boletim conteÚdo boletim jurÍdico n. 592 · alvim, j.e. (josé eduardo carreira). código de...

163
0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 592 (ano VIII) (20/04/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

Upload: lyhanh

Post on 18-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

0  

 

   

BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 592

(ano VIII)

(20/04/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–-

 

Page 2: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

  diária 

Circ

ulaç

ão: A

cess

o ab

erto

e g

ratu

ito 

 

Page 3: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

2  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

20/04/2016 Gisele Leite 

» Considerações sobre a Lei 13.256/2016 sobre o CPC/2015

ARTIGOS  

20/04/2016 Matheus Alves do Nascimento » Amicus curiae e a abertura do Poder Judiciário à democratização na uniformização e na revisão da 

jurisprudência: uma proposta à luz do novo Código de Processo Civil 

20/04/2016 Daniele de Lucena Zanforlin 

» Imputação da prática de abuso sexual como forma de alienação parental: dificuldades probatórias

20/04/2016 Suellen Santos Rodrigues de Aguiar 

» Dissídios Coletivos de natureza econômica e a Emenda Constitucional nº 45 

20/04/2016 Adamir de Amorim Fiel 

» Algumas reflexões sobre a adoção da arbitragem no âmbito da Administração Pública 

20/04/2016 Lisandro Suassuna de Oliveira 

» Controle repressivo de constitucionalidade 

20/04/2016 Roberto Rodrigues de Morais 

» Despesa com educação com valor defasado vai contra a pátria educadora 

20/04/2016 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» Principal novidade oriunda da Lei n. 11.232/05: o ecletismo processual nas ações para pagamento 

de importância em pecúnia 

20/04/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» A Declaração de Xi'an (2005): Sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do 

patrimônio cultural 

Page 4: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 13.256/2016 SOBRE O CPC/2015

GISELE  LEITE:  Professora  universitária,  pedagoga, 

bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, 

mestre em  Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. 

Pesquisadora‐Chefe  do  Instituto  Nacional  de 

Pesquisas Jurídicas.

Imagine um feto em gestação... e antes mesmo de nascer, providenciam-lhe uma cirurgia estética. Além de ser algo censurável e, é totalmente desnecessário. É assim que enxergo a Lei 13.256 /2016 que providenciou modificações em treze artigos do texto original da Lei 13.105/2015, o novo CPC.

Logo a mutilação começa no artigo 12, posto que não mais haverá a obrigatoriedade de julgamentos em ordem cronológica. Tratou o advérbio inserido "preferencialmente", de transformar a obrigação[1] em faculdade do juiz.

Também a nova lei veio a limitar o saque de valores pagos a título de multa, pela parte contrária, ao trânsito em julgado da ação. Pelo Código Buzaid era permitido o saque também durante a pendência de alguns tipos de agravo[2], apesar de haver o temor, que em caso de reversão da decisão, fosse impossível recuperar os valores já sacados.

Assim no art. 537, §3º do CPC/2015[3] restou previsto que a decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório devendo ser depositada em juízo, permitindo o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

Page 5: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

4  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Na ação rescisória em sua regulamentação foram acrescidos os parágrafos quinto e sexto ao artigo 966 do CPC/2015. Então, será cabível a ação rescisória no caso de violação manifesta de norma jurídica, contra a decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão, proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório adotado que lhe deu fundamento.

Tal modificação amplia a possibilidade dedistinguish e também do debate das peculiaridades do caso concreto em face do padrão decisório adotado.

A reclamação também fora modificada, os incisos III e IV do artigo 988 do CPC/2015 que previa ser inadmissível a reclamação após o trânsito em julgado da decisão, de acordo com o § 5º do art. 988.

Doravante há duas hipóteses, a saber: 1. Passa ser inadmissível se proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; 2. Se interposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

A mudança exprime um novo parâmetro temporal para o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou a recurso especial, tendo como termo inicial a publicação da decisão de admissão do recurso, o que dá maior coerência à análise dos requisitos para a concessão do referido efeito apenas àqueles recursos que terão prosseguimento.

Conclui-se assim que resta inadmissível a reclamação[4] proposta para garantir a observância de acórdão do recurso extraordinário com repercussão reconhecida ou ainda de

Page 6: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. Vai justamente na contramão do merecido prestígio devotado pelo CPC de 2015 à jurisprudência brasileira e a facilitação do acesso à justiça.

Um golpe bem agressivo fora desferido contra o juízo de admissibilidade. Pois entre as mudanças a Lei 13.256 restabelece o duplo juízo de admissibilidade[5]dos recursos especiais, dirigidos ao STH e dos recursos extraordinários, ao STF. De sorte, que fica permitido que o TJs ou tribunais regionais federais analisem a admissibilidade de recursos extraordinários e especiais, antes de encaminhá-los para o STF e STJ, restaurando o que já existia no falecido CPC/1973.

É evidente que tal alteração se deu pela forte pressão de ministros de tribunais superiores, e o art. 1.030 do CPC/2015 eliminava a dupla análise, deixando para os tribunais superiores o chamado juízo de admissibilidade de recursos especiais e extraordinários.

Houve verdadeira peregrinação nos gabinetes dos parlamentares, defendendo que a análise de admissibilidade pelos tribunais de segunda instância poupa o STJ de receber algo em torno de quarenta e oito por cento dos recursos especiais interpostos.

Já existem doutrinadores que acenam que o jurisdicionado perdeu a via rápida, restando obrigado a percorrer as instâncias ordinárias.

Também foram alterados os incisos I e III do quinto parágrafo do artigo 1.029 do CPC/2015 que trata sobre à formulação do pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário

Page 7: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

6  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

e a recurso especial[6]. E, também quanto ao julgamento de tais recursos deu-se alterações.

Prevê o inciso I, in litteris: ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo. E, o inciso III: ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.

Igualmente alterado o sétimo parágrafo do artigo 1.035[7] e, através da nova redação, torna-se possível a interposição de agravo interno da decisão no caso de indeferimento do pedido que excluir da decisão de sobrestamento e inadmitir o recurso extraordinário intempestivamente, ou ainda, que aplicar o entendimento firmado em regime de repercussão geral ou julgamento de recursos repetitivos.

Também se impactou o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos, pois de acordo com o terceiro parágrafo do artigo 1.036, é permitido apenas a interposição do recurso de agravo interno da decisão que exclua a decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente.

O CPC/2015, em seu artigo 1.038, terceiro parágrafo previa que o acórdão deveria abranger a análise de todos (grifo meu) os fundamentos da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários. Com a nova redação imposta pela Lei 13.256, o acórdão deve alcançar a análise dos fundamentos independentemente de serem favoráveis ou contrários. O que significa uma redução na necessária e específica fundamentação anteriormente prevista.

Page 8: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Altera o segundo parágrafo do artigo 1.041 que disciplina a manutenção do acórdão divergente pelo tribunal de origem e à possibilidade de remessa do recurso especial ou extraordinário ao respectivo tribunal superior. Doravante, o presidente ou vice-presidente do Tribunal deverá determinar a remessa do recurso ao tribunal para julgamento, quando o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminou o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anterior julgado, com acórdão que contraria a orientação do tribunal superior.

A nova lei modificou igualmente o caput do art. 1.042 do CPC/2015, sendo possível o agravo contra a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir o recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundamentada em aplicação de entendimento jurisprudencial firmado em regime repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Pela nova redação, ainda, a petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais, aplicando-se a esta, o regime de repercussão geral[8] e de recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação.

Revogou-se ainda o parágrafo 10 do artigo 1.035 do CPC/2015 que previa o prazo máximo de um ano a contar do reconhecimento da repercussão geral, cessaria em todo território nacional a suspensão dos processos que retomarão ao seu curso normal. Outra lesão grave desferida no ideário de celeridade e efetividade processual.

Também revogado o art. 1.035, §3º, inciso II que previa a repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos.

Page 9: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

8  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Foi também revogado o segundo parágrafo do art. 1.029 do CPC?2015 que previa que quando o recurso se fundar em dissídio jurisprudencial, é vedado ao tribunal inadmiti-lo com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.

Novamente, consigna-se que foram revogados os parágrafos segundo e quinto do art. 1.037 do CPC/2015 e também os incisos I, II e III do caput e primeiro parágrafo, incisos I e II, alíneas a e b do art. 1.042. E, por fim, os incisos II e IV do caput do quinto parágrafo do art. 1.043 do CPC/2015.

Infelizmente as modificações trazidas pela Lei 13.256 significam um retrocesso[9] para a celeridade e efetividade processual tão almejada pelo Código de Processo Civil brasileiro de 2015.

Referências:

ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil Reformado. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2015.

DIPP, Gilson. Repercussão geral deve contribuir para o aprimoramento da segurança jurídica. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-mai-28/gilson-dipp-repercussao-geral-contribuir-aprimoramento-seguranca-juridica Acesso em 23.03.2016.

Page 10: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

FUX, Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR, Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo Comentários ao CPC de 2015. Parte Geral. São Paulo: Forense, 2015.

HARTMAN, Rodolfo Kronemberg. O Novo Código de Processo

Civil. Uma breve apresentação das principais inovações. Disponível em:http://www.impetus.com.br/atualizacao/download/932/o-novocodigo-de-processo-civil . Acesso em 06.05.2015.

LEITE, Gisele. Os olhos e ouvidos da justiça (comentários sobre a prova testemunhal, pericial e inspeção judicial. Disponível em:http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/483483Acesso em 06.05.2015).

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1., 12ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MELO, Nehemias Domingos (coordenador). Novo CPC. Lei 13.105/15. Anotado. Comentado. Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal.

NOTAS:

[1] O termo obrigação é usado em sentido amplo pela linguagem jurídica, e como sinônimo de dever jurídico ou como a noção de sujeição. Inicialmente, cabe discernir os sentidos que designam tais vocábulos. A sujeição, segundo Carnelutti, é expressão subjetiva do comando jurídico, considerado no seu lado passivo, ou seja, da parte de quem é comandado; significando necessidade de obedecer. Por sua vez, pelo lado ativo, o comando jurídico se realiza e se traduz em poder. Neste poder, se situa, por

Page 11: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

10  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

exemplo, o mandatário, em situação de sujeição, que há de obedecer, suportando os efeitos da revogação.

Avança Carnelutti para distinguir sujeição do dever, e aponte que este é um vínculo imposto à vontade de quem por este é alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica. Posto que o seu não atendimento configure um comportamento ilícito.

A obrigação, tomada na acepção estrita, supõe uma situação de dever, em que se coloca o devedor. Não obstante, é certo que o conceito de dever transcende o âmbito do direito das obrigações, pois existem deveres jurídicos que não compreendem obrigação de nenhuma espécie.

Assim, por exemplo, com relação ao dever, de todos, de abstenção de prática de condutas definidas e tipificadas como crimes. Em sentido estrito, a obrigação consubstancia um vínculo em razão do qual uma pessoa (devedor) deve a outra (credor) o cumprimento de uma certa prestação. A obrigação consubstancia um direito relativo, na medida em que o crédito que dela decorre apenas pode ser exigido, pela pessoa ou pluralidade de pessoas dele titular, contra a pessoa ou a pluralidade de pessoas na situação de devedor.

Eis aí a principal distinção entre obrigação e direito real: este pode ser exigido erga omnes. De outra parte, diz-se também constituir, a obrigação, um direito pessoal, conquanto que, descumprido o dever de prestação, a sua execução forçada ou providência que a substitua só é exigível por iniciativa do credor; de toda sorte, é certo que o devedor tem, perante o credor um dever sancionado pelo Direito.

Foi também o doutrinador italiano Carnelutti que traçou a noção de ônus. E quando cogitamos de ônus quando há o exercício de uma faculdade é definido como condição para a obtenção de certa vantagem. Para tanto o ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse. O dever e o ônus têm em comum o elemento formal, consistente no vínculo à vontade,

Page 12: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mas diverso do elemento substancial, porque o vínculo é imposto, quando se trata de dever, no interesse alheio, e, tratando-se de ônus, para a tutela de um interesse próprio.

O não-cumprimento de um ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente, uma certa desvantagem econômica, ou seja, a não obtenção da vantagem, a não satisfação do interesse ou a não realização do direito pretendido.

No território da faculdade processual há de se registrar a preclusão que possui em sua definição dois cruciais aspectos: o primeiro que se refere à perda de uma faculdade processual e que, do ponto de vista objetivo, conduz à impossibilidade da prática ou a repetição de um ato processual.

Um dos mais expressivos doutrinadores sobre o tema fora Guiseppe Chiovenda, responsável pela sistematização da preclusão. A preclusão é fenômeno endoprocessual que afeta diretamente os direitos e faculdades individuais em processo.

[2] O agravo retido foi extinto com CPC/2015 devendo eventuais questões decididas na fase cognitiva serem suscitadas como preliminar da apelação, há que não se opera a preclusão. Manteve-se o agravo de instrumento, conforme as hipóteses taxativamente enumeradas no artigo 1.015 do CPC/2015, seu efeito é devolutivo, podendo também ser atribuído o efeito suspensivo. Há também o agravo interno que terá seu processamento conforme cada regimento interno do tribunal. É o recurso cabível contra as decisões unilaterais do relator.

O agravo interno é usado para impugnar decisões monocráticas do relator, no prazo de 15 (quinze) dias. Após as contrarrazões, o relator poderá se retratar. Do contrário, será apreciado pelo órgão colegiado. A inadmissibilidade ou negativa de provimento do agravo interno gera imposição de multa de 1% a 5% ao agravado, tornando-se o seu recolhimento prévio uma condição de admissibilidade para os demais recursos, com exceção aos beneficiários de gratuidade de justiça e Fazenda Pública, que farão o pagamento ao final.

Page 13: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

12  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O agravo em recurso especial e extraordinário serve para impugnar a decisão que inadmite estes recursos excepcionais em poucas hipóteses, como em casos de intempestividade. O agravante deverá demonstrar a incorreção da decisão e, se for o caso, até mesmo o distinguishing (caso em que o processo em análise se distingue do precedente aplicado). Após as contrarrazões, o recurso é enviado ao STF ou STJ conforme o caso, sem que haja admissibilidade. Este recurso não gera recolhimento de custas. É permitido que este recurso e os demais sejam julgados na mesma sessão, desde que assegurada a sustentação oral.

[3] A primeira alteração, também a mais consolidada em jurisprudência brasileira é a possibilidade de cumprimento provisório das astreintes, o que enseja ainda alguns debates quanto á exigibilidade da mesma quando o exequente não tiver seu direito reconhecido em processo originário, ressalto que tais divergência atualmente restam pacificadas pela jurisprudência.

O terceiro parágrafo do artigo 537 vem a possibilidade que destoa completamente da finalidade da norma, mas que mesmo assim vêm ganhando força nas decisões proferidas no país, trata-se ada impossibilidade de limitação do montante total das astreintes. Mas, é frequente na jurisprudência a limitação do montante total das astreintes, pois não pode haver o enriquecimento sem causa do exequente, por exemplo, arbitrando multa diária até o limite de dez mil reais, assim, alcançando o valor limite anteriormente fixado, ressalte-se por descumprimento injustificado de ordem judicial por parte do executado.

Em virtude do princípio do enriquecimento sem causa, a finalidade do instituto seria completamente desprezada, uma vez que alcançado o referido limite, o executado não teria mais qualquer penalidade pela sua injustificada renitência. Ao explicitar que a multa incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado, o CPC/2015 afastou as interpretações que visam a limitar a incidência das astreintes.

[4] A reclamação galgou no CPC/2015 um status nunca antes considerado na sistemática processual brasileira. Servirá, para além de conservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas

Page 14: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

decisões, também para assegurar a observância das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos. Mas, competindo a sua apreciação diretamente ao órgão jurisdicional cuja autoridade se pretenda garantir, não há risco de que esse atalho venha a multiplicar o número de reclamações no ST? Há outro risco é que a reclamação se transforme em verdadeiro recurso per saltum, concentrando no STF o controle de todas as decisões judiciais do país proferidas em desconformidade com as suas decisões em controle concentrado de constitucionalidade, suas súmulas e de seus precedentes em recursos repetitivos. Há sem dúvida, um alargamento de precedentes vinculantes, mas não se estipula sanções àqueles que não respeitem tal força vinculante, deixando todo o labor para a reclamação.

A reclamação constitucional é um remédio que objetiva preservar a competência e garantir a autoridade das decisões dos Tribunais Superiores, quais sejam, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (STF e STJ), sendo de competência originária daqueles Tribunais, com previsão na Constituição Federal de 1988 (CF). Relativamente à Fazenda pública, ela pode se valer da reclamação para impugnar a concessão de tutela antecipada ao arrepio da Lei n. 9494/97 (Ação Direta de Constitucionalidade n. 4), ou, anteriormente à Lei n. 12016/2009, no caso de sequestro de verbas públicas pelo não pagamento ou pela não inclusão delas no orçamento.

[5] O juízo de admissibilidade regular, ou seja, aquele delegado legalmente ao juízo a quo, só teria sentido se existente a repercussão geral (segundo a lei, entretanto, de apreciação exclusiva pelo STF), o que não parece racional. Em outras palavras, não poderia haver delegação da apreciação da repercussão geral ao tribunal a quo.

O caminho mais razoável, neste caso, parece ser o imediato exame preliminar, pelo juízo a quo, dos requisitos regulares de admissibilidade do recurso extraordinário e delibação sobre o da repercussão. Em seguida, os autos subiriam à Corte Suprema, para

Page 15: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

14  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a verificação exclusiva da repercussão geral, em decisão irrecorrível.

Enfim, o regime da repercussão geral como metodologia de mitigação da litigiosidade recursal no âmbito da Suprema Corte constitui uma modalidade processual em construção, a merecer a atenção e colaboração dos participes, juízes, advogados, Ministério Público e até partes, sem desprezar os interesses e necessidades da população que usa a jurisdição. Deve-se considerar, ainda, que a noção de repercussão geral deve variar ao longo do tempo, com a evolução dos costumes, da tecnologia, dos valores das pessoas, das responsabilidades das instituições e particularmente da composição do Tribunal.

[6] Em razão do efeito suspensivo, a execução do julgado não se efetiva até que se julgue o recurso interposto.

Em outras palavras, a interposição do recurso estende o efeito suspensivo até o seu julgamento pelo tribunal, não podendo, neste intervalo, surtir efeitos a decisão recorrida, nem ser executada provisoriamente. Havendo recurso com efeito suspensivo, não se possibilita a execução provisória do julgado.

O efeito suspensivo não decorre da interposição do recurso. Na verdade, o efeito suspensivo resulta da mera recorribilidade do ato.

Significa que, havendo recurso previsto em lei, com efeito suspensivo, para aquele tipo de ato judicial, este, quando proferido, já é lançado aos autos com sua executoriedade adiada ou suspensa, perdurando essa suspensão até, pelo menos, o escoamento do prazo para interposição do recurso.

Havendo recurso, a suspensividade é confirmada, estendendo-se até seu julgamento pelo tribunal. Não sendo interposto o recurso, opera-se o trânsito em julgado, passando-se, então, o ato judicial a produzir efeitos e a conter executoriedade. Essa é a razão pela qual alguns doutrinadores de nomeada fama entendem ser mais adequado o uso da expressão “efeito obstativo”, no lugar de efeito suspensivo.

Page 16: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

É que a expressão efeito suspensivo seria mais adequada para designar a situação em que se suspende algo que já estava fluindo. Quando há efeito suspensivo, não se suspende o que já vinha produzindo efeitos; o ato judicial já é emitido, em verdade, sem produzir efeitos

[7] A modificação trazida no §7º do art. 1.035 do CPC/2015 que previa o cabimento de agravo do artigo 1.042 contra a decisão que indeferir o requerimento, da parte contrária de levantamento do recurso extraordinário ou especial sobrestado, para não o conhecer com fundamento na intempestividade. A nova redação trazida pela Lei 13.256/2016 viabilizou que contra essa decisão é oponível o agravo interno (de competência do tribunal de origem). A maior parte das mudanças trazidas pela Lei de 2016 referem-se ao STF e STJ, especificamente para restringir o acesso a esses tribunais, seja pela via recursal, seja por meio de reclamação. O que revela incompatibilidade com o sistema processual do CPC/2015, principalmente com as normas fundamentais e os microssistemas de julgamento de casos repetitivos e de precedentes judiciais. Reconhece-se, contudo, que o STF e o STJ devem exercer a chamada autocontenção e privilegiar a lógica processual construída pelo Código Fux.

[8] O regime de repercussão geral fora inserido no ordenamento pátrio através de EC 45/2001 que modificou o artigo 102 da CF/1988, relativo às competências do STF, dentre essas, a de julgar o recurso extraordinário, no qual a parte recorrente pode invocar a subida a mais alta Corte Judicial brasileira, alegando a ofensa a questão constitucional.

Passou-se, então a prever que, no recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso como condição para que o tribunal examine a admissão dos recursos. E, conforme o parágrafo único do art.311 do Regime Interno do STF, para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, e que ultrapassem aos interesses subjetivos das partes.

Page 17: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

16  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

É evidente o objetivo desse instituto que é evitar a subido ao STF de recursos desnecessários ou cuja importância não seja robusta o suficiente para justificar a mobilização da mais alta Corte Judicial brasileira. Para imprimir maior eficiência e celeridade à essa sistemática, a Lei 11.418/2006, que alterou o CPC/1973 para disciplinar a matéria, tanto no recurso extraordinário na seara cível coo na criminal, passou a prever, no art. 543-B do CPC/1973, que quando houver multiplicidade de recursos com idêntica fundamentação de controvérsia, caberá ao tribunal selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STF, ficando os demais sobrestados até o final pronunciamento definitivo do STF.

[9] O CPC/2015 traz técnica especificamente devotada para desestimular a interposição recursal, a sucumbência recursal, isto é, o possível e crescente valor relativo aos honorários advocatícios, quando da interposição recursal. A parte, antes de recorrer, deve mormente fazer juízo quanto à probabilidade de êxito. Pois se sucumbir, poderá até piorar sua situação no processo. E, tal regra de fato traz sinceros incentivos econômicos para a não interposição de recursos, especialmente daqueles com baixa possibilidade de êxito. Acredita-se que servirá tal regra como controle do volume de recursos dirigidos a Corte. O valor dos honorários recursais é restrito pelo CPC/2015, ao teto do processo de conhecimento e, diante da estrutura que prolifica os recursos em nosso sistema, na melhor das hipóteses, já teríamos antes um julgamento de apelação, em segundo grau, além de outro possível julgamento pelo STJ. E, em ambos casos, muito provavelmente o limite de fixação de honorários recursais já terá sido atingido, reduzindo significativamente a eficácia dessa regra que visa filtrar os recursos extraordinários.

Em resumo, ao interpor o recurso extraordinário, provavelmente os honorários recursais já atingiram o seu limite, e então o recorrente não terá absolutamente nada a perder ao interpor tal recurso.

Resumidamente a Lei 13.256/2016 pretende afasta o STF de sua real vocação de Corte Constitucional, criando óbices ao acesso à Corte Judicial e impedindo que as cortes superiores venham de

Page 18: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

fato debater e julgar as grandes teses e questões judiciais com repercussão geral.

Page 19: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

18  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

AMICUS CURIAE E A ABERTURA DO PODER JUDICIÁRIO À DEMOCRATIZAÇÃO NA UNIFORMIZAÇÃO E NA REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA: UMA PROPOSTA À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

MATHEUS ALVES DO NASCIMENTO: Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2011). Advogado.

RESUMO: Trata-se de análise, no texto do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016, dos benefícios da participação do amicus curiae, espécie de terceiro interessado na solução de demandas que envolvam a discussão de temas de grande interesse para a sociedade em geral, ampliando o debate, possibilitando a uniformização e a revisão de jurisprudência de uma maneira mais completa, de forma a conferir maior legitimidade democrática ao Poder Judiciário e respeito, por parte do jurisdicionado, às suas decisões.

PALAVRAS-CHAVES: Novo Código de Processo Civil; Amicus Curiae; Jurisprudência e Precedente; Poder Judiciário; Democracia.

ABSTRACT: This paper analyses, in the text of the New Brazilian Civil Procedure Code, that will come into force in 2016, the benefits of the participation of amicus curiae, who is a kind of a third party interested in resolving disputes involving the discussion of topics of

Page 20: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

major interest to the society, in a general context, widening the debate, allowing standardization and review of jurisprudence in a more complete manner, so as to give greater democratic legitimacy to the judiciary and respect by the claimants to its decisions.

KEYWORDS: New Civil Procedure Code; Amicus Curiae; Jurisprudence and Precedent; Judiciary; Democracy.

1. INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho insere-se num momento histórico de crise da jovem democracia brasileira, uma vez que, nos últimos anos, cidadãos de todos os cantos do país, pertencentes a todas as classes sociais têm ido às ruas protestar contra o desrespeito da classe política aos anseios da população por mais segurança pública, saúde, educação, combate à corrupção, transporte público de qualidade, transparência e eficiência na gestão pública etc.

Nesse diapasão, vale ressaltar, no entanto, que não houve – ou, se houve, não foi muito noticiado – demandas para uma abertura do Poder Judiciário à participação do povo na solução de demandas judiciais que tenham implicações que ultrapassem os interesses das partes nos processos. O objetivo desse estudo é justamente analisar como os cidadãos, por meio da figura do amicus curiae, podem intervir nas decisões judiciais, conferindo maior legitimidade e caráter democrático ao Poder Judiciário.

2. TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL

Nos últimos anos, o Brasil, país de tradição romano-germânica quanto à aplicação das leis pelos magistrados, tem, assim como outros países que seguem o chamado civil law, adotado muitos dos procedimentos aplicados no sistema de common law, isto é, ganha força o entendimento de que a

Page 21: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

20  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

interpretação formada nos tribunais quando da aplicação da lei, em seu sentido lato, às demandas a eles submetidas também serve como fonte do Direito, mormente no contexto da República Nova, em que a visão do juiz como mero bouche de la loi resta totalmente ultrapassada. Nesse diapasão, cresce a necessidade do estudo do que se convencionou em chamar “Direito Jurisprudencial” e da elaboração de uma teoria dos precedentes adequada à realidade constitucional e processual brasileira.

2.1. Da confluência dos sistemas de civil law e common law: influências na jurisprudência brasileira

Os dois grandes sistemas de aplicação e interpretação do direito são o civil law, de tradição romano-germânica, e o de common law, de origem anglo-saxã. Enquanto o primeiro tem suas origens que remontam à compilação de textos, leis e decisões da Roma antiga, realizada durante a Idade Média, o que culminaria no Corpus Juris Civilis, o segundo seria baseado num continuum histórico, em que “as coisas sempre foram como sempre são” (WAMBIER, 2012, p. 20 e 24). Em apertada síntese, pode-se dizer que o civil law baseia-se, precipuamente, na interpretação da lei, em seu sentido lato, de forma que o common lawf undamenta-se muito mais na reiteração de entendimentos dos tribunais – ou da Câmara dos Lordes, no caso da Inglaterra – , isto é, no respeito aos precedentes, apesar de que esta ideia não surgiu desde o início, mas da vontade de respeito aos costumes. Nesse sentido, esclarece Wambier (2012, p.20):

O common law, é interessante observar, não teve início com a adoção da explícita premissa ou da regra expressa de que os precedentes seriam vinculantes. Isso acabou acontecendo imperceptivelmente, desde quando a decisão dos casos era tida como a aplicação do direito

Page 22: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

costumeiro, antes referido, em todas as partes do reino, até o momento em que as próprias decisões passaram a ser consideradas direito. Assim, desenvolveu-se o processo de confiança nos precedentes e, a rigor, nunca foi definido com precisão o papel dos precedentes e o método correto de argumentação a partir dos precedentes. Neste contexto é que foi concebida a teoria declaratória, já que os juízes declaravam um direito que “já existia” (sob forma de costume), embora fossem às suas decisões que se dava (e se dá) o valor e o status de ser direito. (destaques do original).

Pode-se verificar, pela leitura do excerto acima que, o common law teria forte vinculação ao jusnaturalismo, enquanto que o civil law, mormente de quando de seu fortalecimento, após a Revolução Francesa, ligar-se-ia ao juspositivismo. Destaque-se que, quando da referida revolução, por se entender que a magistratura fazia parte e apoiava o regime estamental do ancien régime, a forma de controlar os juízes seria obrigando-os a aplicar tão somente a lei, criada pelos representantes do povo, mais precisamente os burgueses[1].

Na atualidade, segundo a moderna teoria do Direito, marcantemente influenciada pelos princípios e normas constitucionais, o juiz repetidor da lei (bouche de la loi) é figura ultrapassada e a ser evitada, uma vez que, incumbe ao juiz interpretar a lei à luz da doutrina, dos princípios, da jurisprudência, podendo também fazer mão da analogia e dos costumes (art. 4º da LINDB).

Ultrapassado esse incurso histórico, a doutrina é unânime em afirmar que não há mais país que siga totalmente o civil law ou o common law. Nessa senda, afirma Taruffo (2011, p. 140):

Page 23: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

22  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Pesquisas desenvolvidas em vários sistemas jurídicos têm demonstrado que a referência ao precedente não é há tempos uma característica peculiar aos ordenamentos do common law, estando agora presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law. Por isso, a distinção tradicional segundo a qual os primeiros seriam fundados sobre os precedentes, enquanto os segundos seriam fundados sobre a lei escrita, não tem mais – admitindo-se que realmente tenha tido no passado – qualquer valor descritivo. De um lado, na verdade, nos sistemas de civil law se faz amplo uso da referência à jurisprudência, enquanto nos sistemas de common law se faz amplo uso da lei escrita e inteiras áreas desses ordenamentos – do direito comercial ao direito processual – são, na realidade, “codificadas”.

No âmbito do civil law, adotado no Brasil, em razão da crescente necessidade de interpretação da lei e da Constituição, cheia de conceitos fluidos e com abertura para as mais diversas interpretações, surge, ao lado do já conhecido princípio da legalidade, a necessidade de decisões que respeitem o princípio da igualdade e o da segurança jurídica, na sua acepção de não surpresa. Wambier (2012, p. 32) resume essa preocupação ao afirmar que “é inútil a lei ser a mesma para todos, se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os jurisdicionados”.

Tal preocupação aumenta ainda mais pelo fato de o Brasil ter, desde a promulgação da Constituição de 1988, aumentado enormemente o seu grau de litigiosidade, crescendo, por conseguinte, o número de decisões com os mais diversos matizes. Mesmo os tribunais superiores, responsáveis pela uniformização do entendimento quanto à

Page 24: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

matéria constitucional, no caso do Supremo Tribunal Federal (STF), e infraconstitucional, proferindo milhares de acórdãos, bem como súmulas, orientações jurisprudenciais, súmulas vinculantes etc., ainda não sistematizaram, de forma coesa e harmônica, como a sua jurisprudência deva ser formada, alterada e superada, agravando o grau de insegurança jurídica, prejudicando as relações privadas e a atuação do Poder Público.

É nesse cenário, que se insere o estudo da Teoria dos Precedentes, adequando-o à realidade processual brasileira, mormente no contexto da recente promulgação do Novo Código de Processo Civil.

2.2. Da formação à superação de precedentes: conceitos e aplicações

Primeiramente, insta esclarecer alguns conceitos que serão aplicados ao longo do presente estudo. O primeiro deles é que precedente não se confunde com jurisprudência. Esta traz a intrínseca ideia de conjunto, de uma pluralidade de decisões, sejam num só sentido, sejam simplesmente entendidas como uma “massa de pronunciamentos produzida pelo Judiciário” (ABBOUD, 2012, p. 142).

Precedente, por outro lado, segundo a acepção de Redondo (2013, p. 406), “consiste na decisão jurisdicional tomada em relação a um caso concreto, cujo núcleo é capaz de servir como diretriz para a resolução de demandas semelhantes”. Prossegue o autor, afirmando o seguinte:

Todo precedente é, portanto, uma decisão judicial, mas nem toda decisão pode ser qualificada como sendo um precedente. Como característica fundamental do precedente tem-se o surgimento de uma norma geral construída pelo órgão jurisdicional, a partir de um caso concreto, que passa a servir de diretriz para

Page 25: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

24  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

situações assemelhadas (REDONDO, 2013, p. 406).

Assim, se, digamos, um determinado magistrado julgou um caso concreto de uma determinada forma, aparecendo-lhe, posteriormente outro, com questões de fato e de direito semelhantes ao anterior, poderá aplicar o entendimento usado no anterior a este. Forma-se, daí, um precedente[2].

Esse núcleo ou norma geral criado pelo precedente é o que a doutrina chama de ratio decidendi. Baseando-se em Cruz e Tucci, Didier Jr., Braga e Oliveira (2008, p. 350) apresentam o conceito e a caracterização da ratio decidendi da seguinte forma:

A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”. Ela é composta: (i) da indicação dos fatos relevantes da causa (statement of material facts), (ii) do raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning) e (iii) do juízo decisório (judgement). [trecho citado entre aspas de Cruz e Tucci]

À parte do julgado que for utilizada como argumento acessório e que não será aproveitada naratio decindi dá-se o nome de obter dictum (ou dicta, se no plural). Significa, literalmente, algo dito de passagem, pelo caminho (MITIDIERO, 2012, p. 72). A despeito de, a priori, ser considerado prescindível para a resolução da demanda, o obter dictum poderá servir para indicar uma “futura

Page 26: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

orientação do tribunal ou de elemento de persuasão em posterior tentativa de superação do precedente” (REDONDO, 2013, p. 408).

Impende, então, analisar as técnicas de como o precedente é interpretado, aplicado, confrontado, afastado e superado.

A primeira, e mais conhecida delas, é a do distinguishing, da distinção entre os casos. Souza (2006, p. 142) explica seus delineamentos básicos:

Ela [a técnica do distinguishing] nos leva de volta à noção de fatos fundamentais (material facts). Em linhas gerais, se os fatos fundamentais de um precedente, analisados no apropriado nível de generalidade, não coincidem com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, os casos devem ser considerados, pelo tribunal ou juiz do caso posterior, como distintos. Consequentemente, o precedente não será seguido.

Vale ressaltar, todavia, que o magistrado, mesmo que encontre alguma peculiaridade do caso sub examine em relação ao caso paradigma, pode ainda usar a ratio decidendi (tese jurídica), se entender que, a despeito das diferenças, a ratio ainda lhe é aplicável, dando-se a tal interpretação o nome de ampliative distinguishing, enquanto que a citada por Souza acima seria uma restrictive distinguishing (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 353)[3].

Ainda sobre o distinguishing, ressalta Mitidiero (2012, p. 73) que as distinções entre os casos devem ser consistentes, ou seja, “realizadas a partir de uma real diferenciação subjacente entre as questões examinadas pelo órgão jurisdicional” (grifos do original). Afirma, no entanto, que é comum que, nos Estados Unidos, existam casos em que há

Page 27: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

26  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

distinção parcial, mas sem apresentar critérios seguros para tanto. É o que chama de elaboração de distinções inconsistentes (drawing of inconsistent distinctions). Prossegue o autor, aduzindo o seguinte:

Normalmente, a elaboração de distinções inconsistentes serve para mostrar que o órgão jurisdicional está em dúvidas sobre o acerto da solução contida no precedente e que provavelmente o superará em breve. Nesse sentido, a técnica de distinções inconsistentes funciona como sinalização de um movimento esboçado pela Corte a respeito da solução de determinada questão. (MITIDIERO, 2012, p. 73, com destaque do autor)

O segundo tipo de técnica aplicável à interpretação de precedentes é a decisão per incuriam, que literalmente quer dizer “decisão por falta de cuidado”, que ocorre quando se ignorou um precedente obrigatório ou uma lei relativa ao caso. Destaca Souza (2006, p. 147) que é “necessário ficar caracterizado que, se a corte tivesse tido ciência do precedente ou da lei, teria, certamente, chegado a uma conclusão diversa no caso”. Na prática, a decisão per incuriam acaba não sendo utilizada.

Outra importante técnica é a de overruling, que é revogação do precedente. Explicitam-no Didier Jr., Braga e Oliveira (2008, p. 354):

Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por um outro precedente. Como esclarece LEONARDO GRECO, o próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Assemelha-se à revogação de uma lei por outra. Essa

Page 28: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

substituição pode ser (i) expressa (Express overruling), quando um tribunal resolve, expressamente, adotar uma nova orientação, abandonando a anterior; ou (ii) tácita (implied overruling), quando uma orientação é adotada em confronto com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última – trata-se de hipótese rara.

Vale ressaltar o alerta dos autores acima ao afirmarem que “a decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355). Vê-se, assim, que a prática de superação de um precedente deve ser feita de maneira bastante cuidadosa e plenamente justificada (e justificável).

O overruling classifica-se quanto à forma de superação e quanto à eficácia da alteração. Na primeira, ele pode ser express overrruling (revogação expressa) ou implied overruling (revogação tácita, também conhecida como transformation, em que ocorre o abandono da posição anterior sem a expressa substituição pelo subsequente) (MARINONI apud REDONDO, 2013, p. 413).

Quanto à eficácia da alteração, o overruling pode ser retrospectivo (efeitos ex tunc), prospectivo (efeitos ex nunc) ou antecipado[4], “variando conforme a opção que o tribunal adote ao sopesar os princípios da juridicidade, da isonomia, da segurança jurídica e da não surpresa (ou da confiança)” (REDONDO, 2013, p. 413).

Importa diferenciar o overruling do overriding, que é uma superação parcial de um precedente, que ocorre “quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou

Page 29: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

28  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

princípio legal” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355).

Por fim, vale destacar a interessante técnica da technique of signaling, espécie de meio-termo entredistinguishing e overruling. Redondo (2013, p. 414), com base na doutrina de Marinoni, esclarece-a:

Por meio desta técnica, o tribunal não revoga o precedente, nem realiza uma adequada distinção. A corte identifica que o conteúdo do precedente está equivocado ou que deve deixar de subsistir, mas, em nome da segurança jurídica, deixa de revogá-lo naquele momento, vindo apenas a apontar para a sua perda de consistência, sinalizando para a sua provável e futura revogação.

Feitas essas considerações, impende analisar como as mesmas poderão ser aplicadas no NCPC.

2.3. Da uniformização e revisão da jurisprudência no Novo Código de Processo Civil: perspectivas

O Congresso Nacional, almejando conferir maior celeridade aos processos e baseando-se no sucesso do sistema de precedentes do sistema de common law, tem buscado alternativas de consolidar a jurisprudência, mormente a dos tribunais superiores, bem como estabelecer formas precisas de revisá-la, mantendo-a atual com a Constituição, a legislação e a própria vontade popular.

Nesse sentido, dispõem os arts. 926 e 927 do NCPC:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os

Page 30: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

Page 31: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

30  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Como se vê, de forma louvável, pretendeu o legislador infraconstitucional que se busque um sistema de coerência nas decisões judiciais, devendo a jurisprudência e as súmulas dos tribunais superiores serem respeitadas por todos os magistrados e tribunais (incisos I a IV do art. 927), que também devem seguir “a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados” (inciso V do art. 927).

Ratificam-se, dessa forma, as funções e importância da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro:

De certa forma, a função básica da jurisprudência é interpretação e a concretização do próprio direito. Assim, a jurisprudência teria quatro funções primordiais em relação à lei, que

Page 32: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seriam: explicativa, supletiva, diferencial e renovadora.

[...] Nessa perspectiva é que, atualmente, a lei e a jurisprudência não devem mais ser confrontadas como fontes jurídicas colocadas em grau diferente de hierarquia, uma vez que, atualmente elas devem ser consideradas fontes complementares, sendo insensata a análise de uma estanque em relação à outra (ABBOUD, 2012, p. 504-505).

Na verdade, hodiernamente verifica-se que a jurisprudência dos tribunais é uma das principais influenciadoras na criação e alteração de leis, medidas provisórias, emendas constitucionais etc. pelo Poder Legislativo, bem como na criação de normas regulamentares pelo Poder Executivo. A influência do Judiciário sobre os demais poderes, neste século XXI é algo inarredável.

Por outro lado, a forma como a jurisprudência é criada, alterada, revogada e cobrada no Brasil é bastante confusa, até porque não se pode tão somente “importar” a teoria dos precedentes sem fazer um devido estudo, considerando-se as peculiaridades do sistema judiciário brasileiro[5].

3. AMICUS CURIAE

3.1. Conceito e origens históricas.

O termo amicus curiae (ou amici curiae, no plural) é considerado, por alguns, como de origem romana, quando havia o consiliaurius, figura cuja intervenção, no entanto, só ocorria em caso de convocação do magistrado que atuaria em tal função, devendo esta ser neutra em face das partes (MENEZES, 2009, p. 36). Bueno assevera, no entanto, que suas origens remontam ao

Page 33: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

32  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

século XVII na Inglaterra, mas que só veio a ter sua aplicação ampliada em solo estadunidente. Referido autor, ressalte-se, entende ser inócuo buscar traduzir para o português o amicus curiae como “amigo/colaborador da corte”, até porque referido termo “não tem referencial na nossa história jurídica e, por isso, fica carente de verdadeira identificação” (BUENO, 2011, p. 113-114).

O que importa para o presente estudo, assim, é que se conceitue e se busque a natureza jurídica do amicus curiae, bem como o histórico de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no entendimento do STF.

Bueno apresenta um conceito bastante completo de tal espécie sui generis de intervenção de terceiro:

O amicus curiae deve ser entendido como um especial terceiro interessado que, por iniciativa própria (intervençãoespontânea) ou por determinação judicial (intervenção provocada), intervém em processo pendente com vistas a enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas, portando, para o ambiente judiciário, valores dispersos na sociedade civil e no próprio Estado, que, de uma forma mais ou menos intensa, serão afetados pelo que vier a ser decidido, legitimando e pluralizando, com a sua iniciativa, as decisões tomadas pelo Poder Judiciário (BUENO, 2011, p. 115). (grifos do original)

Ressalta Medina (apud FONTE; CASTRO, 2013, p. 877) que o amicus curiae leva à tribuna os valores, os interesses dos grupos por ele representados. Como ressaltado por Bueno acima, uma das funções precípuas dos amici curiae é enriquecer o debate

Page 34: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

judicial, trazendo novas nuances para serem interpretadas e avaliadas pelo julgador.

De tradição tipicamente norte-americana, o amicus curiae foi, timidamente, introduzido no Brasil por meio do art. 31 da Lei 6.385/1976, o qual previa que a Comissão de Valores Mobiliários deveria sempre ser intimada para apresentar parecer ou esclarecimentos em processos que abordassem matéria de sua competência. Posteriormente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica também teve a possibilidade de interferir, como assistente, em processos de seu interesse, conforme previa a, já revogada, Lei 8.884/1994 em seu artigo 89.

O amicus curiae passou a adquirir real envergadura quando foi previsto no Projeto de Lei 2.960/97, proposto pelo, à época, Ministro da Justiça Nelson Jobim, segundo o qual, a introdução da participação desse terceiro permitiria ao STF “decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões” (BRASIL, Câmara dos Deputados, 1997, p. 10828). Referido projeto converteu-se na Lei 9.868/99, a Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que previu expressamente a intervenção de terceiros nos processos de controle concentrado de constitucionalidade:

Art. 7º. [omissis]

§1º. [omissis]

§2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

A Lei da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Lei 9.882/99, semelhantemente, previu a

Page 35: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

34  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

oitiva de “pessoas com experiência e autoridade na matéria” em audiências públicas, permitindo ainda ao relator da ação autorizar a juntada de memoriais ou mesmo a sustentação oral dos interessados no processo (art. 6º, §§ 1º e 2º). Destaque-se que o procedimento de convocação e realização de audiências públicas no STF é regulamentado pelos arts. 13, XVII, 21, XVII e 154, parágrafo único, do Regimento Interno do STF (RISTF).

Feito esse breve incurso histórico, cumpre analisar os fundamentos jurídico-filosóficos que ensejaram sua criação.

3.2. A sociedade aberta dos intérpretes: amicus curiae como agente de pluralização na interpretação

Boa parte da doutrina moderna[6] entende que a tese sobre a “sociedade aberta dos intérpretes”, elaborada por Häberle em 1975, estabeleceu os fundamentos para que se criasse a figura do amicus curiae.

Häberle (1997, p. 12) critica o fato de que a interpretação constitucional sempre esteve mais vinculada a uma sociedade fechada de intérpretes, geralmente composta por juízes. Propõe referido autor que a interpretação deverá se dar pela e para uma sociedade aberta:

Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição (HÄBERLE, 1997, p. 13).

O doutrinador alemão, nesse sentido, crê que os critérios de interpretação constitucional serão tão mais abertos quanto mais

Page 36: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

pluralista for a sociedade. Lembra Häberle que, para a compreensão de sua tese, deve-se partir da ideia de que Teoria da Interpretação e Teoria da Democracia devem andar juntas, uma vez que os cidadãos que se sujeitam às normas constitucionais acabam, direta ou indiretamente, sendo intérpretes dessas:

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição (HÄBERLE, 1997, p. 15)

O catedrático da Universidade de Augsburg sugere, então, alguns dos possíveis participantes no processo de interpretação constitucional: a) requerente/recorrente e requerido/recorrido; b) outros participantes do processo, com direito à manifestação ou de integração à lide (algo como os terceiros interessados no sistema processual brasileiro); c) pareceristas ou experts; d) peritos e representantes de interesses (e.g. sindicalistas), associações, partidos políticos); e) grupos de pressão organizados (poderíamos entender como as organizações não governamentais, as igrejas, as associações e os representantes do Movimento dos Sem-Terra, do Movimento Passe Livre etc); e f) os requerentes ou partes nos procedimentos administrativos de caráter participativo (líderes comunitários em assembleias de orçamento participativo, por exemplo) (HÄBERLE, 1997, p. 21-22. Exemplos sugeridos por nós).

Page 37: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

36  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Tratando sobre como se daria, na prática, a atuação da sociedade aberta de intérpretes no processo constitucional, explana o autor:

Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais – não apesar, mas em razão da própria vinculação à lei – devem ser ampliados e aperfeiçoados, especialmente no que se refere às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas “intervenções”). Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição. O direito processual constitucional torna-se parte do direito de participação democrática (HÄBERLE, 1997, p. 47-48).

Tendo em vista as considerações de Häberle acima, é inafastável concluir sua grande importância na formação da doutrina acerca do amicus curiae. Comentando a obra do autor alemão, Coelho pugna pela plena participação da população na interpretação da norma constitucional:

Em suma, no contexto de um Estado de direito, que se pretende democrático e social, torna-se imperioso que a leitura da Constituição se faça em voz alta eà luz do dia, no âmbito de um processo verdadeiramente público e republicano, pelos diversos atores da cena institucional - agentes políticos ou não - porque, ao fim e ao cabo, todos os membros da sociedade política fundamentam na

Page 38: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Constituição, de forma direta e imediata, os seus direitos e deveres.

[...] afigura-se conveniente que todos possam participar do jogo interpretativo, quando mais não seja para que não se animem a virar-lhe a mesa ou a contestar o seu resultado. Na medida em que são partículas da Constituição, como diria Lassalle, ou agentes conformadores da realidade constitucional e forças produtivas de interpretação, na linguagem de Häberle, esses segmentos sociais não podem ficar à margem do processo de revelação da vontade constitucional (COELHO, 1998, p. 158). (grifos do original)

Assim, mormente num contexto político global e brasileiro em que a população não mais aceita que as decisões sobre seu futuro sejam tomadas apenas nas altas cúpulas dos Três Poderes, a efetivação de uma sociedade aberta de intérpretes fará cada vez mais comum a intervenção do povo não somente na decisão das políticas públicas e legislativas, mas nas próprias decisões dos tribunais, através de tal nobre modalidade de intervenção e colocação de seus interesses em pauta: o amicus curiae.

3.3. Amicus Curiae no Poder Judiciário brasileiro: da participação nas ações de controle concentrado de constitucionalidade à sistematização de sua intervenção no Novo Código de Processo Civil

Uma vez verificada a importância do amicus curiae na efetivação de um Estado Democrático de Direito, cumpre tecer alguns comentários sobre sua atuação, precipuamente no STF e a possibilidade de sua extensão a todos os graus de jurisdição, conforme previsão no NCPC.

Page 39: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

38  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Leia-se o que dispõe o art. 138 do NCPC:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.

§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Primeiramente, verifica-se que o legislador infraconstitucional, considerando a importância de o amicus curiae ser utilizado em outros tipos de ações, mormente naquelas ligados a direitos coletivos, em seu sentido lato, passa a permitir que tal figura jurídica seja também utilizada pelos juízes de primeiro grau ou mesmo pelos tribunais estaduais, regionais e superiores, que não o STF e o STJ, já legitimados para convocar/aceitar amici curiae.

Page 40: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ressalte-se que, na opinião de Gontijo e Silva (2010, p. 88) a própria existência de amicus curiaetem fundamento constitucional em diversos dispositivos da Constituição de 1988, quais sejam: art. 1º, II (cidadania); art. 1º, V (pluralismo político); art. 1º, parágrafo único (exercício dos poderes constitucionais diretamente pelo povo); art. 5º, IV (livre manifestação do pensamento); art. 5º, VIII (direito à livre convicção política e/ou filosófica); art. 5º, XIV (direito de acesso à informação); art. 5º, LIV (direito ao devido processo legal); art. 1º, parágrafo único c/c art. 103 (representação da legitimidade ativa na propositura de ações constitucionais). Todos esses direitos seriam concatenados por meio do princípio da unidade da Constituição, de forma que, pela própria interpretação constitucional, poder-se-ia estender a possibilidade de convocar essa espécie de terceiro interessado.

Em segundo lugar, vê-se que a intervenção do amicus curiae deve ocorrer quando a matéria específica em debate for relevante, havendo grande repercussão social na controvérsia: é o caso de, por exemplo, eventual ação popular movida por um pajé de tribo afetada pelas obras da usina em Belo Monte, uma ação movida por sindicato de trabalhadores de indústria química quanto à insalubridade de materiais manipulados pelos obreiros, uma ação de obrigação de não fazer movida por um grupo de escoteiros contra uma obra de construção de complexo de condomínios em área de preservação ambiental, um recurso especial envolvendo matéria previdenciária, tributária ou consumerista etc. Todos esses exemplos de ações e recursos podem ser reforçados pela solicitação ou admissão de intervenção de amici curiae, que poderão defender, aprimorar, reforçar ou rebater as teses de autor e réu, aquilatando o debate e fornecendo maiores e melhores subsídios ao magistrado de primeira a última instância para a formação de seu convencimento.

Page 41: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

40  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nesse sentido, não há como negar que o amicus curiae acaba se tornando um “agente do contraditório”, aqui entendido de acordo com o modelo constitucional de direito processual civil, em que o contraditório tem o sentido de “cooperação”, “coordenação”, “colaboração” (BUENO, 2011, p. 115). Nesse sentido, arremata Santana (2012, p. 523):

O fortalecimento do contraditório figura ainda como sustentáculo legitimador do amicus curiae no sistema processual brasileiro, como modo de afirmação da cidadania. Ele permite a introdução de dados e argumentos, fazendo com que a corte medite sobre a realidade subjacente à causa e os efeitos da decisão. Auxilia, ainda, na missão de encontrar a “interpretação constitucional mais adequada para as normas discutidas. Atualmente, encontra-se consagrada no plano científico, a exigência de uma interpretação valorativa, a partir da análise globalizada do sistema (jamais de normas isoladas)”, atenuando o risco de preconceitos na aplicação do direito, favorecendo a formação de juízos mais abertos e ponderados.

Como se daria, na prática, essa intervenção do amicus curiae? Como se viu no subitem 3.1, supra, as leis que tratam sobre ADI e ADPF permitem a apresentação de memoriais, a sustentação oral e a participação em audiências públicas. Vale ressaltar, no entanto, que o entendimento do STF sobre tais formas de intervenção nem sempre foi pacífico[7]. O Supremo, hodiernamente, reconhece e louva a intervenção do amicus curiae Nesse sentido, leia-se decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes, fazendo excelente explanação sobre a importância e utilidade do “amigo da corte”:

Page 42: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito.

Em consonância com esse modelo ora proposto, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48).

Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos "amigos da Corte". Essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos

Page 43: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

42  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição.

É certo, também, que, ao cumprir as funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria.

Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito.(destaques nossos)

(STF, ADI 3494/GO, Decisão Monocrática, Relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/02/2006, publicado em 08/03/2006, p. 45)

Em razão desse caráter democrático do amicus curiae, é louvável saber que o art. 138 do NCPC prevê que a atuação deste não deve ocorrer somente quando por solicitação do “candidato” a amicus curiae, podendo acontecer também por requerimento das partes ou mesmo ex officio. Nesse diapasão, é importante aferir o grau de representatividade do “candidato”. Sobre o tema, leciona Bueno (2011, p. 118):

Ter representatividade adequada não significa que o amicus curiae precise levar ao processo a manifestação unânime daqueles que representa. A legitimação democrática que

Page 44: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

justifica a sua intervenção não é – e nem pode ser nas democracias representativas – sinônimo de unanimidade. O que se quer é debate sobre pontos de vista diversos, sobre valorações diversas em busca de consenso majoritário; não a unanimidade. É pertinente, nesse sentido, a lembrança da Súmula 630 do STF segundo a qual: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”. (grifos do texto original)

Assim, comprovada a devida representatividade da entidade (um sindicato, uma associação, um partido político etc), nada impede que a mesma atue como amicus curiae. Ressalte-se que a lei faculta a participação de pessoas físicas como amicus curiae, medida esta irretocável, até porque vários experts, como pesquisadores e professores universitários podem trazer suas conclusões cientificas e práticas sobre o assunto em debate.

Sobre o §1º do art. 138 do NCPC, que informa que não há alteração de competência, Bueno (2011, p. 118) vê grande importância nele, uma vez que “eventuais entes federais que intervenham no processo para fornecer informações, dados, elementos, em suma, elementos de convicção, mas que não titularizamdireito no processo, apenas interesse institucional, não são bastantes para o deslocamento da competência para a Justiça Federal”.

Assim, considera-se salutar a vontade de o legislador infraconstitucional aumentar a possibilidade de atuação do amicus curiae a outros processos que não os já previstos atualmente, de forma a permitir maior acesso do povo à arena de debates judiciais.

Page 45: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

44  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

4 FORMAÇÃO DEMOCRÁTICA DE PRECEDENTES

4.1. Democracia e Poder Judiciário: da legitimidade dos juízes e da fundamentação das decisões

No Brasil e na maior parte dos países ocidentais, os juízes não são eleitos, como o são os chefes do Poder Executivo e os membros do Poder Legislativo. Os magistrados de primeiro grau são aprovados por meio de concurso público de provas e títulos (art. 93, I, da CRFB). O art. 94 da CRFB prevê, por outro lado, que um quinto dos desembargadores dos tribunais regionais e estaduais será proveniente da advocacia e do Ministério Público. O STJ e o TST também têm ministros vindos dessas classes (art. 104, II e 111-A, I, da CRFB). O único tribunal cujos membros são escolhidos “livremente”, considerando-se seu notável saber jurídico e sua reputação ilibada, é o STF.

É inegável que desde a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Judiciário passou a ter maior protagonismo, até porque as demandas perante ele, em todas as suas instâncias, aumentaram sobremaneira. As respostas a essas demandas têm sido ora meramente formais (legalistas), ora ativistas, o que, de uma forma ou de outra, acaba por levantar o questionamento quanto à legitimidade democrática dos magistrados, uma vez que, a despeito de comporem um dos Três Poderes, não foram eleitos na mesma sistemática que os chefes do Poder Executivo e os parlamentares. Assim, o que confere o caráter democrático aos juízes?

Cappelletti (1993, p. 32 e ss.), abordando o crescimento do Direito Judiciário (ou Jurisprudencial), primeiramente, explana as razões de o “Terceiro Poder” ter alcançado tanta importância ao longo do século XX, o que também acontece no Brasil nos dias atuais. Segundo ele, a revolta contra o formalismo, resumido na figura do juiz “boca da lei”; a criação do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), com o consequente aumento da legislação

Page 46: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

social[8] e dos direitos sociais; o aumento de ações de interesse coletivo (de caráter ambiental, sindical e consumerista, e.g.) e a crise (inclusive de legitimidade[9]) dos Poderes Executivo e Legislativo acabou por fortalecer o Poder Judiciário, chamado de “Terceiro Gigante” pelo doutrinador italiano. Nesse sentido, leia-se a opinião do autor:

[...] assistir-se-á então ao emergir do judiciário como um “terceiro gigante” na coreografia do estado moderno. Os tribunais judiciários ordinários – o “ramo menos perigoso”, segundo a célebre definição de Alexander Hamilton – passaram com audácia a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada. Todos os juízes, e não apenas alguns daqueles novos juízes especiais (ou “quase-judiciais”), tornaram-se, dessa maneira, os controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também dos “poderes políticos”, nada obstante o enorme crescimento destes no estado moderno, e talvez justamente em virtude desse crescimento.

Certamente, o surgimento de um dinâmico terceiro gigante, como guardião e controlador dos poderes políticos do novo estado leviatã, constitui por si mesmo um acontecimento não unânime aos riscos de perversão e abuso. Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de autoritarismo, lentidão e gravosidade, de inacessibilidade, de

Page 47: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

46  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

irresponsabilidade, de inquisitoriedade policialesca (CAPPELLETTI, 193, p. 49).

É justamente em razão dessa expansão dos poderes e da responsabilidade do Judiciário que podem ocorrer os desvios acima referidos, tão típicos dos gestores públicos e dos parlamentares. Ocorre que, diferentemente destes, os juízes, no Brasil, não têm seu cargo por prazo determinado, mas, sim, vitalício (art. 95, I, da CRFB) e sua punição mais grave, em regra, é a aposentadoria compulsória (art. 42, V, da LC 35/1979). Mais uma vez vem o questionamento: o que confere legitimidade aos juízes, mormente num contexto de atuação ativista dos julgadores?

Cappelletti vem em defesa dos magistrados, levantando argumentos que comprovam sua legitimação democrática, dos quais, considerando a realidade brasileira, listamos os seguintes:

a) “Os cientistas políticos amplamente demonstraram que, mesmo no melhor dos mundos possíveis, a liderança legislativa e executiva, embora tradicionalmente considerada ‘diretamente responsável pelo povo’, nunca constitui, diferentemente do judiciário, perfeito paradigma de democracia representativa” (CAPPELLETTI, 1993, p. 94);

b) Tendo por exemplo a constante renovação (e oxigenação) do quadro de juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos (o que também ocorre no caso do STF), verifica-se que a filosofia política da corte “nunca permanece por muito tempo em contraste com a filosofia prevalecente nas maiorias políticas no poder dentro do país” (DAHL apud CAPPELLETTI, 1993, p. 96-97);

c) Diferentemente de quando levam suas demandas ao Executivo ou ao Legislativo[10], os membros de minorias têm melhor e maior acesso ao Poder Judiciário que, considerando o princípio da igualdade em sua faceta material (positiva), podem

Page 48: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mais facilmente garantir que essas minorias sejam ouvidas e tenham seus pedidos acolhidos;

d) As regras e princípios de acesso à justiça (princípios da inércia, da imparcialidade e do contraditório[11]) acabam por conferir a legitimidade democrática aos juízes. Nesse sentido, conclui Cappelletti (1993, p. 105):

Em conclusão e síntese deste quarto argumento, pode-se dizer, portanto, que, embora a profissão ou a carreira dos juízes possa ser isolada da realidade da vida social, a sua função os constrange, todavia, dia após dia, a se inclinar sobre essa realidade, pois chamados a decidir casos envolvendo pessoas reais, fatos concretos, problemas atuais da vida. Neste sentido, pelo menos, a produção judiciária do direito tem a potencialidade de ser altamente democrática, vizinha e sensível às necessidades da população e às aspirações sociais. Trata-se, repito, de uma potencialidade que, contudo, necessita de certas condições para se tornar realidade. Examinei em outro lugar quais condições entendia, e ainda entendo, serem vitais. A primeira radica-se no sistema de seleção dos juízes, que deve ser aberto a todos os extratos da população, mesmo se inevitáveis certos requisitos de educação. A segunda é que todos tenham igual oportunidade de acesso aos tribunais.

e) O Poder Judiciário será tão ou mais democrático, quanto maior for o respeito à democracia e aos direitos fundamentais, agindo o “Terceiro Poder” como o fiel da balança no sistema de checks and balances[12].

Page 49: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

48  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Acrescentaríamos ao rol acima o fato de que nossa Carta Magna prevê que os julgamentos do Poder Judiciário “serão públicos e fundamentadas as suas decisões, sob pena de nulidade” (inciso IX do art. 93 da CRFB). Entende-se que a publicidade e, principalmente, o dever de fundamentação são elementos essenciais para conferir legitimidade democrática ao Poder Judiciário.

Ocorre que, pelas dimensões continentais do Brasil e outros fatores expostos no tópico a seguir, há vários tipos de fundamentação para dar ou negar provimento a casos semelhantes, seja em tribunais distintos, seja, dentro dos próprios tribunais, ou pior, de suas turmas, câmaras ou seções.

4.2. Da formação, revisão e superação da jurisprudência brasileira e da necessidade de respeito à igualdade e à segurança jurídica como forma de garantir a confiança na estabilidade das decisões

O Brasil é um país de estrutura judiciária gigantesca: possui cinco tribunais superiores, cinco tribunais regionais federais, vinte e sete tribunais estaduais e regionais eleitorais, vinte e quatro tribunais regionais do trabalho e três tribunais de justiça militar. São mais de noventa e cinco milhões de processos em trâmite, analisados por mais de dezesseis mil juízes[13]!

Em razão dessas proporções colossais, é inegável que é de interesse de todos – magistrados, políticos, empresários e população, em geral – que a referida carga de processos seja reduzida, inclusive em cumprimento ao princípio da razoável duração do processo, incluído na Constituição pela Emenda Constitucional 45/2004 através do inciso LXXVIII do art. 5º da CRFB.

Page 50: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

É a busca pela efetividade e eficiência processual. Com base em Taruffo, os processualistas Theodoro Jr., Nunes e Bahia (2010, p. 21) afirmam que a eficiência pode ser quantitativa e qualitativa. A primeira tem a ver com a “velocidade dos procedimentos e redução de custos, na qual quanto mais barata e rápida a resolução dos conflitos, maior eficiência seria obtida, sendo a qualidade do sistema processual e de suas decisões um fator de menor importância”. Já a segunda, de outra banda, busca “a qualidade de técnicas processuais adequadas, corretas, justas, equânimes e, complementaríamos, democráticas para aplicação do direito”.

Para dar cabo de tantos processos, o Poder Judiciário tem buscado a padronização decisória, por meio de uniformização de sua jurisprudência. Esse é um, se não o principal, dos motes do Novo Código de Processo Civil. Nesse sentido, os arts. 926 e 927 do NCPC, já abordados anteriormente.

Atualmente essa busca de celeridade na tramitação dos processos pela padronização decisória já é prevista em dispositivos do CPC vigente, tais como o julgamento liminar da lide (art. 285-A, do CPC) e a negativa de subida de apelação contra sentença que seguiu entendimento sumulado por STF e/ou STJ (art. 518, §1º, do CPC). Há também outros exemplos do que se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva”[14]: súmulas, súmulas vinculantes, repercussão geral, recursos extraordinário e especial repetitivos etc.

Alertam Theodoro Jr., Nunes e Bahia, todavia, que essa busca de padronização por “decisões padrão”, aproximando o sistema de civil law brasileiro ao já consolidado common law, não pode ser feita de forma açodada:

Nesses termos, percebe-se que nem em países nos quais é tradicional o uso de

Page 51: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

50  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

precedentes pode haver sua utilização mecânica sem a reconstrução do histórico de aplicação decisória e sem se discutir sua adaptabilidade, mesmo que se busque tal desiderato embasado em uma lógica tacanha da aplicação da igualdade.

[...]

E, dentro dessa tônica, uma das questões mais tormentosas é a tendência técnica de criação de mecanismos de padronização decisória para a resolução quantitativa das demandas seriais.

[...] se busca, mediante um pressuposto exegeta, padronizar comportamentos mediante decisões padrão que não conseguirão e não conseguem (como os grandes Códigos do século XIX não conseguiram) fechar o mundo nos textos (antes os Códigos, hoje as decisões padrão).

E aqui se deve pontuar, não se pretende negar o fenômeno da convergência de sistemas (common law e civil law), mas, entendê-lo, adaptá-lo e aplicá-lo de modo eficiente e legítimo (efetivo) em nosso país, com olhar acurado em nossas especificidades – e, inclusive, aprendendo com os erros e acertos trazidos por nossa experiência e pela de outros países. (THEODORO JR.; NUNES; BAHIA, 2010, p. 29-30)

A pressa em firmar “uma jurisprudência consolidada, pacífica, unânime” é tanta que, muitas vezes, os tribunais acabam

Page 52: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

se sentindo compelidos a rever decisões feitas sem um acurado debate. Para que haja, então, verdadeiro respeito à igualdade e à segurança jurídica por parte dos tribunais e, por outro lado, para que se possa corretamente empregar a sistemática de formação e de respeito a precedentes, os juízes, de primeira à última instância, deverão dar maior importância à fundamentação de suas decisões (eis que a ratio decidendi é deles extraída), do que simplesmente ao dispositivo, acórdão ou ementa de acórdão. Nesse azo, salutar a recomendação de Redondo (2013, p. 409):

A fundamentação de cada decisão judicial passa a conter, assim, não apenas um discurso voltado para o caso concreto (isto é, a solução individual, particular, concreta), mas também um discurso para a ordem jurídica e para a sociedade (fixação da ratio decidendi, tese jurídica do precedente da qual emanará a norma geral e abstrata). (destaques do original)

Conclui-se, assim, que a busca por maior uniformização do entendimento dos tribunais deverá ser realizada de maneira parcimoniosa, com amplo debate entre magistrados, partes, franqueando-se, outrossim, que o debate possa ser complementado por meio de “realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades” (§2º do art. 927 do NCPC) – ou seja, franqueando a participação de amici curiae.

4.3. Da participação do amicus curiae nos debates de formação, revisão e superação da jurisprudência: da abertura do Poder Judiciário à democratização da análise dos precedentes

Até este momento, analisou-se a importância de o Brasil adotar uma sistemática de organização e coordenação de sua jurisprudência à luz de uma teoria dos precedentes temperada,

Page 53: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

52  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

considerando os acertos e desacertos dos sistemas de common law e civil law, bem como as particularidades do sistema judiciário brasileiro. De outro lado, constatou-se a importância de um especial tipo de intervenção de terceiros: o amicus curiae, cuja formatação atual provém dos Estados Unidos, devendo o “amigo da corte” participar em processos de relevante interesse da população em geral.

Pelo fato de se ver, comumente, o Poder Judiciário como um poder hermético, fechado, cresceu a preocupação não somente da academia, mas também do povo em como se formam os precedentes, questionando sua legitimidade.

Com base na moderna doutrina processualista e constitucionalista brasileira, conclui-se que a adoção, de maneira mais sistemática, de audiências públicas, com a oitiva de órgãos, associações, sindicatos, universidades e pesquisadores interessados em fomentar o debate poderá, justamente, conferir esse caráter de legitimidade democrática aos precedentes e, por conseguinte, ao próprio Poder Judiciário.

Vale destacar que a própria doutrina americana de stare decisis deve muito à intervenção de pessoas que tentavam demonstrar, por meio dodistinguishing que o caso concreto de um precedente não seria aplicável ao caso concreto objeto da lide.

Era necessário que o precedente tivesse uma generalidade tal que pudesse se aplicar a todos os casos que se assemelhassem. Atingir essa generalidade era a tarefa mais complicada. Foi preciso construir um aporte ideológico que viabilizasse a aplicação do precedente, o que, de certo modo, adequou-se à ideia de stare decisis.

O Estado que decide de um modo em determinado caso, para ser justo (entendida aqui

Page 54: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a justiça como isonomia), precisa aplicar o mesmo entendimento em caso semelhante. O princípio democrático, conformador da igualdade entre os pares, não poderia levar a outra noção, isso porque, desde a concepção clássica de igualdade aristotélica, o tratamento igualitário deveria ser dado aos iguais e a desigualdade seria justa se aplicada em situações de desigualdade. Assim, é em conformidade com a noção de stare decisis que se passa a pensar o amicus curiae(CARVALHO, 2012, p. 8833).

Ressalte-se que, presentemente, a atuação do amicus curiae restringe-se ao STF e ao STJ, podendo ser utilizado em alguns outros procedimentos infraconstitucional, como no pedido de uniformização das Turmas Nacionais de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (art. 14, §7º da Lei 10.259/2001) ou no julgamento de incidentes de argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (art. 482, §3º, do CPC). A doutrina, no entanto, opõe-se à restrição à atuação dos amici curiae apenas ao ao STF e ao STJ:

Desta forma, com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal, podemos concluir que a intervenção do amicus curiae em todos os processos cujas decisões possam resultar em precedentes para casos futuros, em especial aqueles relacionados aos Recursos Especiais repetitivos, repercussão geral em Recurso Extraordinário e todos os leading cases, deve ser admitida, com um contraditório real, que permita ao amicus sustentar suas razões e ver essas razões sendo consideradas pelo Tribunal no julgamento. Entendemos ainda que é absolutamente desnecessária a previsão legal

Page 55: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

54  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

do ingresso do amicus, posto que é regra decorrente diretamente da Constituição, razão pela qual não deve ser afastada a possibilidade de democratizar a decisão que vai atingir casos futuros (NOGUEIRA, 2012, p. 101-102)[15].

A possibilidade de levar novos argumentos ao julgador pelo amicus curiae, podendo este “produzir ou requerer provas, diligências, participar de audiências públicas, apresentar recursos, oferecer memoriais, fazer sustentações orais etc” (SANTANA, 2012, p. 514)acaba por qualificar a decisão judicial, a qual alcançará maior legitimidade e, por considerar todas as nuances, inclusive aquelas que sequer foram trazidas pelas partes originais do processo, certamente poderá originar um precedente a ser respeitado em futuras decisões cujo caso concreto se assemelhe ao da decisão paradigma.

Impende lembrar que a figura de um juiz solipsista, que julgue sozinho não somente é visão ultrapassada, como não recomendável ou mesmo impossível de acontecer na atualidade[16]. No corrente século a dialogicidade é algo inarredável na interpretação não somente da Constituição, mas de todo o ordenamento jurídico.

Por tudo isso, vê-se que é inegável que a participação do amicus curiae acaba conferindo legitimidade ao Poder Judiciário, como bem lembrou o Ministro Celso de Mello:

PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO "AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art.

Page 56: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do "amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade (STF, Pleno, ADI 2123 MC/DF, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 25/10/2000, publicado em 10/06/2005, p.4).

Page 57: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

56  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, os precedentes formados após amplo debate entre as partes e o juízo, contando com a essencial ajuda do amicus curiae nesse “contraditório institucionalizado” (BUENO, 2011, p. 115), acabam permitindo que a decisão cuja fundamentação aborda os itens discutidos possa se tornar não somente um precedente, mas um precedente legítimo e democrático, garantindo uma maior abertura democrática do Poder Judiciário aos anseios do povo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O NCPC se propõe a imprimir maior celeridade ao trâmite e ao julgamento dos processos. Várias ideias e métodos para a concretização desse valor são sugeridas, dentre eles os incidentes de resolução de demandas repetitivas. A busca pela celeridade e pela efetividade processual acabam fazendo com que o legislador busque soluções no milenar (mais ainda em desenvolvimento) sistema do common law, aproximando do civil law “tupiniquim”, sem, no entanto, realizar as devidas adaptações às particularidades de uma nação de proporção continental, com mais de noventa e cinco milhões de processos em trâmite.

Por um lado, vê-se que a cultura jurídica brasileira de sistematização e respeito aos precedentes ainda engatinha, seja pelas partes, seja pelos juízes. Por outro lado, vê-se que a recente democracia brasileira tem sido questionada, porque, a despeito de formalmente democráticos, o Executivo e o Legislativo pouco têm dado ouvidos aos anseios da população, o que acabou por gerar a recente série de protestos populares, iniciados pela luta por redução do preço das passagens dos transportes públicos em 2013, chegando às diversas manifestações a favor e contra o Governo Federal com o avanço da Operação Lava Jato. Tudo isso trouxe uma miscelânea de demandas reprimidas pela sociedade ou a que o Governo pouco dava importância.

Page 58: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Enfim, parece que a abertura ao diálogo e à participação popular na criação de leis e na gestão pública é um caminho sem volta. Por outro lado, o Poder Judiciário precisa se adaptar a uma abertura democrática. Em resposta a tal problemática, é proposta pelo jusfilósofo alemão Häberle, considerando argumentos de Habermas, a ideia de uma sociedade aberta de intérpretes, em que todas as pessoas, e não somente os juízes, realizam a interpretação da Constituição (no caso específico da tese de Häberle) e de outras leis. A doutrina majoritária entende que o amicus curiae, especial tipo de terceiro interessado, tem suas origens doutrinárias em tal tese.

Isso posto, pugna-se que, quando da solução de demandas que tenham grande impacto sobre a sociedade, a economia, a cultura, passe-se a se utilizar a figura de amicus curiae, uma vez que: 1) o amicus curiae proporciona uma abertura ao diálogo, auxiliando o julgador na formação de seu convencimento; 2) essa intervenção de terceiros sui generis propicia uma abertura democrática, pois permite que associações, universidades, estudiosos e quaisquer outros interessados possam influir na formação das decisões; 3) a decisão prolatada com base na opinião dos amici curiae, além das próprias partes, alcança maior legitimidade democrática e respeitabilidade perante a sociedade; 4) a mesma decisão, além de se basear na opinião dos amicus curiae, pode tomar em conta e influenciar os precedentes formados por juízes e tribunais no Brasil, de forma que a jurisprudência a ser formada será duplamente valorizada: tanto por se basear no anseio popular, quanto na formação da jurisprudência.

Tomando tais providências, eventual crise de legitimidade democrática pela qual possa passar o Poder Judiciário será suplantada por uma jurisprudência que respeita os princípios da segurança jurídica e da igualdade, mantendo, assim, a estrutura estatal e respeitando os direitos fundamentais.

Page 59: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

58  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Precedente judicial versusjurisprudência dotada de efeito vinculante – A ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 491-552.

BORGES, Lara Parreira de Faria. Amicus curiae e o projeto do Novo Código de Processo Civil – Instrumento de aprimoramento da democracia no que tange às decisões judiciais. Porto Alegre, ano 1, v. 1, n. 4, out. 2011. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/51-v1-n-4-outubro-de-2011-/154-amicus-curiae-e-o-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-instrumento-de-aprimoramento-da-democracia-no-que-tange-as-decioes-judiciais>. Acesso em: 29 jul. 2013.

BRASIL. Câmara Dos Deputados. Projeto de Lei (PL) 2.960/1997. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: Diário da Câmara dos Deputados, 1997, p. 10823 e ss. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29ABR1997.pdf#page=25>. Acesso em: 8 out. 2013.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei (PL) 8.046/2010. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 22 dez. 2010. Disponível. em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=945A43E06444363C71DD4E023350B7B5.node2?codteor=831805&filename=PL+8046/2010>. Acesso em: 21 abr. 2015.

Page 60: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Justiça em Números – 2014. Disponível em: <ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Gomes de Barros: STJ precisa resgatar identidade e ser o fiador da segurança jurídica. Notícia de 07 abr. 2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=87058>. Acesso em: 9 out. 2013.

BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

__________. Amicus Curiae no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, abr../jun. 2011, p. 111-121.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993.

CARVALHO, Camilo de Oliveira. A função doamicus curiae no Estado Constitucional e Democrático de Direito. In: ANAIS do [Recurso Eletrônico] XXI- Encontro Nacional do CONPEDI- Uberlândia.Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012, p. 8831-8861. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b265ce60fe4c5384>. Acesso em: 17 jul. 2013.

COELHO, Inocêncio Mártires. As ideias de Peter Häberle e a abertura da interpretação constitucional no direito brasileiro. Brasília, Revista de Informação Legislativa, ano 35, n. 137, jan./mar. 1998, p. 157-164.

Page 61: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

60  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. Vol. 2. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2008.

FONTE, Felipe de Melo; CASTRO, Natália Goulart.Amicus Curiae, Repercussão Geral e o Projeto de Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et alli(orgs.). Novas tendências do Processo Civil: Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013.

GONTIJO, André; SILVA, Christine Oliveira Peter da. O papel do amicus curiae no Estado Constitucional: Mecanismo de acesso da transdisciplinaridade no processo de tomada de decisão constitucional. In:Anais do [Recurso Eletrônico] XIX Encontro Nacional do CONPEDI – Fortaleza. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012, p. 84-99. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3299.pdf>. Acesso em: 8 out. 2013.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997.

MENEZES, Paulo de Tarso Duarte. Aspectos Gerais da Intervenção do Amicus Curiae nas Ações de Controle de Constitucionalidade pela Via Concentrada. Direito Público, ano 5, vol. 17, n.7, jul.-set./2007.

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – Dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo, ano 37, vol. 206, abril/2012.

Page 62: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado brasileiro. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

RAATZ, Igor. Considerações Históricas sobre as diferenças entre common law e civil law: Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, ano 36, vol. 199, setembro/2011, p. 159-191.

REDONDO, Bruno Garcia. Aspectos essenciais da teoria geral do precedente judicial: identificação, interpretação, aplicação, afastamento e superação. Revista de Processo, ano 38, vol. 17, março 2013.

SANTANA, Patrícia da Costa. Um novo hermeneuta para o incremento do acesso à justiça: oamicus curiae na tutela coletiva de direitos. In: SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROVER, Aires José (coord.). Processo e jurisdição [Recurso eletrônico on-line]. Florianópolis: FUNJAB, 2012, p. 503-532. Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=dba31bb5c7599269>. Acesso em: 17 jul. 2013.

SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 133-201.

SILVA, Paulo Maycon Costa da. Do amicus curiae ao método da sociedade aberta dos intérpretes. Revista CEJ, Brasília, ano XII, n. 43, out./dez. 2008, p. 22-30.

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. Curitiba: Juruá, 2006.

TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo, São Paulo, ano 36, vol. 199, setembro/2011, p. 140-155.

Page 63: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

62  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo, ano 35, vol. 189, novembro/2010.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 11-95.

NOTAS DE FIM

[1] Sobre esse incurso histórico, conferir: RAATZ, 2011, p. 181 e ss.

[2] Adverte Marinoni (2011 apud MITIDIERO, 2012, p. 71) que “para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Até porque os contornos de um precedente podem surgir a partir da análise de vários casos, ou melhor, mediante uma construção da solução judicial da questão de direito que passa por diversos casos”.

[3] Para Redondo (2013, p. 412), há, na verdade, o que se pode chamar de distinguish-método, a técnica em si de comparação entre paradigma e paragonado, edistinguish-resultado, na qual ao resultado do primeiro, quando se constata a diferença, não se aplica o paradigma. Além disso, afirma que restrictive eampliative distinguishing seriam espécies dedistinguish-resultado, sendo quem no primeiro, em razão da liberdade do julgador em apreciar o caso, há atividade criadora e, no segundo, por se manter a aplicação do precedente, atividade legislativa.

[4] “Espécie de revogação preventiva, por órgãos inferiores, do precedente firmando por Corte superior, nos casos em que esta última, embora sem dizê-lo expressamente, altera o seu

Page 64: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

posicionamento quanto a precedente outrora firmado” (TUCCI apud DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355).

[5] Remete-se o leitor ao item 4.2. Adiante-se, de qualquer forma, a opinião de Santos (2012, p. 137-138): “Não acredito que devamos simplesmente ‘importar’ uma teoria do precedente formulada para a realidade do common law, adaptando para o nosso contexto aquilo que lá representariam seus institutos fundamentais. [...] Em meu sentir, temos para com o precedente uma relação ontologicamente distinta daquela desenvolvida no common law. Embora esse não seja o objeto deste ensaio, uma das diferenças que me parecem essenciais entre esses dois mundos, é o de que, em nosso ordenamento (assim como de modo geral nos ordenamentos de civil law) o precedente judicial conta com natureza eminentemente interpretativa. Isto é, representa, como regra, a interpretação e aplicação da lei por parte de determinado órgão judicial. Deve servir, por isso, como orientação de como a mesma regra jurídica deverá ser interpretada quando esse ou outro órgão judicial se depare com situação semelhante no futuro. Digo mais: serve até para o próprio cidadão ter para si qual seria a interpretação mais adequada para determinado dispositivo de lei e, com isso, pautar sua conduta individual”.

[6] Nesse sentido, confira-se: COELHO, 1998, p. 157 e ss.; SILVA, 2008, p. 22 e ss; CARVALHO, 2012, p. 8831 e ss. etc.

[7] Sobre o tema, recomenda-se a leitura do acalorado debate entre os Ministros do STF quando da discussão, em sede de questão de ordem na ADI 2223, da possibilidade de sustentação oral pelo amicus curiae, à época representado pelo atualmente Min. Roberto Barroso, mesmo após a promulgação da Lei 9.868/99. Na ocasião, restou inadmitida a sustentação oral, vencidos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Nelson Jobim, que votaram pela possibilidade de sustentação oral pelo amicus curiae. (STF, Pleno, ADI 2223 MC/DF, Relator Min. Maurício Corrêa, julgado em 10/10/2002, publicado em 05/12/2003, p. 18).

[8] “Pouco a pouco, emergiu um novo tipo de legislação: as leis indicam certas finalidades ou princípios, deixando a especificação a normas subordinadas, a decisões de ministros ou autoridades

Page 65: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

64  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

regionais ou locais, ou aos cuidados de novas instituições, como agências, comitês, tribunais administrativos etc”. (CAPPELLETTI, 1993, p. 40-41).

[9] “Os sistemas representativos de governo andavam orgulhosos do convencimento de incorporar, pela sua própria natureza, o consenso dos governados: o povo vivia sob o império da lei por ele mesmo estabelecida, por meio de representantes por ele eleitos. Mas hoje (...) tornou-se extremamente longo e sutil o fio que une o voto dado pelo cidadão, para a eleição de membro do parlamento, com as numerosas decisões da autoridade pública, que exercem os seus efeitos sobre a esfera daquele cidadão; é necessária muita força de imaginação para pensar que tais decisões estejam baseadas numa lei que, no ápice, as tenha autorizado. Assim, o cidadão fica sempre mais em dúvida quanto à ‘legitimação’ dessas decisões. E esta posição de dúvida é um fenômeno (...) que pode ser encontrado em todos os países industrializados do Ocidente”. (KOOPMANS apud CAPPELLETTI, 1993, p 45-46)

[10] “São exatamente esses grupos marginais, grupos que acham impossível procurar acesso nos poderes “políticos”, que a Corte pode melhor servir (...) Enquanto, efetivamente, são essencialmente políticos os poderes da Corte, pelo que os grupos marginais podem aguardar por parte da Corte o apoio político que não estão em condições de encontrar em outro lugar, os procedimentos da Corte, pelo contrário, são judiciários. Significa isso que tais procedimentos se baseiam no debate em contraditório (“adversary”) entre as duas partes, vistas como indivíduos iguais; dessa forma, os grupos marginais podem esperar audiência muito mais favorável de parte da Corte do que de organismos que, não sem boa razão, olham além de individuo, considerando em primeiro lugar a força política que pode trazer à arena” (CAPPELLETTI, 1993, p. 99).

[11] “Lembro, mais uma vez, as regras fundamentais de antiga sapiência, que imprimem ao processo judiciário a sua natureza única: a regra, segundo a qual, a função jurisdicional não pode ser exercida senão a pedido da parte, e aquela, segundo a qual, o juiz não pode ficar sujeito a pressões parcializadas e deve garantir o

Page 66: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

contraditório das partes. Pois bem, entendo que justamente no respeito a essas regras fundamentais está a melhor garantia da legitimidade democrática da função judiciária” (CAPPELLETTI, 1993, p. 101-102).

[12] “Essa última conclusão pode ser reforçada por um quinta e ultima consideração. Há poucos observei como apenas em sistemas democráticos de governo os direitos do homem têm a chance de serem respeitados. Contudo, o inverso também se mostra verdadeiro: a democracia não pode sobreviver em um sistema em que fiquem desprotegidos os direitos e as liberdades fundamentais. E como notei em outra parte deste ensaio, citando eminente economista, “a preservação da liberdade exige a eliminação (da) concentração de poder (...) e a (...) distribuição do tanto de poder que não possa ser eliminado, vale dizer, um sistema de checks and balances.

Parece bem evidente que a noção de democracia não pode ser reduzida a uma simples ideia majoritária. Democracia, como vimos, significa também participação, tolerância e liberdade. Um judiciário razoavelmente independente dos caprichos, talvez momentâneos, da maioria, pode dar uma grande contribuição à democracia; e para isso em muito pode colaborador um judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo, tanto que seja capaz de assegurar a preservação do sistema de checks and balances, em face do crescimento dos poderes políticos, e também controles adequados perante os outros centros de poder (não governativos ou quase-governativos), tão típicos das nossas sociedades contemporâneas” (CAPPELLETTI, 1993, p. 106-107).

[13] Dados de 2014, colhidos no Relatório Justiça em Números do CNJ, disponíveis em: <ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.

[14] Segundo o Min. aposentado do STJ, Humberto Gomes de Barros, jurisprudência defensiva consiste “na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2008).

Page 67: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

66  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[15] Em complemento a essas considerações, vale lembrar a sempre arguta opinião de Bueno (2008, p. 68-69): “Nessas condições, a figura amicus curiae parece-nos uma forma – dentre outras tantas em que se poderia pensar – de favorecer esse necessário e inadiável diálogo. Mais ainda quando, em forma crescente, as decisões judiciárias, mormente, mas não exclusivamente, as derivadas dos tribunais superiores, tendem a vincular as instâncias inferiores, a Administração Pública e, consequentemente, toda a sociedade civil. Que não se trate, em qualquer caso, de uma vinculação jurídica, ainda excepcional entre nós, mesmo depois da Emenda Constitucional n. 45 /2004. Mas a vinculação “fática”, “não jurídica”, meramente, persuasiva, é, por si só, fator que deve chamar a atenção do processualista. Ainda mais quando a existência de uma súmula ou de mera “jurisprudência predominante” é capaz de abreviar o procedimento jurisdicional, desde o primeiro grau de jurisdição, para o atingimento de uma mesma decisão”.

[16] “Michelman critica a concepção monológica de Dworkin da tomada de decisão judicial nos seguintes termos: ‘O que se encontra ausente é o diálogo. Hércules... é um eremita. Ele é por demais heróico. Suas construções narrativas são monológicas. Ele não dialoga com ninguém, senão através de livros. Não tem enfrentamentos. Não encontra com ninguém. Nada o abala. Nenhum interlocutor viola a inevitável insularidade de sua experiência e postura. Hércules, no entanto, é apenas um homem e nenhum homem ou mulher poderia ser tudo isso. Dworkin produziu uma apoteose do juízo revisional sem atentar para o que parece ser a característica mais notável da corte revisional, a sua pluralidade’” (HABERMAS apud BORGES, 2011).

Page 68: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE ABUSO SEXUAL COMO FORMA DE ALIENAÇÃO PARENTAL: DIFICULDADES PROBATÓRIAS

DANIELE DE LUCENA ZANFORLIN: Bacharela em Direito, FDR-UFPE. Advogada. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões, FDR-UFPE. Coautora dos livros "Do Direito Civil I", "Dos Contratos", "Dos Direitos Reais"e "Das Famílias e das Sucessões", coletânea de Direito Civil escrita por alunos e professores da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e coordenada por professores da Casa.

RESUMO: O trabalho busca analisar a SAP – Síndrome de Alienação Parental a partir da imputação, pelo alienador, da prática de abuso sexual pelo genitor alienado e as dificuldades probatórias daí decorrentes. Propõe-se uma posição mais ativa por parte do Juiz e dos advogados das partes.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família. Alienação parental. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Síndrome de Alienação Parental:

dificuldade probatória 3. Conclusão. 4. Referências.

1. Introdução

O presente texto visa analisar os problemas existentes na seara judicial em torno da SAP – Síndrome de Alienação Parental, inclusive os prejuízos decorrentes de falsa acusação, a problemática relativa à prova, bem como as medidas profiláticas e punitivas cabíveis.

A SAP – Síndrome da Alienação Parental cuida-se de síndrome proposta pelo professor de psiquiatria infantil da Universidade de Columbia (EUA), Richard Gardner, que se tornou conhecido na década de 80 justamente por dar nome a esta suposta

Page 69: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

68  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

síndrome que acometeria especialmente crianças expostas a disputas judiciais entre seus pais.

A preocupação cinge-se na crescente discussão, no cenário nacional, a respeito do tema, que ganhou força após a promulgação da lei sobre a guarda compartilhada, sem, contudo, a observação das críticas e polêmicas sobre o trabalho de Gardner que tem ganhado força internacionalmente.

2. Síndrome de Alienação Parental: dificuldade probatória

A expressão síndrome da alienação parental foi cunhada por Richard Gardner para nomear o processo, comum em crianças de até 06 (seis) anos, mas igualmente possível em adolescentes, em que alguém (pai, mãe ou até mesmo avô/avó) programa uma criança para que, após a separação, passe a odiar um dos pais (ou avô/avó), manipulando-a a ponto de leva-la a crer ter vivenciado algum fato que, em verdade, nunca ocorreu.

O fenômeno da SAP passou a ser verificado com maior frequência a partir dos anos 80, haja vista o aumento dos casos de separação conjugal, tendo a sindromização desse processo tido lugar nos Estados Unidos, mediante as pesquisas e trabalhos do psiquiatra Richard Gardner que apontou a utilização do filho como arma por um dos genitores insatisfeito com a separação.

A SAP finda por ter íntima relação com o sentimento de vingança, gerando o perecimento da relação entre um dos genitores e o seu filho, em virtude da incapacidade do genitor alienador em aceitar o fim do casamento, sua insatisfação com a renda financeira obtida ou em razão de um bem sucedido envolvimento afetivo do ex-companheiro com outra pessoa após o fim do casamento.

Costuma-se utilizar a figura da mãe como agente alienador apenas com fins didáticos, em virtude da demonstração prática de que a maioria dos casos envolve esta figura como principal

Page 70: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        69 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

protagonista do papel de desencadeadora da alienação, ainda que, em diversas situações, seja possível o seu exercício pelo pai ou avô/avó[1].

Cumpre esclarecer que este posicionamento decorre da cultura brasileira de conferir a guarda dos filhos para a mãe, o que vem sendo modificado em virtude do recente prestígio conferido à guarda compartilhada, tendendo a possibilitar novos arranjos para a ocorrência da SAP, quando, na verdade, deveria servir como uma forma de amenizar este problema.

A SAP, ao contrário do que se poderia pensar, é uma realidade presente nos lares brasileiros. Ocorre que a anterior visão patrimonial do Direito de Família não permitia ao Judiciário verificar a sua ocorrência, haja vista a notável preocupação dos institutos jurídicos com a proteção do patrimônio em face da proteção do indivíduo. Com a reconstrução do Direito de Família e o amparo conferido à criança e ao adolescente, no entanto, passamos a ter um sistema voltado à proteção do indivíduo em si, com base em noções como afetividade, filiação, responsabilidade e autoridade parental.

Estes novos paradigmas vierem em bom tempo, permitindo ao Judiciário, agora, a análise de outros problemas de grande importância em nosso ordenamento, tais como o relacionamento construído entre os genitores e a criança após a sua separação, onde é possível a verificação da SAP que tem como resultado, além do fim do relacionamento entre a criança e o alienado, a possível ocorrência de outros transtornos elencados por Ana Surany Martins[2]:

“Depressão crônica, desespero, ansiedade e pânico, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e de imagem, sentimento incontrolável de culpa, isolamento,

Page 71: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

70  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade, uso de drogas, dificuldade de estabelecer relações afetivas estáveis e, quando adultos, as vezes até o suicídio.”

Assim conclui a autora[3]: “Logo, é possível compreender a SAP como

uma patologia jurídica caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda, sendo a vítima maior criança ou adolescente que passa a ser também joguete de quem ama, vivendo uma contradição de sentimentos até chegar ao rompimento do vínculo de afeto, através da distorção da realidade (processo de morte inventada ou implantação de falsas memórias), onde o filho (alienado) enxerga um dos pais totalmente bom e perfeito (alienador) e o outro totalmente mau.”

Dentre todas as condutas que o agente alienador pode empreender a fim de obter o afastamento do filho do genitor alienado, a pior delas, por trazer consequências mais nefastas, é a falsa denúncia de abuso sexual, promovida com o fim de obter imediato afastamento entre a criança e o agente alienado, concretizada mediante o manejo de ação cautelar, preparatória ou incidental, que faculta uma rápida suspensão da visitação do pai ao filho.

A suspensão cautelar do exercício do direito de visita se justifica ante a notícia de possíveis abusos sexuais perpetrados pelo genitor alienado. Noticiada conduta ao juiz, é fato que este, liminarmente, não possui um juízo de certeza a respeito da efetiva ocorrência do fato, porém, é igualmente certo que, ainda que haja a possibilidade de ser uma denúncia vazia, motivada única e exclusivamente pelo desejo de vingança do agente alienador, é

Page 72: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        71 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mais danoso, haja vista a dúvida implantada por ele, manter o convívio entre o filho e o genitor alienado acusado de praticar abuso sexual, do que fazer cessar, cautelarmente, esta convivência, enquanto não se tem certeza se a mesma é danosa ou não.

Ocorre que o conflito jurídico que se instala a partir da notícia da prática de abuso sexual e o necessário afastamento entre os filhos e os pais até que se tenha certeza a respeito do fato pode implicar numa injusta e longa separação dos envolvidos.

É que incide no caso a conhecida morosidade do nosso Judiciário, problemática enfrentada por todo o nosso sistema jurídico, em especial na seara do processo civil, de aplicação subsidiária na maior parte dos ramos jurídicos, onde estão previstas diversas hipóteses de recurso, tanto das decisões de mérito, quanto das interlocutórias, que acaba por alongar o procedimento, fato que trás inúmeras consequências no que tange ao Direito de Família[4].

Somem-se a isso as dificuldades de se provar um fato negativo, tornando quase impossível a prova, pelo acusado, da não ocorrência do fato noticiado. Neste sentido, suspendidas as visitas, o juiz determinará a realização de estudos sociais e psicológicos, entrevistas e terapias, cuja ineficácia probatória é apontada pela doutrina, que afirma ser impossível provar, através da utilização de dados decorrentes da memória sensorial da criança, a total inocência do acusado.

Em crimes de ordem sexual o único meio de prova efetivamente apto à comprovar cabalmente a ocorrência ou não do crime é o exame de corpo de delito realizado imediatamente após o fato delituoso. A realidade, na hipótese de alienação parental, contudo, é que haja um considerado lapso temporal entre a suposta prática do abuso sexual e a comunicação do fato ao Judiciário, impossibilitando a realização de uma perícia efetivamente conclusiva. Além disso, é comum que o agente alienador se valha

Page 73: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

72  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de simples acidentes domésticos ou brincadeiras das quais decorram lesões na criança para imputar ao outro genitor falso cometimento de ilícito penal.

Neste contexto, defende-se que o magistrado, diante de uma notícia da prática de abusos sexuais temporalmente deslocada, deve se questionar das razões que levaram o alienador a romper com o silêncio apenas agora, quando tinha o dever jurídico de cuidado, proteção ou vigilância, o que pode revelar a intenção da parte de imputar falsamente ao alienado a prática de crime[5].

A situação em exame, portanto, gera um grande conflito em virtude das dificuldades em se provar, cabalmente, a efetiva ocorrência do fato denunciado, podendo, muitas vezes, gerar o processamento e a condenação de alguém fundamentado em provas frágeis, indícios ou, até mesmo, de laudos periciais produzidos a partir de afirmações da criança programada pelo genitor para confirmar a ocorrência do abuso, quando, em muitos casos, verificou-se, apenas, acidentes domésticos ou provocados por terceiros, o que, contudo, não pode significar entrave à condenação com base em laudo conclusivo, hipótese que não se descarta.

Desta forma, é essencial que o Judiciário esteja preparado para identificar quando a notícia do cometimento de um crime sexual tenha fundamentos, ou seja, decorrente, apenas, do interesse da parte em minar o relacionamento entre os filhos e o genitor alienado.

Neste ponto, ressalta-se a interdisciplinaridade que se verifica entre o Direito e as ciências que estudam a alma humana, especialmente em casos em que ocorre a SAP. Em que pese as dificuldades no diagnóstico da efetiva ocorrência de abusos sexuais, a psicologia e a psiquiatria da infância tem importante papel na detecção da alienação parental.

Page 74: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        73 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Exemplificando o importante papel da perícia psicológica na identificação da alienação parental em hipóteses de suposta prática de abuso sexual transcrevemos o acórdão abaixo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

DIREITO DE VISITAS. PAI. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO. POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO PARENTAL. 1. Como decorrência do poder familiar, o pai não-guardião tem o direito de avistar-se com a filha, acompanhando-lhe a educação, de forma a estabelecer com ela um vínculo afetivo saudável. 2. A mera suspeita da ocorrência de abuso sexual não pode impedir o contato entre pai e filha, mormente quando existe laudo de estudo social sugerindo a ocorrência de processo de alienação parental. 3. As visitas ficam mantidas conforme estabelecido, com assistência e intermediação de Oficial de Justiça e membro do Conselho Tutelar, com o que restará assegurada a integridade física e psicológica da menor durante o convívio com o genitor. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70051595841, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 12/12/2012)

Com efeito, o juiz, na maioria dos casos, não possui os conhecimentos específicos dessa área. Em que pese não se esqueça de que os contínuos anos na área de família possam ter-lhe conferido prática suficiente para identificar a ocorrência da SAP, os profissionais da área de saúde possuem melhor conhecimento técnico para reconhecer a prática da alienação.

Page 75: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

74  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, em procedimentos em que a prova documental não tem grande serventia e a prova testemunhal caracteriza frágil força probante, a prova pericial é a que possui maior destaque.

“Logo, é possível se afirmar que a interdisciplinaridade entre o Direito e a Psiquiatria/Psicologia evidencia a relevância da prova no campo familiar, por tentar desvendar as reais afeições e/ou desafeições, abusos ou inexistência dos mesmos de qualquer ordem e as mudanças ocorridas no seio das famílias, interpretando-se a personalidade psíquica dos agentes em foco (guardião alienador/ex-consorte não guardião/criança/adolescente).” [6]

No que tange à solução dos casos de SAP, salienta-se o importante papel do juiz e do advogado da causa. Este como o primeiro julgador da causa, devendo perceber as intenções de seu cliente e não figurar como co-alienador, e aquele como o pai social da causa, devendo, portanto, ter sensibilidade de perceber os casos em que ocorrem a SAP, evitando certas decisões injustas.

A atuação conjunta dos operadores do Direito e dos demais profissionais envolvidos no caso, portanto, possui a importante função de identificar a ocorrência da SAP para, o quanto antes, buscar a minoração dos seus efeitos, curando-a ou evitando consequências piores.

A despeito disso, verifica-se que os nossos Tribunais ainda são conservadores em identificar a ocorrência da SAP, negando a realidade evidente, à exceção de algumas decisões gaúchas que admitem, inclusive, a mudança da guarda da criança, mesmo que em caráter provisório, a fim de se combater a SAP.

Some-se a isso a possibilidade de destituição do poder familiar, haja vista a configuração do abuso de autoridade, bem

Page 76: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

como a cominação de multa e outras medidas de natureza cautelar, como a fixação de visitas monitoradas ou em locais públicos, de acordo com a exigência do caso concreto, advertências ao alienador e encaminhamento dos envolvidos para tratamento psicológico.

Em alguns casos, ainda, aponta-se ser aconselhável que a guarda da criança seja deferida a pessoa diversa dos genitores, como um avô ou avó, sempre que isto for o melhor para a criança, fundamentado no princípio do melhor interesse do menor. Tal medida fundamenta-se na doutrina da proteção integral[7], que alça os jovens e as crianças a uma posição de prioridade absoluta dentro do nosso ordenamento, bem como no disposto nos arts. 17 e 18 do ECA, que evidenciam essa nova posição do ordenamento.

A indenização por dano moral e material não pode ser deixada e lado, encontrando previsão no art. 186 e 927 e seguintes do CC/02, plenamente aplicáveis ao Direito de Família.

Outra medida profilática à instauração da SAP é a fixação da guarda compartilhada, quando a litigiosidade que existe entre o casal permita esta medida. É que, na guarda compartilhada, não só a convivência da criança é partilhada entre os pais, como também a tomada de decisão sobre as questões da vida da criança exige uma concordância dos dois genitores, o que tenderia a afastar a possibilidade da instauração da SAP.

É que na realidade da guarda unilateral, ainda que se preveja o direito de visita (na verdade muito mais um poder-dever, posto que ele é instituído mais no interesse da criança de conviver com seu genitor do que no do pai), tem-se a configuração de um ambiente muito mais propício à instauração da alienação parental e o seu consequente agravamento em síndrome.

Page 77: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

76  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A guarda compartilhada, por seu turno, trás o exercício contínuo, absoluto e simultâneo do poder familiar entre os dois genitores, além do convívio permanente dos filhos com ambos os pais, o que tende a afastar os efeitos nefastos da guarda exclusiva em contraposição ao direito de visita.

A guarda compartilhada, portanto, promove um maior contato entre os filhos e ambos os genitores (e suas famílias), permitindo o crescimento dos laços de afetividade, tornando difícil o empreendimento de atitudes alienadoras por algum dos cônjuges, atendendo aos princípios do melhor interesse da criança e o princípio do direito à convivência familiar.

Esta, contudo, não é uma medida a ser adotada em todos os casos concretos, sem qualquer restrição. Na verdade, e em especial quando já se verifique condutas de alienação, a determinação da guarda compartilhada é medida que exige do magistrado uma boa análise do caso concreto, verificando a maturidade dos envolvidos, especialmente no que tange à superação do fim do matrimônio[8].

Em casos em que já esteja instalada a SAP de forma grave a psicoterapia pode ser determinada, a qual, contudo, não se sujeitará ao tempo do processo, mas sim terá como lapso temporal aquele determinado pelo caso concreto.

Por outro lado, não podemos esquecer que a perpetuação da SAP depende da conduta ativa do genitor alienado em coibir, inclusive por vias judiciais, a prática da alienação. Ocorre que há casos em que se verifica o comodismo do genitor alienado diante das condutas do alienador, mantendo-se omisso e afastado do desenvolvimento dos filhos, contribuindo, assim, passivamente para a alienação.

Esta conduta omissa do genitor alienado, muitas vezes fundamentada por sua covardia e desistência do exercício da

Page 78: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

paternidade, possui iguais consequências negativas para a criança, principal vítima deste processo.

Outro meio de defesa para a caracterização da SAP seriam as medidas previstas no Projeto de Lei nº 4.053/08, promulgado em 2010 através da Lei nº 12.318/10. A lei em exame, além de ter conceituado o que seria a alienação parental em rol meramente exemplificativo, teve o condão de permitir ao juiz, ainda que diante de indícios ainda não comprovados, que determine medidas cautelares a fim de fazer cessar os efeitos decorrentes da SAP.

Tais medidas são: determinação de perícia psicológica ou biopsicossocial a ser realizada por equipe multidisciplinar com reconhecidos conhecimentos na área, advertência do alienador, ampliação do regime de convivência familiar entre a criança e o alienado, determinação de multa para o alienador, determinação da guarda compartilhada ou da sua inversão, determinação de fixação cautelar do domicílio do menor (especialmente naqueles casos em que a alienação decorra da constante modificação de domicílio do menor), suspensão do poder familiar ou, até, a perda do poder familiar, nos casos em que se verifique tamanha gravidade a justificar esta medida excepcional.

Por fim, compreende-se que a principal forma de combater a SAP seria a preparação dos operadores do Direito e demais profissionais envolvidos nas demandas judiciais para identificarem, desde o início, a ocorrência da alienação a fim de combate-la antes que atinja os seus efeitos.

“Portanto, a SAP é uma mácula que se instala no seio familiar, devendo e podendo ser combatida e, se possível, minada a partir do labor atento dos magistrados, promotores, assistentes, peritos, etc., no sentido de usarem sua sensibilidade para perceberem os sutis ou explícitos contornos do quadro alienatório.”[9]

Page 79: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

78  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

3. Conclusões

A prática tem apontado a existência em nossa sociedade de genitores que, não satisfeitos com o fim do relacionamento, alienam os seus filhos, fazendo-os repelir o convívio com o genitor alienado, usando-os, portanto, como arma para atingir o ex-cônjuge. Trata-se de situação que deve ser compreendida e evitada pela nossa sociedade, em especial pelo Judiciário, onde geralmente os conflitos decorrentes destas condutas vão buscar a sua legalização.

Neste contexto, tem grande importância as falsas notícias de abuso sexual, um dos mais graves atos de alienação que pode ser praticado pelo alienador e que conduz à gravíssimas consequências, não só à relação da criança e do genitor alienado (cujo convívio pode ser cautelarmente suspenso em virtude dos indícios apresentados pelo alienador), mas para o próprio acusado, que pode ser processado por uma falsa imputação de crime.

Configurada esta situação a problemática relativa à prova deste fato negativo – não ocorrência do abuso sexual – ganha grande importância. Em crimes de ordem sexual a prova mais importante ainda é o exame de corpo de delito. Ocorre que nos casos de alienação parental, muitas vezes, há um considerável lapso temporal entre a ocorrência do suposto abuso e a sua denúncia, o que impede a realização de uma perícia conclusiva.

Nestas situações, a perícia psicológica não tem condições que produzir um laudo conclusivo, posto que irá se basear, muitas vezes, nas memórias sensoriais da criança, que facilmente podem ser manipuladas pelo alienador. Nos demais casos de SAP os trabalhos empreendidos pelos psicológicos e psiquiatras possuem significativos resultados no reconhecimento e diagnóstico da SAP.

Não só eles, mas a contribuição do magistrado da causa e dos advogados envolvidos é extremamente importantes, razão pela

Page 80: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

qual devem estar preparados para identificar estas situações e combate-las de forma eficaz, a fim de que não se verifiquem consequências por demais danosas às principais vítimas – os menores.

Assim, tem grande importância a atual Lei de Alienação Parental, que prevê, em rol taxativo, condutas consideradas alienadoras, bem como atribui ao juiz poderes de, liminarmente, adotar medidas cautelares que visem à eliminação da alienação.

4. REFERÊNCIAS

COSTA, Ana Surany Martins. Alienação parental: o “jogo patológico” que gera o sepultamento afetivo em função do exercício abusivo da guarda. Direito de família e sucessões nº16. Jun-jul/2010

SOUZA, IVONE M. CANDIDO COELHO DE.Alienação Parental (Lupi et Agni). Direito de família e sucessões nº 16. Jun-jul/2010.

SOUSA, Analicia Martins de. Algumas questões para o debate sobre síndrome da alienação parental. Direito das Famílias e Sucessões nº 16. Jun-jul/2010

NOTAS:

[1] Quanto a isto, inclusive, a Lei de Alienação Parental estabeleceu a possibilidade de alienação levada a cabo não só pela mãe ou pai, mas pelos avós, bem como alçou estes à categoria de vítimas da alienação, demonstrando que não se trata mais de uma conduta quase que exclusivamente feminina, o que se pode atribuir à ainda recente modificação de nossa cultura, que passou a admitir a possibilidade de conferir a guarda das crianças para o pai ou outro parente, de acordo com o melhor interesse da criança.

[2] COSTA, Ana Surany Martins. Alienação parental: o “jogo patológico” que gera o sepultamento afetivo em função do exercício abusivo da guarda. Direito de família e sucessões nº16. Jun-jul/2010. P. 65.

Page 81: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

80  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[3] COSTA, Ana Surany Martins. Alienação parental: o “jogo patológico” que gera o sepultamento afetivo em função do exercício abusivo da guarda. Direito de família e sucessões nº16. Jun-jul/2010. P. 65.

[4] O Novo CPC, na sua redação atual, trará grandes modificações ao nosso ordenamento, prevendo um procedimento mais célere, garantindo a harmonia entre o princípio da razoável duração do processo e o do contraditório. No que tange ao Direito de Família, prevê-se a obrigatoriedade da audiência de tentativa de conciliação como ato inicial no processo, podendo ser estendida por quantos encontros forem necessários para alcançar seus objetivos, visando-se, em todos os casos, o alcance de um acordo. Trata-se de medida salutar a fim de satisfazer os interesses das partes envolvidas sem um maior sacrifício destas, em especial os filhos. Promovendo-se um maior contato entre o juiz da causa e os envolvidos nos litígios de família é capaz de, como mais adiante melhor demonstraremos, alcançar um diagnóstico precoce de eventual alienação parental, capaz de fulmina-la antes que ocasione maiores danos para os menores.

[5] Configurada esta hipótese, sugere a autora que o magistrado alerte o alienador que, segundo disposto na alínea a do §2º do art. 13 do CP, a sua conduta é, da mesma forma, penalmente relevante, posto que omitiu-se quando podia agir para evitar o resultado, tentando, destarte, inibir eventual imputação falsa de crime sexual.

[6] COSTA, Ana Surany Martins. Alienação parental: o “jogo patológico” que gera o sepultamento afetivo em função do exercício abusivo da guarda. Direito de família e sucessões nº16. Jun-jul/2010. P. 72.

[7] A doutrina da proteção integral da criança, que foi consagrada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos da Criança, na CF/88 e no ECA, parte do pressuposto de que as crianças e adolescentes devem ser concebidos pelo ordenamento como cidadãos plenos, mas sujeitos à proteção prioritária do Estado, posto que são pessoas em desenvolvimento físico, psicológico e moral, criando, assim, um sistema em que estes

Page 82: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

jovens até de 18 anos de idade são titulares de interesses subordinados em face da família, da sociedade e do Estado, cujos princípios encontram-se sintetizados no caput do art. 227 da CF/88.

[8] Não se pode esquecer que, diante da constante modificação dos contornos do caso concreto, a coisa julgada, em processos de família, em que pese ser formal e material, não tem como ser dotada de inexorável imutabilidade. Verificada nova realidade no seio da família, é plenamente possível novo pedido de revisão da guarda, a fim de encontrar um caminho mais favorável ao interesse da criança. Neste sentido foi o entendimento do TJRS, conforme se vê: APELAÇÃO CÍVEL. REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA. COISA JULGADA NÃO OCORRIDA. GUARDA MANTIDA COM A MÃE. Tratando-se de relação jurídica continuativa, sempre que houver mudança nas condições de fato, caberá alteração da guarda dos filhos. Nenhuma inobservância ao devido processo legal ocorreu nestes autos. Ao ter notícia da alteração liminar de guarda da filha, o genitor poderia ter apresentado sua inconformidade, via recurso próprio. Não o fez certamente por opção de estratégia processual. Tocante ao mérito, ao longo do feito se verificou que a genitora reuniu melhores condições de ter a filha sob seus cuidados. O apelante apresentou comportamento de dificultava as visitas, havendo, ademais, noticias de abuso por ele perpetrado contra a filha, e fortes indícios de alienação parental. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70049995046, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 29/11/2012)

[9] COSTA, Ana Surany Martins. Alienação parental: o “jogo patológico” que gera o sepultamento afetivo em função do exercício abusivo da guarda. Direito de família e sucessões nº16. Jun-jul/2010. P. 78.

Page 83: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

82  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

DISSÍDIOS COLETIVOS DE NATUREZA ECONÔMICA E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45

SUELLEN SANTOS RODRIGUES DE AGUIAR: Analista Judiciária do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal da Paraíba, residente em João Pessoa - PB.

RESUMO: O direito deve albergar as modificações da sociedade, a fim de atingir os reclames das relações jurídicas. Nesse sentido, a Emenda Constitucional 45/2004 elencou profundas mudanças na Constituição Federal, que se fizeram sentir em vários âmbitos legais. O presente artigo pretende explicitar, especificamente, o impacto da supracitada emenda constitucional no que tange ao instituto dos dissídios coletivos, focando nos conceitos gerais e polêmicas concernentes, tais como a suposta obrigatoriedade do acordo comum das partes para o ajuizamento do dissídio, bem como a possibilidade de o Ministério Público do Trabalho instaurar a contenda.

Palavras-chave: Emenda Constitucional; dissídio coletivo; negociação coletiva, MPT.

INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho é o ramo da ciência do direito que tem por objeto as normas, as instituições jurídicas e os princípios que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse

Page 84: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

trabalho em sua estrutura e atividade. O Direito Processual do Trabalho, por sua vez, é o complexo sistemático de normas que disciplinam a atividade das partes, do Juiz e de seus auxiliares, no processo individual, coletivo e intersindical não coletivo do trabalho.

O direito material e o direito processual do trabalho se complementam para a conservação da ordem jurídica trabalhista e para a realização do direito objetivo e subjetivo, através do processo, contribuindo para a paz social, e amenizando a hipossuficiência dos trabalhadores.

Diante de tais conceitos, o presente labor foi realizado com vistas a enriquecer o conteúdo intelecto-jurídico no que diz respeito a este tema, com foco no tema dos dissídios coletivos de natureza econômica, que foram visivelmente alterados pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

O trabalho abordará uma introdução sobre a supracitada emenda, seguida de uma explanação geral sobre dissídios coletivos, para, somente após, abordar a alteração feita pela norma constitucional, seus termos e polêmicas.

O Direito faz parte da vida dos povos, e o Direito Processual do Trabalho executa papel fundamental na proteção dos direitos dos cidadãos, buscando, sempre, a resolução dos conflitos, através do reequilíbrio dos hipossuficientes.

CAPÍTULO I: A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004

A emenda constitucional nº 45, aprovada dia 17 de novembro de 2004, após anos de tramitação e debates ferrenhos, promulgada dia 08 de Dezembro e publicada dia 31 de Dezembro daquele ano, iniciou um processo de reforma do Poder Judiciário Brasileiro.

Page 85: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

84  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Tais disposições inovaram em inúmeros aspectos, como a constitucionalização do princípio da celeridade processual, elevação ao posto de Emenda Constitucional dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos (obviamente, se o quórum for alcançado), o surgimento da súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, o fim das férias coletivas, entre outros institutos. Contudo, as mudanças mais importantes foram aquelas ligadas à competência dos Tribunais (STF, STJ, JM), especialmente no âmbito do processo trabalhista.

A competência da Justiça do Trabalho, com a redação trazida pela Emenda supracitada, que modificou o art. 114 da Constituição Federal, foi ampliada de forma significativa, passando a abarcar não só as relações de emprego, como qualquer relação laboral, incluindo autônomos, domésticos, eventuais, etc.

O poder constituinte tentou acabar com os diversos conflitos que existiam nos tribunais, como os processos relacionados a danos morais, relações de trabalho, direito de greve, entre outros.

1.1 As modificações da EC 45 no Direito Coletivo do Trabalho

A despeito das outras reformas adimplidas pela EC45, é mister realizar um corte metodológico, com o objetivo de melhor tratar o tema. Por isso, faz-se necessário enumerar as mudanças da emenda concernentes ao campo do direito coletivo do trabalho, mas, antes, é preciso fazer uma explanação geral sobre Conflitos Coletivos do Trabalho.

1.2 Definição de Dissídio Coletivo

Segundo Carnelutti, a lide é um conflito de interesses que estimula os interessados a praticarem atos que os transformam em litigantes: a pretensão e a resistência, sendo pretensão a exigência da subordinação de um interesse de outrem, e resistência o

Page 86: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

inconformismo de tal ditame. A partir do momento em que o dissídio traz interesses de uma coletividade, que não podem ser individualizados, instaura-se o dissídio coletivo.

De acordo com Cid José Sitrângulo:

"quando o dissídio envolve interesses coletivos, não singulares, temos o dissídio coletivo. Este instituto de direito processual se caracteriza pelo fato de permitir que o conflito coletivo seja canalizado a um processo, por via do qual se busca a solução da controvérsia oriunda da relação de trabalho de grupos e não do interesse concreto de uma ou mais pessoas pertencentes aos mesmos grupos."

Portanto, é o procedimento de solução de conflitos coletivos de trabalho perante uma jurisdição, sendo uma forma de composição dos conflitos, em que o interesse é de toda uma coletividade, genérica e abstratamente considerada, transindividual. O conflito coletivo do trabalho, então, consubstancia-se:

"mediante uma relação de litígio estabelecida entre uma coletividade homogênea de trabalhadores e uma empresa ou grupo de empresas, que tem como matéria ou objeto próprio a confrontação de direitos ou interesses comuns à categoria profissional"

O Direito trabalhista tem por função estudar os diversos tipos de conflitos, classificando-os em individuais, quando se tem em conta pessoas individualmente consideradas, ou coletivos, quando diz respeito a um grupo de trabalhadores e um ou ou vários empregadores, e a seus interesses.

De fato, as relações de trabalho, por muitas vezes, envolvem desarmonias e insatisfações generalizadas, que tem por

Page 87: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

86  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

consequência a instauração de conflitos, quando uma das partes lesa o direito da outra, ou uma delas acredita que é preciso mudar as circunstâncias existentes.

No âmbito dos conflitos coletivos, o grupo não é apenas uma reunião de pessoas (aspecto objetivo), mas algo que possui um liame intersubjetivo, que se traduz no interesse coletivo.

CAPÍTULO II: Formas de composição de conflitos coletivos e sua classificação

Os conflitos coletivos podem ser solucionados mediante autocomposição ou heterocomposição. A primeira acontece quando as próprias partes, diretamente, os solucionam. É o caso da negociação, mediação e renúncia. A heterocomposição, por sua vez, ocorre nas hipóteses em que os conflitos são solucionados por um órgão ou pessoa suprapartes, como na arbitragem ou jurisdição. Ressalva-se que alguns incluem a autodefesa como forma de resolução de conflitos, no caso de greve[1] ou lockout.

Com relação à classificação quanto à finalidade, os conflitos coletivos de trabalho podem ser econômicos, quando o impasse diz respeito às condições de trabalho, para se criarem normas de regulamentação dos contratos individuais, com obrigações de dar e fazer, tendo por exemplo a cláusula de reajuste salarial; ou jurídicos, também conhecidos como dissídios coletivos de direito, quando o impasse é relacionado na aplicação ou interpretação de uma norma jurídica preexistente, legal, costumeira, ou resultante de acordo, convenção ou dissídio coletivo, objetivando a declaração sobre o sentido de uma norma ou a execução de um preceito que não foi cumprido pelo empregador.

Page 88: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Neste trabalho, será focado o dissídio coletivo de natureza económica, que foi alvo de modificações pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Após instauração de um conflito, é mister buscar as formas de composição de conflito mais céleres, ou não-judiciais, como o acordo. Se o impasse, porém, assim não for resolvido, o Estado intervém através do Estado-juiz, evitando que as partes possam prejudicar toda a coletividade, dando, então, uma solução jurisdicional para o impasse.

Os conflitos de natureza jurídica são solucionados da mesma forma dos conflitos individuais, posto que há diversos institutos equiparados (ações), como a ação de cumprimento, a ação civil pública, e a reclamação trabalhista. Os conflitos de natureza econômica, por outro lado, devem ser resolvidos apenas pelo dissídio coletivo, de acordo com o procedimento estabelecido nos artigos 856 a 871 e 873 a 875, da CLT.

Tal instrumento também pode ser utilizado pelo conflito de índole jurídica, porém, é mister ressaltar que é imprescindível a instauração do dissídio coletivo para resolução dos conflitos de natureza econômica, como informa o Art. 114, §2º, CF:

§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente

Nos dissídios de índole jurídica, a sentença é de natureza declaratória da existência ou inexistência de certa relação jurídica.

Page 89: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

88  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Nos de natureza econômica, a sentença possui caráter constitutivo, pois cria normas de caráter geral e abstrato, que disciplinam as relações jurídicas de emprego. Destarte, o poder normativo surge nos chamados dissídios de natureza econômica, porque os Tribunais do Trabalho têm a possibilidade de estabelecer normas e condições de trabalho, oponíveis erga omnes às categorias econômicas (ou às empresas) e às categorias profissionais envolvidas no litígio, sendo, então, função diversa da jurisdicional, pois o poder Judiciário ditará normas que terão eficácia de lei, dentro do âmbito de, ao menos, duas categorias (profissional e económica). O Poder normativo, porém, não deve ser confundido com jurisdição, visto que se reveste de natureza atípica: "ao exercer o poder normativo, a Justiça do Trabalho não está no uso de qualquer função judicial. Ela está, em verdade, exercendo função legislativa, tal como o Congresso Nacional a exerce em sua atribuições típicas" .

CAPÍTULO III: Alterações da Emenda n. 45/04 relacionadas aos dissídios coletivos

Com relação aos dissídios coletivos do trabalho, a Emenda Constitucional nº 45 alterou alguns dispositivos do art. 114, como mostra a tabela abaixo, retirada do artigo “Dissídios coletivos: modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004”, de Andrea Presas Rocha:

Antes da EC 45/04 Após a EC 45/04 

§2º  Recusando‐se  qualquer 

das  partes  à  negociação  ou  à 

arbitragem,  é  facultado  aos 

respectivos  sindicatos ajuizar 

dissídio coletivo, podendo a Justiça 

do Trabalho estabelecer normas e 

§2º  Recusando‐se  qualquer 

das  partes  à 

negociação coletiva ou  à 

arbitragem,  é  facultado  às 

mesmas, de  comum  acordo, 

ajuizar  dissídio  coletivo de 

Page 90: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

condições,  respeitadas  as 

disposições convencionais e  legais 

mínimas de proteção ao trabalho. 

natureza  econômica,  podendo  a 

Justiça  do  Trabalho  decidir  o 

conflito, respeitadas as disposições 

mínimas  legais  de  proteção  ao 

trabalho, bem  como  as 

convencionadas anteriormente. 

Sem correspondente anterior  §3º  Em  caso  de  greve  em 

atividade  essencial,  com 

possibilidade de lesão do interesse 

público,  o  Ministério  Público  do 

Trabalho  poderá  ajuizar  dissídio 

coletivo,  competindo  à  Justiça  do 

Trabalho decidir o conflito 

Logo, pode-se perceber que, no campo do direito coletivo do trabalho, o novo art. 114, §2°, da Constituição Federal, na redação determinada pela Emenda Constitucional n.° 45/2004, passou a exigir o "comum acordo" das partes envolvidas para a instauração da instância.

A nova redação do art. 114, §2º da Constituição Federal abarca o termo “de natureza econômica”, acoplada junto a “dissídio coletivo”, trazendo então, dúvidas sobre a aplicação dos dissídios nos conflitos de índole jurídica.

A maior parte da doutrina acredita que, por ter por escopo a interpretação ou aplicação de normas preexistentes, os dissídios de natureza jurídica são atividades tipicamente jurisdicionais, exercendo os juízes função própria do Poder Judiciário, nos julgamentos das reclamações trabalhistas, ações civis públicas, mandados de segurança, ações de cumprimento, e, bem assim, nas variadas ações coletivas que buscam a interpretação de norma jurídica atinente a interesse meta-individual, a exemplo dos

Page 91: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

90  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

mandados de segurança coletivos, ações civis públicas, ações diretas de inconstitucionalidade, dentre outras. Por isso, não deveria existir dúvida sobre a existência do dissídio nos conflitos de índole jurídica, pois não é preciso previsão expressa, visto que a sua possibilidade já se encontra tacitamente inserida na competência genérica da Justiça do Trabalho, contida no mesmo art. 114, inciso I.

Porém, com relação aos conflitos de natureza económica, o §2º do art. 114 afirma que: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza económica…”. Nota-se, então, a presença do requisito “comum acordo” para instauração dos dissídios coletivos, redação que tem gerado intensa discussão na doutrina e jurisprudência nacionais.

Como interpretação do dispositivo, parte da doutrina acredita que é preciso que ambas as entidades sindicais subscrevam a petição inicial do dissídio. Outra parcela, por sua vez, vota na mera ausência de oposição da parte suscitada, pois o silêncio valeria como consentimento tácito, configurando o “comum acordo”. Caso houvesse manifestação contrária, deveria o Tribunal extinguir o dissídio sem julgamento de mérito. Estas correntes defendem a constitucionalidade da nova redação do §2º do art. 114 da Constituição Federal, determinada pela Emenda Constitucional n.° 45, e, destarte, entendem que o “comum acordo” teria índole de condição específica da ação.

O ministro José Luciano de Castilho[2], sobre o assunto, detalha que:

"Começamos por indagar o significado da expressão ‘de comum acordo’. Evidentemente não pode significar, necessariamente, petição conjunta. Logo, estou entendendo que o comum

Page 92: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

acordo não precisa ser prévio. Ele pode vir – de modo expresso ou tácito – na resposta do suscitado ao dissídio ajuizado. Assim, ajuizado o dissídio coletivo pelo sindicato dos empregados, sem o acordo expresso da parte contrária, deve o juiz mandar citar o suscitado e apenas na hipótese de recusa formal ao dissídio coletivo a inicial será indeferida.. Os empregados querem um aumento salarial e a manutenção de cláusulas sociais, os empregadores não concordam com os pedidos e vedam o dissídio coletivo. Nesta hipótese, se o sindicato obreiro tiver força estará aberta para ele a única via possível para a conquista de suas reivindicações: a greve. Logo, embora não tenha sido este o desejo dos reformadores da Constituição Federal, este é o caminho que restará aos trabalhadores."

Todavia, é mister ressaltar que a maior parte da doutrina teme que a junção do termo “acordo coletivo” ao dispositivo constitucional prejudique a maior parte dos trabalhadores, por trazer restrições, na prática, para o ajuizamento do dissídio coletivo:

"na prática, corre-se o risco de estar criando graves restrições que tendem a limitar fortemente uma importante fonte material de normas coletivas, sem que fique claro que a autocomposição das partes possa ocupar o vazio normativo que se criará pela exigência de comum acordo entre as partes para o ajuizamento de dissídio coletivo.”[3]

Grande parte da doutrina, então, sustenta a inconstitucionalidade do dispositivo em questão. Acredita-se que se

Page 93: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

92  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

construiu um condicionamento para o ajuizamento da ação, visto que ambas as partes devem concordar com isto, o que faz com que haja um bloqueio ao acesso da justiça e um ferimento ao princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional (acesso à justiça), pois há um enfraquecimento das categorias profissionais, que dependerão sempre da aquiescência empresarial para promover a ação, além de haver estímulo a greve, posto que este seria a única saída para que os trabalhadores reivindicassem seus direitos. Alice Monteiro de Barros[4] considera "que viola a autonomia do sindicato condicionar o exercício do direito de ação à aquiescência da outra parte".

Caberia, então, tanto o controle difuso, quanto o controle concentrado de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, já possui várias Ações Diretas de Constitucionalidade: a ADI-3392, interposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL); a ADI-3423, promovida pela Confederação Nacional de Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (CONTRATUH), Confederação Nacional de Trabalhadores no Comércio (CNTC), Confederação Nacional de Trabalhadores na Indústria (CNTI), Confederação Nacional de Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), Confederação Nacional de Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), Confederação Nacional de Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e Confederação Nacional de Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec); a ADI-3431, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE); a ADI-3432, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura (CNTEEC); e a ADI-3520, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN).

Conforme autoriza o art. 12 da Lei n.° 9.868/99, considerando a relevância da matéria e o seu especial significado para a ordem

Page 94: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

social e a segurança jurídica, embora tenham sido formulados pedidos de medida liminar ou de medida cautelar nessas ações, o relator, Ministro Cezar Peluso, optou por submetê-las diretamente ao Pleno para julgamento definitivo. Logo, não há decisão de mérito do STF sobre a matéria, permitindo o controle difuso pelos outros órgãos do Poder Judiciário:

“Assim, uma vez firmado determinado entendimento pela Suprema Corte em decisão definitiva de mérito, fica impossibilitado o controle difuso de constitucionalidade. Essa consequência também decorre da concessão de medida liminar ou cautelar nessas ações, não ocorrendo, no entanto, com decisões que indeferem tais medidas, pois estas não produzem efeito vinculante, nem têm eficácia "erga omnes".[5]

De fato, a Constituição, no rol dos direitos e garantias fundamentais, assegura o direito de acesso à jurisdição, no seu art. 5º, XXXV, declarando que: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, da ubiqüidade ou indeclinabilidade da jurisdição):

"O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo; a situação de ambas as partes perante o Estado-juiz (e particularmente a do réu) é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre

Page 95: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

94  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal." [6]

A despeito da corrente que defende que o dispositivo não é aplicável ao constituinte derivado, por se referir a “lei”, e não Emenda constitucional, tem-se consolidado o pensamento de que o termo “lei” deve ser interpretado em amplo sentido, abarcando todas as espécies normativas previstas no art. 59 da Constituição Federal (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias decretos legislativos e resoluções).

"Este princípio tem por destinatário não apenas o legislador (‘a lei não excluirá...’), pois o comando constitucional atinge a todos indistintamente. Em outros termos, a ninguém é permitido impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão. O problema do acesso à Justiça ganhou nova dimensão a partir da Constituição Federal de 1988, que, inovando substancialmente em relação à Carta que lhe antecedeu, catalogou os princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal no rol dos direitos e garantias fundamentais, especificamente no capítulo concernente aos direitos e deveres individuais e coletivos."[7]

Logo, de certa forma, ao estabelecer a obrigatoriedade do acordo comum das partes para o ajuizamento do dissídio, a EC/45 criou um obstáculo ao pleno acesso à justiça. Porém, esse princípio, como exposto, constitui um direito fundamental, integrando a parte imutável do texto constitucional, nos termos do art. 60, §4°, que elenca as denominadas cláusulas pétreas, sendo a exigência um verdadeiro entrave às melhorias das condições de trabalho, tendo em vista a realidade da relação capital versus trabalho. Os

Page 96: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

empregadores, em geral, não concordam com os termos dos acordos visados pelos trabalhadores, e a norma em comento apenas destaca, ainda mais, a hipossuficiência, a vulnerabilidade e a inferioridade econômica dos empregados, que dependem do emprego para sustento próprio e das respectivas famílias.

Seria contraditória a redação de uma norma que barrasse o fim pacífico do conflito, já que o escopo principal da jurisdição é a pacificação social. Contudo, tal medida apenas aumentará o número de greves, já que, com a exigência do comum acordo, e a constante negativa dos empregadores, só resta aos trabalhadores o meio da Greve:

“No caso em análise, admitindo-se a constitucionalidade da exigência do "comum acordo", chega-se a ponto de se exigir o comprometimento da paz social para, só então, permitir-se a instauração da instância. Onde fica, nesse quadro, a tutela da ameaça a direito? E a tutela preventiva? A única resposta possível é no sentido de que tal exigência, além de restringir o acesso à Justiça sem qualquer fundamento razoável ou proporcional, elimina, ainda, a tutela inibitória ou preventiva. Por conseguinte, os empregados, em regra, hipossuficientes, ficarão à mercê dos empregadores, em manifesta violação ao princípio da proteção vigente no direito do trabalho e no processo do trabalho.”[8]

Logo, o tal tema mostra ser alvo de intensas discussões, especialmente sobre a sua constitucionalidade. É mister, portanto, que o requisito do comum acordo seja julgado, de forme urgente, pelo Supremo Tribunal Federal, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidades já ajuizadas, com o objetivo de garantir a segurança jurídica e a solução homogênea da questão pelos

Page 97: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

96  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Tribunais, além de possibilitar a solução dos impasses entre empregado e empregador, por meio das sentenças normativas, pois, segundo o art. 103, §2°, da Constituição Federal:

"as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário.."

3.1 Atuação do Ministério Público em dissídios coletivos

Além do polêmico §2°, a Emenda Constitucional modificou outro dispositivo relacionado ao Dissídio Coletivo, o §3° do mesmo art. 144, que passou a viger da seguinte forma: "Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito".

Antes, a rigor, era permitido ao MP ajuizar dissídio em caso de greve em atividade não-essencial, de acordo com a Lei de Greve (art. 8º, Lei n. 7.783/89). Porém, com a nova redação conferida ao §2º, e com a introdução do §3º, ambos do art. 114, da Carta Política, a Procuradoria do Trabalho, somente poderá ajuizar dissídio nas hipóteses de greve em atividade essencial, elencadas no art. 10, da Lei n. 7.783/89, com possibilidade de lesão do interesse público:

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

Page 98: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de

medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias

radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária.

Então, com o escopo de atender os interesses da sociedade, o Ministério Público, em caso de greve em atividade essencial, e desde que haja possibilidade de lesão do interesse público, poderá atuar. Desempenha o MP, portanto, a função de resguardar "a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade" (art. 11, Lei de Greve). Com a nova redação do parágrafo em comento, na hipótese de greve em atividades não-essenciais, o MPT não deverá intervir, pois, hodiernamente é imprescindível o comum acordo entre as partes para a instauração do dissídio. Em resumo, a despeito do fato de se elevar a norma constitucional o preceito que legitima a função do MPT, o dispositivo restringiu a atuação do órgão, afinal, antes, segundo a Lei Complementar nº 74/93, o Ministério Público podia:"instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir" (Art. 83, VIII).

CONCLUSÃO

Page 99: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

98  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

A emenda constitucional nº 45/2004 trouxe diversas modificações no mundo jurídico, em resposta aos reclames das novas relações jurídicas constituídas.

Com relação ao processo do trabalho, dentre outros normativos incluídos no artigo 114, a norma supracitada incluiu os §§2º e 3º, que tratam dos dissídios coletivos.

O instituto do dissídio coletivo, essencial em um regime democrático para delinear as relações entre empregadores-empregados, ganhou novos contornos, pois o parágrafo segundo passou exigir a obrigatoriedade do “comum acordo” das partes como requisito essencial à instauração do dissídio.

O normativo gerou algumas críticas, devidamente abordadas no artigo, gerando, inclusive, a instauração de ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que permanece omisso.

Foi abordada também a possibilidade de o Ministério Público do Trabalho instaurar dissídios coletivos em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público.

Nesse sentido, o artigo propõe a solução da contenda pelo Supremo Tribunal Federal, no que tange ao §2º do artigo 114 da Constituição Federal, a fim de garantir a segurança jurídica e a solução homogênea da questão pelos Tribunais, além de possibilitar a solução dos impasses entre empregado e empregador.

Referências

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

Page 100: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BARROS, Cassio Mesquita. A reforma judiciária da emenda constitucional n. 45. Revista LTr. 69-03/287.

CASTILHO, José Luciano de. A reforma do Poder Judiciário - O dissídio coletivo e o direito de greve.Revista do Tribunal Superior do Trabalho. ano 71. n. 1. jan-abr/2005.

DANTAS, Adriano Mesquita. O dissídio coletivoapós a Emenda Constitucional nº 45: ainconstitucionalidade da expressão "de comum acordo".Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1253, 6 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9260>. Acesso em: 10 dez. 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004.

ROCHA, Andréa Presas. Dissídios coletivos: modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 996, 24 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8147>. Acesso em: 10 dez. 2009.

VARGAS, Luiz Alberto de, FRAGA, Ricardo Carvalho. Relações coletivas e sindicais – nova competência após a EC n. 45. Justiça do Trabalho: competência ampliada. Coord. Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava. São Paulo: LTr, 2005.

NOTAS:

[1] “O dissídio de greve, possui, ontologicamente, natureza de dissídio jurídico, uma vez que supõe a apreciação do caráter abusivo da greve (ação de natureza declaratória). Geralmente,

Page 101: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

100  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

contudo, são discutidas, no bojo do dissídio de greve, questões atinentes às condições de trabalho, circunstância que, segundo parte da doutrina, lhe confere caráter misto.”

[2] CASTILHO, José Luciano de. 2005. pp. 31-40.

[3] VARGAS, Luiz Alberto de. FRAGA, Ricardo Carvalho. 2005. p. 338.

[4] BARROS, Alice Monteiro de. 2005. p. 1200.

[5]DANTAS, Adriano Mesquita. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9260.

[6] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel 2001, p. 139,

[7] LEITE, Carlos Henrique Bezerra, 2004, p. 51.

[8] DANTAS, Adriano Mesquita. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9260.

Page 102: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ADOÇÃO DA ARBITRAGEM NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ADAMIR DE AMORIM FIEL: PROCURADOR DO DISTRITO FEDERAL. EX-PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL. EX-PROCURADOR FEDERAL. ESPECIALIZANDO LLM EM DIREITO EMPRESARIAL PELA FGV.

Resumo: o presente artigo, usando como pano de fundo caso concreto, busca lançar luzes sobre condicionantes, empecilhos e ponderações referentes à adoção ou não do instituto jurídico da arbitragem nas controvérsias que envolvam a Administração Pública Direta e Indireta. Para tanto, foram tecidas considerações em relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público, seja em sua dimensão primária, seja em sua dimensão secundária, assim como em relação ao conceito de arbitrabilidade, seja em sua perspectiva subjetiva, seja em sua perspectiva objetiva.

Palavras-chave: Arbitragem. Administração Pública Direta e Indireta. Interesse Público Primário e Secundário. Conceito de Arbitrariedade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1. Colocação do problema: algumas indagações. 2.2. Controvérsias que envolvem a aplicação da arbitragem às entidades da Administração Pública Direta e Indireta. 2.3. Compreensão do conceito de arbitrariedade. 2.4. Respostas às indagações formuladas. 3. Conclusão (longe de ser definitiva). Referências Bibliográficas.

Page 103: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

102  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

1. Introdução

O presente trabalho visa abordar a (im)possibilidade de a Administração Pública, especialmente a sociedade de economia mista, submeter-se à arbitragem. Para tanto, tratar-se-á da interação do princípio da indisponibilidade do interesse público com as premissas da Lei de Arbitragem, sobretudo com atenção para a noção de arbitrabilidade, seja em seu enfoque subjetivo, seja em seu enfoque objetivo.

2. Desenvolvimento

2.1. Colocação do problema: algumas indagações

Para efeitos didáticos, imagine-se, como pano de fundo, o seguinte caso concreto: uma sociedade de economia mista e uma empresa particular firmaram um contrato de compra e venda. Nesse contrato, há uma cláusula compromissória que prevê, por exemplo, a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas, a qual possui sede no Rio de Janeiro, vale-se do idioma português e para resolução de eventuais conflitos decorrentes de tal avença deve disponibilizar três árbitros.

Diante de tal contexto fático, indaga-se: (a) quem seria o responsável pela análise do requerimento de instauração de arbitragem? (b) é possível a utilização de anti-suit injuctions, tendo em vista que uma das partes é sociedade de economia mista? (c) haveria possibilidade de conflito entre os princípios da arbitragem e os princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988?

De saída, antes de responder as perguntas acima, impõem-se algumas considerações a respeito da aplicação da arbitragem às controvérsias que envolvam entidades da Administração Pública Direta ou Indireta.

Page 104: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

2.2. Controvérsias que envolvem a aplicação da arbitragem às entidades da Administração Pública Direta e Indireta

Na doutrina e na jurisprudência, o tema ainda é bastante controvertido. De um modo geral, os que admitem a aplicação da arbitragem às entidades da Administração Pública convergem, num primeiro momento, para o entendimento de que bastaria autorização legal para tanto; num segundo momento, contudo, divergem quanto à identificação dessa autorização. Uns, percebem-na no próprio artigo 1º da Lei n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), que, ao estabelecer que as pessoas capazes de contratar podem participar da arbitragem, teria concedido autorização genérica para a Administração Pública, e isso, por si só, já seria suficiente. Outros, entretanto, advogam que o uso da arbitragem só seria permitido à Administração Pública se lei específica assim o autorizasse, ao argumento de que a arbitragem seria uma exceção ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. Nesse mesmo sentido, é o posicionamento do Tribunal de Contas da União.

Já os que não admitem a aplicação do instituto da arbitragem às entidades da Administração Pública fundamentam tal posição na suposta incompatibilidade desse meio alternativo de resolução de conflitos com o princípio da indisponibilidade do interesse público. A submissão à arbitragem, porquanto impregnada pela autonomia da vontade, não se coadunaria com a indisponibilidade do interesse público.

Pondere-se, por oportuno, entretanto, que o princípio da indisponibilidade do interesse público, corolário da supremacia de interesse público sobre o interesse privado não está presente em toda e qualquer contratação de que participe a Administração Pública. Especialmente, quando tais participantes são entidades de direito privado da Administração Pública Indireta (empresa pública

Page 105: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

104  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

e sociedade de economia mista) e se inserem em relações jurídicas horizontalizadas com outros sujeitos. Desse modo, o princípio da indisponibilidade do interesse público, antes mesmo de se delimitar semanticamente e de se classificar “interesse público” (em primário e secundário), não pode olvidar do contexto fático.

2.3. Compreensão do conceito de arbitrabilidade

Outrossim, tal panorâmica de posições não é suficiente para o deslinde das dúvidas aqui lançadas, sendo imprescindível uma abordagem mais detalhada, que abranja principalmente a compreensão da arbitrabilidade, seja em sua perspectiva subjetiva, seja em sua perspectiva objetiva:

“A arbitrabilidade subjetiva refere-se à capacidade da Administração Pública Direta e Indireta firmar convenção de arbitragem, observando que como pessoa jurídica (de direito publico ou privado) recebe o mesmo tratamento legal dispensado às demais pessoas jurídicas de direito privado, posto que a capacidade civil para contrair obrigações é o único requisito exigido pela Lei nº 9.307/96, art. 1º. Já a arbitrabilidade objetiva refere-se à disponibilidade de direitos patrimoniais (art. 1º in fine da Lei nº 9.307/96).” (LEMES, 2009)

No que toca à arbitrabilidade subjetiva das empresas estatais, é fundamental divisar as interpretações possíveis do disposto no parágrafo 1º do artigo 173 da Constituição Federal de 1988[1].

Para os que entendem que esse dispositivo não possui aplicação imediata, enquanto não for criada a lei específica dispondo sobre o regime próprio dessas empresas, inclusive prevendo a possibilidade de utilização da arbitragem, vigorará as

Page 106: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

normas de direito público. Já para os que entendem que esse dispositivo tem aplicação imediata, enquanto não editada referida lei específica, não impede a utilização da arbitragem pelas empresas estatais que explorem atividade econômica diretamente, uma vez que nesses casos seriam plenamente aplicáveis as regras de direito privado.

Ademais, não é demasiado lembrar que a sociedade de economia mista se sujeita às regras de mercado e à legislação civil em termos de contratos, nos termos do inciso II do parágrafo 2º do artigo 173 da Constituição Federal de 1988, e que qualquer tratamento privilegiado destituído da respectiva motivação implicaria indubitável violação ao princípio da livre concorrência, previsto no artigo 170, IV, CF/88.

Doutro lado, no que pertine à arbitrabilidade objetiva, são indispensáveis algumas linhas sobre a natureza dos direitos envolvidos (se de caráter indisponíveis ou não), bem como sobre o adequado significado da expressão “interesse público”.

Destarte, consoante dispõe o artigo 1º da Lei de Arbitragem c/c o artigo 852 do Código Civil, somente direitos disponíveis podem ser objeto de arbitragem, ou seja, somente direitos que tenham caráter estritamente patrimonial. Por outro lado, deve-se atentar para fato de que o conceito de interesse público é um conceito abstrato, impreciso. Todavia, para os fins do presente trabalho, é bastante interessante a classificação dos atos da Administração Pública em atos de império e em atos de gestão. Isto porque os atos de império envolvem interesses públicos primários, ao passo que os atos de gestão versam sobre interesses públicos secundários.

Aqui, duas conclusões parciais. Primeira: os atos jurídicos relacionados a direitos disponíveis (eminentemente patrimoniais) realizam o interesse público apenas de maneira secundária.

Page 107: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

106  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Segunda: direitos disponíveis também podem decorrer de atos jurídicos praticados no sentido de realizar interesse público primário.

A partir disso, pode-se asseverar que os contratos decorrentes de atos de império só podem ser analisados pelo Poder Judiciário, pois decorrentes da soberania estatal. Por seu turno, os contratos decorrentes de atos de gestão podem ser analisados tanto pelo Poder Judiciário ou quanto pelo juízo arbitral. O que determinará a escolha por um ou por outro caminho será o exercício do poder discricionário pela Administração Pública.

Perceba-se, de mais a mais, que, se o poder discricionário guia as entidades da Administração Direta e as de direito público da Administração Indireta na escolha entre Poder Judiciário ou juízo arbitral, é a autonomia da vontade que guia as entidades de direito privado da Administração Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem diretamente atividade econômica em regime de não monopólio) nessa escolha.

Uma vez realizada tal escolha, quer pelo Poder Judiciário, quer pelo juízo arbitral (ainda que por meio de simples assinatura em contrato de compra e venda com cláusula compromissória), não se pode mais voltar atrás, sob pena de violação aos princípios contratuais da “pacta sunt servanda” e da boa-fé objetiva.

2.3. Respostas (longe de serem definitivas) às indagações formuladas

Lançadas tais premissas, passa-se às resposta das indagações lançadas no tópico 2.1: (a) quem seria o responsável pela análise do requerimento de instauração de arbitragem? (b) é possível a utilização de anti-suit injuctions, tendo em vista que uma das partes é sociedade de economia mista? (c) haveria possibilidade de conflito entre os princípios da arbitragem e os

Page 108: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988?

No que toca a (a) quem seria o responsável pela análise do requerimento de instauração de arbitragem, o próprio juízo arbitral, no caso, a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas, é quem seria responsável pela análise do requerimento de instauração de arbitragem. Isso porque o juízo arbitral, nacional ou internacional, deve ser encarado de maneira independente de qualquer sistema judicial e é a única instituição competente para avaliar sua própria competência, em consonância do que dispõe não somente o princípio da kompetenz-kompetenz, mas também em razão do disposto na Convenção de Nova Iorque, no Artigo 3º, II do Decreto nº 4.311/2002 e no artigo 8º da Lei de Arbitragem.

Mais especificamente, compete ao Diretor Executivo da mencionada Câmara apreciar o requerimento de instauração de arbitragem, nos moldes dos artigos 5, “c” c/c o 36 de seu Regulamento.

Quanto à (b) possibilidade de uso de anti-suit injunctions, algumas ponderações. A utilização de anti-suit injuctions possui variantes. Em sua compreensão original, poderia ser utilizada pela empresa privada em desfavor da sociedade de economia mista, no sentido de obrigá-la a se submeter ao juízo arbitral. Em sua compreensão atual, não poderia ser utilizada pela sociedade de economia mista com o objetivo de furtá-la à arbitragem. Na linha dessa última afirmação: REsp 612.439.

Por fim, no que se refere à (c) possibilidade de haver conflitos entre os princípio da arbitragem e os princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, mercê de todas as razões alinhavadas acima, não

Page 109: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

108  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

há qualquer conflito entre os princípios da arbitragem e os princípios da Administração Pública.

3. Conclusão (longe de ser definitiva)

Pode-se concluir, portanto, que o instituto jurídico da arbitragem pode ser aplicado às entidades da Administração Pública, especialmente à sociedade de economia mista e demais entidades da Administração Pública Indireta submetidas predominantemente a regime de Direito Privado, noutras palavras, entidades que atuem em âmbito originalmente destinado à iniciativa privada, não conflitando, em nosso sentir, com o princípio da indisponibilidade do interesse público.

Entretanto, especialmente diante da arbitrariedade subjetiva e/ou objetiva presente em cada caso concreto, outras orientações poderão aparecer como mais adequadas.

Referências bibliográficas

LEMES, Selma Ferreira. Jurisprudência brasileira sobre arbitragem e sociedade de Economia mista: uma lição pedagógica. Disponível em: <http://www.selmalemes.com.br/artigos/artigo_juri09.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2009.

LIMA, Cláudio Vianna de. A Lei de Arbitragem e o artigo 23, XV, da lei de Concessões. Revista de Direito Administrativo, n. 209, p. 92, jul/set 1997.

LIMA, Cláudio Vianna de. Cultura da arbitragem. Disponível em: <www.arbitragemsantos.com.br>. Acesso em: 25 abr. 2012.

MAGALHÃES, J. C. Os laudos arbitrais proferidos com base no protocolo de Brasília para a solução de controvérsias. In: GARCEZ, José Maria Rossani; MARTINS, Pedro A. Batista (org.). Reflexões

Page 110: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        109 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

sobre Arbitragem. 1ª ed. São Paulo: LTr Editora Ltda, 2002, p. 511-520.

MECANISMO positivo. Consultor Jurídico. [S.l.], 10 mar. 2003. Disponível em: <http://jusvi.com>. Acesso em: 25 abr. 2012.

NEVES, Flávia Bittar. Aspectos gerais da Arbitragem. [S. l; s. n.].

TOMARÁS, Alessandra Moraes Sá Thrasyvoulos. Arbitragem. Disponível em: <www.egov.ufsc.br>. Acesso em: 25 abr. 2012.

WALD, Arnoldo. As anti-suit injunctions no Direito Brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo. v. 3, n. 9. abr./jun. 2006, p. 29.

NOTAS:

[1] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

Page 111: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

110  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

Page 112: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        111 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

  www.conteudojuridico.com.br 

CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

LISANDRO SUASSUNA DE OLIVEIRA: Pós-graduado latu sensu em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Centro de Ciências Jurídicas - Faculdade de Direito de Campina Grande.

RESUMO: O controle de constitucionalidade repressivo realizado pelos Chefes do Poder Executivo na vigência da atual Constituição Federal brasileira não é aceito de forma unânime pela doutrina. É certo que, antes da atual constituição, apesar de existir há época algumas vozes divergentes, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Chefe do Poder Executivo era aceito sem maiores celeumas. Com a ampliação do rol de legitimados para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade pela atual Constituição (art. 103 da CF/88), incluindo o Presidente da República e os Governadores como legitimados ativos, restou instaurada divergência quanto à possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo. Todavia, tem prevalecido em sede doutrinária a tese de que é possível os Chefes do Poder Executivo realizar o controle de constitucionalidade repressivo, afinal, todos os poderes da república se encontram submetidos ao império da Constituição, devendo-lhe obediência. Por sua vez, o STJ e o STF já proferiram decisões favoráveis ao referido controle de constitucionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Repressivo de Constitucionalidade. Chefes do Poder Executivo.

Page 113: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

112  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONTROLE POSTERIOR/REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE. 3 CONTROLE REPRESSIVO EXERCIDO PELO PODER EXECUTIVO. 4 CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico trata da análise do controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo Chefe do Poder Executivo na vigência da atual Constituição Federal brasileira.

No período que precedeu a Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo chefe do Poder Executivo era aceito sem maiores celeumas.

Ocorre que, com a ampliação do rol de legitimados para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade pela atual Constituição Federal (art. 103 da CF/88), incluindo o Presidente da República e os Governadores como legitimados ativos, restou instaurada divergência quanto à possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo.

É sobre esse tema que se passa a analisar no presente artigo científico, com enfoque prioritariamente doutrinário e jurisprudencial.

2 CONTROLE POSTERIOR/REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

Diferentemente do que ocorre no Controle Preventivo, onde a fiscalização se efetiva sobre um projeto de lei, no controle repressivo, o objeto de análise constitucional recai sobre a lei.

Page 114: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        113 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, leciona Nathalia Masson:

“(...), depois que o processo legislativo já está finalizado, temos o controle repressivo, que alcança as espécies normativas já prontas e acabadas, que estejam produzindo (ou ao menos aptas a produzir) seus efeitos. Também adotado no direito brasileiro, seu intuito é o de higienizar o ordenamento, cuja harmonia é afetada pelo ato inconstitucional.” (NATHALIA MASSON. 2015. p. 1063).

Observa-se no Brasil uma predominância do Poder Judiciário no exercício do controle repressivo, de forma concentrada ou difusamente.

No entanto, é certo dizer que o Poder Judiciário não exerce com exclusividade o controle repressivo de constitucionalidade. A essa regra, surgem exceções, a partir das quais se verifica a possibilidade de controle posterior ou repressivo pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo.

Assim, entende-se que o Poder Legislativo exerce tal espécie de controle nas seguintes hipóteses: quando o Congresso Nacional susta os atos normativos do Poder Executivo que exorbitam do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (art. 49, V, da CF/88); e quando o Congresso Nacional analisa a constitucionalidade das Medidas Provisórias editadas pelo Presidente da República (art. 62 e parágrafos da CF/88).

Nos dois casos mencionados, observa-se que o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Legislativo ocorre posteriormente à entrada em vigor da lei.

Page 115: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

114  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

3 CONTROLE REPRESSIVO EXERCIDO PELO PODER EXECUTIVO

No tocante à possibilidade de que o Poder Executivo, por meio de seu chefe, exerça o controle posterior ou repressivo de constitucionalidade, não temos o mesmo ambiente pacífico exposto acima.

Antes da CF/88, que ampliou a legitimação ativa para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade, os Chefes do Executivo não tinham competência para ajuizar a referida ação, a fim de discutir a constitucionalidade da lei. Incumbia com exclusividade ao Procurador Geral da República o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Em razão disso, doutrina e jurisprudência consolidaram o entendimento de que seria possível o Chefe do Executivo deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional.

Assim, leciona Nathalia Masson:

Anteriormente à edição da atual carta constitucional, a faculdade era pacífica, não ensejando qualquer discussão, afinal era vista como um corolário da supremacia da Constituição e da nulidade da lei inconstitucional. (NATHALIA MASSON. ob. cit. p. 1067).

Ocorre que, com o advento da Constituição Federal de 1988, houve uma ampliação no rol de legitimados ativos para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103 da CF/88). Norma semelhante é encontrada no art. 2º da Lei n. 9.868/99. Nesse rol, foram incluídas as figuras do Presidente da República e dos Governadores.

Page 116: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        115 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Assim, aparentemente, não seria possível o Chefe do Poder Executivo deixar de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional, afinal, teria a seu dispor um instrumento processual previsto constitucionalmente para tal finalidade, qual seja, a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Insta observar que o referido argumento não se aplicaria aos Prefeitos, haja vista que esses não constam no rol do art. 103 da CF/88. Portanto, afigurar-se-ia possível o Chefe do Poder Executivo municipal deixar de aplicar, no âmbito administrativo, determinada lei flagrantemente inconstitucional, haja vista que não teria a seu dispor um instrumento processual apto a impugnar abstratamente a norma viciada, nos moldes da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Nesse momento, surge uma questão crucial: se o prefeito poderia negar cumprimento à lei flagrantemente inconstitucional, já que não disporia de um instrumento processual como a ADI, determinando a sua não aplicação para os subordinados hierárquicos, não estaríamos conferindo ao Chefe do Poder Executivo municipal maior atribuição de poderes do que aqueles conferidos aos Governadores e ao Presidente da República?

A partir dessa premissa e tendo como pano de fundo a supremacia constitucional, tem predominado no campo doutrinário a tese de que é possível a negativa de aplicação de lei flagrantemente inconstitucional pelos Chefes do Poder Executivo.

Afinal, todos os poderes republicanos têm o poder/dever de defender a Constituição Federal e, em via de conseqüência, de afastar a incidência de uma lei flagrantemente inconstitucional.

Sobre o tema, colacionam-se as palavras de Pedro Lenza:

Entendemos que a tese a ser adotada é a da possibilidade de descumprimento da Lei

Page 117: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

116  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

inconstitucional pelo Chefe do Executivo. Isso porque entre os efeitos do controle concentrado está a vinculação dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99 e art. 102, § 2º, da CF/88 – EC n. 45/2004). Outro argumento a fortalecer a ideia da possibilidade de descumprimento da lei flagrantemente inconstitucional pelo Executivo decorre dos efeitos da súmula vinculante (Reforma do Judiciário), que, uma vez editada, vinculará a Administração Pública, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal (art. 64-B da Lei n. 9.784/99, introduzido pela Lei n. 11.417/2006). Antes, porém, a contrario sensu e desde que não exista qualquer medida judicial em sentido contrário, tecnicamente, poderá o Chefe do Executivo determinar a não aplicação de lei flagrantemente inconstitucional. (PEDRO LENZA. 2015. p. 313 e 314)

Vejamos o que diz Nathalia Masson:

Em contrapartida, e tendo o princípio da supremacia constitucional como norte, a tese que prevaleceu ao embate foi aquela que legitima o descumprimento da norma inconstitucional por parte dos chefes do Executivo, devendo tal postura ser justificada e tornada pública, para evitar qualquer responsabilização. Os argumentos centrais foram os seguintes: (A) se até mesmo um particular pode se recusar a cumprir uma lei por entendê-la inconstitucional, com mais razão poderá fazê-lo o chefe de um dos Poderes da República; (B) como os Prefeitos

Page 118: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        117 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Municipais não foram agraciados pelo texto constitucional de 1988 com a legitimidade para a deflagração do controle de constitucionalidade, ter-se-ia que enfrentar o paradoxo de os chefes do Executivo municipal estarem em posição mais vantajosa que os chefes do Executivo das demais esferas federativas, haja vista somente eles poderem, de imediato, descumprir uma lei que entendam inconstitucional. A evidente inadequação de se conceder poderes superiores ao chefe do Executivo municipal em detrimento do Presidente da República e dos Governadores desautoriza a tese. (NATHALIA MASSON. ob. cit. p. 1067)

Eis ainda o seguinte trecho extraído da obra de Marcelo Novelino:

Tendo em conta que todos os poderes estão igualmente subordinados à Constituição, não se pode impedir o Chefe do Executivo (municipal, estadual ou federal) de negar cumprimento a uma lei ou ato normativo que entenda ser inconstitucional, independentemente de ter sido elaborado pela União, pelo Estado-membro ou pelo Município. Neste caso, deve justificar o motivo da recusa por escrito e dar publicidade ao ato. Por uma questão de coerência, o Presidente da República ou o Governador de Estado deve ajuizar, simultaneamente à negativa de cumprimento, uma ADI impugnando o ato combatido. (MARCELO NOVELINO. 2013. p. 309)

Page 119: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

118  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Como visto, prevalece na doutrina que, em situações de explícita inconstitucionalidade, podem e devem os Chefes do Poder Executivo afastar a aplicação de normas viciadas no âmbito administrativo.

E o que diz a respeito o STJ e o STF?

No âmbito do STF existe um precedente de 1993 que trata superficialmente do assunto. Senão vejamos:

“... O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais” (ADI 221-MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves; DJ de 22.10.1993, p. 22251, Ement. V. 01722-01, p. 28).”

Por sua vez, vejamos uma decisão da lavra da 1ª Turma do STJ, onde restou debatido o tema de forma mais contundente:

“Lei inconstitucional – Poder Executivo – Negativa de eficácia. O poder executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional” (REsp. 23121/GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; 1ª Turma, j. 06.10.1993, DJ de 08.11.1993, p. 23521, LEXSTJ 55/152).

Page 120: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        119 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Observa-se, portanto, dos referidos excertos jurisprudenciais, que o STJ e o STF já decidiram favoravelmente a possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo.

4 CONCLUSÃO

De todo o exposto, vislumbra-se prevalecer na doutrina a tese de que é possível o Chefe do Poder Executivo, seja na esfera federal, seja nas esferas estaduais, distrital e municipais, deixar de aplicar norma que repute flagrantemente inconstitucional, cabendo-lhe, ainda, baixar determinação, na condição de superior hierárquico, para que os seus subordinados também não cumpram a lei.

Por seu turno, apesar de não ter havido um enfretamento recente do tema, observa-se que existem decisões antigas, tanto do STF quanto do STJ, admitindo a possibilidade de controle repressivo a ser exercida pelos Chefes do Poder Executivo.

Afinal, o princípio da supremacia da Constituição produz efeitos irradiantes em todos os Poderes da República, os quais, por sua vez, devem guardar cumprimento as normas jurídicas que se compatibilizem com a Lei Maior.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em 10 abr. 2016.

LENZA, Pedro. (2015), Direito Constitucional Esquematizado. 19 ed. rev. at. e amp., São Paulo, Saraiva.

MASSON, Nathalia. (2015). Manual de Direito Constitucional. 3 ed. rev. at. e amp., Salvador, Juspodivm.

Page 121: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

120  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

MORAES, Alexandre de. (2007), Direito Constitucional. 21 ed. at. até EC 53/06, São Paulo, Atlas.

NOVELINO, Marcelo. (2013), Manual de Direito Constitucional. 8 ed. rev. e at., São Paulo, Método.

Page 122: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        121 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

DESPESA COM EDUCAÇÃO COM VALOR DEFASADO VAI CONTRA A PÁTRIA EDUCADORA

ROBERTO RODRIGUES DE MORAIS: Especialista em Direito Tributário. Ex-Consultor da COAD. Autor do Livro on-line REDUZA DÍVIDAS PREVIDENCIÁRIAS. [email protected]

Com tanto comercial de "Pátria Educadora" veiculando na mídia e no

período de acerto com o "leão" concernente ao Imposto de Renda Pessoa

Física, vamos discorrer sobre a péssima situação do item despesas com

educação e seu defasado limite de forma ilegal e inconstitucional.

O valor limite para dedução dos rendimentos brutos é de R$3.561,50

para o exercício financeiro de 2016, ano-base 2015, muito aquém para cobrir

os gastos necessários para a educação via iniciativa privada.

A continuidade do Governo em manter as verdadeiras "extorsões"

tributárias aos cidadãos contribuinte do IRPF, decorrentes dos ilegais e

inconstitucionais congelamentos dos limites das tabelas do IRRF, IRPF,

limites de dedução por dependente, despesas com educação e da isenção

na venda de um único imóvel (para substituí-lo por outro) vem sendo objeto

de nossos textos desde 2008, onde sempre apontamos números do IBGE,

dados do IPEA e discrepância entre a evolução assustadora os percentuais

da arrecadação tributária incidente sobre o PIB nacional x aumento do IRPF

dos cidadãos brasileiros, verdadeiros autores da democracia e que não

recebem o retorno dos altos impostos que lhe são "extorquidos" pelos piores

serviços públicos de educação, saúde e segurança de todo do mundo

civilizado. Em pleno século XXI.

Page 123: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

122  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Vamos nos ater neste artigo apenas sobre as despesas com educação.

Em artigo postado em 09/2012, discorremos sobre a importante decisão do

TRF da 3ª Região (SP e MS) cujo título foi "PLENÁRIO DO TRF 3ª REGIÃO

DERRUBOU LIMITE À DEDUÇÃO DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO DO

IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA", e a íntegra é de fácil acesso em

site de pesquisa.

Naquela oportunidade destacamos que a "Argüição de

Inconstitucionalidade Cível n. 0005067-86.2002.4.03.6100 SP, foi julgada

favorável aos contribuintes porque é sabido que a população, cansada de

ser tratada como otária pelos órgãos gestores dos tributos federais (RFB e

PFGN) começa a reagir, acionando o Poder Judiciário Federal para

questionar a quebra dos princípios constitucionais desrespeitados pelos

órgãos tributantes".

O núcleo da histórica decisão foi a constatação de que a Legislação

Tributária permite a dedução relativa "a pagamentos de despesas com

instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a

estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil,

compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao

ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de

graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à

educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até

o limite anual individual de R$3.230,46 para o caso da DIRPF 2014, os

valores projetados do limite legal até 2015 estão cristalinamente

insuficientes para custear a educação em estabelecimento de ensino privado

neste País.

Lembramos também que o preâmbulo da CF/1988, fruto do processo

de redemocratização do País, para o qual tivemos que pagar o preço da

anistia bilateral ampla e restrita, verbis:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia

Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

Page 124: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        123 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e

internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob

a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL".

Portanto, o Poder Executivo e o Legislativo, que são mantidos pelo povo

através da alta carga tributária, são obrigados a servir ao povo e não servir-

se do poder, o que vem ocorrendo pós CF/1988.

Como já tratamos dos desrespeitos à CF/1988 pelos congelamentos

citados no preâmbulo acima, vamos lembrar alguns:

a) PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva encontra-se expressamente

previsto no art. 145, § 1º da Constituição Federal de 1988, nos seguintes

termos:

"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à

administração tributária, especialmente para conferir efetividade a estes

objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei,

o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Segundo o autor LUIZ EMIGYDIO F. DA ROSA JR (1) "o princípio acima

referido contém um elemento objetivo e um elemento subjetivo. O elemento

objetivo significa que o Estado deve tributar de acordo com a exteriorização

de riquezas manifestada através da prática de um ato, não devendo, no

entanto, nunca se esquecer de verificar se tal exteriorização revela uma

manifestação real de capacidade contributiva que possa suportar a

incidência do ônus fiscal. O elemento subjetivo do mesmo princípio está

presente na relação desta riqueza com a pessoa do contribuinte, para se

saber a medida exata do tributo a ser fixada pela lei fiscal. Isso para que não

Page 125: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

124  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seja demasiado o sacrifício do contribuinte, afetando até o mínimo

necessário que toda pessoa deve possuir para a sua sobrevivência".

Tal princípio foi abarcado pela Carta Magna com nítidas intenções de

estimular o desenvolvimento econômico e social das empresas e,

principalmente, com a finalidade de dar tratamento mais benéfico e

simplificado às micro e pequenas empresas, constituídas sobre as leis

brasileiras.

Diante do exposto, emerge, novamente, cristalina a

inconstitucionalidade e a ilegalidade do congelamento das tabelas do IRRF

e do IRPF, por 9 anos como ocorrido por 6 anos no Governo FHC e 3 anos

no Governo LULA, posto ter ferido o Princípio da Capacidade Contributiva

que goza de destaque na Carta Magna.

b) PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA ISONOMIA

O princípio da igualdade, insculpido no artigo 5º da Carta Magna,

preconiza:

"Art. 5ª - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza."

Por sua vez, o princípio da isonomia tributária (Inciso II do artigo 150,

da CF/88), corolário do princípio da igualdade, estabelece que a lei tributária

não possa "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente".

Sobre o princípio da igualdade, RUY BARBOSA NOGUEIRA afirma

que, verbis:

"O princípio da igualdade jurídica abrange o direito como um todo,

sendo usualmente formulado como igualdade perante a lei. O prof. Manoel

Gonçalves Ferreira Filho concebe o princípio da igualdade como sendo, ao

mesmo tempo, uma limitação ao legislador e uma regra de interpretação.

Page 126: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        125 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

No primeiro caso, o princípio proíbe a edição de normas que criem

privilégios em razão de status social, raça, religião, fortuna e sexo.

No segundo, ele tem como destinatário o aplicador da lei, obrigando-o

a interpretá-la de como a não criar qualquer espécie de privilégio" (2).

Por outro lado, "no Direito Tributário, o princípio da Igualdade Jurídica é

denominado principalmente de "Princípio da Igualdade na Tributação",

"Princípio da Igualdade Jurídico Tributária".

Tem ele por objetivo proibir o estabelecimento de privilégios

relativamente à tributação, tendo-se sempre presente que a igualdade que

se pleiteia é a geométrica (proporção) e não a aritmética (quantidade)" (3).

Quer isto significar que às pessoas que se encontrarem nas mesmas

situações ou circunstâncias devem ser dispensadas tratamento igualitário.

O princípio constitucional da igualdade e, consequentemente, o princípio da

isonomia tributária estão, numa concepção aristotélica, vinculados à ideia de

Justiça, no sentido de que deve ser dado a cada um o que é seu. A

igualdade, como nota Chomé, é impensável sem a desigualdade

complementar e que é satisfeita se o legislador tratar de maneira igual os

iguais e de maneira desigual os desiguais.

Agindo ao congelar as tabelas do IRRF e IRPF o Governo Federal

aplicou às avessas os princípios da igualdade e da isonomia, não podendo,

por mais este motivo, ser acatado pelos contribuintes.

c) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Dentro do "cipoal de normas" comumente utilizado no meio tributário,

os operadores do direito têm vivenciado no seu dia a dia como a ganância

da RFB, utilizando-se dos reiterados desrespeitos aos princípios

constitucionais da capacidade contributiva e da legalidade, resultada em

aumento ilegal e inconstitucional na tributação dos cidadãos contribuintes do

IRPF.

Page 127: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

126  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Essa classe de contribuintes tem sido penalizada com aumentos

abusivos na carga tributária em virtude do desrespeito, por parte do Poder

Tributante, do princípio Constitucional na Legalidade Tributária. A

Constituição Cidadã de 1988 prescreve que "é vedado aos entes políticos

instituir ou majorar tributos senão por meio de lei", (4) o que significa que

não se cria ou aumenta tributo sem que o Poder Legislativo tenha legislado

a respeito.

d) O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO CONFISCO

Este princípio constitucional prescreve que é vedado à utilização do

tributo com efeito de confisco, ou seja, impedindo assim o Estado que, com

o pretexto de cobrar tributo, se aposse indevidamente de bens (aqui leia-se

também dinheiro) do contribuinte. Aqui se vale do princípio da razoabilidade

(4).

Deste modo o Governo Federal vem conseguindo penalizar os

Contribuintes do IRPF de forma ilegal ao congelar os valores contidos no

Regulamento do Imposto de Renda (5), tendo a omissão do necessário

reajuste ocorrido por Seis anos consecutivos no Governo FHC e Três anos

no Governo Lula, como se a inflação no período fosse igual à zero. Alguns

tópicos onde se vê claramente a necessidade de correção dos valores ou

alteração na legislação tributária estão contidos nas tabelas inerentes ao

IRRF e IRPF.

A insuficiência do valor limite é de fácil verificação pelo Governo: Basta

comparar, nos casos de deduções de despesas relativos ao Ensino

Superior, o limite fixado pela legislação e o valor anual pago pelo MEC por

cada aluno do PROUNI.

Eis como a OAB viu o problema, segundo a petição inicial da ADI 4927

ajuizada junto ao STF, cuja petição inicial pode ser vista no LINK da nota

(6), processo eletrônico, clicando em petição inicial.

Page 128: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        127 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Desse modo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB) questionou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a

constitucionalidade dos limites fixados pela lei 9.250/95 para dedução de

despesas com educação no Imposto de Renda da Pessoa Física (IR),

abrangendo os anos-bases de 2012 (exercício 2013) a 2014 (exercício

2015).

"O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado, disse que os limites

ofendem diversos princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa

humana e o direito fundamental de todos à educação. Hoje, os limites são:

Para o ano base 2013 são de R$ 3.230,46 e 2014 é de R$ 3.375,83.

As despesas realizadas pelo cidadão com a instrução própria e de seus

dependentes situam-se entre as indispensáveis à manutenção da dignidade

humana, que devem ser excluídas da tributação sustentou o relator da

matéria no plenário da OAB, o conselheiro federal Luiz Claudio Allemand

(ES).

Ele defendeu que as despesas com educação, assim como aquelas

realizadas pelo contribuinte com saúde, não fiquem sujeitas a tetos de

dedução do IR. "Allemand observou em seu voto que a ação, uma vez

julgada procedente pelo STF, não implicará em que o STF venha a definir

um teto de dedução de despesas com educação que entenda legítimo",

conforme notícia no portal da OAB-Nacional, da época do ajuizamento da

ADI, que está sob a relatoria da Ministra Rosa Weber.

A curiosidade na tramitação da ADI são duas movimentações

processuais, vistas diretamente consultando o processo naquela Corte.

1) Despacho da Ministra na ADI 4927:

17/04/2013 Adotado rito do Art. 12, da Lei 9.868/99 MIN. ROSA WEBER

Em 15/4/2013: "(...) submeto a tramitação da presente ADI ao que disposto

no art. 12 da Lei 9.868/1999. Intimem-se a Câmara dos Deputados, o

Senado Federal e a Presidência da República, para, querendo, prestar

Page 129: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

128  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

informações no prazo de 10 (dez) dias. Após, dê-se vista, sucessivamente,

no prazo de 5 (cinco) dias, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-

Geral da República. Publique-se."

2) CERTIDÃO em 06/05/2013:

06/05/2013 Certidão CERTIDÃO DE INFORMAÇÕES NÃO RECEBIDA

Pasmem! Houve negligências - omissões - em prestar informações,

exceto a Câmara Federal, que enviou ofício em 24/04/2013.

Essas atitudes mostram como o Executivo e o Senado fazem pouco

caso de intimações da Máxima Corte, ou seja, "nós colocamos vocês,

Ministros, no STF para vocês atenderem nossos interesses" - sendo esse o

recado dado pelas omissões das informações.

O processo encontra-se PARADO desde 28/07/2015. É tema

complexo? Não. Não se trata de equação de 2º grau nem de exercício de

trigonometria. Assunto como inconstitucionalidades são fáceis de resolver

no STF, uma vez que o banco de dados de jurisprudência contido no link "O

STF e a Constituição" http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp

tem coletânea de acórdãos relativos à cada artigo, inciso e alínea da

CFB/1988, portanto, com precedentes já catalogados.

E, para facilitar o entendimento dos Ministros do STF, a petição inicial

da OAB Nacional é recheada de gráficos (coloridos) onde mostra, do ponto

de vista estatístico, como os cidadãos/contribuintes vem sendo extorquidos

pelo poder executivo, ao congelar os valores do imposto de renda, cujo

resultado prático é o aumento do IRPF sem lei anterior. Uma bela peça

inicial, valendo conferir no LINK (1) nas notas e referências no final deste

texto.

A inércia do STF desde 28/07/2015 é apenas para "fazer o jogo do

governo" e deixar os contribuintes continuarem sendo extorquidos pelo

Governo, via RFB.

Page 130: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

O texto da notícia que a OAB iria ajuizar a ADI 4927 junto ao STF

também foi reprisado, dentre tantas mídias, pelo O Globo (7) Note-se que,

para a OAB, o congelamento fere também os princípios da dignidade da

pessoa humana e o do direito fundamental de todos à educação, ambos

contidos na CF/1988.

Curioso que, no mesmo dia em que a notícia da OAB era veiculada na

mídia, foi divulgado a "Mensalidade de escola particular sobe mais de 50%

desde 2009" (8).

Na notícia completa na nota (8) contém gráficos coloridos onde mostra

evolução dos preços, deste o ensino infantil até aos de pós-graduação e

seus respectivos percentuais. Em outro gráfico há comparação entre os

percentuais de aumento das mensalidades escolares x aumento dos

salários, de 2009 a 2013 e em todos os anos os percentuais das

mensalidades superam aos dos salários, destacando-se o recente ano de

2012 onde o placar foi de 10.17% x 6,15%.

Em artigo posterior, onde usamos de mais argumentos, cujo título foi

"Vitória do contribuinte do IRPF no plenário do TRF da 3ª região representa

uma luz no fim do túnel" - disponibilizado em vários sites (ver Google),

continuamos alertando aos contribuintes que se sentirem prejudicados pela

distorção na sua DIPF recorram ao judiciário.

A dedução das despesas com educação na DIPF não é um favor fiscal.

Os valores pagos pelos contribuintes para custearem a educação, sua e/ou

de seus dependentes legais para fins de IRPF, não são deduzidos do IRPF

a pagar, mas apenas abatidos da renda bruta. Na aritmética simples, se ao

final da apuração do IRPF devido houve, por exemplo, uma alíquota real de

22% sobre a renda bruta, significa que, de cada 100 reais pagos na

educação o contribuinte arcou com 78% e o governo com os míseros 22%.

Esse foi o custo de optar por escolas particulares, por dois motivos

básicos:

Page 131: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

130  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

1) Ensino público da pior qualidade e a alta violência que vem ocorrendo

dentro das escolas, onde até professores são mortos por alunos menores.

2) O governo não oferece número de vagas, no frágil ensino público,

suficiente para abriga a todos os alunos existentes no País, levando os

contribuintes/cidadãos - que têm direito constitucional à educação - a

optarem pelo caro (e também de qualidade duvidosa, em comparação com

a qualidade do ensino do Chile, por exemplo) das escolas particulares.

Na realidade STF vai distribuir ADI - utilizando das prerrogativas

constitucionais que lhes oferece capacidade postulatória - junto ao STF que,

como de costume, costuma "sentar em cima dos processos de interesse

popular", uma vez que, neste século, mais parece - quando assunto envolve

a União Federal - uma casa a serviço do REI (veja nosso texto "STF se

transformou em fábrica de esqueletos tributários" (9) publicado em várias

mídias, inclusive a citada na nota, da UFSC.

A iniciativa da OAB foi boa, mas temos que mostrar a realidade: O STF

poderá conceder liminar, julgar procedente a ação, julgar inconstitucional os

congelamentos dos limites da educação das despesas com educação, mas

não tem competência pela CF/1988 de legislar e fixar no limite, nos

parâmetros financeiros ideais para 2014. É tarefa do Congresso Nacional.

A conseqüência natural, se a decisão for favorável e aos contribuintes

e, após sua publicação do DO-U, é o nascimento do direito legal de cada

contribuinte prejudicado ajuizar ações na Justiça Federal, tanto para

interromper a sangria em seu bolso ocorrida há décadas, como reaver os

valores pagos e não deduzidos em suas DIPF's nos últimos 5 anos.

Então o Legislativo será obrigado (Senado, por Resolução) a editar

norma Suspendendo os textos julgados inconstitucionais e, em seguida,

tanto o Executivo como o Legislativo (pelo vácuo legal que criará) se tudo

for favorável aos contribuintes, a providenciar edição e promulgação de lei

nova fixando os novos limites, observando o decidido pelo STF, cuja

conseqüência será mostra o tamanho do "esqueleto tributário" que o

Page 132: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        131 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Governo terá de devolver a cada contribuinte do IRPF que pagou seus

impostos injustos e ilegais nos últimos 5 anos.

Concluindo, é de se lamentar a omissão do Congresso Nacional na

atualização dos valores relativos à Legislação do Imposto de Renda, cujo

congelamento dos 9 anos das Tabelas inerentes ao IRPF fere os princípios

fundamentais constitucionais da legalidade e da capacidade contributiva e,

ainda, e o silêncio do Poder Judiciário, especialmente o STF, como guardião

da Constituição Federal, que, segundo Rui Barbosa, a Carta Magna não é

um aviso, mas o texto máximo que rege um País que se diz vivenciar o

Estado Democrático do Direito.

O que temos, na prática, é um Executivo que prima pela "corrupção"

(criando dificuldades para vender facilidades), um Legislativo transformado

num "balcão de negócios" e um Judiciário se contentando em ser um

"puxadinho" do Palácio do Planalto, tal o grau de sua omissão em relação

às grandes causas que tramitam envolvendo questões tributárias de

interesse dos contribuintes cidadãos.

Em contrapartida, a letargia do cidadão (70% dos brasileiros são

analfabetos funcionais) que se acomoda com o atual estado de coisas,

aliado a sua falta de informação e organização social contribui para a

manutenção do caótico funcionamento dos três Poderes Constituídos.

É preciso acionar - individualmente, cada contribuinte - o Poder

Judiciário, via Justiça Federal, visando garantir aos contribuintes

insatisfeitos com a extorsão praticada reiteradamente pela RFB, visando

garantir seus direitos contidos na Constituição Cidadã de 1988.

NOTAS E REFERÊNCIAS

(1) Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário, ed. Renovar, 11ª

edição;

Page 133: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

132  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(2) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p.

268;

(3) Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, pg. 117.

(4) Art. 150, inciso "IV", da CFB/1988;

(5) Decreto noº 3.000/1999 - Regulamento do Imposto de Renda;

(6)

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/Co

nsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4384177

(7) http://oglobo.globo.com/economia/oab-vai-ao-supremo-contra-

limites-de-despesas-com-educacao-no-ir-7804956ixzz2NID04HOa

(8)

http://achadoseconomicos.blogosfera.uol.com.br/2013/03/12/mensalidade-

de-escola-particular-sobe-mais-de-50-desde-2009/

(9) http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/stf-se-transformou-em-

f%C3%A1brica-de-esqueletos-tribut%C3%A1rios

BIBLIOGRAFIA

(A) ATALIBA, Geraldo. Limitações constitucionais ao poder de tributar,

Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 51;

(B) BRAGA, Hugo Rocha, Demonstrações contábeis: Estrutura e

Análise de Balanços, 1999, Editora Atlas, 1999;

(C) CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional

Tributário, 20ª edição, São Paulo, Malheiros, 2004.

(D) CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 17ª ed.

São Paulo, Saraiva, 2005;

Page 134: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        133 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(E) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário

Brasileiro, 8ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2005

(F) FANUCCHI, Fábio, Curso de Direito Tributário Brasileiro, vol. II, 10ª

Tiragem, 4ª Ed., Ed. Resenha Tributária, Co-Ed. IBET - Instituto Brasileiro

de Estudos Tributários, SP, 1986;

(G) HIGUCHI, Hiromi, Imposto de Renda das Empresas, SP, APET, 37ª

Ed., 2012.

(H) MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 23ª Ed., SP,

Malheiros Editora, 2003.

(I) MARTINS, Eliseu, MANUAL DE CONTABILIDADE SOCIETÁRIA:

Aplicável a todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais e

do CPC, Atlas. 1ª edição (2010) 824 pgs, Editora Atlas.

(J) MARTINS, Ives Gandra da Silva, Aspectos Tributários da Nova

Constituição, Ed. Resenha Tributária, SP, 1.999;

(K) MARTINS, Ives Gandra da Silva, Tavolaro, Agostinho Toffoli,

Machado, Brandão, Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado,

Ed. Forense, RJ, 1988;

(L) MORAIS, Roberto Rodrigues, REDUZA DÍVIDAS

PREVIDENCIÁRIAS, online,

http://www.portaltributario.com.br/obras/dividasprevidenciarias.htm

(M) NOGUEIRA, Ruy Barbosa, Direito Tributário, José Bushatsky

Editor, SP, 1973;

(N) PAULSEN, Leandro, Direito Tributário: Constituição e Código

Tributário à Luz da Doutrina e Jurisprudência, 6ª ED., Porto Alegre, Livraria

do Advogado, ESMAFE, 2004;

Page 135: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

134  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(O) PEDREIRA, José Luiz Bulhões, Imposto de Renda, Rio de Janeiro:

Justec, 1971.

(P) ZAPATEIRO, José Alexandre - Manual Prático de Direito Tributário

e Execução Fiscal, 1ª Ed., AM2 Editora e Distribuidora de Livros, 2012.

Page 136: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        135 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

PROCESSUAL NAS AÇÕES PARA PAGAMENTO DE IMPORTÂNCIA EM PECÚNIA

LORENA CARNEIRO VAZ DE CARVALHO ALBUQUERQUE: Advogada, inscrita na OAB/GO. Bacharel em Direito pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP.

INTRODUÇÃO

A Lei n. 11.232/05 alterou vários dispositivos do CPC, modificando institutos de suma importância visando maior efetividade processual. Dentre as inúmeras alterações, citemos as realizadas em relação ao cumprimento de sentença condenatória para o pagamento de importância pecuniária.

DESENVOLVIMENTO

Antes da reforma a execução das sentenças condenatórias ao pagamento de importância pecuniária se efetivava mediante processo autônomo de execução, inaugurado por meio de ação. Todavia, com o advento da reforma, a execução da sentença condenatória ao pagamento de importância em dinheiro passou a ser apenas uma mera fase do processo, conforme disciplina o art. 475-J do CPC, senão vejamos:

"Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o

Page 137: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

136  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

Desse modo, o processo que tenha por objeto a condenação ao pagamento de pecúnia, terá duas etapas: uma fase destinada à cognição da lide e outra destinada ao cumprimento da decisão. Fala-se, assim, na existência de um módulo cognitivo e outro executivo [06].

Os processos de execução e de conhecimento se fundiram em um único processo, de sorte que a efetivação da decisão passou a ser realizada como um prolongamento natural do processo inaugurado, dispensando-se propositura de uma nova ação de execução, sendo a relação processual única, tanto para a prática de atos cognitivos, como para a prática de atos executórios.

CONCLUSÃO

Assim, a Lei n. 11.232/05 modificou diversos artigos do CPC estabelecendo uma nova forma de cumprimento para as sentenças que condenam ao pagamento de importância em pecúnia.

Nos termos do artigo 475-J do CPC, o devedor condenado ao pagamento de importância pecuniária terá o prazo de quinze dias para realizá-lo, sob pena de incidir multa de dez por cento do valor da dívida, passando, o mecanismo de defesa do executado a ser a impugnação, prevista expressamente no art. 475-L do CPC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

Page 138: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        137 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lúmen juris, 2006.

Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. v. 2.

DINAMARCO, Cândido Rangel.Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 4.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

NOTAS:

06 CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lúmen juris, 2006. p. 23.

Page 139: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

138  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

www.conteudojuridico.com.br

A DECLARAÇÃO DE XI'AN (2005): SOBRE A CONSERVAÇÃO DO ENTORNO EDIFICADO, SÍTIOS E ÁREAS DO PATRIMÔNIO CULTURAL

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do presente está assentado na análise da Declaração de Xi’an (2005) que dispõe sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é

Page 140: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        139 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela Jurídica. Documentos Internacionais.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 A Declaração de Xi’an (2005): Sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural.

1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os

Page 141: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

140  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua

Page 142: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        141 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando,

Page 143: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

142  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do

Page 144: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        143 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

Page 145: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

144  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam oser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de

Page 146: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        145 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225,conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à

Page 147: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

146  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caputdo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade

Page 148: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        147 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeitoerga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência.

Page 149: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

148  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações

Page 150: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        149 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:

Page 151: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

150  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que“expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com

Page 152: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        151 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 A Declaração de Xi’an (2005): Sobre a conservação do entorno edificado, sítios e áreas do patrimônio cultural

Em um primeiro momento, cuida anotar que a Declaração de Xi’an estabelece o reconhecimento dacontribuição do entorno para o significado dos monumentos, sítios e áreas de patrimônio cultural. Para tanto, o entorno de uma edificação, um sítio ou uma área de patrimônio cultural se define como o meio característico seja

Page 153: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

152  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de natureza reduzida ou extensa, que forma parte de – ou contribui para – seu significado e caráter peculiar. Mas, além dos aspectos físicos e visuais, o entorno supõe uma interação com o ambiente natural; práticas sociais ou espirituais passadas ou presentes, costumes, conhecimentos tradicionais, usos ou atividades, e outros aspectos do patrimônio cultural intangível que criaram e formaram o espaço, assim como o contexto atual e dinâmico de natureza cultural, social e econômica. O significado e o caráter peculiar das edificações, dos sítios ou das áreas de patrimônio cultural com escalas diferentes, inclusive os edifícios, espaços isolados, cidades históricas, paisagens urbanas, rurais ou marinhas, os itinerários culturais ou os sítios arqueológicos advêm da percepção de seus valores sociais, espirituais, históricos, artísticos, estéticos, naturais, científicos ou de outra natureza cultural. Ainda, das relações características com seu meio cultural, físico, visual e espiritual. Estas relações podem resultar de um ato criativo, consciente e planejado, de uma crença espiritual, de acontecimentos históricos, do uso, ou de um processo cumulativo e orgânico, surgido através das tradições culturais ao longo do tempo.

No mais, compreender, documentar e interpretar os entornos é essencial para definir e avaliar a importância como patrimônio de qualquer edifi cação, sítio ou área. A definição do entorno requer compreender a história, a evolução e o caráter dos arredores do bem cultural. Trata-se de um processo que deve considerar múltiplos fatores, inclusive a experiência de aproximação ao sítio e ao próprio bem cultural. Incluir o entorno nesta compreensão demanda uma abordagem multidisciplinar e a utilização de diversas fontes de informação. Tais fontes incluem acervos documentais e arquivos, descrições artísticas e científicas, histórias orais e conhecimentos tradicionais, as opiniões das comunidades locais e daquelas relacionadas ao bem, assim como uma análise das perspectivas visuais. As tradições culturais, os rituais, as práticas espirituais e os conceitos, assim como a historia,

Page 154: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        153 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

a topografia, os valores do meio natural, os usos e outros fatores contribuem para criar o conjunto de valores e dimensões tangíveis e intangíveis do entorno. A definição do entorno deve conjugar harmoniosamente seu caráter, seus valores e sua relação com o bem cultural.

O desenvolvimento de instrumentos normativos e de planejamento eficazes, assim como de políticas, estratégias e práticas para a gestão sustentável do o entorno, também exigem sua aplicação coerente e continuada e sua adequação às particularidades locais e culturais. Os instrumentos para a gestão do entorno compreendem medidas legislativas específicas, qualificação profissional, desenvolvimento de planos ou sistemas integrados de conservação e gestão e a utilização de métodos idôneos de avaliação do impacto do bem cultural. A legislação, a regulamentação e as diretrizes para a conservação, a proteção e a gestão das edificações, dos sítios e das áreas do patrimônio devem prever a delimitação de uma zona de proteção ou respeito ao seu arredor que reflita e contribua para conservar o significado e o caráter diferenciado do entorno. Os instrumentos de planejamento devem incluir medidas efetivas de controle do impacto das mudanças rápidas ou paulatinas sobre o entorno. As silhuetas, os panoramas e as distâncias adequadas, entre qualquer novo projeto público ou privado e as edificações, os sítios e as áreas do patrimônio, são fatores fundamentais a serem considerados para evitar distorções visuais e espaciais ou usos inadequados em um entorno repleto de significados.

Devem ser feitas avaliações do impacto ambiental de qualquer projeto que possa comportar um impacto sobre o significado das edificações, dos sítios e das áreas do patrimônio, assim como sobre seu entorno. O desenvolvimento dentro do entorno das edificações, dos sítios e das áreas do patrimônio deve contribuir para uma interpretação positiva de seu significado e de

Page 155: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

154  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

seu caráter peculiar. O acompanhamento e a gestão das mudanças que ameacem o entorno A envergadura das mudanças e seus impactos, tanto isolados como de caráter cumulativo, assim como a transformação do entorno das edificações, sítios e áreas de valor patrimonial, são um processo contínuo que requer um acompanhamento e uma gestão. A transformação rápida e progressiva das paisagens rurais e urbanas, as formas de vida, os fatores econômicos, ou o meio ambiente natural podem afetar de forma substancial ou irreversível a verdadeira contribuição do entorno para o significado de uma edificação, um sítio ou uma área de valor patrimonial. Deve-se gerir a mudança do entorno das edificações, dos sítios e das áreas de valor patrimonial de modo que seu significado cultural e seu caráter peculiar sejam mantidos. Gerir a mudança do entorno das edificações, dos sítios e das áreas de valor patrimonial não significa necessariamente evitar ou impedir a mudança.

Ao lado disso, consoante preconiza a Declaração de Xi’an, a gestão deve definir as formas e as ações necessárias para avaliar, medir, evitar ou remediar a degradação, a perda de significado, ou a banalização e propor melhorias para a conservação, a gestão e as atividades de interpretação. Devem ser estabelecidos alguns indicadores de natureza qualitativa e quantitativa que permitam avaliar a contribuição do entorno para o significado de uma edificação, sítio ou área caracterizada como bem cultural. Os indicadores adequados de gestão devem contemplar aspectos materiais como a distorção visual, as silhuetas, os espaços abertos, e a contaminação ambiental e acústica, assim como outras dimensões de caráter econômico, social e cultural. Trabalhar com as comunidades locais, interdisciplinares e internacionais para a cooperação e o fomento de uma consciência social sobre a conservação e a gestão do entorno. A cooperação e o compromisso das comunidades locais e de outras relacionadas com os bens culturais é fundamental para desenvolver estratégias sustentáveis

Page 156: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        155 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

de conservação e gestão do entorno. Deve-se estimular o compromisso multidisciplinar como uma prática habitual da conservação e gestão do entorno.

As disciplinas que se fazem necessárias incluem, por exemplo, a arquitetura, o planejamento urbano, regional e paisagístico, a engenharia, a antropologia, a história, a arqueologia, a etnologia, a museologia e a supervisão de arquivos. Também se deve fomentar a cooperação com instituições e especialistas no campo do patrimônio natural, como parte integrante de um método válido para a identificação, proteção, apresentação e interpretação das edificações, dos sítios e das áreas do patrimônio, em seu entorno. Deve-se fomentar a capacitação profissional, a interpretação, a educação e a sensibilização da população, para sustentar a acima mencionada cooperação e compartilhar os conhecimentos, assim como para favorecer as metas da conservação e incrementar a eficácia dos instrumentos de proteção, dos planos de gestão e de outros instrumentos. A experiência, o conhecimento e os instrumentos elaborados para a conservação individualizada de determinadas edificações, sítios e áreas, deveriam ser estendidos para a gestão de seu entorno. Devem se dedicar recursos financeiros para a investigação, a avaliação, o planejamento estratégico da conservação e a gestão do entorno das edificações, sítios e áreas de caráter patrimonial. A responsabilidade sobre a conscientização do significado do entorno em suas diferentes dimensões cabe aos profissionais, às instituições, às comunidades locais e a outras relacionadas com os bens patrimoniais, os quais no momento de tomar decisões deveriam sempre considerar as dimensões tangíveis e intangíveis do entorno.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

Page 157: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

156  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais dapolítica urbana e dá outras providências. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 out. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

Page 158: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        157 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: EditoraJusPodivm, 2012.

Page 159: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

158  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 out. 2015, s.p.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão emArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

Page 160: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        159 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

Page 161: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

160  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

Page 162: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

        161 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55689  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 18 out. 2015, p. 15-16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas, pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca

Page 163: BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 592 · ALVIM, J.E. (José Eduardo Carreira). Código de Processo Civil ... Teoria Geral do Processo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,

 

 

 

162  

Boletim Conteúdo Jurídico n. 592 de 20/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.