitucional, “o sufrágio directo, secreto e periódico constitui a regra geral de designação dos titulares dos órgãos electivos da soberania, das regiões autóno- mas e do poder local” (artigo 113º, nº1 da CRP). Mas é evidente que os actos eleitorais não se limitam à designação dos titu- lares dos órgãos do poder central, re- gional ou local, mas comportam em si mesmos incidências mais amplas, no âmbito da formação da opinião pública e representação social das forças políticas envolvidas – quer se trate de eleições gerais, quer de Neste número - A velhice eterna (um estudo sobre a lei e os direitos do idoso, por António Bernardo Colaço) - Justiça em Portugal: direitos e códigos, sistema de funcionamento e revisão indispensável (por Guilherme da Fonseca) - Dossier eutanásia (textos de Guilherme da Fonseca, Jorge Almeida e António Filipe) - Brasil: o caso Lula (um artigo de Fernando Hideo Lacerda, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica de São Paulo) - Centenário da Revolução de Outubro. Um depoimento de Fernando Namora. - Noticiário

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Page 1: BOLETIM Outubro 2017...BOLETIM Outubro 2017 Número 10 EDITORIAL 1. Perante os resultados das eleições autárquicas do passado dia 1 de Outubro, tem sido question - ado na comunicação

BOLETIMNúmero 10Outubro 2017

E D I T O R I A L

1. Perante os resultados das eleições autárquicasdo passado dia 1 de Outubro, tem sido question-ado na comunicação social se os mesmos serão demolde a porem em causa a solução política quetem viabilizado o Governo do PS.Efectivamente, enquanto a principal forçapolítica da direita (o PSD) sofreu uma derrota es-trondosa, foi o PS quem alcançou melhores resul-tados (enquanto as forças à sua esquerda nãoconseguiram alcançar todos os seus objectivos,tendo algumas delas perdido importantesposições que detinham desde há vários anos); oque tudo determina a questão de saber a quemmais aproveita a solução políticadesencadeada há cerca de de doisanos entre o PS e as forças políticasà sua esquerda; e se estas últimas,perante uma eventual apreciaçãonegativa desse problema, tende-riam a desvincular-se, ainda queprogressivamente, de tal compro-misso político, interrompendoassim o ciclo da actual legislatura.

Essa eventualidade – perspectivada como tábuade salvação pelas forças políticas da direita – jáfoi desmentida pelos responsáveis políticos direc-tamente envolvidos; sem prejuízo de podermosdiscuti-la também com os nossos estimadosleitores, no âmbito deste Boletim, discorrendo –digamos – sobre “as eleições e o futuro”.

2. Segundo o nosso ordenamento constitucional,“o sufrágio directo, secreto e periódico constituia regra geral de designação dos titulares dosórgãos electivos da soberania, das regiões autóno-

mas e do poder local” (artigo 113º, nº1da CRP).Mas é evidente que os actos eleitoraisnão se limitam à designação dos titu-lares dos órgãos do poder central, re-gional ou local, mas comportam em simesmos incidências mais amplas, noâmbito da formação da opiniãopública e representação social dasforças políticas envolvidas – quer setrate de eleições gerais, quer de

N e s t e n ú m e r o

- A velhice eterna (um estudo sobre a lei e os direitos do idoso, por António Bernardo Colaço)- Justiça em Portugal: direitos e códigos, sistema de funcionamento e revisão indispensável

(por Guilherme da Fonseca)- Dossier eutanásia (textos de Guilherme da Fonseca, Jorge Almeida e António Filipe)

- Brasil: o caso Lula (um artigo de Fernando Hideo Lacerda, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica de São Paulo)- Centenário da Revolução de Outubro. Um depoimento de Fernando Namora.

- Noticiário

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eleições autárquicas, o que natural-mente determina que os resultadosdestas últimas sejam também, emcerta medida, resultados nacionais(até porque as forças políticas concor-rentes, tirando o caso de grupos decidadãos eleitores, são forçosamentepartidos nacionais – nº4 do artigo 51ºda CRP).Em sede própria todas essas incidên-cias não deixarão de ser devidamenteanalisadas, ponderando-se as razões ecircunstâncias concretas das deslo-cações de votos verificadas (inerentes,no entanto, ao sistema constitucionaldemocrático) e medidas necessárias para invertertal situação (no quadro de desigualdade comuni-cacional com que se defrontam as forças de es-querda, perante o controlo massivo dos meios deinformação pelo grande capital financeiro).Mas com estes ou com outros resultados, o cam-inho a percorrer teria e terá de ser sempre o do re-forço dos entendimentos no sentido da reposiçãode direitos e salários; melhoria das condições devida dos trabalhadores; de uma política alterna-tiva às pretensões da direita, aos interesses dogrande capital e às imposições coloniais de instân-cias externas. O que tudo implica a necessidadede manutenção dos acordos entre o PS e as forçaspolíticas à sua esquerda, com reflexo imediato,obviamente, já no próximo orçamento de Estado– se for esse o compromisso de todas essas forçaspolíticas envolvidas.

3. Recorde-se que, no texto de abertura do nº8deste Boletim, colocou-se a possibilidade de pro-longamento, para além desta legislatura, dosacordos políticos que têm permitido a actualsolução governativa – com o respectivo aprofun-damento, mediante respostas adequadas àsquestões centrais que afectam a vida dos por-tugueses.E, no nº9 (edição especial distribuída no mês deJulho último) publicámos um texto do DoutorAntónio Avelãs Nunes (AAN) de apresentação da2ª edição do seu livro “Do capitalismo e do social-

ismo – polémica com Jan Tinbergen,Prémio Nobel da Economia”, que julg-amos essencial para a compreensão eenquadramento das políticas deunidade popular e entendimentos à es-querda.Nesse seu texto, AAN traça um retratoimpressivo do trajecto dos partidos so-cialistas e sociais-democratas europeus,desde que “começaram a afastar-se dasua matriz ideológica originária emesmo do legado Keynesiano” – poronde pode avaliar-se a dimensão das di-vergências entre as correntes políticasque se reclamam de algum compromisso

de transformação social.Tais dissensos são muito profundos – e remontamàs próprias origens e desenvolvimento históricodo movimento operário (incidindo sobre a na-tureza e o processo das transformações sociais epolíticas que se impõem no quadro das sociedadesexistentes; designadamente quanto à questãocentral de saber se o sistema capitalista deve man-ter-se, embora reformado ou “recauchutado”; ouse pura e simplesmente terá de ser erradicado, esubstituído por um outro que assente na pro-priedade colectiva dos meios de produção – e emque termos).

4. A experiência histórica das últimas décadasnão tem perspectivado a viabilidade de aproxi-mações significativas entre os partidos socialistase sociais-democratas e as formações políticas à suaesquerda – e isto, a nosso ver, porque as divisõesentre essas forças políticas resultam de profundasdivergências ideológicas, que não existem, ou nãose fazem sentir, na margem direita da realidadedos povos.A direita (na visão eurocêntrica que agorametodologicamente adoptamos) reparte-se porvárias formações partidárias, que esgrimem entresi as questões tácticas inerentes à conquista e ex-ercício do poder (designadamente, quanto à dis-tribuição de cargos públicos e prebendasinerentes), mas mantêm-se unidas nas questõesideológicas essenciais – como sejam, a da

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manutenção e perpetuação do sistema capitalista,na forma actual do neo-liberalismo; a supremaciados “mercados” (com as suas inevitáveis acçõesdesreguladoras do sistema jurídico, e inerente de-sconsideração das soberanias nacionais); as políti-cas arrasadoras de exploração dos povos, à escalamundial, com aviltamento dos salários e demaiscondições de vida; e a redução ou mesmo su-pressão dos direitos alcançados pelas classes tra-balhadoras, com as suas lutas laborais e políticasao longo dos tempos.

5. Já no que se refere ao relacionamento entre asocial-democracia europeia e as forças políticas àsua esquerda são maiores os dissensos que as con-vergências – incidindo sobre diversas questõespolíticas estruturais, de que podem salientar-se,a título exemplificativo, as seguintes: a) aquestão, já atrás referida, da subsistência do cap-italismo como sistema básico de ordenação socialno plano da produção e da distribuição; e, implici-tamente, a disponibilidade para participar na re-spectiva gestão, legitimando por esta formaaquilo que não passa de um sistema terroristaglobal de dominação dos povos; b) o abandonopela social-democracia europeia dos programas denacionalizações – significando, como salientouentão o Professor Teixeira Ribeiro (citado porAAN) que os partidos socialistas e sociais-democ-ratas “desistiram de implantar um sistemaeconómico socialista”; c) e, como consequência di-recta dessa posição ideológica, o desenvolvimentodas políticas de privatizações, ao longo dos últi-mos decénios – que permitiram a transferênciapara o sector privado de grandes empresas e out-ros importantes bens públicos, desig-nadamente de sectores estratégicos daeconomia (numa vultuosa manobra derapina, que ficou consagrada com onome da sua principal mentora eu-ropeia – “tatcherismo”; bem como odo alter-ego trabalhista – “blairismo”;d) privatizações essas que conduziram,por todo o lado, não apenas a umaapropriação e delapidação de benspúblicos, como também à desqualifi-

cação dos serviços prestados às populações pelasempresas privatizadas (como se verificou no sec-tor dos transportes, nos serviços postais, nabanca, e tantos outros); e) devendo referir-seainda, nesta breve colação exemplificativa, a con-cordância generalizada da social-democracia eu-ropeia com as políticas neo-liberais dedesregulação dos mercados e da economia, e o seuenvolvimento directo na execução das mesmas(como se viu, p.ex., com os governos de Blair e deHollande); verificando-se, assim, uma aproxi-mação entre a social-democracia europeia e asposições do neoliberalismo (situação que AANqualifica como “o envenenamento da social-democracia europeia pelo neoliberalismo”; “tor-nando-a incapaz de fazer a crítica destecapitalismo da era da globalização neoliberal (. ..)”; e implicando-a na aceitação de todos os prin-cipais postulados do neoliberalismo – como o dis-curso sobre a pretensa natureza imperativa dos“mercados”; o alinhamento com uma Europasuper-capitalista, não como uma Europa social; ea postergação dos principais direitos sociais con-quistados ao longo dos últimos cento e tal anospelos trabalhadores.

6. A experiência da actual solução política por-tuguesa significa um passo em frente em relaçãoa essas posições negativas – que no entanto carecede ser devidamente enquadrado e compreendido.Qualquer desenvolvimento das posições do par-tido do Governo em torno destas questões decor-rerá, não propriamente de discussões teóricassobre os rumos possíveis do capitalismo e do so-cialismo, mas antes da consideração dos seus in-

teresses específicos comoorganização política, no contextodo mundo actual – face ao con-fronto com os seus adversários in-ternos principais, e às experiênciasvividas pelos seus congéneres eu-ropeus.Ora, mais uma vez se verifica, porexemplos recentes, que os partidossocialistas são tendencialmentedescartáveis pelos “donos” ou “só-

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ciamentos dos partidos da direita têmclaramente a marca de uma “OPA hos-til” – como resulta da postura arrogantee desabrida dos líderes e principais re-sponsáveis dessas forças políticas (quefalam como se não tivessem estado noGoverno anterior ao actual, e cometidoaí os maiores assaltos aos direitoseconómicos e sociais dos trabalhadores epopulação em geral).O que tudo não poderá deixar de serequacionado nestes tempos de balanço.Por nosso lado, consideramos que asforças subscritoras dos acordos políticosque viabilizam a actual solução governa-

tiva continuam a ter interesse no respectivo pro-longamento e fortalecimento (como salientamosno nº8 do Boletim), e responsabilidade em fazê-lo– sabendo “medir as exigências e virtualidades decada momento histórico; estabelecendo uma dis-tinção criteriosa entre os seus objectivos pro-gramáticos derradeiros (que implicamcircunstâncias históricas futuras) e a situaçãopolítica imediata”.Essa convergência passa, necessariamente, peloreconhecimento mútuo das bases do estado socialcomo programa político comum de curto prazo(no quadro da Constituição da República Por-tuguesa).O estado social está hoje ameaçado – como justa-mente reconhece AAN – “não porque seja finan-ceiramente inviável (. . .) mas porque os interesseseconómicos dominantes (sob a hegemonia dogrande capital financeiro) entendem que, dada aactual correlação de forças, não têm que subme-ter-se ao compromisso que o estado social repre-senta. Por isso, a luta pelo estado social está no

primeiro plano das lutas em que a es-querda está comprometida”.É esta a questão que mais uma vezquisemos trazer à consideração dosnossos leitores: a de que a luta pelo es-tado social está no primeiro plano daslutas das forças de esquerda – e queestas terão de saber unir-se em tornode tal objectivo.

cios” das estruturas financeiras quemandam no mundo. O recurso aapoios políticos do centro-esquerdaocorre essencialmente em situaçõesde crise social grave, quando a dire-ita sente necessidade de se apoiar emoutras forças não inteiramente con-vergentes, que possam servir de tam-pão às lutas e reivindicações dasclasses trabalhadoras – prestando-seentão essas formações ocasional-mente aliadas à direita a uma funçãohistórica de “leais servidoras do sis-tema capitalista”. Mas dissipadas asnuvens, e uma vez recomposto oquadro político da direita, logo se desfazem essesacordos espúrios – pois a verdade é que a direitasó recorre a forças partidárias fora do seu campopolítico específico quando precisa; e, mesmoassim, numa postura de “canibalização”, se pos-sível, desses seus aliados de ocasião. É o que setem verificado um pouco por toda a Europa,como recentemente na Holanda e em França – emque os partidos socialistas praticamente se dis-solveram em derrotas eleitorais esmagadoras,submersos pelas forças mais xenófobas e reac-cionárias daqueles países. E na Alemanha, em queo SPD desceu significativamente nas recenteseleições, porque as suas propostas políticas coin-cidiam no essencial com as da Srª Merkel.Onde os partidos socialistas se prestaram a aceitare implementar as ideias e políticas do neoliberal-ismo, praticando por vezes uma política “aindamais à direita do que a direita” (AAN), acabarampor ser gravemente penalizados pelos eleitores;onde o discurso e as propostas dos partidos social-istas têm reflectido posições consentâneas com osreais interesses da esmagadoramaioria da população, designada-mente as classes trabalhadoras,viram as suas posições fortalecidas(como sucedeu em Inglaterra, nasúltimas eleições, com o LabourParty).

7. Em Portugal, as propostas e ali-

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A apreciação e análise do grande impacto dosPactos Internacionais na vida das sociedades hu-manas, constituindo objeto de discussão nestaConferência apresentam-se como duas montanhasem cujas encostas se temdesenvolvido os esforçosno sentido por ummundo, melhor e maisfeliz. No vasto contexto detemas e questões direta-mente reportados a estesPactos, proponho-vostrazer à discussão um – ode velhice - que, nãosendo desprezado, nãotem alcançado um trata-mento merecido, apesarde em termos mundiais o número de idosos podervir a comportar já em 2020 cerca de 20% da pop-ulação mundial.Hoje vive-se mais tempo; mas não está garantidoque se viva melhor. Como interpretar então a vel-hice? Como uma conquista civilizacional ou um“downgrade” na sensibilidade ética dos Estadosem assumir a sua responsabilidade social? Ou asduas coisas em simultâneo? Eis a questão.

A Lei e os Direitos do Idoso

A Constituição da República Portuguesa estatuino seu artigo 72º sob a epígrafe (Terceira Idade):

“1. As pessoas idosas têm direito à segurançaeconómica e a condições de habitação e convívio

familiar e comunitário que respeitem a sua au-tonomia pessoal e evitem e superem o isolamentoou a marginalização social.

2. A política de terceira idade engloba medidasde carácter económico, social e cultural tendentesa proporcionar às pessoas idosas oportunidadesde realização pessoal, através de uma partici-pação ativa na vida da comunidade”. Sendo esta a diretriz programática traçada pelaLei Fundamental, pode legitimamente concluir-se que as pessoas idosas são titulares de autênticosdireitos - os direitos de envelhecimento (2) – ex-igíveis na prática com a legitimidade que lhes sub-jaz. Outra coisa não seria de esperar de um regimedemocrático saído da Revolução do 25 de Abril de1974 levado a cabo pelo Movimento das ForçasArmadas. Seria bom que países, tanto desenvolvidos como

A VELHICE ETERNA:

os cuidados na saúde ao trabalho contributivo na sociedade;

Pistas para a sua produtividade. (1)

António Bernardo Colaço

(Juiz-Conselheiro Jubilado)

“A velhice representa a história viva do passado com um futuro para viver”

“Discutir e apresentar soluções para o problema do IDOSO é uma questão de CIDADANIA”

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em vias de desenvolvimento, que tanto dizemprezar os direitos democráticos, contivessem umpreceito congénere nas suas Leis Fundamentaisem homenagem precisamente ao trabalhadorativo, potencial candidato a idoso no futuro. A natureza programática dos direitos constitu-cionais não pode ser entendida como uma meradeclaração de intenções. As normas em apreço sãode aplicação imediata embora a concretização dasua eficácia possa ser gradual, dependendo fun-damentalmente da capacidade orçamental decada Estado, sem que seja no entanto adulteradoo seu alcance face ao fim último que visam atingir.(3)

O Envelhecimento Saudável

A relação: gastos de saúde e o idoso

Em termos globais(4) o envelhecimento das pop-ulações está-se a acelerar em todo o mundo. Masvelhice não é forçosamente sinónima de perda dehabilidade. Só vagamente poderá esta estar rela-cionada com a idade cronológica das pessoas.Sucede mesmo que a idade avançada não implicanecessariamente um estado de dependência. In-existe por isso a figura de um idoso “tipo”(5). Oenvelhecimento saudável significa mais que amera ausência de doença. Se a manutenção desaúde implica encargo monetário, os maiores cus-tos para a sociedade decorrem, não dos gastos re-alizados para dotar o idoso de habilidadefuncional mas sim o da perda de benefício para asociedade que decorre se essas adaptações não serealizarem.Há por isso que ultrapassar os estereótipos sobrea velhice, reformulando com a necessária urgênciaverdadeiras e inovadoras políticas de saúde tendopor base o envelhecimento. Impõe-se assim sub-stituir o sistema de saúde tradicional, pelaatenção integrada a tributar em função das ne-cessidades do adulto.Esta proposição, sendo uma necessidade urgenteé algo que pode ser feito em todos os cenários, empaíses com graus de desenvolvimento económicodiferentes.

A Realidade Mundial

em Números Comparativos:

- Em 1950, havia no mundo 205 milhões de pes-soas com idade de 60 anos ou mais. Nesta alturaapenas China, Índia e EUA tinham mais de 10milhões nesta área.

- Em 2000, ou seja 50 anos mais tarde, estenúmero passou a ser de 606 milhões. O número depaíses com mais de 10 milhões de idosos passou aser de 12, incluindo 5 com mais de 20 milhões (6).Ao grupo dos 3 acresceram mais 2 países.

- (A manter-se o índice de crescimento) em 2025,serão 1,2 biliões e em 2050, o número passa a 2mil milhões (biliões) (7). Serão já 33 países commais de 10 milhões, e 5 com mais de 50 milhões(China, Índia, EUA, Indonésia e Brasil).

- Assente nesta base estatística, daqui a 45 anosa população idosa ter-se-á duplicado. Quer istosignificar que a proporção desse crescimento emcomparação com a população mundial será con-sideravelmente significativa. Assim:

1950 2000 205060 anos 1/12 1/10 1/565+ 1/20 1/14 1/6

- Os dados estatísticos sobre a população mundialconfirmam que na atualidade o ritmo de cresci-mento da população idosa de 65+, é três vezes su-perior que a jovem. Entre 1960 e 2000 aproporção deste índice foi de 6.1%, prevendo-seque aumente em 15.6% para o ano 2050.- Constata-se que mais de ¼ da populaçãomundial vive em pobreza e cerca de 1,3 milhõestem um rendimento <1€/dia.

E... em Portugal:

Os idosos, reformados e pensionistas através dassuas organizações representativas (8) têm desen-volvido uma intensa e permanente luta reivin-dicativa para a defesa das funções do Estadosocial expressivamente exíguas e reclamam a pro-teção e garantia dos direitos que lhe são inerentes,nomeadamente em sede de quantitativos de pen-

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sões mais em conformidade com a progressão como custo da vida, uma habitação social maiscondigna, pela demanda do funcionamento doServiço Nacional de Saúde em termos de maiorabrangência, funcionalidade e de proximidade, decriação uma rede pública de equipamentosserviços de apoio de qualidade e acessível a todos,entre outras necessidades a exigirem satisfação noplano de imediato.

Na verdade: - Entre 2006/2008 pelo menos 2 milhões de por-

tugueses viviam em risco de pobreza e a popu-lação mais afetada era a de 65> (9).- Em 2005, havia 1,1 milhões de idosos (65 anos

e 65>), ou seja 11% da população total, sendo ataxa de pobreza orçada em 28% (10). A evoluçãoda população idosa estava prevista em 18% para2010, 20% para 2020, para 24% em 2030, 29%em 2040 e 32% em 2050.

- Cento e dez (110) mil combatentes da guerrado Ultramar que terminou em 1974 sofrem destress pós-traumático (11), agravado no reflexoque um tal síndroma pode envolver no plano pes-soal, familiar e social.- O Instituto Nacional de Medicina legal revelou

que, das 2067 autópsias em casos de suicídio em2013/2014, 767 correspondiam a óbitos de idosos,“sendo que nos casos em que foi possível apurarantecedentes psiquiátricos, estes revelaram-se es-tatisticamente significativos como fatores derisco”. Neste âm-bito, a OperaçãoCensos Sénior 2015identificou mais de5200 idosos a viversozinhos em situ-ação precária, nasua grande maioriacom limitações físi-cas e psicológi-cas.(12)

- Em 2016 o valormínimo mensal depensões do regimede Segurança So-

cial, para a velhice e invalidez é de 263,00€ e desobrevivência 157,8€.(13)- Um em cada quatro (4) aposentados é obrigado

a trabalhar após a aposentação.- O crescimento da população idosa (65>) é três

vezes mais que a jovem, sendo que em 2014 a pro-porção era de 138 idosos por cada 100 jovens.(14)

- O quadro decrescente de problemas e dificul-dades apontadas pelos idosos são: - problemaseconómicos; -solidão; -problemas de assistênciamédica; - falta de equipamento de apoio (domicil-iário, lares) entre outros.(15)

- O quadro decrescente de problemas e dificul-dades apontadas pelos idosos são: - problemaseconómicos; -solidão; -problemas de assistênciamédica; - falta de equipamento de apoio (domicil-iário, lares) entre outros.

- Cerca de 1,2 milhões de idosos vivem sozinhosou acompanhados de outros idosos.

- Há uma constatação que o idoso de hoje, estámais próximo de tecnologia, gerando novas neces-sidades, colocando assim a questão do seuaproveitamento laboral.

É certo que foram adotadas medidas no sentidode simplesmente aliviar o quadro penoso em quea grande maioria de idosos vive em Portugal. Sãoneste sentido conhecidas algumas iniciativas leg-islativas e medidas programáticas (16)(17), mascuja eficácia se tornou exígua face à realidade e oconsequente quadro reivindicativo expresso pelas

associações repre-sentativas.

Considerandos:

Os dados estãolançados. Tem sidomuito profusa aolongo dos tempos, aabordagem dedi-cada á velhice. Umasimples consulta nainternet dá umaideia da amplitudedeste tratamento

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através de estudos, teses e análises para além dosensinamentos que a ciência gerontológica propor-ciona sobre a matéria.(18)

Também são profusos os instrumentos interna-cionais evocando a magnitude do problema davelhice, a sua incidência no mundo, os gravamesdo seu impacto na sociedade e a mira conjeturaldas soluções abstratas plausíveis. Temos presente,entre outros – A Recomendação R (99) do Comitédos Ministros do Conselho de Europa de 23 deFevereiro de 1999 – (medidas flexíveis a adotar);- A Declaração Final da Assembleia Geral daAGE Platform-2015; - A Resolução nº 46/91 de 16de Dezembro de 1991 que consagra os “Princípiosdas Nações Unidas sobre o envelhecimento”; - ORelatório da Organização Mundial de Saúde sobreEnvelhecimento e Saúde de 2015, - Conclusões doRelatório da Organização das Nações Unidas(ONU) – 2015- realizado pelo Departamento dosAssuntos Económicos e Sociais do Secretariadodas Nações Unidas, e - O Plano Internacional deAcção resultante da 2ª Assembleia Mundial deVelhice- realizada em Madrid – 2002 relativo àpopulação idosa, aprovado pela Resolução da As-sembleia Geral da ONU nº57/167.(19)

Alertando para o problema, no essencial coinci-dentes com o que já acima se acha exposto, reve-lam-se no entanto imprecisos e por isso de poucaeficácia na adoção de medidas reais para neu-tralizar o amplitude dos problemas que marcamcrescente e continuamente a triste situação doidoso pelo mundo, incapazes por exemplo, deimpor sanções do tipo não participativo oumesmo de exclusão temporária aos Estados re-sponsáveis pelo flagelo enquanto não acatarem asmedidas propostas ou adotarem as soluções con-sequentes, com a mesma eficácia e facilidade comque se decretam sanções e bloqueios económicosou intervenções militares.

Para que tal sucedesse tornava-se mister que aspróprias recomendações estivessem alicerçadasem princípios firmes de ética social, onde o re-speito dimanasse na confiança da entidade emis-sora e onde o envolvimento na deliberaçãodecorresse de uma boa-fé participativa.

Não está em causa a idoneidade das instituiçõesque elaboram os documentos ou a integridade dos

que participam na sua elaboração. O que se põeem causa é a metodologia que preside à formaçãodesses documentos. As asserções generalizantesassentes em bases pouco estruturadas são frutode combinações prévias e instruções dadas aosparticipantes pelos respetivos governos para nãoultrapassar o limite de consenso aceitável. Sucedeentão que qualquer tentativa para o compromissosimplesmente não existe. Apesar dos documentosexpressarem o consenso, aqueles não podem porisso ir para além de meros propósitos de boa von-tade. É neste patamar que reside o facto de nãoser ter sido possível satisfazer, no mínimo queseja, a triste realidade perene da velhice.

É urgente e fundamental sair deste espartilho,deste torpor.

O Alicerce para um Princípio

Se queremos resolver o problema real da velhice,pondo de parte a vaguidade das iniciativas, opalavreado floreado e as mega realizações de mín-ima eficácia, então toda a ação tem de assentarem valores e princípios indeléveis e perenes,aplicáveis a todas os Estados que se prezam dedemocráticos, independentemente do seu grau dedesenvolvimento com a garantia de que serão re-speitados.(20)

É sabido que a execução desta tarefa é ciclópica,não apenas por implicar uma mudança de atitudee um novo ou acrescido conceito valorativoquanto ao fenómeno de velhice e o estatuto doidoso, como a imperiosidade de impedir que ofenómeno de corrupção política afete negativa-mente o objetivo que se pretende alcançar.

Como entender então as coisas?

O Estado continua a considerar o idoso numaperspetiva economicista, despido de toda a con-sideração de ética, configurando-o como fardo,um ente que está meramente tolerado a viver atédesaparecer.

Gerontologicamente falando, o avanço na idade,pese embora comportando aspetos degenerativos,tem de ser encarado na sua essência mais comoum processo evolutivo.(21) A evolução implica

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assim o desenvolvimento expectável de um está-dio natural, pese embora adaptável às circunstân-cias do meio onde vive. A velhice no ser humanorepresenta pois uma fase que não pode ser encar-ada como terminal mas final no quadro de umprocesso (a evolução) que não podendo ser evitadonem interrompido pode e deve ser prolongado omais possível dada a projeção social do ser hu-mano na sua plenitude existencial. E esta pre-missa é tanto mais verdadeira quanto é certoestarmos a assistir a um aumento médio delongevidade a ponto da Comissão das comu-nidades Europeias sustenta já a designação de 4ªidade para o idoso a partir dos 75 anos.(22)Porém, dado o conteúdo fluido pela imprecisãoetária em que um tal estado se adquire, sendo var-iável de pessoa para pessoa, está convencionadoassinalar os 65 anos como o matiz para a sua car-acterização(23). Decorre daqui como um postu-lado irrecusável que o grau de exigência para asatisfação dos direitos do idoso aumenta não sóem número (mais idosos) como em tempo (maisidade).

O grau de exigência e o ónus

para realizar os di reitos do idoso

A questão que se coloca é de encontrar as enti-dades capacitadas para responder à demanda doidoso para poder exigir que os seus direitos sejamrespeitados. Tendo por base o ditame do artigo72º da Constituição Portuguesa e que reflete atendência das democracias abertas (e não en-capotadas) e modernas, e sem fazer uma incursãoanalítica e detalhada nos sub-direitos em que sedesdobra o direito do idoso, é de assinalar queaqueles se podem agrupar em duas categorias:uma, de índole material a cargo do Estado(24),cifrando-se esta num sistema de segurança social,através de atribuição de uma pensão e aposen-tação que sejam humanamente condignas, de im-plementação de uma metodologia ativa queultrapasse o imobilismo físico e o isolamento men-tal; de um sistema de saúde polivalente e de umaprogramação por um alojamento compatível; e aoutra, do ponto de vista emocional e solidário

tendo basicamente por suporte a família e a co-munidade.(25)

Outra é a problemática de encontrar e descobriraté onde poderá ir a capacidade do idoso parapoder exigir que os seus direitos sejam respeita-dos. Se por hipótese, a família e a comunidade serevelarem adversos ou incapazes para coerente-mente exercer os seus deveres, qual o papel do Es-tado enquanto ente representativo do complexonacional, para dar cumprimento ao ditame daConstituição? Esta é uma questão fundamen-tal.(26)

É neste preciso ponto que se torna necessáriocaracterizar e determinar a natureza do apoio atributar ao idoso. É sabido como a sociedade hu-mana se tem distinguido e se prestigiado pelo ím-peto imprimido na crescente da longevidade doser humano. É sem dúvida uma conquista da civ-ilização com a garantia da sua evolução.

A velhice e inerente longevidade glorificam aseiva da vida e constituem o rosto de resistênciaimplacável ao destempero de destruição da vidaem qualquer sentido que os conceitos comportam.Esta conquista impõe por isso a obrigação e odever da sua preservação e elevação qualitativano respeito devido á condição humana da qualafinal todos nós fazemos parte. O respeito e sal-vaguarda da longevidade etária é um ónus que asociedade representada pelas suas instituiçõestradicionais e organizativas se impõe a si própriacomo um ponto de honra da sua própria existên-cia. Afastadas por isso as considerações caritati-vas de tolerância ou de um ideário de privilégiosubjacente ao apoio ao idoso – a atenção a tribu-tar aos cuidados do idoso emerge e se eleva comouma obrigação que se impõe á instituição familiare à instituição do Estado, em pé de igualdade como que tem sido reconhecido às crianças e mul-heres. É a dignidade humana que o exige.

O objectivo e a sua realização

Neste complexo de considerandos é imperiosoque em termos institucionais esta constataçãoseja assumida pela família e em medida acrescidapelo Estado. Seguramente não é com pensões ou

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reformas inferiores ao salário mínimo nacional -este já de per si insuficiente – que se satisfaz o di-reito à segurança económica nem com rendas su-periores à pensão/reforma que se respeita o direitoà habitação condigna. Respeitar a autonomia pes-soal do idoso é adotar uma política social de con-strução de fogos para habitação de idosos a tantocapacitados. Neste contexto, sem por em causa ocontributo de lares de idosos, como solução paraas carências vivenciais, o recurso sistemático peloEstado a este tipo de alojamento/estadia, pare-cem transformar os idosos em entes segregados oumeramente tolerados(27), a que não é alheio, oque é mais grave, um certo cariz de segregação.

Há que alterar este estado de coisas. Os instru-mentos internacionais, as legislações nacionais ea moral social(28) têm de passar de mero campode “meetings” grandiloquentes, de uma fraseolo-gia repetitiva, de asserções generalizantes e laivosde meros propósitos bem-intencionados para umposicionamento realista destinado a solucionarcom objetividade a problemática da velhice, hojepomposamente apelidada de 3ª idade mas que atéao presente, salvo uma ou outra exceção, nãopassa de uma etapa como que a dar tempo oudeixar correr até ao decesso.

Um possível percurso a seguir

O Envelhecimento ativo tem sido apontadocomo a forma de entreter o idoso a movimentar-se, a se distrair e de divertir, como que a medalhá-lo pela longevidade atingida. Se assim for seráuma maneira enviesada senão mesmo farisaica decognominá-lo de inútil. Porém, o reconhecimentopela velhice alcança um outro patamar, mais ele-vado quando o que se atribuir ao idoso é sobre-tudo o reconhecimento dando realização práticaà prestação devida pela sociedade face ao seu con-tributo na evolução da coletividade global a quetodos pertencemos e sem o qual seria subval-orizada.

É aos idosos, reformados e pensionistas da nossageração e das gerações anteriores a que segura-mente se juntarão os idosos do amanhã (jovens etrabalhadores hoje no ativo) que as sucessivas ger-

ações ficarão a dever tudo o que são e vierem aser. A grandeza social e a dignidade ética das so-ciedades regionais representadas pelos respetivosEstados, serão sem dúvida avaliadas pela formacomo vivem os seus velhos. As magnas Con-venções, Estudos Académicos, Planos e outras re-alizações no género fazem o que podem, traçamconclusões, mas falta-lhes a força vinculativa parase imporem com o mesmo impacto como sucedenas deliberações de sanções económicas, blo-queios, boicotes ou intervenções militares. Umatal falha talvez se fique a dever, ora por não con-templarem soluções concretas ou determinarempráticas efetivas para a solução que aflige a hu-manidade ora por falta de real vontade na sua res-olução. Tal não impede contudo que no finaltodos se sintam de consciência tranquila, damesma forma como os dadores de caridadequando confundem meros atos de assistência comsolidariedade humana. E assim este estado decoisas faz com que por cada ano que passa se dis-cutam os mesmos problemas já com o problemaagravado. É aliás o que se sucede com o problemada fome e miséria no mundo ou com o eternoproblema de refugiados e migrantes de outras par-agens.

E no entanto pouco seria necessário para solu-cionar este magno problema da velhice, contra-posto aos ciclópicos gastos com a guerra ou aextravagância dos gastos dos Governos em sump-tuárias benesses bem conhecidas e que nenhumproveito traz à sociedade global.

A sugestão de um guião (29):Certas ideias - mestras que devem nortear o ob-

jetivo proposto:- Aumentou o número de idosos. Vive-se mais,

mas será que se vive melhor? O idoso pode não sermal tratado, mas não é bem tratado.- O homem conquistou mais tempo, mas não sabeo que fazer com os dias que conquistou. A verdadeé que não pode ser relegado para a inatividade,por ser contrário à natureza humana.- Sem o idoso jamais existiria o atual estado dedesenvolvimento social, económico e cultural queo cidadão ativo hoje desfruta.

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- Por conseguinte, o idoso não pode ser um entemeramente tolerado, nem privilegiado. - O idoso é parte integrante da sociedade, titularde direitos de cidadão comum como tal sujeito adeveres enquanto capacitado para tal.- O trabalhador de hoje será inelutavelmente oidoso de amanhã. O idoso de hoje foi um trabal-hador ativo de ontem. - Foram os idosos de muitas gerações que gerarame fortificaram os alicerces da sociedade em quevivemos, sem o que nem haveria Estado nemcampo para o trabalhador ativo.- Um Estado que não respeita a velhice não estáem condições de ser respeitado por outros Esta-dos.

Recomendação à Comunidade Internacional

e aos Estados Soberanos

Por uma Convenção das NN.UU

Enfrentar a questão da velhice em geral e doidoso em especial, é antes de tudo um assunto deconsciência coletiva das Nações. Significa isto queos países, têm de reconhecer a existência de quehá um problema mundial de velhice, que toca atodos independentemente das característicaspróprias que possa assumir ao nível nacional decada um dos países. O aspeto toca um pouco àsemelhança do recente problema de migrantes,enquanto um problema humano e que corre orisco de atingir foros dramáticos quando as cir-cunstâncias se agudizam(30). Este entendimentoé seguramente viável através de uma curta masexpressiva Convenção. De entre os aspetos a con-siderar é a obrigatoriedade de uma verba orça-mental obrigatória a ser atribuída anualmente emcada país por altura da aprovação deste docu-mento.

De significativo interesse é a circunstância daComissão Europeia ter lançado em 08 de Marçode 2016 um debate sobre o European Pillar onHuman Rights onde poderá vir a ser contem-plada a situação do idoso.

Por uma Programação Nacional

Sem pôr em causa a especificidade de cada país,o programa a apresentar pelo governo deverá seraprovado em Assembleia Nacional de cada país,no mesmo devendo figurar rubricas de caráterobrigatório, como:

- O marcador de um serviço estatístico perma-nente e contínuo, focalizado nas vertentes: etária;ocupacionais e de localização.

- A elaboração de um Programa-base a ser im-plementado obrigatoriamente por unidade secto-rial de cada circunscrição (tipo município;“county”; região; “panchayats”; e outros)

- A implementação de serviços obrigatórios po-livalente ao nível sectorial de cada circunscrição:de âmbito social; assistência medico/medicamen-tosa; de atividade física programada. - A implementação de um serviço de fiscalização

persistente ao nível sectorial e em todos os núcleosde envolvimento(31).

- Exigência de unidades residenciais unipessoalou de casal no quadro de habitação social geral,- “Lares de idosos”, com instalações aprovadas e

pessoal profissionalmente capacitado e com obri-gatoriedade de programação pré-definida: ginás-tica; cuidados pessoais; programas de convíviosocial e impulsionar o convívio familiar.

- Um sistema de instrução abrangente, comocombate ao analfabetismo, de orientações lim-inares para os cuidados pessoais(32).

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- Fomentar todas as medidas conducentes à elim-inação da nocividade do ISOLAMENTO e iner-ente sentimento.

- Materializar o sentido de cidadania ativavisando a intervenção na vida e assuntos públi-cos, como participar em organismo cívicos, con-correr a cargos da sua opção - político, artístico eoutros.

- Reassumir o trabalho artesanal- Um sistema de comunicação e intercomuni-

cação permanente de aconselhamento sobre os as-suntos gerais de vida quotidiana

- Implementar a vigilância e eliminar o isola-mento rural.

- Assegurar um sistema de pensões de reformaque atenda às carências dos idosos na essenciali-dade de necessidades. - Fomentar o associativismo representativo.

Final:

Seja como for, em minha opinião é de rejeitarde uma vez para sempre o discurso ou juízos mis-erabilistas relativamente à faixa etária do idoso,e transformar em campo de semeadura o que atéagora não tem passado de mero malabarismo ver-bal, de boa intencionalidade, de juízos reformistasmirabolantes. Os Estados tem-se confinado a umpapel de mero observador ou de tolerante na basede políticas de paninhos quentes. Prioriza noessencial tão só a solidariedade social e a boa von-tade do cidadão. É chegado, o momento de as-sumir uma atitude proactiva através de umagestão nobre, adotando soluções cujo paradigmaacima se traça.

Qual a razão?

PORQUE PARA UMA PESSOA IDOSA ACRENÇA NO FUTURO É VIVER HOJE.

Notas

(1) –Comunicação apresentada à Conferência Internacionalno 50º Aniversário da Aprovação pela ONU dos Pactos In-ternacionais de Direitos Humanos – Pacto Internacional deDireitos Políticos e Pacto Internacional de DireitosEconómicos, Sociais e Culturais.

(2) – Constituição da República Portuguesa – ano-tada-vol. 1-4ªed.revista – Coimbra Editora- Gomes Can-otilho e Vital Moreira.A estatuição do preceito constitucional compatibiliza-secom o artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos doHomem, aprovada pela Assembleia das nações Unidas em1948.

(3) – Segundo a classificação adotada pelo constitu-cionalista brasileiro José Afonso de Silva, na sua publicação“ A aplicabilidade das normas constitucionais”.

(4) – Referência à opinião da DrªMargaret Chan - Di-retora Geral da OMS na apresentação do Relatório sobre oENVELHECIMENTO E SAÚDE – 2015. A OMS propõeum novo conceito de envelhecimento -“o envelhecimentosaudável é um processo de desenvolvimento e manutençãode capacidade funcional que permite o bem-estar em idadeavançada”.

(5) – São conhecidos casos de adultos maiores de 80anos com capacidades física e mental comparáveis ao nívelde muitos jovens de 20 anos.

(6) – China -129 milhões, Índia 77milhões, EUA 46milhões, Japão 30 milhões e Federação da Rússia 27 mil-hões.

(7) – Dados da Organização Mundial de Saúde.(8) – Em Portugal existem duas associações de âmbito

nacional representativas de reformados, pensionistas eidosos: o MURPI oficialmente instituída em 25 de Maio de1998 e APRE com Estatutos aprovados em 14.12.2012. Aestas devem acrescentar-se centenas de organismos con-géneres de âmbito local espalhados pelo país.

9) – Plano Nacional de Ação para a Inclusão de 2006a 2008.(10) – Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2005.(11) – in:Correio de Manhã de 22.02.2016.(12) – in:Observador (jornal digital) e Público ambos de29.10.2015. (13) – in:DGSS/MSESS-Pordata, atualizada em 01.04.2016.Em 2016 o salário mínimo nacional é de 530€.(14) – Proporção com tendência a aumentar. Dados do INE– Pordata (atualizada em 01.12.2015).

(15) – Na 3ª idade a solidão, a depressão e uma fraturasão mais propensos a predizer o risco de uma pessoa morrernos próximos 5 anos (Estudo publicado na Revista de Aca-demia Nacional de Ciências dos E.U.A- Maio -2016).(16) – Em 1970, realizou-se um seminário sob o tema“Política para a 3ª idade”, até então apenas asseguradapara a função pública. Havia algumas caixas Particularesde Reforma no sector privado. Surge então o DL nº 413/71de 27 de Setembro, abrindo caminho para o Serviço de Re-abilitação e Proteção aos diminuídos e Idoso, o Instituto deFamília e a acção Social. A situação do Idoso adquire assimuma certa autonomização. – cfr. Decreto lei nº519-G2/79 –criando um Grupo de Trabalho para lidar com esta prob-lemática, cuja eficácia prática se desconhece. O Relatóriode 1980 não surtiu qualquer efeito. O programa Nacional

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para a Saúde das Pes-soas Idosas no âmbitodo Plano Nacional deSaúde (2004-2010) re-sultados do qual estãopor conhecer.(17) – cfr. Estudo real-izado pelo CentroPortuguês de Investi-gação em História eTrabalho Social, deautoria de MariaIrene Lopes B. deCarvalho, os serviçosde cuidados na velhiceestão ainda bemaquém e não respondem à satisfação dos objetivos. – É denotar que a problemática da velhice toca todo e qualqueridoso, independentemente da sua capacidade económica. Éo entanto bem sabido que aquele que é mais abastado sem-pre há-de dispor de mais e melhores meios defensivos que opobre.

(18) - Em termos de bibliografia mais rebuscadabasta só referir “De Senectude” de Cícero (106-43 A.C.); aoscomentários que a escritora Simone de Beauvoir teceu sobo título “A Velhice – As relações com o Mundo” (séc. XX),não olvidando o quadro de Rembrandt – a “Meditação” (se.XVII) ou os filmes “História Real” de David Lynch e maisrecentemente “O Estagiário” com Roberto de Niro ou ainda“Aparajito” da trilogia Apu, de Satyajit Ray. Em todos elesse evidencia a triste realidade que afeta o idoso no seu trilhoexistencial de isolamento e a aspereza com que a sua situ-ação é perspetivada pelo familiar e pelo cidadão, patente-ando-se a grandiosidade da reserva afetiva que o velho écapaz de tributar ao seu semelhante e simultaneamente con-tribuir para a produtividade social precisamente pela suagrande vivência “do mundo e das coisas”.(19) – A Resolução nº46/91 mereceu acolhimento pelo XIXGoverno Constitucional em 13 de Agosto 2015, ficando asua execução todavia na dependência de existência de fun-dos disponíveis por parte de entidades públicas compe-tentes. O documento intitula-se “Um memorando para ofuturo “ – “Estratégia para a proteção do Idoso”. O docu-mento esgota-se na adoção de medidas legais de naturezacivil e burocráticas sem definir quaisquer ações concretasprogramadas para a solução de problemas diretos e quemais afligem o idoso. Assim se entende porque é que as as-sociações representativas dos idosos continuam a reivin-dicar direitos materiais e económicos, por mínimo que seja.

(20) – No antigo Egipto, 110 anos parece ter sido oideal de longevidade. Chegar à velhice era porém raro. Daíque, quem avançasse bem em idade fosse considerado umprivilegiado. Os velhos eram por isso respeitados. Fomen-tava-se o reconhecimento da experiência da vida e a fontede sabedoria, capaz de ditar os bons costumes e a sagaci-

dade aos mais novos. Eraassim um dever da comu-nidade cuidar dos seusvelhos. O velho não deviaconstituir pois um en-cargo mas um elementoque valorizava a própriafamília a que pertencia ea comunidade da qualfazia parte. Pode assimdizer-se que no passado,uma comunidade eratanto mais respeitadaquanto mais consistente eprofunda fosse a formacomo cuidava dos seus

velhos. É possível encontrar a força deste ideal no quadrosocial da antiguidade chinesa, Inca, Japonesa e Azteca.Porém por estranho que pareça é na Grécia antiga quecomeça o menosprezo pelo estatuto da velhice devido aoculto da força física e beleza que constituíram um apanágiodaquela civilização. Seria porém com a Revolução Indus-trial, pelos seus conceitos de máxima produtividade e do in-cipiente liberalismo que o sentido e alcance da velhiceatingiriam o seu ponto mais desumano, contextualizada auma posição de quase “res nullius”.

(21) – O cerne das teorias evolucionistas entronca naideia de que o envelhecimento ou senescência assenta noconceito de que a força da seleção natural decresce com oaumento da idade. A teoria foi matematicamente compro-vada pelo biólogo William D. Hamilton (1966).(22) – Ficando a 3ª idade reservada para a faixa dos 50-74anos.(23) – É a etapa crítica de duas vertentes: por um lado, osentimento de falta de atividade laboral contributiva paraa sociedade; por outro, quando surgem estados físico-emo-cionais de isolamento, dependência, doença, depressão, faltade mobilidade e sentimento de exclusão social, grandementecondicionados pela 1ª vertente. Hoje a partir dos 65 anoshá a acrescentar pelo menos +15 anos (homem) e +18 anos(mulher). (24) – “segurança económica e condições de habitação”.

(25) – respeito pela autonomia pessoal do idoso; queevitem e superem o seu isolamento ou a marginalização so-cial; é o mesmo que dizer, o respeito pela personalidade doidoso e a pugna pela sua ativação social produtiva. – Comque direito e qual o valor moral de um agregado em se inti-tular de família para simplesmente abandonar o seu idosoà sua sorte? É algo que merece reflexão dos sociólogos e tan-tos e tantos “consultores familiares”, sendo que a prob-lemática não se reduz a meros aconselhamentos. De igualjeito a questão coloca-se a nível comunitário.

(26) – A título meramente exemplificativo, aponta-se ao Projeto de Lei nº62/XIII/1ª, apresentado pelos par-tidos PSD/PP em 04.12.2015, entre outras propostas, a de

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incriminar o agente que “abandonar pessoa idosa em hos-pitais ou outros estabelecimentos dedicados à prestação decuidados de saúde, quando a pessoa idosa se encontre acargo do agente”. Este entendimento mereceu acolhimentona sua generalidade. Na discussão parlamentar o PCPapontou o melindre da situação quando a penalização possaatingir pessoas ou famílias de escassos recursos para susten-tar e fazer face ás despesas com a saúde do idoso, daí po-dendo resultar precisamente o contrário da soluçãopropugnada, ou seja, de evitar o internamento ficando oidoso em casa numa situação bem pior. A situação épolémica a não ser que o encarregado ou a família recebesseum apoio subsidiado pelo Estado.

(27) – Muitos desses lares tem vindo a funcionar algodeficitariamente no que diz respeito ao tratamento dosidosos. Impunha-se por isso que a entidade oficial compe-tente fosse mais severa em matéria de fiscalização, atéporque um número significativo desses lares de idosos temvindo gradualmente a ser instituições de iniciativa privada,como fonte privilegiada de negócio, sendo muito procuradosquando as famílias optam simplesmente por ali despejar oidoso. – Um relato numa casa de idosos que, em honesti-dade, bem se poderia aplicar a muitos outras: “A sensaçãoque se tem é de um lugar onde o tempo estagnou. As horasnão passam e existe uma situação de “mesmice” nas difer-entes horas do dia: idosos sentados estáticos, muitas vezesum ao lado do outro, sem conversas, ou quando se ouve al-guma voz na maioria das vezes é solitária. Idosos conver-sam, mas não se ouvem. Uns gritam sem motivo aparente,outros vagam. A sensação é de desistência de vida. Per-manece um tempo vazio de “espera” de morte nas institu-ições (Lima,20). “Nos asilos o vínculo de família é interrompido. Estedesligamento que causa muito sofrimento, pode ser umfator que desencadeia de deterioração de saúde do idoso,que se vê sozinho, isolado, sem receber visitas, e portantosem ninguém no mundo” (Perlini, Leite,Furini 2007 – Umestudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

(28) – Nestes se incluem as posições pastorais de nú-cleos religiosos, opiniões, trabalhos académicos e atuaçõesde organismos de solidariedade social.

(29) – Por estranho que parece as duas Convençõesnão mencionam expressamente à questão da velhice. –Antes de enveredar para o campo de propostas e possíveissoluções cumpre referir a um documento com interesse deâmbito europeu, apesar da sua generacidade, faculta pistas,algumas das quais bem podiam ser adotadas no plano in-ternacional. Trata-se da “Declaração Final da AssembleiaGeral de AGE -2015 sob o lema – Por melhor reconheci-mento de um maior respeito pelos direitos de idosos naUnião Europeia”. Aí se advoga entre outras medidas, a i)aplicação do quadro jurídico existente e avaliação do seuimpacto sobre as pessoas idosas, ii) consolidar o quadro ju-rídico de modo a melhor proteger os direitos das pessoasidosas e eliminar a descriminação com base na idade e, iii)

reconhecer os direitos de pessoas idosas e fazer destes dire-itos um pilar de economia dos seniores a fim de garantir queo seu potencial inovador será colocado em rendibilidade,para responder às necessidades específicas das populaçõesenvelhecidas (ou em vias de envelhecimento) da Europa. ADeclaração denuncia os Países que não respeitam a Con-venção das Nações Unidas relativa aos direitos de pessoascom deficiência.Em Portugal poderia mencionar-se: - O Estado Providência- DL nº519-G2/79 de 29 de Setembro; - A Resolução do Con-selho de Ministros de 1988, visando políticas sociais para avelhice; - Programa Nacional para a saúde das PessoasIdosas que terminou em 2010.(30) – casos de calamidades; secas; chuvas, epidemias; fomee outros do tipo.

(31) – Em 2014/2015 a imprensa portuguesa denun-ciou casos de falecimentos de idosos em situações emcondições insólitas de isolamento e abandono. Foi notórioo caso de uma idosa de 87 anos, descoberta cadáver, decor-ridos cerca de 9 anos na sua residência em Rinchoa-Sintra,e isto apenas quando a casa foi posta à venda em hastapública pelas Finanças ou seja, o Estado. Caso extremo sim,mas paradigmático quanto ao risco potencial de centenas,senão de milhares de idosos por esse mundo fora, votadosao abandono e isolamento precisamente por serem idosos.

(32) – RUTIS, Rede de Universidades Sénior, define-se como resposta socio-educativa, visando criar e dinamizarregularmente atividades sociais, culturais, educativas e deconvívio, mas que não preenchem o alcance instrutivoprimário exigível ao nível da ruralidade e estrato popula-cional idoso de mobilidade precária na província.

(33) – A situação constante da nota de roda pé 31pelo insólito de que se revestiu viria a dar origem a operação“Census Sénior” da GNR, expressa numa ronda por terrasda província, com vista a fazer um balanço de idosos espal-hados em regiões ou locais muitas vezes de difícil acesso,vivendo em situações de isolamento. Embora o objetivoprofundo fosse o de evitar situações como os de decessos/sur-presa e alertar os velhos dos perigos que corriam pelos rou-bos, burlas e perigo de insegurança (o que gerava aindareceios maiores face aos que já viviam) esta vigilância viriaa ter um aspeto positivo, no sentido de detetar casos deidosos, a viver em locais recônditos, sem apoios de espéciealguma. A operação veio a dar conta por exemplo, de queexistiam cerca de 28.000 idosos, dos quais 19.455 viviamsozinhos e 6.565 em locais isolados, alertando as entidadescompetentes dessa situação. Censo posterior confirmariaum aumento de 22,6%, sendo que Viseu é o distrito onde oimpacto dessa situação mais se faz sentir.

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1. Falar de matérias relacionadas com a “Justiçaem Portugal” é sempre pessoalmente um temaatraente, pois lidei ao longo da minha vida profis-sional com a Justiça e aliás, aderi cedo à ideia doDireito, sempre presente no meu imaginário,talvez por influência do meu avô paterno, que foimagistrado, e as suas histórias de deambulaçãopelo País eram contadas lá em casa.

E falar de direitos e códigos, como subtemas,ainda é maisatractivo, poispermite passarpor cima dos tri-bunais, que sãocorrentemente atemática centralem iniciativaspúblicas destetipo, envolvendosistematicamenteos tópicos da in-eficiência e damorosidade dos tribunais na administração daJustiça, a par das questões actuais da judicializa-ção da politica e da politização dos juízes. Se mepermitem só um aparte, já que aludi a tribunais,para dizer que o 25 de Abril de 1974 pouco ounada teve a ver com os tribunais. O próprio Pro-grama do Movimento das Forças Armadas, quelibertou o País de uma ditadura de mais de 40anos, apenas referia a extinção dos tribunaisplenários, os chamados “tribunais especiais”, e aamnistia dos presos políticos, como não podiadeixar de ser, e a dignificação do processo penalem todas as suas fases. Porém, os juízes contin-uaram nos tribunais e poucos foram abrangidospor medidas de saneamento político – e mesmoestes regressaram depois, beneficiando de uma re-abilitação - , os presidentes dos tribunais superi-ores mantiveram as suas funções e o então

Conselho Superior Judiciário, órgão de gestão edisciplina dos juízes, sob a tutela do Ministro daJustiça, prosseguiu nas suas tarefas, sendo curiosoque nas actas das reuniões do Conselho pós – 25de Abril, não há nenhuma alusão ao processo rev-olucionário vivido entre nós.

Portanto, tudo continuou na mesma após o 25de Abril de 1974, no que toca aos tribunais, salvoum ou outro processo ou pormenor, como foi o in-

gresso das mul-heres nasmagistraturas e omodo de recruta-mento dos mag-i s t r a d o s ,substituindo-seos concursos porestágios. Commaior relevo,mais tarde, foi anovidade de umprimeiro passo na

criação da Comissão Constitucional junto doentão Conselho da Revolução, a que depois seseguiu o Tribunal Constitucional, aparecido coma revisão constitucional de 1982 e que começou afuncionar em 1983, já lá vão mais de 30 anos,sempre com uma formação de treze juízes, e é overdadeiro guardião da Constituição daRepública Portuguesa de 1976 (CRP).

2.Volvendo aos direitos e códigos, começamospor aqueles, porque é mais fácil lidar com atemática dos direitos, no sentido mais extenso dosdireitos dos cidadãos.2.1. Com efeito, a panóplia ou carta dos direitosdos cidadãos, desde logo os proclamados ou fixa-dos na CRP, sem esquecer a Carta dos DireitosFundamentais da União Europeia e a ConvençãoEuropeia dos Direitos do Homem, está hoje sedi-

JUSTIÇA em PORTUGAL

Direitos e Códigos, Sistema de Funcionamento e Revisão IndispensávelGuilherme da Fonseca

(Juiz Conselheiro Jubilado)

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mentada, conquanto,no terreno, por vezes,a operatividade dosdireitos depare comdificuldades (vejam-se com mais imedi-atismo os exemplosdo direito à saúde edo direito à educação,onde nem sempre osserviços públicos re-spectivos, porque sãoextintos ou perdempessoal e meios, cor-respondem à procura dos cidadãos, defraudandoas suas expectativas). E acrescentem-se, a par dapesada carga fiscal, os cortes nas remunerações enas pensões/reformas, que todos temos sofridonestes últimos anos de crise.

É, no fundo, uma longa tradição histórica donosso País, que vai entroncar na Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão da RevoluçãoFrancesa, mas que percorre os tempos da Monar-quia do Séc. XIX (a primeira Constituição é de1822), a primeira República, mesmo a ditadurade 40 anos de Salazar/Marcelo Caetano, atéchegarmos ao 25 de Abril de 1974.

Mas, neste ponto, importa fazer distinção entredireitos de liberdade ou direitos, liberdades egarantias pessoais, incluindo os direitos políticos(direitos de cidadania) ou direitos, liberdades egarantias de participação politica, e direitoseconómicos, sociais e culturais, incluindo especial-mente os direitos dos trabalhadores ou das massastrabalhadoras. O que tudo configura o tão procla-mado Estado Social, a que prefiro chamar Estadode Bem-Estar, com lugar também na União Eu-ropeia, por via da Carta Social Europeia.Ora, desde o direito à vida (artº24º) e o direito àliberdade e à segurança (artº27º), com um fortependor garantistico, passando pela liberdade deexpressão e informação (artº37º), reflectida naliberdade de imprensa (artº38º), pela liberdade deconsciência, de religião e de culto (artº41º), atéchegar ao direito de reunião e de manifestação,aquele, pelo menos, “sem necessidade de qualquer

autorização” (artº45º)e à liberdade de associ-ação (artº46º), tudoisto, en passant, consti-tui, no meu entendi-mento, o núcleo durodos direitos, liberdadese garantias pessoais.Depois, temos os dire-

itos, liberdades egarantias de partici-pação política, conden-sados nos artºs 48º a52º, da CRP, com

destaque para a participação na vida pública,para o direito de sufrágio, que “é pessoal e consti-tui um dever cívico”, e para “o direito de consti-tuir ou participar em associações e partidospolíticos”.

Por fim, o quadro do tal Estado de Bem-Estar,que é preenchido na CRP por múltiplos e diversi-ficados direitos, como são, com maior significado,os direitos dos trabalhadores – à cabeça, o direitoao trabalho, o direito à retribuição do trabalho, odireito à segurança no emprego, com proibição dodespedimento sem justa causa, e o direito à greve-, todos eles constando dos artºs 53º e 59º, o direitode propriedade privada (artº62º), o direito à segu-rança social (artº63º), o direito à protecção dasaúde, com a proclamação de um serviço nacionalde saúde universal e geral, o SNS, tendencial-mente gratuito (artº64º), o direito à habitação(artº65º), o direito a um ambiente de vida hu-mano, sadio e ecologicamente equilibrado(artº66º), o complexo dos direitos relativos àfamília (artºs 67º, 68º e 69º) e o direito á educaçãoe à cultura, que se estende ao direito ao ensinocom garantia do direito à igualdade de oportu-nidades de acesso e êxito escolar, sendo o ensinobásico universal, obrigatório e gratuito (artº74º).Todo este quadro normativo da Lei Fundamental,retratando os direitos fundamentais, em que osconstituintes se empenharam em dar tradução àstarefas fundamentais do Estado assinaladas noartº9º, entre as quais se salienta, como objectivoprimacial, a promoção do bem-estar e da quali-

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dade de vida do povo e a igualdade real entre por-tugueses (alínea d), é um modelo em termos de di-reito comparado e, no essencial, ilumina todo oordenamento jurídico infra-constitucional, po-dendo dizer-se que o legislador tem sabido, emgeral, adoptar soluções que obedecem, na sua lit-eralidade, aos ditames/comandos constitucionais.E não podia deixar de ser assim, pois, doutromodo, abrir-se-iam confrontos com normas eprincípios que constam ou se extraem da CRP, eque o Tribunal Constitucional não deixaria certa-mente passar, na sua acção fiscalizadora documprimento da CRP, como seu guardião (há, porvezes, maus exemplos de medidas legais que ten-tam escapar a essa acção, como tem acontecidocom normas das últimas leis orçamentais, que nãoescaparam a juízos de censurabilidade do Tribu-nal Constitucional).

2.2. Reflectindo agora sobre os códigos, que sãomuitos, talvez mesmo demasiados (sempre houveentre nós um frenesim na produção legislativa, ed-itando-se normas sobre tudo e sobre todos, comose elas fossem a única solução para os problemasquotidianos), podemos encontrar na CRP creden-ciais para os códigos, pelo menos, para os grandescódigos, mas não só.

Assim, da CRP extraem-se referências sobre oCódigo Penal e o Código de Processo Penal, para-lelamente, o Código da Execução das Penas e Me-didas Privativas da Liberdade, sobre o CódigoCivil e o Código de Processo Civil, o Código doTrabalho e o Código de Processo do Trabalho, (apar o Regime do Contrato de Trabalho emFunções Públicas), o Código de Processo nos Tri-bunais Administrativos e o Código do Procedi-mento Administrativo, o Código Administrativo,que agora é meramente residual, o Código Com-ercial e o Código da Insolvência e da Recuperaçãode Empresas, o Código das Sociedades Comerci-ais, o Código de Processo e Procedimento Trib-utário (a par da Lei Geral Tributária), o Códigodas Custas Judiciais, o Código Cooperativo, oCódigo da Estrada, o Código de Direitos de Autore Direitos Conexos, o Código dos Valores Mobil-iários, o Código do Notariado e os Códigos dos

Registos, Civil, Predial e Comercial, o Código dasExpropriações, o Código dos Contratos Públicos,o Código da Publicidade, o Código dos Resíduos,o complexo dos Códigos tributários/fiscais (oCódigo do IRS, do IRC, do IVA, e do IMI, por ex-emplo), o Código dos Regimes Contributivos e Sis-tema Previdencial de Segurança Social.

Enfim, todo um universo de diplomas legais,com a designação de Códigos, a que certamentefaltam alguns títulos, e que são fontes primáriasde outras normas de hierarquia inferior, que oscomplementam ou dão-lhes execução.

A outro nível e com outros nomen júris, nãopodemos esquecer os estatutos dos juízes e dosmagistrados do Ministério Público e também dosadvogados, a nova lei de reorganização judiciáriae o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, a lei do acesso ao direito e aos tribunais, a leido regime da responsabilidade civil extracontrat-ual do Estado e demais entidades públicas, a leido Tribunal Constitucional, sobre organização,funcionamento e processo desse tribunal, o Es-tatuto do Provedor de Justiça e o RAU, o regimedo arrendamento urbano. De seguida, temos osestatutos politico-administrativos dos Arquipéla-gos dos Açores e da Madeira, a lei quadro das Au-toridades Reguladoras, os importantes corpos deleis que regem a Administração Pública, o PoderLocal, as Forças Armadas e as Forças de Segu-rança e os processos eleitorais que regulam aseleições para a Presidência da República, a As-sembleia da República, as autarquias locais, epara as Regiões Autónomas dos Açores e daMadeira e ainda para o Parlamento Europeu.Este é um outro universo de leis, as que parecemser mais relevantes, e também fontes primárias deoutras normas de hierarquia inferior, que as com-plementam ou dão-lhes execução.

Quer dizer: deparamos no nosso ordenamentojurídico-infraconstitucional com todo este arconormativo primário, regido pelo princípio da pre-cedência da lei, que preenche uma verdadeira egrande biblioteca jurídica para quem seja gener-alista em todas as áreas do Direito. Daí que secaminhe cada vez mais para a especialização entreos magistrados e os advogados.

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2.3. E, depois, acima desse ordenamento, paraalém da CRP, vamos encontrar o direito interna-cional público, sobretudo, o de natureza conven-cional, a que se refere o artº8º da CRP, acrescendoo direito da União Europeia, cujos actos jurídicos– directivas e regulamentos – são transpostos paraa ordem interna portuguesa sob forma de lei, de-creto-lei ou decreto legislativo regional (artº112º,nº8), com aplicação “nos termos definidos pelo di-reito da União, com respeito pelos princípios fun-damentais do Estado de direito democrático”(artº8º, nº4). É uma fórmula verdadeiramente in-feliz, que não tem merecido tratamento na Dout-rina, resultante de uma das últimas revisõesconstitucionais, conferindo, todavia, umaprevalência absoluta ou quase absoluta do direitoda União, e pouco vale aquela ressalva da fórmulafinal do nº4.

Enfim, mais um traço distintivo da perda dasoberania nacional, aqui, no plano das leis por-tuguesas, que, em principio, têm de ceder peranteo direito da União.Levando tudo isto às últimas consequências, podeestabelecer-se uma ordem hierárquica nova dosactos normativos: a CRP, que é indiscutível posi-cionar em primeiro lugar, o direito da União Eu-ropeia e o direito interno português, com umamancha desenhada no artº112º da CRP.Mas há ainda mais dois aspectos negativos acol-

hidos na CRP: em primeiro lugar, a aceitação dajurisdição do Tribunal Penal Internacional, nascondições de complementaridade e demais termosestabelecidos do Estatuto de Roma (artº7º, nº7),com todas as sequelas negativas que esse Estatutosignifica para o nosso País; e em segundo lugar,em matéria de extradição, a aplicação das normasde cooperação judiciária penal estabelecidas noâmbito da União Europeia (artº33º, nº5), uma vezmais a prevalência absoluta do direito da União.Este é outro traço da perda da soberania nacional,com consequências negativas para os cidadãos na-cionais.

3. Para terminar o programa deste painel, háque ponderar os efeitos do sistema de funciona-mento e da revisão indispensável, que são tópicosque transversalmente tocam nos direitos e nos

códigos que acabamos por identificar e descreverem breves palavras. Sabendo nós que direitos,pelo menos, os principais, de que somos titularese que códigos, a par de outros corpos legislativos,nos regem, importa ainda saber se tudo isso fun-ciona e se é ou não indispensável uma revisão,ainda que ela seja localizada e pontual. E, depois,fica pronto o edifício que teremos à nossa frente.

Desde já, previno que vou ser curto nessa pon-deração, pois, relativamente aos direitos, eles sónão são eficaz e totalmente operacionais, na nossavida quotidiana, porque há sempre perturbaçõesou agressões da parte do Poder Politico e dospoderes públicos que o servem, e não só, por viade actos jurídicos e actos materiais que chegammesmo a infringir normas e princípios constitu-cionalmente consagrados. Se isto não é tantoassim com os direitos de liberdade e os direitospolíticos, pois não se vêem patentemente por aí,da parte das autoridades públicas, por exemplo,manifestações proibidas, torturas ou maus tratosa presos, reuniões na via pública mandadas dis-persar, domicílios violados, aplicação de penasque não estejam expressamente cominadas em leianterior, atropelos á liberdade de expressão e áliberdade de imprensa, o mesmo não se passa comos direitos que integram o chamado Estado Socialou Estado de Bem-Estar.

Na verdade, as perturbações e agressões sãomuitas e atingem todos os sectores sociais, em pre-juízo dos cidadãos. São, a título meramente ex-emplificativo, os mais variados cortes nasremunerações e nas pensões/reformas, atingindoa dignidade da pessoa humana, que é uma ban-deira do nosso Estado de direito democrático,apanhando também o funcionamento dosserviços públicos, com prejuízo do seu funciona-mento, a extinção ou encerramento de algunsdesses serviços, com destaque especial na edu-cação e na saúde e o seu SNS, sem esquecer os tri-bunais das comarcas, e o ataque aos direitos dostrabalhadores (a precaridade do vínculo laboral,a flexibilização da relação de emprego, apressão/assédio sobre os trabalhadores, para seatingirem objectivos inconfessáveis).

Em suma, tem de reconhecer-se que há pontos

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de ruptura no funcionamentodos direitos, cabendo o controloaos tribunais, em geral, e, em es-pecial ao Tribunal Constitu-cional, sob o impulso doscidadãos prejudicados.

Já no que toca a uma revisãoindispensável desses direitos,permito-me afirmar que deixe-mos estar os direitos como estão,iluminados por uma CRP, que éum modelo, e que pode comple-mentar-se com instrumentos in-ternacionais.Isto, porém, não quer dizer que

não se possa a questionar um ououtro direito, como seja, o direitoà justiça, (acesso ao direito e aostribunais), que nunca satisfez os cidadãos inter-essados/litigantes, ou o que se passa, em especial,no patamar do processo penal (o segredo dejustiça e o modelo do juiz de instrução, ou o es-tatuto da vítima, por exemplo), ou ainda um ououtro aspecto dos processos eleitorais, comosejam, o voto preferencial, e o voto obrigatório,que actualmente estão na ordem do dia, e os cír-culos uninominais.

Quanto aos códigos, eles, de um modo geral,estão bem, tanto quanto se possa dizer que umalei está bem na aplicação aos seus destinatários,pois a interpretação e a integração das lacunasdas normas jurídicas nem sempre é uma tarefasimples.

E a crítica mais significativa, relativamente aofuncionamento dos códigos, está na continuada epersistente iniciativa do legislador em alterar ourevogar partes dos códigos. Alguns, como oCódigo Penal e o Código de Processo Penal, quesão relativamente recentes, já sofreram dezenasde alterações – também o Código do Trabalho vaino mesmo caminho – e o mesmo se vinha pas-sando com o Código de Processo Civil, que agoraé novo, e veio substituir um anterior que era umaautêntica manta de retalhos (e incompreensivel-mente o legislador destacou o processo inventário,privatizando-o em legislação avulsa). E que dizerdas leis orçamentais, que alteram sempre in-

úmeros diplomas legais, sobre-tudo, os códigos fiscais, o que échocante verificar todos os anos?Relativamente a uma revisão in-

dispensável desses códigos, eu re-sisto sempre a essa ideia derevisão, pois os corpos de leisdevem ser testados ao longo dosanos e era bom que de cada umdeles constasse uma cláusula irre-versível de revisão à la longue,mantendo-se, entretanto, intoca-dos. É que é sempre complexa aquestão da sucessão das leis notempo, isto é, saber se é a nova leiou é a lei antiga que se aplica, oque se agudize quando há proces-sos pendentes nos tribunais.

Mas, felizmente, na actualidade, temos já ocitado novo Código de Processo Civil, um novoCódigo de Estrada, um novo Código do Procedi-mento Administrativo, e avizinha-se um novoCódigo de Processo nos Tribunais Administra-tivos, já em sede da Assembleia da República (sónão posso ser tão positivo com a nova lei de reor-ganização judiciária, que ainda não provou ser amelhor solução para a administração da Justiça,e com o falhanço da revisão dos estatutos dosmagistrados, indispensável para complementaraquela lei).

4. Enfim, em jeito de CONCLUSÃO, se um dosobjectivos desta conferência é mostrar que nesteséculo XXI podemos atingir um Portugal maisjusto, eu não vos quero desiludir, mas devo con-fessar que não acredito muito nessa meta. Mas, sequeremos atingi-la então temos de percorrer umlongo caminho, desde logo, recuperando, de vez,a nossa soberania e independência nacionais, sejadentro ou fora da Zona Euro, e depois implantarum sistema de justiça que vá ao encontro doscidadãos e dos direitos e interesses legalmente elegitimamente protegidos, sempre com respeitopela CRP. O que também passa pela atenção atodos os meios/instrumentos, constitucionais elegais, ao dispor dos cidadãos para defesa de taisdireitos e interesses.

Daumier. A Grande Escadaria

do Palácio da Justiça, 1862

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A eutanásia é a morte de uma pessoa de maior-idade provocada por outra, a pedido da que émorta, portanto, um acto voluntário livre, carac-teristicamente racional, consciente e sério, em quese exige uma dupla decisão, a da pessoa que querser morta e a da que aceita executar o pedido quelhe é feito.

Distingue-se da ajuda ao suicídio e da morte as-sistida.

É um tema com que convivi sempre desde aidade escolar, pois ouvi muitas vezes em casa falarda eutanásia, de que meu Pai era adepto e divul-gava em conversas recorrentemente, defendendoa sua despenalização.No fundo, trata-se de um direito de cada um dis-

por da própria vida, deste corpo que é nosso, quepossuímos e sobre cuja existência podemos decidirem liberdade.Por acto de justiça e de respeito pelo meu Pai, per-mito-me transcrever aqui algumas das suaspalavras escritas e publicadas nos jornais:

“Praticar o bem, ao eliminar a dor de entes

queridos, vencendo maior ou menor reacção deordem sentimental, só pode merecer a gratidão dequem o recebe e de todos que o conhecem e sen-tem.Não pode haver lugar a problemas conscienciais,

mas apenas a méritos humanitários que actuamcomo bálsamos no íntimo dos responsáveis e comoactos dignificados para os restantes.

A morte tem de encarar-se com toda a sua real-idade, como fase inevitável da evolução damatéria. Impõe-se despi-la do fatalismo e tran-scendência com que foi enroupada pela cegueirado passado.

Um dos maiores, senão o maior benefício que ohomem pode receber da natureza, é um fimrápido e incolor. Morrer com sofrimento e, acimade tudo consciente, tem de ser algo terrifico, deincredível tortura.

Assim sendo, o que é inafável, que alivio paratodos os viventes, saber de certeza que tal tragé-dia nunca lhe poderia suceder!

Tiremos as teias de aranha que ainda enleiam a

D o s s i e r E u t a n á s i aPublicam-se no presente número do Boletim dois textos sobre o problema

da eutanásia: um, de autoria do nosso associado Conselheiro Guilherme da Fonseca,favorável à consagração legal desse instituto; outro, de autoria do economista

Dr. Jorge Almeida, pronunciando-se em sentido contrário. Este último texto é umpequeno excerto, seleccionado pela redacção do Boletim, com autorização do autor,

de comunicação por este apresentada à Conferência Internacional no 50º Aniversário dos Pactos de Direitos Humanos da ONU, realizada em Lisboa

nos dias 10 a 12 de Novembro de 2016, sob o título “Eutanásia e Direitos do Homem: uma aproximação marxista”.

Simultaneamente, incluímos também neste pequeno dossier uma intervenção doDeputado António Filipe na Assembleia da República, no dia 1 de Fevereiro de 2017,

sobre a petição que solicitou a despenalização da morte assistida.Agradecemos aos autores dos três textos esta preciosa colaboração para o Boletim da APJD, cujo espaço (digital) fica à disposição dos estimados leitores que queiram

partilhar os seus comentários e opiniões sobre tão relevante tema.

E u t a n á s i aGuilherme da Fonseca

(Juiz-Conselheiro Jubilado)

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presente orgânica da sociedade eprocuremos viver dentro do realismoda existência, pondo de parte todosos condicionalismos artificiais decuja ausência não resultem prejuízospara terceiros.Com o aumento da liberdade au-menta o bem estar, pela redução dosconstrangimentos”.

Mas, a eutanásia não opera por sisó – quero morrer e alguém executao pedido -, pois depende de certosrequisitos e tem de obedecer a deter-minados procedimentos, além daprevisão de uma comissão nacionale permanente de acompanhamentoe avaliação da eutanásia.

Entre aqueles, registem-se o re-querimento ou pedido formal, por escrito, em de-claração escrita antecipada, à semelhança dotestamento vital, da pessoa de maioridade quequer intencionalmente e livremente pôr termo àvida, sem qualquer pressão exterior, com indi-cação das razões que fundamentam o pedido. De-pois, o acompanhamento do pedido do requerentede um atestado ou certificado médico e tambéma indicação e identificação do médico ou do

serviço médico que é desejado parapraticar a eutanásia.Entre os procedimentos, registem-se

a aceitação formal pelo médico oupelo serviço médico do requerente doseu pedido, a consulta de segundomédico ou de serviço médico, paraconfirmação e o acompanhamentomédico e familiar regular do estado desaúde do requerente até a con-sumação da eutanásia, devendodecorrer, pelo menos, um mês entre opedido da eutanásia.Reconhecendo-se que há uma fortís-

sima e primitiva vontade de viver oude sobreviver a que não escapa a áreainstintiva da espécie humana, nãopode, porém, negar-se a autonomia e

a autodeterminação do ser humano em que as-senta o principio ético que justifica a eutanásia.Enfim, um verdadeiro direito a morrer com dig-

nidade que até deveria ter assunto na Lei Funda-mental.Estando actualmente presentes na Assembleia daRepública projectos de lei do BE e do PAN, é nat-ural que proximamente tenhamos uma LEI sobrea EUTANÁSIA.

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Tanatos.deus grego da morte

Eutanásia e Direitos do Homem: uma aproximação marxistaJorge Almeida

(Economista)

Impulsionada por forças liberais a eutanásia temvindo a ganhar adeptos entre os representantesdos partidos dominantes nos Estados Unidos e naUnião Europeia, num momento em que, coinci-dentemente, a ciência disponibiliza já os meiospara eliminar por completo a dor mesmo noscasos mais problemáticos.

Enfrentando um desafio colocado pelo envelhec-imento de uma larga franja da população asclasses dominantes e as elites governantes que asrepresentam não conseguiram ainda gizar umasolução integrada, eficiente e universal que lhe dêresposta.

O modelo social-democrata de Estado Social, de-senhado num momento de expansão económica epopulacional e de ausência de meios eficazes ebaratos de contraceção, não parece capaz de resi-stir à pressão simultânea de um aumento de cus-tos com pensões e de despesas com a saúde semuma significativa alocação adicional de recursosde que as classes dominantes não estão dispostasa abrir mão. Neste contexto a sua preocupaçãoprincipal prende-se mais com a redução de custosdo que com o alívio permanente do doente termi-nal numa situação dolorosa.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos

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surge num momento histórico marcado pelavitória das forças aliadas contra o nazi-fascismodas potências lideradas na Europa pela Alemanhae na Ásia pelo Japão. A força do Exército Ver-melho permitiu à União Soviética tornar-se atorincontornável na novel Organização das NaçõesUnidas e desempenhar um papel determinante notexto da Declaração Universal dos Direitos Hu-manos, dando-lhe um cunho social e humano degrande alcance, muito para lá de declarações an-teriores, como a da Sociedade das Nações de quea URSS estava arredada.

Central a todos os Direitos consagrados está oinalienável Direito à Vida. Sem ele todos os outrosperdem a sua força e toda a sua elaborada con-strução periga. O artigo 3ª da Declaração Univer-sal dos Direitos do Homem proclama que “Todoo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à se-gurança pessoal”. Os Direitos Humanos são nodizer da própria declaração “direitos iguais e in-alienáveis” e constituem o fundamento da “liber-dade, da justiça e da paz no mundo”. O quesignifica que estes direitos são direitos in-alienáveis? Significa que não podem ser renunci-ados pelos próprios. Afastar o conceito deinalienabilidade do principal direito humano sig-nifica criar um terrível precedente que põe emcausa toda a estrutura dos Direitos Humanos,abrindo portas, por via da renúncia individual, àservidão, à discriminação de toda a ordem, à tor-tura e a todo um conjunto de atropelos dos dire-itos dos mais fracos e dos mais frágeis.

Os defensores da eutanásia assentam os seus ar-gumentos em dois pilares principais, ambos pro-fundamente errados e perigosos: a autonomia doindivíduo e a indignidade da vida de certas pes-soas. E perguntam: será que as pessoas “têm o di-reito de decidir que, quando asua existência física deixa deconstituir uma vida digna”?

O conceito que aqui choca porfrio, horrendo, vindo de ummundo de barbárie e sangue deinocentes é o de “vida indigna”ou uma vida que não é “umavida digna”. Não há, é preciso

afirmá-lo com clareza e com firmeza, nenhumavida humana que seja indigna, todas são dignas.O conceito de vida indigna ou de vida que deixoude ser digna é um, importa dizê-lo abertamente,conceito fascista que não deve ter lugar emdemocracia ou no socialismo.

Mas como pode alguém decretar o que é umavida indigna, uma vez que tal coisa não existe. Éindigno o sofredor? É indigno o pobre? É indignoo deficiente físico, ou o que padece de debilidadefísica? É indigno o deficiente mental? É indignoo membro de alguma minoria étnica? Qual? Osjudeus? Os palestinianos?

O sofrimento pode atingir níveis indignos, comona pobreza, na tortura, ou em certas doenças ter-minais. Mas o sofredor não é indigno. O sofri-mento pode hoje ser ultrapassado, quer pela cura,quer pelas terapias anti dor que são atualmentecompletamente eficazes. Por razões meramenteeconomicistas estes tratamentos são negados amuitas pessoas, mas o que devemos defender é asua universalização e não a morte do doente.

Todas as vidas são dignas. O que há é situaçõesindignas, como certas formas de pobreza e de dor.O que há a fazer é eliminar essas situações e nãoas suas vítimas.

É errado pensar na eutanásia como suicídio, elemesmo um fenómeno social e não do foro individ-ual, uma vez que todas as modalidades conheci-das, propostas e implementadas tiveram semprecomo elemento fundamental a autorização porentidade estatal.

Os Direitos Humanos são inalienáveis e só assimpodem garantir proteção aos mais fracos e despro-tegidos. Se os direitos poderem ser renunciados,deixam de se aplicar a vastos grupos sociais que

serão facilmente pressionados para aeles renunciarem, e entraremos numazona de barbárie onde tudo vale.

Para travar a Eutanásia é impor-tante assegurar que a esquerdamarxista e os ativistas cristãos en-contrem uma plataforma comumque impeça a institucionalizaçãodesta barbárie.

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Senhor Presidente,Senhores Deputados,

Em nome do Grupo Parlamentar do PCPcumprimento os subscritores desta petição.

É a primeira vez que o tema da eutanásia é ob-jecto de debate nesta Assembleia. Certamente quenão será a última. Iniciamos hoje um debatesobre um tema de grande importância e complex-idade, debate que se pretende aprofundado esério, sem preconceitos nem demagogia, e sobre-tudo realizado na base da tolerância para com asdiferentes convicções que certamente se irão man-ifestar.Não é neste debate de três minutos a cada grupo

parlamentar que o tema da eutanásia terá o de-bate que se exige. É certo que a fase preparatóriadeste debate contou com a participação valiosade diversas personalidades que nos ajudaram a re-flectir sobre a matéria e que tornou muito evi-dente a sua complexidade e a diversidade deopiniões e de perspecti-vas que a rodeiam.

Para o PCP, o debatesobre a eutanásia nãopode ser uma guerra detrincheiras entre os quequerem ver a eutanásiareconhecida e reguladana lei custe o que custare os que querem impediresse reconhecimento eregulação a qualquerpreço. Estamos a falar dealgo de tão importantecomo a vida humana. Omais fundamental detodos os direitos funda-mentais. O debate sobrea eutanásia não é um de-bate de religiosos contraateus. Não é um debate

de juristas contra médicos. Não é um debate emque alguma das posições tenha o monopólio daclarividência. Este debate deve decorrer no re-speito pelas diferenças de opinião e o seu resul-tado futuro deverá ser um denominador comumque reúna um consenso razoável na sociedadeportuguesa.Porém, para que o debate de hoje tenha um sen-

tido útil, há alguns aspectos que queremos deixarexpressos desde já.

Partimos do pressuposto de que todos os inter-venientes neste debate têm como objectivo pri-mordial aliviar o sofrimento insuportável de sereshumanos. É um objectivo generoso que todos cer-tamente compartilhamos. Mas não encaramos aeutanásia como um sucedâneo dos cuidados palia-tivos. Independentemente de soluções legislativasque venham no futuro a ser adoptadas na sequên-cia desta petição, nada pode substituir a necessi-dade de uma resposta eficaz – que ainda nãoexiste – em matéria de cuidados paliativos.

Um segundo ponto quequeremos deixar claro éque nunca aceitaremossoluções que possam con-duzir a uma deriva eco-nomicista da eutanásiacomo forma de aliviar osencargos com a saúde ou asegurança social. Nenhumdos subscritores destapetição foi por esse cam-inho, mas não falta poreste mundo quem o sugiraou mesmo quem o defenda.

Um terceiro ponto queimporta sublinhar é quenão tomamos as soluçõeslegislativas adoptadas emoutros países, de entre ospoucos que até agora regu-laram a eutanásia, como

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Sobre a petição que solicita a despenalização da morte assistidaIntervenção do deputado António Filipe na Assembleia da República

Eva Bonnier, Reflexão em azul, 1887

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modelos inquestionáveis. O balanço dessas ex-periências está por ainda por fazer, mas não neg-amos que as notícias que nos chegamdesignadamente da Holanda são um tanto per-turbadoras quanto à possibilidade real de uma de-riva conducente à banalização da eutanásia.

Temos pois de prosseguir a reflexão. Temos defalar uns com os outros e trocar experiências. Aexperiência e a opinião dos profissionais de saúdeé decisiva, pois é sobre os seus ombros que recaiuma responsabilidade inalienável nesta matéria.

A eutanásia tem um passado histórico queninguém aqui pretende repetir, mas que não podeser ignorado. A eutanásia foi usada como instru-mento de eugenia e de supressão de pessoas aquem não se reconhecia dignidade para viver. Seaqui e agora o lembramos é para que fique muitoclaro que não é disso que estamos a falar, mastambém para lembrar que se há condições indig-nas de vida, não há vidas indignas, porque todasas pessoas são iguais em dignidade e direitos.Disse.

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B r a s i l : o c a s o L u l a

Na sua edição de 18 de Julho de 2017, o jornal I publicou um artigo do Dr. Fernando Hideo Lacerda, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica

de São Paulo, sobre a sentença do juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão. Nesse trabalho, o Prof.Fernando Lacerda escalpeliza os argumentos da referida sentença condenatória, alegando que a mesma

evidencia uma completa falta de provas e um sentido político persecutório – à margem da lei e dos princípios jurídicos aplicáveis.

Contactado pela redacção do Boletim da APJD, o Prof.Fernando Hideo Lacerda teve a gentileza não só de autorizar a reprodução do artigo publicado no jornal I, mas ainda de outro trabalho seu

intitulado “A caçada de Lula pelo processo penal de exceção na era da pós-verdade” – que precisamente se reproduz neste número do Boletim.

Quanto ao artigo também publicado em Portugal no jornal I, pode ser consultado pelos nossosleitores no seguinte site:

https://www.sul21.com.br/jornal/breves-consideracoes-sobre-sentenca-contra-lula-por-fernando-hideo-i-lacerda/

Deixamos aqui o nosso público reconhecimento pela colaboração do Prof.Fernando Hideo Lacerda– que esperamos ver repetida em próximos números do Boletim da APJD (que é uma publicaçãotambém solidária com as lutas da “classe marginalizada, perseguida e discriminada”, vítima da

“tradicional violência” das elites dominantes).

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Mais convicções, menos fatos. Marca dos nossostempos, a “pós-verdade” – eleita palavra do anode 2016 pelo Dicionário Oxford – traduz as cir-cunstâncias em que fatos objetivos têm menosrelevância do que apelos a emoções e crenças pes-soais.

É somente no contexto desse Império da pós-verdade que a sentença que condenou o ex-presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva pode sercompreendida como o ápice da nova curva au-toritária do processo penal de exceção próprio dadécada de 2010.Partimos de trêspremissas.Como premissainicial, temos queo direito penal éum instrumentotirano de controle,manipulado poruma Polícia Mili-tar que atua comoforça de ocupaçãoterritorial, porPolícias Judi-ciárias e Min-istérios Públicosque investigam eprocessam seletivamente e por um Poder Judi-ciário que ignora as leis e a Constituição Federalpara julgar de acordo com suas próprias con-vicções amparadas na opinião publicada pelosgrandes meios de comunicação.Nesse sentido, basta olhar no retrovisor paraperceber que a atribuição da condição de ser hu-mano aos escravos ocorreu para que lhes pudesseser imputada a prática de crimes. “Coisas” nãocometem crimes, logo foi preciso transcender acondição de “coisa possuída por um senhor” parapossibilitar a aplicação de sanções criminais.Assim é que “o primeiro ato humano do escravo éo crime, desde o atentado contra o seu senhor à

fuga do cativeiro”. Pura e simples dominação,desde o início.A segunda premissa é que o sistema de justiçacriminal orienta-se pelo interesse das elites.Nunca superamos a cultura da escravidão. Seantes identificávamos casa grande, senzala ecapitães do mato como elementos sociais bem de-lineados, hoje devemos compreender a estruturacamuflada na qual convivem veladamente Estadode direito, Estado permanente de exceção e Polí-cia Militar.A casa grande enquanto reduto do senhorio deu

origem à formajurídica de umEstado pretensa-m e n t edemocrático dedireito destinadoà população in-cluída, onde dire-itos e garantiasfundamentais sãoassegurados deacordo com aconveniência deum pensamentodominado pelaelite econômica.

Em situação diametralmente oposta, a senzalaevoluiu para um Estado de exceção permanentedestinado aos excluídos, onde vige a lógica docombate seletivo à população pobre e marginal-izada por meio da imposição do medo e do terrora partir da aplicação severa das normas incrimi-nadoras e negação ao direito de defesa.Não é difícil perceber que a missão outroraatribuída aos capitães do mato, agentes da re-pressão e castigo aos escravos, foi confiada ao sis-tema de justiça criminal, notadamente à PolíciaMilitar instituição incompatível com um regimedemocrático que atua, por um lado, como forçade proteção dos interesses (bens jurídicos?) da

A Caçada de Lula pelo Processo Penal na Era da Pós-Verdade

Fernando Hideo I. Lacerda (1)

O Juíz Sérgio Moro e Luís Inácio Lula da Silva

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classe dominante e, de outra parte, como força deocupação territorial e repressão à populaçãopobre.

Essa é a lógica do Estado de exceção contem-porâneo: combater o inimigo com aparência de le-galidade institucional. Assim, o sistema de justiçacriminal desempenha a função de agente da ex-ceção, com o intuito de atribuir legitimidade àprática de medidas essencialmente autoritáriascom verniz de legalidade.

A premissa final para compreendermos essefenômeno é compreender que a caçada não atingeLula apenas enquanto indivíduo, mas a sua rep-resentação simbólica como projeto de uma so-ciedade mais justa e menos desigual.Naturalmente, uma sociedade orientada pela lóg-ica escravocrata não assimilaria uma redução dosprivilégios sem demonstrar resistência. Para isso,o mecanismo utilizado é o que tenho chamado deprocesso penal de exceção.Em nosso país, ao contrário do Direito Penal do

Inimigo à moda de Günther Jakobs, não temosdois direitos penais legislados e regulamentadosabstratamente de forma distinta para cidadãos einimigos (tal qual o combate ao inimigo terroristaestadunidense e seu Patriotic Act).

No nosso ordenamento jurídico, vige oficial-mente o mesmo direito penal, as mesmas normasdo sistema criminal, porém aplicadas e interpre-tadas oficiosamente de modo diferente por meiodo que temos denunciado como processo penal deexceção.

Se o inimigo de séculos atrás era dominado nocontexto de uma relação explicitamente escrav-ocrata, nos dias de hoje é o sistema de justiçacriminal quem desempenha veladamente amesma função. Segundo levantamento realizadopelo IDDD, mais de 90% dos presos entrevistadosrespondem por crimes contra o patrimônio (furto,roubo e receptação) ou tráfico de drogas: eis apura e simples criminalização da pobreza quemarcou toda a nossa República.Ocorre que, paralelamente ao tradicional conceitode inimigo (o pobre: rotulado de ladrão, trafi-cante, bandido), a década de 2010 assistiu ao

surgimento de uma nova curva autoritária medi-ante a ampliação do arbítrio do sistema de justiçacriminal para a parcela da classe política queocupou o governo nacional até ser derrubada pelogolpe de 2016. Durante sua sabatina no Senado Federal, o atual

Ministro do Supremo Tribunal Federal LuísRoberto Barroso identificou o julgamento da AP470 como um ponto fora da curva: “Eu acho queo mensalão foi, por muitas razões, um ponto forada curva, mas não correspondeu a um endureci-mento geral do Supremo no caso específico“.

Não era apenas um ponto, mas o início de umanova curva. Um novo arco histórico autoritário:o julgamento do Mensalão foi o primeiro passodeste atual modelo do processo penal de exceção,segundo o qual o sistema de justiça criminal passaa ser manipulado de acordo com conveniênciaspolíticas, seletivamente direcionadas pelo podereconômico e pelo sistema midiático.

A semente plantada pelo STF germinou nachamada operação Lava Jato, em que o processopenal deixa de ser a apuração de um fato concretopara materializar-se em perseguição direcionadaa alvos politicamente selecionados, que se iniciampor meio de delações premiadas ilegais; se desen-volvem mediante condições coercitivas e ameaçasde prisão arbitrárias com o intuito de inviabilizara defesa; são julgados conforme a pressão dos sis-temas econômico e midiático; e impõem puniçõesantecipadas que transcendem o âmbito jurídicomediante prisões cautelares ilegais e vazamentosseletivos que contribuem para o espetáculo de ex-ecração pública antes de um julgamento oficial.Elege-se um inimigo oficial chamado de “cor-rupto”, a ser incessantemente perseguido policial,judicial e midiaticamente. Tratando-se de rótuloabstrato capaz de dissimular a perseguição conc-reta e seletiva dos adversários políticos, o “com-bate à corrupção” atende aos interesses do podereconômico em nosso país, tal qual o “combate aoterrorismo” no direito estadunidense.

Nesse ponto é irretocável a lição de Zaffaroni,para quem "tanto o crime organizado como a cor-rupção são funcionais para habilitar o poder puni-tivo e a intromissão do Estado em qualquer

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atividade econômica incomoda ao governo deplantão ou que seja útil para eliminar ou difamaros competidores, sem os limites nem as garantiasconstitucionais para tais intervenções. Ademais,a campanha contra a corrupção parece estar maispreocupada em evitar maiores custos aos investi-dores estrangeiros em países periféricos do que nosprincípios éticos que são enunciados ou nos danosestruturais que causam às economias locais".

Dessa forma, a condenação do ex-presidenteLula é o ápice da nova curva autoritária que visacombater o inimigo político (governo popular:chamado de “corrupto”), legítimo representantedo tradicional inimigo econômico (pobre:chamado de “ladrão, traficante, bandido”).

O processo penal de exceção é um antiprocesso.É a forma jurídica da perseguição política eeconômica na era da pós-verdade. É a violaçãodos direitos e garantias fundamentais de umaparcela da população (e de seus representantessimbólicos) com verniz hipócrita de licitude. Éfruto da manipulação do sistema de justiça crim-inal (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciárioe mídia) para atender aos interesses do mercadocontra seus verdadeiros inimigos: o pobre, mar-ginalizado e oprimido.Na visão do mercado (o soberano na contempo-

raneidade), o inimigo não pode ter sequer perspec-tivas mínimas de ascensão: aeroportos não podemparecer rodoviárias, universidades devem ser priv-ilégio das classes superiores, shopping center nãoé lugar de rolezinho, automóvel não é para qual-quer um...

Como bem observado por Pedro Estevam Ser-rano , a perseguição contra Lula não é o atentadocontra um indivíduo, mas representa a guerra domercado contra o símbolo maior (talvez único, nocenário político atual) de mudança social e ascen-são dos indesejados contra os privilégios da elite.Mas não duvidem: o arbítrio contra alguns mem-bros da classe privilegiada (direcionado seletiva-mente contra aqueles que não representam osinteresses e privilégios do mercado) só intensifi-cará (e já está dando provas disso...) a tradicionalviolência contra a classe marginalizada,perseguida e discriminada pelo poder econômico.

A história cobrará seu preço daqueles que nãoquerem ver que não veem aquilo que não veem.

Notas:1. Fernando Hideo Iochida Lacerda – Advogado

criminalista e professor de Direito ProcessualPenal da Escola Paulista de Direito, mestre edoutorando em Direito Processual Penal pelaPontifícia Universidade Católica de São Paulo.

2.“After much discussion, debate, and research,the Oxford Dictionaries Word of the Year 2016 ispost-truth – an adjective defined as ‘relating toor denoting circumstances in which objectivefacts are less influential in shaping public opinionthan appeals to emotion and personalbelief ’”.(https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016

3. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial.3. ed.São Paulo: Ática, 1980, p.62-63.

4. ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo noDireito Penal.2.ed.Trad.Sérgio Lamarão.Rio de.Janeiro: Renavan,2007

5.https://www.cartacapital.com.br/politica/pedro-serrano-201co-prejuizo-nao-e-so-de-lula-mas-da-sociedade201d

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Celebram-se este ano os 100 anos da RevoluçãoRussa de 1917 (25 Outubro), tendo lugar diversasiniciativas comemorativas no mundo e em Portu-gal.

A primeira Revolução Socialista no Mundo in-troduziu profundas alterações jurídicas (e defacto) em todas as áreas da sociedade e teve umimpacto decisivo nas transformações legais que sevieram a operar mais tarde noutros países (sobre-tudo depois do fim da 2ªGuerra Mundial) e na leg-islação internacional (nomeadamente, adeclaração dos direitos dohomem e pactos interna-cionais dos direitos civis epolíticos, e dos direitoseconómicos, sociais e cul-turais).

Logo após a Revoluçãoteve lugar intensa produçãolegislativa que mudou insti-tuições, o seu funciona-mento, generalizou direitoscivis e políticos, económi-cos, sociais e culturais emparticular às classes trabal-hadoras e aos mais desfa-vorecidos. Logo em 1917,merecem destaque os De-cretos da Paz (25/10), daTerra (25/10), Decreto dasoito horas de trabalho(29/10), Direito à Elabo-ração de Leis (30/10), De-creto da Segurança Social(31/10), Declaração dos Direitos do Povo da Rús-sia (2/11), Decreto da Abolição das Distinções deClasse e Civis (10/11), Decreto sobre controlo op-erário (14/11), Decreto dos Tribunais Revolu-cionários (19/12), Decreto dos Direitos e Deveresdos Sovietes (25/12). Em 1918, destacam-se: De-claração dos Trabalhadores e do Povo Explorado

(3/01), Decreto da Liberdade de Consciência eSeparação do Estado e da Igreja (5/02), Decretoda Nacionalização dos Bancos (9/01), Decretosobre Casamento Civil, Crianças e Registo Civil(13/01), Lei Fundamental da Socialização daTerra (19/02). Em 10 de Julho de 1918 foiaprovada uma nova Constituição pelo 5º Con-gresso dos Sovietes. Em Dezembro aprovado onovo Código de Trabalho

Assim, logo em 1917/18 e entre muitas outrasalterações, foi decretada a segurança social uni-

versal, para todos os assalari-ados e pobres, cobrindo todasas formas de incapacidadepor doença, acidentes, in-validez, velhice, maternidade,viuvez, orfandade e desem-prego. Determinada a pro-tecção da maternidade e dainfância, e criada a licença dematernidade remunerada.Estabelecido o máximo de 8horas de trabalho diário,sendo previstas interrupçõesobrigatórias para descanso erefeições, dias de descanso se-manal e direito a férias remu-neradas. Interdito o trabalhoa menores de 14 anos. Decre-tado o princípio salário igualpara trabalho igual. O casa-mento civil passou a ser únicoreconhecido por lei, legal-izado o divórcio e acabou a

distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Asmulheres, pela primeira vez no mundo, passam ater capacidade eleitoral activa e passiva.

Estes exemplos estendem-se a todas as as outrasárea sociais, desde a educação à saúde, tendo con-tribuído para a decisiva e rápida melhoria dascondições de vida das populações.

Centenário da Revolução de Outubro

O espír i to de 17

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Muitas das milenárias dores, revoltas, esperan-ças justificadas pela rejeição das injustiças, pelainsaciada procura de condições propícias a umviver em plenitude, a uma composição social querespeite a dignidade humana e exalte a fraterni-dade, desembocaram na Revolução de Outubro.Por isso, o facto histórico em si mesmo e o seu sig-nificado não podem pertencer apenas a um povo,mas a todos os povos, colectividades ou indivíduosque, através dos tempos e ainda no nosso tempo,aguardaram uma Revolução de Outubro e nela in-vestiram febres, energias, a própria vida. A Revo-lução de Outubro pertence, pois, ao patrimónioda humanidade. É universal no seu conteúdo e noseu simbolismo. É universal em tudo o que delase esperou e pode esperar, em tudo o que nela éuma ideia em marcha. Assim deve ser sentida eassim deve ser festejada. Com o júbilo dos redimi-dos, com o grito dos libertados, com a expansibi-lidade dos que descobrem as vias da confiançaentre os homens, para lá das fronteiras, das cren-ças, dos antagonismos naturais e artificias. Ohomem olhando-se e olhando os outros com umnovo olhar e organizando-se como ser gregário

que zela por essa depri-mida e generosa coesãosocial. Festejada commãos que se dão a ou-tras mãos, com o incita-mento ao diálogo e àsinceridade, com o ardorda fé sem anátemas – enão com o rumor so-turno, mas apocalíptico,dos engenhos de guerra. E não com as pompaspalacianas. E não com os rostos fechados de sus-peita e ameaça. Mesmo que os inimigos estejampróximo e o cerco se fecha. Mesmo que do outrolado haja a ameaça e a suspeita. A Revolução, nosdias em que é evocada, tem de ser apelo, contágio,festa. Tem de ser uma moral para ser uma força enão uma força para ser uma moral. Tem de ser ocontrário da imagem que os seus opositores lhedesenham.

A Revolução de Outubro – o grande aconteci-mento histórico da nossa época. Terão de o recon-hecer como tal até os que se coloquem no outroextremo dos quadrantes ideológicos, e ainda que

Antologia: um depoimento de Fernando Namora No número 402-403 da revista Vértice, referente a Novembro-Dezembro de 1977, foram publicados

diversos estudos e depoimentos assinalando, então, o 60º Aniversário da Revolução de Outubro– entre os quais, um depoimento do escritor Fernando Namora, que agora, quarenta anos

decorridos, nos permitimos relembrar e registar nesta secção de “antologia” (com devida autorização daquela revista).

Apreciem os leitores a beleza e força expressiva desse texto sobre “o grande acontecimentohistórico da nossa época”, em que “desembocaram muitas das milenárias dores, revoltas, esperanças justificadas pela rejeição das injustiças, pela insaciada procura de condições

propícias a um viver em plenitude, a uma composição social que respeite a dignidade humana e exalte a fraternidade”.

Permitimo-nos salientar que a mesma Vértice distribuiu agora o seu número 183 – II Série, assinalando o Centenário da Revolução – com a publicação de um conjunto de estudos

muito importantes, a maioria deles apresentados no Seminário “Socialismo, exigência da actualidade e do futuro”, que teve lugar na Faculdade de Letras

da Universidade de Lisboa a 17 de Junho de 2017.

Depoimento

Fernado Namora

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estejamos longe do conhecimento exacto dos lan-ces, do papel dos protagonistas e da mais correctainterpretação do que os precedeu e do que se lhesseguiu.

E aqui começam as necessárias e salubres inqui-rições, pois não há «verdade» que não precise deser questionada e clarificada. Sucessivamente, in-cansavelmente, corajosamente, em nome do quemais fecundo existe no homem: o seu mobilismo,a sua insatisfação. É que a história, que nunca separalisa, que é incompatível com a cristalização,escreve-se sempre a partir do nosso presente. Es-creve-se por antecipação, projectando no futuroas nossas inquietudes e tentando-lhes a possívelnitidez de um perfil, e escreve-se retroactiva-mente, coligindo novos dados ou rectificando aperspectiva que tínhamos daqueles já em nossopoder. As leituras da história é, pois, a nossa ac-tualidade que as faz. Talvez por isso Lenine, naúltima fase da sua vida, andarilhava incógnitopelas aldeias, pedindo aos camponeses abrigo poruma noite e escutando-lhes os desabafos. E nosseus últimos escritos perguntava-se: «Que contasterei eu a prestar à Revolução?» E pouco antes demorrer exprimia veemente, dramaticamente, oseu desejo de não fazerem dele um morto divini-zado – já que a Revolução não era, nem podia serum homem, mas a gesta de uma comunidade in-teira.

Ora, essa leitura dinâmica dos factos, por suanatureza inconformista e viva, tem de partir so-bretudo dos intelectuais. Como a fez Gorki. Comoa fez Lenine. Como a fez Romain Rolland. Comoa têm feito e continuam a fazê-la tantos daquelesque não aceitam a castração do espírito crítico.Como a fez Togliatti, que, nos seus diálogos comDominique Desanti logo no pós guerra, conside-rava o sectarismo divisionista um crime, dizendoexpressivamente que «reconstruir um país emprofundidade seria impossível sem o assentimentode todos os intelectuais democratas».

Esse papel potencial dos intelectuais falha porcompleto quando se tornam passivos servidoresde uma visão do mundo em que cada aconteci-mento encontra o seu lugar inamovível e uma eti-

queta comodamente estratificada. Eles acabamna frustração quando ignoram ou pretendem ig-norar o fogo lento da experiência ou o acerto coma época e os homens a quem se dirigem. Eles des-perdiçam a oportunidade de se tornarem agentesda história se não conseguem assumir e revelar asansiedades fundamentais do seu tempo, mesmoquando apenas suspeitadas e vagamente sentidas,e a sua incidência em cada povo, em cada lugar,em cada etapa do destino humano. A esperança,se deformada ou defraudada, tem como desfechoo desespero ou a renúncia moribunda de um quo-tidiano sem chama – e aos intelectuais cabe inves-tigar em que momento ela se arrisca a essadesfiguração, mas de um modo em que nada possaparecer ou resultar como a confiscação em seuproveito do resgate social dos humilhados e ofen-didos, essa «confiscação» de que os acusava oanarco-comunista polaco Makhiski e que excessi-vas vezes tem sido manifestada.

A Revolução de Outubro, em suma, foi paratodos os povos uma referência empolgante e umevento decisivo. Mesmo quando posto em termosde alegoria. Mas as várias Revoluções de Outubroque estão ainda por acontecer, por evoluir, por res-ponderem àquilo que, no homem e no seu con-texto, a todo o instante é mudança, pedem danossa parte mais humildade que arrogância, maisdúvida fértil do que dogma estéril, mais esponta-neidade do que ritualizada rigidez, mais pesquisado que no homem é insubmissa criatividade doque conforto intelectual a recusar o imprevisto,os desafios, as contradições.

Só assim a Revolução de Outubro poderá afir-mar-se como a definiu Albert Mathiez: «a des-forra do espírito contra a força, a vitória daliberdade contra o despotismo», ou como adefiniu Barbusse: «a aplicação prática àscondições da vida social contemporânea das ver-dades eternas da razão e da consciência». Mas ocontemporâneo de ontem não é o de hoje, muitomenos o de amanhã.

Fernando Namora

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com o inviolável direito à privacidade. Aliás, foinesse sentido que se expressou a Comissão Nacio-nal de Protecção de Dados (CNPD) em Pareceremitido em 2012.

5 -A APJD considera que qualquer acesso deverespeitar o princípio de controlo judiciário e as re-gras para esse efeito estabelecidas.

6 -Conforme o demonstraa realidade de vários Paísesonde tais processos estãomassificados, não é a suaexistência que conduz à di-minuição da criminalidadeviolenta ou de actos terro-ristas.

7 - A APJD consideraimportante o reforço dosmeios de cooperação inter-nacional para troca de in-formações entre forças eserviços de segurança,assim como o reforço depoliciamento de proximi-dade, de interacção com ascomunidades locais, comoo mais eficaz para uma po-lítica de prevenção da cri-minalidade.

8 - O avanço progressivo de medidas da naturezadas que são referidas, empobrece a liberdade e ademocracia, e transforma progressivamente onosso País num Estado securitário.

Lisboa, 22.08.2107A Direcção da APJD

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A Associação Portuguesa dos Juristas Democra-tas (APJD) já tinha publicamente dado a conhe-cer a sua posição sobre este assunto, em notaenviada à Comunicação Social com data de 2 deMaio. Face aos desenvolvimentos entretanto co-nhecidos e a um conjunto de actos e notícias queinterferem com direitos, liberdades e garantiasdos cidadãos, entende a APJD manifestar o se-guinte:

1 - A promulgação porparte do Exmo.Senhor Presi-dente da República dodiploma que concede acessoaos dados de ligações por te-lemóvel (metadados) aos ser-viços de informações fora doâmbito de processo criminal,fere o artigo 26.º da Consti-tuição da República e, parti-cularmente, o artigo 34º.

2 - A APJD salienta queneste mesmo sentido já setinha expressado o TribunalConstitucional.

3 - O processo em desen-volvimento de generalizar oacesso à videovigilância e re-spectiva captação de som,justificado com o facto de asempresas privadas de segurança o fazerem e asforças de segurança o não poderem realizar, colocadesde logo a questão de se saber porque razão em-presas privadas o podem fazer.

4 - Por outro lado, a videovigilância e captaçãode som em zonas históricas de Lisboa e de outrascidades do País, muito dificilmente não interferirá

Noticiário

Nota à Comunicação Social

«A APJD e o acesso por parte dos serviços de informações a metadados»

José Santa-Bárbara.

Eles andam por aí outra vez. Óleo s/tela

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Lido na BlogoesferaResponsabilidade Política - Caso Tancos

Face ao recente desaparecimento (roubo) de ma-terial bélico em quantidade apreciável ocorridona Base Militar de Tancos, o Sr. Ministro de De-fesa assumiu a sua “responsabilidade política”.Poderia esperar-se, que apresentasse a sua demis-são ou que fosse demitido - o mínimo que deveriaocorrer nesta circunstância - mas tal não ocorreu.

Mesmo se tal ocorresse nada adiantaria para o co-nhecimento da situação contextual.

Não é propósito deste escrito estar a comentara especificidade do gesto ministerial em concreto,nem sequer lançar palpites sobre a ocorrência quedeu origem a um tal posicionamento. Para tantoestão a decorrer investigações, por iniciativa detudo quanto é autoridade nesta matéria - oDCIAP, a PJ, a PJM, para mencionar algumas;fazem-se os comentários, como os de Pedro Tadeuno DN; alinham -se conjecturas e palpites, comono debate acesso entre os Srs.Coronéis Sousa eCastro e Vasco Lourenço na RTP 3 do dia 04/07 ànoite; o Sr. Chefe de Estado Maior de Exércitosuspende 5 Comandantes da Base por presumívelresponsabilidade, não obstante manter confiançaneles (notícia do DN do dia 05/07); anunciou-seum protesto consistente na deposição de espadaspor alguns oficiais (na reserva ou reforma) no Pa-lácio de Belém, em sinal de protesto contra aquelasuspensão, (protesto que no entanto acabou pornão se realizar). São movimentações que valempor si, resultado das quais se saberá oportunamente.

Mas então o que é isto de responsabilidadepolítica? É que vezes sem conta, esta mesma ex-pressão tem vindo a ser utilizada por algunspolíticos sem que daí se possa alcançar qualquerresultado de relevo para o destino do país ou dosportugueses. Daí que seja legítimo indagar qualo valor exponencial deste acto político, qual o seuvalor, alcance e sentido.

Ora, materialmente e objectivamente consider-ada, do que até hoje se conhece, a assumpçãodesta responsabilidade, carece de conteúdo. Em

termos de interesse nacional esta não tem con-duzido a coisíssima alguma. Reporta-se a pessoasque têm a sua profissão, geralmente bem rele-vante, são bem instalados na vida e bem relacio-nados, pelo que a “passagem política”, em nadaparece afectar a vida pessoal ou profissional. Comefeito, e bem ao contrário, para além, de reassu-mir a sua anterior actividade, a passagempolítica, mesmo quando tortuosa parece atrair“novas oportunidades” e até ofertas de posiçõesmais rendosas - o leitor que faça a triagem doscasos e descubra veracidade do afirmado. Levada a responsabilidade política a sério numEstado de Direito Democrático, esta pode, deve etem de assumir o seu verdadeiro estatuto e signifi-cado. E começa desde logo por uma questão degestão. O dirigente tem de saber gerir politica-mente. Há quem afirme que a política é a arte dopossível; talvez assim seja, mas a gestão dessaspossibilidades tem de ser determinadas porcânones de ética de uma política de valoraçãodemocrática. Tudo há-de começar pelo conheci-mento da pasta e do programa que escolheu ouque tem de levar a cabo. Neste campo o “knowhow” é basilar, nem sempre necessariamente com-patível com graduações académicas, mas funda-mentalmente demandando uma equipa técnica epoliticamente capaz, longe de compadrios, dejeitos de favoritismo ou de recrutamento deagremiações ocultas. Assim, o procedimento ex-igível é o de privilegiar a confiança profissional

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em detrimento da simpatia ou escolha pessoal.É em função desses pressupostos que se há-de

avaliar a dita responsabilidade política quandoquestionada e a partir daqui descortinar onde éque esta falhou, a saber - no quadro constitu-cional, no plano estratégico, no âmbito de relacio-namento de liderança, no domínio doplaneamento e organização ou ainda em matériaadministrativa. É aqui que o responsável políticotem uma palavra a dizer, nomeadamente se fal-hou e em caso positivo em que domínio ou

domínios tal sucedeu.É apenas isto que o País espera de um Ministro

- um óbvio responsável político - que, perante um“caso” sentiu a necessidade de declarar que as-sume “a responsabilidade política”.

Nota: não sigo o acordo ortográfico, enquantopuder.

António Bernardo Colaço

(Juiz Conselheiro Jubilado)in: blogue normética(http://normetica.blogspot.pt/), 6 de Julho de2017

150 anos da abolição da pena de morte em Portugal

Comemoram-se este ano os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal, 1º país europeu so-berano a abolir a pena de morte para os crimes civis (o grão-ducado da Toscana aboliu-a em 1786).A partir dos séc.XVIII/XIX, sob o impacto das ideias e revoluções liberais, desenvolveu-se o movi-mento abolicionista da pena de morte que em Portugal teve forte presença, destacando-se, entre mui-tos outros, Alexandre Herculano.O escritor Victor Hugo dirigiu uma mensagem ao povo português publicada no Diário de Notícias,oito dias após a aprovação da lei, afirmando: «Está pois a pena de morte abolida n’esse nobre Portugal,pequeno povo que tem uma grande história! (...) Felicito o vosso parlamento, os vossos pensadores,os vossos philosophos! Felicito a vossa nação! Portugal dá o exemplo á Europa. Disfructae de antemãoessa immensa gloria. A Europa imitará Portugal. Morte á morte! Guerra á guerra! Odio ao odio. Vivaa vida! A liberdade é uma cidade immensa, da qual todos somos cidadãos. Aperto-vos a mão como ameu compatriota na humanidade.»No mundo a Venezuela foi o primeiro país a abolir a pena de morte para todos os crimes, em 1863.

Actualmente é de 104 o número de países abolicionistas.

Breve cronologia da evolução legal em Portugal:

1852 - abolida a pena de morte para os crimes políticos(artº16º, Acto Adicional à Carta Constitucional (5.07.1852).

1867 - abolida para os crimes civis; exceptuando-se oscrimes por traição em teatro de guerra (artº1º, Carta de Leide 1.07.1867).1911 - abolida para todos os crimes, incluindo os militares

(artº3º/22º, Constituição de 1911).1916 - restabelecida a pena de morte por traição em teatro

de guerra (Lei de revisão constitucional nº635, de28.09.1916)

1933 - mantida a pena de morte em teatro de guerra(artº8º/11º, Constituição de 1933).1976 - abolição total para todo o tipo de crimes (artº25º/2,Constituição de 1976).Goya, 3 de Maio de 1808 (detalhe)1814

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Na sua recente visita (fins de Agosto) a Israel ePalestina o Secretário Geral da ONU - AntónioGuterres, referiu a três aspectos para alcançaruma solução política para o conflito. Seriam eles:a solução de dois Estados, o fim dos colonatosque considera violador do direito internacional ea unidade dos representantes do povo palesti-niano. Ademais mostrou-se indignado com atriste situação humanitária na Faixa de Gaza.

O conflito israelo-palestiniano que dura há de-zenas de anos mereceu atenção da Conferência In-ternacional sobre os Direitos Humanos, que serealizou em Lisboa em Novembro de 2016 por ini-ciativa da AIJD. Pelo interesse que assume trans-creve-se parte da 7ª Conclusão da 2ª Comissão daConferência sob o título “O direito à autodeter-minação”: A Conferência, correspondendo aoapelo da sociedade civil palestiniana e israelita,dirigida à consciência dos povos e organizaçõesque pugnam pelos direitos humanos e pela paz,

denuncia e condena vivamente o Muro de autoriado Estado de Israel, por significar um gesto xenó-fobo. Defende que o problema do médio orientepassa inelutavelmente pela solução definitivaquanto ao Estado de Palestina, a ser encontradosob o impulso do Acordo de Oslo e sob a égide dasmúltiplas Resoluções das Nações Unidas nestamatéria. Qualquer iniciativa a ser tomada teráque ter como ponto de partida - a) a solução a daraos colonatos, à sua imediata paragem, com asubstancial colaboração de Israel, b) qualquer so-lução a tributar à magna questão de 2 Estados oude 1 Estado passa pelo prévio reconhecimento doEstado de Israel, b) Controlo pelas Nações Unidasdo apoio militar a Israel, com a garantia de nãohostilização do Estado de Palestina, d) Negocia-ções entre a Autoridade Palestina e o Hamas vi-sando a unidade política do povo palestino -condição base para a solução e e) Renúncia de vi-olência pelas partes como contributo decisivopara solução final.

Visita do Secretário-Geral da ONU a Israel e à Palestina

No passado dia 7 de Julho foi aprovado, poruma Conferência das Nações Unidas, o Tratado

de Proibição das Armas Nucleares. Dos 124 Es-tados presentes 122 votaram a favor, 1 contra

(Holanda) e 1 absteve-se(Singapura). Quer du-rante as negociações,quer nas discussão e vo-tação finais estiveram au-sentes Estados quedetêm armas nucleares(EUA, Rússia, ReinoUnido, França, Israel,China, Índia,Paquistão,Coreia do Norte), todosos países da NATO (comexcepção da Holanda),bem como a grandemaioria dos países daUE. Assim, Portugal nãoesteve presente. Também

Tratado de Proibição das Armas Nucleares

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Associação Portuguesa de Juristas Democratas

Av. da República nº 83, 9º 1050~243 Lisboa, Portugal

tel,00351-217904060 email:[email protected]

BOLETIM Pag.35

Saara Ocidental: relatório sobre julgamento de Gdeim Izik disponível

Encontra-se disponívelum extenso relatório sobreo julgamento dos prisionei-ros políticos saarauís deti-dos arbitrariamente peloGoverno marroquino em2010 em Gdeim Izik; foi re-digido por uma activistade direitos humanos por-tuguesa, Isabel Lourenço.Este relatório faz uma re-trospectiva minuciosa dasdiversas fases de detençãoe julgamento dos presos.

A activista portuguesa,membro da Fundação Sahara Ocidental, esteve presente nas diversas fases de julgamento. Das con-clusões são de destacar o recurso à tortura, como forma de obtenção de confissões, a violação dasmais elementares normas de de direitos humanos, nomeadamente as relativas ao direito a um julga-mento justo, estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na 4ª Convenção de Ge-nebra.

O relatório integral pode ser consultado on-line: http://porunsaharalibre.org/2017/09/gdeim-izik-

report-denounces-moroccon-trial-of-saharawi-political-prisoner-based-on-false-confessions-obtained-

under-torture/

não esteve presente o Japão, primeiro país doMundo alvo dum ataque nuclear, levado a cabopelos EUA, nos dias 6 e 9 de Agosto de 1945. OTratado está aberto à assinatura dos Estadosdesde o dia 20 de Setembro, e entrará em vigor90 dias após o depósito da 50ª ratificação

O texto do Tratado, bem como outras infor-mações, estão disponíveis no site das NaçõesUnidas: https://www.un.org/disarmament/ptnw/Tendo em conta a ausência de Portugal na Con-ferência, o facto da Constituição Portuguesa, noseu artº7º/nº2 preconizar «o desarmamentogeral, simultâneo e controlado» e a necessidade

imperiosa do nosso país estar do lado da paz edas iniciativas que a promovam, o Conselho Por-tuguês para a Paz e Cooperação (CPPC) lançouuma petição «Pela assinatura por parte de Por-tugal do Tratado de Proibição das Armas Nu-cleares - Pela paz, pela segurança, pelo futuro dahumanidade», que pode ser assinada online em:http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=nao-armas-nucleares

Este Tratado é também apoiado pela ICAN(Campanha Internacional para a Abolição dasArmas Nucleares) que, no passado dia 6 de Ou-tubro, recebeu o Prémio Nobel da Paz de 2017.