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UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS OS DESAFIOS DA EDUCAçãO DE INFâNCIA NA GUINé-BISSAU FEC

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Este documento pretende compreender o desenvolvimento da Educação de Infância na Guiné-Bissau, os seus desafios, e o seu contributo na promoção do desenvolvimento global das crianças no país.

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UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS

Os desafiOs da educaçãO de infância

na Guiné-Bissau

FEC

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EDITORIAL

SAIBA

FICHA TÉCNICA

O desenvolvimento da pequena infância e, em particular, da Educação de Infância na Guiné-Bissau é o tema central deste editorial.

A realidade da Educação na Guiné-Bissau é bastante

particular. A esperança média de vida escolar é de 3,6 anos, sendo o abandono escolar e a reprovação dois dos grandes problemas que afetam a realidade escolar guineense. Segundo o Relatório de Estado do Sistema Educativo Nacional de 2009, o abandono escolar resulta de vários fatores, como sejam o trabalho infantil (32%), casamento precoce (29%), falta de interesse pela escola (9%), doença ou gravidez precoce (8%). Em 2005-2006, a reprovação escolar afetava 27% no ensino básico (1ª-6ª classes), 16% no ensino básico de ciclo 3 (7ª - 9ª classes) e 5% no ensino secundário.

A necessidade de reverter esta realidade conduziu ao aparecimento de espaços que contribuem para

o crescimento integral e integrado da criança, corporizado na educação de infância. A educação pré-escolar tem vindo a conquistar espaço nas políticas educativas, sociais e económicas a nível mundial e a Guiné-Bissau não foge à regra, sendo-lhe atribuída uma percentagem do Orçamento Geral do Estado e reconhecendo a sua importância na construção de uma sociedade melhor formada e mais democrática.

O Ministério da Educação guineense reconhece que «o desafio na educação não é simplesmente ter as crianças na escola, mas também melhorar a qualidade global da educação escolar e procurar resolver as ameaças à participação”.

Promover a pequena infância é desconstuir metodologias que usualmente se sustentam em procedimentos e teorias que perspetivam a criança a partir do ponto de vista do adulto e centrados em determinadas perspetivas étnicas.

Sofia AlvesCoordenadora País Guiné-Bissau

Sabia que a creche é o estabelecimento que presta cuidados e dinamiza atividades educativas que promovem o desenvolvimento das crianças entre os 0 e os 3 anos de idade?

Sabia que o Jardim-de-infância é o estabelecimento de educação e ensino para crianças dos 3 aos 6 anos de idade sendo que a educação pré-escolar é o nível de ensino e de educação para crianças nessa faixa etária?

Sabia que as crianças que beneficiam da educação pré-escolar são geralmente melhores alunos na escola do que as crianças que não frequentam os serviços de

educação pré-escolar? Porque a educação pré-escolar tem por objetivo potenciar, desenvolver e treinar todas competências das crianças.

Sabia que as crianças vão para o 1.º Ciclo do Ensino Básico aos 6-7 anos porque nesta fase o cérebro das crianças dá um salto ao nível do desenvolvimento e amadurecimento permitindo-lhe conhecer determinados conceitos abstratos como as operações matemáticas?

Raquel OliveiraAssessora Pedagógica para a Educação de Infância

+Edição e Paginação: Ana Miranda e Emanuel Oliveira; + Redação: Ana Miranda, Carla Jauad, Catarina Lopes, Ector Diógenes Cassamá, Paula Bijagó, Raquel Oliveira, Sofia Alves; +Propriedade: Fundação Fé e Cooperação- Programa de Ensino de Qualidade em Português na Guiné-Bissau; Financiado por: Camões Instituto da Cooperação e da Língua; Tiragem: 4500 exemplares.

+ sobre a educação de infância

FINANCIADORES PARCEIROS

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EDUCAÇÃO

enquadrando a educação de infância no quadro da política educativa da Guiné-Bissau são estas as questões que exploremos nesta edição.

A Guiné-Bissau, país com “Desenvolvimento Humano Baixo”, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013, revela ainda não ter sido capaz de romper o ciclo de pobreza que carateriza o país. O Segundo Documento de Estratégia Nacional de Redução da Pobreza (DENARP II) é concordante com esta análise, acrescentando que “As constantes instabilidades políticas não permitiram criar condições propícias para a execução das políticas públicas ambiciosas e sustentáveis.”

Nas zonas rurais, onde se concentra mais de metade da população, o documento Eléments de Diagnostic du Système Educatif Bissau-guinéen (RESEN, 2011) constata a situação de vulnerabilidade a que as crianças guineenses estão quotidianamente sujeitas, dado que o acesso a serviços e a infraestruturas sociais de base (saúde, educação e saneamento) é inexistente e que as taxas de mortalidade materna e infanto-juvenil estão associadas a problemas de nutrição. Estes dados evidenciam, ainda, a grande desigualdade destas crianças no acesso a oportunidades que favoreçam o seu desenvolvimento integral, até porque nem sempre estão garantidas as condições mínimas de sobrevivência, quando comparadas a outras que habitam em países com níveis que Desenvolvimento Humano mais elevados.

Sub-financiamento do setor educativo é destacado no RESEN como um dos fatores que limita as

possibilidades de melhoria da qualidade da Educação a que as crianças guineenses têm acesso, dado que apenas 9% das despesas correntes do Estado são destinadas a este fim, embora a Iniciativa Fast Track recomende que este valor corresponda a 20%.

A Educação Pré-Escolar, contudo, revelou um crescimento significativo, tendo a respetiva Taxa Bruta de Escolarização registado uma evolução de 2% em 1999/2000 para 5% em 2005/2006 (RESEN). Embora uma parte relevante do financiamento do subsetor caiba, sobretudo, às famílias, atualmente a Educação Pré-Escolar tem permitido que cada vez mais crianças guineenses dos 3 anos até à entrada no ensino básico tenham acesso a educação e a cuidados básicos.

No entanto, à semelhança de outros níveis de ensino, de uma maneira geral, esta oferta educativa,

+ Educação de Infância + Desenvolvimento Humano na Guiné-Bissau

Embora uma parte relevante do financiamento do subsetor caiba, sobretudo, às famílias, atualmente a Educação Pré-Escolar tem permitido que cada vez mais crianças guineenses dos 3 anos até à entrada no ensino básico tenham acesso a educação e a cuidados básicos.

Quais as evoluções no desenvolvimento da educação de infância na Guiné-Bissau, mais concretamente na educação Pré-escolar, tendo em conta o contributo deste subsetor para a promoção do desenvolvimento global das crianças? Que mudanças podem contribuir para definição da política de desenvolvimento da Pequena infância (dPi), no sentido de promover a melhoria do desempenho do país em termos de desenvolvimento Humano?

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EDUCAÇÃO

conforme constatado no relatório do Atelier sobre a Pequena Infância na Guiné-Bissau (2011), revela diversas fragilidades que condicionam a qualidade dos serviços prestados, entre elas: a inadequação das infra-estruturas, a ausência de documentos orientadores da ação educativa, a reduzida qualificação profissional das equipas que trabalham nestes espaços.

O desenvolvimento recente da Educação Pré-Escolar é marcado, também, pela publicação de documentos reguladores do subsetor, destacando-se:

- a carta da Política educativa (cPe, 2009), que fixa a meta de 11% de inscrições na Educação Pré-Escolar até 2020. Contudo, a ausência de dados estatísticos não permite avaliar qual o nível de concretização deste objetivo.

- a Lei de Bases do sistema educativo (LBse, 2011) que enquadra a Educação Pré-Escolar na Educação Formal, destinando-se a crianças desde os três anos até à idade de ingresso no Ensino Básico. É definida como a vertente do sistema educativo que antecede a educação escolar, funcionando a título facultativo e em complementaridade ou supletividade com o meio familiar. A LBSE estabelece os seguintes objetivos para a Educação Pré-Escolar: despistar precocidades, inadequações e deficiências na criança, encaminhando-a convenientemente; estimular e aumentar as capacidades da criança numa perspetiva de desenvolvimento equilibrado; promover a integração

da criança em diferentes grupos sociais, em ordem ao desenvolvimento da sociedade; incrementar a formação moral e cívica e o sentido de liberdade e responsabilidade; favorecer hábitos de higiene e saúde; e ampliar as probabilidades de sucesso da criança no sistema de ensino, através, designadamente, da transposição da barreira linguística.

- a Lei da carreira docente (Lcd, 2011), que estabelece que o acesso ao corpo de docentes da Educação Pré-Escolar exige uma formação sancionada por, pelo menos, um diploma equivalente ao segundo ciclo do ensino secundário, podendo ser integrados, a título transitório, os docentes em actividade que exerceram, no momento da promulgação da lei, esta função efectivamente durante, pelo menos, cinco anos.

Ainda sobre a qualificação profissional de docentes da Educação Pré-Escolar, a LBSE estabelece que a formação é enquadrada pelos princípios da formação inicial e da formação contínua, ministradas em instituições próprias do ensino, bem como em instituições do ensino superior dotadas de unidades de formação dirigidas para esse fim, sendo estas disposições aplicáveis quer ao ensino público quer ao ensino particular e cooperativo. Dado que até à data presente não existe oferta formativa profissionalizante promovida por parte da tutela, tem cabido as diversas organizações o desenvolvimento de acções neste sentido.

Em termos de formação inicial, oferta circunscrita ao Setor Autónomo de Bissau (SAB), destacam-se:

- Os esforços para a criação da primeira licenciatura em educação de infância, promovida pela Universidade Católica da Guiné-Bissau, que conta atualmente com 156 alunos;

- A Escola de Artes e Ofícios da ONGD Ação para o Desenvolvimento (AD), que oferece cursos para monitores, auxiliares e educadores de infância, contabilizando este ano letivo um total de 164 alunos;

Dado que até à data presente não existe oferta formativa profissionalizante promovida por parte da tutela, tem cabido as diversas organizações o desenvolvimento de acções neste sentido.

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EDUCAÇÃO

A pertinência destas iniciativas é claramente justificada pela taxa de inserção no mercado de trabalho que, de acordo com os responsáveis pelos cursos, é bastante próxima dos 100%.

- O Curso de Formação de Educadores de Infância, iniciativa do Agrupamento Pedagógico – Fiança di No Mininu, que decorre desde 2011 nas instalações da Escola do EBU Congresso de Cassacá, em regime noturno, frequentada no presente ano letivo por 506 alunos.

Na ótica da formação em serviço, assinala-se:

- A Capacitação de Jardins de Infância, promovida pela FEC, que contribuiu para a certificação de 8 Jardins de Infância, abrangendo 24 Agentes Educativos;

- A formação de Animadores de Educação de Infância, promovida pela UNICEF e pela FEC, que promove a formação de 18 Animadoras nas regiões de Oio, Bafatá e Gabú, no âmbito do Projeto Preparação para a Escola e Sensibilização dos Pais e Encarregados de Educação;

- A formação de 60 Agentes Educativos de Educação de Infância e de 20 Formadores, distribuídos pelo SAB, Cacheu, Bafatá e Gabú promovida pela FEC, no âmbito do Programa Ensino de Qualidade em Português na Guiné-Bissau.

O Ateliê Nacional sobre a Pequena Infância, organizado pelo Ministério da Educação com o apoio técnico do UNICEF, realizado 2011, do qual resultou um conjunto relevante de recomendações para a definição da Política da Pequena Infância, também é considerado relevante na promoção do desenvolvimento de questões relacionadas com o bem-estar da criança.

Para além das iniciativas já referidas, destacam-se ainda ações promovidas por parte de diversos parceiros, entre eles a PLAN, na área da promoção dos Direitos da Criança; da ESSOR, na criação do Espaço de Concertação do Pré-Escolar e do PAM e da IPHD, na distribuição de géneros alimentares em estabelecimentos de Pré-Escolar, importantes para o desenvolvimento do subsetor.

Apesar de não existirem dados estatísticos mais conclusivos, a recente legislação publicada e os esforços promovidos pelos parceiros e pelas comunidades evidenciam que a Educação de Infância ocupa um lugar cada mais relevante no setor educativo e que a criança assume cada vez mais importância no contexto nacional da Guiné-Bissau.

Contudo, para que, num horizonte temporal próximo, o acesso e a qualidade da Educação de Infância se tornem uma realidade para todas as crianças guineenses é importante retomar as recomendações lançadas no Ateliê Nacional da Pequena Infância para que se defina a Política Nacional do DPI.

Pelas ações que vem desenvolvendo desde 2009, a FEC assume o seu compromisso em apoiar e melhorar a Educação de Infância na Guiné-Bissau.

Colaborar neste domínio é reconhecer que uma Educação Pré-Escolar de qualidade favorece a melhoria dos níveis de bem-estar das crianças, e das respetivas comunidades, e promove a construção intergeracional de uma cidadania consciente e proativa, potenciando o Desenvolvimento Humano nacional.

Paula BijagóResponsável Sectorial de Educação de Infância

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VIDA

uma lesão desviou ilka Vieira da área do desporto para a educação de infância. a vontade de estar com crianças sempre esteve presente e o curso que fez na escola superior de educadores de infância

Maria ulrich em Lisboa deu-lhe as ferramentas necessárias. foi com filhos de amigos e primos que se estreou na educação de infância. Hoje em dia é entre tendas, brincadeiras e fraldas que ilka Vieira passa os seus dias, na aMaTL, o primeiro espaço de dedicado exclusivamente à Pequena infância na Guiné-Bissau.

Ilka Vieira de 32 anos, filha de país guineenses sempre teve uma relação de proximidade com a Guiné-Bissau, mas foi há apenas dois anos que abandonou Lisboa de armas e bagagens. Trouxe nos braços a família, da qual fazem parte dois meninos, agora com 3 e 4 anos, e a vontade de continuar a trabalhar com crianças.

Começou por se dedicar à formação de educadoras de infância ao integrar a equipa docente do Curso em Educação de Infância da Universidade Católica da Guiné-Bissau. No final do contrato quando os filhos foram para Portugal de férias, Ilka sentiu necessidade de ocupar o tempo. Não baixou os braços e começou a fazer babysitting para os filhos das amigas. O apoio da família foi indispensável para pôr de pé a tenda que viria a caracterizar o espaço que hoje é conhecido por AMATL. O que era um espaço familiar, a casa da família ganhou a forma de uma creche para crianças entre os 0 e os 3 anos.

Com a determinação de abrir uma creche, Ilka, contactou as instituições formais e aí se deparou com a primeira barreia, a falta de legislação e estatutos para as creches. A ideia foi revolucionária, mas apesar da crescente procura, Ilka teve que contornar a semântica legal chamando, aquilo que funciona como creche, de AMATL. As vitórias têm sido muitas especialmente junto dos mais pequenos e dos pais, que cada vez mais compreendem a importância que a creche tem ao nível do desenvolvimento da criança.

A divulgação, apenas com a distribuição de um panfleto, trouxe os seus primeiros 9 pequenos clientes. O primeiro ano lectivo terminou com 27 crianças entre os 0 os 3 anos. Ilka recorda que «não estava à espera

que houvesse tanta procura», o que veio a provar a falta de espaços dedicados à primeira infância.

O aumento de crianças trouxe a necessidade multiplicar braços na AMATL. Aqui, Ilka deparou-se com mais um desafio, a falta de pessoas formadas na área. Segundo a educadora, apesar de haver oferta formativa para a área da educação de infância, esta centra-se no pré-escolar, deixando um vazio na formação de técnicos que se dediquem exclusivamente a crianças dos 0 aos 3 anos. Por isso, no dia a dia a formação dos técnicos e o trabalho com as crianças complementam-se, uma vez que «dar formação aos grandes e dar atenção aos pequeninos, tem funcionado como um todo». Ilka acredita que «tal como o pré-escolar está a desenvolver as creches também deverão desenvolver-se, pois o tipo de atividades e cuidados devem ser especializados tendo em conta as diferentes fases do desenvolvimento da criança».

Constata a importância do seu trabalho no reconhecimento dos pais. Ilka alegra-se com o facto de «aos poucos os pais já vêm as coisas com outros olhos, e já percebem que há uma diferença entre a crianças ir à escola e ficar em casa». É na forma como se relaciona com as crianças, na troca de afetos e atenção especializada, que Ilka promove a educação parental, «os pais quando chegam, vêm cheios de dúvidas, e fazem muitas perguntas». Procura-se aqui, que os pais percebam também as fases de desenvolvimento das crianças, para tal desenvolve um projeto pedagógico pormenorizado para que as “mames” e os “papés” possam acompanhar o dia-a-dia dos mais pequenos.

A educadora está convicta da importância da creche no desenvolvimento das crianças, pois a interação com outras crianças e a estimulação fazem toda a diferença. Por isso, os sonhos de Ilka passam por libertar um dia o quintal da família, e abrir um espaço próprio dedicado à pequena infância, mas antes disso o sector deverá ser reconhecido na legislação. Para tal a educadora, considera que a Guiné-Bissau tem que perceber a diferença entre a pequena Infância e a Educação de infância. Esta será a verdadeira confirmação da importância deste sector. «O objetivo é enraizar a creche na Guiné-Bissau, os pais não querem o mínimo, as crianças e os pais precisam de saber que há alguém disponível para dar o máximo de atenção aos filhos», refere Ilka com determinação.

Ana Miranda | Técnica de Comunicação

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CONVERSA

- De uma forma geral, qual a situação da Educação Infância na Guiné-Bissau?

O MICS de 2010 mostra-nos que 30% das crianças que frequentavam o ensino primário, tinham frequentado o ensino pré-escolar no ano anterior, e que 43% destas crianças vive em meio urbano. Neste momento, temos falta de indicadores ligados á Pequena Infância, o que à partida define tudo. Este aspeto dificulta a criação de iniciativas e projetos ligados à Pequena infância (PI). É um sector que ainda não está muito desenvolvido na Guiné-Bissau, pois algumas iniciativas não tiveram continuidade. No que se refere à UNICEF, que trabalha em parceria com o governo, retomámos várias atividades ligadas à Pequena Infância.

-Quando é que se começou a apostar na Educação de Infância (EI) na Guiné-Bissau?

A EI não é uma preocupação recente. Houve iniciativas no passado mas que não tiveram continuidade. Se falarmos da Pequena Infância falamos de tudo, não só de educação. Para falamos do início do sector temos que recuar até à época colonial.

De 1964 a 1974, o ensino pré-escolar tinha três principais objetivos: aquisição do uso oral e

correto da língua portuguesa, desenvolvimento de atividades preparatórias para o ensino primário e desenvolvimento de atividades lúdicas. A PI não ia além do conceito de educação pré-escolar. Entre 1975 a 1989, após a independência surgiram os primeiros jardins públicos, os principais desafios continuavam a ser a falta de recursos humanos e infraestruturas apropriadas. Com a viragem política de 14 Novembro de 1989, a educação pré-escolar conheceu novos impulsos. Embora em termos de conceito, a educação de infância continuasse a ser confinada ao pré-escolar sob orientação directa do partido único, tendo a mera preocupação de formar as crianças para o ensino formal. A partir de 1990 começou-se a pensar que seria necessário definir uma política.

- Que avanços sofreu nos últimos anos?

No âmbito da colaboração entre o Ministério da Educação e a UNICEF, promovemos em 2011 um ateliê nacional para a pequena infância, onde se tentou implicar todos os atores que intervêm junto do sector. Foi uma dinâmica interessante porque conseguimos perceber quem são os intervenientes, e constatar que há muitas instituições e pessoas a trabalhar para a PI. Neste ateliê definiram-se três linhas orientadoras: iniciar a elaboração da política nacional para a PI; fazer um

nesta edição dedicada à educação de infância viemos conhecer o trabalho que a unicef desenvolve em prol do desenvolvimento da Pequena infância, e da educação de infância. em conversa com a Patrícia Rosa, iremos conhecer melhor a situação da educação de infância e as prioridades do sector. Patrícia Rosa é Oficial de Programa de educação da unicef na Guiné Bissau desde 2010, responsável pelos projetos ligados ao acesso à educação e à Pequena infância. formada em Gestão e administração de empresas pela universidade de Brasilia, frequenta atualmente o Mestrado em artes na infância e Juventude na Open university em inglaterra. com uma experiência profissional diversificada, Patrícia Rosa, trabalhou já em OnGs na área dos direitos Humanos, tendo ainda passado pela experiência de lecionar como professora de inglês para adultos e crianças.

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CONVERSA

inquérito nacional sobre o comportamento dos pais; e, por último apoiar iniciativas pré-escolares comunitárias. Estas são as incitativas que o Ministério da Educação, UNICEF e outros parceiros estão a levar a cabo.

A falta de indicadores foi uma das questões amplamente abordada. Temos apostado na recolha de dados. Será desenvolvido o MICS (Inquérito de Indicadores Múltiplos), que nos dará indicadores importantes sobre EI. Iremos ainda desenvolver outras incitativas, como por exemplo, um estudo sobre o comportamento dos pais. Desta forma iremos diagnosticar o comportamento do agregado familiar das crianças e perceber como contribuem para o desenvolvimento da PI. Irá permitir-nos obter indicadores para medir a capacidade do pai e da mãe de apoiarem a criança no que se refere a higiene, educação, alimentação, proteção, etc. Penso que se verificou desde 2000 o aumento da consciência sobre a importância da PI.

- Na sua opinião, qual a importância deste sector para o desenvolvimento na Guiné Bissau?

Pessoalmente e profissionalmente acredito muito nesta área, por várias questões. Muitas pessoas confundem a PI com o Ensino Pré-escolar. A PI é muito mais do que isso. Podemos recuar até à gravidez, o pós parto, a alimentação, os cuidados primários que uma criança tem, os estímulos e todo o percurso até ao ensino primário. Caso as etapas do desenvolvimento da criança não tenham uma evolução positiva, o futuro da criança fica comprometido em vários

aspetos. Podemos ir mais longe, e dizer que os futuros adolescentes e adultos que irão intervir no desenvolvimento do país estarão em causa.

- Quais os entraves/ obstáculos ao desenvolvimento do setor?

A falta de indicadores é realmente o pior obstáculo. Por exemplo, se não soubermos o que impede uma mãe de vacinar a criança, se não tenho um indicador que me ajude a entender o porquê, então pouco posso fazer. Existe também a carência de recursos humanos qualificados para pensar e implementar as políticas. A falta de reconhecimento da importância do sector pode ser constatada se observarmos a percentagem do orçamento de Estado dedicado à PI, o facto de não existir um departamento dedicado à PI no Ministério da Educação, ou, o enquadramento legal que é praticamente inexistente.

- Qual a importância da frequência da educação de Infância para o desenvolvimento da criança?

Para tentar explicar esta questão costumo dar um exemplo. Uma mãe grávida que não se alimente bem, que esteja desnutrida, terá probabilidades de ter um filho com complicações. Esta criança se não é bem alimentada ou vacinada, a sua saúde e as capacidades cognitivas serão provavelmente afetadas. Estará em desvantagem relativamente a outras crianças quando chegar à escola.

Se a criança ingressar numa creche ou jardim será diferente. Se compararmos uma criança que teve cuidados primários e oportunidades ao contrário da que não teve. A primeira criança vai estar mais apta para aprender, para desenvolver as suas capacidades intelectuais e sociais. Tudo isto tem um retorno para a sociedade muito grande.

- Qual o impacto que poderá ter ao nível do objetivo do milénio nº 2 “Educação Básica para todos”?

Muito. Muitas pesquisas confirmam que as crianças que frequentam o ensino pré-escolar têm tendência para permanecer na escola. Na África Ocidental a taxa de

Caso as etapas do desenvolvimento da criança não tenham uma evolução positiva, o futuro da criança fica comprometido em vários aspetos. Podemos ir mais longe, e dizer que os futuros adolescentes e adultos que irão intervir no desenvolvimento do país estarão em causa.

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CONVERSA

permanência dos rapazes é tendencialmente superior à das raparigas. Em geral, pretendemos que as crianças frequentem a escola, e em particular, queremos que haja uma sensibilização para que as raparigas ingressem a escola e permaneçam nela. O pré-escolar pode contribuir para isso. Por exemplo, no projeto que desenvolvemos com a FEC, com a criação dos Djemberens (espaços comunitários dedicadas ao ensino pré-escolar), promovemos a frequência de rapazes e raparigas em igual número, precisamente para sensibilizar a comunidade para o facto de ser tão importante a menina ir às escola, quanto o menino. O pai ou a mãe da rapariga que frequentar o pré-escolar vai ver a diferença. Irá constatar que a criança progrediu e que está feliz, e, a própria criança vai querer permanecer na escola.

- Na sua opinião, a população está sensibilizada (é recetiva) para a importância da Educação de infância?

Não temos estes indicadores. Mas as nossas visitas ao terreno e o número de jardins privados em funcionamento, indicam-nos que cada vez mais, os pais guineenses querem colocar as suas crianças num estabelecimento pré-escolar, o que é positivo. No interior a realidade é diferente. No entanto, antes de implementar o projeto dedicado à PI no interior, através de um inquérito informal e consulta às comunidades sobre a vontade de terem uma estrutura dedica à PI, constatámos que as comunidades consideram estas iniciativas necessárias. Quando lhes perguntámos porquê que era importante, referiram-nos o facto de haver muitas crianças nas comunidades e que as mães precisam de ter um local onde deixar os filhos quando vão trabalhar para o campo. Se levam as crianças para o campo elas acabam por estar sujeitas a diversos perigos, o mesmo acontece se as deixarem em casa. Os líderes comunitários assumiram incentivar a participação da comunidade, o que demonstra que reconhecem a importância da educação pré-escolar. Também, há comunidades no interior que já têm, estabelecimentos pré-escolares criados à sua maneira. De alguma forma a comunidade tem noção da importância.

- Qual tem sido a lógica de intervenção da UNICEF no que diz respeito à Educação de Infância?

A UNICEF dá apoio ao Governo da Guiné-Bissau, mas propriamente ao Ministério da Educação. Temos uma nota conceptual sobre o desenvolvimento da PI, na qual contemplamos o apoio à criação de uma política para a PI, à elaboração de um inquérito sobre o comportamento dos pais, e às iniciativas pré-escolares comunitárias. É neste sentido que a UNICEF tem estado

a trabalhar. No entanto, o desenvolvimento da PI não se confina à educação, de certa forma, intervimos em todas as áreas que tocam a PI. Temos feito um esforço constante para que haja uma intervenção holística na PI. Pode-se dizer que no projeto dos Djemberens esta visão holística é visível. O Djemberen não está isolado, está inserido em escolas Amigas da Criança. Nestas escolas, fazemos campanhas de vacinação, nutrição e sensibilização aos pais e comunidade. Conseguimos, através da educação, abranger e articular diversas questões do PI.

- Que resultados têm obtido?

Posso dizer, que infelizmente, devido à crise política a questão da elaboração da política para a PI, que envolve as instituições públicas, ainda não foi iniciado. Pretende-se formar um grupo que comece a discutir a política, definir o que a Guiné-Bissau pretende, qual o papel de cada instituição pública e não-governamental dentro da política e que áreas abranger. Não está esquecido, ficou em cima da mesa. Estamos a desenvolver o estudo para o comportamento dos pais. Os termos de referência já estão definidos, irá constituir-se uma equipa nacional para montar o inquérito e aplicá-lo em todo país. A recolha de dados deverá ser finalizada até ao final do ano. Temos ainda o MICS (Inquérito aos Indicadores Múltiplos), com uma componente para a PI, que já está montado e está a ser implementado, pelo que deverá ser igualmente finalizado este ano. Temos a iniciativa pré-escolar comunitária em curso e vamos ver quais serão os resultados. Estamos otimistas porque começou bem, é um projeto muito bem definido. Fazemos ainda sensibilização e advocacia constante junto do Ministério da Educação em prol da PI.

- A nível da atuação da UNICEF no sector quais os próximos passos?

O próximo passo será continuar a insistir na criação do grupo para a discussão da política da PI. A questão da elaboração do inquérito sobre o comportamento dos pais e dar continuidade às incitativas pré-escolares comunitárias. Continuar a trabalhar para termos mais indicadores, nomeadamente através do MICS e do inquérito nacional aos recursos humanos do Ministério da Educação, infraestruturas e alunos, que abrange também uma componente pré-escolar.

Ana MirandaTécnica de Comunicação

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OPINIÃO

5 perguntas a... ALGIRA MARQUES VIEIRA IÉ

algira Marques Vieira ié tem 28 de anos. Mora entre Bissau e Quinhamel. em Bissau estuda no quarto ano do curso em educação de infância (cfei) da universidade católica da Guiné-Bissau. em Quinhamel trabalha como

educadora de infância no Jardim escola da Missão católica de Quinhamel.

- Porque escolheu ser educadora de infância?

Sempre sonhei com duas profissões, enfermagem e ensino. Tive dificuldades em entrar em enfermagem. Por isso, em 2008 comecei a fazer um curso de monitora de educação de Infância numa escola profissional. A Diretora do Jardim de Quinhamel aconselhou-me a frequentar o CFEI. Durante quase um ano frequentei os dois cursos ao mesmo tempo. Acabei por optar pelo CFEI da Universidade Católica da Guiné Bissau. Após o primeiro ano do curso, comecei a trabalhar no Jardim de Infância em Quinhamel.

- Qual a importância do Curso que frequentou para o seu desempenho enquanto educadora de infância?

Tem uma grande importância. Com a formação do CFEI, consegui ter uma metodologia apropriada à educação de infância. Inicialmente trabalhava com planos de aula do ensino básico. No início do curso, a abordagem é mais geral, mas depois vamos aprofundando os conhecimentos. Antes não trabalhava com áreas escolares. Hoje em dia a minha sala está organizada por áreas, nomeadamente jogo, casa, construção e garagem, e biblioteca. Cada criança escolhe a área em que pretende trabalhar. Sabemos hoje em dia aproveitar mais o espaço que temos e como adaptar e orientar as crianças durante as atividades.

- Que desafios tem no desempenho das suas funções?

O maior desafio está na relação com os pais e encarregados de educação. O contexto de Quinhamel é particularmente difícil, pois, os pais e encarregados de educação ainda não confiam no trabalho desenvolvido nos jardins. O meu maior desafio é fazê-los acreditar que as crianças têm competências, e que podem aprende, tal como, um adulto pode aprender. A forma de aprender é diferente dos adultos, por isso, recorremos a brincadeiras. Existem ainda outras dificuldades, como por exemplo, as crianças continuam a ir à escola sozinhas e a falta de cuidados na higiene.

- O que mais gosta na sua profissão?

Gosto de ver as crianças felizes. As crianças podem fazer o que quiserem mas com a orientação adequada de um adulto. Eu oriento as crianças por causa do futuro. Se a criança não for logo “preenchida” corretamente quando tiver 30 anos e for adulto estará vazio. Para mim é um orgulho estar com ajudá-los a aprender o que é correto de acordo com a faixa etária. Sinto que tenho impacto na vida de futuros adultos.

- Qual a sua maior vitória enquanto educadora?

No meu terceiro ano de trabalho no jardim, tinha uma criança que não falava. Ainda estava no início da formação e não sabia o que fazer. Contactei a família, que me disse que ele não falava, porque esteve doente quando era pequenino. No inicio chorava muito, e eu não podia dedicar-lhe toda atenção porque não podia descurar as outras 30 crianças. Por isso, quando chorava sentava-o numa cadeira ao pé de mim, quando falava com ele via-se que queria responder. Após vários meses começou a dizer algumas frases aos colegas. A mãe ainda hoje abraça-me, ficou tão contente que não queria que ele deixasse a minha sala. Expliquei que era importante que ele progredisse para a próxima etapa, para aprender coisas próprias da sua idade. Quando iniciou a primeira classe, todos os dias vinha ter comigo à minha sala e depois eu levava-o à nova sala. Hoje em dia está na segunda classe.

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OPINIÃO

5 perguntas a... NATALINA JORGE MANCA

natalina Jorge Manca, tem 25 anos fez o educadoras de infância na escola de artes e Ofícios da escola de artes e Ofícios da OnGd ação para o desenvolvimento (ad). Hoje em dia é educadora na casa que a viu crescer desde os 7 anos de idade.

fez 4 anos de curso e há 4 anos que é educadora de infância no Jardim escola da aldeia sOs.

- Porque escolheu ser educadora de infância?

Cresci na Aldeia SOS, por isso habituei a estar rodeada de crianças. Sinto-me à vontade. Sabia que era uma profissão que me permitiria estar ainda mais próxima das crianças. Inicialmente sonhava ser hospedeira. Comecei a ver um programa televiso com a Catarina Furtado e com crianças, isso ajudou-me optar por esta área, ela inspirou-me. Foi a aldeia SOS que financiou a minha formação. Sinto-me aqui em família, há outras educadoras que cresceram aqui comigo. No entanto, não descarto a hipótese de um dia fazer mais outro curso.

- Qual a importância do Curso que frequentou para o seu desempenho enquanto educadora de infância?

Tem uma grade importância. Na AD valorizam o esforço dos alunos. Por exemplo, participei na realização seminário num jardim em Varela, que era dinamizado pelos alunos com melhores notas. As oportunidades de estágio no Jardim da AD permitem responsabilizar-nos pela sala de aula. Aí, é feita uma avaliação para ver se conseguimos colocar em prática o que aprendemos na teoria. Trabalhávamos até ao meio dia, depois dedicávamo-nos a fazer os planos de sessão para o dia seguinte até Às 15h. Tínhamos o apoio e correção da coordenadora do Curso da AD. Tínhamos ainda que desenvolver a área de projeto. Durante o curso a minha disciplina preferida, era psicologia.

- Que desafios sente no desempenho das suas funções?

O volume de trabalho é grande, começamos às 7h e estamos até ao 12h com as crianças. O período da tarde é dedicado à elaboração dos planos de sessão para preparar o dia seguinte. Enquanto estamos com as crinças temos de estar atentas a tudo, quem é que trouxe a mochila, com é que estão a fazer o trabalho, se os meninos têm os cuidados de higiene em dia, os exercícios de motricidade fina quando vão ao quadro ou quando trabalham no caderno.

Para mim o mais difícil é quando tenho crianças novas na turma, crianças que nunca frequentaram o jardim. Pois, quando já conhecemos as crianças sabemos quem assimila mais rápido as aprendizagens e quem necessita de mais apoio.

- O que mais gosta na sua profissão?

O que mais gosto de fazer com as crianças é cantar e fazer corte e colagem.

- Qual a sua maior vitória enquanto educadora?

As maiores vitórias são sentidas através do agradecimento das mães. As mães podem ver como os filhos se estão desenvolver através das cantigas, ou das poesias que vamos trabalhando com eles. Há crianças que têm dificuldades em expressarem-se, dificuldades de linguagem. Nós ajudamo-los a perder a timidez.

Tenho muito orgulho quando o ano termina, os pais vêm agradecer e nomear as diferenças da aprendizagem dos miúdos. Ganhamos mais coragem para trabalhar melhor.

Entrevista feita porAna Miranda

Técnica de Comunicação

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DIREITOS DAS CRIANÇAS

Nesta edição, Ector Diógenes Cassamá apresenta-nos os Netos do Bandim aos olhos do artigo 29 da Convenção dos Direitos da Criança:

O Grupo Cultural Netos de Bandim foi criado pela Associação dos Amigos da Criança (AMIC) no dia 12.11.2000 com a finalidade de sensibilizar e consciencializar a sociedade sobre os direitos da criança, e criar um ambiente de integração sociocultural para as crianças e jovens do Bairro de Bandim. Num contexto pós guerra, este núcleo tinha como principal objetivo a integração social de crianças e jovens (grupos de riscos advindos da situação de pobreza vivida pela generalidade das famílias do bairro de Bandim) oferecendo-lhes um espaço de convívio, de partilha de boas práticas de cidadania através da música, da dança e do teatro. Deste então o grupo reúne-se diariamente nas instalações da escola comunitária da Zona 5 do Bairro de Bandim-1 (que ruiu durante as chuvas de 2010).

Com o passar dos anos o grupo cresceu e ganhou grande notoriedade na divulgação da música e da dança tradicional da Guiné Bissau a nível nacional e internacional. Atualmente a maioria das crianças que constituíram a estrutura inicial já são jovens adultos que assumem responsabilidades organizacionais dentro do grupo, e conta com a participação de jovens de toda a cidade de Bissau. A prioridade dos Netos de Bandim continua a ser a prevenção e combate à exclusão social entre as crianças e os jovens, integrando a necessidade de salvaguarda, valorização, e a divulgação do património cultural Guineense. Podemos assim, dividir as actividades que hoje em dia o grupo realiza em dois pólos.

combate à exclusão social através de apoio sociocultural e económico às crianças/jovens e suas famílias;

1. Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve destinar-se a:

a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades;

b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;

c) Inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da sua;

d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena;

e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente.

conhece os direitos da criança? como se passa do papel à prática? este é o espaço para conhecermos a convenção dos direitos da criança, através dos olhos das pessoas e instituições que todos os dias lutam para que os direitos sejam uma realidade.

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DIREITOS DAS CRIANÇAS

Todas as atividades desenvolvidas no seio do grupo têm uma grande componente educacional no sentido de garantir as boas práticas da cidadania, de inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que vive, e pelas civilizações diferentes da sua. Assim sendo, a maioria das crianças encara-me o como “Encarregado de Educação”, os pais conferem-me a responsabilidade de agente educacional.

Uma das condições inerentes para que qualquer criança e/ou jovem possa integrar o grupo como membro, é a frequência escolar. Tendo em consideração as dificuldades económicas vividas no seio das famílias, o Grupo Cultural Netos de Bandim garante o suporte económico para que as crianças (membros do Grupo) mais desfavorecidas possam frequentar a escola. Os Netos do Bandim reforçam ainda a importância da educação das crianças, condicionando a participação nos espetáculos culturais a quem tem sucesso escolar. Para apoiar os jovens que já estão numa fase mais avançada do seu percurso académico, está a ser criando um programa de apadrinhamento dos estudos universitários, sendo que atualmente já se apadrinharam alguns estudantes.

salvaguarda, valorização, e a divulgação do património cultural Guineense como veiculo para a construção da paz.

Nos seus treze anos de existência o grupo promoveu vários intercâmbios entre grupos culturais de Bissau, e contactou comunidades mais rurais para aprofundar o conhecimento sobre a expressão de vários grupos étnicos. Acreditamos que para desmitificar as diferenças, e dissolver os conflitos étnicos, é necessário que as crianças aprendam os significados das expressões próprias de cada etnia e as assuma com um sentimento de pertença e orgulho, pois fazem parte da identidade cultural de todos os guineenses.

Neste sentido, é possível verificar que os vários elementos Grupo Cultural Netos de Bandim representam a essência de todo o mosaico multicultural da Guiné Bissau, já que pertencem e divulgam os hábitos de folclore dos vários grupos étnicos.

Assim trabalhamos para promover a Paz na Guine Bissau, sensibilizando as crianças para assumirem as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade

entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena sobretudo pela beleza da diferença e pelo respeito ao meio ambiente.

Por Ector Diógenes Cassamá, Técnico Social da AMIC, Coordenador Coordenador do Grupo Cultural

Netos de Bandim

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DIVERTIR

faiXa eTÁRia: Acima dos 4 anos

LOcaL: Recreio, Salas amplas, na rua, no quintal…

esTiMuLaR: Atenção, Agilidade, Memória, Coordenação motora, Conhecimento de cores

PaRTiciPanTes: 3+

cOMO BRincaR

Um participante é escolhido para comandar, no caso de crianças mais novas o ideal é que o comandante seja

o Educador. Ele coloca-se de frente para as crianças e diz: “Elefante colorido!”. Os outros respondem: “De que cor?” (Foto1). O comandante então grita o nome de uma cor e os jogadores devem correr e tocar (Fotos 2 e 3), o mais rapidamente possível, em algo que tenha aquela cor ou tonalidade.

Quanto mais longe estiver o acesso à cor, mais difícil se torna o jogo. Para os mais velhos a brincadeira será mais divertida se o comandante perseguir os outros participantes e tentar capturá-los antes que eles cheguem à cor. O primeiro a ser apanhado torna-se no próximo comandante.

ELEFANTE COLORIDO

efaiXa eTÁRia: Acima de 3 anos

LOcaL: Recreio, Salas amplas, na rua, no quintal…

esTiMuLaR: Coordenação motora, Cooperação, Estratégia, Resistência, Condicionamento físico

PaRTiciPanTes: 8+

cOMO BRincaR

A brincadeira é semelhante a jogar à apanhada, mas cada jogador que é apanhado dá a mão ao que apanha e também começa a perseguir os outros participantes (Foto 1). Cada jogador que é capturado vai-se unindo aos outros formando uma grande corrente. Quanto

maior for a serpente, mais difícil será para os que perseguem apanharem os que fogem. Então, torna-se necessário cooperar e ser criativo para encontrar estratégias que possam ajudar a apanhar outros jogadores, como por exemplo formar um ‘paredão’ para não deixar ninguém passar (Foto 2).

Dica: com grupos grandes, pode-se fazer uma disputa entre serpentes. Divide-se o grupo em equipas de 4 a 6 crianças, unidas pela cintura em fila indiana. Quem estiver à frente é a ‘cabeça’ da serpente e deve perseguir e tentar apanhar o último jogador (a cauda) das outras serpentes. Ao mesmo tempo, deve proteger a sua própria ‘cauda’ (Foto 3).

Carla Jauad Técnica de Formadora de Educação de Infância em Bissau

O JOGO DA SERPENTE

1 2 3

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ACÇÃO

Diário de uma viagem: Projeto preparação para a escola e sensibilização dos pais e encarregados de educação

Domingo, dia 11 de Agosto de 2013. Chovia em Gabú. Na estrada de Sonaco decorriam os últimos preparativos na casa que iria receber 18 mulheres vindas de Bafatá, Gabú e Oio, elas seriam o rosto e o corpo vivo do “ Projeto de Preparação para a Escola e Sensibilização dos Pais e Encarregados de Educação”. O objetivo? Apoiar iniciativas para o Desenvolvimento da Pequena Infância (DPI) na Guiné-Bissau, junto de 9 Escolas Amigas da Criança+ (EAC+).

Consolidavam um alicerce que nasceu de uma parceria entre a UNICEF e a FEC, inicialmente pautada por reflexões, reuniões, horas de escrita, emails, viagens pelas tabancas para conhecer, sentir. Assim se assumia coletivamente um compromisso: desenvolver um projeto-piloto com uma vertente pedagógica e comunitária, dirigido a crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Esta perspetiva integrada visava não apenas oferecer um serviço de educação de infância de qualidade numa infraestrutura condigna - o Djemberem- capacitando pedagogicamente mulheres selecionadas pelas comunidades para dinamizá-lo, como também envolver e sensibilizar os pais e habitantes das tabancas.

Durante o mês de Agosto de 2013, iniciava-se a capacitação das Animadoras. Previra-se a chegada de 18 pessoas, apareceram 31, mulheres, filhos, irmãs. Os olhares transpareciam a força da missão: prepararem-se para trabalhar no Djemberem, com as crianças da sua comunidade. No decorrer desses dias partilharam-se as bases pedagógicas para o desempenho das suas funções, partindo de um princípio essencial: compreender coletivamente a especificidade da educação de infância, numa abordagem integrada, contextualizada ao meio e às características de cada grupo de crianças.

A teoria uniu-se à prática, com a simulação in loco de atividades pedagógicas, a experimentação de estratégias de gestão do grupo, tempo e espaço, sublinhando a importância da relação emocional. No último dia celebrou-se com emoção o percurso firmado: tornaram-se Animadoras!

Após a chegada à tabanca preparou-se a abertura do Djemberem e, pouco tempo depois iniciavam atividade com autonomia suficiente para planificar e implementar atividades, acolher com ternura cada uma das crianças, organizar a sala e compreender que um ambiente seguro, organizado e harmonioso também gera desenvolvimento. O caminho não estava terminado e nem por isso se revelava simples, era fundamental manter a sustentabilidade, aperfeiçoando a prática pedagógica das Animadoras, consolidando os laços com a comunidade. Entretanto, a equipa FEC iniciou as visitas de acompanhamento pedagógico, foram organizadas duas formações de reforço, promoveram-se ateliês de sensibilização para pais e comunidade, bem como a distribuição de equipamento e materiais. As animadoras, os diretores, os djargas (líderes religiosos muçulmanos), pais, elementos do comité de gestão, homens e mulheres garandis (pessoas mais velhas), todos aqueles que tinham uma palavra a dizer sobre o Djemberem foram escutados. O percurso foi marcado por pequenas conquistas e dúvidas refletidas coletivamente com a comunidade. Desses ecos e ações repensou-se, readaptou-se.

Traduzindo a experiência e as lições em números, contamos: 9 djemberens, 18 Animadoras, 324 crianças.

Carolina RodriguesTécnica Formadora de Educação de Infância em Gabú

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ACÇÃO

Os Direitos da Criança, embora contemplados em convenções internacionais, não são ainda uma realidade em alguns países. Na Guiné-Bissau, existem instrumentos jurídicos nacionais para a defesa dos direitos humanos e das crianças, mas ainda se verificam muitas fragilidades na sua aplicação. Continuam a existir muitas crianças carentes de alimentação, abrigo, saúde, proteção e educação.

A FEC trabalha, desde 2001, na defesa destes direitos de muitas formas, complementares e sempre em rede com parceiros nas regiões e no trabalho de advocacia e sensibilização de decisores e da população guineense.

Trabalhamos com formadores e professores, para que estes direitos não fiquem apenas registados em documentos e secretárias. Em conjunto, temos focado a nossa ação na educação e na saúde e em abordagens integradas e globais (física, psicológica, social). Afinal, a criança é um todo e não uma parcela de características isoladas. Os problemas de saúde afetam a sua presença na escola e na sua concentração nos estudos.

Mas não basta responder localmente. Em conjunto com parceiros como a Cáritas da Guiné-Bissau, verificámos que, face a problemas transversais a todo o país, deveríamos dar uma resposta global: a criação de uma rede de proteção social de prevenção, sinalização e encaminhamento de crianças vítimas de violações dos Direitos das Crianças. Às escolas, somamos os Centros de Recuperação Nutricional, hospitais de referência e entidades ligados à tutela dos Direitos da Criança.

Acreditamos que em rede podemos responder a curto prazo a violações dos direitos da criança e a médio e longo prazos, conceber estratégias futuras adequadas para diminuir as violações mais prevalentes através de uma maior conhecimento das vítimas.

A FEC trabalha também na capacitação de profissionais responsáveis pelo acolhimento de crianças em risco e com fragilidades físicas e mentais, na área das necessidades educativas especiais. A criação do Jardim Inclusivo da Casa de Acolhimento Bambaram, atualmente em construção pela Diocese de Bissau, é mais uma pedra na construção de uma sociedade promotora dos direitos das crianças. Qual o nosso objetivo? Acolher e integrar crianças com e sem necessidades educativas especiais, promovendo a igualdade de oportunidades e não a segregação.

Os direitos só são reais quando conhecidos. Por isso em breve iremos lançar a campanha “Eu tenho Direito! Dás-me Direitos?”, para sensibilizar para os direitos das crianças necessidades educativas especiais.

Estes são apenas alguns “postais” do nosso trabalho com crianças. Este será um trabalho inacabado até que todas as crianças da Guiné-Bissau gozem em pleno o seu direito de ser criança.

Catarina Lopes e Mercedes PintoDepartamento de Cooperação para o Desenvolvimento

EU TENHO DIREITO! DáS-ME DIREITOS?