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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 719
(Ano VIII)
(11/10/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
Boletim Conteúdo Jurídico n. 719 de 11/10/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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Boletim Conteúdo Jurídico n. 719 de 11/10/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
11/10/2016 Ricardo Souza Calcini
» TST admite sistemática do Novo CPC para agilizar os processos
trabalhistas, mas cria custos sem precedentes para as empresas
ARTIGOS
11/10/2016 Erika Rocha Barreto » Brasil: inteligência e as implicações da inexistência de uma lei antiterror
11/10/2016 Gabriel Meira Fialho Fonseca
» Contrato de seguro de dano sob a égide do Código Civil de 2002
11/10/2016 Liziane Bainy Velasco
» Diferenciando a indivisibilidade da solidariedade
11/10/2016 Francisco Renato Silva Collyer
» O fundamento da soberania e a necessidade da criação do estado no
jusnaturalismo de Thomas Hobbes
11/10/2016 Thiago Borges Mesquita de Lima
» Do exercício da advocacia pelos conciliadores e mediadores judiciais: um
estudo à luz do art. 167, § 5º, do CPC/2015 c/c 28, inc. IV, da Lei n.
8.906/1994
11/10/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» Da Desapropriação Urbanística Sancionatória: Primeiras Pinceladas à
hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988
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TST ADMITE SISTEMÁTICA DO NOVO CPC PARA AGILIZAR OS PROCESSOS TRABALHISTAS, MAS CRIA CUSTOS SEM PRECEDENTES PARA AS EMPRESAS
RICARDO SOUZA CALCINI: Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Especialista em Direito Social. É também Pós‐Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região, tem atuação direta na área do Direito do Trabalho, com ênfase em Direito Material, Processual, Ambiental e Desportivo do Trabalho. É membro do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).
Desde o dia 18 de março de 2016, quando passou a viger o Novo
Código de Processo Civil de 2015, uma verdadeira revolução cultural foi
introduzida aos processos em trâmite perante a Justiça do Trabalho,
passando a exigir, definitivamente, uma criteriosa atenção em sua
condução pelas partes, em especial pelos empregadores.
E isso se deve pelo fato de que, dentre tantas novidades e alterações promovidas a partir da previsão do artigo 15 do NCPC de 2015, interpretado e regulamentado que foi pela Instrução Normativa nº 39 de 2016 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, uma modificação em particular trouxe uma reviravolta sem precedentes ao sistema recursal trabalhista, que atinge sobremaneira as empresas. Trata-se do chamado “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”.
O NOVO CPC DE 2015 E A JUSTIÇA DO TRABALHO
Previsto no artigo 356 do Novo Código de Processo Civil, o “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito” tem sua aplicabilidade referendada pela IN nº 39/2016 do C. TST, cujo artigo 5º assim dispõe:
Art. 5° Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 356, §§ 1º a 4º, do CPC que regem o julgamento
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antecipado parcial do mérito, cabendo recurso ordinário de imediato da sentença (destacou-se).
Com uma apressada leitura do citado dispositivo, não é possível identificar, de plano, qualquer importante conclusão. Afinal, contra a sentença do juiz trabalhista de primeiro grau sempre foi cabível recurso ordinário dirigido ao Tribunal Regional do Trabalho, com fundamento no artigo 895, I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Sucede, porém, que o artigo 5º da IN nº 39/2016 do C. TST promoveu fundamentais mudanças que, analisadas em conjunto, permitem concluir pela mais impactante inovação incorporada ao Direito Processual do Trabalho. Em resumo, pode-se afirmar que, doravante, dificilmente haverá sentença no processo trabalhista que exija apenas um preparo recursal pelo empregador, sendo possível coexistirem diversas decisões judiciais sujeitas, simultaneamente, a inúmeros recursos, possibilitando execuções provisórias e/ou definitivas dos créditos trabalhistas.
RECURSO ORDINÁRIO X PREPARO RECURSAL
Para melhor explicar essa grandiosa novidade, necessário se faz relembrar que na vigência do CPC de 1973 não se admitiam, por imperativo legal, as nominadas “sentenças parciais”, uma vez que o legislador brasileiro, até então, não permitia a cisão da sentença. Assim, mesmo nos casos em que se viabilizava a “tutela antecipada” com fundamento em pedido incontroverso, na forma do previsto no artigo 273, § 6º, do CPC de 1973, não se estava diante de decisão final, mas sim de natureza interlocutória.
Destarte, ainda que o magistrado tivesse decidido com base em técnica de cognição exauriente, inclusive mediante respeito ao contraditório e à ampla defesa, não se poderia afirmar ter havido prolação de sentença propriamente dita. Tanto é verdade que, na feliz expressão cunhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva do Superior Tribunal de Justiça, convencionou-se chamar esse ato judicial de “decisão interlocutória de mérito”.
Em sendo assim, a “decisão interlocutória de mérito” tinha de ser obrigatoriamente confirmada pelo magistrado em sua sentença,
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por ser essa a decisão final contra a qual sempre coube recurso ao Tribunal. Logo, sendo julgados os pedidos procedentes ou procedentes em partes, a sistemática recursal trabalhista sempre conferiu às partes – e aqui o enfoque será feito na figura do empregador – o manejo de recurso ordinário à Superior Instância, mediante recolhimento do preparo recursal.
Dito isso, é cediço que na Justiça do Trabalho o preparo recursal é representado pelas custas processuais, à razão de 2% (dois por cento), calculadas, por exemplo, sobre o valor da condenação, as quais deverão ser pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal (CLT, artigo 789, I e § 1º). Além das custas processuais, necessário se faz também o recolhimento do depósito recursal, no importe atualmente fixado em R$ 8.959,63, exigido para os recursos ordinários interpostos a partir de 1º de agosto de 2016. Nesse sentido é o Ato SEGJUD.GP 326/2016 do C. TST.
Até este momento parece que nada mudou, notadamente porque a maioria dos processos trabalhistas continua a seguir essa sistemática padrão, que está disciplinada na norma celetista, e não no novo diploma processual civil. Todavia, ao admitir a aplicabilidade do “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”, a Instrução Normativa nº 39 de 2016 da Corte Superior Trabalhista criou um paradigma totalmente distinto, cuja novidade passa agora a ser explicada.
NOVIDADES DA SISTEMÁTICA DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE MÉRITO
De se mencionar, para tanto, o teor do artigo 356 do NCPC de 2015:
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de
imediato julgamento, nos termos do art. 355.
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§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.
§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.
§ 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.
§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.
§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.
De uma atenta leitura do citado preceito legal, a primeira conclusão que se extrai é pela possibilidade de coexistir mais de uma sentença em um único processo trabalhista. Ou seja, não mais haverá obrigatoriamente uma única decisão final. Ao contrário, o juiz do trabalho poderá proferir tantas decisões de mérito quanto forem os pedidos formulados nas reclamações trabalhistas, desde que preenchidos os requisitos legais.
A segunda conclusão que se aponta é no sentido de que essa decisão, que é uma verdadeira sentença, pode reconhecer uma obrigação líquida, passível de imediata execução, ou ilíquida, quando será necessária a elaboração de cálculos. Em tais hipóteses, tanto a execução quanto a liquidação serão promovidas pelo credor independentemente de caução, o que torna efetiva a
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prestação jurisdicional pela satisfação do crédito trabalhista considerado privilegiado e de natureza alimentar.
Já a terceira conclusão que se evidencia – e essa, certamente, a mais relevante no presente estudo – diz respeito à possibilidade de manejo de recurso ordinário contra a sentença que julga antecipada e parcialmente o mérito. E isso se diz pelo fato de a IN nº 39/2016 do C. TST referir ser inaplicável o § 5º do artigo 356 do NCPC/15, que prevê o cabimento de agravo de instrumento para atacar decisão proferida com base em aludida sistemática, substituindo-o, porém, pelo recurso ordinário, modalidade recursal específica do Direito Processual do Trabalho.
A par disso, nota-se ser obrigatória a imediata interposição de recurso ordinário pelo empregador para impugnar o julgamento antecipado parcial de mérito, como medida a afastar o trânsito em julgado da decisão e da própria execução definitiva (NCPC/15, artigo 356, § 3º). Ainda, mesmo que interposto o recurso ordinário, a execução será provisória, em razão do mero efeito devolutivo que vigora no sistema recursal trabalhista, sendo necessário que a parte busque obter o efeito suspensivo perante a Instância Superior para evitar a liquidação e/ou cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito (NCPC/15, artigo 356, § 4º).
CUSTOS SEM PRECEDENTES PARA AS EMPRESAS
Aqui, portanto, reside a principal problemática trazida pela IN nº 39/2016 do C. TST. Ora, se é cabível o imediato recurso ordinário pelo empregador, por consequência lógica é devido o prévio recolhimento do preparo recursal. Agora, se é possível também a existência de várias sentenças parciais de mérito, corolário lógico passa a ser a exigência do prévio pagamento, com a comprovação de custas processuais e depósito recursal para cada uma das condenações que forem impostas pelo juiz do trabalho. E isso, frise-se, dentro de um único processo trabalhista.
Para fins didáticos e de melhor explicitação do impacto financeiro sem precedentes sofrido pelas empresas, imagine-se, por hipótese, uma ação trabalhista com quatro pedidos, aqui representados, exemplificadamente, por verbas rescisórias, danos morais, adicional de periculosidade e horas extras.
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Quando da realização da primeira audiência, após a apresentação da defesa pelo empregador, se o juiz identificar a ausência de impugnação específica quanto ao pleito de verbas rescisórias, tal pretensão passará a ser incontroversa (NCPC/15, art. 356, I), o que autorizará o julgamento antecipado parcial de mérito. Neste caso, se a condenação imposta for de R$ 10.000,00, para fins de recurso ordinário, que é cabível de imediato dentro do prazo recursal de oito dias, o empregador deverá efetuar o pagamento de custas processuais à razão de 2% (R$ 200,00), além do depósito recursal de R$ 8.959,63.
Em uma nova audiência de instrução, após a colheita da prova oral, o juiz entende que o pedido de danos morais, por exemplo, está em condições de imediato julgamento (NCPC/15, artigos 355 c/c 356, II), razão pela qual profere nova decisão antecipada parcial de mérito, condenando agora a empresa no importe de R$ 20.0000,00. Nesta situação, se a empresa optar por recorrer para evitar o trânsito em julgado da decisão, novamente pagará e comprovará o recolhimento do preparo recursal, qual seja, R$ 400,00 a título de custas processuais (dois por cento), além de outro depósito recursal no limite de R$ 8.959,63.
Ainda, após a realização da perícia técnica com a constatação de labor em condições perigosas, uma vez mais se abre a possibilidade de o juiz prolatar julgamento antecipado parcial de mérito (NCPC/15, artigos 355 c/c 356, II). E por ser novamente possível, a empresa é condenada agora no importe de R$ 30.000,00. Nota-se que o preparo recursal continuará a ser exigido, sendo que a única diferença residirá no valor das custas processuais, que serão arbitradas em R$ 600,00.
O pedido de horas extras, por sua vez, é julgado ao final, porém não sob a sistemática do julgamento antecipado parcial de mérito, mas sim na sentença que agora põe fim à fase cognitiva de responsabilidade do juiz de primeiro grau. Neste momento, a empresa sofre nova condenação, que é arbitrada na quantia de R$ 50.000,00, cuja sistemática recursal é a mesma para fins de interposição do recurso ordinário, sendo necessário o pagamento e a comprovação de custas e depósito recursal.
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Diante do hipotético exemplo acima exposto, claro está que o desfecho do processo trabalhista será diametralmente distinto caso o magistrado aplique o chamado “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”. E veja-se que, diferentemente do modelo padrão com uma única sentença, possibilita-se ao juiz do trabalho, desde o dia 18 de março de 2016, que a decisão judicial seja fracionada em outras sentenças, cuja procedência dos pedidos autoriza o imediato cabimento de recurso ordinário, com o pagamento e a comprovação de tantos preparos recursais quanto forem essas sentenças proferidas ao longo da fase de conhecimento.
É importante destacar que não se cogita, aqui, ser admitido o denominado “complemento” do preparo recursal, representado pela prática forense concebida sob a égide de uma única sentença. Isso porque se está diante de sentenças distintas, que foram prolatadas na sistemática do julgamento parcial de mérito, as quais exigem o pagamento individual de custas processuais para cada condenação arbitrada (CLT, artigo 789, I), além do recolhimento de depósito recursal individual devido até o limite do valor de cada condenação (CLT, artigo 899, § 2º).
Logo, por força da especialidade do processo trabalhista, entende-se plenamente possível a construção desse raciocínio, em razão da redação conferida ao artigo 5º da Instrução Normativa nº 39 de 2016 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. E isso pelo fato de se admitir uma cumulação objetiva de vários pedidos em uma única reclamatória, os quais poderiam, em tese, ensejar ações judiciais distintas.
CONCLUSÕES
Bem por isso, se a pretensão deferida na ação trabalhista for decidida sob a sistemática do julgamento antecipado parcial de mérito, dois serão os caminhos possíveis de se trilhar pelo empregador: (i) não apresentar recurso, quando então ocorrerá o trânsito em julgado da decisão, com o início da execução definitiva; ou (ii) interpor de imediato o recurso ordinário, que não impede o início da execução provisória, salvo se obtido o efetivo suspensivo do apelo, hipótese em que se exigirá o preparo recursal, por força da necessária garantia do juízo existente no processo trabalhista.
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Em arremate, até que sobrevenha uma eventual mudança de entendimento no âmbito da Corte Superior Trabalhista, recomenda-se aos empregadores que efetuem o recolhimento do depósito recursal, integralmente, em relação a cada recurso ordinário interposto, sob pena de deserção (inteligência do item I da Súmula nº 128 do C. TST).
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BRASIL: INTELIGÊNCIA E AS IMPLICAÇÕES DA INEXISTÊNCIA DE UMA LEI ANTITERROR
ERIKA ROCHA BARRETO: Analista de Sistemas, bacharel em Ciência da Computação pela PUC/MG, pós graduação em Gestão de Negócios pela FGV, pós graduação em Inteligência e Contrainteligência, pós graduação em Gestão Pública e pós graduação em Gestão de Pessoas.
RESUMO: Este trabalho é sobre a formação do Estado brasileiro,
Inteligência e Antiterror. Serão abordadas a história recente do Brasil e a
sua atual configuração como Estado, o seu sistema jurídico e a
problemática da ausência e uma lei do terrorismo, especialmente em
tempos de preparação para a copa do mundo e olimpíadas em território
nacional.
PALAVRAS‐CHAVE: Estado Brasileiro. Inteligência. Terrorismo.
ABSTRACT: This paper is about the formation of the Brazilian State,
Intelligence and Antiterror, will be discussed at the recent history of Brazil
and its current configuration as a state, its legal system and the problem
of absence and a terrorist law, especially in times of preparation for the
World Cup and Olympics in the country.
KEYWORDS: Brasilian State. Intelligence. Terrorism
SUMÁRIO: RESUMO. ABSTRACT. 1 Introdução. 2 Referencial Teórico. 3 Desenvolvimento. 3.1 Formação do Estado Brasileiro. 3.2 Inteligência. 3.3 Sistema jurídico no Brasil e a problemática da ausência de uma lei (tipo penal) do terrorismo. 4 Recomendações. 5 Conclusão. REFERÊNCIAS. ANEXOS.
1 Introdução
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O objetivo deste artigo é conceituar o Estado Moderno Brasileiro,
Inteligência e a importância da existência de uma lei antiterror. O Estado
moderno Brasileiro, formado a partir da Constituição Federal de 1988, tem
o seu pilar em três elementos constitutivos: povo, território e soberania.
Consiste em um Estado Democrático de Direito em que toda atuação
pública decorre de uma competência atribuída por lei. Ao poder público é
facultado agir estritamente de acordo com a lei, sendo possível realizar
apenas o que esta determina.
Ao particular é facultado fazer o que a lei não proíbe. A Inteligência
de Estado é essencial ao correto posicionamento de qualquer nação
soberana. Atualmente com a grande projeção internacional alcançada
pelo Brasil, se faz vital o desenvolvimento de uma Inteligência robusta
capaz de dar ao decisor todos os subsídios à tomada de
decisões. Especialmente em tempos de eventos de repercussão
internacional e, considerando‐se o cenário atual do terrorismo mundial é
essencial à compreensão do Estado Brasileiro a atuação da sua Inteligência
e a problemática da falta de uma lei antiterror.
2 Referencial Teórico
O trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica sobre
o assunto. A principal referência é a doutrina da Escola Superior de
Inteligência, de março de 2011. Outras referências importantes são as
aulas de Terrorismo e Contraterrorismo, ministradas na turma V de
Inteligência e Contrainteligência. Nestas aulas foram feitas diversas
conceituações essenciais ao desenvolvimento deste trabalho. O material
foi coletado de diversas fontes abertas, sendo a internet a principal.
3 Desenvolvimento
3.1 Formação do Estado Brasileiro
Após o fim de um dos regimes de exceção a que foi submetido o Brasil,
de 1964 a 1985 foi convocada uma Assembleia Nacional Constituinte com
a finalidade de criar a Constituição Federal. A Carta foi promulgada em
1988 e normatiza o Estado brasileiro como hoje o conhecemos.
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O Estado brasileiro é definido no art. 1º da magna carta da seguinte
forma:
“A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados Municípios e do Distrito
Federal, constitui‐se em Estado Democrático de
Direito”
Detalhando a definição acima, entende‐se que Estado é uma
abstração jurídica cuja finalidade é tutelar a vida social, possuindo
autoridade superior e fixando as regras de convivência de seus membros.
O termo foi usado pela primeira vez no livro “O Príncipe” escrito por
Maquiavel, em 1513. Possui três componentes básicos: soberania,
território e povo.
Soberania é o poder absoluto e perpétuo de um Estado, dela não
podendo ninguém dispor ou limitar, independente do cargo ou poder. Em
1762, Rousseau publicou o livro denominado “Contrato Social” no qual
enfatiza o conceito de soberania e transfere sua titularidade da pessoa do
governante para o povo. Este conceito vem sendo bastante utilizado pelos
Estados modernos, na teoria e na prática, inclusive para justificar posições
antagônicas de uns em relação aos outros em que cada um afirma estar
defendendo a sua soberania.
Grande parte dos autores de Teoria Geral do Estado concorda que o
território é um elemento indispensável à existência do Estado. Muitos,
conforme Kelsen, o território de um Estado é um elemento material
indispensável, é o elemento constitutivo essencial. Trata‐se do espaço
geográfico ao qual é válida a ordem jurídica estatal, sendo inclusive o
elemento que possibilita a existência simultânea de várias ordens estatais.
Para outros, como, por exemplo, Burdeau, trata‐se de uma condição
necessária exterior, sendo o quadro natural dentro do qual os governantes
realizam suas funções, existindo uma relação de domínio entre eles. O
conceito surgiu apenas com o Estado Moderno, não que os Estados
anteriores não possuíssem território, apenas o conceito não era utilizado
na definição.
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Povo refere‐se ao nacional, nato ou naturalizado, de um Estado. É o
conjunto de indivíduos que através de um ou vários atos jurídicos se unem
para a criação do Estado, sendo juridicamente vinculado a este de forma
permanente. O povo integra a vontade do Estado e o exercício do seu
poder soberano. É povo também o individuo que ao nascer atende aos
requisitos estabelecidos pelo Estado para integrar‐se a ele. Diferente de
população que significa as pessoas que se encontram no território de um
Estado em um dado momento, tanto nacionais quanto não nacionais.
O Estado brasileiro quanto à forma é Federado o que significa que há
uma descentralização político‐administrativa composta pela União –
união dos entes da federação, representando o poder central, Estados
membros, Distrito Federal e Municípios.
O sistema político brasileiro é o presidencialista no qual há
independência e harmonia entre as atribuições do poder: legislativo,
executivo e judiciário.
A forma de governo do Brasil é a república em que se governa a “coisa
do povo” e o regime é a democracia sendo o poder emanado do povo e
por ele exercido através de representantes eleitos.
3.2 Inteligência
Inteligência é antes de tudo apoio ao decisor e dar a este todos os
elementos possíveis, dados os recursos logísticos e de prazo, para auxiliar
o processo decisório. Para que esta assessoria seja prestada da melhor
forma possível entra em cena os analista de inteligência, responsáveis pela
produção do conhecimento.
A produção do conhecimento é antes de tudo um trabalho de
paciência, observação, inter‐relação e uma certa dose de experiência.
Quanto mais experiente o analista mais qualificado o seu trabalho. Por
isto, formar um analista de inteligência é um processo caro e demorado,
sendo de total interesse do Brasil, nos tempos atuais, investir nesta seara
como uma forma de fazer frente à nova ordem mundial e aos interesses
públicos brasileiros a serem defendidos em relação a um possível e muito
provável desejo internacional de se apossar de bens nacionais.
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Na Pirâmide da agregação do valor à informação temos o dado na
base, seguido do informe e, após, a informação e o conhecimento,
finalizando com a Inteligência. A agregação de valor se dá de baixo para
cima, a saber: quanto mais alto maior valor agregado à informação.
Dado é a unidade básica de informação, não tem sentido sozinho, é
uma representação isolada de um fato. O processo realizado em relação a
ele é a organização como uma forma de ordená‐los conferindo lhes assim
algum sentido lógico cognitivo.
Informes são dados organizados e com sentido, porém sem garantia
de fonte ou conteúdo, devendo ser avaliados para que seja determinado
o grau de confiabilidade, uma das formas de se realizar a classificação é
através da TAD – Técnica de Avaliação de Dados, método através do qual
são atribuídos letras e números aos informes de acordo com uma tabela
pré‐definida em que a letra avalia a fonte e o número o conteúdo. As
fontes variam de inteiramente idôneas até a idoneidade não pode ser
avaliada e os conteúdos variam de confirmado por outras fontes até a
veracidade não pode ser avaliada;
Informação é um saber sobre o qual não cabe discussão, algo que foi
ou é. É um dado ou conjunto destes últimos que faz sentido e tem garantia
de fonte e conteúdo. É também um informe classificado como fonte
confiável e conteúdo verdadeiro – de acordo com a TAD, classificação A1.
À informação cabe o processo de análise, que permitirá a transformação
desta em conhecimento.
Conhecimento é inseparável das pessoas, está associado à ação e é
avaliado pelas decisões e ações que desencadeia, – segundo o professor
Cláudio Rêgo: “Conhecimento é a ação humana sobre as informações
visando produzir inteligência”. Neste ponto são realizados processos de
julgamento que permitem a associação das diversas informações
recebidas.
Além destes quatro conceitos, mais recentemente foi incluído o de
inteligência, sendo esta a capacidade de relacionar conhecimentos no
processo de decisão e previsão de acontecimentos. Está ainda mais
associada à ação do que o conhecimento uma vez que a atitude será
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adotada pelo Decisor. Após esse ser apresentado à Inteligência produzida
pelo Processo representado, em seu todo, pela Pirâmide. A inteligência
diferencia‐se da informação por esta estar relacionada com o presente ou
com o passado ‐ fatos consumados ‐ e aquela possibilitar uma projeção de
cenários futuros.
É necessário registrar que, semelhante à pirâmide da agregação do
valor à informação, há a Pirâmide da Sabedoria – (CÔRTES, 2008, p. 34) –
cujos elementos são praticamente os mesmos, porém sem o informe e
tendo o Saber como elemento do topo. O autor ressalta a importância da
experiência na condução à sabedoria dos integrantes de uma Unidade de
Inteligência.
Dois outros conceitos importantes são o de proteção e o de
segurança. A maior parte dos trabalhos em “Proteção do Conhecimento”
ou “Segurança da Informação” é em inglês, assim ao traduzirmos para o
português podemos sempre cometer o engano de não usar a palavra
certa. Um exemplo deste tipo de engano é em relação às
palavras security e safety, ambastraduzidas como “segurança” (ISPS‐
CODE, p. 1), quando o mais adequado seria: security ‐ proteção contra
ameaça, e, safety – segurança relacionada com acidentes e incidentes.
Considerando as definições realizadas a expressão correta é
“Proteção do Conhecimento” em vez de “Segurança da Informação”. O
conhecimento, ação das pessoas sobre as informações disponíveis nas
organizações, deve ser protegido, salvaguardado em relação às ameaças
externas e, infelizmente, muitas vezes, internas.
É claro que deve haver “Segurança da Informação”, mas no sentido
de zelar para que as informações armazenadas nas organizações não se
percam por acidentes ou incidentes.
Definida a questão semântica, é necessário definir também a
abrangência da Proteção do conhecimento. Na era da informação,
conforme extensa bibliografia de Peter Drucker sobre o assunto, e em um
mundo voltado para a tecnologia, corre‐se o risco de focar apenas a
informática – um engano comum – normalmente percebido tarde demais.
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Em relação à Proteção, são três os elos a serem considerados: pessoas,
processos e tecnologia.
O elo pessoas deve ser o que recebe maior atenção, não só dada a sua
complexidade e possibilidade de ser cooptado pelo inimigo, mas também,
porque os outros dois são dependentes desse primeiro. È necessário que
se fortaleça o capital intelectual da organização, reconhecendo sua
importância e relevância para o processo de Proteção do Conhecimento.
Às vezes um simples office boy, com acesso à sala do presidente, pode
fornecer informações que, nas mãos erradas, prejudicariam
enormemente a entidade.
3.3 Sistema jurídico no Brasil e a problemática da ausência
de uma lei (tipo penal) do terrorismo. “A Justiça sustenta numa das mãos a balança
com que pesa o direito, enquanto na outra segura a
espada por meio da qual o defende. A espada sem a
balança é a força bruta, a balança sem a espada, a
impotência do direito. Uma completa a outra, e o
verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando
a justiça sabe brandir a espada com a mesma
habilidade com que manipula a balança.”Rudolf von
Ihering
As políticas em relação ao terrorismo podem ser anti ou
contraterrorismo, sendo a primeira preventiva, relacionada com obtenção
de informações que sirvam de subsídio para medidas de combate ao
inimigo, e a segunda a utilização de meios ofensivos capazes de dar
resposta a um ataque terrorista propriamente dito ou a uma tentativa de
ataque.
Mesmo inserido numa ordem mundial em que conflitos de interesses,
ideológicos, políticos e econômicos geram ações terroristas, e com a
realização da copa de 2014 em território nacional, o Brasil não possui uma
legislação específica que trate do assunto. Não existe no ordenamento
jurídico brasileiro atual lei de prevenção e/ou repressão ao terrorismo.
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Temos a Lei 8072/90 que trata de crimes hediondos, a Lei 9455/97
sobre tortura, a Lei 11343/2006 do tráfico e a Lei 9034/95 de combate às
organizações criminosas. Hoje se houver um atentado terrorista em
jurisdição nacional alguma das citadas leis ou a combinação de mais de
uma deverá ser usada na tentativa de enquadrar e penalizar o criminoso.
Mundialmente há duas doutrinas de combate ao terrorismo: 3D dos
EUA, que consiste em Detectar, Deter e Defender, e a Europeia cujas
palavras chave são: Prever, Proteger, Investigar e responder. A segunda
doutrina é menos agressiva e certamente mais adequada ao Brasil.
A inexistência do tipo penal terrorismo dificulta em muito as ações
tanto preventivas como repressivas deste tipo de ato. Considerando a
ocorrência de um evento com visibilidade mundial como a Copa do mundo
de 2014, que ocorrerá aqui no Brasil, é urgente a criação da tipificação
penal do terrorismo, caso contrário à segurança pública terá uma tarefa
ainda mais heroica para manter a ordem pública no Brasil.
4 Recomendações
A ausência da uma lei antiterror no Brasil pode significar o não
comparecimento de países como Israel, EUA, Inglaterra, Alemanha e
Japão, entre outros, na copa do mundo de 2014 e nas olimpíadas de 2016,
uma vez que estes vivem a realidade de serem alvos de atentados
terroristas. Desta forma é urgente a criação de uma lei antiterror para
compor o ordenamento jurídico brasileiro. Chega de dar “jeitinhos” e
acabar enquadrando como outro tipo de crime algo que é claramente um
ato terrorista. A lei, no entanto, deve considerar a natureza do Estado
brasileiro sendo semelhante à lei Europeia e não à Americana.
5 Conclusão
O moderno Estado Brasileiro, oriundo da Constituição de 1988, foi
criado à luz de um governo altamente repressivo, o que levou o seu
legislador original a tender ao liberalismo dificultando a criação de normas
restritivas da liberdade humana. Se por um lado a ideologia por trás do
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Estado Brasileiro proporciona uma maior sensação de liberdade ao seu
povo e população, por outro lado gera distorções como a inexistência, até
agora, da tipificação penal do terrorismo que é bastante comum aos
tempos modernos e portanto deveria ser previsto em nosso ordenamento
jurídico. O mapa ideológico mundial possui uma quantidade infinita de
interseções territoriais e em cada interseção existente há a possibilidade
de conflito de interesses não apenas ideológicos, mas também políticos e
econômicos que potencialmente, esgotadas as negociações diplomáticas,
podem dar origem a organizações terroristas. É importante olhar para o
passado não apenas para fazer tudo diferente, mas para aprender com os
próprios erros e ter a coragem de trilhar um novo caminho ainda que com
recursos antigos. Não queremos outra vez viver um regime de exceção,
mas queremos sim ser capazes de dar segurança ao nosso povo ainda que
para isto seja necessário o uso de algumas das ferramentas utilizadas
nesse regime. É urgente que o Brasil amadureça e assuma a sua
responsabilidade perante o seu povo e o mundo.
REFERÊNCIAS
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recurso para a
inteligência estratégica
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Brasil, . Brasília: Senado, 1988
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hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e
determina outras providências. Diário Oficial da União, 25 jul. 1990.
BRASIL. Lei n. 9034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização
de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas
por organizações criminosas. Diário Oficial da União, 03 mai. 1995.
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e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 abr. 1997.
BRASIL. Lei n. 11343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas ‐ Sisnad; prescreve medidas
para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários
e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção
não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências. Diário Oficial da União, 23 ago. 2006.
BURDEAU, Georges. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques.
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CÔRTES, Pedro Luiz. Sistemas de Informação. São Paulo: Saraiva,
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TERRORISMO, In: Wikipédia. Disponível em:
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Acesso em: 15 fev. 2011.
VIEIRA, Amanda Vitória Cerqueira. Terrorismo: uma praga atual e
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<http://f5dahistoria.wordpress.com/2010/12/01/terrorismo‐uma‐praga‐
atual‐e‐mundial/>. Acesso em: 15 fev. 2011.
ANEXOS ANEXO A - Proposta de Lei Brasileira Antiterrorismo –
apresentada pela Escola Superior de Inteligência ao Congresso Nacional. De autoria do Membro do seu Corpo Permanente, Cap PMMG GILMAR Luciano Santos
Art. 1º - É considerado Terrorismo toda ação ou ameaça de cunho ideológico, político, filosófico, religioso, psicossocial ou de natureza financeira que emprega violência física ou psicológica capaz de romper com a Ordem Pública, paz social, Ordem Jurídica ou, ainda, que atente contra a soberania nacional, instituições e os órgãos legalmente constituídos, com o fim de causar medo, pânico, terror, desespero, intimidar ou impedir a aplicação da lei no território nacional, planejada ou executada individualmente, em grupo ou por organizações criminosas.
Art. 2º - Considera-se ato terrorista toda ação ou ameaça capaz de colocar vidas em perigo, causar pânico, terror, medo, desespero, intimidação ou coação contra o Estado e/ou à própria sociedade.
Art. 3º São considerados atos terroristas, puníveis com a pena imposta por esta Lei, as seguintes condutas:
I – Arremessar, lançar ou projetar qualquer tipo de objeto ou artefato capaz de causar explosão ou incêndio em vias públicas, escolas, hospitais, creches, órgãos públicos, locais de eventos desportivos, dentre outros, onde houver ou possa haver grande concentração de pessoas;
II – Ameaçar ou coagir, por qualquer meio, a sociedade ou qualquer órgão do Estado rompendo com a Ordem Pública e a paz social;
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III – Incendiar, com o objetivo de causar pânico, terror, medo, desespero, intimidação ou impedir a aplicação da lei, em qualquer veículo automotor de transporte público ou particular coletivo;
IV – Introduzir, ministrar, colocar ou arremessar substância química ou biológica em nascentes ou reservatórios de água destinados ao consumo humano ou animal que, por suas características, possa provocar o risco ou causar alguma doença ou à morte;
V – Sabotar, neutralizar, atrapalhar o funcionamento ou retardar a operação dos meios de comunicação com o fim de causar medo, pânico, terror, desespero, intimidação ou impedir a aplicação da lei;
VI - Sabotar, neutralizar, atrapalhar o funcionamento ou retardar a operação dos meios de produção ou fornecimento de energia elétrica com o fim de causar medo, pânico, terror, desespero, intimidação ou impedir a aplicação da lei;
VII – Destruir, interromper, neutralizar ou obstruir as vias urbanas ou rurais com o fim de causar medo, pânico, terror, desespero, intimidação ou impedir a aplicação da lei;
VIII- Destruir, neutralizar, inutilizar lavoura ou rebanho com o objetivo de causar medo, pânico, terror, desespero, intimidação ou impedir a aplicação da lei;
IX - Causar ou provocar epidemia, que exponha um grupo de pessoas a risco ou resultado morte (Art. 267, §1º do Decreto Lei 2848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal);
X – Envenenar, introduzir substância química ou biológica em alimentos que possam causar a morte, pânico, medo, terror ou Coagir o Estado e/ou a sociedade;
XI – Utilizar agente radioativo ou biológico contra qualquer pessoa ou agente do Estado;
Parágrafo Primeiro: A pena para os crimes previstos nesta Lei são de reclusão de vinte a trinta anos.
Parágrafo Segundo: A pena é aumentada de um sexto quando o ato terrorista é praticado por Organização Criminosa ou Grupo Terrorista.
Parágrafo terceiro: Os atos terroristas são insusceptíveis de anistia, graça, indulto. A progressão de regime ocorrerá após cumprimento de 3/5 da pena.
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Parágrafo Quarto: Não são considerados atos terroristas as ações das forças públicas regulares destinadas a conter ou dispersar distúrbios civis ou para restaurar e restabelecer a Ordem Pública e a paz social.
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CONTRATO DE SEGURO DE DANO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
GABRIEL MEIRA FIALHO FONSECA:Advogado, pós-graduado em Direito Tributário.
RESUMO: Os contratos de seguro são cada vez mais frequentes em nossa
sociedade, principalmente, em razão do aumento dos riscos no Brasil. A
fim de dar maior segurança aos citados contratos, o Código Civil de 2002
trouxe extensa regulamentação, dando maior segurança aos
contratantes. No mesmo sentido caminha a jurisprudência dos tribunais
superiores, que vem pacificando entendimentos sobre o tema.
Palavras‐chave: Contratos. Seguro. De Dano.
1. Introdução.
O presente trabalho tem por finalidade estudar o contrato de seguro,
com foco na jurisprudência dos tribunais brasileiros, entretanto, sem se
abster de citar entendimentos doutrinários sobre o tema, principalmente,
os enunciados das Jornadas de Direito Civil.
Assim, diante do inegável crescimento dos riscos de se viver no Brasil,
esse tipo de contrato se torna cada dia mais comum, e do mesmo modo,
cada vez mais demandado nos tribunais brasileiros, em face das
discordâncias das seguradoras e dos segurados.
2. Disposições Gerais.
Inicialmente, importa frisar a conceituação do que vem a ser um
contrato de seguro, realizado pelo próprio Código Civil, em seu artigo 757,
segundo o qual neste contrato “o segurador se obriga, mediante o
pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo
a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
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Brilhantemente conceitua o contrato de seguro a professora Maria
Helena Diniz (2002, p. 316):
“[...] é aquele pelo qual uma das partes
(segurador) se obriga para com a outra (segurado),
mediante o pagamento de um prêmio, a garantir‐lhe
interesse legítimo
relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá‐la de
prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no
contrato”.
Como se pode notar, o contrato de seguro possui peculiaridades, pois
se visa garantir certa pessoa ou coisa, de modo que em caso de lesão,
nasce para o segurador o dever de reparar o segurado. Caracterizando‐se
pela existência de três elementos: as partes, o prêmio e os riscos.
Sendo assim, no contrato de seguro, há verdadeira socialização dos
riscos entre a seguradora, e o segurado, como bem leciona o professor
Fábio Ulhoa Coelho (2012), conforme exposto a seguir:
“A função do seguro é socializar entre as pessoas
expostas a determinado risco as repercussões
econômicas da verificação do sinistro. A atividade
desenvolvida pelas seguradoras consiste em estimar,
através de cálculos atuariais, a probabilidade de
ocorrência de certo fato, normalmente um evento de
consequências danosas para os envolvidos. De posse
desses cálculos, a seguradora procura receber dos
sujeitos ao risco em questão o pagamento de uma
quantia (prêmio) em troca da garantia consistente no
pagamento de prestação pecuniária, em geral de
caráter indenizatório, na hipótese de verificação do
evento”.
Entretanto, não é qualquer pessoa jurídica que pode ser parte no
contrato, como seguradora, de acordo com o artigo 758, do Código Civil,
esta deverá obter autorização especifica.
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Além da autorização específica, as seguradoras, em razão de sua
importância para a sociedade são reguladas pelo Estado, tendo sido
instituído pelo Decreto‐Lei 73/66, o Sistema Nacional de Seguros privados,
o qual de acordo com seu artigo 8º, será composto pelo Conselho Nacional
de Seguros Privados, pela Superintendência de Seguros Privados, dos
resseguros, das Sociedades autorizadas a operar em seguros privados e
dos corretores habilitados.
Quanto à natureza jurídica do contrato de seguro, entende a
doutrina majoritária que se trata de um contrato bilateral, de adesão,
oneroso, aleatório e consensual. Neste sentido aduz Flávio Tartuce (2016,
p. 856):
“Quanto à sua natureza jurídica, o contrato de
seguro é um contrato bilateral, pois apresenta
direitos e deveres proporcionais, de modo a estar
presente o sinalagma. Constitui um contrato oneroso
pela presença de remuneração, denominada prêmio,
a ser pago pelo segurado ao segurador. O contrato é
consensual, pois tem aperfeiçoamento com a
manifestação de vontade das partes. Constitui um
típico contrato aleatório, pois o risco é fator
determinante do negócio em decorrência da
possibilidade de ocorrência do sinistro, evento futuro
e incerto com o qual o contrato mantém relação”.
1. Da celebração do contrato de seguro
O artigo 758, do Código Civil, expõe que “o contrato de seguro
prova‐se pela exibição da apólice ou bilhete de seguro, e, na falta deles,
por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”. Já
o art. 759, que “a emissão da apólice deverá ser precedida de proposta
escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser
garantido e do risco”.
Em regra, a apólice constitui o instrumento do contrato de seguro,
podendo ser nominativo, à ordem, ou ao portador, como leciona o artigo
760, do Código Civil, entretanto, em alguns casos, poderá servir como
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instrumento do contrato a simples emissão de bilhete de seguro, em razão
da previsão do artigo 10, do Decreto‐lei 73/66.
O bilhete ou a apólice “mencionarão os riscos assumidos, o início e
o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando
for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário” (Art. 760, CC).
Entretanto, importante frisar que havendo dúvida sobre o contrato, deve‐
se interpretá‐lo em benefício do aderente, por ser um contrato de adesão
(Art. 424, CC)
O modo em que se prova o contrato de seguro o momento a partir
do qual se inicia a proteção securitária é fruto de diversos
questionamentos, os quais são julgados frequentemente nos tribunais
brasileiros. Colaciono a seguir, decisão do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), acerca da demora excessiva da seguradora para responder a
proposta de seguro.
A seguradora de veículos não pode, sob a
justificativa de não ter sido emitida a apólice de
seguro, negar‐se a indenizar sinistro ocorrido após a
contratação do seguro junto à corretora de seguros
se não houve recusa da proposta pela seguradora em
um prazo razoável, mas apenas muito tempo depois
e exclusivamente em razão do sinistro. Isso porque o
seguro é contrato consensual e aperfeiçoa‐se tão
logo haja manifestação de vontade,
independentemente da emissão da apólice, que é ato
unilateral da seguradora, de sorte que a existência da
relação contratual não poderia ficar a mercê
exclusivamente da vontade de um dos contratantes,
sob pena de se ter uma conduta puramente
potestativa, o que é vedado pelo art. 122 do CC.
Ademais, o art. 758 do CC não confere à emissão da
apólice a condição de requisito de existência do
contrato de seguro, tampouco eleva esse documento
ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar
a celebração da avença. Além disso, é fato notório
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que o contrato de seguro é celebrado, na prática,
entre corretora e segurado, de modo que a
seguradora não manifesta expressamente sua
aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou
emite a apólice do seguro, enviando‐a ao contratante
juntamente com as chamadas condições gerais do
seguro. A propósito dessa praxe, a própria SUSEP
disciplinou que a ausência de manifestação por parte
da seguradora, no prazo de quinze dias, configura
aceitação tácita da cobertura do risco, conforme
dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular SUSEP
251/2004. Com efeito, havendo essa prática no
mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu
disciplina normativa pelo órgão regulador do setor,
há de ser aplicado o art. 432 do CC, segundo o qual,
"se o negócio for daqueles em que não seja costume
a aceitação expressa, ou o proponente a tiver
dispensado, reputar‐se‐á concluído o contrato, não
chegando a tempo a recusa". Na mesma linha, o art.
111 do CC preceitua que "o silêncio importa
anuência, quando as circunstâncias ou os usos o
autorizarem, e não for necessária a declaração de
vontade expressa". Assim, na hipótese ora analisada,
tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a
contratação junto à corretora de seguros, se em um
prazo razoável não houver recusa da seguradora, há
de se considerar aceita a proposta e plenamente
aperfeiçoado o contrato. De fato, é ofensivo à boa‐fé
contratual a inércia da seguradora em aceitar
expressamente a contratação, vindo a recusá‐la
somente depois da notícia de ocorrência do sinistro.
REsp 1.306.367‐SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 20/3/2014.
Importante frisar também, julgado do próprio STJ, no mesmo ano,
sobre a inexistência de contrato de seguro antes da entrega da proposta
de seguro à seguradora.
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O proprietário de automóvel furtado não terá
direito a indenização securitária se a proposta de
seguro do seu veículo somente houver sido enviada
à seguradora após a ocorrência do furto. O contrato
de seguro, para ser concluído, necessita passar,
comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que
o segurado fornece as informações necessárias para
o exame e a mensuração do risco, indispensável para
a garantia do interesse segurável; e ii) a da recusa ou
aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em
que a seguradora emitirá, no caso de aceitação, a
apólice. A proposta é a manifestação da vontade de
apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá
ser escrita e conter a declaração dos elementos
essenciais do interesse a ser garantido e do risco.
Todavia, a proposta não gera, por si só, o contrato,
que depende de consentimento recíproco de ambos
os contratantes. Assim, para que o contrato de
seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da
proposta pelo interessado ou pelo corretor e o
consentimento, expresso ou tácito, da seguradora,
mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento
de prêmio. Desse modo, nota‐se que, no caso em
apreço, não há a manifestação de vontade no sentido
de firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe
a concordância, ainda que tácita, da seguradora.
Além disso, nessa hipótese, quando o proponente
decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto
do contrato (interesse segurável ou risco futuro).
REsp 1.273.204‐SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 7/10/2014.
Dos julgados acima transcritos, pode‐se notar que o STJ para definir
o momento a partir do qual o contrato de seguro passa a gerar efeitos,
utiliza‐se do princípio da boa‐fé.
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Quando o contrato de seguro for garantido por mais de uma
seguradora, haverá o chamado cosseguro, o qual deverá ser administrado
por uma seguradora líder, é o que prever o artigo 761. A seguir, segue,
brilhante explanação sobre o tema e sua distinção com o resseguro feita
pelo professor Flávio Tartuce (2016, p. 859):
O art. 761 do CC trata do cosseguro, quando os
riscos de um seguro direto são assumidos por várias
seguradoras. Em casos tais, a apólice indicará a
seguradora que administrará o contrato e
representará os demais, para todos os seus efeitos
(seguradora líder). O cosseguro não se confunde com
o resseguro, hipótese em que uma seguradora
contrata outra seguradora (resseguradora), temendo
os riscos do contrato anterior, aplicando‐se as
mesmas regras previstas para o contrato regular.
Do mesmo modo que o cosseguro, não se confunde com o
resseguro, estes não se confundem com o chamado seguro cumulativo.
Neste sentido, no escólio de Fábio Ulhoa Coelho (2012) sobre o tema:
“Seguro cumulativo. O seguro cumulativo
consiste na contratação de dois ou mais seguros
sobre o mesmo interesse, quando esse fica garantido
por valor superior ao que tem. Imagine a hipótese de
o dono do veículo segurá‐lo contra roubo, pelo valor
total, junto a duas seguradoras. É claro que a
liquidação dos dois seguros, na hipótese de o sinistro
se verificar, importaria enriquecimento do segurado
— ele passaria a ter, por assim dizer, dois carros ao
invés de um. Isso contraria a natureza indenizatória
da prestação devida, nos seguros de danos, pela
seguradora. Por isso, a cumulatividade no seguro de
danos é coibida pela lei”.
Importante frisar que o próprio Código Civil, em seu artigo 765,
determina expressamente a aplicação do princípio acima citado ao
preconizar que “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na
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conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa‐fé e veracidade,
tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele
concernentes”.
Diante da importância do citado princípio, o desrespeito a boa‐fé
gera o descumprimento do contrato e a responsabilização objetiva
daquele que o violou. “Em virtude do princípio da boa‐fé, positivado no
art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui
espécie de inadimplemento, independentemente de culpa” (Enunciado 24
do CJF).
1. Seguro de Dano.
O seguro de dano visa garantir o ressarcimento ao segurado, em
caso de prejuízo sob a coisa assegurada. Nos seguros de dano, a garantia
prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no
momento da conclusão do contrato (Art. 778, do Código Civil).
O seguro de dano não tem por finalidade o lucro, mas apenas a
proteção do interesse assegurado, de modo a se evitar prejuízo ao
segurado. Neste sentido ensina, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 500):
“O contrato de seguro não se destina à obtenção
de um lucro. Ao celebrá‐lo o segurado procura cobrir‐
se de eventuais prejuízos decorrentes de um sinistro,
não podendo visar nenhum proveito. Por essa razão,
já dizia o art. 1.437 do Código de 1916 que “não se
pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem
pelo seu todo mais de uma vez”. O novo diploma, no
dispositivo supratranscrito, considera
locupletamento ilícito o segurado receber pelo
sinistro valor indenizatório superior ao do interesse
segurado ou da coisa sinistrada. A infração à
proibição acarreta como consequência a perda do
direito de garantia e a obrigação ao pagamento do
prêmio vencido, além de responder o segurado pela
ação penal que no caso couber por ter feito
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declaração falsa com o fim de obter vantagem
patrimonial”.
Essa natureza não lucrativa do contrato de seguro de dano também
se pode encontrar no art. 781, do Código Civil, o qual dispõe que a “A
indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no
momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia
fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador”.
Da leitura do citado artigo 781, pode‐se notar que o legislador fixou
que o valor a ser ressarcido pela seguradora ao segurado, é o do valor do
interesse, no momento do sinistro, ou seja, a partir do momento em que
se caracterizou o prejuízo. Esteentendimento foi ratificado pelo STJ:
É abusiva a cláusula de contrato de seguro de
automóvel que, na ocorrência de perda total do
veículo, estabelece a data do efetivo pagamento
(liquidação do sinistro) como parâmetro do cálculo
da indenização securitária a ser paga conforme
o valor médio de mercado do bem, em vez da data
do sinistro. De início, cabe ressaltar que o Código Civil
de 2002 adotou, para os seguros de dano, o princípio
indenitário, de modo que a indenização securitária
deve corresponder ao valor real dos bens perdidos,
destruídos ou danificados que o segurado possuía
logo antes da ocorrência do sinistro. Isso porque
o seguro não é um contrato lucrativo, mas de
indenização, devendo ser afastado, por um lado, o
enriquecimento injusto do segurado e, por outro, o
estado de prejuízo. Dessa forma, nos termos do art.
781 do CC, a indenização no contrato
de seguro possui alguns parâmetros e limites, não
podendo ultrapassar o valor do bem (ou interesse
segurado) no momento do sinistro nem podendo
exceder o limite máximo da garantia fixado na
apólice, salvo mora do segurador. Nesse contexto, a
Quarta Turma do STJ já decidiu pela legalidade da
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"cláusula dos contratos de seguro que preveja que a
seguradora de veículos, nos casos de perda total ou
de furto do bem, indenize o segurado pelo valor de
mercado na data do sinistro" (REsp 1.189.213‐GO,
DJe 27/6/2011). Nesse sentido, a Terceira Turma
deste Tribunal (REsp 1.473.828‐RJ, Terceira Turma,
DJe 5/11/2015) também firmou o entendimento de
que o princípio indenizatório deve ser aplicado no
contrato de seguro de dano, asseverando que a
indenização deve corresponder ao valor do efetivo
prejuízo experimentado pelo segurado no momento
do sinistro, mesmo em caso de perda total dos bens
garantidos. Assim, é abusiva a cláusula contratual
do seguro de automóvel que impõe o cálculo da
indenização securitária com base no valor médio de
mercado do bem vigente na data de liquidação do
sinistro, pois onera desproporcionalmente o
segurado, colocando‐o em situação de desvantagem
exagerada, indo de encontro ao princípio indenitário,
visto que, como cediço, os veículos automotores
sofrem, com o passar do tempo, depreciação
econômica, e quanto maior o lapso entre o sinistro e
o dia do efetivo pagamento, menor será a
recomposição do patrimônio garantido. Trata‐se,
pois, de disposição unilateral e benéfica somente à
seguradora, a qual poderá também atrasar o dia do
pagamento, ante os trâmites internos e burocráticos
de apuração do sinistro. De fato, a regulação do
sinistro e seus prazos (arts. 1º, § 2º, da Lei n.
5.488/1968 e 21, § 1º, da Circular/SUSEP n.
145/2000) não devem interferir no dia inicial para o
cálculo do valor indenizatório, pois apenas se
referem à análise do processo de sinistro quanto à
sua cobertura pela apólice contratada bem como à
adequação da documentação necessária. Desse
modo, a cláusula do contrato de seguro de
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automóvel a qual adota, na ocorrência de perda
total, o valormédio de mercado do veículo como
parâmetro para a apuração da indenização
securitária deve observar a tabela vigente na data do
sinistro, e não a data do efetivo pagamento
(liquidação do sinistro). REsp 1.546.163‐GO, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em / / , DJe
/ / .
O contrato de seguro de danos tem natureza indenizatória, visa a
reparar o prejuízo sofrido pelo segurado, sendo vedado o lucro. Por isso,
o artigo , prevê que havendo novo contrato de seguro sobre o mesmo
risco, deve haver comunicação ao segurador, a fim de comprovar a
obediência ao artigo , ou seja, de que não ultrapassou o valor da coisa.
A fim de esclarecer a natureza indenizatória do contrato de seguro
da dano, colaciono explanação do professor Flávio Tartuce ( , p. )
sobre o tema:
“Relativamente à indenização a ser recebida
pelo segurado, enuncia o art.781 do CC que essa não
pode ultrapassar o valor do interesse segurado no
momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite
máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso
de mora do segurador. Para exemplificar, alguém
celebra um contrato de seguro para proteger um
veículo contra roubo, furto e avaria. Quando da
celebração do contrato, o veículo, novo, valia R$ 50
.000,00. Dois anos após a celebração do contrato,
quando o veículo vale R$ 30.000,00, é roubado
(sinistro). Esse último será o valor devido pela
seguradora, devendo ser observado o valor de
mercado. Para tanto, é aplicada, na prática, a Tabela
Fipe, adotada pelas seguradoras. Ressalte‐se,
contudo, a previsão final do art. 7 8 1 do CC, pela qual
a única hipótese em que se admite o pagamento de
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indenização superior ao valor que consta da apólice
é no caso de mora da seguradora”.
Quando à coisa segurada for danificada e a seguradora indenizar o
segurado pelos prejuízos, aquela terá direito à sub‐rogação, nos limites do
valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado em
face do autor do dano (Art. ).
Como a seguradora, após o pagamento da indenização, se sub‐roga
nos direitos do segurado, ela poderá ajuizar ação regressiva contra o
causador do dano. O tema possui tanta importância pratica que foram
editas diversas súmulas, frisando aqui as de número , e , todas
do Supremo Tribunal Federal:
Súmula , STF: “Prescreve em um ano a ação do segurador sub‐
rogado para haver a indenização por extravio ou perda de carga
transportada por navio”.
Súmula , STF: “O segurador tem ação regressiva contra o
causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no
contrato de seguro”.
Súmula , STF: “são cabíveis honorários advocatícios na ação
regressiva do segurador contra o causador do dano”.
Segundo o Código Civil, ao segurado cabe comunicar
imediatamente ao segurador a ocorrência do dano, sendo‐lhe vedado
reconhecer sua responsabilidade ou confessar sua culpa, bem como
transacionar com o terceiro prejudicado, ou indeniza‐lo diretamente, sem
autorização expressa do segurador (art. 787).
Acontece que o Superior Tribunal de Justiça ao se deparar com o
tema, entendeu relativizar a interpretação do dispositivo acima citado,
utilizando‐se do princípio da boa‐fé, a fim de garantir a cobertura
securitária do segurado que reconheceu a culpa no sinistro, desde
evidente que o fato, realmente, aconteceu e o acordo foi realizado em
termos favoráveis, tanto para o segurado, quanto para o segurador.
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DIREITO CIVIL. MANUTENÇÃO DA GARANTIA
SECURITÁRIA APESAR DE TRANSAÇÃO JUDICIAL
REALIZADA ENTRE SEGURADO E TERCEIRO
PREJUDICADO. No seguro de responsabilidade civil
de veículo, não perde o direito à indenização o
segurado que, de boa‐fé e com probidade, realize,
sem anuência da seguradora, transação judicial com
a vítima do acidente de trânsito (terceiro
prejudicado), desde que não haja prejuízo efetivo à
seguradora. De fato, o § 2º do art. 787 do CC
disciplina que o segurado, no seguro de
responsabilidade civil, não pode, em princípio,
reconhecer sua responsabilidade, transigir ou
confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa
em favor do lesado, a menos que haja prévio e
expresso consentimento do ente segurador, pois,
caso contrário, perderá o direito à garantia
securitária, ficando pessoalmente obrigado perante
o terceiro, sem direito do reembolso do que
despender. Entretanto, como as normas jurídicas não
são estanques e sofrem influências mútuas, embora
sejam defesos, o reconhecimento da
responsabilidade, a confissão da ação ou a transação
não retiram do segurado, que estiver de boa‐fé e
tiver agido com probidade, o direito à indenização e
ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes
perante a seguradora (enunciados 373 e 546 das
Jornadas de Direito Civil). A vedação do
reconhecimento da responsabilidade pelo segurado
perante terceiro deve ser interpretada segundo a
cláusula geral da boa‐fé objetiva prevista no art. 422
do CC, de modo que a proibição que lhe foi imposta
seja para posturas de má‐fé, ou seja, que lesionem
interesse da seguradora. Assim, se não há
demonstração de que a transação feita pelo
segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi
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abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao
contrário, for evidente que o sinistro de fato
aconteceu e o acordo realizado foi em termos
favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora,
não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do
CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do
segurado. REsp 1.133.459‐RS, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 21/8/2014.
Ressalto que a redação do artigo 787 sofre duras críticas da
doutrina, pois proíbe o segurado de reconhecer a existência de culpa e de
transigir, direitos personalíssimos, inafastáveis e intransmissíveis, os quais
não podem ser vedados em um contrato de consumo. Nesse contexto, cito
passagem do livro de Flávio Tartuce (2016, p. 872):
Primeiro, porque afasta a possibilidade de o
segurado reconhecer a existência de culpa, o que é
um direito personalíssimo, inafastável e
intransmissível, nos termos do art. 1 1 do CC e do art.
1.º,III, da CF/1988. Parece que foi mais um descuido
do legislador, ao dispor que esse reconhecimento
depende da seguradora. Outro problema refere‐se
ao poder de transigir, o que é um direito inerente ao
segurado. Sendo o contrato de adesão ou de
consumo, há como afastar essa regra, pois a parte
contratual está renunciando a um direito que lhe é
inerente, havendo infringência ao princípio da função
social dos contratos em casos tais (art. 42 1 do CC). A
mesma tese vale para a indenização direta, paga pelo
segurado ao ofendido. Trata‐se, do mesmo modo, de
um direito pessoal do segurado e que não pode ser
afastado. Aliás, como fica o direito da outra parte,
prejudicada pelo evento danoso e que tem o direito
à indenização, diante do princípio da reparação
integral de danos? A seguradora pode obstar o
pagamento da vítima? Para este autor, as respostas
são negativas. Em suma, o § 2.0 do art. 787 do CC
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entra em conflito com outros preceitos do próprio CC
e do CDC, a afastar a sua aplicação.
Em relação ao aspecto processual, importante frisar julgado
recente do Superior Tribunal de Justiça, publicado no informativo 553, o
contrato de seguro de danos deve ser cobrado por meio de ação de
conhecimento, e não por meio de uma ação de execução, pois este
contrato não se enquadra como título executivo extrajudicial, diferente do
que ocorre nos contratos de seguro de vida.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIA ADEQUADA
PARA COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO FUNDADA EM
CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL. É a ação de
conhecimento sob o rito sumário ‐ e não a ação
executiva ‐ a via adequada para cobrar, em
decorrência de dano causado por acidente de
trânsito, indenização securitária fundada em
contrato de seguro de automóvel. Isso porque o
contrato de seguro de automóvel não se enquadra
como título executivo extrajudicial (art. 585 do CPC).
Como cediço, o título executivo extrajudicial
prescinde de prévia ação condenatória, ou seja, a
função de conhecimento do processo é postergada
até eventual oposição de embargos do devedor.
Ademais, somente a lei pode prescrever quais são os
títulos executivos, fixando‐lhes as características
formais peculiares. Desse modo, apenas os
documentos descritos pelo legislador, seja em
códigos ou em leis especiais, é que são dotados de
força executiva, não podendo as partes
convencionarem a respeito. Além disso, pela
interpretação conjunta dos arts. 275, II, "e", 585, III,
e 586 do CPC, depreende‐se que somente os
contratos de seguro de vida, dotados de liquidez,
certeza e exigibilidade, são títulos executivos
extrajudiciais, podendo ser utilizada, nesses casos, a
via da ação executiva. Logo, para o seguro de
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automóveis, na ocorrência de danos causados em
acidente de veículo, a ação a ser proposta é,
necessariamente, a cognitiva, sob o rito sumário,
uma vez que este contrato de seguro é destituído de
executividade e as situações nele envolvidas
comumente não se enquadram no conceito de
obrigação líquida, certa e exigível, sendo
imprescindível, portanto, nessa hipótese, a prévia
condenação do devedor e a constituição de título
judicial. A par disso, percebe‐se que o legislador
optou por elencar somente o contrato de seguro de
vida como título executivo extrajudicial, justificando
a sua escolha na ausência de caráter indenizatório do
referido seguro, ou seja, o seu valor carece de
limitação, sendo de responsabilidade do segurador o
valor do seguro por ele coberto, uma vez que existe
dívida líquida e certa. Verifica‐se, ainda, que o
tratamento dispensado ao seguro de dano, como ao
de automóveis, é diverso, uma vez que esses
ostentam índole indenizatória, de modo que a
indenização securitária não poderá redundar em
enriquecimento do segurado, devendo, pois, o
pagamento ser feito em função do que se perdeu,
quando ocorrer o sinistro, nos limites do montante
segurado. REsp 1.416.786‐PR, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 2/12/2014, DJe 9/12/2014.
Do mesmo modo, importa salientar o teor da súmula 529 do
Superior Tribunal de Justiça, a qual ensina que sendo denunciada à lide a
seguradora, e havendo contestação do pedido do autor ou sendo aceita a
denunciação, será possível a sua condenação direta e solidariamente
junto ao segurado.
O citado enunciado visa dar maior celeridade ao processo, já que
não será necessário novo processo por parte do segurado a fim de receber
a indenização devida. Além de gerar maior segurança ao autor da ação
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que terá possibilidade de executar diretamente a seguradora, a qual, em
regra, possui maior capacidade econômica que o segurado.
Entretanto, não será possível ao terceiro ajuizar diretamente e
exclusivamente a ação em face da seguradora, pois esta não possui
legitimidade exclusiva para tanto, só podendo ser condenado quando for
denunciada à lide. Este é, inclusive, o entendimento pacífico do STJ, o qual
está presente na súmula 529.
5. Conclusão
Em que pese a grande importância prática nos dias atuais do
contrato de seguro, tendo em vista que são formalizados, diariamente,
inúmeros contratos dessa natureza, ainda há muitas divergências entre as
seguradoras e os segurados que são levadas ao Poder Judiciário.
Pode‐se notar ainda, que apesar da maioria desses debates já
estarem com entendimento pacificados nos tribunais, muitas seguradoras
ainda se negam a aplica‐los, levando os segurados a buscar o Poder
Judiciário, a fim de garantir seus direitos.
Concluímos, portanto, que se faz necessário rediscutir a aplicação
do princípio da boa‐fé, previsto no Código Civil, não só quanto à
formalização do contrato de seguro, mas também quanto à sua execução
e respeito aos entendimentos consagrados.
REFERÊNCIA
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Editora: Saraiva. 2012.
DECRETO‐LEI 73/66. Disponível
em ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto‐lei/Del0073.htm.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.Editora: Saraiva.
2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Contratos e
Atos Unilaterais. Editora: Saraiva. 2012.
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STJ, Informativo 553. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
STJ, Informativo 564. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Editora: Método. 2016.
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DIFERENCIANDO A INDIVISIBILIDADE DA SOLIDARIEDADE
LIZIANE BAINY VELASCO: Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Resumo: O seguinte texto tem como objetivo explicitar a diferença entre
os institutos da indivisibilidade e da solidariedade, de modo a colaborar
com a elucidação de dúvidas frequentes referentes à temática. Isso se
dará mediante esplanada breve dos institutos referidos e uma análise
mais profunda sobre as semelhanças e diferentes desses, apresentando
casos concretos oriundos de jurisprudência.
Palavras‐chaves: Indivisibilidade. Solidariedade. Jurisprudência.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A INDIVISIBILIDADE. 2. A SOLIDARIEDADE. 3. A DIFERENÇA ENTRE A INDIVISIBILIDADE E A SOLIDARIEDADE. 4. JURISPRUDÊNCIA COMENTADA SOBRE SOLIDARIEDADE. 5. JURISPRUDÊNCIA COMENTADA SOBRE INDIVISIBILIDADE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO As obrigações complexas têm como característica a pluralidade de
credores ou devedores, ou ainda pela pluralidade de objetos na prestação.
Dentre essas estão as obrigações divisíveis e indivisíveis, bem como as
obrigações solidárias, em que há predominância de mais de um sujeito nos
polos passivos ou ativos, quando não em ambos.
As obrigações divisíveis e indivisíveis não tem em mira o objeto,
pois seu interesse reside e se manifesta quando ocorre pluralidade de
sujeitos, decorrendo da vontade das partes (VENOSA, 2013, p. 99).
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Enquanto que na solidariedade a sua razão de ser consiste na confiança
dos interessados, de modo que o vínculo que os mantém unidos facilite o
cumprimento ou a solução da dívida.
Sabe‐se que são muitas as semelhanças entre a indivisibilidade e
a solidariedade, porém necessário é tratar sobre os pontos que as
diferenciam. Uma das principais consiste na sua origem: a razão da
solidariedade está no próprio vínculo jurídico, enquanto que a
indivisibilidade, em regra, da natureza jurídica da prestação.
Portanto, o presente artigo tem por objetivo elucidar possíveis
dúvidas sobre a temática, além de discorrer de maneira clara e sucinta
sobre a solidariedade e a indivisibilidade, traçando uma relação entre os
institutos e trazendo duas jurisprudências comentadas.
1. A INDIVISIBILIDADE
Ao falar-se em obrigações divisíveis e indivisíveis, cabe ressaltar que está em análise a prestação estabelecida. As obrigações indivisíveis têm como característica a pluralidade de sujeitos, devendo ser obrigatoriamente cumpridas em sua totalidade. Conforme Venosa (2013, p. 99), “a indivisibilidade pode decorrer da própria natureza do objeto da prestação: se várias pessoas se comprometem a entregar um cavalo, a obrigação é indivisível”, pois se trata de uma indivisibilidade material.
No entanto, há também a indivisibilidade jurídica, que pode resultar da força de lei ou de um acordo entre as partes, que tenha como intuito o cumprimento da obrigação por inteiro, mesmo que seja uma prestação que poderia ser divisível.
Conceitua-se a indivisibilidade como a impossibilidade de fracionamento do objeto da prestação, seja ele coisa ou fato, conforme elucida o art. 258 do Código Civil de 2002:
A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por natureza, por motivo
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de ordem econômica ou dada a razão determinante do negócio.
Assim, as obrigações indivisíveis são as que não podem sofrer alteração em sua substância ou as que, embora naturalmente divisíveis, são consideradas indivisíveis, por lei ou vontade das partes. Em regra, as obrigações de restituir e de não fazer são indivisíveis, podendo às vezes também estar presente nas obrigações de dar e fazer.
Com relação à pluralidade de credores e devedores na prestação indivisível, dispõem os arts. 259 e 260:
Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda.
Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados.
Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira. Mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando: I- a todos conjuntamente; II- a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.
Depredem-se daí que todos os devedores estão obrigados pela dívida toda, podendo o credor acionar para o cumprimento da prestação, mesmo que coativamente, um único devedor, sub-rogando-se perante os outros devedores. Nesse viés, a indivisibilidade aproxima-se bastante da solidariedade, uma vez que os vários credores da prestação indivisível são considerados credores solidários. Cabe ressaltar que o devedor responsável por adimplir o total da dívida deve pagá-lo diante de todos ou na presença de um só credor, com recebimento de caução dos demais credores.
Quando houver remissão da quota parte de um dos credores, não poderão os demais se prejudicar devido esse perdão. Assim, a prestação continua a ser indivisível e deverá ser cumprida integralmente diante dos demais credores.
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É importante lembrar que quando houver perdas e danos nas obrigações indivisíveis, essa se desconstituirá, tornando divisível, de modo que se a culpa que resultou em indenização originou-se de todos os devedores, igualmente todos responderão, enquanto que se a culpa for de um só, apenas esse responderá por perdas e danos, e todos pelo valor da prestação.
Para concluir, em casos de prescrição todos os devedores serão beneficiados, enquanto que na suspensão ou interrupção poderá aproveitar ou prejudicar a todos. Em caso de insolvência de um dos devedores não prejudicará o credor, que poderá exigir integralmente o adimplemento dos demais devedores (VENOSA, 2013, p. 104).
2. A SOLIDARIEDADE
De acordo com Gonçalves (2011, p. 129), “caracteriza-se a obrigação solidária pela multiplicidade de credores e/ou de devedores, tendo cada credor direito à totalidade da prestação, como se fosse credor único, ou estando cada devedor obrigado pela dívida toda, como se fosse o único devedor”. Assim, há obrigação solidária quando a totalidade de seu objeto puder ser exigida por qualquer dos credores ou dos devedores. Cabe ressaltar que a solidariedade não se presume, originando-se da lei ou da vontade das partes (art. 265, CC/02).
A solidariedade de credores e/ou de devedores fundamenta-se na finalidade da prestação, que os une ao ponto de que cada um se responsabilize pela satisfação total dessa, sendo que quando um dos devedores ou dos credores efetua o pagamento, extinta estará a obrigação (VENOSA, 2013, p. 106).
Venosa (2013, p. 108) compreende as obrigações solidárias a partir de duas características: a unidade da prestação e a pluralidade e independência do vínculo. Isto é, há um único débito e o vínculo que une credores e devedores é distinto e independente. Percebe-se essa autonomia
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quando há uma condição estabelecida para apenas um dos devedores, de modo a não atingir diretamente os demais.
Por haver uma corresponsabilidade entre os interessados, aquele que resolve a dívida pode exigir a quota parte dos demais. Na solidariedade ativa, a obrigação está adimplida quando o credor receber a prestação na integralidade por parte de um dos devedores (relação externa). Nas relações internas, cada devedor ou credor estará apenas obrigado a sua quota parte.
É fundamental explicitar que a solidariedade nunca será presumida, sendo resultado da lei ou da vontade das partes (art. 265, CC/02), assim, não se admite responsabilidade solidária fora da lei ou do contrato. Portanto, há necessidade de que a solidariedade seja expressa.
Na solidariedade ativa, há mais de um credor, podendo esses cobrar a dívida por inteiro, devendo decorrer da manifestação de vontade das partes, mediante contrato. Nessa modalidade, para Venosa (2013, p. 112), “qualquer credor pode exigir a totalidade de dívida, sem depender da aquiescência dos demais credores (art. 267) e cada credor poderá libertar-se da obrigação pagando a prestação a qualquer um dos credores (art. 269)”. Gonçalves (2011, p. 139) alerta:
Estabelecida a solidariedade, não podem os credores voltar atrás; nenhum deles poderá unilateralmente, a pretexto de que se arrependeu, ou de que o correus se tornou suspeito e perdeu sua confiança, revogar ou suprimir a solidariedade. Só a conjugação de todas as vontades, sem exclusão de uma sequer, proporcionará semelhante resultado.
Já na solidariedade passiva, existe pluralidade de devedores, de modo a obrigar todos os devedores ao pagamento total da dívida, podendo o credor exigir que cada um cumpra separadamente a sua parte do débito. Para Gonçalves (2011, p. 152),
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A obrigação solidária passiva pode ser conceituada como a relação obrigacional, oriunda da lei ou de vontade das partes, com multiplicidade de deveres, sendo que cada um responde in totum et totaliter pelo cumprimento da prestação, como se fosse o único devedor. Cada devedor está obrigado à prestação na sua integralidade, como se tivesse contraído sozinho o débito.
Com relação à extinção das obrigações solidárias, tanto na ativa quanto na passiva, são extintas mediante adimplemento, mas também por novação, compensação, remissão, pagamento por consignação, confusão e transação nas obrigações solidárias ativas, enquanto que nas passivas, mediante renúncia e morte de um dos devedores.
3. A DIFERENÇA ENTRE A INDIVISIBILIDADE E A SOLIDARIEDADE
Após a análise feita sob os aspectos gerais dos institutos da
indivisibilidade e da solidariedade, neste capítulo iremos dissertar acerca
das diferenças entre ambos. Primeiramente, vale destacar que, ambos os
institutos se assemelham no fato de o credor poder exigir de qualquer dos
devedores o pagamento da totalidade do objeto, esta mostra a principal
similaridade entre tais institutos. E, é a partir desta semelhança que
surgem as dúvidas e confusões acerca deste assunto o qual temos por
objetivo elucidar.
A solidariedade baseia‐se na relação jurídica subjetiva, ou seja,
resulta da lei ou da vontade das partes, mas recai sobre as próprias
pessoas. Para Silvio de Salvo Venosa (2013, p. 104), “a causa da
solidariedade, reside no próprio título, no vínculo jurídico”. Já a
indivisibilidade baseia‐se na relação jurídica objetiva, ou seja, resulta da
natureza indivisível do objeto da prestação.
Com relação ao cumprimento da prestação, na obrigação
solidária cada devedor solidário pode ser obrigado a pagar,
individualmente, a dívida inteira, uma vez que qualquer dos devedores é
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devedor de toda a dívida, ou seja, o credor pode exigir de qualquer dos
devedores a integralidade da prestação. Já nas obrigações indivisíveis,
quando há pluralidade de credor e/ou devedores, cada um é responsável
pela dívida toda, e o devedor que paga a dívida inteira sub‐roga‐se no
direito do credor, havendo ação de regresso em relação aos demais
coobrigados. Na verdade, o codevedor deve somente a sua quota parte
(relação interna), podendo o credor exigir o cumprimento integral de
qualquer dos devedores, em razão ou do acordo entre as partes, ou da
natureza jurídica do objeto ou da natureza material da prestação não
permitir o cumprimento fracionado.
Coelho (2012, p. 104) afirma que ambas diferem por razões que
se afasta da aplicação do princípio da divisibilidade; sendo a obrigação
indivisível, a natureza da prestação que impede a repartição em tantas
quantas sejam os sujeitos; e a obrigação solidaria, é a vontade das partes
ou a disposição da lei que o impede.
Todavia, vale ressaltar que, nada impede que se reúnam em uma
mesma obrigação as qualidades da indivisibilidade e da solidariedade.
Além disso, ocorrendo a perda da coisa, na obrigação indivisível,
há conversão da prestação em dinheiro e, consequentemente, a
indivisibilidade deixa de existir, ficando cada devedor responsável apenas
por sua quota parte. Por outro lado, na solidariedade, a responsabilidade
continua para todos os devedores, mesmo que a prestação se converta
em perdas e danos, ou seja, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.
133), “mesmo que a obrigação [solidária] venha a se converter em perdas
e danos, continuará indivisível seu objeto no sentido de que não se dividirá
entre todos os devedores, ou todos os credores, uma vez que a
solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes e independe da
divisibilidade ou indivisibilidade do objeto”.
Outra analogia significativa consiste no fato de que a solidariedade
cessa com a morte, não se transmitindo aos sucessores, ao passo que a
indivisibilidade se transmite aos sucessores como tal.
De acordo com Silvio de Salvo Venosa (2013, p. 105), “a
solidariedade é artifício jurídico criado para reforçar o vínculo e facilitar a
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solução da dívida”. Complementando tal opinião, Trabucchi (apud
Gonçalves, 2012, p. 133) afirma que a
Solidariedade consiste em reforçar o direito do
credor, em parte como garantia, em parte como
favorecimento da satisfação do crédito. A
indivisibilidade, ao contrário, destina‐se a tornar
possível a realização unitária da obrigação. A
indivisibilidade produz efeitos mais gerais, tanto
quando se estabelece em favor de vários credores
como em favor de vários devedores.
Diante do exposto, após explanação doutrinária da diferenciação entre indivisibilidade e solidariedade, contemplar-se-á a seguir, através da análise de julgados, como tais institutos de diferenciam na prática.
4. JURISPRUDÊNCIA COMENTADA SOBRE SOLIDARIEDADE
Ementa: APELAÇÕES. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO, EXAME, TRATAMENTO OU CIRURGIA. DEVER CONSTITUCIONAL. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. Não há falar em carência de ação por falta de interesse de agir da parte autora, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro não exige o esgotamento da via administrativa para o ajuizamento de ação judicial. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. O juiz é livre para apreciar a prova, bestando indicar, na sentença, os motivos que lhe levaram ao convencimento (art. 131, CPC). LEGITIMIDADEPASSIVA. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. A responsabilidade pelas políticas sociais e econômicas visando a garantia e o cuidado com a saúde incumbe ao Estado, em suas três esferas (municipal, estadual e federal). Há solidariedade entre os entes federativos, podendo a parte autora demandar em face de qualquer um deles. A distribuição interna de competência no Sistema Único de Saúde não afasta a responsabilidade solidária dos entes públicos. Precedentes do STJ e do TJRS. ACESSO À
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SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL. Não provendo o Estado integralmente as condições necessárias ao acesso à saúde, direito fundamental do cidadão, possível a revisão dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, de modo a assegurar o cumprimento das políticas sociais de saúde, garantindo o acesso universal e igualitário. NECESSIDADE. COMPROVAÇÃO. Demonstrada a necessidade dos medicamentos postulados pela parte autora. PROTOCOLO CLÍNICO. REQUISITOS. INEXIGIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. Caso concreto em que restou comprovada necessidade do tratamento pleiteado, o que afasta a exigência dos requisitos previstos no Protocolo Clínico do Ministério da Saúde. HONORÁRIOS DEVIDOS À DEFENSORIA PÚBLICA. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO. É devida a condenação do Município ao pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública, destinados ao FADEP. RECURSOS A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. FORTE ART. 557, CAPUT, DO CPC. (Apelação Cível Nº 70043534379, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 06/11/2013).
Trata‐se de um caso em que o autor pleiteou no judiciário com
uma ação ordinária pedindo tutela antecipada, postulando necessidade
de medicamentos. Comprovando a sua necessidade para o tratamento,
ingressou contra o município de Alvorada e o Estado do Rio Grande do Sul,
o autor exige o fornecimento de forma gratuita dos medicamentos
receitados. Todavia, o magistrado deixou de condenar o Estado ao
pagamento, devendo o município arcar com as despesas. Esse,
inconformado, alegou não poder figurar como polo passivo da demanda.
A sentença final determinou que há solidariedade entre as três esferas
governamentais (Municipal, Estadual e Federal), podendo a parte autora
demandar em face de qualquer um deles. Vale salientar que se trata de
um caso de solidariedade passiva resultante da lei, ou seja, a parte autora
poderia ter entrado contra as três esferas Estaduais junta ou
separadamente, uma vez que cada uma delas possui responde pela
integralidade do compromisso.
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5. JURISPRUDÊNCIA COMENTADA SOBRE INDIVISIBILIDADE
Ementa: AÇÃO DE PREFERÊNCIA JULGADA PROCEDENTE.
APLICABILIDADE DO ART. 504 DO CC/02. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
SENTENÇA CONFIRMADA. Sendo o imóvel fisicamente indivisível, há de
ser observado o direito de preferência, não podendo o condômino
alienar livremente seu quinhão sem dar conhecimento aos demais
condôminos. Sentença mantida. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70056249568, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 23/10/2013).
Trata‐se de uma apelação interposta em face de sentença de
procedência de uma ação ordinária de preferencia de condômino na
aquisição de imóvel ajuizada pelos apelados. Esse é um caso concreto de
indivisibilidade legal, uma vez que o acordão decidiu que não pode um
condômino, em coisa indivisível, vender a sua parte a estranhos, se outro
consorte a quiser. Lembrando que há cinco requisitos exigidos para o
exercício do direito de preferência: existência de um condômino,
indivisibilidade do imóvel, não conhecimento da venda, reclamação
dentro do prazo e o depósito do preço. Trata‐se de um caso de
indivisibilidade, em que esta ocorre em razão da natureza jurídica do
objeto que, neste caso, é em função da dimensão do objeto não se
enquadrar na possibilidade de divisibilidade do mesmo.
CONCLUSÃO
Diante da análise de doutrinadores tradicionais do Direito Civil Brasileiro, pretendeu-se, seguindo a doutrina majoritária, esclarecer quais são as semelhanças e as diferenças entre os institutos da indivisibilidade e da solidariedade.
Entende-se por obrigação indivisível, conforme Duque (2009), aquela que
“Ocorre quando indivisível o seu objeto. O objeto é indivisível quando o seu fracionamento altera sua substância ou representara sensível diminuição do seu valor, exemplo disso seria a
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compra e venda de um diamante, na qual se ajusta a impossibilidade de fracionamento do objeto para que não haja a perda do seu valor”.
Percebe-se a existência de solidariedade, segundo o art. 264 do CC/02, quando há mais de um credor e/ou devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda.
Através do estudo, conclui-se que há mais diferenças que semelhanças entre os institutos, uma vez que a principal consiste na sua origem. Na solidariedade, trata-se do vínculo jurídico, enquanto que na indivisibilidade resulta-se da natureza da prestação.
Na indivisibilidade, segundo Venosa (2013, p. 104), “o credor pode exigir o cumprimento integral de qualquer dos devedores, não porque o demandado seja devedor do total, e sim porque a natureza da prestação não permite o cumprimento fracionado”. Enquanto a indivisibilidade é objetiva, a solidariedade é subjetiva.
Assim, conclui-se que são nítidas as diferenças e que nada impede que reúnam-se na mesma obrigações características das obrigações indivisíveis junto das solidárias, ao mesmo tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.
DUQUE, Bruna Lyra. Teoria geral da obrigação solidária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 63, abril de 2009. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5908>. Acesso em: 05 de novembro de 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13 ed. – São Paulo: Atlas, 2013.
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O FUNDAMENTO DA SOBERANIA E A NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DO ESTADO NO JUSNATURALISMO DE THOMAS HOBBES
FRANCISCO RENATO SILVA COLLYER: Mestrando em Democracia e Constitucionalismo. Especialista em Política, Direito Público, Direito Ambiental e Educação Ambiental. Graduado em Direito, Ciências Sociais e História.
RESUMO: O presente artigo objetiva explicitar o fundamento da soberania
na teoria hobbesiana, ao mesmo passo em que analisa a necessidade da
criação do Estado dentro da concepção jusnaturalista. Para tal, foi
utilizado o método dedutivo analítico, bem como a pesquisa bibliográfica
e revisão teórico com exploração de autores que compartilham da mesma
base teórica que Thomas Hobbes. Como fundamentação teórica, busca‐se
abrigo na tese hobbesiana de que o Estado e a concentração de um poder
absoluto e indivisível nas mãos de um soberano se justificam na condição
de guerra de todos contra todos, o que Hobbes denominou de “estado de
natureza”, uma condição hipotética em que os homens agem
egoisticamente em busca de sobrevivência.
Palavras‐Chave: Teoria do Estado, Soberania, Thomas Hobbes, Filosofia
Política
ABSTRACT: This paper aims to explain the foundation of sovereignty in the
Hobbesian theory, the same step in analyzing the need for state creation
within the natural law conception. For this, we used the analytical
deductive method, as well as literature and theoretical review with
exploitation of authors who share the same theoretical basis that Thomas
Hobbes. As a theoretical framework, seek shelter in the Hobbesian thesis
that the state and the concentration of absolute and undivided power in
the hands of a sovereign justified in the condition of war of all against all,
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what Hobbes called the "state of nature " a hypothetical condition where
men act selfishly looking for survival.
Key‐Words: State theory , sovereignty , Thomas Hobbes , Political
Philosophy.
Considerações iniciais
A relevância de se resgatar as leituras de Thomas Hobbes no
contexto contemporâneo se justifica na forma com que ele tratou a
necessidade de um Estado soberano como forma de manter a paz civil.
Aos olhos imaturos, esse resgate de Hobbes não é de grande valor. Porém,
basta uma segunda leitura, ou uma leitura mais atenta, em suas obras
para perceber a relevância deste autor, vez que Hobbes desatrelou o
poder do rei a uma fundamentação divina, muito presente no contexto da
época.
Comumente associado ao absolutismo, Hobbes conceber a ideia de
que um indivíduo nunca renuncia seu direito à vida. Atacado por liberais e
totalitários, o filósofo se tornou um defensor da liberdade de cada um.
Com o intuito de proceder da melhor maneira possível com a
exposição do tema, o método utilizado para a realização da pesquisa foi o
analítico, fazendo uso da pesquisa bibliográfica como técnica de pesquisa
e revisão teórica com explanação de autores que compartilham da mesma
base teórica que Thomas Hobbes e de outros que divergem.
Nascido em 1588, no condado de Wiltshire, Inglaterra, Thomas
Hobbes é um filósofo conhecido no mundo jurídico por inaugurar uma
tradição contratualista constituída na construção filosófica Estado de
Natureza, Contrato Social e Estado Político. É referência obrigatória
quando se aborda a noção de soberania do Estado Moderno[1], vez que
trata de uma espécie especial de poder, um poder político, originário e
fundador da concepção de uma sociedade organizada por uma pessoa
jurídica abstrata na figura do Leviatã[ ], materializada por um governo
que pode ser constituído tanto por apenas um soberano (aqui estaremos
diante de uma monarquia), ou por uma assembleia de homens
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(aristocracia ou mesmo uma democracia). É de Hobbes a ideia de que o
direito à vida é um direito natural inalienável e que deve ser protegido
acima de qualquer outro direito. Este, por sinal, é o fundamento da
existência de um contrato, artificial, estabelecido entre soberano e súditos
ou Estado e sociedade.
Cabe aqui uma análise, mesmo que singela, da vida deste brilhante
pensador, antes de adentrarmos em suas teorias e no cerne do presente
estudo.
Thomas Hobbes é considerado um dos maiores pensadores
políticos da Inglaterra. Conhecido por ser um sujeito alto, rosto corado e
barba rala, quando criança foi muito doente. Na fase adulta, entretanto,
foi um esportista, e jogou tênis até ficar velho. Levava uma vida saudável,
com uma alimentação à base de peixe e vinho. Costumava andar com uma
bengala especial, que tinha um tinteiro na ponta, caso tivesse alguma ideia
enquanto realizava suas matinais caminhadas. Como a maioria dos
filósofos, Hobbes tinha uma mente dinâmica, vivendo até os 91 anos de
idade, um grande feito para o século XVII, em que a expectativa de vida
era de 35 anos[3].
Dono de uma mente genial, Hobbes possuía uma visão negativa dos
seres humanos, acreditando que todos são egoístas e movidos pelo medo
da morte, pela insegurança e pela busca de interesses próprios. É dele a
ideia de que vivemos num constante estado de guerra, numa guerra de
todos contra todos. E num mundo onde todos são egoístas, somente o
Estado de Direito, através da ameaça de punição, seria capaz de manter o
controle social. A frase “o homem é o lobo do homem”, que se tornou
famosa pelo filósofo inglês, foi usada para explicar que o maior inimigo do
homem é o próprio homem. Explico. Hobbes usou essa metáfora do
homem como animal selvagem para indicar que o homem é capaz de
praticar atos de barbárie contra os membros de sua própria espécie
quando se encontra num estado de medo e insegurança[4].
A frase é, originalmente, de autoria de Tito Mácio Plauto,
dramaturgo romano que viveu durante o período republicado. A frase
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ganhou notoriedade por estar presente na obra O Leviatã, escrita por
Hobbes, publicada em 1651.
O Estado de Natureza hobbesiano parte da ideia de que o ser
humano é um indivíduo isolado, e que preexiste à própria sociedade[5].
Hobbes nega a concepção aristotélica do zoon politikon, não aceitando
que o homem seja um animal político, como é demonstrado na passagem
de Do Cidadão:
A maior parte daqueles que escreveram alguma
coisa a propósito das repúblicas ou supõe, ou nos
pede ou requer que acreditemos que o homem é
uma criatura que nasce apta para a sociedade. Os
gregos chamam‐no zoon politikon; e sobre este
alicerce eles erigem a doutrina da sociedade civil
como se, para se preservar a paz e o governo da
humanidade, nada mais fosse necessário do que os
homens concordarem em firmar certas convenções e
condições em comum, que eles próprios chamariam,
então, leis. Axioma este que, embora acolhido pela
maior parte, é contudo sem dúvida falso – um erro
que procede de considerarmos a natureza humana
muito superficialmente[6].
Segundo o filósofo, os homens não possuem prazer algum em estar
na companhia dos seus semelhantes, vez que esta gera desconfiança e
disputa, em que cada indivíduo visa a apenas a satisfação de suas
vontades. A natureza humana os revela solitários e egoístas. Hobbes
apresenta os seres humanos como agentes racionais preocupados tão
somente em maximizar seu poder a agir mediantes seus interesses, vez
que agir de forma contrária colocaria em risco sua autopreservação.
Os homens não tiram prazer algum da
companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um
enorme desprazer), quando não existe um poder
capaz de manter a todos em respeito. Porque cada
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um pretende que seu companheiro lhe atribua o
mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na
presença de todos os sinais de desprezo ou de
subestimação, naturalmente se esforça, na medida
em que a tal se atreva (o que, entre os que não têm
um poder comum capaz de os submeter a todos, vai
suficientemente longe para levá‐los a destruir‐se uns
aos outros), por arrancar de seus contendores a
atribuição de maior valor, causando‐lhes dano, e dos
outros também, através do exemplo[7].
Cabe destacar que, para Hobbes, os homens são naturalmente
livres, vez que suas ações não estão sob o constrangimento de ninguém.
Para o filósofo inglês, “liberdade significa, em sentido próprio, a ausência
de oposição (entendendo oposição os impedimentos externos do
movimento)”[8]. A natureza torna os homens independentes em relação
aos outros indivíduos. Assim, a ação humana toma por base somente o
interesse próprio de cada um, desprezando os direitos alheios.
No Estado de Natureza de Hobbes a noção de bem ou mal não
existe, vez que inexiste a possibilidade de se pensar a conduta humana
dentro do âmbito social, já que os homens não precisam uns dos outros,
é dizer, sua existência não necessita de qualquer interação. Não
encontramos noções de Direitos, costumes ou mesmo sociabilidades em
geral, já que tais institutos podem existir somente a partir da instituição
da própria sociedade. No estado de natureza, portanto, a liberdade
humana não sofre qualquer constrangimento ou limitação, a não ser por
uma força maior. Neste sentido:
Desta guerra de todos contra todos também isto
é consequência: que nada pode ser injusto. As
noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não
podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não
há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a
força e a fraude são as duas virtudes cardeais. A
justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades
do corpo ou do espírito. Se assim fosse, poderiam
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existir num homem que estivesse sozinho no mundo,
do mesmo modo que seus sentidos e paixões. São
qualidades que pertencem aos homens em
sociedade, não na solidão[9].
Assim, o Estado de Natureza hobbesiano proporciona total
igualdade e liberdade (ilimitadas) entre os indivíduos. Como não há leis
pré‐estabelecidas, não há que se falar em regramento social, e a única
forma de se regrar as condutas dos homens é por meio da força. Quando
dois homens desejam a mesma coisa que se encontra disponível na
natureza a ocorre uma disputa, vez que ambos possuem o direito a todas
as coisas em função de suas irrestritas liberdades e igualdades[10].
Para Hobbes, o fato do indivíduo ter direito a tudo no Estado de
Natureza é uma desvantagem, pois isso gera um constante estado de
disputa entre os homens, o que ele próprio chamou de “guerra de todos
contra todos”, situação que será analisada de modo específico mais
adiante.
Sobre o Contratualismo
Grosso modo, são chamados de contratualistas os pensadores que
basearam suas teorias na ideia de que a origem da sociedade e do poder
político está num contrato, espécie de acordo tácito ou explícito entre um
governante e aqueles que aceitam fazer parte dessa sociedade e submeter
a esse poder. Mesmo não sendo uma posição somente dos pensadores
modernos, o contratualismo adquiriu o status de um movimento teórico
graças às contribuições dos filósofos modernos Hobbes, Locke e Rousseau.
Ainda que esses autores não partilhem de ideias políticas
semelhantes e tradições iguais, os três partilham uma sintaxe comum,
qual seja, a “necessidade de basear as relações sociais e políticas num
instrumento de racionalização, o direito, ou de ver no pacto a condição
formal da existência jurídica do Estado”[11]. A tese da origem da
sociedade política em um contrato implica dizer que a sociedade é um
artifício, é dizer, uma associação em que os homens não são naturalmente
conduzidos por suas paixões e vontade, pelo contrário, estão inseridos de
modo não espontâneo dentro da coletividade.
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Um ponto chave dentro do contratualismo é a diferença entre o
estado de natureza e o estado civil, pois indica justamente o momento
anterior e posterior à implementação do corpo político, permitindo que
se retire de uma descrição do estado de natureza os motivos que explicam
essa implementação. Com a tese contratualista, temos que a política se
funda sobre uma relação jurídica, vez que o contrato dá início à associação
política, é dizer, representa um ato jurídico em que as partes contratantes
estabelecem direitos e deveres recíprocos. Para a teoria contratualista,
essa sociedade política se funda não apenas sobre uma relação jurídica,
como também se diferencia das demais formas de comunidade.
Como base jurídica para sua fundamentação, o contratualismo
aproveita a tradição do direito natural aristotélico, iniciada, entre os
modernos, por Grotius e Pufendorf, que influenciaram diretamente os
pensadores contratualistas já descritos aqui. Nesse sentido, a noção de
um direito natural pressupõe a existência de determinados padrões de
legitimação das relações políticas preexistentes a essas relações ou
mesmo que independem delas para se fazer valer.
Ainda para os contratualistas, o poder político ou as relações de
poder de natureza política se vinculam à noção de contrato, devendo ser
por ele legitimados. O pressuposto comum é que o poder político, para
ser legítimo, deve ser pensado como se tivesse instituído por um ato
contratual, mesmo que, de fato, não tenha sido, tendo o poder político
natureza legitimável, prolongando, assim, a tradição jusnaturalista
clássica.
Em todos os contratualistas, encontramos o ponto de vista
normativo como um ponto comum, mesmo que alguns adotem diferentes
graus de idealização da política. Para Hobbes, é possível legitimar, através
de sua teoria, qualquer poder de fato instituído, enquanto Locke pensa
que alguns são legitimáveis e outros não. Já Rousseau, defende a tese de
que poder de fato algum corresponde à ideia de como o poder político
deve realmente ser. Para este, o contrato opera pelo modo como
medimos o grau de legitimidade das instituições históricas em
contraposição ao modo como elas são de verdade[12].
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Para Hobbes, desta guerra de todos contra todos nada pode ser
injusto. O contrato, entretanto, não é imutável ou mesmo eterno. Para o
filósofo, a obrigação dos súditos para com o soberano tem razão de existir
somente enquanto este é capaz de protegê‐los.
Como já visto, Hobbes apresenta a justificação do contrato na
necessidade de existir um poder centralizador que esteja acima dos
interesses próprios de cada indivíduo, com o objetivo de controlar o
instinto destrutivo dos seres humanos. Nesse cenário, o Estado surge para
inibir esse instinto de sobrevivência existente nos homens e garantir a paz
social e a preservação da vida dos indivíduos. Mas para que esse cenário
seja completo, os súditos devem aderir ao contrato e transferir ao
soberano amplos, ilimitados e indivisíveis poderes, abrindo mão até de sua
liberdade em troca de segurança.
Para o filósofo John Locke (1632‐1704), a existência do Estado se
deve mais à necessidade de existir uma instância que se encontre acima
do julgamento parcial e egoísta de cada cidadão do que a condição de
selvageria dos homens. Para o filósofo, o Estado deve preservar o direito
individual à liberdade e à propriedade privada. Nesse sentido, as leis não
devem ser fruto da vontade unilateral e pessoal do governante, mas de
uma Assembleia. Locke é opositor do absolutismo, da tiraria e da tese de
que as pessoas já nascem com uma aptidão inata de governar.
Já o filósofo suíço Jacques Rousseau (1712‐1778) defende que o ser
humano é bom em sua essência e que a soberania pertence ao povo, e
dele emana o poder. Esse poder deve ser exercido pelo soberano em
nome do povo, vez que o governante é um representante do povo,
recebendo o poder por delegação para exercê‐lo em nome da
coletividade. Para Rousseau, o Estado tem origem no contrato social
formado entre os cidadãos livres que renunciaram suas vontades para
garantir o que ele denominou devontade geral[13]. A ideia de vontade
geral propõe que os indivíduos devem abrir mãos de suas liberdades
individuais em prol da comunidade. Nesse sentido, deve haver leis que
restrinjam o comportamento dos indivíduos.
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A ideia de vontade geral propõe que os indivíduos devem abrir mão
de muitas liberdades individuais em prol da comunidade. Nesse sentido,
deve haver leis que restrinjam o comportamento das pessoas. Para o
filósofo, as concepções de liberdade e obediência às leis do Estado não se
anulam, pelo contrário, complementam‐se, pois quando os indivíduos se
agrupam em sociedade, acabam por formar um novo tipo de pessoa, em
que cada cidadão faz parte de um todo maior em relação à individualidade
de cada um.
Do cruel estado de natureza (e a segurança de cada um) ao Estado
Político
Para Hobbes, a guerra é justificada em duas principais razões, quais
sejam, a cobiça de alguns de quererem tudo para si próprios e a vigilância
daqueles que possuem os objetos que são cobiçados pelos outros. Nesse
sentido, o estado de natureza é um estado de permanente guerra que
gera insegurança nos indivíduos. Em virtude disso, os homens, num ato
racional e de liberdade, decidem sair do estado natural de segurança e
firmar um contrato para ingressar no Estado Político.
Na lógica hobbesiana, os desejos humanos são experimentados
como verdadeiros medos e desconfortos a serem sanados, e é por esse
motivo que os homens agem, para aliviar este desconforto e promover
seu bem estar. Então, toda ação humana, toda sua escolha e vontade, na
verdade, são naturalmente inclinadas a aliviar as pressões físicas do seu
corpo. Este princípio da física de Hobbes reflete diretamente em seu
pensamento político, pois o estado de natureza é o ápice dos desejos e
dos apetites humanos. Junto com os desejos, entretanto, vem o medo de
cada indivíduo acerca de como conservar sua própria existência.
Tanto pelo prisma da física, quanto pelo da filosofia política, Hobbes
parte da ideia de que os corpos são independentes entre si, em que os
homens têm uma existência naturalmente à parte dos outros corpos.
Hobbes usa isso para refutar a tese aristotélica doanimal político[ ].
Contudo, essa individualidade e egocentrismo fazem com que os
indivíduos, de maneira racional, passem a viver em sociedade para manter
a própria vida. Os indivíduos escolhem então viver num agrupamento
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social não pelo bem comum ou pela sua natureza, mas em função do
desenho de continuarem vivos.
O contrato social, então, não representa um resultado natural da
convivência entre os homens, mas é artificial. O desejo de viver em
sociedade é fruto do medo que os homens possuem uns dos outros, do
seu próprio lobo (para usar uma expressão hobbesiana). Para Hobbes:
Os homens não podem esperar uma
conservação duradoura se continuarem no estado de
natureza, ou seja, de guerra, e isso devido à
igualdade de poder que entre eles há, e as outras
faculdades com que estão dotados. Por conseguinte
o ditado da reza razão – isto é, a lei de natureza – é
que procuraremos a paz, quando houver qualquer
esperança de obtê‐la, e, se não houver nenhuma, que
nos preparemos para a guerra[15].
Quando os pactuantes ingressam no Estado político, abrem mão de
suas irrestritas liberdades em troca da defesa de suas vidas. Para Hobbes,
“aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele diz que
possui poder soberano. Todos os restantes são súditos”[16]. O Estado
passa a ser o centralizador das decisões públicas, e responsável pela
promoção da segurança dos cidadãos.
O fundamento do poder soberano em Hobbes
Conforme já ponderado, os seres humanos, ao ingressarem no
Estado político, instituem o poder absoluto, que é soberano e indivisível,
exercido por um único homem ou por uma assembleia de homens. Os
súditos entregam ao Leviatã suas liberdades em troca da segurança,
proporcionada por intermédio do Contrato estabelecido racionalmente
por causa do medo da morte certa no estado de natureza. Nesse sentido,
“a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não provém da
boa vontade recíproca que os homens tivessem uns para com os outros,
mas do medo recíproco que uns tinham dos outros”[17].
Para Hobbes:
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Aqueles que já instituíram um Estado, dado que
são obrigados pelo pacto a reconhecer como seus os
atos e decisões de alguém, não podem
legitimamente celebrar entre si um novo pacto no
sentido de obedecer a outrem, seja no que for, sem
sua licença. Portanto, aqueles que estão submetidos
a um monarca não podem sem licença deste
renunciar à monarquia, voltando à confusão de uma
multidão desunida, nem transferir sua pessoa
daquele que dela é portador para outro homem, ou
outra assembleia de homens.
Convém destacar que o pacto para a instituição do Estado politico
é um ato propriamente humano, não havendo que se falar em pacto
divino. A monarquia hobbesiana não tem por fundamento preceitos
religiosos ou místicos. A vida em sociedade é resultado da vontade estrita
dos indivíduos, que temem as atitudes de seus semelhantes. É nesse
ponto que Hobbes deixa claro sua reprovação no que tange a outras
formulações filosóficas da época, que defendiam o poder absoluto dos
monarcas tendo por base o fundamento divino de poder[18]. Para ele,
“esta pretensão de um pacto com Deus é uma mentira tão evidente (...)
que não constitui apenas um ato injusto, mas também um ato próprio de
um caráter vil e inumano”[19].
O poder absoluto do soberano se fundamenta, assim, na
representação que este exerce perante os membros da sociedade. Para
Hobbes, essa representação é fiduciária, vez que está atrelada à garantia
do soberano de manter a paz e a segurança dos contratantes, os súditos.
As ações do governante são justificadas na busca pela autopreservação.
Aqui merecem destaque dois importantes aspectos. O primeiro se
refere ao fato de que o soberano não pode ser acusado por qualquer
súdito de cometer injustiça. Uma vez que o governante exerce o poder
político em nome de todos os indivíduos, todos os atos do soberano são
atos de seus próprios súditos, em nome de seus interesses, pelo princípio
da representação. Hobbes então declara que o soberano não pode ser
injusto com qualquer súdito pois não é possível que alguém seja injusto
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consigo mesmo. Assim, a vontade do soberano é a vontade de todos os
indivíduos e todos os súditos tem suas vontades expressas pelas leis do
governante, daí a impossibilidade de haver injustiça.
Dado que todo súdito é por intuição autor de
todos os atos e decisões do soberano instituído,
segue‐se que nada do que este faça pode ser
considerado injúria para com qualquer de seus
súditos, e que nenhum deles pode acusa‐lo de
injustiça. Pois quem faz alguma coisa em virtude da
autoridade de um outro não pode nunca causar
injúria àquele em virtude de cuja autoridade está
agindo. Por esta instituição de um Estado, cada
indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer,
por consequência aquele que se queixar de uma
injúria feita por seu soberano estar‐se‐á queixando
daquilo de que ele próprio é autor, portanto não
deve acusar ninguém a não ser a si próprio; e não
pode acusar‐se a si próprio de injúria, pois causar a si
próprio é impossível[20].
O segundo ponto relevante se refere ao fato de que o soberano não
tem obrigação de cumprir a lei. Nesse sentido, ele se encontra
constantemente em estado de natureza perante seus súditos, ou seja,
desobrigado ao cumprimento de qualquer mandamento imposto por ele
próprio. A justificativa está no fato do contrato ter sido celebrado pelos
indivíduos entre si e entre os homens e o soberano, já que este é uma
criação pós‐contrato. Assim, o soberano não pode obedecer aquilo que
não pactuou. Pelo princípio da representação, as leis obrigam os súditos,
mas nunca quem as criou, que goza de ilimitada liberdade.
O soberano de um Estado, quer seja uma
assembleia ou um homem, não se encontra sujeito às
leis civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as
leis, pode quando lhe aprouver libertar‐se dessa
sujeição, revogando as leis que o estorvam e fazendo
outras novas; por consequência já antes era livre.
Porque é livre quem pode ser livre quando quiser. E
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a ninguém é possível estar obrigado perante a si
mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar,
portanto quem está obrigado apenas perante si
mesmo não está obrigado[21].
Pelo princípio da representação, o soberano é responsável pela
promoção da justiça e da paz. O Direito exerce um papel ímpar na teoria
de Hobbes, vez que é a partir do conjunto de leis criadas pelo Estado que
será possível a promoção da justiça. Nesse sentido, Hobbes entende o
Direito como uma condição essencial para se chegar aos objetivos sociais
e não apenas como um caminho em direção à justiça ou à moralidade.
Como os objetivos de paz e segurança são construtos de comunidades
politicamente organizadas e não imanentes do espírito humano, o direito
hobbesiano se encontra totalmente concentrado nas mãos do soberano,
seja na sua elaboração, seja na administração da justiça, através da ação
do judiciário.
As leis mencionadas na obra O Leviatã devem ser vistas de forma
ampla, envolvendo, ao mesmo tempo, leis de viés tanto público como
privado. Hobbes declara que “o conhecimento da lei civil é de caráter geral
e compete a todos os homens. A antiga lei de Roma era chamada sua lei
civil, da palavra civitas, que significa Estado”[22]. Hobbes define a lei civil
da seguinte maneira: “a lei civil é, para todo súdito, constituída por
aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por
outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção
entre o bem e o mal; isto é, do que contrário ou não é contrário à
regra”[23].
É importante notar nessa passagem que Hobbes declara que, em
última análise, é o Estado quem dá a justiça e distingue o bem do mal,
entre o que é ou não contrário à regra. Hobbes define que “em todos os
Estados o legislador é unicamente o soberano, seja este um homem, como
numa monarquia, ou uma assembleia, como numa democracia ou numa
aristocracia”.[24]
Hobbes coloca as leis civis e naturais numa mesma hierarquia, ver
que o Estado é o próprio responsável por dar leis civis e naturais, a partir
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da interpretação dos ditamos naturais. O soberano não está preso a
qualquer lei, desde que seus atos objetivem a defesa da vida dos súditos
a busca pela paz e ordem do Estado. Em última análise, a lei natural pode
ser limitada pela civil:
A lei civil e a lei natural não são diferentes
espécies, mas diferentes partes da lei, uma das quais
é escrita e se chama civil, e a outra não é escrita e se
chama natural. Mas o direito de natureza, isto é, a
liberdade natural do homem, pode ser limitado e
restringido pela lei civil; mais, a finalidade das leis não
é outra senão essa restrição, sem a qual não será
possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo
para nada mais senão para limitar a liberdade natural
dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam
impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez
disso se ajudem e unam contra o inimigo comum[25].
A possibilidade de restrição da lei natural pela civil se fundamenta
no momento do Contrato, vez que no estado de natureza a vida (fundada
na absoluta liberdade, ausência de oposição dos demais homens e na
igualdade) tem como reflexo natural a guerra constante dos homens entre
si e isso deve ser reprimido para que a paz e a segurança sejam alcançadas.
Sob esse prisma, o direito de natureza pode e deve sofrer limitação, vez
que a instituição do Estado é o marco limítrofe para o uso deste direito.
Apenas o que é pactuado, o que é artificial pode garantir a paz, pois a
natureza egoísta dos indivíduos não é capaz de alcançá‐la.
Conclusões
Seria muita pretensão querer, nestas poucas linhas, concluir todo o
espírito inovador de Thomas Hobbes, assim como depreender o
significado de suas obras no respectivo período em que viveu.
Certamente, o estudo e reflexão de suas obras ainda tem muito a nos
ensinar. O objetivo dessa abordagem foi trazer à lume a teoria de um dos
autores modernos mais relevantes para a Teoria do Estado e para a
Filosofia Política.
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Hobbes foi um dos primeiros a abordar a questão do poder do
governante e do Estado desatrelado ao poder divino. Como foi abordado,
para Hobbes, a paixão é mais forte que a vontade. Na política e na moral,
essa premissa resulta que os súditos do Estado são individualistas e se
reúnem em comunidade por ser o único meio de sobreviver no que ele
chamou de estado de natureza. Nesse estado, os homens tem a única
preocupação de suprir seus desejos e vontades, nem que para isso tenham
que saquear ou matar seus semelhantes. Esse constante estado de guerra
é abordado na obra O Leviatã, uma alegoria ao monstro bíblico explicitado
no livro bíblico de Jó. Para Hobbes, o Estado é o próprio monstro, que
governa o caos, situação em que os indivíduos abrem mãos de suas
liberdade individuais em troca de segurança e paz social. No contexto do
figura marinha, ainda que este coma alguns peixes enquanto os protege,
o sacrifício parece valer a pena.
Hobbes cunhou o termo Contrato Social para designar o acordo
entre o governante e os súditos, que reconhecem a autoridade do
soberano, fazedor das leis e único capaz de fazer respeitar o contrato e
garantir a segurança e a paz entre os indivíduos. Com isso, o poder do
soberano se fundamenta na representação que este exerce perante os
súditos. Para Hobbes, essa representação é fiduciária, vez que está
vinculada a garantia do soberano de garantir a paz e a segurança dos
contratantes. As ações do governante são justificadas na busca pela
autopreservação.
Assim, para Hobbes, para que a sociedade seja construída é
necessário que os membros da coletividade abram mãos de suas
liberdades (é dizer, a vontade de satisfazer seus próprios desejos no
estado natural) e estabeleçam um acordo mútuo entre si. Outro ponto
relevante da filosofia hobbesiana é que o soberano não é obrigado a
cumprir a lei. Nesse sentido, ele se encontra constantemente em estado
de natureza perante seus súditos, ou seja, desobrigado ao cumprimento
de qualquer mandamento imposto por ele próprio. A justificativa está no
fato do contrato ter sido celerado pelos indivíduos entre si e entre os
homens e o soberano, já que este é uma criação feita depois do contrato.
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Assim, em Hobbes, podemos entender a soberania como a
capacidade do Estado à auto vinculação e auto determinação jurídicas
exclusivas. É dizer, a soberania é expressa, internamente, na supremacia
do Estado em sobrepor seu poder aos demais poderes sociais. Os demais
poderes ficam subordinados ao poder estatal. O que está em foco na
teoria hobbesiana não é poder do governante, mas sim o conceito da
soberania do Estado.
Referências
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. (ed.). Dicionário de
Política. Brasília: UnB, 2010.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. São Paulo,
Brasiliense, 1990.
COLLYER, Francisco Renato Silva. Liberdade em Rousseau: Nascemos
livres, mas vivemos presos na sociedade? Boletim Conteúdo Jurídico, n.
421, ano VII, p. 56.
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http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj054238.pdf > ISSN: 1984‐
0454
Acesso em 12 de março de 2016.
FINLEY, Moses I. Democracia Antiga e Moderna. Rio de Janeiro: Braal,
1988.
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado
eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
KELLY, Paul. O Livro da Política. 1. ed. São Paulo: Globo, 2014.
MACPHERSON, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo, de
Hobbes até Locke. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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ROSAS, João Cardoso (org). Manual de Filosofia Política. 2ª ed.
Coimbra: Almedina, 2013.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Nova
Cultural, 1997.
SKINNER, Quentin. As Funções do Pensamento Político Moderno. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Porto Alegre:
L&PM, 2014.
WEFFORT, Francisco Correa (org). Os Clássicos da Política. São Paulo:
Ática, 1995.
NOTAS:
[1] Hobbes foi o primeiro filósofo político a justificar o poder dos reis com uma base racional. Até então, o direito dos reis tinha origem divina. As teorias presentes na obra O Leviatã eliminam a hipótese do poder divino e promovem a separação entre poder divino e secular. Para que o contato social funcione é preciso que exista um governo absoluto, daí porque Hobbes vai em defesa da monarquia.
[2] A figura do Leviatã proposta por Thomas Hobbes é uma referência ao monstro bíblico do livro de Jó, descrito como o mais terrível dos monstros marinhos: “Quando se levanta, tremem as ondas, as vagas do mar se afastam. Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo. O ferro para ele é palha; o bronze, pau podre. A flecha não o faz fugir, as pedras da funda são palhinhas para ele. O martelo lhe parece um fiapo de palha; ri-se do assobio da azagaia. Seu ventre é coberto de cacos de vidro pontudos, é uma grade de ferro que se estende sobre a lama. Faz ferver o abismo como uma panela, faz do mar um queimador de perfumes. Deixa atrás de si um sulco brilhante, como se o abismo tivesse cabelos brancos. Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada; afronta tudo o que é elevado, é o rei dos mais orgulhosos animais” (In: Livro Bíblico de Jó, capítulo 41, versos 25 a 34). No contexto do monstro marinhoLeviatã, ainda que este coma alguns peixes enquanto os protege, o sacrifício vale a pena.
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[3] WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 64.
[4] Diversos pensadores acreditavam que, analisando os instintos e comportamentos humanos, seriam capazes de desenvolver um sistema de governo que satisfizesse as necessidades dos cidadãos e promovesse bons comportamentos para, assim, combater os maus comportamentos humanos. Deste modo, se os indivíduos fossem capazes de conceber além de seus próprios interesses e trabalhassem para o bem público, eles poderiam gozar dos benefícios dos direitos democráticos. Em contrapartida, se ainda se preocupassem apenas com seus interesses, seria preciso uma autoridade forte e controladora para prevenir o caos. Thomas Hobbes foi um dos primeiros pensadores iluministas que basearam seu argumento em uma visão articulada do estado natural humano. Para Hobbes, os indivíduos precisavam ser governados, vez que esse estado natural era terrível, um mundo onde imperava o individualismo (In: KELLY, Paul. O Livro da Política. 1. ed. São Paulo: Globo, 2014, p, 98.)
[5] Para Hobbes, o estado de natureza era algo ficcional, uma hipotética etapa da condição humana fora do convívio em sociedade. Nesse estado hipotético longe da coletividade, a condição do homem é sempre a condição de guerra, pois, sem governo, os homens aterrorizam uns aos outros e sem limites em sua incansável busca por autopreservação. Mas para que os indivíduos evitassem que o estado de natureza pudesse acontecer, era preciso aderir ao contrato social e se submetessem à autoridade de um soberano. Se este soberano, contudo, falhasse em garantir a proteção aos súditos, o contrato social seria rompido e os indivíduos poderiam agir, levanto-os de volta ao estado natural.
[6] HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 25.
[7] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 75.
[8] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 129.
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[9] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 77.
[10] Para Hobbes, "desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro" (In: HOBBES, Thomas.Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 74.)
[11] BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. (ed.).Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2010. v. 1, p. 279.)
[12] Sobre o tema, para Rousseau, “as ideias de liberdade e obediência às leis estatais se complementavam. Quando os indivíduos agrupam-se em sociedade, acabam por formar um tipo de pessoa, em que cada cidadão faz parte de um todo bem maior em relação à individualidade de cada um. Para o filósofo, as pessoas seriam livres na sociedade quando estivessem sob o julgo de leis que, verdadeiramente, refletissem a vontade geral, a vontade deste corpo formado pelos cidadãos, e não a leis que beneficiassem somente a uma parcela da coletividade. Nesse contexto, o legislador teria a função de criar um sistema que permitisse que os indivíduos se mantivessem livres de acordo com a vontade geral, ao invés de buscarem suas próprias realizações às custas da perda da liberdade de outros. A verdadeira liberdade, para Rousseau, seria viver em um grupo de cidadãos que procuram agir de acordo com o interesse da coletividade, em que os desejos pessoais convergissem para o que fosse melhor para todos e que as leis evitassem que pessoas agissem de forma egoísta”. (In: COLLYER, Francisco Renato Silva. Liberdade em Rousseau: Nascemos livres, mas vivemos presos na sociedade?Boletim Conteúdo Jurídico, n. 421, ano VII, p. 56.
Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj054238.pdf > ISSN: 1984-0454)
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[13] Nesse sentido, para o que não desejassem seguir o contrato, estes seriam forçados a isso, “seriam forçados a serem livres! Parece contraditório, mas para Rousseau não era. O indivíduo é forçado a ser livre quando é livre de sua própria vontade mesquinha e egoísta, quando é levado a pensar no que é melhor para todos, pois, já que vivemos em sociedade, se cada um pensar somente em si o resultado será o extermínio das relações e instituições sociais tal como as conhecemos. Assim, semelhante à ideia de heteronomia, a ideia de vontade geral pressupõe a assimilação de que os homens, para viverem em sociedade, devem aceitar as regras que lhe são impostas. Em contrapartida, essas leis devem refletir o anseio do Estado em praticar o que é melhor para todos. Quando as leis representam ou favorecem a um grupo restrito de pessoas, é aceitável que a própria sociedade, como um único corpo, admita movimentos revolucionários que objetivam resgatar o ideal de bem comum e segurança jurídica para todos, tal qual anticorpos combatem um corpo estranho presente no organismo que deseja alterar o estado normal de funcionamento do corpo humano” (In: COLLYER, Francisco Renato Silva. Liberdade em Rousseau: Nascemos livres, mas vivemos presos na sociedade? Boletim Conteúdo Jurídico, n. 421, ano VII, p. 57-58.
Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj054238.pdf > ISSN: 1984-0454)
[14] Ensina o filósofo: “Assim é evidente que a cidade faz parte das coisas da natureza e que o homem é naturalmente um animal político destinado a viver em sociedade. Aquele que por instinto – e não porque qualquer circunstância o inibe – deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser desprezível ou superior ao homem” (Aristóteles. A Política. São Paulo. Ícone Editora: 2007, p. 16)
[15] HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 35-16.
[16] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 106.
[17] HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 28.
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[18] Hobbes chegou a afirmar que Deus seria um objeto físico gigantesco, embora alguns tenham interpretado isso como uma tentativa disfarçada de declarar que era, na verdade, ateu (In: WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 68)
[19] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 108.
[20] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 109.
[21] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 162.
[22] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 161.
[23] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 161.
[24] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 162.
[25] HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p, 163.
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DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PELOS CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS: UM ESTUDO À LUZ DO ART. 167, § 5º, DO CPC/2015 C/C 28, INC. IV, DA LEI N. 8.906/1994
THIAGO BORGES MESQUITA DE LIMA: Bacharel em Direito pelo Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura. Conciliador e Advogado;
Resumo: O artigo 167, parágrafo 5º, do Novo CPC, dispõe que os
conciliadores e mediadores judiciais inscritos em Cadastros nacional e/ou
do TJ/TRF estarão impedidos de exercer a advocacia perante o Juízo em
que desempenhe suas funções. Diante disso, pergunta‐se: esta regra
deverá ser aplicada também aos detentores de cargo público de
conciliador ou mediador judicial (Art. 167, § 6º) e aos profissionais que
atuarem de forma voluntária (Art. 169, § 1º)? E quais os limites ao
exercício da advocacia dos conciliadores e mediadores judiciais que
atuarem apenas nos CEJUSCS´s?
1. Introdução
A atividade de advocacia e os limites éticos do seu exercício pelos
advogados são regidos pela Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o
Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB).
Os artigos 27 a 30 do EAOAB, visando evitar que a advocacia fosse
usada em desprestígio do interesse da coletividade mediante práticas
como tráfico de influência e captação indevida de clientela, criaram um
sistema de vedação ao exercício da advocacia em dois graus
distintos: impedimentos e incompatibilidades. [1]
De acordo com o artigo 27 do EAOAB, a incompatibilidadedetermina
a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da
advocacia.
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As hipóteses de incompatibilidade estão elencadas no artigo 28, e as
de impedimento no artigo 30, ambos do EAOAB.
Das hipóteses de incompatibilidade, interessa‐nos a primeira parte do
inciso IV do artigo 28, que proíbe o exercício da advocacia aos “ocupantes
de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão
do Poder Judiciário”.
Analisaremos, neste estudo, a possibilidade do exercício da advocacia
pelos conciliadores e mediadores judiciais à luz do inciso IV do artigo 28
do EAOAB e do artigo 167, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.
2. Da possibilidade do exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais antes do CPC/2015
Antes da entrada em vigor do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), inexistia
norma versando a respeito da possibilidade do exercício da advocacia
pelos conciliadores e mediadores judiciais. Porém, a Ordem dos
Advogados do Brasil, o Conselho Nacional de Justiça e o Poder Judiciário
manifestaram‐se a respeito do tema, haja vista que as Leis reguladoras dos
Juizados Especiais permitiam o exercício da advocacia aos juízes leigos
(Art. 7º, § Ú, da Lei nº 9.099/1995 e Art. 15, § 2º, da Lei nº 12.153/2009),
mas nada diziam acerca da possibilidade ou não do exercício da advocacia
pelos conciliadores judiciais. [2]
A omissão das Leis nº 9.099/1995 e 12.153/2009 a respeito da
possibilidade ou não do exercício da advocacia pelos conciliadores
judiciais dos Juizados Especiais fez surgir dúvida acerca da incidência do
inciso IV do artigo 28 do EAOAB. Ao mesmo tempo, não parecia justo
permitir o exercício da advocacia aos juízes leigos e vedá‐lo aos
conciliadores, que desempenhavam (e desempenham) atividade mais
simples do que aqueles profissionais. Nesse sentido, é elucidativa a
ementa do julgado abaixo:
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. CONCILIADOR DE JUIZADOS
ESPECIAIS. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.
INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO. 1. ATRAVÉS
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DE UM COMANDO DIRIGIDO AO CASO MAIS
COMPLEXO, DO JUIZ LEIGO, IMPEDINDO SUA
MILITÂNCIA ADVOCATÍCIA APENAS NO
ÂMBITO DOS JUIZADOS, PROCUROU, A LEI,
ABRANGER TAMBÉM A HIPÓTESE MAIS
SIMPLES, DO CONCILIADOR. 2.A
INTERPRETAÇÃO DA LEI OBEDECE A
PRINCÍPIOS DE CONSTRUÇÃO LÓGICA,
ALIADOS AO PRECEITO CONSTITUCIONAL DA
ISONOMIA, NÃO SENDO RAZOÁVEL ADMITIR
QUE, O CONCILIADOR, DESENVOLVENDO UM
TRABALHO MENOS COMPLEXO, SOFRA
MAIORES RESTRIÇÕES QUE O JUIZ LEIGO,
COMPETENTE ESTE, ATÉ MESMO, PARA
INSTRUIR PROCESSOS NO ÂMBITO DOS
JUIZADOS. 3. APELO NÃO PROVIDO. (TRF‐5 ‐
AMS: 75024 RN 2000.84.00.005627‐5, Relator:
Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior
(Substituto), Data de Julgamento: 20/08/2002,
Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte:
Diário da Justiça ‐ Data: 26/12/2002 ‐ Página:
235). – Grifo próprio [3].
O tema chegou, inclusive, a ser analisado pelo Superior Tribunal de
Justiça. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL ‐ ALÍNEA "A" ‐
MANDADO DE SEGURANÇA ‐ BACHAREL EM
DIREITO ‐ NOMEAÇÃO PARA A FUNÇÃO DE
CONCILIADOR NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ‐
INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL ‐ POSSIBILIDADE ‐ IMPEDIMENTO
RELATIVO (ART. 28 DO ESTATUTO DA
ADVOCACIA E DA OAB ‐ LEI N. 8.906/94). Não
se conforma a Ordem dos Advogados do Brasil
‐ Seccional do Rio Grande do Sul com
o decisum da Corte de origem que autorizou a
5
77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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inscrição da impetrante, bacharel em Direito,
no mencionado órgão de classe, nada obstante
exerça a função de conciliadora do Juizado
Especial Cível. O bacharel em Direito que atua
como conciliador e não ocupa cargo efetivo
ou em comissão no Judiciário, não se
subsume às hipóteses de incompatibilidade
previstas no art. do Estatuto dos
advogados e da OAB (Lei n. . / ). A
vedação, como não poderia deixar de ser,
existe tão‐somente para o patrocínio de ações
propostas no próprio juizado especial. Esse
impedimento, de caráter relativo, prevalece
para diversos cargos em que é autorizado o
exercício da advocacia, a exemplo dos
procuradores do Distrito Federal, para os quais
é defeso atuar nas causas em que for ré a
pessoa jurídica que os remunera.
Hodiernamente, a questão não enseja maiores
digressões, visto que a controvérsia já restou
superada até mesmo no âmbito do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Recurso especial não conhecido. (STJ, Recurso
Especial nº 380.176‐RS 2001/0155442‐0,
Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Data de
Julgamento: 13/05/2003, T2 ‐ SEGUNDA
TURMA, Data de Publicação: DJ 23/06/2003).
– Grifo próprio. [4]
Como se vê, embora não existisse lei ordinária permitindo
expressamente o exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais,
prevalecia o entendimento de que aos referidos profissionais não incidia
a vedação do inciso IV do artigo 28 do EAOAB. Registre‐se, ainda, que este
entendimento, resultado da análise da incidência do inciso IV do artigo 28
do EAOAB aos conciliadores dos Juizados Especiais, era perfeitamente
aplicável aos conciliadores judiciais que atuavam nas Varas Cíveis em geral
(varas de família, bancária, etc.).
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3. Conciliadores e mediadores judiciais no CPC/2015
As formas de autocomposição de conflitos ganham especial
tratamento no Novo CPC, tanto que, logo nos seus artigos iniciais (art. 3º,
§§ 2º e 3º), dispõe o CPC/2015 que o Estado deve promover, sempre que
possível, a solução consensual dos conflitos, e que a conciliação e a
mediação devem ser estimuladas pelos juízes, advogados, membros da
Defensoria Pública e do Ministério Público. Além disso, foi dedicado um
capítulo (Capítulo V, Título I, do Livro I da Parte Especial) apenas para
tratar da “audiência de conciliação e mediação”.
A solução consensual dos conflitos deve ser promovida pelos juízes
(Art. 139, Inc. V), devendo eles inclusive, ao instalar a audiência de
instrução e julgamento, tentar conciliar as partes, independentemente do
emprego anterior de outras formas de autocomposição de litígios (Art.
359, caput). [5]
Sem embargo do dever de os juízes promoverem a autocomposição, a
conciliação e a mediação devem ser conduzidas, preferencialmente, pelos
conciliadores e mediadores judiciais, isso porque o juiz nem sempre é a
pessoa mais indicada para exercer tais atividades, visto que ele pode não
ter a técnica necessária e também, na hipótese de uma participação mais
ativa na tentativa de obter a conciliação ou a mediação, poderá ser
acusado de prejulgamento. [6]
Os conciliadores atuam preferencialmente nos casos em que não há
vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio
(Art. 165, § 2º). A conciliação é mais adequada para os conflitos de
interesses que não envolvam relação continuada entre as partes
envolvidas, a exemplo de uma colisão entre veículos, em que o vínculo
surge justamente em razão da lide instaurada, ou nos casos em que as
partes têm um vínculo anterior pontual, como ocorre num contrato para
prestação de um serviço. [7]
Os mediadores, por sua vez, atuam preferencialmente nos casos em
que há vínculo anterior entre as partes, auxiliando aos interessados a
compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles
possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si
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79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (Art. 165, §
3º) [8]. A mediação é mais indicada para os casos em que as partes já
mantinham alguma espécie de vínculo continuado antes do surgimento da
lide, o que caracteriza uma relação continuada e não apenas instantânea
entre elas, a exemplo do que ocorre no direito de família, no direito de
vizinhança e no direito societário. [9]
4. O vínculo jurídico que os conciliadores e mediadores judiciais mantêm com o Poder Judiciário
Os conciliadores e mediadores judiciais foram incluídos no rol dos
auxiliares da justiça (Art. 149).
De acordo com o CPC/2015, o vínculo que os conciliadores e
mediadores judiciais manterão com o Poder Judiciário (TJ e/ou TRF)
poderá ser de três tipos: ) conciliadores e mediadores inscritos em
Cadastro Nacional e em Cadastro de TJ ou TRF, que perceberão
remuneração pela prestação dos seus serviços conforme tabela fixada
pelo Tribunal – art. 167, caput c/c art. 169,caput; ) conciliadores e
mediadores detentores de cargo público efetivo – art. 167, §
6º; ) conciliadores e mediadores voluntários – art. 169, § 1º.
Discorreremos, a seguir, acerca dos três tipos de vínculos que os
conciliadores e mediadores poderão manter com os Tribunais.
. Conciliadores e mediadores remunerados conforme tabela
fixada pelo Tribunal e parâmetro estabelecido pelo Conselho
Nacional de Justiça
De acordo com o artigo 167, caput, do Novo CPC, os conciliadores e os
mediadores judiciais serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro
de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro
de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
O conciliador ou mediador judicial poderá requerer sua inscrição nos
cadastros nacional e/ou do TJ/TRF, desde que preencha o requisito de
capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade
credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho
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Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça (Art. 167, §
1º).
O parágrafo 2º do artigo 167 do Novo CPC dispõe que a efetivação
do registro dos conciliadores e mediadores judiciais poderá ser precedida
de concurso público. A expressão “concurso público”, usada para designar
a seleção composta de provas ou provas e títulos para o ingresso de
candidatos em cargos públicos efetivos ou empregos públicos, não pode
ser interpretada em seu sentido usual no § 2º do artigo 167, pois fora
reservado um dispositivo legal específico (Art. 167, § 6º) para tratar dos
conciliadores e mediadores judiciais detentores de cargo público. A nosso
ver, o objetivo do legislador é facultar aos Tribunais que o registro nos
Cadastros seja precedido de processo seletivo, a exemplo do que ocorre
nas contratações de estagiários do Poder Judiciário, o que é salutar para
privilegiar o princípio da impessoalidade na Administração Pública.
Após o registro dos profissionais nos Cadastros, o Tribunal remeterá
ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará
o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome
passe a constar da respectiva lista de distribuição dos processos e casos
que serão submetidos à conciliação e mediação, que deverá ser alternada
e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de
atuação profissional (Art. 167, § 2º).
Os profissionais inscritos nos Cadastros a que se refere o artigo
167, caput, receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela
fixada pelo TJ/TRF, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho
Nacional de Justiça (Art. 169, caput), vedada tal forma de remuneração
aos conciliadores e mediadores judiciais do art. 167, § 6º, do CPC. O
Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por exemplo, regulamentando o
disposto no caput do artigo 169 do CPC, editou o Provimento n. 9/2016‐
CM. De acordo com o art. 1º, § 2º do referido Provimento, as partes
arcarão com as despesas relativas aos honorários do mediador, exceto nos
casos acobertados pela assistência judiciária gratuita. O anexo do
mencionado Provimento estabelece a tabela de honorários dos
conciliadores e mediadores, fixando o pagamento dos serviços por preços
mínimo e máximo por hora de trabalho.
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81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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. Conciliadores e mediadores judiciais detentores de cargo
público efetivo
Dispõe o parágrafo 6º do artigo 167 do Novo CPC:
“O tribunal poderá optar pela criação de
quadro próprio de conciliadores e mediadores,
a ser preenchido por concurso público de
provas e títulos, observadas as disposições
deste Capítulo.”
Conforme se nota, o TJ ou TRF poderá optar por criar cargos públicos
efetivos de conciliadores e mediadores judiciais.
Cargo público, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2014, pág.
615) “é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta
e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor
público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma
a ela equivalente.”
O cargo público divide‐se em cargo efetivo e cargo em comissão.
Cargo efetivo é aquele cujo provimento decorre de prévia aprovação
em concurso público de provas ou provas e títulos. Os servidores
nomeados para cargo de provimento efetivo adquirem estabilidade após
três anos de efetivo exercício.
Cargo em comissão é aquele de livre provimento e exoneração.
Por conta da expressa menção a “concurso público de provas ou de
provas e títulos”, contida no parágrafo 6º do artigo 167, não poderá ser
criado cargo comissionado de conciliador ou mediador judicial, até mesmo
porque as atividades de conciliação e mediação não podem ser
consideradas como de direção, chefia e assessoramento. [10]
De acordo com o parágrafo 4º do artigo 7º da Resolução nº
125/2010, a criação de cargos públicos de conciliadores e mediadores
judiciais deve ser encarada como uma medida excepcional e pode ser
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adotada apenas se a quantidade de profissionais cadastrados nos termos
do artigo 167, caput e parágrafo 1º, do Novo CPC, for insuficiente. [11]
4.3 Conciliadores e mediadores judiciais voluntários
Dispõe o artigo 169, parágrafo 1º: “A mediação e a conciliação
podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação
pertinente e a regulamentação do tribunal.”
A nosso ver, os conciliadores e mediadores voluntários também
devem passar por capacitação que observe o parâmetro curricular
delineado pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Ministério da Justiça,
devendo, ainda, inscreverem‐se nos cadastros nacional e/ou do TJ ou TRF.
Registro ainda que o interesse em atuar de forma voluntária nas
atividades de conciliação e mediação poderá vir de bacharéis em Direito
que estiverem interessados em cumprir os três anos atividade jurídica,
requisito exigido pela Constituição Federal (Arts. 93, inc. I e 129, § 3º) para
realização de concursos públicos de ingresso nas carreiras da Magistratura
ou do Ministério Público. Exemplo neste sentido pode ser extraído do
artigo 44, inciso II, da Resolução nº 5/2016, do Tribunal de Justiça do
Tocantins, que permite que seus servidores da ativa atuem como
conciliadores voluntários, desde que não prejudique suas atribuições
normais. Assim, se um servidor efetivo do TJTO que exerça um cargo
público que não seja enquadrado como de ‘atividade jurídica’, a exemplo
dos técnicos administrativos, e que queira prestar concurso público para
ingresso na carreira da Magistratura ou MP, poderá cumprir tal requisito
mediante a realização das audiências de autocomposição, desde que
desenvolva as atividades de conciliação e mediação em expediente não
inferior a 16 (dezesseis) horas mensais [12].
5. Local físico das audiências de conciliação e mediação conduzidas pelos conciliadores e mediadores judiciais
Desde a entrada em vigor da Lei nº 7.244/1984 (Juizados Especiais de
Pequenas Causas), revogada e substituída pela Lei nº 9.099/1995 (Juizados
Especiais Cíveis), as audiências de conciliação a cargo de conciliadores
judiciais eram realizadas em salas da própria sede do Juízo onde tramitava
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83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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o processo. O mesmo acontecia em relação às Varas Cíveis em geral (Varas
de família, de direito bancário, etc.), quando passaram a utilizar‐se de
conciliadores judiciais para conduzir as respectivas audiências de
conciliação.
Em 29.11.2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº
125, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá
outras providências. A referida Resolução passou a prever que os
Tribunais deveriam criar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania, ou simplesmente chamados de Centros, para a realização das
sessões/audiências de conciliação e mediação que estivessem a cargo dos
conciliadores e mediadores judiciais. Em outras palavras, o CNJ objetivava
que as audiências de autocomposição conduzidas por conciliadores
e mediadores judiciais fossem realizadas em um local diferente da própria
sede das Varas ou Juizados Especiais. Dispunha a redação original
do caput do artigo 8º da Resolução nº 125/2010:
“Para atender aos Juízos, Juizados ou
Varas com competência nas áreas cível,
fazendária, previdenciária, de família ou dos
Juizados Especiais Cíveis e Fazendários, os
Tribunais deverão criar os Centros Judiciários
de Solução de Conflitos e Cidadania
(“Centros”), unidades do Poder Judiciário,
preferencialmente, responsáveis pela
realização das sessões e audiências de
conciliação e mediação que estejam a cargo de
conciliadores e mediadores, bem como pelo
atendimento e orientação ao cidadão.” [13]
A existência de espaço físico exclusivo para a realização das
atividades de conciliação e mediação aumenta as chances de êxito da
solução dos conflitos, visto que diminui o aspecto de litigiosidade e
formalidade típicas das audiências realizadas na sede do próprio Juízo,
desarmando psicologicamente as partes e facilitando a resolução
consensual do litígio. [14]
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O Novo CPC, seguindo a diretriz da Resolução nº 125/2010, prevê,
em seu artigo 165, caput, que os Tribunais devem criar Centros Judiciários
de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC´s), responsáveis pela
realização das sessões/audiências de conciliação e mediação. A
composição e a organização dos CEJUSC´s serão definidas pelo respectivo
Tribunal (TJ ou TRF), observadas as normas do Conselho Nacional de
Justiça (Art. 165, § 1º).
Em 08 de março de 2016, o Conselho Nacional de Justiça editou a
Emenda nº 02, visando adequar a Resolução nº 125/2010 ao Novo Código
de Processo Civil.
O caput do artigo 8º da Resolução nº 125/2010, com redação
determinada pela Emenda nº 02/2010, passou a dispor que: “Os tribunais
deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania
(Centros ou Cejuscs), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente,
responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de
conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e
mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão.”
A despeito de as audiências de autocomposição conduzidas pelos
conciliadores e mediadores judiciais deverem ser realizadas nos CEJUSC´s,
não custa lembrar que a realidade prática de muitas Comarcas, Seções ou
Subseções Judiciárias distribuídas neste País de dimensão continental é
bastante precária, situação agravada ainda mais pela crise econômica
pela qual passamos. Nesse sentido, ao tecer comentários ao artigo
165, caput, do Novo CPC, Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, pág.
277) assinala:
Acredito que a curto ou médio prazo essa
possa vir a ser a realidade nas comarcas e
seções judiciárias que são sede de Tribunal, e
até mesmo em foros mais movimentados que
não sejam sede do Tribunal. Contudo,
acreditar que essa será a realidade, e aí mesmo
em longo prazo, para todas as comarcas,
seções e subseções judiciárias do Brasil é
irrazoável e discrepante de nossa realidade. Se
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muitas vezes até mesmo a sede do Juízo é de
uma precariedade indesejável, custa crer que
sejam criados espaços físicos com o propósito
exclusivo de abrigar os centros judiciários de
solução consensual de conflitos.
Atento a essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça, ao elaborar a
nova redação do parágrafo 1º do artigo 8º da Resolução nº 125/2010,
continuou permitindo [15], de forma excepcional, a realização de
audiências de conciliação e mediação judiciais na própria sede do Juízo:
“As sessões de conciliação e mediação pré‐
processuais deverão ser realizadas nos
Centros, podendo, as sessões de conciliação e
mediação judiciais, excepcionalmente, serem
realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou
Varas designadas, desde que o sejam por
conciliadores e mediadores cadastrados pelo
tribunal (inciso VII do art. 7º) e supervisionados
pelo Juiz Coordenador do Centro (art. 9°).”
(Redação dada pela Emenda nº 2, de
08.03.16). – Grifo nosso. [16]
Ainda com relação aos CEJUSC´s, é importante transcrever alguns
dispositivos da Resolução nº 125/2010:
Art. 8º (...)
§ 2º Nos tribunais de Justiça, os Centros
deverão ser instalados nos locais onde existam
2 (dois) Juízos, Juizados ou Varas com
competência para realizar audiência, nos
termos do art. 334 do Novo Código de
Processo Civil. (Redação dada pela Emenda nº
2, de 08.03.16).
§ 3º Os tribunais poderão, enquanto não
instalados os Centros nas Comarcas, Regiões,
Subseções Judiciárias e nos Juízos do interior
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dos estados, implantar o procedimento de
Conciliação e Mediação itinerante, utilizando‐
se de Conciliadores e Mediadores cadastrados.
(Redação dada pela Emenda nº 2, de
08.03.16).
§ 4º Nos Tribunais Regionais Federais e
Tribunais de Justiça, é facultativa a
implantação de Centros onde exista um Juízo,
Juizado, Vara ou Subseção desde que
atendidos por centro regional ou itinerante,
nos termos do parágrafo anterior. (Redação
dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16).
Em conclusão, as audiências de conciliação e mediação pré‐
processuais a cargo de conciliadores e mediadores judiciais deverão ser
realizadas nos CEJUSC´s, e em regra as audiências de conciliação e
mediação judiciais/processuais também serãofeitas nestes locais,
podendo, excepcionalmente, serem realizadas em salas do próprio Juízo
onde tramita o processo – essa exceção engloba os casos em que a
Comarca, Seção ou Subseção Judiciária não possuir CEJUSC´s instalado ou
quando estes forem insuficientes para atender a demanda.
6. O funcionamento dos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos – CEJUSC´s
Os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos [17] são
responsáveis pela realização de audiências de conciliação e mediação pré‐
processuais [18] e judiciais [19]; nas primeiras pressupõe‐se que o conflito
ainda não esteja judicializado, e nas segundas o caso já está judicializado,
tanto que tramita em um Juízo do foro local.
Os CEJUSC´s contarão com um Juiz Coordenador, e, se necessário,
um adjunto, aos quais caberão a sua administração e homologação de
acordos, bem como a supervisão do serviço de conciliadores e
mediadores. Caso o Centro atenda a grande número de Juízos, Juizados,
Varas ou Região, o respectivo juiz coordenador poderá ficar designado
exclusivamente para sua administração. [20]
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Dispõe o parágrafo 8º do artigo 8º da Resolução nº 125/2010:“Para
efeito de estatística de produtividade, as sentenças homologatórias
prolatadas em processos encaminhados de ofício ou por solicitação ao
Centro Judiciário de Conflitos e Cidadania reverterão ao juízo de origem, e
as sentenças decorrentes da atuação pré‐processual ao coordenador do
Centro.” Os acordos decorrentes de audiências de autocomposição pré‐
processuais deverão ser homologados pelo Juiz Coordenador do CEJUSC,
e os que forem decorrentes de audiências de conciliação e mediação
judiciais deverão ser devolvidos ao Juiz do Juízo onde tramita o processo
para este proceda à homologação.
A nosso ver, o Juiz Coordenador do Centro não poderáhomologar
acordos feitos em processos oriundos dos Juízos, pois sua atuação nesses
casos é meramente administrativa –organização da pauta das audiências,
supervisão dos trabalhos dos conciliadores e mediadores, etc. – e, além
disso, ele não é o juiz natural do feito. Um juiz, antes de homologar um
acordo, deve analisar se as cláusulas pactuadas não contrariam o
ordenamento jurídico, e somente o juiz natural do processo tem
competência para dizer se o acordo está ou não em consonância com o
Direito Pátrio.
A redação do Enunciado nº 30 do FONAMEC dava a entender que os
acordos feitos nos processos oriundos dos Juízos poderiam ser
homologados pelo juiz coordenador do CEJUSC [21], porém, o referido
enunciado foi revogado na reunião extraordinária do FONAMEC ocorrida
em 28.04.2016, [22] fato que corrobora o nosso entendimento de que
cabe ao juiz do Juízo onde tramita o feito homologar o acordo celebrado
pelas partes no CEJUSC.
7. Análise do artigo 28, inciso IV, do EOAB c/c o artigo 167, parágrafo 5º, do CPC/2015
O artigo 28, inciso IV, da Lei nº 8.906/1996, veda o exercício da
advocacia aos ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário.
Antes do CPC/2015 inexistia norma permitindo o exercício da
advocacia aos conciliadores judiciais, razão pela qual surgiu dúvida acerca
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da incidência do inciso IV do artigo 28 do EAOAB aos mencionados
profissionais. Porém, conforme já vimos, a Ordem dos Advogados do
Brasil, o Conselho Nacional de Justiça e o Poder Judiciário, quando
analisaram o tema, entenderam que a advocacia não era vedada aos
conciliadores. Tal entendimento é resultado de interpretação que levava
em consideração a permissibilidade expressa do exercício da advocacia
aos Juízes Leigos dos Juizados Especiais (Art. 7º, § Ú, da Lei nº 9.099/1995
e Art. 15, § 2º, da Lei nº 12.153/2009), e a omissão legislativa deste tema
em relação aos conciliadores. Entendia‐se que não seria razoável permitir
o exercício da advocacia aos Juízes Leigos e vedá‐lo aos conciliadores
judiciais, que desempenhavam (e desempenham) atividades mais simples
do que aqueles profissionais.
O artigo 167, parágrafo 5º, do CPC/2015, disciplinou o tema nos
seguintes termos: “Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na
forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia
nos Juízos em que desempenhem suas funções”.
Como se vê, a norma veda parcialmente o exercício da advocacia aos
conciliadores e mediadores judiciais, impedindo‐os de advogar apenas na
unidade judiciária onde desempenhe suas funções. Tal regra tem por
objetivo evitar que a convivência diária do conciliador ou mediador
judicial com o juiz togado e sua respectiva assessoria proporcione‐lhe
algum tipo de privilégio quando estiver exercendo a advocacia, o que
geraria, se isso fosse admitido, desequilíbrio entre a parte patrocinada
pelo advogado que atua como auxiliar da justiça no Juízo, e a outra parte.
Além disso, visa obstar a captação indevida de clientela e a concorrência
desleal na advocacia.
É importante conhecer o local em que as audiências de conciliação e
mediação conduzidas pelos conciliadores e mediadores judiciais devem
ser realizadas, o funcionamento destas unidades judiciárias e o tipo de
vínculo que o conciliador e/ou mediador judicial mantêm com o Poder
Judiciário, para se interpretar adequadamente a regra inserta no artigo
167, parágrafo 5º, do CPC/2015.
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89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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Analisaremos, em primeiro lugar, o local e o funcionamento das
unidades judiciárias onde as audiências de autocomposição judicial são
realizadas.
As referidas audiências devem ser realizadas, em regra, nos Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC´s), local destinado
exclusivamente para a realização das atividades de conciliação e
mediação.
Os CEJUSC´s são responsáveis pela realização de audiências de
conciliação e mediação pré‐processuais – aquelas em que o conflito entre
as partes ainda não está judicializado – eprocessuais ‐ aquelas em que o
conflito está judicializado, e os autos do processo devem ser remetidos do
Juízo onde tramitam ao CEJUSC´s para se tentar uma solução consensual
entre as partes.
De acordo com o parágrafo 1º do artigo 8º, da Resolução nº
125/2010, com redação determinada pela Emenda nº 2/2016, as
audiências de conciliação de mediação pré‐processuais devem ser
realizadas nos CEJUSC´s, podendo, excepcionalmente, as sessões de
conciliação e mediação judiciais serem realizadas nos próprios Juízos,
desde que sejam conduzidas por conciliadores ou mediadores cadastrados
pelo Tribunal e supervisionados pelo Juiz Coordenador do CEJUSC.
Levando em consideração que os CEJUSC´s recebem processos de
várias unidades judiciárias, deve‐se concluir que os
conciliadores/mediadores estão impedidos de exercer a advocacia em
todos os Juízos de onde recebeu os processos em que conduziu sessões
de conciliação/mediação? Para exemplificar, se o mediador que atua
apenas no CEJUSC conduzir sessões de mediação de processos que vieram
das cinco Varas de Família existentes na Comarca, ele estará impedido de
advogar nestes cinco Juízos?
Esse questionamento já foi objeto de debates no Fórum Nacional da
Conciliação e Mediação (FONAMEC) [23] e resultou na elaboração do
Enunciado nº 47. Vejamos:
ENUNCIADO Nº 47 (FONAMEC)
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“Não se aplica aos advogados que atuam
como conciliadores ou mediadores, vinculados
aos CEJUSCs, o impedimento do artigo 167, §
5º, do CPC.” [24]
É esta a justificativa apresentada pelo FONAMEC para fundamentar
o entendimento do referido Enunciado:
“A atividade jurisdicional strictu
sensu volta‐se à solução dos litígios dentro do
processo, pela manifestação da vontade
estatal, apreciando o mérito da ação. Os
CEJUSCs são órgãos de natureza diversa, tendo
por função precípua fomentar e homologar os
acordos a que as partes chegaram, atividade
puramente formal sem caráter de
jurisdição strictu sensu. Nos termos do artigo
7º, inciso IV, da Resolução 125 do Conselho
Nacional de Justiça, a atividade da conciliação
e da mediação é concentrada nos CEJUSCs. Por
isso, estando o conciliador ou mediador
subordinado ao Juiz dos CEJUSCs, não há
qualquer vinculação do conciliador ou
mediador operante nos CEJUSCs ao juízo do
processo, razão porque não se aplica aos
advogados atuantes nas comarcas em que há
CEJUSCs instalados o impedimento do artigo
167, § 5º, do Código de Processo Civil (Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015).”
Entendo que está correto o entendimento do FONAMEC, até mesmo
porque o conciliador/mediador não está atuando no mesmo local físico do
Juízo onde tramitam os autos do processo encaminhado ao CEJUSC. Em
assim sendo, não pode ser impedido de advogar neste Juízo, porque o
artigo 167, parágrafo 5º, do CPC veda o exercício da advocacia apenas no
local onde o auxiliar da justiça “desempenha suas funções”. Ademais,
justamente pelo fato de conduzir as sessões de conciliação/mediação em
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local diferente do Juízo do processo, não tendo contato diário com o Juiz
titular da Vara/Juizado Especial e respectiva assessoria, o
conciliador/mediador judicial, quando no exercício do ofício de Advogado
neste Juízo, nenhuma influencia indevida terá que possa desequilibrar a
parte contrária e colocar em xeque a imparcialidade do órgão julgador.
Questão um pouco mais complicada diz respeito ao exercício da
advocacia pelo conciliador ou mediador judicial no próprio CEJUSC onde
desempenha suas funções.
Conforme já demonstramos, o CPC veda o exercício da advocacia
apenas no juízo onde o conciliador ou mediador exerça suas funções.
Usualmente entende‐se que o termo Juízo é expressão sinônima de Vara
ou Juizado Especial, ou seja, unidade judiciária composta pelo juiz togado
e sua respectiva assessoria [25]. Esta regra indica que o legislador não
usou a melhor técnica legislativa, pois se o artigo 165, caput, diz que os
CEJUSC´s são responsáveis pela realização das audiências de conciliação e
mediação, por qual razão fora empregada a expressão Juízo no artigo 167,
parágrafo 5º, do CPC/2015?
Entendo que tal expressão deve ser interpretada no sentido de “no
local – ou na unidade judiciária” onde o conciliador ou mediador
desempenha suas funções. O objetivo claro da regra estampada no § 5º
do art. 167 do CPC é evitar que a convivência diária do auxiliar da justiça
com o Juiz e sua equipe traga‐lhe algum tipo de privilégio quando estiver
exercendo a advocacia. Em outras palavras, a norma visa obstar o tráfico
de influência e a captação indevida de clientela no local onde o advogado
atue como conciliador ou mediador judicial, pouco importando que seja
na Vara Cível, no Juizado Especial ou no CEJUSC.
Vale registrar ainda que as sessões de conciliação e mediação
judiciais podem ser realizadas, excepcionalmente, na própria sede da Vara
ou Juizado Especial (§ 1º do art. 8º da Resolução nº 125/2010, com
redação dada pela Emenda nº 2/2016). Neste caso não haverá nenhuma
dúvida quanto aos limites do exercício da advocacia pelo
conciliador/mediador judicial, visto que a redação do § 5º do art. 167 do
CPC é muito clara neste sentido.
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Feita a análise do local onde as sessões de conciliação e mediação
devem ocorrer, passaremos a estudar o vínculo que os conciliadores e
mediadores manterão com o Poder Judiciário, e a interpretação adequada
que se deve dar ao art. 167, § 5º, do CPC.
De acordo com o Novo CPC, poderá haver conciliadores e
mediadores detentores de cargo público, voluntários e os remunerados
conforme tabela fixada pelo Tribunal.
O artigo 167, parágrafo 5º, do CPC, dispõe que os conciliadores e
mediadores inscritos em cadastros de tribunal de justiça ou de tribunal
regional federal (cadastrados na forma do caput do artigo 167) estarão
impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas
funções.
Da análise desta norma é possível concluir que não serão todos os
conciliadores e mediadores judiciais que poderão exercer a advocacia. Se
o legislador quisesse permitir o exercício da advocacia a todos os
profissionais da conciliação e mediação, teria dito apenas que “os
conciliadores e mediadores judiciais, se advogados, estarão impedidos de
exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções.”
A nosso ver, o objetivo do legislador foi vedar totalmente o exercício
da advocacia aos conciliadores e mediadores judiciais referidos no art.
167, § 6º, do NCPC, pois aqueles do artigo 167,caput, a que o parágrafo 5º
do próprio artigo 167 faz menção, não exercem cargo público.
Para atuar como conciliador ou mediador judicial nos termos do
artigo 167, caput, do CPC/2015, o conciliador ou mediador deverá
requerer sua inscrição em Cadastro do TJ ou TRF, apresentando seu
certificado de conclusão de curso de capacitação mínima em conciliação
ou mediação, por meio de entidade credenciada. A inscrição poderá ser
precedida de processo seletivo [26]. Após o registro no Cadastro, o
Tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção
judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários
para que seu nome passe a constar da respectiva lista de distribuição dos
processos e casos que serão submetidos à conciliação e mediação, que
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deverá ser alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade
dentro da mesma área de atuação profissional (Art. 167, § 2º).
De outro lado, para atuar como conciliador ou mediador judicial nos
termos do artigo 167, parágrafo 6º, do Novo CPC, o candidato deve se
submeter a concurso público de provas e títulos.
Conforme se nota, há diferença entre os vínculos que os
conciliadores e mediadores judiciais manterão com o Poder Judiciário. Os
profissionais a que o artigo 167, caput, do CPC faz menção podem conduzir
as audiências após a inscrição no Cadastro do Tribunal, provando apenas
que cumpriu o requisito de capacitação mínima. Já os conciliadores e
mediadores judiciais do artigo 167, parágrafo 6º, do Novo CPC, ainda que
tenham certificado de capacitação mínima em conciliação e mediação, só
serão detentores de cargo público se forem aprovados em concurso
público de provas e títulos. A forma de remuneração de ambos também é
diferente, pois enquanto os primeiros percebem seus rendimentos
conforme tabela fixada pelo Tribunal, tal forma de pagamento é vedada
aos detentores de cargo público (Art. 169,caput).
Assim, parece‐nos que o legislador, ao dispor que é permitido o
exercício da advocacia, exceto no próprio Juízo onde atuam,
aos“conciliadores e mediadores cadastrados na forma do caput do artigo
167”, tem por objetivo vedar totalmente o exercício da advocacia aos
conciliadores e mediadores judiciais detentores de cargo público. Tal
conclusão é confirmada pela localização topográfica dos
conciliadores/mediadores judiciais no CPC: ) os remunerados conforme
tabela do Tribunal estão disciplinados no artigo 167, caput; ) os
detentores de cargo público no artigo 167, parágrafo 6º; e ) os
voluntários no artigo 169, parágrafo 1º.
Com relação aos conciliadores e mediadores voluntários, embora
estejam previstos no artigo 169, parágrafo 1º, do CPC, desde que não
exerçam outro cargo público no Judiciário, poderão exercer a advocacia,
observando os limites do art. 167, § 5º, do CPC/2015, pois eles também
devem comprovar capacitação mínima em conciliação e mediação e
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inscrevem‐se no Cadastro do Tribunal, com a única diferença de que não
receberão remuneração pela prestação dos seus serviços.
Assim, aos conciliadores e mediadores voluntários e aos que
percebem remuneração conforme tabela do Tribunal, haverávedação
parcial ao exercício da advocacia, estando o profissional impedido de
exercê‐la apenas no local onde esteja exercendo as atividades de
conciliação e mediação. Aos detentores de cargo público de conciliador ou
mediador judicial não se aplicará a regra do art. 167, § 5º, do CPC, sendo‐
lhes, portanto, totalmente vedado o exercício da advocacia, em razão da
incidência do inciso IV do art. 28 do EOAB.
Por fim, é preciso salientar que o estudo das vedações ao exercício
da advocacia é importante, pois é nulo o ato praticado poradvogado
impedido ou que passe a exercer atividade incompatível com a advocacia.
[27].
8. Conclusão
A adequada interpretação do artigo 167, parágrafo 5º, do CPC/2015,
exige que o intérprete conheça o local em que as audiências de
autocomposição são realizadas e o vínculo que os conciliadores e
mediadores judiciais mantêm com o Poder Judiciário (TJ ou TRF). De
acordo com o Novo CPC e a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional
de Justiça, atualizada pela Emenda nº 2/2016, as audiências de conciliação
e mediação tanto pré‐processuais quanto judiciais devem ser realizadas
nos CEJUSC´s. A mencionada Resolução permite que, excepcionalmente,
as sessões de conciliação e mediação judiciais sejam realizadas nos Juízos,
desde que conduzidas por conciliadores e mediadores judiciais. O art. 167,
§ 5º, do CPC, diz que os conciliadores e mediadores judiciais inscritos em
cadastros do TJ ou TRF estão impedidos de exercer a advocacia nos Juízos
em que desempenhe suas funções. Tendo em vista que as audiências de
conciliação e mediação devem ocorrer no CEJUSC, e excepcionalmente
podem ser realizadas na sede dos próprios Juízos, o referido dispositivo
do CPC deve ser interpretado no sentido de que o profissional da
conciliação e da mediação não pode advogar apenas no local onde realiza
as audiências, pouco importando que seja na Vara Cível, no Juizado
Especial ou no CEJUSC. Assim, a regra proibitiva do § 5º do art. 167 do CPC
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não alcança os Juízos que encaminham os processos ao CEJUSC, se o
conciliador ou mediador judicial estiver atuando apenas no Centro. Os
conciliadores e mediadores judiciais podem manter três tipos de vínculos
com o TJ/TRF: 1) credenciamento em Cadastro do Tribunal, sendo
remunerados conforme tabela fixada pela própria Corte local; 2) exercício
voluntário da atividade de conciliação e mediação judicial; e 3) cargo
público efetivo de conciliador e mediador judicial, opção outorgada pelo
Novo CPC, e que, segundo a Resolução 125/2010‐CNJ, deve ser adotada
apenas se os conciliadores inscritos no Cadastro do Tribunal forem
insuficientes para atender a demanda. Conforme já ressaltamos, o art.
167, § 5º, do NCPC, veda o exercício da advocacia aos
conciliadores/mediadores credenciados nos Cadastros do Tribunal (nos
termos do art. 167, caput) apenas no local onde desempenhe suas
funções. Tal regra pode ser aplicada também aos conciliadores e
mediadores voluntários, se não exercerem outro cargo ou função que seja
incompatível com a advocacia. Pela localização topográfica dos
conciliadores e mediadores detentores de cargo público no Novo CPC (Art.
167, § 6º), tais profissionais não são alcançados pela regra do artigo 167,
parágrafo 5º, do CPC, razão pela qual terá incidência a vedação do artigo
28, inciso IV, do EOAB.
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97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), estabelece a tabela de honorários do
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3o_de_audi%C3%AAncias_de_concilia%C3%A7%C3%A3o_e_media%C3%
A7%C3%A3o_nos_termos_do_novo_CPC_(Lei_n_13105‐
2015)_estabelece_tabela_de_honor%C3%A1rios.pdf Acesso em
18.09.2016.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTIS.Resolução nº , de
de abril de . Disciplina as atividades dos Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), cria o Cadastro de
Conciliadores do Poder Judiciário do Estado do Tocantins e adota outras
providências. Disponível
em:http://wwa.tjto.jus.br/elegis/Home/Imprimir/1090 Acesso em
18.09.2016.
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] PIOVEZAN, Giovani Cássio; FREITAS, Gustavo Tuller Oliveira
(Organizadores). Estatuto da Advocacia e da OAB Comentado. Curitiba:
OABPR, 2015, pág. 214.
[2] No nosso artigo “Juiz leigo e conciliador podem exercer a advocacia?”, publicado no portal Conteúdo Jurídico, em 04.11.2015, http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.54648 fizemos a transcrição dos entendimentos do Conselho Nacional de Justiça, do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e de alguns Tribunais Regionais Federais a respeito deste tema.
[3] Disponível em: http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/155789/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-75024-rn-20008400005627-5 acesso em 10.09.2016.
5
99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
Boletim Conteúdo Jurídico n. 719 de 11/10/2016 (ano VIII) ISSN
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[4] Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=765880&num_registro=200101554420&data=20030623&tipo=5&formato=PDFacesso em 10.09.2016.
[5] Quando citarmos algum artigo sem mencionar o número da lei, estaremos tratando especificamente do CPC/2015.
[6] Nesse sentido: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código
de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, pág. 276.
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. op. cit. pág. 278.
[8] A Lei nº 13.140/2015, também conhecida como Lei da Mediação,
dispõe em seu artigo 1º, parágrafo único: “Considera‐se mediação a
atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou
desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. op. cit. pág. 278.
[10] De acordo com o inciso V do caput do artigo 37 da Constituição
Federal, os cargos em comissão destinam‐se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento.
[11] É esta a redação do § 4º do artigo 7º da Resolução nº
125/2010: “Os tribunais poderão, nos termos do art. 167, § 6º, do Novo
Código de Processo Civil, excepcionalmente e desde que inexistente quadro
suficiente de conciliadores e mediadores judiciais atuando como auxiliares
da justiça, optar por formar quadro de conciliadores e mediadores
admitidos mediante concurso público de provas e títulos.”
[12] Dispõe a Resolução nº 75/2009‐CNJ: “Art. 59: Considera‐se
atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea "i": (...)IV ‐ o
exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados
especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas
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judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um)
ano;(...).”
[13] Clique aqui para acessar a redação original da Resolução nº
125/2010http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/Reso
lucao_n_125‐GP.pdf Acesso em 15.09.2016.
[14] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. op. cit. pág. 277.
[15] A redação original do parágrafo 1º do artigo 8º da Resolução nº
125/2010 já permitia que, excepcionalmente, as audiências de
autocomposição judicial fossem realizadas na sede do Juízo. Era esta a
redação do mencionado dispositivo normativo:“Todas as sessões de
conciliação e mediação pré‐processuais deverão ser realizadas nos
Centros, podendo, excepcionalmente, as sessões de conciliação e
mediação processuais ser realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas
designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores
cadastrados junto ao Tribunal (inciso VI do ar. 7º) e supervisionados pelo
Juiz Coordenador do Centro (Art. 9º).”
[16] Em pesquisa na Rede Mundial de Computadores, constatei que
alguns Tribunais editaram atos normativos permitindo que as audiências
de conciliação e mediação fossem realizadas em salas dos próprios Juízos.
No Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, por exemplo, as
audiências de conciliação processuais são realizadas, em regra, nas Varas
e nos Juizados Especiais, e as audiências de mediação processuais e as de
conciliação e mediação pré‐processuais são realizadas nos CEJUSC´s.
Vejamos o que dispõe o caput do artigo 4º do Provimento nº 09/2016‐
CM: “Até que sejam devidamente aparelhados com a estrutura física e de
pessoal necessária, a Central de Conciliação e Mediação da Capital e os
Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania das demais
comarcas do Estado de Mato Grosso realizarão apenas as
audiências processuais de mediação de que trata o artigo 334 do novo
CPC, conforme sua disponibilidade de pauta.” O parágrafo único do
referido Provimento, por sua vez, dispõe: “As audiências de conciliação e
mediação pré‐processuais serão realizadas exclusivamente pela Central de
Conciliação e Mediação da Capital e pelos Centros Judiciários de Solução
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de Conflitos e Cidadania (artigo 8º, §1º, da Resolução nº 125/2010‐
CNJ).” Vale transcrever ainda o artigo 1º, parágrafo 3º, do Provimento nº
09/2016‐CM, do TJMT: “Mesmo quando realizadas por conciliadores, as
audiências poderão ocorrer nas salas de audiência das próprias varas
judiciais, salvo se houver outro espaço adequado e disponível no fórum, na
Central de Conciliação e Mediação ou no CEJUSC.” O Tribunal de Justiça do
Estado de Tocantins, do mesmo modo, editou norma permitindo a
realização de audiências de conciliação processuais no próprio Juízo onde
tramita o processo. Dispõe o artigo 15, parágrafo 2º, da Resolução nº 5,
de 28 de abril de 2016‐TJTO: “As sessões ou audiências de conciliação
processuais poderão ser realizadas nos CEJUSC´s ou nos próprios juizados
ou varas de origem, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores
cadastrados pelo NUPEMEC.” Vale mencionar ainda o artigo 54 da
Resolução nº 5/2015/TJTO: “Os CEJUSC’s serão instalados de forma
gradual, obedecendo à disponibilidade financeira e orçamentária do
Tribunal de Justiça”. Tanto a Resolução nº 5/2015/TJTO quanto o
Provimento nº 09/2016‐CM/TJMT demonstram que os Tribunais não
estão preparados para criar espaços adequados para instalar os CEJUSC´s
–provavelmente porque não possuem recursos financeiros para tal,
situação agravada pela crise financeira pela qual o País atravessa – razão
pela qual muitos conciliadores e mediadores judiciais ainda continuarão
conduzindo as audiências de autocomposição no espaço físico do próprio
Juízo.
[17] Este é o nome usado pelo artigo 165, caput, do CPC/2015. Porém,
a Resolução nº 125/2010 denomina tais locais de Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania, também chamados de Centros ou
CEJUSC´s (Art. 8º, caput, com redação dada pela Emenda nº 2/2016). No
âmbito do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, os Centros são
denominados de CEJUSC´s nos municípios do interior, e em Cuiabá é
denominado de Central de Conciliação e Mediação da Capital (Provimento
nº 09/2016‐CM).
[18] Dispõe o Enunciado n. 06 do FONAMEC: “Sempre que possível,
deverá ser buscado o tratamento pré‐processual do conflito, evitando‐se
a judicialização.” (Enunciado aprovado na
reunião ordinária de 10/04/2015, com redação atualizada na reunião
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extraordinária de
28/04/2016).
[19] Estas são denominadas também de audiências de conciliação e
mediação processuais.
[20] Art. 9º, caput e § 1º, da Resolução nº 125/2010.
[21] Era esta a redação do Enunciado nº 30 do FONAMEC:“Os acordos
homologados nos CEJUSC no Setor Processual valerão como títulos
executivos judiciais e deverão ser executados nos juízos do feito em que
foram constituídos, se for o caso.”
[22] Os presentes na mencionada reunião apresentaram a seguinte
justificativa para revogar o Enunciado nº 30: “Enunciado revogado, porque
os acordos realizados nos casos processuais não são homologados no
CEJUSC, mas diretamente no juízo de origem, conforme art. 8º, § 8º, da
Resolução nº 125/2010, com redação dada pela Emenda nº 2. E, nesse
caso, a execução seguirá a regra geral dos títulos executivos judiciais (art.
516 do CPC)”.
[23] O Fórum Nacional da Mediação e da Conciliação (FONAMEC) foi
criado em 12 de dezembro de 2014 no Encontro Nacional de Núcleos de
Conciliação promovido pelo CNJ, e tem como finalidade a implementação
da Mediação e da Conciliação nos estados e Distrito Federal buscando
fomentar a cultura da paz, com a apresentação e discussão de propostas
para (1) criação e alteração de leis, regulamentos e procedimentos; (2)
desenvolvimento de sistemas de informação, portais e canais de
comunicação; (3) congregação de magistrados e servidores que atuem
com mediação e conciliação aperfeiçoando e uniformizando os métodos
consensuais de resolução de conflitos por meio de intercâmbio de
experiências; e (4) melhorar a articulação e integração com o Conselho
Nacional de Justiça, órgãos de Governo e demais entidades de apoio e
representação que atuem diretamente no segmento. Com a edição da
Emenda nº 2, de 08/03/2016, à Resolução nº 125/CNJ, o FONAMEC
ganhou força e representatividade, especialmente considerando que,
após aprovação pela Comissão Permanente de Acesso à Justiça e
Cidadania ad referendum do Plenário do CNJ, seus enunciados passarão a
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integrar a Resolução nº 125/CNJ, para fins de vinculatividade, no que diz
respeito à Justiça Estadual (art. 12‐A, § 3º). Informação extraída do
link http://fonamec.tjmt.jus.br/ Acesso em 26.09.2016.
[24] Enunciado aprovado na reunião ordinária de 22/04/2015, com
redação atualizada na
reunião extraordinária de 28/04/2016.
[25] Segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2016, pág. 114): “(...) o
foro indica a base territorial sobre a qual determinado órgão judiciário
exerce a sua competência. (...) Em primeira instância, perante a Justiça
Estadual, foro é a designação utilizada como sinônimo de comarca. Com
foro não se confundem os juízos, unidades judiciárias, integradas pelo juiz
e seus auxiliares. Na justiça comum estadual, o conceito de juízo coincide
com o das varas. Uma comarca pode ter numerosas varas, isto é, diversos
juízos.” – Grifo nosso.
[26] Embora o parágrafo 2º do artigo 167 do CPC diga que a inscrição
no Cadastro do Tribunal pode ser precedida de concurso público, tal
expressão deve ser entendida como processo seletivo, a exemplo das
seleções para contratação de estagiários em geral do Poder Judiciário. No
item 4.1 deste artigo comentamos sobre o tema.
[27] Dispõe o artigo 4º da Lei nº 8.906/1994 ‐ Caput: “São nulos os
atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB,
sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.” Parágrafo
único: “São também nulos os atos praticados por advogado impedido ‐ no
âmbito do impedimento ‐ suspenso, licenciado ou que passar a exercer
atividade incompatível com a advocacia”.
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DA DESAPROPRIAÇÃO URBANÍSTICA SANCIONATÓRIA: PRIMEIRAS PINCELADAS À HIPÓTESE DO ARTIGO 182, §4º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Em consonância com as ponderações aventadas até o momento,
quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no
inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que
a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do
mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que
será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar
o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção,
o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar
conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em
comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a
intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das
faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a
propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva,
que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o
Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com
efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra‐se
alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja,
aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a
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desapropriação configura procedimento de direito público por meio do
qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por
razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante
pagamento de verba indenizatória.
Palavras‐chaves: Intervenção do Estado. Desapropriação Urbanística
Sancionatória. Hipótese Constitucional.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da
Ciência Jurídica; 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço
Histórico; 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no
Ordenamento Brasileiro; 4 Da Desapropriação Urbanística Sancionatória:
Primeiras Pinceladas à hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da
Constituição Federal de 1988.
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema
colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto
um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim
como as robustas ramificações que a integram, reclama uma
interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os
aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou‐se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não
mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques,
alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a
contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere‐se que não mais
prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das
leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em
uma nova sistemática.
Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi
jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1].
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Destarte, com clareza solar, denota‐se que há uma interação consolidada
na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no
constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e
arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por
sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma
vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore
priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário
caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá‐la como maciço
axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos
complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto
proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é
contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,
o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que
apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e
orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode‐se evidenciar que a
concepção pós‐positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via
de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e
profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de
Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução
acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte,
a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere‐
se que o ponto central da corrente pós‐positivista cinge‐se à valoração da
robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço
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normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.
Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico
Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do
Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário
contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem
suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e
da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito
mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações
coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como
obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso
evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa
preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feireassegurava ampla
liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas,
concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada
vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos
oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais.
Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao
Estado de Bem‐estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para
suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das
consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica.
“O bem‐estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso
sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5],
compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos
coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades
consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que
constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de
indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar
de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu
espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade
vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de
individualidades.
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Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o
Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ,
firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e
incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos
fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar‐se de sua inércia em não
regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito
constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a
novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a
se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse
bem‐estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e
nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência
constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência
administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes
estatais.
Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta
aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia
com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse
diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste
jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente
entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os
reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao
interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses
individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da
supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo
verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade.
“O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como
modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante
do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim
de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre
os demais”[8].
Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no
Ordenamento Brasileiro
Em consonância com as ponderações aventadas até o
momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra
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salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo
exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do
inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é
possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda
vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social,
logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função
primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público.
Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento
pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção
restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades
concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em
favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia
a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando,
conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer
que o instituto da desapropriação encontra‐se alcançado pela intervenção
mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a
perda da propriedade.
Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação
configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder
Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade
pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba
indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito
público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do
Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e
judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas
de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a
supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre
evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do
bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse
objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores
substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como
regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações,
só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório.
Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da
desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre,
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também judicial. Ora, considera‐se procedimento como um conjunto de
atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com
sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido
procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do
Poder Público, mas também do particular proprietário. Convém, ainda,
mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas
fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu
interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à
transferência do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu
esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação,
porém, destaque‐se, é considerada rara. O normal é prolongar‐se pela
outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo
Estado em face do proprietário.
No que concernem aos pressupostos, considera‐se que a
desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade
pública, compreendendo‐se em tal requisito a necessidade pública, e o
interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta
materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente
para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de
situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem.
Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o
correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade
pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se
pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por
sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da
propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem
preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as
desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na
reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que
ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos
indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a
identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos
na legislação pertinente.
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Da Desapropriação Urbanística Sancionatória: Primeiras
Pinceladas à hipótese do artigo , § º, inciso III, da Constituição
Federal de
Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida
mencionar que o inciso III do §4º do artigo 182 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 foi responsável por instituir a
desapropriação de área urbana não edificada, subutilizada ou não
utilizada, incluída no plano diretor, consoante vier a ser prevista em
legislação federal, cujo proprietário não promoveu o seu adequado
aproveitamento, nos termos preconizados em legislação municipal ou
distrital, caso não tenham sido eficazes as sanções contidas nos incisos I e
II do parágrafo supra[13]. Tal instituto recebeu, pela doutrina, a
denominação de “desapropriação urbanística sancionatória”. Conforme
elucida Diógenes Gasparini[14], o dispositivo constitucional em comento
recebeu regulamentação por meio da Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências,
notadamente a partir de seu artigo 8º[15]. “Essa espécie de
desapropriação é utilizável após o decurso de cinco anos de cobrança do
IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”[16], consoante
aduz Gasparini.
Convém explicitar que o Município não é o único ente
federativo que poderá utilizar de tal espécie de desapropriação, como se
depreende, inclusive, de uma interpretação conjugada do artigo 182, §§1º
e 2º, combinado com o artigo 32, §1º, ambos do Texto Constitucional[17],
porquanto o último dispositivo atribui, com clareza ofuscante, ao Distrito
Federal as competências que são próprias dos Estados‐membros e dos
Municípios. Assim, cuida realçar, conforme entendimento
doutrinário[18] abalizado, que a modalidade de desapropriação
urbanística sancionatória não estará restrita apenas aos Municípios, mas
também, em decorrência de expressa alusão do Texto Constitucional de
1988, ao Distrito Federal. Em complemento ao expendido, cuida pontuar
que o artigo 51 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[19], que
regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
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diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, assegura a
expressa incidência da legislação em comento ao Distrito Federal,
ampliando, via de consequência, a possibilidade da utilização de seu
sucedâneo de institutos por tal ente federativo.
Carvalho Filho[20], em magistério acurado, vai apontar que a
natureza jurídica da desapropriação em comento não pode afastar‐se dos
parâmetros com os quais encontra conexão, a saber: a política urbana.
Desta feita, é possível assinalar que a natureza jurídica da desapropriação
urbanística sancionatória configura, pois, instrumento de política urbana,
revestida de aspecto punitivo, executado por meio da transferência
coercitiva do imóvel para o patrimônio municipal. Ademais, o pressuposto
da modalidade expropriatória em análise repousa no descumprimento,
pelo proprietário, da obrigação urbanística de aproveitamento do imóvel
em harmonia com o que foi entalhado no plano diretor. Ora, a
determinação urbanística consiste na adequação do solo urbano às
diretrizes estabelecidas no plano diretor. Assim, não sendo cumprida, o
Município deverá adotar as providências punitivas em caráter sucessivo,
sendo que, repise‐se, só é possível a aplicação da sanção subsequente se
a anterior for ineficaz. Nesta linha de dicção, as sanções possuem a
seguinte ordem de aplicabilidade: 1º) ordem de edificação ou
parcelamento compulsórios; 2º) imposição de IPTU progressivo no tempo;
3º) desapropriação urbanística sancionatória. Há que se reconhecer que
essa sanção é revestida de maior gravidade, vez que implica na perda da
propriedade do imóvel.
Em complemento, a finalidade, no que toca à espécie de
desapropriação, tem por fito o regime de adequação entre os imóveis e as
diretrizes afixadas no plano diretor. Sendo o instrumento básico da
política urbana, o plano diretor reclama que o solo urbano seja com ele
compatível, porquanto, apenas assim, estará atendendo a função social
aludida nos §§1º e 2º do artigo 182 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988[21]. Carvalho Filho[22], ainda, vai aduzir que
o efeito originário produzido pela desapropriação em comento consiste
na transferência da propriedade para o Município. Entretanto,
substancializa efeito derivado (ou sucessivo) a obrigação de o Município
proceder ao aproveitamento do imóvel no lapso temporal de cinco anos a
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partir do ingresso do bem no acervo municipal, em consonância com o
aludido no §4º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[23],
que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, o
descumprimento de semelhante obrigação tem o condão de caracterizar
omissão do Prefeito e dos agentes como conduta de improbidade
administrativa, estando, pois, os autores sujeitos às penalidades.
No que alude ao aproveitamento do imóvel, insta mencionar
que este pode se dá diretamente pelo governo municipal, conforme
preconiza a primeira parte do §5º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de
julho de 2001[24] (Estatuto das Cidades). A segunda parte do dispositivo
supramencionado estabelece que o Município poderá alienar ou conceder
a terceiros o imóvel expropriados, desde que, em tal situação, sejam
observadas as regras do procedimento licitatório. Na hipótese de haver
alienação, restam mantidas para o adquirente as mesmas obrigações
urbanísticas de parcelamento ou de edificação compulsórios
anteriormente estabelecidas ao ex‐proprietário, nos termos em que
dicciona o §6º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001[25] (Estatuto das Cidades).
No que se relaciona ao procedimento para efetivar a
transferência do imóvel, incidirá, in casu, as disposições oriundas do
Decreto‐Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941, que dispõe sobre
desapropriações por utilidade pública, porém incide, no que couber e
houver compatibilização, visto ser imprescindível às peculiaridades da
desapropriação sancionatória. Conseguintemente, ao Município e ao
Distrito Federal, em decorrência da intelecção da disposição específica,
cabe propor a devida ação de desapropriação. Carvalho Filho[26] vai
enunciar que é dispensável o decreto expropriatório, pois o objetivo de tal
ato é o de indicar o escopo da Administração e comunica‐lo ao
proprietário. Há que se reconhecer, neste sentido, que, na desapropriação
urbanística sancionatória, o proprietário há muito tomou ciência de que o
descumprimento poderia culminar na desapropriação. Doutro viés, a
finalidade do Poder Público permanece a mesma, a saber: a necessidade
de adequação do imóvel ao plano diretor para observância às disposições
da política urbana.
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No que toca à indenização a ser paga, cuida observar que o
adimplemento se dará por meio de títulos da dívida pública, previamente
aprovados pelo Senado Federal, com resgate no prazo de até dez anos, em
prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurando‐se o valor real da
indenização e os juros legais de seis por cento ao ano, conforme previsão
do §1º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[27] (Estatuto
das Cidades). A legislação, contudo, indicou o sentido de valor real,
estabelecendo: 1º) que esse valor refletirá o que serve de base de cálculo
do IPTU, descontando‐se, com efeito, o montante incorporado em função
de obras executadas pelo Poder Público; 2º) que no quantumindenizatório
não poderão ser computados expectativas de ganho, lucros cessantes e
juros compensatórios, atendendo‐se, assim, os ditames burilados nos
incisos I e II do §2º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001[28] (Estatuto das Cidades). Carvalho Filho[29], porém, vai apresentar
entendimento que se afasta de tal percepção, ponderando que o conceito
de indenização justa não se apresenta com determinação tal que dela
possa se extrair valor pré‐fixado. Afora isso, a referência, preconizada no
inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional, substancializa regra para
as desapropriações, sendo, contudo, plenamente admissível que haja
exceções na própria Constituição. Em complemento, ainda como
argumento contrário, é preciso realçar que a modalidade de
desapropriação em comento apresenta natureza punitiva e só foi
acionada em virtude da resistência do proprietário em atender às
obrigações urbanísticas de adequação ao plano diretor. Logo, tal situação
não pode merecer o mesmo tratamento que o dispensado para a
desapropriação ordinária.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: < www.planalto.org.br >. Acesso em 11 jul. 2016.
___________. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941.Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
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115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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___________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em jul. .
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Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.38 ed. São
Paulo: Editora Malheiros, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito
Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 11 jul. 2016
NOTAS:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
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caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
[3] VERDAN, 2009, s.p.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 711.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 661.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito administrativo. Servidor público. Adicional noturno. Regime de plantão semanal. Necessário reexame da legislação infraconstitucional. Análise do contexto fático-probatório. Impossibilidade. Incidência da súmula 279 do STF. Agravo regimental desprovido. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 29 mai. 2012. Publicado em 19 jun. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
[7] MEIRELLES, 2012, p. 662.
[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso em Mandado de Segurança N° 27.428/GO. Administrativo. Servidor público. Determinação de abertura de conta corrente em instituição financeira pré-determinada. Recebimento de proventos. Possibilidade. Recurso ordinário improvido. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relator: Ministro Jorge Mussi. Julgado em 03 mar. 2011. Publicado em 14 mar. 2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jul. 2016.
[9] Idem. Constituição da República Federativa do Brasil.Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <
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117 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56904
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www.planalto.org.br >. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXII - é garantido o direito de propriedade.
[10] Ibid. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.
[11] CARVALHO FILHO, 2011.
[12] CARVALHO FILHO, 2011.
[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [omissis] § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
[14] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
[15] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
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[16] GASPARINI, 2012, p. 938-939.
[17] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.
[18] GASPARINI, 2012.
[19] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a Município e a Prefeito.
[20] CARVALHO FILHO, 2011.
[21] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
[22] CARVALHO FILHO, 2011.
[23] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. Art. 8o Decorridos
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cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. [omissis] § 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.
[24] Ibid. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. [omissis] § 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público [omissis}
[25] Ibid. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. [omissis] § 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei.
[26] CARVALHO FILHO, 2011.
[27] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. § 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.
[28] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.org.br>. Acesso em 11 jul. 2016. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha
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cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. [omissis] § 2o O valor real da indenização: I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei; II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
[29] CARVALHO FILHO, 2011.