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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 751 (Ano VIII) (05/12/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 751

(Ano VIII)

(05/12/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–-

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 751 de 05/12/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

05/12/2016 Valdinei Cordeiro Coimbra 

» O que se entende por criptoimputação? Qual(ais) a(s) sua(s) 

consequência(s) para o processo penal? Como deve agir o Promotor de 

Justiça a fim de evitá‐la?

ARTIGOS  

05/12/2016 Talita Leixas Rangel » Penhora da remuneração do devedor: possibilidade à luz da Constituição 

05/12/2016 Gabriel Marcio Passos Carvalho Bahia Sapucaia 

» Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais perante os filhos 

05/12/2016 Iggor Leonardo Costa Gontijo 

» Dois modelos de gerenciamento de projetos de software para a Administração 

Pública 

05/12/2016 Verônica Fernandes de Lima 

» Justiça do Trabalho e do cuidado com a prova testemunhal 

05/12/2016 Nathália Christina Caputo Gomes 

» A importância do gerenciamento de risco para evitar erro médico 

05/12/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» A Construção do Mínimo Existencial Social em sede de Direito Previdenciário: O 

reconhecimento da fundamentalidade da Previdência Social à luz da Jurisprudência do 

STF 

MONOGRAFIA 

05/12/2016 Hugo Leonardo Mendes Batalha  » O controle jurisdicional da Administração Pública e a defesa da posse de imóveis 

públicos 

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 ‐ 1984‐0454 

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O QUE SE ENTENDE POR CRIPTOIMPUTAÇÃO? QUAL(AIS) A(S) SUA(S) CONSEQUÊNCIA(S) PARA O PROCESSO PENAL? COMO DEVE AGIR O PROMOTOR DE JUSTIÇA A FIM DE EVITÁ-LA?

 

VALDINEI  CORDEIRO  COIMBRA:  Advogado  exercendo  o cargo de Assessor de Procurador‐Geral da CLDF. Mestre em Direito Penal  Internacional pela Universidade de Granada  ‐ Espanha.  Mestrando  em  Direito  e  Políticas  Públicas  no Uniceub.  Professor  Universitário  de  Direito  Penal  e Orientação  de  Monografia.  Delegado  de  Polícia  da  PCDF (aposentado). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo  ICAT/UDF. Pós‐graduado em Gestão Policial  Judiciária pela  ACP/PCDF‐FORTIUM.  Já  exerceu  os  cargos  de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito  Federal  (COPOL/CLDF),  Chefe  de  Gabinete  da Administração  do  Varjão‐DF.  Chefe  da  Assessoria  para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade  do  Varjão  ‐  DF;  Presidente  da  CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor‐adjunto da Divisão de Sequestros.  Chefe‐adjunto  da  1ª  Delegacia  de  Polícia. Assessor  do  Departamento  de  Polícia  Especializada  ‐ DPE/PCDF. Chefe‐adjunto da DRR/PCDF. Analista  Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF. 

O título do presente paper foi uma das perguntas do Concurso

do Ministério Público do Estado de Goiás no ano de 2014.

A criptoimputação é a narração do fato eivada de grave

deficiência, mencionando superficialmente elementos do tipo penal

em abstrato e sem os mínimos elementos para a identificação do

fato como típico e antijurídico. Trata-se, destarte, da imputação

maculada por grave situação de deficiência na narração do fato

imputado, imputação incompreensível, que dificulta o exercício de

defesa. (Nestor Távora, Curso de Direito Processual penal, 2016).

A crimptoimputação é muito comum em crimes tributários,

quando o Ministério Público formula a denúncia genérica, muitas

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vezes subsidiada por Representação Fiscal para Fins Penais –

RFFP, promovida pelos agentes do Fisco, sem a devida

individualização da conduta, bem como da respectiva autoria do

verdadeiro sonegador, a exemplo daquelas em que os agentes do

Fisco aponta os sócios ou administradores constante no contrato

social da empresa como sendo os autores dos crimes tributários,

sem, contudo, realizar um mínimo de diligência, para confirmar (ou

não) se a sonegação fiscal foi promovida por aqueles que constam

no contrato social.

Importante aqui pontuar a necessária distinção conceitual entre

denúncia geral e genérica, essencial para aferir a regularidade da

peça acusatória no âmbito das infrações de autoria coletiva, em

especial nos crimes societários (ou de gabinete), que são aqueles

cometidos por presentantes (administradores, diretores ou

quaisquer outros membros integrantes de órgão diretivo, sejam

sócios ou não) da pessoa jurídica, em concurso de pessoas. A

denúncia geral, imputa o mesmo fato delituoso a todos os

integrantes dos representantes das sociedades empresárias

envolvidos na fraude fiscal, empresarial ou mesmo licitatória,

enquanto que a denúncia genérica é caracterizada pela imputação

de vários fatos típicos, genericamente, a integrantes da pessoa

jurídica, sem delimitar, minimamente, qual dos denunciados teria

agido de tal ou qual maneira.

Patente, pois, que a criptoimputação da denúncia genérica

vulnera os princípios constitucionais da ampla defesa e do

contraditório, bem como a norma extraída do art. 8º, 2, "b" e "c", da

Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 41 do CPP,

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haja vista a indevida obstaculização do direito conferido ao acusado

de preparar dignamente sua defesa. (STJ, RHC 72074 / MG)

No tocante às consequências da criptoimputação, conforme

constou da resposta padrão divulgada pela banca do concurso, a

primeira consequência é a rejeição da denúncia, sem necessidade

de manifestação do denunciado. Por outro lado, se for recebida a

denúncia eivada pela criptoimputação, equivocadamente, deverá o

juiz absolver sumariamente o réu com fundamento no art. 397, III,

do CPP, após a defesa preliminar, quando o advogado deverá

alegar essa deficiência (a criptoimputação), sendo que se o juiz não

acolher o pedido, será possível a impetração de habeas corpus

(CPP, art. 647 c/c art. 648, VI) em razão de faltar ao processo

elemento essencial configurador de nulidade (CPP, art. 564, IV).

Por fim, para evitar a criptoimputação, deve o promotor de

Justiça observar o art. 41 do CPP, descrevendo de modo preciso os

elementos estruturais que compõem o tipo penal, sob pena de se

devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide)

de provar que é inocente.

Assim, deve o promotor explicitar o liame do fato descrito com

a pessoa do denunciado, malgrado a desnecessidade da

pormenorização das condutas, até pelas comuns limitações de

elementos de informações angariados nos crimes societários, por

ocasião do oferecimento da denúncia, sob pena de inviabilizar a

persecução penal nesses crimes. A acusação deve correlacionar

com o mínimo de concretude os fatos delituosos com a atividade do

acusado, não sendo suficiente a condição de sócio da sociedade,

sob pena de responsabilização objetiva (STJ, RHC 64073 / PI).

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PENHORA DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR: POSSIBILIDADE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO

TALITA LEIXAS RANGEL: Advogada, Pós-Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO:  O  presente  artigo  tem  por  objetivo  identificar  os  aspectos 

sensíveis da atividade executiva brasileira e propor soluções para alcançar 

maior efetividade na satisfação do direito de crédito exequendo. Nesse 

sentido,  buscou‐se  analisar  a  enorme  gama  de  impenhorabilidades 

existentes no nosso ordenamento, em especial aquela que recai sobre a 

remuneração  do  executado,  e  de  que  forma  a  mesma  influencia  na 

chamada “crise da execução”. 

Palavras‐chave:  Penhora.  Remuneração.  Impenhorabilidades.  Direito 

fundamental à tutela executiva. Crise da execução. 

Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela Executiva, Responsabilidade Patrimonial 

e  Impenhorabilidades.  3.  A  Tutela  Executiva  como  Direito 

Fundamental  versus  a  Necessidade  de  Manutenção  da  Dignidade  do 

Devedor.  3.1.  A  Proteção  do  Mínimo  Existencial  do  Devedor  face  à 

Atividade Executiva: A preservação do patrimônio mínimo. 3.2. O Direito 

Fundamental à Tutela Executiva. 3.3. A Necessidade de Ponderação dos 

Direitos  Conflitantes  em  Sede  de  Execução.  4.    CPC  de  2015  e  a 

Impenhorabilidade  da  Remuneração  do  Executado:  inova,  mas  não  o 

suficiente. 5. Conclusão. 

. INTRODUÇÃO

O  presente  artigo  versa  sobre  a  incidência  da  penhora  sobre  a 

remuneração  do  devedor.  No  âmbito  deste  trabalho,  pretende‐se 

demonstrar ser possível que a atividade executiva recaia sobre verbas de 

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natureza  alimentar,  independentemente  da  natureza  da  obrigação 

exequenda,  desde  que  dentro  de  percentual  limitado,  que  garanta  o 

mínimo  existencial  do  devedor  e,  consequentemente,  preserve  sua 

existência digna. 

A  importância  do  tema  reside  no  fato  de  que  a  efetividade  da 

execução é um dos grandes problemas com que se deparam o jurista e o 

jurisdicionado. Este último, mesmo tendo reconhecido seu pleito em fase 

de conhecimento, não logra usufruir do direito que lhe foi reconhecido em 

razão da “crise da execução”. 

Na primeira parte deste  trabalho,  serão apresentados  conceitos‐

chave  para  a  exata  compreensão  do  tema  e  das  controvérsias  que  o 

permeiam. Em seguida, será abordado o viés constitucional da questão da 

impenhorabilidade  do  salário  e  suas  implicações  práticas.  Buscar‐se‐á 

enfrentar  o  ponto  de  tensão  entre  efetividade  da  execução  e menor 

onerosidade  da  mesma  para  o  devedor,  propondo  soluções  para  o 

referido conflito. 

Em  seguida,  serão  analisados  os  pormenores  do  tratamento 

conferido ao  tema pelo Código de Processo Civil de 2015,  tais  como o 

aspecto  da  impenhorabilidade  da  remuneração;  a  ponderação  entre  a 

efetividade  da  execução  e  a  preservação  da  dignidade  humana  do 

devedor,  e;  a  efetividade  da  Jurisdição  frente  à  crise  da  execução, 

consubstanciada na inaptidão do Poder Judiciário em dar concretude ao 

direito de crédito do exequente, o que acaba por conduzir a uma situação 

de inadimplemento generalizado.[1] 

Por  fim, buscar‐se‐á defender que a penhora da remuneração do 

devedor  se  afigura  possível  ainda  que  não  haja  previsão  expressa  na 

legislação  infraconstitucional,  por  imposição  do  direito  fundamental  à 

tutela  executiva  previsto  no  texto  constitucional,  como  inovação 

necessária à uma Jurisdição mais efetiva.  

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2. TUTELA EXECUTIVA, RESPONSABILIDADE

PATRIMONIAL E IMPENHORABILIDADES

A  execução  é  uma  atividade  jurisdicional  de  transformação  da 

realidade.  Isso  porque  “a  execução  forçada  é  atividade  jurisdicional 

destinada a produzir um resultado prático equivalente ao que se produziria 

se o devedor de uma obrigação a tivesse voluntariamente adimplido”[2].

A  tutela  executiva  consiste,  assim,  em  perseguir  em  juízo  o 

adimplemento de uma obrigação reconhecida em favor de um credor, que 

detém  direito  subjetivo  de  exigir  de  seu  devedor  uma  prestação.  A 

execução, portanto, decorre da premissa de que não basta reconhecer o 

direito do credor à prestação: é necessário concretizar a obrigação devida, 

satisfazendo o crédito no mundo físico. 

As  obrigações  previstas  em  nosso  ordenamento  são  de  quatro 

espécies,  a  saber:  dar,  fazer,  não  fazer  e  pagar,  cada  qual  com  um 

regramento  executivo  próprio.  No  que  tange  às  obrigações  de  pagar 

quantia certa,  tema  sobre o qual  se debruçará neste  trabalho, a  tutela 

executiva se baseia no princípio da responsabilidade patrimonial, segundo 

o qual a atividade executiva somente pode recair sobre o patrimônio do 

devedor ou de terceiro. 

Importante  salientar,  neste  particular,  que  a  responsabilidade 

patrimonial representa grande evolução no âmbito da tutela executiva: é 

que, em tempos remotos, o Direito albergava a possibilidade de recair a 

execução sobre a própria pessoa do devedor, que poderia responder por 

um  crédito  com  seu  próprio  corpo,  como,  por  exemplo,  se  tornando 

escravo do credor[3]. 

A humanização do Direito, portanto, põe termo à violenta execução 

pessoal  e  inicia  uma  era  em  que  a  satisfação  do  crédito  passa  a  ser 

perseguida por meio da execução sobre o patrimônio do devedor. Daí se 

dizer que “toda execução é real”[4]. 

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Sendo  assim,  a  busca  pela  satisfação  de  um  crédito  pecuniário 

permite  a  invasão  do  patrimônio  do  devedor  pelo  credor,  que  pode 

provocar o Estado‐Juiz a efetuar constrições nos bens titularizados pelo 

executado, em atos denominados penhora. 

Ocorre que não é  todo o conjunto de bens do devedor que está 

sujeito à penhora. Há bens que não responderão pela execução e essas 

restrições  constituem  as  chamadas  impenhorabilidades.  Sua  existência 

tem  por  principal  fundamento  a  proteção  da  dignidade  do  executado, 

buscando  evitar  que  o  mesmo  seja  reduzido  a  um  estado  de 

miserabilidade 

No Código de Processo Civil de 1973, as impenhorabilidades vinham 

previstas  nos  artigos  649  e  650,  o  primeiro  trazendo  rol  de  bens 

absolutamente  impenhoráveis  e  o  segundo  bens  relativamente 

impenhoráveis. Dentre os primeiros,  vinham previstas, no  inciso  IV,  as 

verbas  de  caráter  alimentar,  como  salário,  pensões,  subsídios, 

vencimentos, dentre outros. Essa norma recebia de parcela majoritária da 

doutrina interpretação de que a remuneração só seria passível de penhora 

quando destinada ao pagamento de alimentos devidos pelo executado[5]. 

No  entanto, mesmo na  vigência do CPC de 1973,  já havia  vozes 

dissonantes  na  doutrina  e  jurisprudência  que  advogavam  pela 

possibilidade de penhora das verbas alimentares do devedor, ainda que 

em face de crédito de natureza não alimentar[6]. Isso porque, para Didier: 

A  impenhorabilidade  de  certos  bens  é  uma 

restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É 

técnica processual que limita a atividade executiva e 

que  se  justifica  como meio  de  proteção  de  alguns 

bens  jurídicos  relevantes,  como  a  dignidade  do 

executado,  o  direito  ao  patrimônio  mínimo  e  a 

função social da empresa. São regras que compõem 

o  devido  processo  legal,  servindo  como  limitações 

políticas à execução forçada. 

Exatamente  por  tratar‐se  de  uma  técnica  de 

restrição a um direito fundamental, é preciso que sua 

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aplicação se submeta ao método da ponderação, a 

partir da análise das circunstâncias do caso concreto. 

As regras de impenhorabilidade devem ser aplicadas 

de  acordo  com  a  metodologia  de  aplicação  das 

normas de direitos fundamentais.[7] 

Desse  contexto  se extrai que a  intenção do  legislador ao  cunhar 

hipóteses de  impenhorabilidade  foi preservar um mínimo material que 

assegurasse  ao  devedor  uma  existência  digna  ‐  a  qual  não  pode  ser 

comprometida pela atividade executiva ‐, e não possibilitar a manutenção 

de seu padrão de vida, por vezes  incompatível com a pendência de um 

débito a honrar. 

Assim,  se,  por  um  lado,  o  regime  das  impenhorabilidades  busca 

evitar sacrifícios em demasia por parte do devedor, por outro, não pode 

tolerar gravames injustificados a um legítimo direito de crédito, o que se 

verifica caso interpretada de maneira hermética a impenhorabilidade do 

salário. 

Dessarte, a interpretação da norma deve se verificar com o devido 

“equilíbrio entre a concepção humanitária da preservação das condições 

mínimas  de  dignidade material  do  devedor  e  a  necessidade  também 

relevante de se garantir a efetividade da tutela jurisdicional executiva”[8], 

conforme se buscará desenvolver a seguir. 

. A TUTELA EXECUTIVA COMO DIREITO FUNDAMENTAL VERSUS A 

NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA DIGNIDADE DO DEVEDOR 

A atividade executiva da jurisdição, muito embora deva observância 

aos  princípios  processuais  em  geral,  se  submete  à  axiologia  própria. 

Dentre os princípios específicos da execução, podem ser destacados dois 

em especial, por constituírem extremos que devem ser sopesados com 

vistas  a  se  encontrar  um  ponto  ótimo  na  persecução  da  satisfação  do 

crédito: o princípio da efetividade da execução e o princípio da menor 

onerosidade da execução. 

O  primeiro  é  corolário  do  princípio  constitucional  do  devido 

processo legal e importa dizer que os direitos levados a juízo devem ser, 

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além de reconhecidos, efetivados. Na lição de Fredie Didier Jr, “processo 

devido é processo efetivado”[9]. 

Já  o  segundo  busca  impedir  que  a  execução  se  revele 

desnecessariamente gravosa para o devedor ao exigir que, havendo vários 

meios executivos aptos à tutela adequada e efetiva do direito exequendo, 

seja preferido aquele que se afigura menos oneroso para o executado. 

Assim é que, combinados, os princípios referidos constituem limites 

um ao outro, haja vista que o princípio da menor onerosidade impede uma 

busca da efetividade executiva a qualquer custo, ao passo que o princípio 

da  efetividade obsta que  a menor onerosidade  seja usada de maneira 

abusiva, frustrando a satisfação do crédito. 

Os  referidos  princípios  decorrem  de  direitos  fundamentais 

positivados na Constituição da República, os quais se passa a analisar. 

3.1.  A  PROTEÇÃO DO MÍNIMO  EXISTENCIAL DO DEVEDOR  FACE  À 

ATIVIDADE EXECUTIVA: A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MÍNIMO 

Com o advento da Constituição de 1988, um novo valor foi erigido 

à categoria de fundamento da República: a dignidade da pessoa humana. 

Trata‐se  de  uma  cláusula  geral  de  tutela  da  promoção  da  pessoa 

humana[10], que passa a ocupar o epicentro do ordenamento  jurídico, 

exigindo que as normas sejam interpretadas e concretizadas de forma a 

prestigiar  os  valores  e  direitos  umbilicalmente  ligados  à  proteção  da 

integridade física, psíquica e intelectual, além da garantia à autonomia e 

livre desenvolvimento do indivíduo. 

Assim,  na  esteira  do  imperativo  categórico  kantiano,  o  homem 

deixa  de  ser  um  meio  da  atividade  estatal  para  se  tornar  a  própria 

finalidade precípua da mesma[11]. Dessa premissa, Ingo Sarlet extrai que 

a dignidade da pessoa humana impõe que sejam asseguradas ao indivíduo 

condições materiais mínimas para uma vida digna, em conformidade com 

os direitos constitucionalmente conferidos a toda e qualquer pessoa[12]. 

Nesse particular, a doutrina constitucional formulou o conceito de 

mínimo existencial, que 

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corresponde ao conjunto de situações materiais 

indispensáveis à existência humana digna; existência 

aí considerada não apenas como experiência física – 

a  sobrevivência  e  a manutenção  do  corpo  –  mas 

também  espiritual  e  intelectual,  aspectos 

fundamentais em um Estado que se pretende, de um 

lado, democrático, demandando a participação dos 

indivíduos  nas  deliberações  públicas,  e,  de  outro, 

liberal,  deixando  a  cargo  de  cada  um  seu  próprio 

desenvolvimento.[13] 

No  âmbito  do  Direito  Civil,  a  partir  da  irradiação  dos  valores 

constitucionais de dignidade e tutela da pessoa humana, em especial na 

vertente  do mínimo  existencial,  foi  elaborada  a  teoria  do  patrimônio 

mínimo,  que  pretende  proteger  os  recursos  materiais  mínimos 

necessários para a concretização de uma vida humana com dignidade. 

Luiz Edson Fachin defende que todo ser humano tem um conjunto 

de  bens  que  formam  o  núcleo  essencial  garantidor  de  sua  saúde, 

educação, moradia, lazer, enfim, que realizam o princípio da dignidade da 

pessoa humana, a impedir sua exclusão da esfera jurídica patrimonial do 

titular e assim comprometam sua vida.[14] 

Embora  se  trate  de  construção  fundamental  para  a  tutela  do 

devedor,  protegendo‐o  de  invasões  demasiadamente  ofensivas  a  seu 

patrimônio e, portanto, permitindo a preservação de condições materiais 

que assegurem sua subsistência e de sua família, não se pode admitir uma 

interpretação exagerada dos limites do patrimônio mínimo, sob pena de 

inviabilizar  a  satisfação  do  crédito  exequendo  por  criar  uma 

intangibilidade quase que absoluta do patrimônio do devedor. 

Isso porque grande parte da população brasileira é constituída por 

indivíduos que tem como única fonte de renda o produto de seu trabalho, 

como, por exemplo, empregados públicos e privados, servidores públicos, 

profissionais  liberais  e  trabalhadores  autônomos.  Consequentemente, 

parcela majoritária do patrimônio dessas pessoas advém da renda obtida 

em razão da prestação laboral. Assim, impedir que as verbas de natureza 

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alimentar  desses  sujeitos  sejam,  em  qualquer  hipótese,  passíveis  de 

penhora  equivale  a,  na  prática,  tornar  ineficaz  qualquer  demanda 

executiva contra eles. 

Com  efeito,  se  não  for  possível  penhorar  os  rendimentos  dessa 

categoria de devedores – que, repise‐se, constitui a esmagadora maioria 

dos indivíduos ‐ certamente não sobra quase nenhum outro bem de valor 

que integre seu patrimônio[15], o que acabar por conduzir a uma situação 

que beira a irresponsabilidade patrimonial e que, portanto, não pode ser 

tutelada, por violar frontalmente o direito do credor à tutela executiva: 

Deve‐se  recordar,  sempre,  a  advertência  de 

Taruffo,  que  afirma  ser  impossível  admitir‐se  que 

algum princípio fundamental assegure a faculdade do 

devedor de não adimplir. Em outros termos: o titular 

do  direito  subjetivo  lesado  tem  o  direito, 

constitucionalmente  assegurado,  à  tutela 

jurisdicional  executiva; mas  o  devedor  não  tem  o 

direito  constitucionalmente  assegurado  de 

inadimplir.[16] 

3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EXECUTIVA

O artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal consagra o princípio da 

inafastabilidade da jurisdição, cuja leitura mais acertada compreende não 

apenas  a  possibilidade  de  ingressar  em  juízo  mas  também  ‐  e 

fundamentalmente – a prestação de uma tutela jurisdicional adequada e 

eficaz. Isso porque de nada adiantaria conceber o acesso à Justiça como 

mero “direito à sentença”, pois o processo judicial, se não garante meios 

e resultados, acaba por esvaziar o direito material reconhecido na fase de 

conhecimento.

A  forte  influência do neoconstitucionalismo no campo processual 

civil trouxe a ideia de garantismo, na qual tem lastro a identificação de um 

direito fundamental à tutela executiva: 

Para além da proclamação  formal, direitos não 

garantidos não são, de fato, direitos. Compreende o 

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conjunto de garantias de caráter social e institucional 

(políticas e jurisdicionais) voltadas à concretização do 

Estado  Constitucional  de  Direito.  Depende  de 

instrumentos  para  que  se  realize  o  postulado  da 

máxima  efetividade  dos  direitos  fundamentais, 

reduzindo  a  distância  entre  normatividade  e 

efetividade.[17] 

Não se pode olvidar o caráter instrumental do processo, que existe 

em função do direito material e com vistas a concretizá‐lo, não sendo um 

fim em si mesmo. Assim, a partir do momento em que o processo não se 

mostra apto a conferir concretude ao direito nele perseguido, afigura‐se 

esvaziada a sua função no ordenamento. 

Desta feita, não se pode cogitar do acesso à  justiça dissociado de 

um direito fundamental à tutela executiva: não basta, para atender aos 

ditames  constitucionais,  a  existência  de  um  processo  formalmente 

estruturado,  impondo‐se  uma  garantia  mínima  de  meios  e 

resultados, “uma vez que deve ser concretizada não apenas a suficiência 

quantitativa mínima dos meios processuais, mas  também um  resultado 

modal (ou qualitativo) constante”[18]. 

Ocorre que, na prática  jurídica, a  realidade com que se depara o 

operador  do Direito  é  outra:  infelizmente,  à  execução  pode‐se  aplicar 

muitas  vezes  a  triste máxima  do  “ganhou mas  não  levou”.  Uma  das 

maiores dificuldades do processo foi e continua sendo impor, no mundo 

dos  fatos,  aquilo  já  reconhecido  abstratamente  no mundo  do  direito, 

quadro que só se agrava com o dogma das impenhorabilidades cada vez 

mais ampliado. A execução não se mostra capaz de produzir o resultado 

que dela se espera, o que se denomina crise da execução. 

Sob o pretexto de prestigiar o princípio da menor onerosidade, a 

execução se configura em “verdadeiro paraíso dos maus pagadores”[19], 

quando, em verdade, o referido princípio “somente quer significar que o 

executado não pode sofrer sacrifícios maiores do que os necessários para 

a  obtenção  do  resultado,  jamais  que  possa  ser  usado  para  impedir  o 

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resultado”[20].  A  crise  da  execução  frustra  um  direito  de  crédito  já 

reconhecido e esvazia a atividade jurisdicional. 

Por óbvio que diversos  fatores contribuem para a  ineficiência da 

tutela executiva, porém, o mais decisivo é a superproteção do devedor. E 

não faltam vozes na doutrina que denunciem essa nefasta tendência. 

Alexandre Freitas Câmara aponta que o devedor, por várias vezes, é 

“tratado  como  um  ‘coitado’,  o  que  leva  a  que  a  execução  não  se 

desenvolva de maneira adequada a cumprir seu objetivo de realização do 

direito do credor”[21], que é o desfecho normal e esperado de qualquer 

procedimento executivo. 

Luiz Rodrigues Wambier vai além e faz duras críticas ao regime das 

impenhorabilidades, in verbis: 

Por outro  lado – e assumimos o  risco de  fazer 

afirmação  que  possa  ser  entendida  como 

politicamente  incorreta  –  a  inadequada 

compreensão a respeito dos diversos (e necessário) 

mecanismos  de  defesa  dos  direitos  fundamentais, 

assim como a estreita limitação do próprio conceito 

de  direito  fundamental,  aprofundou  a  crise  da 

execução. 

Na  verdade,  a  grande  profusão  de  regras  de 

defesa de alguns dos direitos fundamentais previstos 

na CF trouxe “efeitos colaterais”, como, por exemplo, 

o da intangibilidade cada vez maior do patrimônio do 

devedor,  desconsiderando,  inclusive,  outro  direito 

fundamental,  o  de  acesso  à  jurisdição,  igualmente 

com assento na Constituição Federal. 

A  defesa  da  honra  sistematicamente  tem  sido 

identificada como presente na situação do devedor 

que contrai obrigações e não as cumpre. Mas não só 

isso:  o  que  ocorre  é  verdadeiro  óbice  à  utilização, 

pelo  credor,  dos meios  coativos  de  que  dispões  o 

sistema jurídico para receber seus haveres, pois, se o 

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fizer, considera‐se que poderá, com  isso, ofender a 

honra do devedor, 

A  defesa  do  crédito  é  tida  como  potencial 

violadora de direitos fundamentais. [...] 

A  nosso  sentir,  dá‐se  extremo  conforto  ao 

devedor e, na razão oposta, aumenta‐se o descrédito 

da  execução,  com  ofensa  direta  à  garantia  de 

amplitude do acesso à jurisdição.”[22] 

Por fim, Daniel Amorim Assumpção Neves adverte que, no afã de 

humanizar  a  execução,  por  vezes  se  olvida  que  “o  credor  também  é 

humano,  e  sofre  ao  não  receber  seu  crédito  diante  da  ineficácia  do 

processo executivo”[23]; há, em verdade “uma acentuada preocupação 

com o grau mínimo de garantias invioláveis reconhecidas a quem sofre as 

medidas  executivas,  não  havendo  correspondência  proporcional  aos 

valores de quem promove a execução”[24]. 

Insta salientar que a  frustração do direito de crédito exequendo, 

representa,  em  última  análise,  um  apequenamento  também  do 

Estado,  “impotente  para  fazer  atuar  o  direito  de maneira  integral,  na 

situação que  lhe foi submetida à apreciação, eis que a ninguém basta o 

mero  reconhecimento  de  um  direito,  mas  sim  a  completa  satisfação 

decorrente  de  sua  violação”[25].  Ou  seja,  a  inefetividade  da  tutela 

executiva expande seus trágicos efeitos para além da esfera individual do 

credor, atingindo também a credibilidade do Estado‐juiz e estimulando a 

cultura do calote. 

Ainda  sobre  o  dever  do  Estado  de  conferir maior  concretude  à 

tutela executiva, cabe lembrar que esta, enquanto direito fundamental do 

jurisdicionado,  merece  proteção  e  promoção  estatais:  a  dimensão 

objetiva  dos  direitos  fundamentais  os  torna  valores  que  irradiam  sua 

eficácia para todo o ordenamento, condicionando a atuação dos Poderes 

constituídos[26]. 

Portanto, a omissão do Estado na efetivação da  tutela executiva, 

permitindo  a  perpetuação  da  crise  da  execução,  obstaculiza  a  tutela 

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prometida pelo direito material e, por consequência, o efetivo exercício 

do direito de acesso à justiça, em sua mais completa acepção. Chancelar a 

intangibilidade  do  patrimônio  do  devedor,  ainda  que  composto 

exclusivamente  por  ativos  de  natureza  alimentar,  é  conferir  proteção 

insuficiente  ao direito  fundamental  à  tutela  executiva  titularizado pelo 

credor, desprestigiando‐o sem qualquer lastro constitucional.[27] 

3.3. A NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DOS DIREITOS

CONFLITANTES EM SEDE DE EXECUÇÃO

Pois bem. Fixadas as premissas acimas apontadas, é fácil identificar 

que a atividade executiva  sempre  importará em  tensão entre o direito 

fundamental do devedor à dignidade e o direito fundamental do credor à 

tutela executiva.

Como sabido, os direitos fundamentais tem natureza de princípios. 

Estes,  enquanto  comandos  de  otimização,  quando  em  conflito,  não  se 

aplicam segundo a  lógica do “tudo ou nada”, mas sim na maior medida 

possível de acordo com a dimensão de peso que terão no caso concreto. 

Dessa breve lição, se extrai que qualquer princípio é passível de restrição, 

mesmo  os  mais  fundamentais,  desde  que  preservado  seu  núcleo 

essencial.  A  resolução  do  conflito  de  princípios  ‐  e  a  consequente 

determinação de qual deles prevalecerá e qual restará restringido ‐ será 

resolvida pelo método da ponderação. Marinoni, ao tratar sobre o tema, 

ensina que: 

Esse  juízo, pertinente ao peso dos princípios, é 

um  juízo de ponderação, que assim permite que os 

direitos fundamentais tenham efetividade diante de 

qualquer  caso  concreto,  considerados os princípios 

que com eles possam colidir. 

Frise‐se  que  os  direitos  fundamentais  têm 

natureza  de  princípio.  Assim,  se  os  princípios 

constituem mandados  de  otimização,  dependentes 

das  possibilidades,  o  direito  fundamental  à  tutela 

jurisdicional efetiva (por exemplo) – que então pode 

ser chamado de princípio à tutela jurisdicional efetiva 

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– também constitui um mandato de otimização que 

deve  ser  realizado diante de  todo  e qualquer  caso 

concreto,  dependendo  somente  de  suas 

possibilidades,  e  assim  da  consideração  de  outros 

princípios  ou  direitos  fundamentais  que  com  ele 

possam se chocar. 

Como  se  vê,  a  partir  do momento  em  que  se 

constata que o direito à  tutela  jurisdicional efetiva 

possui natureza principal, deduz‐se a  conseqüência 

de que ele não se submete à lógica da aplicação das 

regras.  Esse  direito  fundamental  não  pode  ser 

negado  na  perspectiva  da  validade,  pois  o  que 

importa,  para  sua  efetiva  incidência,  é  o  caso 

concreto, e assim a consideração de outros princípios 

que  a  ele  possam  se  contrapor.  Ou  seja,  ele  será 

sempre  válido,  ainda  que  tenha  que  vir  a  ser 

harmonizado  com  outro  princípio  diante  das 

circunstâncias de um caso concreto.[28] 

A  ponderação,  por  sua  vez,  deve  ser  norteada  pelo  princípio da 

proporcionalidade, o qual, no dizer de Virgílio Afonso da Silva, faz “com 

que  nenhuma  restrição  a  direitos  fundamentais  tome  dimensões 

desproporcionais”[29]. 

Não  se  pode,  portanto,  admitir  a  existência  de  uma  norma 

principiológica que prevaleça aprioristicamente em todo e qualquer caso, 

haja vista que, como exposto acima, os princípios, por  terem conteúdo 

mais aberto que as regras, estarão sempre em potencial conflito, cabendo 

ao  intérprete,  após  juízo  de  ponderação,  identificar  aquele  que  deve 

prevalecer  in  concreto. Todavia, não é  isso que  se verifica na atividade 

executiva:  a  regra  de  impenhorabilidade  absoluta  da  remuneração  do 

devedor  configura desmedida  restrição  ao direito do  credor, enquanto 

tutela  o  patrimônio  do  devedor muito  além  do mínimo  existencial.  A 

supremacia  do  direito  fundamental  do  devedor  sobre  o  do  credor 

contraria a própria natureza dessas espécies de normas: 

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O  problema  da  legislação  brasileira,  nos  casos 

específicos da penhora dos salários (e congêneres) e 

da residência, opta sempre e somente pelo sacrifício 

dos direitos do  credor,  sem  se atentar às  lições da 

corte constitucional portuguesa, e questionar sobre 

a possibilidade de uma ponderação entre os direitos 

em jogo. 

[...] 

O  que  se  defende  é  que  estes  dois  princípios 

(dignidade  da  pessoa  humana  e  preservação  do 

mínimo existencial) são como ‘vias de mão dupla’, e 

podem ser garantidos ou ofendidos tanto em relação 

ao devedor quanto  ao  credor,  exigindo  sempre no 

caso  concreto  uma  ponderação  dos  resultados  do 

processo executivo. 

[...] 

A dignidade, como é da pessoa, encontra‐se na 

figura  do  devedor  e  do  credor,  indistintamente, 

merecendo ambas proteção equivalente. Por isso, o 

que se quer dizer ao defender que a dignidade é ‘via 

de  mão  dupla’  é  que  o  postulado  do  mínimo 

existencial não socorre apenas o executado, devendo 

o processo de execução abrir‐se para a discussão da 

violação  deste  garantia  também  sob  a  ótica  do 

credor.[30] 

Por essas razões é que o objetivo do presente trabalho é defender 

a  possibilidade  de  penhora  da  remuneração  do  devedor 

independentemente da natureza do crédito pendente, propondo balizas 

e  limites  para  tanto,  pois,  caso  contrário,  ou  seja,  se  não  admitida  a 

constrição  do  salário  em  nenhuma  hipótese,  todo  devedor  gozará  de 

espécie  de  “salvo‐conduto”  legal,  pois,  sempre  que  só  possuir  em  seu 

patrimônio imóvel residencial e verbas alimentares, estará praticamente 

dispensado do pagamento de seus débitos, eis que tais bens são imunes à 

execução[31]. 

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Inspiradas por essa  ideologia, parte da doutrina e  jurisprudência 

vinha defendendo a possibilidade de penhorar até o limite de 30% (trinta 

por cento) da remuneração do executado, sob o acertado argumento de 

que o referido percentual, além de se afigurar razoável, não compromete 

os  recursos  necessários  ao  sustento material  de  seu  destinatário.  Tal 

constrição não representa afronta à dignidade do devedor, pois a própria 

limitação ao quantum de 30% configura a proteção à sua dignidade.[32] 

Ademais, essa parcela da remuneração do trabalhador, ainda que 

goze  de  natureza  alimentar,  é  livremente  negociável  e  disponível  pelo 

mesmo, que pode consignar o referido percentual para operações junto a 

instituições financeiras. Esse permissivo vem contido na Lei 10.820/2003, 

a qual permite que, mediante autorização, sejam descontados da folha de 

pagamento  do  trabalhador  valores  referentes  a  pagamentos  de 

empréstimos,  financiamentos  e  operações  mercantis  concedidos  por 

instituições financeiras, quando previstos nos respectivos contratos, até o 

limite de 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração (art. 1º, caput e § 

1º)[33]. Neste diapasão, se o trabalhador pode, voluntariamente dispor 

da  verba  destinada  ao  sustento  próprio  e  da  família  para  quitar 

financiamento,  não  seria  razoável  blindar  tais  valores  da  execução  de 

outras dívidas contraídas, desde que respeitado o limite de 30% (trinta por 

cento). 

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu que 

(grifos nossos): 

ACÓRDÃO  AGRAVO  INOMINADO  CONTRA 

DECISÃO ASSIM EMENTADA: AGRAVO. PENHORA ON 

LINE.  SISTEMA  BACEN  JUD.  CONTA‐SALÁRIO.  NÃO 

CONFIGURAÇÃO.  PAGAMENTOS  E  COMPRAS 

DIVERSAS.  CONTA‐CORRENTE  COMUM. 

PENHORABILIDADE.  Segundo  definição  do  Banco 

Central,  "A  conta  salário  é  uma  conta  aberta  por 

iniciativa e solicitação do empregador para efetuar o 

pagamento  de  salários  aos  seus  empregados.  Essa 

conta  não  é  uma  conta  de  depósitos  à  vista,  pois 

somente  pode  receber  depósitos  do  empregador, 

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não sendo admitidos depósitos de quaisquer outras 

fontes. Pode ser utilizada também para o pagamento 

de proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, 

pensões  e  similares.  (.)  A  conta  salário  não  é 

movimentável  por  cheques."  Como  se  verifica  do 

extrato  juntado  pela  própria  agravante,  a  referida 

conta  não  configura  a  chamada  conta  salário,  na 

medida  em  que  é  utilizada  para  realização  de 

compras  e  pagamentos  diversos. De  outro  lado,  é 

certo que, não obstante os termos do art.  , IV do 

CPC,  há  que  se  harmonizarem  os  princípios  da 

máxima efetividade  com o da menor onerosidade 

ao devedor, cabendo então,  limitar a penhora em 

até  %,  mas  somente  das  verbas 

comprovadamente  recebidas  a  título  de 

vencimentos  e  salários.  Os  documentos 

apresentados não são suficientes a comprovar que os 

valores  bloqueados  na  mencionada  conta  da 

agravante  são  de  natureza  salarial,  razão  por  que, 

cabe manter o bloqueio. RECURSO A QUE SE NEGA 

SEGUIMENTO NOS TERMOS DO ART. 557 DO CPC. Em 

que pese o arrazoado, a ausência de qualquer novo 

subsídio trazido pela ora agravante, capaz de alterar 

os  fundamentos  da  decisão  agravada,  faz  subsistir 

incólume  o  entendimento  nela  firmado.  RECURSO 

CONHECIDO E DESPROVIDO[34] 

AGRAVO  INOMINADO  EM  AGRAVO  DE 

INSTRUMENTO.  COBRANÇA.  PENHORA  ON  LINE. 

DEFERIMENTO.  BLOQUEIO  EM  CONTA  CORRENTE. 

CONTA  SALÁRIO.  POSSIBILIDADE  DA  CONSTRIÇÃO 

ON  LINE.  DESCUMPRIMENTO  DA  OBRIGAÇÃO  POR 

PARTE DO RÉU, ORA AGRAVANTE. INEXISTÊNCIA DE 

BENS  DO  DEVEDOR  PARA  PAGAMENTO  DO 

DÉBITO. BLOQUEIO DE  IMPORTÂNCIA QUE ATINGE 

O  PERCENTUAL  DE  %  DOS  VENCIMENTOS 

LÍQUIDOS  DO  RECORRENTE.  POSSIBILIDADE. 

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APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO DISPOSTO NO ART. 

,  IV,  DO  C.P.C.,  QUE  PROÍBE  A  PENHORA  DE 

SALÁRIOS E VENCIMENTOS, BEM COMO DA LEI N.º 

. / , QUE  FIXA O  PERCENTUAL  DE  %  DO 

SALÁRIO  COMO  LIMITE  DE 

DESCONTOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.[35] 

Nessa esteira, cite‐se também o Tribunal de  Justiça do Estado de 

Goiás  que  editou  a  Súmula  n°  1,  resultante  da  Uniformização  de 

Jurisprudência nº 72‐0/233 (200902149703), aprovada por unanimidade 

de votos, em sessão da Corte Especial do TJGO de 09 de junho de 2010, in 

verbis: “Admite‐se a penhora eletrônica de verba salarial na conta corrente 

do devedor, cujo bloqueio não deve ultrapassar o limite percentual de 30% 

(trinta por cento)”[36]. 

As  Turmas  Recursais  do  Tribunal  de  Justiça  do  Paraná  também 

filiaram‐se  a  esse  entendimento  ao  editar  o  Enunciado  nº  13.18,  que 

dispõe:  “Não  existindo  outros  bens  a  satisfazer  o  crédito  exequendo, 

possível a penhora de conta‐salário no limite de 30%”.[37] 

Em  suma,  se  ao  sujeito  é  permitido  dispor  de  parcela  de  seus 

ganhos para contrair dívida, não  se pode considerar que a mesma  seja 

impenhorável. 

Esse era o cenário que se vislumbrava ainda na vigência do CPC de 

1973, o qual, como  já dito, vedava em absoluto a penhora dos ganhos 

alimentares do executado. O texto do Novo Código de Processo Civil traz 

importante alteração  legislativa  sobre o  tema da  impenhorabilidade da 

remuneração do executado, que se comentará a seguir. 

. CPC DE   E A  IMPENHORABILIDADE DA REMUNERAÇÃO DO 

EXECUTADO: INOVA, MAS NÃO O SUFICIENTE 

No que  tange à  impenhorabilidade dos salários e vencimentos, o 

novel Estatuto Processual (Lei 13.105 de 2015) dispõe que: 

Art. 833.  São impenhoráveis: 

[...] 

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IV  ‐ os vencimentos, os subsídios, os soldos, os 

salários,  as  remunerações,  os  proventos  de 

aposentadoria,  as  pensões,  os  pecúlios  e  os 

montepios,  bem  como  as  quantias  recebidas  por 

liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do 

devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador 

autônomo  e  os  honorários  de  profissional  liberal, 

ressalvado o § 2o; 

[...] 

§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se 

aplica  à  hipótese  de  penhora  para  pagamento  de 

prestação  alimentícia,  independentemente  de  sua 

origem, bem como às importâncias excedentes a   

(cinquenta)  salários‐mínimos  mensais,  devendo  a 

constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no 

art. 529, § 3o. 

Da leitura do dispositivo supracitado, é possível concluir que o novo 

CPC passa a permitir que os ganhos alimentares do devedor que superem 

o  patamar  de  cinquenta  salários  mínimos  poderão  ser  livremente 

penhorados  no  bojo  de  qualquer  execução,  mesmo  que  o  crédito 

exequendo não tenha natureza alimentar. 

Sem dúvida, caminhou muito bem o legislador ao mitigar, ainda que 

parcialmente, o dogma da  impenhorabilidade absoluta da remuneração 

do executado. Contudo, parece que a inovação do legislador de 2015 não 

se  afigura  suficiente  para  enfrentar  de  maneira  contundente  a  já 

mencionada crise da execução. É que o patamar a partir do qual o novo 

CPC torna possível a penhora da remuneração é excessivamente elevado. 

Cinquenta salários mínimos correspondem, atualmente, a cerca de 

R$  40.000,00  (quarenta  mil  reais).  Ora,  na  realidade  brasileira, 

pouquíssimos  são  aqueles  que  logram  receber  remunerações  de  tão 

elevado valor. Isso fará com que a novidade da possibilidade da penhora 

de salários  tenha aplicação restritíssima, esvaziando em grande medida 

essa importante norma processual e deixando fora de seu âmbito sujeitos 

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que, embora não aufiram super salários, ostentam ganhos mais do que 

suficientes  para  arcar  com  suas  dívidas  e  manter  padrão  de  vida 

minimamente digno, como, por exemplo, os integrantes da classe média. 

Não se pode, entretanto, ignorar a indiscutível importância de uma 

norma que prevê  a penhorabilidade do  salário  independentemente da 

natureza do crédito perseguido: 

Algum  leitor  poderia  afirmar  que  o  valor  –  50 

salários  mínimos  mensais  –  é  exorbitante  para  a 

realidade brasileira, sendo que a novidade, portanto, 

terá pouco efeito prático e que seria irrelevante. De 

fato,  é  verdade  que  o  valor  é  elevado,  pois  são 

poucos os devedores que percebem mais de R$ 40 

mil  mensais.  É  igualmente  verdade  que  mais 

adequado  para  a  realidade  brasileira  um  piso  em 

valor menor. 

Porém, reitere‐se: o mais importante é a quebra 

do dogma de absoluta impenhorabilidade de salário. 

E  isso  abre  o  caminho  para  que,  nas  próximas 

reformas  processuais,  o  valor  seja  minorado  –  e, 

também,  para  que  futuramente  seja  possível  a 

inserção  de  penhora  de  bem  de  família  acima  de 

determinado valor. O primeiro passo, que é por onde 

toda jornada se inicia, foi dado.[38] 

Em uma perspectiva histórica, a novidade do CPC de 2015 se mostra 

ainda mais significativa se considerarmos que houve tentativa frustrada, 

ainda na vigência do CPC de 1973, de limitar a impenhorabilidade absoluta 

da  remuneração.  A  Lei  11.382  de  2006,  enquanto  projeto,  previa  a 

possibilidade de penhora de salários e  imóveis  residenciais de elevador 

valor. Contudo, os dispositivos que contemplavam as referidas previsões 

foram  objeto  de  veto  presidencial,  que,  embora  tenha  reconhecido  a 

razoabilidade  da  proposta,  filiou‐se  inexplicavelmente  ao  dogma  da 

impenhorabilidade asseverando que 

A  tradição  jurídica  brasileira  é  no  sentido  da 

impenhorabilidade,  absoluta  e  ilimitada,  de 

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remuneração.  Dentro  desse  quadro,  entendeu‐se 

pela conveniência de opor veto ao dispositivo para 

que a questão volte a ser debatida pela comunidade 

jurídica e pela sociedade em geral.[39] 

Por essas  razões, boa parte da melhor doutrina  lamentou o veto 

aposto pelo Presidente da República às  inovações pretendidas pela  Lei 

11.382 de 2006. 

De  toda  forma,  a  fixação  de  um  percentual  rígido  de 

impenhorabilidade não  se afigura, data vênia, a melhor  solução para o 

problema ora debatido: o legislador deve evitar limitação tão hermética à 

penhora  e  possibilitar  uma  atuação mais  ativa  do magistrado  no  caso 

concreto levado a juízo. Em cada situação concreta, o juiz deve sopesar os 

direitos  em  jogo  e,  só  então  e  de maneira  fundamentada,  delimitar  o 

âmbito de incidência da penhora: 

Assim,  não  se  deve  permitir  que  a  execução 

reduza  o  executado  a  uma  situação  indigna;  no 

entanto,  o  mesmo  princípio  não  autoriza  que  o 

executado  abuse  desse  direito, manejando‐o  para 

indevidamente  impedir  a  atuação  executiva.  (...) 

Pensamos assim que, em atenção às peculiaridades 

do  caso,  não  tendo  sido  localizados  outros  bens 

penhoráveis,  é  possível  a  penhora  de  parte  da 

remuneração  recebida  pelo  executado,  em 

percentual  razoável que não prejudique seu acesso 

aos  bens  necessários  à  sua  subsistência  e  à  sua 

família.[40] 

Com  efeito,  nos  parece  que  a  autorização  legal  a  partir  de  um 

determinado valor se apresenta como apenas uma dentre as hipóteses 

que permitem a penhora da remuneração. Em outras palavras: além do 

permissivo  legal,  no  bojo  do  qual  o  legislador  já  efetuou  prévia 

ponderação  entre  os  interesses  em  jogo,  seria  possível  penhorar  a 

remuneração  do  executado  em  outros  casos,  a  partir  de  um  esforço 

ponderativo  do magistrado  que  conduz  a  atuação  executiva. Havendo 

restrição desarrazoada ou desproporcional ao direito à tutela executiva, 

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sem que a proteção do direito do devedor em  tal medida se  justifique, 

deve‐se prestigiar o primeiro: 

[...]  as hipóteses de  impenhorabilidade podem 

não  incidir  em  determinados  casos  concretos,  em 

que  se  evidencie  a 

desproporção/desnecessidade/inadequação entre a 

restrição a um direito fundamental e a proteção de 

outro. Ou  seja:  é  preciso  deixar  claro  que  o  órgão 

jurisidicional  deve  fazer  o  controle  de 

constitucionalidade  in  concreto  da  aplicação  das 

regras de  impenhorabilidade, e,  se  a  sua  aplicação 

revelar‐se  inconstitucional, porque não  razoável ou 

desproporcional,  deve  afastá‐la,  construindo  a 

solução  devida  para  o  caso  concreto.  Neste 

momento, é imprescindível rememorar que o órgão 

jurisdicional deve observar  as normas  garantidoras 

de  direitos  fundamentais  (dimensão  objetiva  dos 

direitos  fundamentais)  e  proceder  ao  controle  de 

constitucionalidade  das  leis,  que  podem  ser 

constitucionais  em  tese,  mas  in  concreto,  podem 

revelar‐se inconstitucionais.[41] 

Essa possibilidade decorre não apenas do poder‐dever que tem os 

magistrados  de  efetuar  o  controle  difuso  de  constitucionalidade, mas 

também de seu poder geral de efetivação das decisões que proferem. O 

mister de dizer o direito não se resume a reconhecer direitos e obrigações 

no plano abstrato, sendo inerente à jurisdição concretizar no mundo dos 

fatos o conteúdo das decisões que profere. 

Alexandre Freitas Câmara defende, por essa  razão, que deve  ser 

reconhecido ao juiz o poder de se valer de meios executivos atípicos nas 

hipóteses  em  que  os  meios  típicos  se  revelareminsuficientes  ou 

inadequados  para  a materialização  do  direito  subjetivo[42],  ao  que  se 

subsumiria  com  perfeição  a  hipótese  da  penhora  da  remuneração  do 

devedor que não dispõe de outros bens penhoráveis. 

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Por essas  razões,  considera‐se que, não  tendo o executado bens 

livres para a penhora, a impenhorabilidade da sua remuneração deve ser 

afastada  pelo magistrado,  por meio  de  decisão  fundamentada  e  que 

preserve  a  intangibilidade  do  patrimônio  mínimo  necessário  à  sua 

existência digna. 

. CONCLUSÃO 

A execução permanece sendo o ponto sensível da tutela processual. 

Os direitos de  crédito, embora  reconhecidos e  chancelados pelo Poder 

Judiciário, não  logram obter  satisfação. Acrise da execução prejudica o 

credor, que vê  frustrado seu direito, bem como o Estado, que  tem sua 

credibilidade e sua aptidão para resolução de conflitos postas em xeque. 

Nesse  cenário de estímulo ao  inadimplemento,  só o devedor  sai 

ganhando. A enorme, e  inflexível gama de exceções à  responsabilidade 

patrimonial configura, sem sombra de dúvidas, um privilégio injustificável 

conferido ao executado, que goza de posição relativamente confortável 

enquanto réu na execução, pois é praticamente liberado de arcar com a 

obrigação contraída. Esse é, na análise da mais avalizada doutrina, o maior 

problema que encontra a atividade executiva na busca por efetividade. 

Em resposta ao contexto supra, o presente  trabalho propõe uma 

leitura constitucional do processo civil, pugnando pela interpretação dos 

direitos  de  credor  e  devedor  enquanto  princípios  que  devem  ser 

ponderados  em  cada  caso  concreto,  de  forma  a  afastar  violações 

injustificadas a um ou a outro. 

Em outras palavras: o que se buscou defender foi a viabilidade de, 

em qualquer  caso,  ser possibilitado ao  juiz determinar que a atividade 

executiva  recaia  sobre a  remuneração do executado, por  imposição do 

princípio constitucional da efetividade da tutela executiva. Qualquer regra 

que, a priori, vede de maneira absoluta a penhora dos vencimentos do 

devedor, sem considerar que, à dignidade deste se contrapõe o direito 

fundamental  à  tutela  executiva  do  credor,  seria  contrária  à  axiologia 

constitucional, devendo ser afastada no caso concreto. 

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Desta forma, caberia ao magistrado, in casu, ‐ como decorrência de 

seu  poder‐dever  de  efetivar  as  decisões  que  profere  ‐  delinear  os 

contornos da penhora da remuneração do executado, sempre cuidando 

para não violar o mínimo existencial do mesmo. 

O  advento  do  Novo  Código  de  Processo  Civil,  nesse  particular, 

representa  inegável porém tímido avanço na flexibilização do dogma da 

impenhorabilidade do  salário.  Sua  importância,  contudo, não pode  ser 

negligenciada: o primeiro passo é o começo de toda caminhada. 

Assim é que, longe de pretender oferecer uma fórmula mágica para 

a solução dos problemas que acometem o Judiciário[43], se propõe, com 

o  presente  trabalho,  a  revisão  dos  limites  à  penhora  da  remuneração 

como meio apto a abrandar, em parte, o enorme problema da  falta de 

efetividade da execução. 

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NOTAS:

[1] Como bem aduzido por Leonardo Greco, “[...] ser devedor neste país não é mais motivo de vergonha e não pagar os débitos não é mais um sinal de desonra” (GRECO, Leonardo. O processo de execução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999, 1 vol., p. 05)

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 14.

[3] DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 2ª edição. Editora JusPodivm, 2010. 51 p.

[4] Idem op. cit.

[5] REDONDO, Bruno Garcia. A penhora da remuneração do executado. Disponível em: http://www.academia.edu/584277/A_penhora_da_remuneracao_do_executado; acesso em: 02/12/2015.

[6] Por todos, Fredie Didier Jr., Alexandre Freitas Câmara, Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart e Bruno Garcia Redondo.

[7] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 543.

[8] REINALDO FILHO, Demócrito. Da possibilidade de penhora de saldos de contas bancárias de origem salarial. Disponível em http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9956-9955-1-PB.pdf. Acesso em 02/12/2015. p. 4.

[9] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 47.

[10] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 50.

[11] KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. 2 edição. Ed. Edipro

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[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60

[13] BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.p 230.

[14] FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.35. apud GOLDHAR, Tatiane Gonçalves Miranda. A proteção do direito de crédito através da releitura da impenhorabilidade da verba alimentar do devedor. Revista Atualidades Jurídicas do Conselho Federal da OAB, Brasília, Número 14, p. 37, out./dez.2011

[15] REINALDO FILHO, Demócrito. Op. cit. p. 2.

[16] CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 18.

[17] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. rev. e. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 218.

[18] Loc. cit.

[19] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Ed. Malheiros. vol. 4, p. 63-64

[20] AMENDOEIRA JR., Sidnei. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 18.

[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 15.

[22] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre a crise do processo de execução: algumas sugestões voltadas à sua efetividade. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Execução civil: do

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CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Paulo Furtado. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2006, p. 249.

[23] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Impenhorabilidade de Bens – Análise com Vistas à Efetivação da tutela Jurisdicional. In: SHIMURA, Sérgio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. “Execução no Processo Civil”, Editora Método, 2005, página 52.

[24] TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. A Penhora de Salários e a Efetividade do Processo de Execução. In: SHIMURA, Sérgio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Execução no Processo Civil. Editora Método, 2005, página 122.

[25] GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. O princípio da proporcionalidade e a penhora de salário – algumas outras considerações. Disponível em http://portal.trt15.jus.br/documents/124965/125437/Rev29Art3.pdf/5dd52ffb-cc18-40d8-bad2-34f94ccc02df. p. 59. Acesso em 04.12.2015

[26] “Afirmar a dupla dimensão – objetiva e subjetiva – dos direitos fundamentais não significa dizer que o direito subjetivo decorre do direito objetivo. O que importa esclarecer, aqui, é que as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Com efeito, como explica Vieira de Andrade, os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins”. MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/files_/MARINONI-O-DIREITO-%C3%80-TUTELA-JURISDICIONAL-EFETIVA-NA-PERSPECTIVA-DA-TEORIA-DOS-DIREITOS-FUNDAMENTAIS.pdf. Acesso em: 05.12.2015. p. 3.

[27] Idem. Curso de Processo Civl, volume 3: execução. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 262.

[28] Idem. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em:

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[29] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: RT, v. 798, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 24. apud. MARANHÃO, Ney. Penhora de salário e os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade: breve análise da jurisprudência brasileira à luz de aportes críticos pós-positivistas. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/12780/ney_maranhao.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05. 12.2015. p. 132.

[30] REDONDO, Bruno Garcia; MAIDAME, Márcio Manoel. Penhora da remuneração do executado e do imóvel residencial de elevado valor. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 117‐119.

[31] Ibid. p. 112.

[32] MOREIRA, Aline Hack. A Possibilidade da Penhora de 30% dos Salários em Ações de Execução: uma Flexibilização acerca do Princípio da Impenhorabilidade Salarial. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. 106, p. 20, jan.2012.

[33] O referido estatuto legal sofreu recentíssima alteração pela Lei nº 13.172 de 2015, a qual elevou o limite do crédito consignado de 30% para 35%, razão pela qual doutrina e jurisprudência ainda não tiveram tempo hábil de adequar seus posicionamentos à inovação legislativa.

[34] TJRJ. 0028882-79.2014.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 12/02/2015 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL

[35] TJRJ. 0018393-46.2015.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. NORMA SUELY - Julgamento: 25/08/2015 - OITAVA CAMARA CIVEL

[36] Tribunal de Justiça de Estado de Goiás. Súmula nº 01 de 09 de junho de 2010. Disponível online em:

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[37] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Enunciado Sumulado nº 13.18. Disponível online em: http://www.tjpr.jus.br/enunciados-turmas-recursais. Acesso em 03 dez. 2015.

[38] DELLORE, Luiz. A penhora do salário no Novo CPC. Disponível em: http://jota.info/a-penhora-do-salario-no-novo-cpc. Acesso em 05.12.2015.

[39] BRASIL. Mensagem nº 1.047, de 6 de dezembro de 2006.

Veta dispositivos do Projeto de Lei no 51, de 2006, que altera do

Código de Processo Civil de 1973. Diário Oficial [da] República

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-

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[40] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Ed. RT, 2007. vol. 3. apudREDONDO, Bruno Garcia; MAIDAME, Márcio Manoel. Penhora da remuneração do executado e do imóvel residencial de elevado valor. In: ALVIM, Arruda et al (Coord.). Execução civil e temas afins: do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 117-119.

[41] DIDIER JR., Fredie. Op. cit. p. 544.

[42] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 17.

[43]  Isso  porque,  como  bem  apontado  por  Barbosa Moreira,  são 

diversas  as  causas  que  levam  à  insatisfação  com  o  desempenho  da 

máquina judiciária, sendo necessário, portanto, para a solução do referido 

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problema,  que  se  conjuguem  diversas  estratégias  e  táticas,  pois  “não 

existe fórmula de validade universal para resolver por inteiro a equação” 

(MOREIRA,  José  Carlos  Barbosa.  O  futuro  da  justiça:  alguns 

mitos.  In: Revista de Processo, nº 99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 

2000).

 

   

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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DOS PAIS PERANTE OS FILHOS

GABRIEL MARCIO PASSOS CARVALHO BAHIA SAPUCAIA: Formado em direito pelo Centro Universitário Jorge Amado/BA e Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito/BA.

RESUMO: O presente artigo examina a existência da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo dos pais perante os filhos, cuja principal abordagem concentra-se na importância da manutenção do poder-dever familiar, diante da evolução do Direito de Família. Uma síntese acerca do que vem a ser a responsabilidade civil, seus conceitos e pressupostos é feita, sem deixar de analisar a importância do afeto, de modo a verificar a sua grande relevância na contemporaneidade, entendendo a necessidade de reparação em face da sua ausência.

PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade Civil- Danos Morais-Abandono Afetivo SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Evolução Histórica da Responsabilidade Civil – 3. Breve Estudo Acerca da Responsabilidade Civil – 3.1 Conceito – 3.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva – 3.3 Pressupostos e Elementos da Responsabilidade Civil – 3.3.1 Culpa – 3.3.2 Dano – 3.3.3 Nexo causal – 3.3.4 Conduta do Agente – 4. A Ideologia do Afeto: O princípio da Afetividade – 4.1 O afeto nas relações entre pais e filhos – 5. Os Deveres dos Pais – 6. Das Decisões Judiciais Inovadoras – 7. Responsabilidade Civil dos Pais por Abandono Afetivo dos Filhos – 8. Conclusão – Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

Ao suscitar o tema da responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais perante os filhos busca-se mostrar que o dever dos pais não se limita apenas ao pagamento de alimentos e ao reconhecimento da paternidade, mas inclui também a participação em todos os âmbitos da vida

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do filho, desde o elemento afetivo, construtor dos referenciais de conduta e caráter do menor às decisões cotidianas, passando por conselhos e lições que devem ser absorvidas pela prole. Em suma, a obrigação dos genitores em decorrência do exercício do poder e obrigações dele decorrentes; levando-se em consideração que o cuidado é fator essencial e não acessório no desenvolvimento da personalidade da criança. Partindo dessa premissa, é possível pensar a possibilidade de um filho, privado do afeto paterno/materno, pleitear indenização em virtude da falta de um eventual dever de convivência estabelecido no ordenamento jurídico.

Decisão emblemática merece atenção inicial, qual seja a do tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais que condenou um pai a pagar a um filho indenização no valor de R$ 200.000,00, pelos danos morais decorrentes do abandono afetivo. Tal decisão, inovadora do Poder Judiciário, tem provocado acirradas discussões no Direito de Família.

A vivência da relação paterno-filial exige dos pais um compromisso reiterado de assistência moral e material. É a partir daí que surge a responsabilidade civil. Conforme o art. 229 CC, “os pais têm o dever de assistir, criar e educar filhos menores”. Esse dever está atrelado não somente à questão financeira ou à possibilidade de se dar um preço ao amor ou de obrigar alguém a amar. Trata-se de lembrar a estes pais a responsabilidade de ser pai, a responsabilidade de ter um filho. A questão nunca será como auferir preço ao amor, contar quantos beijos e abraços os pais dão em seus filhos diariamente, tendo em vista que ninguém tem obrigação de amar, mas enquanto pais e provedores tem o dever de assistir, de cuidar, de dar atenção e fazer com que o filho sinta-se de certa forma “protegido” em seu seio familiar.

É importante demonstrar a importância da noção de família no ordenamento jurídico pátrio contemporâneo, ao passo que a ausência ou má formação dessa diretriz familiar, pautada, sobretudo no afeto, é capaz de criar grandes impactos na vida de uma pessoa. Caso esse impacto, decorrente de um ilícito civil praticado, seja capaz de provocar um dano à pessoa, nascerá para o agente causador do mesmo o dever de indenizar, conforme disciplina o Diploma Civil atual: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar danos a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

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Presente o binômio ato ilícito x dano, e o nexo de causalidade entre ambos, deverá o agente causador do referido prejuízo provocado ser responsabilizado civilmente. O Superior Tribunal de Justiça já firmou posição acerca da noção indissociada da abordagem em questão:

DANO MORAL PURO. CARACTERIZAÇÃO. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização.

Resta evidente que o dano moral experimentado junto às relações afetivas conflituosas vem ganhando cada vez mais e maior reconhecimento frente ao Judiciário.

Pensando nisso, é que se fará adiante um breve estudo acerca da responsabilidade civil e a sua aplicabilidade no direito de família para, em momento ulterior, ser travado o avanço no estudo da família, sua importância e evolução, sem olvidar-se de analisar a ideologia do afeto paralelo ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Repise-se a noção de família vai muito além da união consanguínea e biológica. Nos dias atuais, as relações familiares estão muito mais atreladas ao afeto, de modo que o amor não encontrou espaço no campo jurídico, situando-se na esfera metajurídica, filosófica, psicológica ou religiosa. Em sede de filiação, tem-se que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o filho, que, muito além de cumprir meramente as diretrizes normativas, deve garantir condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A ideia de se compensar danos injustamente causados é algo novo em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não existiam regras ou limitações regulatórias da reparação dos danos. O ofendido reagia ao dano de maneira imediata e brutal, agindo por puro instinto. Tratava-se da época do jusnaturalismo, onde os povos tinham verdadeira aversão à ‘”tirania” do

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Estado. Nesse momento as pessoas viviam sem um ordenamento jurídico apto a tutelar seus interesses. Cada povo, de acordo com a cultura local, criava suas próprias leis e fazia valer a justiça da forma que melhor lhe conviesse. Os atos de justiça eram praticados de maneira desmesurada e quase sempre em proporções muito superiores às ofensas. Conforme afirma Descartes (apud REALE, 1972, p. 55): “Só a razão como dominador comum do humano, parecerá manancial comum de conhecimentos claros e distintos, capazes de orientar melhor a espécie humana, que quer decidir por si de seu destino”.

Com o passar do tempo, surgiu o juspositivismo, de modo que as relações intersubjetivas passaram a ser tuteladas pelo Estado, autossuficiente e soberano, momento em que passou a existir um ordenamento jurídico, atrelado a um contrato social, apto a regular as relações jurídicas existentes e seus efeitos consectários. A partir de então, perpetrou-se a justiça privada, conhecida como a lei do talião, que pregava a ideia de ‘olho por olho e dente por dente’, ‘quem com ferro fere, com ferro será ferido’. Com a Lei do Talião, o estado passou a intervir, no entanto, de maneira mínima, haja vista que, analisando o dano causado, deixava a critério do agente sofredor do prejuízo, escolher a forma de reparação, desde que a mesma não ultrapassasse o limite do dano que lhe foi causado. Nesse ponto, cita-se o entendimento de Sergio Alves Gomes (1994, p. 42), que leciona:

“No entanto, a experiência histórica tem demonstrado que é impossível ao direito alienar-se quanto aos valores vigentes no contexto social, sem que, com isto, se torne algo farisaico, ocultador das reais intenções dos que o produzem. É que o direito só ganha sentido para os membros da sociedade como algo a ser efetivamente respeitado quando tem um conteúdo do humano, e este, é composto de fatores múltiplos, originados ao longo da história: são crenças, aspirações, conflitos, paixões, ciência, técnica, arte, costumes, tradições”.

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Posteriormente, a vingança privada cedeu espaço para uma nova técnica, baseada em um meio de composição econômica pelo dano causado à vítima. O que ocorria nesse novo cenário histórico era uma tentativa de acordo entre a vítima e o ofensor, com o intuito de que esse suprimisse ou atenuasse os prejuízos causados através da prestação pecuniária.

Na sequência, em uma fase mais avançada, meados no século XIII a.C., com a presença de uma autoridade estatal soberana, iniciou-se a época pós-positivista. O Estado começou a intervir totalmente, de modo que o legislador trouxer à baila a ideia de indenização e o Estado fixava um valor pecuniário a ser pago e obrigava a vítima a aceitar.

Sob a influência do Código Romano, surgiu a Lex Aquilia de Damno, estabelecido na Lei das XII Tábuas. A partir desta lei, a culpa do ofensor começou a ser encarada como pressuposto de responsabilidade. Segundo Maria Helena Diniz, nesse interstício a reparação civil veio a se delinear:

A Lex Aquilia de Damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária dos danos, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação, em razão do valor da res esboçando-se a noção de culpa como fundamento de responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano a conduta culposa do agente. (DINIZ, 2003, p. 10).

Assim, segundo a teoria Aquiliana, a reparação do dano tinha como pressuposto a culpa do agente, dando início, assim, a responsabilidade subjetiva (extracontratual). Essa concepção não é absoluta, eis que não se pode se basear apenas na referida teoria, atentando para o fato de que a responsabilidade objetiva, conforme se verá adiante, aquela em que se exige a reparação independente de culpa, mesmo que em menor potencial, vem tomando força em nosso ordenamento jurídico.

Segundo os ensinamentos de Giselda Maria Fernandes Novaes (2005-p.31), “o direito romano é mais ‘positivista’, e o direito

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contemporâneo é mais ‘moralista’ no ato de conceber a culpa”, o que ratifica a noção de que a responsabilidade subjetiva é a que vigora.

Com a revolução industrial e o fenômeno da globalização, aumentaram o número de máquinas, proporcionando o êxodo rural, situação em que as pessoas passaram a migrar do campo para a cidade em busca de novos empregos e melhores condições de vida, e, com isso, aumentou-se os riscos dos danos à vida e à saúde da população e fazendo surgir novas contendas.

A noção de responsabilidade Aquiliana, então, passou a ser insuficiente, pelo que a ideia de responsabilidade passou a ser fixada independente de culpa, ampliando espaços para a chamada responsabilidade objetiva.

No entanto, é importante que se tenha em mente que, no atual Código Civil, continua sendo regra a responsabilidade subjetiva, ou seja, o agente para indenizar tem que ter agido de maneira culposa, sendo a responsabilidade objetiva taxativa, atuante apenas nos casos previstos em lei, ou quando a responsabilidade subjetiva mostrar-se insuficiente. Quando por exemplo, por falta de recursos financeiros não seja possível a demonstração da culpa.

3 BREVE ESTUDO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Sobreleva uma breve análise da responsabilidade civil, sobretudo no que tange a sua definição, para que em momento ulterior o tema principal passe a ser analisado com minúcia.

3.1 Conceito

O problema da Responsabilidade Civil foi introduzido, no Brasil, por José Aguiar Dias, que afirmou que “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade” (DIAS, 1944, p. 94-95). A responsabilidade civil surge com a violação de um dever jurídico imposto por meio de uma norma, seja contratual ou não. A lei serve para desconstituir o dever jurídico violado.

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De maneira resumida, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Assim sendo, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E isso se justifica pelo fato de que a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. De acordo com Sérgio Cavalieri Filho (2000, p. 20):

Em sentido etimológico responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. Em apertada síntese responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente de um dever jurídico originário.

Ela pode ser de duas espécies, a depender da natureza jurídica da norma violada: contratual, prevista nos artigos 385 e 389 do Código Civil Brasileiro, ou extracontratual (Aquiliana), oriunda do descumprimento direto da lei, disciplinada nos artigos 186 e 927 do mesmo diploma legal. De maneira sintética, Maria Helena Diniz (2001, p.34) conceitua tal instituto:

(…) poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)

Atente-se à responsabilidade aquiliana, naquela em que a vítima deve provar a existência do dano sofrido.

3.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

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A teoria clássica da responsabilidade civil aponta a culpa como fundamento de obrigação para reparar o dano. Conforme a teoria, não havendo culpa, não surgirá o dever de indenizar, o que faz nascer o dever de provar o nexo entre o dano e a culpa do agente.

Com o passar do tempo, porém, a chamada teoria subjetiva responsabilidade subjetiva mostrou-se insuficiente, haja vista que existiam situações em que, por questões diversas, como exemplo das questões de ordem financeira, não era possível obter a prova da culpa do agente, e, com isso, muitas vezes, a parte lesada ficava sem a devida reparação.

Nesse diapasão, ampliou-se assim a chamada responsabilidade objetiva, onde em alguns casos específicos, a exemplo do art.21 XXII, d Constituição Federal (responsabilidade por danos nucleares independente da existência de culpa) e muitos outros, o agente responde independentemente de culpa. Com ela, uma vez preexistente uma norma, a mesma deveria ser cumprida, e o seu não cumprimento geraria um dano, que, por óbvio, comportaria reparação.

O parágrafo único do art. 927 do código civil brasileiro dispõe sobre a aplicação da responsabilidade objetiva[1]. Tal espécie de responsabilidade é uma exceção em nosso ordenamento jurídico, de modo que deve ser utilizada apenas nos casos previstos em lei ou quando a responsabilidade subjetiva mostrar-se insuficiente. Não havendo especificação legal ou atividade de risco, deverão ser aplicadas as regras da responsabilidade civil subjetiva.

Com relação à distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, José de Aguiar Dias (1944, p. 94-95), com absoluta precisão, escreveu: “no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou, melhor, esta indagação não tem lugar”.

3.3 Pressupostos e Elementos da Responsabilidade Civil

Os elementos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva são: culpa, dano, o nexo causal entre a

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culpa e o dano e a conduta do agente (seja ela comissiva ou omissiva). Já a responsabilidade objetiva tem como pressupostos, apenas o dano, nexo causal entre a culpa e a conduta do agente, já que o elemento culpa, conforme se viu alhures, é irrelevante para tal instituto.

3.3.1 Culpa

Para a caracterização da responsabilidade civil objetiva não se faz necessário provar a culpa. Não se pode desprezar, contudo, a relevância do estudo da culpa na responsabilidade civil, tanto mais porque, conforme adverte Caio Mario da Silva Pereira (1997, p. 391):

A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio

A culpa é, pois, um juízo que se assenta no nexo existente entre o fato e vontade do autor. O artigo 487 do Código Civil exprime um juízo de reprovabilidade da conduta pessoal do agente, de modo que o lesante diante das circunstancias específicas do caso deveriam tem agido de outro jeito.

Sendo a culpa um dos pressupostos para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, cabe ao lesado fazer a prova dela, que está ligada à ideia de imperícia, negligência e imprudência, conforme elenca o artigo 186 do código civil - a então chamada mera culpa.

Existem duas noções do conceito de culpa: o dolo e a negligência ou mera culpa. Por dolo, aquela mais utilizada no estudo da responsabilidade civil, entende-se por ser aquela conduta em que o agente agiu intencionalmente, isto é, buscou efetivamente o resultado danoso.

Nas palavras de Maria Helena Diniz (1996, p. 35),

“A culpa em sentido amplo como violação de um dever jurídico imputável a alguém, em decorrência de

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fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência e pela negligência sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente requerido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas consequências.”

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2003, p. 29), manifestaram-se nesse sentido:

“A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade...”

3.3.2 Do Dano

Para que a conduta humana esteja apta a acarretar a obrigação de indenizar, necessário se faz a comprovação da existência de um dano efetivamente sofrido. De modo que, sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado.

O dano está presente tanto na responsabilidade objetiva quanto na subjetiva, porquanto sem a sua ocorrência inexiste indenização.

Na visão de Sérgio Cavalieri Filho (in GAGLIANO, PAMPLONA, 2003, p. 40):

“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não

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pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”.

Essa ampliação do conceito de dano é de suma relevância, uma vez que, a sociedade merece a mais ampla proteção que o Estado e o Poder Judiciário podem lhes proporcionar, diante das constantes mudanças e evoluções ocorridas no mundo.

Rafael Peteffi Silva (2007, p.71) assim entende sobre o assunto:

“Nesse sentido, o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo de responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva corresponde á aspiração da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível”.

Por fim, saliente-se que danos sofridos pela vítima podem ser de cunho moral (lesão de interesses não patrimoniais das pessoas físicas ou jurídicas), patrimonial (proporciona uma lesão concreta no patrimônio da vítima, engloba os danos emergentes e os lucros cessantes) ou estético (atingem o aspecto morfológico de uma pessoa), de modo que a responsabilidade só existirá com a ocorrência do dano.

3.3.3 Do Nexo causal

O nexo causal é talvez um dos mais importantes elementos para se auferir a existência da responsabilidade, uma vez que é ele o liame existente entre a conduta do agente, o dano e o dever de indenizar a vítima.

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Entretanto, o dano só pode gerar a obrigação de indenizar quando for possível estabelecer com certeza absoluta que certa ação ou omissão cometida por alguém provocou o referido dano. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.536):

“O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor, ou como diz SAVATIER, um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado”.

Tanto é assim que na posição de Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 46):

Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.

Diversas são as teorias aptas a explicar o nexo de causalidade, entretanto, no Brasil, são citadas apenas três correntes para a identificação da causa que efetivamente gerou o dano, são elas: - Teoria da Equivalência das Condições (considera como causa do dano qualquer evento que contribui para determinado dano), - Teoria da Causalidade Adequada (procurou identificar, na presença de uma possível causa aquela parcialmente apta a produzir o dano),- Teoria do Dano Direto e Imediato (o dever de reparar surge quando o evento danoso é feito direto e imediato de certa causa). Cumpre frisar, que nosso ordenamento jurídico adotou a terceira teoria acima, ou seja, a teoria do dano direto e imediato, muito embora ainda exista muita divergência a respeito.

3.3.4 Conduta do Agente

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A conduta humana, como pressuposto da responsabilidade civil,

(…) vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2001, p. 37).

À luz dessa definição, constata-se que, aquele que causa dano a outrem, fica obrigado a reparar a conduta do agente ou de terceiro, cuja decorrência é pautada em uma ação, seja ela dolosa ou culposa, que desrespeitou os ditames constitucionais preexistentes, gerando, assim, o dever de reparação.

Note-se que a conduta poderá ser praticada pelo próprio agente causador do dano, por um terceiro ou por fatos causados por animais ou coisa que estejam sob a guarda do agente.

De acordo com Silvio Rodrigues (2002, p. 17):

A responsabilidade por ato de terceiro ocorre quando uma pessoa fica sujeita a responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas por ato de alguém que está, de um modo ou de outro, sob a sujeição daquele. Assim, o pai responde pelos atos dos filho menores que estiverem em seu poder ou em sua companhia: o patrão responde por atos de seus empregados, e assim por diante.

Feitos os esclarecimentos alhures, verifica-se que a importância e responsabilidade dos pais em detrimento da prole é tamanha que sempre que a falta de conduta dos mesmos no que concerne a criação, educação, ou seja, qualquer falta de suporte de cunho afetivo para com os filhos, for apto a causar um dano paraeste, necessário se faz que de alguma forma haja reparação, como forma de “sanção” para o agente causador e ressarcimentocompensação para o afetado.

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Conforme se verá a seguir, os novos “arranjos” familiares estão cada vez mais pautados no afeto, de modo que existem doutrinadores defendendo a ideia de que no dia em que o direito de família conseguir incluir a regulamentação do afeto dentro do próprio ordenamento jurídico, definitivamente estará contemplando a pessoa humana no lugar do sujeito de direito.

4. A IDEOLOGIA DO AFETO: O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Afeto significa sentimento de afeição ou inclinação para alguém, amizade, paixão ou simpatia. Dúvida inexiste de que a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais fenômenos biológicos e sociais. Notório também é o fato de que o conceito de família sofreu uma grande evolução histórica, de modo que hoje não mais subsiste aquela ideia de família pautada apenas no casamento de maneira indissolúvel ou na consanguinidade. Hoje, o ordenamento jurídico pátrio tutela várias outras espécies de arranjos familiares, pois firma o conceito de família pautado no afeto, reconhecendo a família informal, homoafetiva, monoparental, anaparental, pluriparental, etc.

Agora, o essencial para a sua constituição é a formação do ser, para torná-lo sujeito capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário, o lugar simbólico de pai e de mãe. O importante é que tenha um adulto que possa ser a referência e que simbolize para a criança este lugar de pai e de mãe, que é dado para as funções de orientação necessárias em sua formação. (PEREIRA, p. 24)

O ponto central para a formação da família moderna é o desenvolvimento da personalidade humana e sua realização para o desenvolvimento da personalidade dos cidadãos, não podendo o ser humano abrir mão dessa convivência no início de sua existência.

É certo e indiscutível que a família caracteriza uma realidade presente, antecedendo, sucedendo e transcendendo o fenômeno exclusivamente biológico, para buscar uma dimensão mais ampla, fundada na busca da realização pessoal de seus membros.

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Com a pós-modernidade, houve uma transição do conceito de família, de modo que a mesma passou a ser vista como unidade econômica para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, de modo que a sua base agora é firmada no afeto.

Deixando de ser a família um núcleo econômico e reprodutivo apenas, evolui-se para uma compreensão socioafetiva, eis que surgem novos “modelos” familiares, fundados no amor e no afeto como elemento fundamental para a completa formação do indivíduo. É a busca da dignidade humana, se sobrepondo aos valores meramente patrimoniais.

Acerca do tema, brilhante é o entendimento da professara Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2007):

No momento em que o direito de família conseguir dizer o afeto dentro da sua própria doutrina, aí sim, estará efetivamente contemplando a pessoa humana no lugar do sujeito de direito. E será esta transformação que permitirá aflorar, no direito de família, uma concepção ética do ser humano.

Ao contrário, enquanto o direito de família prosseguir ignorando a urgência da transformação, enquanto escolher continuar silenciando acerca do afeto, tudo o que conseguiremos será o continuísmo de um tempo já descabido, tempo este que inoperou uma idéia inadequada acerca da humanidade, o que, na prática jurídica, foi apenas mais uma maneira de tratar a pessoa humana como se ela fosse uma singela coisa.

O princípio da afetividade mostra-se como princípio norteador do Direito das Famílias: é o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares, como ensina Paulo Luiz Neto Lobo (2003, p.43):

(…) na constituição quatro são os fundamentos essenciais do princípio da afetividade: - a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (art. 227,

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§6º, CF); - a adoção, como uma escolha afetiva com igualdade de direitos (art. 227, §5º e §6º, CF), - a comunidade forçada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, commesma dignidade da família (art. 226 §4º, CF) e – o direito a convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, CF)

Conforme preceitua Maria Berenice Dias (2006, p. 61):

A família e o casamento adquiriram novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista da família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas.

Tal concepção veio para ficar, haja vista que a própria Constituição Federal enfatizou os valores pautados na ideia do afeto, como sendo um elemento embrionário da instituição familiar nas relações socioafetivas, deixando de lado aquela ideia apenas material, patrimonial e consanguínea.

Nesse diapasão, mostra-se plausível que o desrespeito ao princípio da afetividade merece ser reparado de alguma forma, uma vez que causa diversos prejuízos na formação do indivíduo, no intuito de minorar as perdas que são inestimáveis.

4.1 O afeto nas relações entre pais e filhos

O art.1º, inciso III da Constituição Federal traz com precisão um dos seus principais princípios, aquele que serve para nortear diversos ramos, inclusive o direito das famílias, o da dignidade da pessoa humana. A sua criação levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como um valor nuclear da ordem constitucional, priorizando a tutela do ser muito além a tutela do ter.

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Tamanha é sua importância que há quem se arrisque a dizer como sendo ele o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções, podendo ser facilmente sentido e experimentado no plano dos afetos.

Tanto é assim que todas as relações existentes no âmbito familiar devem ser revestidas, sobretudo, pelo afeto. Principalmente entre pais e filhos, uma vez que a figura dos pais é imprescindível para a formação dos mesmos. Aos pais é dado o deve de educação criação, alimentação e formação psicológica dos filhos - direitos garantidos pela Carta Constitucional e Estatuto da Criança e do Adolescente.

Note-se que a própria ideia da família patriarcal, em que apenas o genitor centralizava o poder desse instituto, sofreu um grande declínio. O que se busca hoje é a igualdade entre homens e mulheres, pais e mães, em todos os aspectos da vida, principalmente na relação socioafetiva para com os filhos.

A noção de família não está mais ligada no matrimônio indissolúvel ou nas relações consanguíneas, há uma grande inclinação dos doutrinadores e até mesmo de alguns juristas voltada para a questão da afetividade. É por isso que Luiz Roberto de Assumpção (2004, p.53) afirma:

“(...) o afeto está presente nas relações familiares, tanto na relação entre homem e mulher (plano horizontal) , como na relação paterno filial (plano vertical, como por exemplo, a existente entre o padrasto e o enteado), todos unidos pelo sentimento, na felicidade e no prazer de estarem juntos.”

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p.119), “nós nos arriscaríamos a dizer que em nossa sociedade a paternidade puramente baseada em laços de sangue pode ser uma ficção.”

Ainda segundo os ensinamentos de Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 62- 63):

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Para que um filho, verdadeiramente se torne filho, ele deve ser adotado pelos pais, tendo ou não vínculos de sangue que os vinculem. A filiação biológica não é nenhuma garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito. O cumprimento de funções paternas e maternas, por outro lado é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável de alguém. Por isso a família não é apenas um dado natural, genético ou biológico, mas cultural, insista-se.

Nessa ilação, é nítida a evolução sofrida no ramo do Direito das Famílias, de modo que a família não é mais compreendida como uma unidade de produção, realçadas em laços patrimoniais apenas. Muito mais importante do que isso, muito mais valia do que o dever de sustento e educação é o amor, o carinho, o afeto desprendido de um pai para com um filho. A sua ausência pode surtir efeitos psicológicos traumáticos e tão irreversíveis que vai muito além do dever de sustento apenas.

Com primazia, dissecando a relação paterno-filial, explana Giselda Hironaka (2005), que em conjugação com a responsabilidade há o viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de buscar-se indenização compensatória em face de danos que os pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles são negados a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, o que acarretaria a violação de direitos próprios da personalidade humana, de modo a magoar seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social; isso, por si só, é profundamente grave.

5 OS DEVERES DOS PAIS

A responsabilidade dos pais é dever irrenunciável. Essa prerrogativa leva em conta a vulnerabilidade da criança e do adolescente, seres em desenvolvimento que merecem tratamento especial. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro atribui aos pais certos deveres, em virtude do exercício do poder familiar.

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Entre os principais deveres dos pais em relação à sua prole, está o dever de companhia e convivência, pois, conforme já enunciado, será através das experiências diárias que os filhos formarão sua personalidade, devendo ser o lar um ambiente harmonioso, para não acarretar danos ao desenvolvimento psíquico dos filhos.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família[2] (art. 205, CF), reclama atenção especial dos pais, pois estes têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229, CF).

Tais normas constitucionais encontram outras disposições no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, valendo lembrar que aos pais, enquanto titulares do pátrio poder, compete-lhes, quanto à pessoa do filho, dirigir-lhe a criação e educação (art. 384, inciso I do Código Civil), afirmando o Estatuto da Criança e do Adolescente que aos mesmos incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores (art. 22).Todos claro, pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme art.1º, inciso III, da lei maior.

Criar é também educar, de sorte que o primeiro seria um dever genérico do qual o segundo seria uma de suas espécies. Educar, por outro lado, em sentido amplo, no propósito de transmitir e possibilitar conhecimentos, despertando valores e habilitando o filho para enfrentar os desafios do cotidiano. A educação, neste sentido, viabilizaria o desenvolvimento mental, moral, espiritual e social da criança e do adolescente, pautado, sobretudo, no afeto.

Ademais, a Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), evidencia a existência de deveres intrínsecos ao poder familiar, conferindo aos pais obrigações não somente do ponto de vista material, mas especialmente afetivas, morais e psíquicas.

Assim é que Taísa Maria Macena Lima (1984, p. 31) lembra que o dever de criação abrange as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente

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ao longo da vida.No que toca a formação do ser, Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 54) escreveu:

O essencial para a constituição e a formação do ser, para torná-lo sujeito capaz de estabelecer laço social, é que alguém ocupe, em seu imaginário o lugar simbólico de pai e mãe. O importante é que tenha um adulto que possa ser a referência e que simbolize para a criança este lugar de pai e de mãe, que é dado pelas funções exercidas em sua vida.

Importante frisar também, que existem casos em que as lacunas deixadas pelo pai e pela mãe são preenchidas por outros membros da família biológica, substitutos ou ainda por pais sociais.

Destarte, caso os pais, ou mesmo as pessoas a quem se incumbiu de exercer esse papel, não desempenhem as suas “funções”: de cuidar, zelar, educar, enfim, proporcionar um núcleo familiar mínimo para o ser para além do dever de sustento apenas, e venha o mesmo, a serem atingidos por danos de ordem moral e psíquica, os que o negligenciaram podem vir a sofrer reparação de danos morais, desde que os requisitos legais estejam devidamente comprovados.

Portanto, os deveres dos pais para com seus filhos vão muito além da esfera material, de modo que, com as transformações sofridas no âmbito do direito das famílias, as relações de parentesco encontram-se cada vez mais pautadas na afetividade. Assim sendo, a preocupação em atender as necessidades do filho, apenas no que diz respeito ao aspecto material, pode trazer danos irreparáveis, de cunho moral e psicológico para o indivíduo, aptos a gerar a responsabilização civil por parte dos “agressores”, conforme se verá adiante, com as recentes decisões dos Tribunais Superiores a respeito.

6 DAS DECISÕES JUDICIAIS INOVADORAS

O grande avanço sofrido no direito de família, no que tange a maior atenção voltada para o campo da afetividade, cedeu espaço para que os “lesados” (os filhos) despertassem para a possibilidade de punição dos

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“infratores”, como forma de punição essarcimento pelo abandono sofrido. Dessa forma é que o judiciário atende á diversas demandas nesse sentido, o que faz gerar uma divergência muito grande entre os juristas.

Tanto é assim que, enquanto uns acreditam que não se pode dar preço ao afeto, que o amor não se obriga, nem se mede, deve existir de maneira espontânea, existem outros que entendem, que muito embora não possa ser dado preço ao amor, a partir do momento em que a falta de afeto ocasione no indivíduo danos, traumas, sequelas, o mesmo deve sim ser reparado, sendo o valor pecuniário a via mais adequada para minorar tantas perdas impossíveis de serem sanadas, o que não descarta a premissa incontestável de que o amor não pode ser mensurado.

Partindo dessa linha de raciocínio, diversas foram as decisões inovadoras que chegaram até o judiciário, sendo a mais relevante a da 3º turma do Superior Tribunal de Justiça, que condenou um pai a pagar a uma filha o valor de 200 mil reais decorrente de abandono afetivo. Com a frase: “Amar é faculdade, cuidar é dever”, a ministra Nancy Andrighi, aduziu ser possível indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo pelos pais.

No caso, a autora entrou com ação contra o pai, após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. Argumentou que não recebeu os mesmos tratamentos que seus irmãos, filhos de outro casamento do pai. Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, reformou a sentença de improcedência mencionada. Em sede de apelação, a Autora afirmou que o pai era “abastado e próspero” e reconheceu o abandono afetivo. A compensação pelos danos morais foi fixada em R$ 415 mil. No Superior Tribunal de Justiça, o pai alegou violação a diversos dispositivos do Código Civil e divergência com outras decisões do tribunal. Ele afirmava não ter abandonado a filha. Além disso, mesmo que tivesse feito

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isso, não haveria ilícito indenizável. Para ele, a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

Ora, sem a reparação moral, o único efeito decorrente do abandono parental é a perda do poder familiar, conforme estabelece a norma. Será mesmo que apenas a perda do pátrio poder familiar é uma punição suficiente para um pai que abandona seu filho? Segundo a Ministra relatora do julgado acima:

(…) a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos[3]

A ministra Nancy assim assevera: "Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”, ponderou a ministra. O amor estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso[4].

Diante disso, defende-se nesse trabalho o posicionamento e fundamentos adotados pela ministra Nancy Andrighi.

A Turma considerou apenas o valor fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo elevado (R$ 415 mil), mesmo diante do grau das agressões ao dever de cuidado presentes no caso, e reduziu a compensação para R$ 200 mil. No julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ficou vencido o ministro Massami Uyeda, que divergiu da maioria.

Apesar de este julgado ter sido o mais conhecido não foi o único, de modo que muitos outros existem em nosso ordenamento jurídico, como a do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na comarca de Capão da Canoa, em decisão proferida pelo juiz Mário Romano Maggioni, que condenou um pai por abandonar moralmente sua filha, ao pagamento de

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uma indenização, a título de danos morais, correspondente a duzentos salários mínimos, em sentença transitada em julgado em agosto de 2003.

O douto magistrado fundamentou sua decisão, no fato de que muito embora tal valor não sirva como forma de reparar, na totalidade, o dano sofrido pela filha, servirá como uma forma de amenizar a dor e lhe dar suporte para procurar auxílio psicológico e outros confortos para compensar a falta do pai. Enquanto para o pai, tal pena servirá como uma forma de pensar sobre a função de ser pai, de modo que assim destacou: “fa-lo-á repensar sua função paterna ou, ao menos, se não quiser assumir o papel de pai que evite ter filho no futuro[5].”

Ainda em consonância com essa corrente, segue a decisão do juiz da 31º vara cível de São Paulo, Luiz Fernando Cirillo, que condenou um pai a indenizar sua filha em virtude de danos morais, em montante aproximado de cento e noventa salários mínimos, reconhecendo que “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além de guarda, portanto, independentemente dela, existe um dever a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia[6]”.

A perita responsável concluiu no processo que a filha apresentava conflitos de identidade, devido ao abandono, uma vez que seu pai não demonstrava afeto nem interesse em seu estado emocional, precisando de cuidados médicos e psicológicos por longo tempo para amenizar as sequelas do abandono.

Por tudo isso, percebemos que a questão do dever de responsabilidade civil, como forma de punição para o abandono afetivo ainda hoje, encontra várias divergências e resistência perante os tribunais. No entanto, essa celeuma não parará por aí, muitos outros casos virão, e muitas outras vezes os tribunais serão requisitados para resolver tais conflitos.

7 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS

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Não há motivos que impeçam a aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares. No pensar de Cristiano Chaves de Farias (2008, p. 115):

“A possibilidade de caracterização de um ato ilícito (conforme regras gerais dos arts.186 e 187 do código civil) em uma relação familiar é certa e incontroversa, impondo por conseguinte, a incidência da responsabilidades civil no direito das famílias, com o conseqüente dever de reparar os danos, além da possibilidade de adoção de medidas para eliminação do dano (tutela específica, conforme balizamento do art. 461 do código de processo civil).”

A partir do momento em que há a ocorrência de um ato ilícito, surge, então, o dever de indenizar, e no Direito das Famílias não poderia ser diferente. Conforme preceitua o art. 229 da Constituição Federal, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

Por ato ilícito entende-se a violação de um dever imposto constitucionalmente, assim sendo, “violar exprime-se em infringir, ofender, qualquer tipo de direito esteja ele previsto tanto na Carta Constitucional como em qualquer outro dispositivo, incluindo o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, reguladores do tema em questão” (VENOSA, 2003, p. 27).

No entender de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2001, p. 147): “A autoridade parental está impregnada de deveres não apenas no campo material, mas principalmente no campo existencial, devendo os pais satisfazer outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva”.

Ora, e esse dever de criação, assistência e educação vai muito além da esfera material apenas. É dever dos pais propiciar ao indivíduo condições mínimas, para que ele possa se desenvolver satisfatoriamente enquanto pessoa no decorrer de sua vida. E, para tanto, uma estrutura familiar, um acompanhamento contínuo, uma boa educação, cuidado, convívio, criação são requisitos mais do que fundamentais.

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Destarte, a partir do momento que o genitor se omite a cumprir com o seu dever de pai, e, mais uma vez, frise-se, dever este que vai muito além da esfera material, surge para o filho, um dano, restando claro a existência de um ato ilícito, passível, portanto, do dever de reparação.

Quanto ao caso do dano moral, especificamente, Rodrigo da Cunha Pereira8 expôs que o direito violado nesse caso consistiria no mau exercício do poder familiar, tendo em vista a rejeição e o abandono, que se concretiza a um dano ao direito da personalidade do filho, ressaltando que os menores não têm apenas direito ao nome de filho, mas também ao estado de filho.

O que se coloca em pauta não é o amor. A questão não é querer medir, tampouco valorar financeiramente o afeto - tais sentimentos, justamente pela sua essência, devem se estabelecer de maneira espontânea.

O que se vislumbra é a verificação do cumprimento/descumprimento de uma obrigação legal: cuidar. A intenção é diminuir os traumas sofridos, por aquele que cresceu sem o companheirismo dos pais, sem seu apoio, e que, de fato, sentiu-se prejudicado com isso. É claro que existem pessoas que convivem muito bem com esse abandono afetivo, que sobrevivem sem o convívio e apoio dos pais e não se sentem prejudicados ou afetados com essa constrição, seja porque essa função afetiva e amorosa foi suprida por outra pessoa, os chamados ‘pais sociais’, ou simplesmente porque para esse filho aquele papel não exercido não era essencial e, nesse caso, para estas, descabe o dever de indenização. Mas infelizmente não é essa a regra.

Conforme aduzido, um dos elementos indispensáveis para que uma conduta esteja apta a ser reparada civilmente é a existência do dano, dessa forma uma vez que a prole não se sentiu agredida de nenhuma forma pelo descaso dos seus genitores, claro está à falta de motivo apto a ensejar a reparação. Partindo desse raciocino ressaltou Hironaka (2005.p465):

“que o dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo, um dano culposamente causado, à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, que certamente, existe e manifesta-se por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança, o

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sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. Trata-se de um direito da personalidade, portanto”.

No entanto, frise-se, para que seja passível de indenização o dano tem que ser necessariamente comprovado. Sob pena de faltar um dos requisitos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil.

A questão pecuniária, com a condenação a título de dano moral, é propiciar à parte lesada um mínimo de compensação, já que não se pode obrigar o pai a cuidar, proteger, zelar pelo seu filho. Que seja ele punido de alguma forma, por esse descaso.

Há quem defenda que o meio hábil para “punição” em casos como esse é a perda do poder familiar, o que, sem dúvidas, é um contrassenso, se for levado em consideração que tal “pena” é tudo que esses pais já ausentes mais querem para restar legitimada a desobrigação junto àquele filho.

Levando em consideração a dupla função do dano moral, qual seja o de cunho indenizatório e sancionador, imperioso se faz o seu arbitramento. Como a falta de afeto pode causar imensos prejuízos emocionais aos filhos, podendo comprometer até mesmo a formação intelectual e a personalidade da criança, tal indenização pode ser usada de maneiras diversas: pelo filho para custeio dos tratamentos psicológicos, por exemplo, como uma forma de amenizar o abandono sofrido, eis que insuscetível de outra forma de reparação, enquanto que para o pai fica a lição - para ele o caráter é sancionador por ter se omitido do dever de pai, dever esse expressamente garantido em nosso ordenamento pátrio.

Em “Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos. Além da obrigação legal de caráter material”, nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2005):

O que produzirá o liame necessário, o nexo de causalidade essencial, para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser

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a conseqüência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e moral do filho, pelo fato desse abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou um dano para a ordem psíquica dele.

Comunga-se, pois, do mesmo entendimento mencionado acima, e, assim, desde que haja uma conduta culposa por parte dos pais, no que tange ao abandono afetivo para com o seu filho, e essa ação e/ou omissão, deixar seqüelas, a responsabilidade civil mostra-se incontestável, sendo a indenização o meio apto para tanto.

Na medida em que, não existe outra forma de reparação em casos como estes, sendo o ressarcimento na forma de dano moral a única alternativa para tentar compensar os traumas sofridos pelo filho. Já que, conforme dito no decorrer do presente artigo, a perda do poder familiar para essas pessoas ao contrário de ser um “castigo”, mostra-se como um bônus, retirando assim o caráter sancionador do dano moral.

8 CONCLUSÃO

Finalizando, percebe-se, pois que é possível sim a responsabilização civil por abandono afetivo dos pais, desde que tal abandono afete o indivíduo, sendo capaz de causar danos, e a reparação de cunho indenizatório mostra-se irrenunciável.

Bem é assim que se o genitor por omissão voluntária, consistente no abandono do menor, na forma de culpa ou dolo acabar por violar direito, os quais deveriam ser resguardados pelo pátrio poder, como o direito à convivência familiar, causando-lhe dano psíquico-moral, poderá, pois, ser obrigado a repará-lo, conforme o art.927 do Código Civil.

A pretensão indenizatória restará configurada a depender da fase probatória e casuística, e da análise de cada caso concreto. E, acaso se mostre necessária a fixação da indenização pelos danos experimentados, o valor quantificado para tanto não estará apto a monetarizar ou suprir a ausência do afeto, de modo que o valor de tal montante é simbólico e tem apenas uma função punitiva/educativa.

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Cumpre destacar que o valor indenizatório possui caráter dúplice: tanto punitivo do agente, quanto compensatório em relação a vítima.

Dessa forma, cabe ao julgador ponderar, sem nunca negar a afetividade na aplicabilidade da norma constitucional protetiva dos menores, de acordo com cada situação fática que tenha a sua disposição, levando sempre em consideração o binômio: necessidade e possibilidade.

É inescusável o fato de que os magistrados devem à luz de cada caso concreto analisar se estão presentes os requisitos aptos a ensejar a reparação, de modo a ter pleno convencimento de que naquele caso houve violação a direito, caracterizando ato ilícito passível de reparação.

Partindo da premissa de que houve uma expressiva evolução no direito de família, na importância auferida pelo princípio da afetividade, necessariamente presente nas suas relações intersubjetivas, comunga-se nesse estudo com a mesma decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, valorizar mais a essência do ser humano, consoante preceituam as normas constitucionais, observando-se, sobretudo, os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, cada vez mais presentes no atual direto de família, buscando-se solução justa, provida inevitavelmente de um mínimo de emoção e valores pessoais, mas principalmente de racionalidade, visa-se cada vez mais a sensatez e o senso de justiça, com o fito de dar a cada um o que lhe é de direito e evitar injustiças. A intenção precípua dessa proteção é coibir a paternidade irresponsável e proteger os valores supremos inerentes a cada ser.

Certamente nosso ordenamento jurídico não possui meios para obrigar um pai a amar seu filho, entretanto, se dessa falta de amor surgir danos para o indivíduo, indiscutivelmente surgirá à responsabilidade civil, como forma de minorar as consequências nefastas para sua formação.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

[1] Art. 927, CC (...) Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

[2] Art. 227, CF: É dever da família, da sociedade e do estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

4 [3] Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009⁄0193701-9)

[4]Recurso Especial n. 1.159242-SP

6 [5] Ação indenizatória nº 1411030012032-0

[6]Ação indenizatória n. 01036747-0

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DOIS MODELOS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS DE SOFTWARE PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

IGGOR LEONARDO COSTA GONTIJO: Servidor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2012). Especialista em Gerência de Tecnologia da

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Informação pela Universidade FUMEC (2004). Bacharel em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2003). Tem experiência na área de Administração Pública e Privada, com ênfase em Tecnologia da Informação, atuando principalmente com os seguintes temas: governança de tecnologia da informação, aquisições, licitações e contratos, gerenciamento de projetos, gerenciamento de documentos eletrônicos, inovação tecnológica, educação a distância, gestão acadêmica, desenvolvimento de sistemas.

Resumo:  O  Gerenciamento  de  Projetos  vem  se  mostrando  em  um contexto no qual as organizações públicas tem, cada vez mais, buscando melhorias em  seus processos de gestão e otimização de  recursos. Este trabalho insere‐se nesse contexto, propondo a aplicação da metodologia de  Gerenciamento  de  Projetos  Ágil  de  desenvolvimento  de  software (SCRUM)  às  praticas  tradicionais  de  gerenciamento  de  projetos recomendadas pelo PMBOK na Administração Pública. 

Palavras‐chave: Administração Pública, Gerenciamento de Projetos Ágil, PMO Ágil, SCRUM 

Abstract: The Project Management has proved in a context in which public organizations  have,  increasingly,  seeking  improvements  in  their management processes and optimize  resources. This work  fits  into  this context,  proposing  the  application  of  the  methodology  of  Project Management  Agile  software  development  (SCRUM)  to  traditional practices  project management  recommended  by  the  PMBOK  in  Public Administration. 

Keywords: Public Administration, Agile Project Management, Agile PMO, SCRUM. 

1. INTRODUÇÃO As  áreas  de  Tecnologia  da  Informação  (TI),  notadamente  em 

organizações  da  Administração  Pública,  tem  enfrentado  uma  pressão crescente  para  reduzir  orçamentos,  melhorar  a  qualidade  de  seus produtos e realizar entregas mais rapidamente. As demandas do negócio 

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se  deparam  rapidamente  com  as  atuais  práticas  de  TI:  complicados requisitos de gestão, nebulosos, fracos na gestão de projetos, arquiteturas complexas, lentas e ciclos de testes. Reconhecendo a necessidade de ser "mais ágil" em resposta a estas pressões, as equipes de TI estão cada vez mais olhando para as práticas ágeis. Isto porque elas destilam a essência de TI em uma  coleção eficiente de  técnicas e oferecem uma  forma de trabalhar intuitivamente atraente.

No  entanto,  fazer  a  nuança  nas  organizações  públicas  não  é  algo trivial, ao contrário, pode requerer muito tempo, uma vez que tais práticas contradizem muitos comportamentos. Na abordagem tradicional, existem longas  e  distintas  fases  de  atividade,  incluindo  análise,  programação, testes e implantação. Estas fases são ligadas entre si por artefatos como casos de uso, codificação, ou casos de teste. Concepção, desenvolvimento e  teste  são  realizados de  forma  continua em  ciclos  curtos de entregas através de processos altamente colaborativos. As atividades são mantidas ligadas a pessoas, não a artefatos. 

O desenvolvimento ágil de software é realmente uma mudança nos métodos de trabalho e uma mudança no estilo de gestão, e este estilo está voltado para as pessoas e a base de experiência existente, mais do que a própria engenharia, devendo constituir-se em uma verdadeira tendência, uma mudança nos métodos de trabalho e mudança paradigmática na maneira como o software é produzido (ANDERSON, 2003).

A TI é gerenciada pelo alinhamento de todas as partes de entrega com sucesso  do  software  funcionando  e  empenhada  para  as  próximas entregas. Claramente, "ser Ágil" pode ser uma grande mudança para uma posição diferenciada. O caminho da adoção das práticas ágeis está bem encaminhado, mas mal iluminado.

Cada organização e cada projeto são únicos. Os processos de trabalho ágeis devem ser suficientemente específicos para serem compreensíveis, definidos o suficiente para serem repetitivos, maleáveis o suficiente para mudanças  com  experiência  e  suficientemente  flexíveis  para  acomodar uma  ampla  gama  de  operações  reais.  As  práticas  ágeis  devem  ser suficientemente amplas para suportar diversas situações ou trarão poucos benefícios. As pessoas envolvidas com estas práticas devem dominá‐las 

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rapidamente ou a alteração do processo será entendida como resultado de valor limitado. 

Quando estão em processo de  transição para  as práticas  ágeis, os gestores devem estar sintonizados com várias dicotomias. Ao efetuar a mudança, as práticas estão  sendo  suficientemente empreendidas, ou é um caso de tentar fazer demasiadamente mais rápido? Fazer as pessoas abordarem  a  mudança  com  ceticismo  saudável,  ou  elas  estão passivamente  agressivas  em  direção  à  mudança?  A  transparência  na execução expõe problemas ou faz as equipes jogarem com os resultados para  esconder  desempenho?  O  reconhecimento  por  estes  pequenos detalhes separam o sucesso da adoção de abordagens ágeis de uma falha na  iniciativa  por mudança.  O  desafio  para  os  gerentes  iniciantes  nas práticas ágeis é converter as forças que resistem à mudança naquelas que permitam mudar. 

O  cenário  global  tem  mostrado  o  aumento  da  competitividade, exigindo cada vez mais agilidade e rapidez das organizações, ao mesmo tempo  em  que  cresce  a  quantidade  de  projetos  a  serem  executados, tomando mais difícil o controle de indicadores de desempenho de custos, prazos e qualidade que garantam a utilização consistente da metodologia de gerenciamento de projetos tradicional. 

A metodologia de Gerenciamento de Projetos Ágil está voltada para a rapidez de adequação às mudanças e às situações voláteis do ambiente, com  um  grau  de  informalidade  em  seu  processo  que  é merecedor  de várias criticas. 

Desta forma, o objetivo geral desse trabalho é avaliar as fases, valores e  princípios  do  Gerenciamento  de  Projetos  Ágil  em  projetos  de desenvolvimento de software com o SCRUM. 

2. O GERENCIAMENTO DE PROJETOS

O objetivo deste capítulo e apresentar de forma consistente o estado da arte do gerenciamento de projetos no desenvolvimento de software em seus moldes tradicionais de forma a fundamentar o desenvolvimento do estudo objeto do capítulo seguinte.

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2.1 O estado da arte

Atualmente,  o  gerenciamento  de  projetos  tradicional  ainda  é  o método mais  utilizado  no  desenvolvimento  de  software.  Baseado  em processos bem definidos e documentados, estes tem passado por várias melhorias em diversas organizações (BOEHM, 2002). A forma planejada, o nível de detalhamento e a disciplina aplicada aos seus processos permitem a medição  e  o  controle  de  todas  as  suas  etapas,  permitindo  que  os membros da equipe conheçam claramente os seus papéis e que a evo1uco do projeto venha a ser demonstrada pelos artefatos gerados em cada uma destas  fases.  Seu  ciclo  de  vida  vem  a  ser  definido  pelos  processos  de iniciação,  planejamento,  execução,  controle  e  fechamento,  onde  o gerente do projeto é o responsável pela rea1izaco dos objetivos do projeto (PMI®,  2004).  Tais  processos  definem  as  atividades  que  deverão  ser executadas, os recursos utilizados para a sua realização e os produtos a serem entregues ao cliente.

Por estar baseado no processo, o gerenciamento tradicional depende muito  do  apoio  da  alta  gerência,  da  comunicação  e  da  estrutura organizacional, tomando‐se estes os requisitos que garantirão o sucesso do empreendimento. (BOEHM, 2002). 

Segundo  BOEHM  (2002),  a  forca  do  método  tradicional  de gerenciamento de projetos está na base histórica criada pela repetição e comparação decorrentes da padronização estabelecida pelo processo: 

A partir das informações históricas e da repetição obtém-se a melhoria da capacidade do processo através da padronização, medição e controle do projeto (BOEFIM, 2002).

Alguns dos conceitos mais importantes deste método tradicional de gerenciar  projetos  estão  relacionados  com  a  utilização  e  aplicação  do processo estabelecido e escolhido pela organização. O primeiro define o quanto a contribuição do processo definido e importante para a obtenção dos  resultados  esperados  –  capacidade  do  processo.  O  segundo  está voltado  para  o  grau  de  preocupação  da  empresa  como  um  todo  na aplicação  destes  processos  – maturidade  da  organização.  O  processo deve, ainda, ser monitorado e as melhorias incorporadas, a fim de manter estes processos atualizados em relação às características do ambiente de realização destes projetos – melhoria dos processos.

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Contudo,  o método  tradicional  apresenta  problemas  para  aqueles projetos  onde  devam  existir  situações  críticas  que  envolvam  prazos restritos  e  com  mudança  exagerada  de  requisitos,  não  conseguindo responder com facilidade e rapidez as mudanças impostas pelos clientes, o que exige uma atuação mais forte e centralizada por parte do gerente de  projetos,  vindo  este  a  ser  o  principal  responsável  pelo  sucesso  do projeto. Cada membro da equipe tem a definição clara do seu papel e de suas atividades, limitando a influência e uma maior colaboração durante a execução do projeto. 

O  cliente  tem  sua  participação  concentrada  nas  fases  iniciais  do projeto  quando  ocorre  o  levantamento  de  requisitos,  vendo  sua participação diminuir na medida em que o projeto evolui, passando então a realizar apenas as validações das entregas geradas pelo projeto. 

A fase de planejamento é extensa e detalhada. E nela que é definido o cronograma com suas atividades, pontos de controle e procedimentos responsáveis por dar direção para a geração dos produtos. O plano será utilizado para medir o progresso durante a fase de execução do projeto e está  sujeito  às  alterações  ocorridas  com  a  evolução  do  trabalho.  A comunicação  a  que  é  submetida  a  equipe  do  projeto  está  baseada  na documentação gerada ao longo das etapas do processo. 

Mudanças  são  necessárias  para  a  sobrevivência  das  empresas  em mercados extremamente  competitivos. Estas mudanças organizacionais profundas  e,  normalmente,  de  longo  prazo  delineiam  fortemente  o caráter  da  organização,  porém,  não  se  deve  permitir  que  a  cultura organizacional  torne‐se engessada, burocrática e em não conformidade com os desejos de seus clientes e de valores que valem de fato a pena. É preciso sim que existam ações transformadoras, onde cada colaborador tenha consciência de ser um agente da manutenção ou transformação da cultura. 

O  sucesso  da  implantação  de  toda  e  qualquer  metodologia  será alcançado na mesma medida em que o background da organização esteja preparado para receber as mudanças que uma nova abordagem trará para a organização, garantindo que os processos e pessoas estejam alinhados à sua estratégia de negócio. As pessoas e suas culturas são pontos de suma importância neste processo. É necessário mudar os valores comuns e as crenças  dos  grupos  para  que  os  resultados  possam  surgir  através  de 

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processos de melhoria contínuos. Toda mudança tende a ser dificultada na medida em que existem culturas centradas  internamente, processos burocráticos e o medo que o ser humano tem do desconhecido. A cultura deve  ser  compreendida  como  um  processo  contínuo,  proativo  da construção da  realidade e que dá vida ao  fenômeno da cultura em sua totalidade. Quando compreendida desta forma, a cultura pode não mais ser vista como uma simples variável que as sociedades ou organizações possuem. Em lugar disto, ela deve ser compreendida como um fenômeno ativo, vivo, através do qual as pessoas criam e recriam os mundos dentro dos quais vivem. 

1.1. Escritório de Projetos (PMO)

O  conceito  do  Project Management  Office  (PMO),  o mesmo  que Escritório  de  Gerenciamento  de  Projetos  (EGP),  apareceu  no  final  da década de 50 e começo da década de 60  (KERZNER, 2002). Os grandes projetos militares, aeroespaciais e da construção civil caracterizam uma época em que os projetos eram específicos para algumas poucas áreas e eram executados por especialistas e com suas ferramentas especificas, e estes  eram  focados  em  controles.  Com  o  surgimento  dos  primeiros softwares  de  gestão  "amigáveis"  no  início  da  década  de  70,  surgem também projetos de diferentes áreas funcionais, porém isolados um dos outros,  sendo  a  função maior dos  escritórios  a de dar  suporte  a  estes projetos.  Tal  visão  perduraria  ate  o  inicio  da  década  de  90,  quando despontam os softwares de gerenciamento, responsáveis por administrar muitos projetos,  complexos e  integrados, e  com o  foco  voltado para a estratégia das organizações. Em meados de 2000, o Gerenciamento de Projetos ganha ênfase e o Escritório de Projetos passa a ser o responsável por garantir o uso dos processos de gerenciamento de projetos.

TABELA 1 - EVOLUÇÃO DO ESCRITÓRIO DE PROJETOS. (LEITAO, 2006)

Foco em controle / reativo Foco estratégico / proativo 

1960  1970  1980  1990  2000  2010 

Escritório de Controle de Projetos 

Escritório de Suporte a Projetos 

Escritório de Gerenciamento de Projetos 

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Especialistas em controle de projetos 

Áreas funcionais particionam do gerenciamento de projetos 

Processos de Gerenciamento de projetos são estabelecidos 

Grandes projetos militares, aeroespaciais, Construção civil 

Projetos de diferentes áreas e isolados 

Muitos projetos integrados e complexos 

Especialistas, Ferramentas específicas 

Primeiros softwares de gestão “amigáveis” 

Ênfase em Gerenciamento de Projetos 

           

Desde  a  década  de  60  a  gestão  de  projetos  apresenta  alguma evolução  e  os  escritório  de  projeto  começam  a  ganhar  importância. A partir  de  2000  as  organizações  começam  a  vivenciar  uma  época  de competição em que a velocidade de disponibilização de novos produtos e serviços  tome‐se  o  elemento  de  fundamental  importância  para  a sobrevivência destas organizações, que deverão ser mais pressionadas por lançar produtos com menores custos e prazos. O cenário contemporâneo deverá mostrar cada vez mais que as organizações e seus escritórios de projetos se sobressaem as demais por aquilo que fazem de melhor, sendo o fator responsável por esta diferenciação do nível de conhecimento que estas  organizações  detêm  em  relação  às  demais.  O  conhecimento individual  deverá  ser  convertido  em  conhecimento  organizacional.  Os modelos  tradicionais  não  deverão  atender  mais  as  necessidades  das organizações. As metodologias ágeis deverão firmar‐se como alternativas e tenderem a se concretizar na medida em que estas mesmas empresas decidam  compartilhar  seus valores e estimulem a  interação entre  seus membros, um dos princípios destas metodologias. Toma‐se necessário, portanto, a adequação e evolução do escritório de projetos as respectivas metodologias.

Dentre  as  diversas  estruturas  de  gerenciamento  de  Projetos existentes nos dias de hoje, provavelmente o PMO (Project Management Office)  é  a  de  maior  sucesso  e  das  mais  estudadas  pelas  empresas, podendo variar de acordo com o nível de maturidade da organização. A maneira  como  estes  Escritórios  de  Projetos  são  estruturados  em  uma organização vai variar sempre de uma organização para outra. No entanto, dependendo  da  forma  como  estes  escritórios  só  implantados  nas 

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empresas,  poderão  ainda  proporcionar  suporte  a  metodologia e  coaching  aos  próprios  gerentes  de  projeto.  Entre  as  funções  dos escritórios  de  projeto,  existem  três  principais  áreas:  desenvolvimento, suporte e controle. 

As  funções  de  desenvolvimento  envolvem  o  recrutamento,  o treinamento e o desenvolvimento dos gerentes de projeto. As funções de suporte  são aquelas que ajudam os gerentes de projeto a  fazerem  seu trabalho de uma maneira melhor através do oferecimento de assistência e clareza com os processos do gerenciamento de projetos. As funções de controle  são  aquelas  da  gerência  funcional  e  incluem:  a  avaliação  de gerentes  de  projeto,  a  alocação  de  gerentes  de  projeto  a  projetos,  a garantia de que as entregas dos projetos são produzidas e se apresentam com  uma  qualidade  adequada  e,  o  estabelecimento  de  padrões.  As organizações, grandes e pequenas, estão percebendo os benefícios que um controle consistente sobre seus projetos pode oferecer. Porém, deve‐‐se tomar cuidado para não transformamos o PMO de uma empresa em um  departamento  puramente  burocrático,  conforme  defende BURGHARDT: 

Um PMO não deve se transformar em um mero e degradante acumulador e distribuidor de papéis. Existem muitos aspectos que deveriam ser analisados depois que a decisão de implementação do PMO foi tomada. BURGHARDT (2000).

Alguns  destes  aspectos  são:  o  envolvimento  da  alta  gerência,  dos gerentes  funcionais  e  dos  gerentes  de  projeto  da  organização,  o compromisso da organização  com a metodologia de gerenciamento de projetos e os benefícios que a nova estrutura ira trazer a organização.

O  PMO  consiste  em  uma  estrutura  voltada  para  a  aplicação  dos conceitos  de  gerenciamento  de  projetos  dentro  de  uma  organização, podendo assumir diferentes  funções  junto à mesma: desde um simples setor  para  o  auxílio  no  controle  de  projetos, W  um  departamento  da empresa  por  onde  passam  todos  os  projetos  gerenciados  pela organização. 

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1.2. O papel do PMO nas estruturas organizacionais

Segundo o PMBOK (PMI, 2004), os projetos normalmente fazem parte de uma organização que é major que o projeto. Mesmo quando o projeto é  externo  (joint  ventures,  parcerias),  ele  ainda  será  influenciado  pela organização  ou  organizações  que  o  iniciaram.  A  maturidade  da organização em relação ao seu sistema de gerenciamento de projetos, sua cultura,  seu  estilo,  sua  estrutura  organizacional  e  seu  escritório  de projetos também pode influenciar o projeto.

Assim como todo e qualquer projeto, a implantação do PMO também é um projeto e certamente um dos passos mais importantes e definir seus objetivos e a  razão que  levaram a organização a  implantá‐lo. E preciso também  que  os  stakeholdersestejam  cientes  sobre  os  papéis  e responsabilidades atribuídos ao PMO, que tipos de serviços estarão sendo prestados,  a  quem  ele  estará  subordinado,  sua  abrangência  e, principalmente, quem é ou são seus patrocinadores. 

A importância do PMO nas estruturas organizacionais reside no fato de que existem várias razões de insucesso na sua implantação e que uma delas está diretamente associada à escolha incorreta de onde ele estará posicionado na estrutura organizacional. Algumas vezes o EGP é criado por áreas  que  geralmente  estão  ligadas  a  projetos  voltados  para  atender capacidades internas da empresa, usando‐o como instrumento de defesa contra a pressão de outros grupos que os culpam sistematicamente pelos atrasos e a falta de qualidade prometida. 

Segundo  LESSA  (2006),  existem  cinco  tipos  de  Estruturas Organizacionais, a saber: 

                                          I.          Organização Funcional Tradicional: E um agrupamento de pessoas por especialização, o gerente de projetos no tem uma autoridade formal. 

                                        II.          Organização Funcional ProjectExpediter: Serve  como  um  link  na  comunicação  entre  o coordenador dos projetos nas áreas funcionais. 

                                      III.          Organização Funcional ProjectCoordinator: É similar ao Project Expediter, exceto que se reporta a um gerente de alto nível com uma autoridade major. 

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                                     IV.          Organização Matricial (Fraca, Balanceada, e Forte):  Na  Organização  Matricial  Fraca  é  comum verificar‐se  gerentes  de  vários  projetos,  o  poder  é dividido entre os gerentes funcionais e de projetos onde o  único  a  se  dedicar  exclusivamente  ao  projeto  é  o Gerente de Projetos, enquanto os membros da equipe compartilham  atividades  nos  projetos  e  em  suas atividades  funcionais.  Já  na  Organização  Matricial Balanceada verifica‐se um equilíbrio entre as atividades funcionais  e  as  de  projeto,  enquanto  na Organização Matricial  Forte  verifica‐se  uma  visão  maior  na organização com um alto valor na gestão de projetos. 

                                       V.          Organização Projetizada: Apresenta como característica  uma  estrutura  separada  e  vertical estabelecida para cada projeto, todos os membros da equipe se reportam diretamente ao gerente de projeto. 

O Gerenciamento de  Projetos  e  a  implementação do  Escritório de Gerenciamento de Projetos, ou PMO, está diretamente ligado a Estrutura Organizacional  da  organização  fortemente  relacionada,  sendo  dele dependente o seu sucesso. 

O PMBOK (PMI, 2004) afirma, ainda, que "a estrutura da organização executora  geralmente  limita  a  disponibilidade  de  recursos  em  um espectro de uma estrutura  funcional a uma estrutura por projeto, com diversas estruturas matriciais intermediárias". 

A  falta  de  padronização  que  possa  reportar  o  desempenho  dos projetos  da  organização  faz  com  que  os  gerentes  de  projetos  estejam sobrecarregados e sem tempo para análise de dados e tomada de decisão, as  lições  aprendidas  de  outros  projetos  não  são  registradas  / documentadas, reconhece que a gerência de projetos como competência critica para o seu sucesso. Assim, o PMO assume um papel importante nas Estruturas  Organizacionais,  podendo  existir  em  qualquer  uma  das estruturas  organizacionais,  inclusive  nas  que  apresentam  uma organização funcional. 

Os membros  da  equipe  do  projeto  se  reportarão  diretamente  ao gerente  de  projetos  ou  ao  PMO.  O  gerente  de  projetos  se  reporta diretamente  ao  PMO,  neste  caso  dizemos  reportar  diretamente  a  alta 

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organização  da  empresa,  além  da  flexibilidade  do  gerenciamento centralizado  oferecer  ao  gerente  de  projetos  major  oportunidade  de promoção dentro da organização. 

3. A METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO ÁGIL

Muitas técnicas tem sido discutidas e elaboradas com a intenção de tomar o processo de desenvolvimento de software mais simples, mais fácil de implementar e mais responsivo as necessidades do cliente.

As metodologias ágeis refletem alguns bons exemplos. O excesso de formalidade pode  limitar o progresso do projeto, mas por outro  lado, o caos total, sem a utilização de processos pode impedir que os objetivos do projeto sejam alcançados, conforme defende PEREIRA (2007). Por outro lado,  HIGHSMITH  (2004)  enfatiza  que  a  ausência  de  estrutura  ou estabilidade pode  levar ao caos, mas que a estrutura em demasia gera rigidez.  A  criação  de  um  processo  específico  seria  justificável  em  um manufaturamento repetitivo, onde as atividades não são alteradas com frequência, ou nunca são modificadas. Entretanto, se a atividade e mais incerta, o processo teria que ser mais flexível e de fácil adaptação. 

As  organizações  tem  buscado  a  melhoria  de  seus  processos  nos últimos anos, objetivando a  redução de custos e prazos, o aumento da previsibilidade e major satisfação dos clientes, com um menor número de defeitos  no  produto  final  e melhores  resultados  em  seus  negócios. As transformações  do  ambiente  também  são  acompanhadas  pelo gerenciamento de projetos. 

O  PMBOK  (PMI,  2004)  é  um  guia  de  melhores  práticas  de gerenciamento  de  projetos  que  aplicados  adequadamente  permitem  a realização de um projeto com sucesso. Os processos de gerenciamento de projetos  são divididos em nove  áreas de  conhecimento  (escopo, prazo custo,  qualidade,  riscos,  comunicação,  recursos  humanos,  aquisição  e integração)  que  organizam  a  aplicação  das  técnicas  e  ferramentas necessárias à realização de um projeto. 

Os  gerentes  de  projetos  falam  de  uma  "restrição  tripla"  ‐  escopo, tempo  e  custo  do  projeto  ‐  no  gerenciamento  de  necessidades conflitantes  do  projeto.  A  qualidade  do  projeto  e  afetada  pelo balanceamento desses três fatores. Projetos de alta qualidade entregam o produto, serviço ou resultado solicitado dentro do escopo, no prazo e 

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dentro do orçamento. A relação entre esses fatores ocorre de tal forma que  se  algum  dos  três  fatores  mudar,  pelo  menos  outro  fator provavelmente será afetado. Os gerentes de projetos também gerenciam projetos em resposta a  incertezas. Um risco do projeto é um evento ou condição incerta que, se ocorrer, terá um efeito positivo ou negativo em pelo menos um objetivo do projeto (PMI, 2004). 

O  método  tradicional  está  voltado  para  o  processo  sequencial  e preocupado com a qualidade do produto a ser entregue. O método ágil volta‐se  para  uma  maior  rapidez  de  adequação  a  estas  mudanças  e mantém o cliente  integrado a equipe, além de proporcionar ciclos mais curtos  de  desenvolvimento  (BOEHM,  2002),  o  que  faz  com  que  os especialistas em gerenciamento de projetos travem grandes discussões. 

Contudo, o gerenciamento de projetos está inserido em um contexto de  frequentes  falhas  ocasionadas  pelo  no  cumprimento  dos  prazos  de entrega dos produtos que vão desde a falta de conhecimento dos métodos e técnicas ate uma má uti1izaco das práticas de Gesto de Projeto. Neste cenário, APM  ‐  ou Gerenciamento  de  Projetos Ágil  ‐  vem  preencher  o espaço  deixado  entre  a  Gerência  de  Projetos  e  os  indicadores  de desempenho  relacionados  ao  prazo  de  entrega  e  qualidade  desses projetos.  APM  é  uma  abordagem  relativamente  nova,  o  que  tomam necessários estudos mais detalhados e a aplicação de casos reais para a confirmação de sua real contribuição no gerenciamento de projetos. 

Apesar  de  poder‐se  notar  uma melhora  significativa  ao  longo  da última década do século 20 nos projetos de desenvolvimento de sistemas, a  pesquisa  publicada  pela  Standish  Group  Internacional(2003)  os resultados  insatisfatórios  continuam  relativamente  altos.  A  pesquisa sugere  ainda  que,  os  projetos  falham  pela  falta  de  conhecimento  nas práticas  de  gerenciamento  de  projetos  e  não  pela  falta  de  verba  ou conhecimento tecnológico. As empresas passaram a adotar boas práticas do  gerenciamento  de  projetos,  contribuindo  para  a  melhora  dos resultados dos projetos. 

3.1 O manifesto ágil

O Manifesto  for Agile  Software Development  (2001)  publicado  em fevereiro  de  2001,  por  um  grupo  de  17  pensadores  independentes, autores  e  representantes  das  técnicas  e  metodologias  ágeis  sobre desenvolvimento  de  software  (Kent  Beck,  Mike  Beedle,  Arie  van 

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Bennekum, Alistair Cockburn, Ward Cunningham, Martin Fowler,  James Grenning,  Jim  Highsmith,  Andrew  Hunt,  Ron  Jeffries,  Jon  Kern,  Brian Marick, Robert C. Martin, Steve Mellor, Ken Schwaber,  Jeff Sutherland, Dave  Thomas),  e  às  vezes  concorrentes  entre  si,  discutiu,  coletou  e documentou  ideias  comuns  sobre  o  desenvolvimento  de  software, identificando  uma  abordagem  ágil  aplicada  ao  desenvolvimento  de projetos, estabelecendo um padrão comum para processos ágeis.

O Manifesto fornece algumas ideias concretas, ao mesmo tempo em que discute que é preciso definir um  conjunto de  valores baseados na confiança  e  respeito mútuos  e  de  promover modelos  organizacionais baseados em pessoas, colaboração e construção de uma comunidade de organizações em que gostariam de trabalhar. 

O movimento ágil não é antimetodologia. De  fato, muitos de  seus integrantes  desejam  restaurar  a  credibilidade  da  palavra metodologia, querem restabelecer um equilíbrio, abraçam a modelagem, mas não no sentido  de  um  "diagrama  empoeirado"  em  um  repositório.  A documentação é abraçada por eles, mas não em centenas de páginas de rara  manutenção  e  utilização.  E  preciso  planejar,  mas  reconhecer  os limites deste planejamento em ambientes turbulentos. E preciso entregar produtos ágeis, capazes de serem adaptados de  forma  fácil e de se  ter equipes com características semelhantes. 

O  "Manifesto Ágil",  como  passo  a  ser  referenciado,  não  rejeita  os processos e ferramentas, a documentação, a negociação de contratos ou o  planejamento, mas  simplesmente mostra  que  eles  têm  importância secundária  quando  comparado  com  os  indivíduos  e  interações,  com  o software estar executável, com a colaboração do cliente e as  respostas rápidas a mudanças e alterações. Esses conceitos aproximam‐se melhor com  a  forma  que  pequenas  e  médias  organizações  trabalham  e respondem a mudanças. 

Os  valores  considerados  pelo  Manifesto  for  Agile  Software Development (BECK et al, 2001) são: 

                                          I.     A valorização dos indivíduos e as interações sobre a importância dos processos e ferramentas; 

                                        II.     O software funcionando sobre uma extensa documentação; 

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                                      III.     A colaboração dos clientes sobre a negociação em contratos; 

                                      IV.     As respostas às mudanças sobre o cumprimento de um piano. 

3.2 Princípios do gerenciamento de projetos ágil

O Gerenciamento de Projetos Ágil  foi  criado a partir dos valores e princípios do Manifesto for Agile Software Development (BECK et al, 2001). Este  guia  de  princípios  pode  ajudar  equipes  a  decidir  quais  seriam  as práticas mais  adequadas  no meio  empresarial,  a  gerar  novas  práticas quando  necessário,  ou  a  avaliar  alguma  prática  que  venha  a  surgir  e, implantá‐la em um gerenciamento ágil.

O  gerenciamento  de  projetos  é  constituído  de  seis  princípios  que juntos criam um ambiente que encoraja a surgir os resultados no projeto. Isolados, eles podem contribuir no andamento do projeto. Estes princípios tratam  do  valor  do produto  e  do  estilo de  gerenciamento  baseado  na liderança e colaboração. No primeiro, são focadas as entregas iterativas e baseadas nas funcionalidades que gerem valor para o cliente, sempre com a  busca  da  excelência  técnica.  No  segundo  principio,  toma‐se  claro  a necessidade de se encorajar a exploração, construir equipes que possuam elevada  capacidade  de  se  adaptar  e  que  simplifiquem  o  processo. Os princípios do Gerenciamento de Projetos Ágil, segundo o Manifesto  for Agile Software Development (BECK et al, 2001) estão descritos a seguir: 

                                          I.      A satisfação do cliente a partir de entregas rápidas e continuas de um software valioso, que agregam valor; 

                                        II.     Garantir a vantagem competitiva com a mudança de  requisitos,  mesmo  em  desenvolvimento  bastante avançado; 

                                      III.     Entregar frequentemente software funcionando em prazos curtos de algumas semanas; 

                                                                            IV.         Pessoas responsáveis pelo negocio e desenvolvedores  devem  trabalhar  juntos  diariamente durante todo o projeto; 

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                                        V.     Construir projetos em torno de indivíduos motivados, dando‐lhes o  ambiente e  confiança de que necessitam para fazer o trabalho; 

                                      VI.     O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações  em  uma  equipe  é  a  comunicação  pessoal através da conversa "cara‐acara"; 

                                    VII.     A medida mais importante sobre o progresso do projeto são as entregas de código que funcionam; 

                                  VIII.     Processos ágeis promovem o desenvolvimento sustentável. Patrocinadores, desenvolvedores e usuários devem  ser  capazes  de  manter  o  ritmo  constante indefinidamente; 

                                      IX.     Atenção continua para a excelência técnica e bom projeto reforçam a agilidade; 

                                        X.     Simplicidade ‐ a arte de maximizar o valor de trabalho não feito ‐ é essencial; 

                                      XI.     XI. As melhores arquiteturas, requisitos, e projetos emergem de equipes auto‐organizadas; 

                                    XII.     XII. Em intervalos regulares, a equipe reflete sobre como se tomar mais eficaz e, em seguida, ajusta o seu comportamento. 

3.3 Desenvolvimento iterativo

Uma  iteração  e  caracterizada  por  uma  sequência  distinta  de atividades com baseline e critérios de avaliação planejados. Cada iteração incorpora  atividades  de  modelagem  de  negócio,  requisitos,  análise  e projeto, implementação, testes e implantação à medida que o projeto vai evoluindo em suas fases de maturação. A cada iteração um conjunto de produtos é gerado. Neste sentido, uma medida boa do progresso e ter o software  funcionando  no  final  de  cada  iteração.  Os  benefícios  do desenvolvimento iterativo podem residir no fato do desenvolvimento lidar com mudanças, o sistema ser integrado continua e progressivamente, os riscos  serem atacados mais  cedo, porque os elementos  são  integrados 

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progressivamente. E possível realizar um aprendizado e melhoria continua do  processo,  gerando  produtos  mais  robustos  com  o  aumento  da reusabilidade.

O  desenvolvimento  baseado  no modelo  cascata  é  um modelo  de desenvolvimento de software sequencial através das fases que o compõe. O modelo em cascata demanda uma substancial integração e esforço de teste  para  alcançar  o  fim  do  ciclo  de  vida,  um  período  que  pode  se estender por vários meses ou anos. Os requisitos de sistema identificados demoram muito  tempo ate serem  implementados e  testados, podendo atrasar a  resolução de problemas, sendo uma das causas das  falhas do projeto em cascata. 

No método ágil, ao contrário, deve‐se produzir um desenvolvimento completo e teste num período de   semanas. Enfatiza‐se a obtenção de pequenos pedaços de funcionalidades executáveis para agregar valor ao negócio  cedo,  antecipando  a  resolução  de  riscos  ao  projeto  e continuamente agregar novas funcionalidades através do ciclo de vida do projeto. 

O ciclo de vida do desenvolvimento  iterativo é dividido em  fases e iterações. Por  fase podemos entender como sendo o espaço de  tempo entre dois marcos significativos do projeto, durante o qual objetivos são atingidos,  artefatos  elaborados  e  decisões  sobre  passar  ou  não  para  a próxima  fase  são  tomadas. As  fases  indicam  a maturidade do  sistema. Cada uma das  fases é dividida em  iterações. Mudanças de  requisitos e táticas são acomodadas, sendo mais  fácil melhorar e refinar o produto, aumentando  sua  robustez,  inclusive  com  a  realização  de  testes  e integrações acontecendo muito mais cedo, contribuindo para um maior aprendizado das organizações na medida em que o ciclo de vida evolui. 

A filosofia ágil está voltada para o desenvolvimento iterativo. Ou seja, obter as exigências iniciais e criar um código que funcione, seguidos por mais  exigências  e  por  mais  códigos  que  funcione,  identificando  uma iteração  como  um  "pacote  de  tempo"  que  possui  um  custo  fixo  e  um conjunto de funcionalidades que pode variar, onde estas funcionalidades serão priorizadas pelo cliente e comporão a iteração. 

A  flexibilidade  é  identificada  na  medida  em  que  funcionalidades priorizadas pelo cliente poderão ser descartadas, se classificadas no final 

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da lista. Assim, e possível existir funcionalidades que sejam perdidas, mas nunca as datas. 

3.4 .As práticas PMIBOK x Metodologia Ágil 3.4.1 O ciclo PDCA do Gerenciamento de Projetos Tradicional

O ciclo de vida do gerenciamento de projetos tradicional é definido pelos  processos  de  iniciação,  planejamento,  execução,  controle  e fechamento, onde o gerente do projeto e o responsável pela realização dos  objetivos  do  projeto  (PMI,  2004).  Estes  processos  especificam  as atividades ou tarefas que serão executadas, as pessoas que irão realizá‐las e  os  principais  produtos  a  serem  entregues  ao  cliente  durante  o desenvolvimento do projeto. A metodologia de desenvolvimento aplicada nesta modalidade de desenvolvimento de software são os modelos em cascata  ou  espiral,  embora  se  perceba  um  crescimento  do  modelo iterativo e incremental.

Os processos citados acima foram mapeados pelo PMBOK de acordo com o ciclo PDCA (Plan‐Do‐Check‐Act) modificado por DEMING em 1999 (PMI, 2004), onde o planejamento corresponde ao Plan, a Execução ao Do e  o  Controle  ao  Check  e Act. Os  processos  de  iniciação  e  fechamento correspondem ao início e término do ciclo, respectivamente. 

3.4.2 O ciclo PDCA do Gerenciamento de Projetos Ágil

O  modelo  de  estrutura  do  Gerenciamento  de  Projetos  Ágil  é composto das  fases: Visão, Especular, Explorar, Adaptar e Fechar. Estas fases refletem tanto as atividades quanto os seus resultados, como são descritas a seguir (HIGHSMITH, 2004):

                                          I.     Visão: E a tradicional Inicia1izaco do projeto. Determinar os objetivos do projeto, a equipe do projeto e  definir  como  eles  irão  trabalhar  junto.  Esta  fase  ë  a etapa crítica para o sucesso do projeto. Primeiramente, precisa‐se saber o que será produzido, ter uma visão do produto e o escopo do projeto. Segundo, quem estará envolvido  no  projeto  desde  clientes  a  stakeholders.  E terceiro, como eles trabalharão juntos. 

                                        II.     Especular: Indica um futuro incerto, mas mesmo assim tenta‐se planejá‐lo. O Gerenciamento de Projetos 

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Ágil consiste mais, nos conceitos de visão e exploração do que especular e fazer. Isto mostra a alta volatilidade dos projetos  atuais.  Nesta  fase  é  desenvolvido  um planejamento,  seguido  por  planejamentos  específicos em cada iteração. 

                                      III.     Explorar: Tem o objetivo de entregar as características testadas, em um curto espaço de tempo, procurando  reduzir  o  risco  e  as  incertezas  do  projeto. Entregas  são  feitas  sob  a  forma  de  incrementos  de funcionalidades  do  produto  e,  são  divididas  entre  os ciclos do projeto. 

                                      IV.     Adaptar: Analisa os resultados entregues, o ambiente de negócio atual, o desempenho da equipe e adapta o que for necessário, para a próxima iteração. 

                                        V.     Fechar: Conclui o projeto e passa o aprendizado adiante.  E  outra  atividade,  menos  glamorosa,  é  a  de finalizar os itens em aberto, finalizar a documentação e a produção do material de suporte. 

As  fases Especular, Explorar e Adaptar se alternam a cada  iteração para  assim  poder  produzir  um  produto mais  robusto.  A  Especulação, quando d  retomada, assume o papel de planejar o ciclo mais uma vez, levando em consideração os resultados alcançados. Uma vez finalizado o produto, entra‐se na fase fechar (HIGHSMITH, 2004). 

3.4.3 Áreas de conhecimento do gerenciamento de projetos aplicáveis

A possibilidade de mudança do gerenciamento de projetos tradicional para o gerenciamento de projetos ágil requer uma atenção especial em cinco  áreas  de  conhecimento  definidas  pelo  PMBOK  (PMI,  2004),  são elas:  Gerenciamento  de  Recursos  Humanos,  Gerenciamento  da Qualidade,  Gerenciamento  da  Integração,  Gerenciamento  do Escopo e Gerenciamento do Tempo.

Tanto a abordagem ágil quanto a abordagem tradicional identificam as  três  restrições  de  um  projeto  como  sendo:  custo,  tempo  (agenda) e escopo. Para a abordagem tradicional, no entanto, o escopo do projeto 

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deve  ser  fixado  para  que  tempo  e  custo  possam  ser  estimados.  Já  as abordagens  ágeis  se manifestam  acreditando  que  o  escopo  estará  em constante  mudança,  então  tempo  e  custo  devem  ser  fixados.  Em abordagens ágeis a estratégia de Comando‐controle deve ser substituída por facilitação, colaboração e suporte. 

Uma abordagem segundo as áreas do conhecimento do PMBOK (PMI, 2004) nos leva a perceber que: a preocupação está na definição do escopo em um alto nível que permita o entendimento do trabalho, inclusive com a  participação  do  cliente  para  a  priorização  das  funcionalidades;  o cronograma  é  orientado  ao  produto  que  será  produzido  em  iterações curtas que contribuem para uma redução dos conflitos pela cumplicidade no  processo;  as  alterações  são  incorporadas  dentro  da  iteração mais apropriada e de comum acordo com o cliente, podendo elevar o custo final; os padrões a serem seguidos devem ser estabelecidos no inicio do projeto e estarem concentrados na programação em pares; a monitoração e  o  controle  dos  riscos  ocorrem  durante  todo  o  processo  de desenvolvimento; a comunicação é colaborativa e direta entre todos os membros da equipe, o que exige certo grau de maturidade por parte da organização, do  cliente e da equipe;  todos os participantes do projeto executam  suas  tarefas,  planejam  e  tomam  decisões  em  conjunto, compartilhando  suas  experiências;  o  processo  de  aquisição  deve  ser evitado em função da volatilidade dos requisitos; a atuação colaborativa da equipe com o cliente  favorece um major grau de  informalidade e o conhecimento  implícito é privilegiado; o papel do gerente de projetos é voltado para o papel de facilitador ou coordenador das atividades. 

a) Gerenciamento dos Recursos Humanos 

O PMBOK (PMI, 2004) define o planejamento organizacional como o processo  onde  papéis  e  responsabilidades  são  atribuídos  e  o desenvolvimento  de  time  como  o  desenvolvimento  do  conjunto  de competências e habilidades apropriadas para cada membro do time. 

A  forma ágil de se  fazer  isso é estabelecer  times cross‐functional e permitir  que  eles  sejam  autogerenciados.  Com  times  autogerenciados muitos  imaginam  que  o  papel  de  gerente  de  projeto  passa  a  ser ameaçado. Ao contrário, este passa a ser muito mais  importante para o projeto e para o time, agindo como um "líder servidor" descrito na década 

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de  80  por  Robert  Greenleaf,  e  não mais  como  o  gerente  "comando‐controle". 

b) Gerenciamento da Qualidade 

Pelo fato do código ser incrementado durante o desenvolvimento de cada iteração, a abordagem ágil traz o controle de qualidade novamente para  dentro  da  análise  e  desenvolvimento  do  produto,  estando  a qualidade agora presente desde as primeiras fases do projeto ao invés de ficar aguardando "o pior" no final do projeto. Todo o time tem seu papel no controle de qualidade em práticas ágeis,  todos estão envolvidos em garantir  que  a  entrega  valorizará  o  retomo  do  investimento  (ROT)  do cliente. 

c) Gerenciamento da Integração 

Em  Gerenciamento  de  Integração  um  entregável  chave  é  o documento de Piano do Projeto que é elaborado e mantido peio gerente de projeto. Em abordagens ágeis este entregável é substituído por uma série de atividades de visão e planejamento que são executadas em ciclos iterativos. O controle de mudanças também é algo que sofre mudanças bem grandes nas abordagens ágeis, pois aqui este e integrado nas rotinas diárias de um time ágil. As mudanças do produto são gerenciadas através de um repositório de funcionalidades que e gerenciado pelo gerente de produto  do  cliente.  Este  e  responsável  por  manter  esta  lista  com funcionalidades priorizadas de acordo com o valor de negócio que elas representam para o ciente. Isto é ø que garante o ROT. 

No  final  de  cada  iteração,  o  time  realiza  as  reuniões  de  revisão  e retrospectiva para colher as percepções de cada membro da equipe. O time  (cliente,  desenvolvedores,  arquitetos,  gerente  de  projeto, testadores) é o Change Control Board. 

d) Gerenciamento de Escopo e Tempo 

A abordagem ágil trabalha com tempo (agenda) e custo fixo, e para implementar as funcionalidades de alto valor para o negócio do cliente. O escopo do projeto pode, e deve ser fixo se: clientes não necessitassem de novas  funcionalidades,  não  houvesse  mudanças  de  mercado  nem mudanças de  tecnologia e se o cliente  realmente conhecesse  tudo que precisa no  início de um projeto. Planejamento, definição,  verificação e 

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controle de escopo são matérias que recebem grande atenção no PMBOK (PMT, 2004). 

Abordagens ágeis também comecem uma grande atenção para estas matérias,  mas  com  uma  filosofia  de  gerenciamento  de  escopo  bem diferente. A abordagem tradicional trabalha duro para prevenir (e evitar) mudanças de escopo, enquanto abordagens ágeis aguardam e "abraçam" estas mudanças. 

4. SCRUM: UMA METODOLOGIA AGIL

O  objetivo  deste  capítulo  é  descrever  de  forma  sucinta  o  SCRUM como uma metodologia ágil e sugerir de forma consistente um modelo de escritório de  gerenciamento de projetos  capaz de  planejar,  executar  e controlar os projetos que necessitem de uma maior agilidade, além dos aspectos organizacionais envolvidos neste ambiente de gerenciamento.

4.1 Entendendo o SCRUM

O  SCRUM  foi  criado  no  início  de  1990  por  Ken  Schwaber  e  Jeff Sutherland para ajudar as organizações a lutar com complexos projetos de desenvolvimento. O trabalho de Jeff Sutherland com as primeiras  ideias do SCRUM e de Ken Schwaber com metodologias transformados em vários anos  de  conversa,  colaboração  e  pesquisas  culminaram  em  um documento que ambos escreveram descrevendo SCRUM. Sete anos mais tarde,  Ken  Schwaber  e  16  outros  se  juntaram,  em  Fevereiro  de  2001, descobriram o que tinham em comum e escreveram o Manifesto Ágil. Eles fundaram a Agile Alliance, uma organização sem fins lucrativos, dedicada a criação de software ágil.

SCRUM é um processo ágil que permite manter o foco na entrega do major valor de negócio, no menor tempo possível. Isto permite a rápida e continua  inspeção do  software  em produção  (em  intervalos de duas  a quatro  semanas).  As  necessidades  do  negócio  é  que  determinam  as prioridades  do  desenvolvimento  de  um  sistema.  As  equipes  se  auto‐organizam para definir a melhor maneira de entregar as funcionalidades de major prioridade. Entre cada duas a quatro semanas todos podem ver o real software em produção, decidindo se o mesmo deve ser liberado ou continuar a ser aprimorado por mais um "Sprint". 

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4.2 Conceitos

•  Product  backlog:  E  uma  lista  de  produtos  priorizada  pelo proprietário do produto e que servirá de entrada para uma Sprint.

•  Sprint:  A  Sprint  é  um  "time‐box"  de  30  dias  no  qual  o  time multifuncional do projeto ira produzir uma parte do produto definido pelo cliente. Este time será o responsável por estimar o trabalho a ser realizado em uma Sprint e dizer o que será desenvolvido naquele time‐box. 

• Planning meeting: E a reunião de planejamento do Sprint.Ela ocorre no inicio de cada Sprint e pode ser composta por qualquer pessoa, além da equipe do projeto, que poderá ser convidada a participar da reunião a fim  de  agregar  valor  a  reunião  desde  que  tenha  sido  aprovada  a  sua participação pelo proprietário do produto. Em um primeiro momento o proprietário do produto e o time fazem a revisão do Product Backlog, com a intenção de discutir o propósito e as metas de cada item. O time, então, define os itens que serão desenvolvidos na próxima Sprint e a meta. Em seguida,  o  proprietário  do  produto  deverá  detalhar  algum  item  ou esclarecer  dúvidas  quanto  ao  objetivo  do  mesmo.  O  time  elabora  a estratégia de desenvolvimento para que a meta da Sprint seja atingida. Ao final  desta  reunião  eles  devem  saber  responder  como  construir  as funcionalidades  do  produto  durante  o  Sprint.  Essas  estratégias  são geradas a partir do detalhamento dos itens do Product Backlog. As tarefas geradas através desse detalhamento e chamada de SprintBacklog, onde os membros do time deverão escolher suas tarefas e estimá‐las em horas. 

•  Daily  meeting:  Reunião  diária iniciada a partir do inicio da Sprint, que é realizada sempre no mesmo local e  horário,  com  ofacilitador  e  os  membros  do  time,  com  duração exata de   minutos, para que cada um dos membros do  time possam relatar os progressos e obstáculos que forem surgindo em seu caminho. 

• Review: Momento em que os membros da equipe  identificam se existe  diferença  entre  o  que  deveria  ser  entregue  e  o  que  está  sendo entregue. 

• Retrospective: Representa a ferramenta mais importante para que o sucesso seja alcançado, pois o time comenta tudo aquilo que funcionou e no funcionou dentro da Sprint. O time visualiza os itens citados, discute sobre cada um deles e planeja ações para a próxima Sprint. 

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4.3 Papéis

• Product owner (proprietário do produto)

E o responsável por definir as funcionalidades do produto e decidir as datas  de  lançamento  e  conteúdo,  assumindo  a  responsabilidade  pela rentabilidade  (ROT)  e  priorizando  as  funcionalidades  de  acordo  com  o valor de mercado. Ajusta funcionalidades e prioridades e aceita ou rejeita o resultado dos trabalhos. 

• Scrum Master (Gerente do Projeto) 

Representa a gerência para o projeto. E o responsável pela aplicação dos valores e práticas do SCRUM, devendo remover obstáculos e garantir a  plena  funcionalidade  e  produtividade  da  equipe.  Garante,  ainda,  a colaboração entre os diversos papeis e funções, servindo de escudo para interferências externas. 

• Developers (Equipe) 

Sua  composição  está  voltada  para  um  grupo  entre  5  e  9  pessoas, formada por programadores, testadores, desenvolvedores de interfaces, etc., que atuam em tempo  integral. O administrador de base de dados, por exemplo, 6 uma função que constitui exceção a este grupo. A equipe SCRUM é auto‐organizável e as trocas entre seus membros só ocorre na mudança de "Sprints". 

A produtividade da equipe deriva de fazer as coisas certas primeiro, a partir de uma lista priorizada pelo proprietário do produto das atividades a  serem  realizadas,  e  fazer  estas  coisas  de  forma  muito  eficaz.  A maximização  desta  produtividade  está  diretamente  relacionada  às medições  de  linhas  de  código  por  dia  ou  pontos‐de‐função  por pessoa/mês, que são definidos pela própria equipe. E a equipe que define o  planejamento  e  execução  das  atividades  que  estão  sob  sua responsabilidade. O Gerente do Projeto ou qualquer outro membro pode orientar, aconselhar e  informar a equipe, mas é da responsabilidade da equipe  gerir  a  si  própria. O  trabalho  da  equipe  é  concentrado  em  um período  de  30  dias,  onde  haverá muita  integração  e  disseminação  de informações entre os seus membros. A equipe  faz o que  for necessário para cumprir o seu compromisso. Cada um de seus membros possui várias qualificações, o que  facilita o  trabalho de  seleção própria por parte de 

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cada membro  das  atividades  a  serem  executadas.  A  equipe  tem  que descobrir o seu próprio trabalho. 

4.4 O ciclo de vida SCRUM

No  SCRUM,  os  projetos  são  organizados  em  ciclos  (iterações), tipicamente mensais, denominados Sprint. O Sprint representa um Time Box, dentro do qual é executado um conjunto de atividades.

A  lista de  todas as  funcionalidades a serem  implementadas em um projeto  é  denominada  Product  Backlog.  Essa  lista  não  precisa  estar completa no  início  do  projeto, podendo  crescer  e  sofrer mudanças  ao longo do amadurecimento dos usuários e do produto a ser entregue. 

No  início de  cada  Sprint, é  realizada uma  reunião deplanejamento denominada  Sprint  Planning Meeting.  E  nessa  reunião  que  o  Product Owner,  ou  proprietário  do  produto  a  ser  entregue,  prioriza  os  itens do Product Backlog. 

O  Scrum  Team  seleciona  as  atividades  que  terá  a  capacidade  de completar durante o Sprint. Estas atividades são, em seguida, transferidas do Product Backlog a Sprint Backlog, onde serão quebradas em uma ou mais  tarefas,  facilitando  a  divisão  do  trabalho  entre  os  membros  da equipe. 

A cada dia do Sprint é realizada uma breve reunião diária chamada de Daily Scrum, na qual deve ser disseminado o conhecimento adquirido no dia anterior, identificados os impedimentos verificados e priorizado o trabalho  que  se  inicia,  contribuindo  para  que  a  equipe  permaneça  no caminho. 

Ao final de cada Sprint é realizada a Sprint Review Meeting, na qual o Scrum Team apresenta, normalmente em forma de "demonstração", as funcionalidades  concluídas em um Sprint. O objetivo do Sprint, que  foi determinado  no  Sprint  Planning Meeting,  é  avaliado  neste momento. Nessa  reunião  podem  participar  o  Product  Owner,  o  Scrum  Team, o Scrum Master, gerência, clientes e ate membros de outros projetos. 

Finalmente,  é  realizada  uma  Sprint  Retrospective,  uma  espécie  de retrospectiva para identificar o que funcionou bem durante um Sprint, o que poderá ser melhorado e quais as ações deverão ser tomadas para esta 

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melhora.  A  equipe,  então,  parte  para  a  definição  de  um  novo  Sprint, reiniciando o ciclo. 

4.5 O PMO Ágil

As organizações visualizam no PMO a solução dos seus problemas. E bem verdade que o PMO pode vir a assumir muitos produtos e serviços potenciais,  porém,  esta  posição  estará  sempre  relacionada  às necessidades  da  organização  e  da  visão  e  comprometimento  de  seu patrocinador.  O  PMO  é  responsável  por  adquirir  e  implementar  a metodologia de gerenciamento de projetos que será utilizada por toda a organização durante a execução de cada um de seus projetos. O Escritório de  Gerenciamento  de  Projetos  acrescenta  um  valor  significativo  à organização e aos seus projetos. O modelo de PMO deve estar alinhado às expectativas  da  organização  para  que  sua  implantação  e  continuidade sejam  asseguradas. O PMO é  a  casa do  time do projeto, devendo  ser, ainda,  o  local  onde  devam  ser  conduzidas,  planejadas,  organizadas, controladas e finalizadas as atividades dos projetos.

Sob esta ótica, d  interessante observar que  "os projetos  reúnem  e vendem  conhecimento"  (KERZNER,  2002),  ficando  facilitada  a centralização dos conhecimentos adquiridos ao longo dos projetos, e que as melhores práticas de um projeto especifico podem ser reutilizadas em projetos  futuros.  Cabe  ressaltar  que  as  organizações  em  sua  grande maioria não se  interessam ou mesmo não conseguem  fazer com que o conhecimento  individual  dos  seus  colaboradores  seja  convertido  em conhecimento organizacional. O "Conhecimento" tem ganhado relevância e  trazido  vantagem  competitiva  sustentável  em  todos  os  setores  de atuação das organizações. 

Dentre  as  diversas  estruturas  de  gerenciamento  de  Projetos existentes nos dias de hoje, provavelmente o PMO é a de major sucesso e das mais estudadas pelas empresas, podendo variar de acordo com o nível de maturidade da organização. Porém, deve‐se tomar cuidado para não transformarmos  o  PMO  de  uma  empresa  em  um  departamento puramente burocrático. BURGHARDT (2000) diz que um PMO não deve se transformar  em  um  mero  e  degradante  acumulador  e  distribuidor  e papéis. 

Os  tradicionais  escritórios  de  gerenciamento  de  projetos  são responsáveis por prover controles e equilíbrio para o desenvolvimento e 

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organizações de TI quanto aos orçamentos e calendário dos projetos. A supervisão  e  gestão  que  vem  do  PMO  direcionam  determinados comportamentos em gestores de projetos e, portanto, no projeto. 

Do mesmo modo, um PMO Ágil prevê certos controles e equilíbrio, mas  incide  principalmente  sobre  o  bem‐estar  global  do  projeto.  Esta diferença de  "tom", não  só direciona diferentes  comportamentos, mas também pode contribuir para apoiar a transformação radical no seio da organização.  A  forca  motriz  toma‐se  encapsulada  na  diferença  de perspectiva  entre  tradicionais  ganhos  de  valor  inquiridos  e  do  valor inquirido pela agilidade alcançada. 

A diferença chave e estabelecida em uma visão centrada no projeto para  a  abordagem  tradicional  em  oposição  a  uma  visão  centrada  no produto para a abordagem ágil. A visão  tradicional  refere‐se ao ato de completar  o  plano  do  produto  e  a  viso  ágil  obviamente  refere‐se  ao produto em si. Para entender melhor esta diferença é preciso garantir que compreendemos as motivações por  trás das ações e decisões que cada PMO  tem.  Por  isso,  e  preciso  olhar  para  algumas  das  características especificas de cada escritório de projeto, tradicional e ágil. 

Nas organizações que utilizam metodologias tradicionais dirigidas ao planejamento para executar seus projetos, ha geralmente um PMO para proporcionar uma fonte de controle e equilíbrio. Nestas organizações, o PMO  toma‐se  a  força  mais  influente  da  organização  com  relação  à execução de programas e a abordagem por que sio realizadas. No sentido clássico de "você é o que você mensura", quando o PMO solicita que os gerentes  de  projeto  cheguem  à  revisão  preparados  para  discutir orçamento, o progresso e os trabalhos realizados ate a data ‐ as variáveis essenciais  para  cálculos  de  valor  agregado  ‐  os  gerentes  de  projeto começarão a centrar suas atividades e suas equipes sobre estas medidas. 

Este tipo de medição só traduz indicadores passados à equipe dizendo quão  bem  que  tem  feito,  ao  contrário  dos  indicadores  de  condução, sugerindo a equipe aonde eles chegarão. Em última análise, o resultado do cálculo de valor agregado diz o quão bem ou mau negócio foi realizado ate a data, mas no podemos recomendar‐lhes exatamente como as coisas vão sair. O efeito disto e que toda a equipe Se preocupa mais sobre onde eles estão, mas não o  suficiente  sobre o que eles estão oferecendo de valor para negócio. 

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O método tradicional de gerenciamento de projetos está consolidado no mercado e os resultados de sua aplicação são evidentes nos diversos ambientes de projeto. Para as organizações públicas mais conservadoras, existe  a  possibilidade  de  mesclar  as  características  dos  métodos tradicionais  e  ágeis  permitindo  uma  avaliação  gradativa  dos  pontos positivos e negativos das duas abordagens.

Na abordagem ágil as exigências de desenvolvimento podem mudar em algum ponto. Isto é bom em um ponto de vista de desenvolvimento, mas o gerenciamento de mudanças do escopo e também utilizado para beneficiar o cliente. O patrocinador do cliente concordou em financiar o projeto,  baseado  em  receber  uma  determinada  solução,  por  um determinado  custo em uma determinada data.  Se a equipe do projeto continuar a aceitar as mudanças do escopo por conta própria, o projeto poderá  requerer mais  tempo e um custo muito mais elevado do que o concordado pelo patrocinador. 

Um dos desafios das metodologias ágeis deve ser o de implementar estratégias  de  gestão  de  riscos  sem  tomar  a metodologia  complexa  e pesada. Outro desafio é fazer com que as metodologias ágeis possam ser utilizadas em grandes empresas e equipes, eliminando os problemas de comunicação interna as equipes e existentes de forma comum em grandes empresas onde os funcionários estejam dispersos geograficamente. 

Apesar de verificar‐se um crescimento no uso das metodologias ágeis, ainda no puderam ser verificados casos de sucesso de seu uso em projetos grandes e crípticos. Torna‐se necessário, então, uma maior adoção das organizações na  sua utilização, para que melhores  sejam os  resultados empíricos em termos de vantagens, desvantagens e riscos. 

Por ser um ambiente de desenvolvimento dinâmico, em constantes mudanças  e menos  orientado  a  documentação,  a Web  toma‐se mais adequada  para  a  utilização  das  metodologias  ágeis  do  que  as metodologias tradicionais. 

A utilização de SCRUM em projetos ajuda a  construir  tão  somente aquilo que O cliente valoriza, contribuindo para que os produtos sejam criados mais adaptados ao cliente. As equipes tomam‐se mais efetivas na definição das atividades, gerando major comprometimento, motivação e 

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confiança. Ha  um major  estimulo  a  colaboração  entre  os membros  da equipe, o que permite que o time esteja mais coeso, na medida em que cada membro  sabe o que os demais estão  fazendo,  toma‐se natural o compartilhamento  e  disseminação  do  conhecimento,  cada  pessoa  da equipe escolhe o que vai fazer, as responsabilidades estão visíveis, existe transparência e alinhamento para atender o objetivo do projeto. Toda a equipe passa a ter conhecimento daquilo que está sendo construído e com que finalidade. 

O  uso  de  SCRUM  não  é  difícil.  Contudo,  toma‐se mais  importante fazer com que o time, o cliente e a organização estejam prontos para as mudanças de paradigmas que a metodologia ágil é capaz de proporcionar. A  ausência  ou  a  falta  de  uma  cultura  organizacional  que  esteja comprometida com o planejamento e acompanhamento de projeto pode prejudicar a qualidade no produto final dos projetos. 

Este  trabalho  apenas  introduziu  brevemente  alguns  comentários sobre os métodos tradicional e ágil de gerenciamento de projetos com o intuito de permitir que parâmetros que auxiliem na definição da melhor estratégia venham a ser estabelecidos e aplicados no gerenciamento de projeto, permitindo as organizações públicas atender as necessidades e expectativas das áreas demandantes de softwares. 

6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

ANDERSON, D.  J;  SCHRAGENHEIM,  E. Agile Management  for  Software Engineering: Applying  the  Theory  of  Constraints  for  Business  Results. Prentice Hall, 2003.

BECK,  K.  et  al.  Manifesto  for  Agile  Software  Development, 2001.Disponível  em  <http://www.agilemanifesto.org>.  Acesso  em: 09 nov.2016 

BOEHM,  B.  W;  TUMER  R.  Balancing  Agility  and  Discipline.  Boston; Addison Wesley, 2002. 

BURGHARDT,  M.  Projektmanagement:  Le4faden  für  die  Planung, Uberwachung  and  Steuerung  von  Entwicklungsprojekten.  Berlin  und München: Siemens Aktiengesellschaft, 2000. 

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FIGUETREDO,  A.M.  Gerenciamento  de  Projetos  Ágeis.  Golden  Cross, 2007. 

HIGHSMITH, J. Agile Project Management: Creating Innovative Products. Boston: Addison Wesley, 2004. 

KERZNER,  H.  Project  Management:  A  system  approach  to  planning scheduling and controlling. John Wiley & Sons, 2002. 

LEITAO, Rogério S. Escritório de Projetos: Definindo uma estratégia para projetos de TI, 2006. 

LESSA,  L.  O  Papel  do  PMO  nas  Estruturas  Organizacionais.  Belo Horizonte:  PMI  Chapter  MG,  .  Disponível  em: <http://www.pmimg.org.br/Geral/visualizador  Conteudo.aspx?cod_areaconteudo=423>. Acesso em: 14 fev. 2015. 

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. A Guide to the Project Management Body Of Knowledge ‐ PMBOK Guide. 3 ed. Pennsylvania: 2004. 

VARGAS,  Ricardo.  Gerenciamento  de  Projetos:  Estabelecendo Diferenciais Competitivos. 6 ed. Rio de Janeiro: BRASPORT, 2005. 

PERBIRA, P et al. Entendendo Scrum para Gerenciar Projetos de Forma Ágil. Curitiba: Revista Mundo PM, 2007. 

STANDISH GROUP  INTEMACIONAL. Latest Standish Group chaos  report shows project success rates have improved by 50%, 2003. Disponível em: < http://www.businesswire.com/news/home/20030325005636/en/Latest‐Standish‐Group‐CHAOS‐Report‐Shows‐Project>.  Acessado  em:  28  nov. 2016. 

 

   

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JUSTIÇA DO TRABALHO E DO CUIDADO COM A PROVA TESTEMUNHAL

VERÔNICA FERNANDES DE LIMA: Advogada Trabalhista. Formada em Dezembro/2002 (UVA/RJ). Experiência de 14 anos na área Trabalhista. Pós Graduada em Direito e Processo Civil (UCP/RS). Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho (ESA/RJ). Especializada em Consultoria Jurídica Contenciosa e Preventiva na área trabalhista e cível.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo a tentativa de retirar a venda 

dos olhos de nossa Justiça Especializada e alertar, principalmente, quando 

se tratar da produção de provas, em destaque, a testemunhal, meio de 

prova mais utilizado pelas partes e é aquele que vem se transformando 

em uma máquina poderosa da troca de favores. Assim, este Artigo tem o 

intento de abordar os tipos de provas admitidas, com um foco maior no 

que tange a prova Testemunhal. 

Palavra chave: Provas. Princípios. Testemunha. Competência. Justiça do 

Trabalho. 

Sumário:  .  Introdução.  .  Das  provas  admitidas  na  Justiça  do 

Trabalho.   . Da importância e dos procedimentos da prova testemunhal 

na  prática.  .  Dos  riscos  na  hora  da  prolação  da 

sentença.  . Conclusão.  . Das Referências Bibliográficas. 

. Introdução

Trata se o presente artigo da análise dos meios de prova admitidos e, 

para exemplificar na prática, utilizaremos, como pano de fundo, um caso 

muito comum na Justiça do Trabalho. 

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Em  um  caso  hipotético,  José  Fulano  disse  a  seu  advogado  que 

trabalhou  por  05  (cinco)  anos  em  uma  empresa  de  Construção 

Civil, Construtora Ventania Ltda., a qual usufruiu da sua mão de obra além 

da  jornada  legal e que os cartões de ponto não refletem a real  jornada 

exercida.  Diante  disso,  informou  que  não  recebeu  corretamente  o 

pagamento das horas extras laboradas. Relata que nos primeiros três anos 

de  trabalho não  teve  sua CTPS anotada e, por  fim,  informou que  já  se 

passaram mais de 10 dias do prazo legal para recebimento de sua rescisão 

e homologação da mesma junto ao seu Sindicato de Classe. 

Bem, em suma, é tudo isso que José Fulano, através de seu advogado, 

alegou por ocasião da propositura de sua Reclamação Trabalhista, sendo 

naquele  momento,  de  conhecimento,  que  teve  que  narrar  os  fatos 

ocorridos e provar que teve mesmo seus direitos trabalhistas suprimidos. 

Neste mesmo momento a empresa rebateu as alegações de José Fulano 

e, no caso da  inversão do ônus da prova, teve que fazer a produção de 

outras  provas,  para  provar  que  os  pedidos  autorais  não mereciam  ser 

procedentes. 

Pois  bem,  para  isso,  ambas  as  partes  lançaram mãos  de  todas  as 

provas admitidas na Justiça do Trabalho, principalmente, a Testemunhal. 

E, será deste meio de prova que enfocaremos nosso Artigo e, ainda, de 

sua importância para formar a convicção do Juiz sobre a existência ou não 

do direito autoral para prolação de uma sentença imparcial e justa. 

. Das provas admitidas na Justiça do Trabalho 

Todos temos direito à produção de prova, amparado e garantido pela 

Carta Magna, a nossa Constituição Federal, a qual rege este país, definindo 

as  competências,  forma  de  governo,  direitos  individuais  e  coletivos, 

assegurando e garantindo estes direitos, é a Lei Suprema que rege a todos 

nós cidadãos. 

O direito se aplica a fatos que devem ser descritos na peça inicial por 

aqueles com interesse em obter um resultado final na lide, como reza no 

art. 18 do NCPC. Mas, não basta alegar somente os fatos ocorridos, tem 

que provar o alegado para ter seu direito reconhecido na esfera judicial, 

se fazendo relevante demonstrar que os fatos narrados correspondem a 

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verdade, com o objetivo de proporcionar convencimento ao Juiz e a sua 

certeza de que tudo corresponde à realidade. 

Com  efeito,  fica  claro  que  a  Prova  é  ferramenta  indispensável  no 

processo, a qual será a base do caso apresentado em juízo. Neste nosso 

caso hipotético acima, José Fulano teve que, além de alegar, apresentar 

nos autos as provas necessárias para ter seu suposto direito reconhecido 

e garantido. 

Para isso, pôde lançar mão de todos os meios de prova admitidos em 

direito,  sempre  respeitando  os  princípios  que  norteiam  o  Direito  do 

Trabalho,  expondo  fatos  verdadeiros,  para  pleitear  ou  defender  e, 

principalmente, demonstrando a necessidade da prova, pois não basta 

somente alegar,  tem que provar o direito, porque é a prova a base e a 

fonte da sentença. 

No Novo Código Civil, em seu art. 369, o Legislador fixou o direito das 

partes  de  empregar  todos  os  meios  legais  de  prova,  bem  como  os 

moralmente legítimos, para provar a verdade dos fatos em que se funda 

o  pedido  ou  a  defesa,  respeitando  os  Princípios  Constitucionais  do 

Contraditório e da Ampla Defesa, estabelecendo momentos processuais 

propícios para a produção de cada prova pela parte interessada, para por 

fim influir de forma eficaz na convicção do juiz, que exerce jurisdição nas 

varas do trabalho e que tem a missão da análise imparcial para julgamento 

do mérito do pedido. 

Tendo ainda por base o art. 389 do NCPC, as partes, do nosso caso 

hipotético, puderam utilizar todos os meios de prova como instrumento 

processual, para formar o convencimento e/ou convicção do juiz. Assim, 

os  meios  de  provas  mais  utilizados  na  Justiça  do  Trabalho  são: 

o   Documental, no qual as partes adunaram aos autos,  com a  inicial e 

defesa,  para  dar  existência  ou  validade  a  alguns  atos  jurídicos; 

o Depoimento Pessoal, que  foram  colhidas  informações das partes do 

processo  (Autor  e  Réu),  os  quais  confessaram  e  admitiram  as  suas 

verdades, as quais foram desfavoráveis interesse do adversário; a Pericial, 

neste nosso caso hipotético, não precisou ser produzida. Mas é um meio 

de prova desenvolvido por profissional indicado pelo juiz, o qual utilizará 

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de todos os meios necessários, para obtenção de informações para assim 

poder apresentar  seu  Laudo Pericial. No entanto,  respectivo  laudo não 

será vinculante para o  juiz, que não estará obrigado às suas conclusões, 

podendo  rejeita  lo  e  formular  a  sua  própria  convicção  com  outros 

elementos  dos  autos,  bem  como  determinar  nova  perícia  destinada  a 

corrigir eventual omissão ou  inexatidão dos resultados apresentados no 

primeiro  laudo;  as  inspeções  judiciais,  o  juiz  do  nosso  caso  não 

determinou  tal  inspeção,  bem  como  as  partes  não  a  requereram.  No 

entanto, respectiva prova, apesar de pouco usada na justiça do trabalho, 

é também um dos meios de prova admitidos e ocorre, quando o juiz, de 

ofício ou a requerimento da parte, poderá, em qualquer fase do processo, 

inspecionar  pessoas  ou  coisas,  a  fim  de  se  esclarecer  sobre  fato  que 

interesse à decisão da causa; a prova emprestada, a CLT não prevê este 

meio de prova, no entanto, é muito usada na Justiça do Trabalho, através 

da  qual  as  partes  podem  aproveitar  de material  probatório  produzido 

idoneamente em outro processo; e, por  fim, o meio de prova principal 

foco  do  nosso  artigo,  a  Prova  Testemunhal,  a  qual  é  limitada  a  três 

testemunhas  para  cada  parte,  foi  bastante  usada  no  nosso  caso 

hipotético,  tendo  José  Fulano  e  a  Construtora  Ventania  Ltda., 

apresentando duas testemunhas de cada lado, que foram inquiridas pelo 

juiz em audiência de instrução. 

É certo que, no nosso caso hipotético, Autor e Réu se utilizaram de 

todas as provas admitidas na  Justiça do Trabalho, as partes apostaram 

todas as suas fichas no meio de prova mais utilizado, a prova testemunhal, 

que  apesar  de  ser  um  meio  de  prova  mais  inseguro  e  muitas  vezes 

considerado de risco para o deslinde da lide, face a possibilidade de erro 

na decisão fundada em testemunhos envoltos de inverdades e má fé, este 

meio de prova é indispensável ao processo do trabalho. 

. Da  importância e dos procedimentos da prova  testemunhal na 

prática 

Tecidas  as  primeiras  considerações,  é  importante  compreender  a 

importância e  relevância da prova  testemunhal na  Justiça do Trabalho, 

devendo  as  partes  terem  um  cuidado  demasiado  na  apresentação  e 

orientação dadas as suas testemunhas, para que não venham a faltar com 

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a verdade em juízo e, por assim causar danos injustos à parte contrária, 

face uma má convicção do  juiz  levado a erro pelo  falso  testemunho de 

uma  pessoa  que  está  ali  para  depor  a  verdade  dos  fatos  que  viveu  e 

presenciou. 

A  inquirição das testemunhas deve obedecer o disposto no art. 828 

da CLT, no qual toda testemunha, prestará o compromisso legal de dizer a 

verdade,  sob pena das  leis penais, mas antes do compromisso, a parte 

contrária poderá argüir a contradita da testemunha, que significa alegar 

lhe a incapacidade, impedimento ou suspeição, o que poderá ou não ser 

deferido pelo juiz. 

Por ser um dos meios de prova indispensável na Justiça do Trabalho, 

no nosso  caso hipotético, as  testemunhas  trazidas por  José Fulano e a 

Construtora  que  trabalhou,  tiveram  a  responsabilidade  de  depor  a 

verdade dos fatos que tem conhecimento, sendo assim, de certa forma, 

consideradas um terceiro na  lide a auxiliar o  juiz no seu convencimento 

dos fatos apresentados nos autos, na inicial e em defesa, pois o direito do 

trabalho  busca  a  primazia  da  realidade,  para  apuração  da  verdade, 

independentemente  da  existência  de  eventual  prova  documental  nos 

autos. 

Neste momento,  o  juiz  teve  que  ter  uma  psicologia  e  bom  senso 

apurados  para  poder  identificar  a  verdade  no  meio  do  depoimento 

prestado pelas testemunhas, isso face o risco da prova testemunhal, que 

na maioria dos casos pode vir cheia de má fé e distorção da verdade para 

beneficiar a parte que lhe indicou no processo. 

No caso de José Fulano, ele e a empresa (autor e Réu) levaram suas 

testemunhas, Autor para provar o vínculo de emprego anterior à anotação 

de sua CTPS e diferenças das horas extras prestadas e não pagas; Já o Réu, 

contestou,  com  a  alegação  da  não  existência  de  trabalho  em  período 

anterior  à  anotação  e  jornada  laboral  extraordinária,  além  daquela 

consignada  nos  controles  de  ponto  apresentados  nos  autos.  Juntou 

documentos  apenas  do  período  com  anotação  e  cartões  de  ponto 

britânicos. 

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Diante  das  alegações  das  partes,  ambas  apresentaram  suas 

testemunhas  e  no  decorrer  da  instrução  ocorreu  contradição  nos 

depoimentos. As testemunhas do Autor confirmou o vínculo no período 

sem anotação e, ainda, confirmou a prestação de serviço além da jornada 

anotada nos cartões de ponto. Já as testemunhas da empresa declararam 

que José Fulano nunca trabalhou na Construtora em data anterior àquela 

anotada em sua CTPS e que não trabalhava além do horário consignado 

em seus cartões de ponto. 

Facultado  ao  Juiz,  o  mesmo  realizou  acareação,  colocando  as 

testemunhas  frente  a  frente,  com  o  objetivo  de  esclarecer  os  pontos 

divergentes nos depoimentos prestados e que acabaram controvertidos. 

Como normalmente acontece, o Juiz do nosso caso, antes do fim da 

instrução, deu oportunidade às testemunhas de se retratarem, falando a 

verdade dos fatos que realmente presenciaram e conhecem. No entanto, 

apesar  do  nervosismo,  não  houve  retratação  de  nenhuma  das 

testemunhas das partes. Assim, as testemunhas foram alertadas de que 

deverão prestar depoimentos à Polícia Federal, que nos termos do art. 8º, 

VIII,  letra  c,  da  Constituição  Federal,  é  a  competente  para  apurar  o 

ocorrido no processo trabalhista interposto por José Fulano 

Nesta  fase  policial,  as  testemunhas  serão  novamente  ouvidas, 

podendo  ou  não  alterar  seus  depoimentos  e,  sendo  constatada  a 

disparidade entre os depoimentos, ficando claro que falsearam a verdade, 

o  juízo  trabalhista  poderá  determinar  a  expedição  de  comunicação  ao 

Ministério Público Federal para apuração da existência de crime. 

O  Ministério  Público  Federal  será  comunicado  do  ocorrido,  que 

analisará a possibilidade de determinar ou não a instalação de inquérito e 

posterior oferecimento de denúncia, a qual poderá ser ou não recebida 

pelo juiz de primeiro grau. 

. Dos riscos na hora da prolação da sentença 

A reclamação trabalhista de José Fulano ainda não teve sentença, o 

juiz determinou o aguardo da apuração dos testemunhos para prolação 

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de sua decisão, fundamentando não ter nos autos provas cabais para seu 

total convencimento. 

Na  realidade  isso não  acontece na maioria dos processos,   muitos 

juízes não chegam a esta fase de inquérito ou, sequer, aguardam o retorno 

da apuração do ocorrido para prolatar suas decisões e, caso a parte que 

se considerar prejudicada não recorra, àquele que se beneficiou do falso 

testemunho, teve um direito que não lhe cabia, reconhecido e garantido. 

Ou,  o  outro  que  teria  mesmo  a  obrigação  trabalhista,  acaba  por  se 

desincumbir da obrigação, locupletando se às custas da mão de obra do 

trabalhador sem lhe pagar o correto, o devido, pelo real período laborado. 

Muitos devem se perguntar, ISSO É JUSTIÇA?! 

Para a nossa Moça de vendas, isso é justiça sim, pois os trâmites legais 

foram seguidos, os princípios e a lei respeitados, apesar de uma celeridade 

processual absurda para prolação de decisões em processos que ocorrem 

testemunhos discrepantes e  contraditórios entre  si, e, ainda,  contra as 

demais provas produzidas nos autos. 

São  estes  os  principais  riscos  que,  os  de  boa  fé,  sofrem  quando 

precisam  apelar ou defender  seus  interesses na  Justiça do  Trabalho, o 

risco de serem vencidos por àqueles que falseiam seus depoimentos com 

o objetivo claro de distorcer a realidade, a verdade, beneficiando a parte 

que lhe indicou numa engrenagem de uma máquina de troca de favores. 

. Conclusão 

Por conclusão, destacamos que as provas tem o objetivo de formar a 

convicção do  juiz, as quais são analisadas uma a uma e em conjunto. A 

prova testemunhal, como vimos, é imprescindível ao processo trabalhista, 

sendo de suma importância a sua análise, não devendo, como vem sendo, 

ser analisada com os olhos vendados, mas com eles bem abertos e com a 

percepção aumentada e prontos a alertar qualquer disparidade e ausência 

da verdade nos depoimento das testemunhas trazidas pelas partes. 

. Referências Bibliográficas 

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BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 2016. 46a edição. ed. LTr. 

MARTINS,  Sérgio  Pinto.  Direito  Processual  do  Trabalho.  29ª  Ed. 

2015. ed. Atlas; 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual

do Trabalho. 29ª Ed. 2014. ed. Saraiva;

MARTINS, Adalberto. Manual de direito Processual do Trabalho. ed. 

São Paulo, Malheiros.

BRASIL. Código Penal. 2016. ed. Saraiva. 

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. ed. São 

Paulo, LTr. 

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A IMPORTÂNCIA DO GERENCIAMENTO DE RISCO PARA EVITAR ERRO MÉDICO

NATHÁLIA CHRISTINA CAPUTO GOMES: Advogada, bacharela em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Junior - JF, MG, pós-graduanda em Direito Público pela Rede de Ensino LFG.

RESUMO: Cada vez mais se escuta falar em demandas judiciais em virtude de erro médico, seja em decorrência de inconformismo, ausência de informação ou, de fato, uma falha médica. Independente da origem da ação judicial, inconteste o prejuízo aos médicos, clínicas, hospitais e laboratórios, seja em decorrência dos danos ao nome e imagem, ou mesmo, desgaste físico e emocional de estar litigando em juízo. Visando a prevenção, adota-se, atualmente, a medida do gerenciamento de riscos, que tende através de estudos e orientações inibir que pacientes e familiares recorram à justiça.

Palavras-chave: Erro médico. Gerenciamento de risco. Informação. Prevenção.

Sumário: Introdução; 1 – Do erro médico; 2 Do gerenciamento de risco; Conclusão; Bibliografia.

INTRODUÇÃO

Inconteste nos dias atuais o crescente número de demandas judiciais com respaldo em possível erro médico, que, não obstante possuam mais enfoque em determinadas áreas, tem adquirido espaço em praticamente todos os ramos.

O assustador acréscimo de demandas decorre, muitas vezes, da maior facilidade de acesso ao Poder Judiciário, bem como uma

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conscientização maior sobre direitos, acompanhada, algumas vezes, de certa “banalização” do pleito de indenização por danos morais.

Algumas dessas ações judiciais vêm consubstanciadas de argumentos desprovidos de fundamentação cabal apta à responsabilização médica, entretanto, em outros casos, constata-se determinados equívocos/falhas que devem ser revistos quando de uma atuação.

1 – DO ERRO MÉDICO

Primeiramente, cabe salientar que a obrigação do médico mostra-se, na maioria dos casos, como obrigação de meio, na qual se busca sanar o problema da melhor forma possível, agindo com cautela, diligência necessária, mas não se podendo acarretar ao entendimento de que teria a cura em todas as circunstâncias. Ora, a medicina mostra-se como uma ciência inexata e, como tal, razão não há para considerar o médico um garantidor universal.

A conscientização de seus direitos, acompanhada de uma maior acessibilidade ao Poder Judiciário, conjugada com a força de manifestações através de redes sociais e mídias, podem ser vistas tanto com um viés positivo, como negativo.

Destaco como negativo o fato da prematuridade, somada à ausência de provas, que o tema é divulgado, prejudicando, inúmeras vezes, a imagem do médico e, até mesmo, do hospital ao qual esteja vinculado.

Assim, vislumbra-se uma séria ofensa à honra e imagem do médico, que traz transtornos significativos, às vezes nem mesmo previstos por aqueles que os ofendem em situações de emoção e dor.

Diante da preocupação dos médicos, hospitais, clínicas e laboratórios com sua imagem frente a terceiros, busca-se solucionar de forma eficiente a demanda ou a reclamação, a fim de que não ensejem maiores danos.

Nesse sentido, vem sendo adotadas teorias e práticas a fim de que não se busque apenas a correção dos erros médicos, mas também um meio

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apto que reduza e previna tais ocorrências ou até mesmo resguarde o médico de uma possível demanda, trazendo benefícios à imagem dos médicos e institutos relacionados, bem como acarretando o exercício da profissão com menos temor de possível responsabilização.

2- DO GERENCIAMENTO DE RISCO

Uma prática que vem ganhando espaço no cenário atual de significativas demandas judiciais sob alegação de erro médico é o Gerenciamento de Risco, sendo um instrumento capaz de minimizar o descontentamento dos pacientes, que leva à propositura de um processo, através de efetivo controle dos riscos supervenientes.

Assim, busca-se não apenas evitar os erros médicos, mas tem foco tanto nos médicos e hospitais, como também nos pacientes, na melhoria dos serviços, com maior satisfação, deixando que aquele que será submetido ao tratamento médico e seus familiares estejam cientes e informados de todo o procedimento e riscos decorrentes, de forma documentada a fim de preservar direito de ambos os contratantes, médico - consequentemente hospital, clínica, laboratório -, bem como paciente e familiares.

Ora, o paciente e seus familiares quando bem informados, havendo uma pessoa determinada designada para efetuar toda a comunicação, evitando contradições de pessoas diversas conceder dados, dificilmente mostrarão tão insatisfeitos a ponto de ir ao judiciário demonstrar seu inconformismo, pois todos os riscos lhe foram descritos previamente.

Ademais, com todas as informações devidamente documentadas, o médico, caso venha figurar em um processo como réu, denunciado, investigado, terá ao seu favor provas de que tratando a medicina de ciência inexata, tomou a cautela devida, sendo comunicados todo o procedimento e os riscos que submeteriam os pacientes em determinada situação.

A orientação e o acompanhamento de um profissional na área jurídica, juntamente com a atuação médica, faz com que sejam tomadas medidas e adotadas condutas que tendem a buscar o cerne da questão que vem trazendo inconformismo para pacientes e seus familiares e, a partir daí,

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se possa agir prevenindo que novos fatos ocorram e não apenas corrigir ou defender os infortúnios pretéritos.

Pretende-se com tal medida que se chegue à origem da prática do ato médico ou de funcionários de hospitais, clínicas ou laboratórios, que possa estar acarretando ou ter acarretado a responsabilização, seja em uma prescrição errônea de medicamento, maior atenção para evitar quedas, maior informação ao paciente ou seus familiares e a partir daí, estuda-se uma meta e projeto a ser seguido, uma vez que uma simples demanda judicial, mesmo desacompanhada de fundamentação apta a condenar o médico, pode vir a trazer transtornos ao nome e imagem de si próprio e/ou à instituição a que se vincula.

CONCLUSÃO

Em decorrência do significativo aumento de demandas judiciais, o médico, as clínicas, hospitais e laboratórios devem se resguardar, inibindo que meros inconformismos possam vir a prejudicar direitos fundamentais primordiais de suas atuações, tal como nome e imagem.

Além disso, quando não decorrem de meros inconformismos, com muito mais razão ainda deve-se buscar um gerenciamento de riscos que torne possível constatar a falha, a origem, o motivo, a probabilidade de ocorrência para que se previna a nova ocorrência.

Vivenciamos a era da globalização, mídia, conscientização e busca ao poder judiciário de direitos, o que faz com que qualquer medida, qualquer informação a mais, por menor que pareça ser, pode ser a solução para que se resguarde e proteja direitos tão valiosos, como nome e imagem.

BIBLIOGRAFIA:

- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4a Edição, São Paulo; Malheiros editora, 2003.

- CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito. 4a. Edição, São Paulo; Saraiva; 2002.

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- JUNIOR, Edmilson de Almeida Barros. Direito Médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

- MEYER, Philippe. A Irresponsabilidade Médica. São Paulo, Editora Unesp, 2002.

- RAPOSO, Vera Lucia. Do ato médico ao problema jurídico. Portugal – Coimbra: Almedina, 2013.

- RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª. ed. São Paulo: Forense, 2008.

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A CONSTRUÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL SOCIAL EM SEDE DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO: O RECONHECIMENTO DA FUNDAMENTALIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo:  Em  ressonância  com  o  preceito  de  necessidades  humanas 

básicas,  na  perspectiva  das  presentes  e  futuras  gerações,  é  colocada, 

como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de 

qualidade e segurança social, sem o qual o preceito de dignidade humana 

restaria  violentado  em  seu  núcleo  essencial.  A  seara  de  proteção  do 

direito  à  vida,  quando  confrontado  com  o  quadro  de  riscos  sociais 

contemporâneos,  para  atender  o  padrão  de  dignidade  alçado 

constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no 

seu  quadrante  normativo,  sobretudo  no  que  toca  à  superação  dos 

argumentos e obstáculos erigidos pela Administração Pública no que se 

relaciona à reserva do possível para sua  implementação.  Insta salientar, 

ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e 

irrestrito exercício da dignidade humana,  conquanto esta não  se  limite 

àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de 

natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da 

existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível 

que  subsista  a  promoção  dos  direitos  sociais  para  identificação  dos 

patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover 

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o  reconhecimento de um direito‐garantia do mínimo existencial  social. 

Para tanto, o presente busca estabelecer uma análise sobre tal locução em 

sede de Direito Previdenciário, à luz do entendimento do STF. 

Palavras‐chaves:  Direitos  Fundamentais  Sociais.    Previdência  Social. 

Mínimo Existencial Social. Dignidade da Pessoa Humana. 

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de 

Mutabilidade da Ciência  Jurídica; 2 A construção  filosófica do vocábulo 

“dignidade”  e  suas  implicações  no  alargamento  dos  direitos 

fundamentais;  3  A  Construção  do  Mínimo  Existencial  Social:  O 

reconhecimento dos Direitos Sociais como indissociáveis da Dignidade da 

Pessoa  Humana;  4  O  Direito  Fundamental  à  Previdência  Social:  Uma 

análise  à  luz  do  Entendimento  Jurisprudencial  do  Supremo  Tribunal 

Federal. 

  Comentários  Introdutórios:  Ponderações  ao  Característico  de 

Mutabilidade da Ciência Jurídica

Em  sede  de  comentários  inaugurais,  ao  se  dispensar  uma 

análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar 

que  a  Ciência  Jurídica,  enquanto  conjunto  plural  e  multifacetado  de 

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que 

a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares 

característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. 

Neste  diapasão,  trazendo  a  lume  os  aspectos  de  mutabilidade  que 

passaram a orientar o Direito, tornou‐se imperioso salientar, com ênfase, 

que não mais  subsiste uma  visão  arrimada  em preceitos  estagnados  e 

estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram 

a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere‐

se  que  não  mais  prospera  a  ótica  de  imutabilidade  que  outrora 

sedimentava a aplicação das  leis, sendo, em decorrência dos anseios da 

população,  suplantados  em  uma  nova  sistemática.  É  verificável,  desta 

sorte,  que  os  valores  adotados  pela  coletividade,  tal  como  os 

proeminentes  cenários  apresentados  com  a  evolução  da  sociedade, 

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passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação 

das normas. 

Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de 

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi 

jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e 

cristalina a  relação de  interdependência que esse binômio mantém”[1]. 

Deste  modo,  com  clareza  solar,  denota‐se  que  há  uma  interação 

consolidada na mútua dependência,  já que o primeiro  tem suas balizas 

fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de 

que  seus  Diplomas  Legislativos  e  institutos  não  fiquem  inquinados  de 

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A 

segunda,  por  sua  vez,  apresenta  estrutural  dependência  das  regras 

consolidadas  pelo Ordenamento  Pátrio,  cujo  escopo  fundamental  está 

assentado  em  assegurar  que  inexista  a  difusão  da  prática  da  vingança 

privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas 

eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de 

Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se 

robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. 

Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é 

possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República 

Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá‐la como maciço 

axioma  de  sustentação  do  Ordenamento  Brasileiro,  primacialmente 

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos 

complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade 

contemporânea.  Ao  lado  disso,  há  que  se  citar  o  voto magistral  voto 

proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento 

de  Preceito  Fundamental  Nº.  46/DF,  “o  direito  é  um  organismo  vivo, 

peculiar  porém  porque  não  envelhece,  nem  permanece  jovem,  pois  é 

contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, 

o seu fascínio, a sua beleza”[ ].Como bem pontuado, o fascínio da Ciência 

Jurídica  jaz  justamente na constante e  imprescindível mutabilidade que 

apresenta,  decorrente  do  dinamismo  que  reverbera  na  sociedade  e 

orienta a aplicação dos Diplomas Legais. 

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Ainda  nesta  senda  de  exame,  pode‐se  evidenciar  que  a 

concepção pós‐positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via 

de  consequência,  uma  rotunda  independência  dos  estudiosos  e 

profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de 

Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução 

acerca  do  valor  atribuído  aos  princípios  em  face  da  legislação”[3]. 

Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere‐se que 

o ponto central da corrente pós‐positivista cinge‐se à valoração da robusta 

tábua  principiológica  que  Direito  e,  por  conseguinte,  o  arcabouço 

normativo  passando  a  figurar,  nesta  tela,  como  normas  de  cunho 

vinculante,  flâmulas  hasteadas  a  serem  adotadas  na  aplicação  e 

interpretação do conteúdo das leis. 

 A construção filosófica do vocábulo “dignidade” e suas implicações 

no alargamento dos direitos fundamentais 

É perceptível que a edificação de um Estado Democrático de Direito, na contemporaneidade, guarda umbilical relação, no cenário nacional, com o ideário da dignidade da pessoa humana, sobremaneira devido à proeminência concedida ao tema na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ao lado disso, não se pode perder de vista que, em decorrência da sorte de horrores perpetrados durante a Segunda Grande Guerra Mundial, os ideários kantianos foram rotundamente rememorados, passando a serem detentores de vultosos contornos, vez que, de maneira realista, foi possível observar as consequências abjetas provenientes da utilização do ser humano como instrumento de realização de interesses. A fim de repelir as ações externadas durante o desenrolar do conflito supramencionado, o baldrame da dignidade da pessoa humana foi maciçamente hasteado, passando a tremular como flâmula orientadora da atuação humana, restando positivado em volumosa parcela das Constituições promulgadas no pós-guerra, mormente as do Ocidente. “O respeito à dignidade humana de cada pessoa proíbe o Estado e dispor de qualquer indivíduo apenas como meio para outro fim, mesmo se for para salvar a vida de muitas outras pessoas”[4]. É perceptível que a moldura que enquadra a construção da dignidade da pessoa

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humana, na condição de produto da indignação dos humilhados e violados por períodos de intensos conflitos bélicos, expressa um conceito fundamental responsável por fortalecer a construção dos direitos humanos, tal como de instrumentos que ambicionem evitar que se repitam atos atentatórios contra a dignidade de outros indivíduos.

Por óbvio, a República Federativa do Brasil, ao estruturar a Constituição Cidadã de 1988 concedeu, expressamente, relevo ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe “dos princípios fundamentais”, positivado no inciso III do artigo 1º. Há que se destacar, ainda, que o aludido preceito passou a gozar de status de pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, toando como fundamento para todos os demais direitos. Nesta trilha, também, há que se enfatizar que o Estado é responsável pelo desenvolvimento da convivência humana em uma sociedade norteada por caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos, no qual a população reste devidamente representada, de maneira adequada, participando e influenciando de modo ativo na estruturação social e política. Ademais, é permitida, inda, a convivência de pensamentos opostos e conflitantes, sendo possível sua expressão de modo público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo resistência por parte do Ente Estatal.

Nesse ponto, verifica-se que a principal incumbência do Estado Democrático de Direito, em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas que visem a eliminação das disparidades sociais e os desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um sistema pautado na democratização daqueles que detém o poder. Ademais, não se pode olvidar que “não é permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa humana”[5], tal ideário decorre da proeminência que torna o preceito em comento em patamar intocável e, se porventura houver conflito com outro valor constitucional, aquele há sempre que prevalecer. Frise-se que a dignidade da pessoa humana, em razão

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da promulgação da Carta de 1988, passou a se apresentar como fundamento da República, sendo que todos os sustentáculos descansam sobre o compromisso de potencializar a dignidade da pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante, como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, faz-se proeminente, sob pena de não haver razão para a existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida colocar em saliência que a Constituição de 1988 consagrou a vida humana como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de inviolabilidade.

É evidenciável que princípio da dignidade da pessoa humana não é visto como um direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico, mas sim um atributo inerente a todo ser humano, destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos alocados sob a epígrafe “fundamentais”, que se encontram agasalhados no artigo 5º da CF/88. Ao perfilhar-se à umbilical relação nutrida entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, podem-se tanger dois aspectos primordiais. O primeiro se apresenta como uma ação negativa, ou passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa, está atrelada ao “sentido de promover ações concretas que, além de evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a todos”[6].

Comparato alça a dignidade da pessoa humana a um valor supremo, eis que “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerando em sua dignidade substância da pessoa” [7], sendo que as especificações individuais e grupais são sempre secundárias. A própria estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do Estado, conforme as ponderações aventadas, só se justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade da pessoa humana, dispensando esforços para concretizarem tal dogma. Mister faz-se

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pontuar que o ser humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que, preexistem à sua valoração, os descobre e passa a dispensar proteção, variando em decorrência do contexto e da evolução histórico-social e moral que condiciona o gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário em comento é a síntese substantiva que oferta sentido axiológico à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determinando, conseguintemente, os parâmetros hermenêuticos de compreensão. A densidade jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana, no sistema constitucional adotado, há de ser, deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um corolário supremo no trono da hierarquia das normas.

A interpretação conferida pelo corolário em comento não é para ser 

procedida à margem da realidade. Ao reverso, alcançar a integralidade da 

ambição contida no bojo da dignidade da pessoa humana é elemento da 

norma,  de  modo  que  interpretações  corretas  são  incompatíveis  com 

teorização  alimentada  em  idealismo  que  não  as  conforme  como 

fundamento.  Atentando‐se  para  o  princípio  supramencionado  como 

estandarte, o intérprete deverá observar para o objeto de compreensão 

como realidade em cujo contexto a interpretação se encontra inserta. Ao 

lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para assegurar a unidade 

material  da  Constituição  senão  o  corolário  em  testilha.  Assim,  ao  se 

considerar os valores e ideários por ele abarcados, não é possível perder 

de vista que as normas, na visão garantística consagrada no ordenamento 

jurídico nacional, reclamam uma  interpretação em conformidade com o 

preceito analisado até o momento.

Diante  de  tal  cenário,  os  valores  de  igualdade,  fraternidade  e 

solidariedade recebem especial relevância em tempos contemporâneos e 

clamam, assim, por posicionamentos que busquem promover a inclusão 

por parte dos poderes  constituídos em prol da busca do bem  comum. 

Pozzoli[8] afirma que uma nova sociedade, fundada em valores fraternos, 

teria  o  amor  como  princípio  dinâmico  social.  Assim,  a  sociedade  é 

composta por pessoas humanas e tem como fim precípuo o bem comum 

coletivo, não significando apenas o bem  individual, mas sim o empenho 

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de cada um na realização da vida social dos demais das outras pessoas. O 

bem comum de um ser humano está calcado na realização do bem comum 

do outro ser humano. Repousa em tal ideário o verdadeiro sentido do bem 

comum de uma humanidade. 

Ainda  em  relação  à  proeminência  da  dignidade  da  pessoa 

humana,  inclusive  no  que  tange  ao  alargamento  dos  direitos 

fundamentais,  consoante  a  dicção  de  Rocha,  o  perfil  do  Estado  Social 

repousa no fato de ser um Estado intervencionista em duplo aspecto: por 

um lado, intervém na ordem econômica, seja direcionando e planejando 

o desenvolvimento econômico, seja promovendo inversões nos ramos da 

economia considerados estratégicos; por outro turno, intervém no âmbito 

social, no qual dispensa prestações de bens e  serviços e  realiza outras 

atividades  visando  à  elevação  do  nível  de  vidas  das  populações 

consideradas mais carentes. Nesta esteira de dicção, “o desenvolvimento 

humano a ser perseguido pelos Estados nacionais liga‐se, intimamente, na 

qualidade de vida do seu povo e a fome, de modo particular, mostra‐se 

como uma forma de afastar o  indivíduo da participação nos destinos da 

democracia de um Estado”[9].  

 A Construção do Mínimo Existencial Social: O reconhecimento dos 

Direitos Sociais como indissociáveis da Dignidade da Pessoa Humana 

Em  ressonância  com  o  preceito  de  necessidades  humanas 

básicas,  na  perspectiva  das  presentes  e  futuras  gerações,  é  colocada, 

como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de 

qualidade e segurança social, sem o qual o preceito de dignidade humana 

restaria  violentado  em  seu  núcleo  essencial.  A  seara  de  proteção  do 

direito  à  vida,  quando  confrontado  com  o  quadro  de  riscos  sociais 

contemporâneos,  para  atender  o  padrão  de  dignidade  alçado 

constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no 

seu  quadrante  normativo,  sobretudo  no  que  toca  à  superação  dos 

argumentos e obstáculos erigidos pela Administração Pública no que se 

relaciona à reserva do possível para sua  implementação.  Insta salientar, 

ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e 

irrestrito exercício da dignidade humana,  conquanto esta não  se  limite 

àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de 

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natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da 

existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível 

que  subsista  a  promoção  dos  direitos  sociais  para  identificação  dos 

patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover 

o reconhecimento de um direito‐garantia do mínimo existencial social. 

A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da 

dignidade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida, 

em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser 

limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente 

natural  ou  biológica,  ao  reverso,  exige  concepção mais  ampla,  eis  que 

almeja  justamente  a  realização  da  vida  em  patamares  dignos, 

considerando, nesse viés, a incorporação da qualidade social como novo 

conteúdo  alcançado  por  seu  âmbito  de  proteção.  Arrimado  em  tais 

corolários, o  conteúdo do mínimo existencial não pode  ser  confundido 

com  o  denominado  “mínimo  vital”  ou  mesmo  com  o  “mínimo  de 

sobrevivência”,  na  proporção  em  que  este  último  tem  seu  sentido 

atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender 

as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, 

de uma vida dotada de certa qualidade. 

Nesta  senda  de  exposição,  ainda,  o  conteúdo  normativo 

ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz 

das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, 

inclusive numa perspectiva evolutiva e cumulativa. Destarte, é natural que 

novos elementos, decorrentes das relações sociais contemporâneas e das 

novas  necessidades  existenciais  apresentadas,  sejam,  de  maneira 

paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está 

assentado  em  salvaguardar  a  dignidade  da  pessoa  humana,  sendo 

indispensável o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o 

escopo de promover a  conformação do conteúdo do  superprincípio da 

dignidade  da  pessoa  humana,  é  imperioso  o  alargamento  do  rol  dos 

direitos  fundamentais, os quais guardam  ressonância com a concepção 

histórica  dos  direitos  humanos,  porquanto  a  tendência  é  sempre  a 

ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir 

um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma 

órbita individual como em aspectos coletivos. 

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Ademais, cuida anotar que o processo histórico‐constitucional 

de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou 

a  inserção dos direitos  sociais no  rol dos direitos  fundamentais. Nessa 

premissa, cuida reconhecer que o mínimo existencial social se desdobra 

como  uma  das  múltiplas  e  indissociáveis  órbitas  vinculadas  ao 

superprincípio da dignidade da pessoa humana, em especial no que atina 

à realização de suas potencialidades, sobremaneira no que se relaciona 

aos  direitos.  Recentemente,  o  rol  do  artigo  6º  da  Constituição  da 

República Federativa do Brasil sofreu considerável alargamento, passando 

a abarcar uma plêiade de direitos sociais como fundamentais ao indivíduo: 

“São direitos  sociais a educação, a  saúde, a alimentação, o  trabalho, a 

moradia,  o  transporte,  o  lazer,  a  segurança,  a  previdência  social,  a 

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na 

forma desta Constituição”[10]. De maneira reiterada, o Supremo Tribunal 

Federal reconhece que os direitos sociais materializam um agir positivo do 

Estado, devendo, portanto, ser adimplido em favor do cidadão. 

Ementa:  Agravo  regimental  em  recurso 

extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional. 

Educação  de  deficientes  auditivos.  Professores 

especializados em Libras. 3. Inadimplemento estatal 

de  políticas  públicas  com  previsão  constitucional. 

Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. 

Precedentes.  4.  Cláusula  da  reserva  do  possível. 

Inoponibilidade.  Núcleo  de  intangibilidade  dos 

direitos  fundamentais.  5.  Constitucionalidade  e 

convencionalidade das políticas públicas de inserção 

dos  portadores  de  necessidades  especiais  na 

sociedade. Precedentes. 6. Ausência de argumentos 

suficientes a  infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo 

regimental  a  que  se  nega  provimento.  (Supremo 

Tribunal  Federal  –  Segunda  Turma/  ARE  860.979 

AgR/ Relator: Ministro Gilmar Mendes/  Julgado em 

14 abr. 2015/ Publicado no DJe em 06 mai. 2015). 

Ementa: Recurso Extraordinário com Agravo (Lei 

nº  12.322/2010)  –  Manutenção  de  rede  de 

assistência da criança e do adolescente – Deve estatal 

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resultante da norma constitucional – Configuração, 

no caso, de  típica hipótese de omissão estatal  (RTJ 

183/818‐819)  –  Comportamento  que  transgride  a 

autoridade  da  Lei  Fundamental  da  República  (RTJ 

185/794‐796)  –  A  questão  da  reserva  do  possível. 

Reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que 

a  invocação  dessa  cláusula  puder  comprometer  o 

núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ 

200/191‐197)  –  O  papel  do  Poder  Judiciário  na 

implementação de políticas públicas instituídas pela 

Constituição e não efetivadas pelo Poder Público – A 

fórmula  da  reserva  do  possível  na  perspectiva  da 

teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua 

invocação para  legitimar o  injusto  inadimplemento 

de  deveres  estatais  de  prestação 

constitucionalmente  impostos ao Poder Público – A 

teoria da “restrição das restrições” (ou da “limitação 

das  limitações”) – Caráter cogente e vinculante das 

normas  constitucionais,  inclusiva  daquelas  de 

conteúdo programático, que veiculam diretrizes de 

políticas  públicas,  especialmente  na  área  da  saúde 

(CF, arts. 6º, 196 e 197) – A questão das “escolhas 

trágicas” – A colmatação de omissões constitucionais 

como  necessidade  institucional  fundada  em 

comportamento afirmativo dos  Juízes e Tribunais e 

de que  resulta uma positiva  criação  jurisprudencial 

do Direito – Controle jurisdicional de legitimidade da 

omissão do Poder Público: atividade de  fiscalização 

judicial  que  se  justifica  pela  necessidade  de 

observância  de  certos  parâmetros  constitucionais 

(proibição do retrocesso social, proteção ao mínimo 

existencial,  vedação  da  proteção  insuficiente  e 

proibição de excesso) – Doutrina – Precedentes do 

Supremo  Tribunal  Federal  em  tema  de 

implementação  de  políticas  públicas  delineadas  na 

Constituição  da  República  (RTJ  174/687  –  RTJ 

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175/1212‐1213  –  RTJ  199/1219‐1220)  –  Existência, 

no  caso em exame, de  relevante  interesse  social – 

Recurso  de  Agravo  Improvido.  (Supremo  Tribunal 

Federal  –  Segunda  Turma/  ARE  745.745  AgR/ 

Relator:  Ministro Celso de Mello/ Julgado em 02 dez. 

2014/ Publicado no DJe em 19 dez. 2014) 

Ementa:  Agravo  Regimental  no  Recurso 

Extraordinário.  Administrativo  e  Processual  Civil. 

Repercussão  geral  presumida.  Sistema  Público  de 

saúde  local.  Poder  Judiciário.  Determinação  de 

adoção  de  medidas  para  a  melhoria  do  sistema. 

Possibilidade. Princípios da separação dos poderes e 

da  reserva  do  possível.  Violação.  Inocorrência. 

Agravo Regimental a que se nega provimento. 1. A 

repercussão  geral  é  presumida  quando  o  recurso 

versar  questão  cuja  repercussão  já  houver  sido 

reconhecida  pelo  Tribunal,  ou  quando  impugnar 

decisão  contrária  a  súmula  ou  a  jurisprudência 

dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 

2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, 

ou não, de o Poder  Judiciário determinar ao Poder 

Executivo a adoção de providências administrativas 

visando  a melhoria  da  qualidade  da  prestação  do 

serviço de  saúde por hospital da  rede pública –  foi 

submetida  à  apreciação  do  Pleno  do  Supremo 

Tribunal  Federal  na  SL  47‐AgR,  Relator  o Ministro 

Gilmar  Mendes,  DJ  de  30.4.10.  3.  Naquele 

julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do 

“mínimo  existencial”  e  da  “reserva  do  possível”, 

decidiu  que,  em  se  tratando  de  direito  à  saúde,  a 

intervenção judicial é possível em hipóteses como a 

dos  autos,  nas  quais  o  Poder  Judiciário  não  está 

inovando  na  ordem  jurídica,  mas  apenas 

determinando  que  o  Poder  Executivo  cumpra 

políticas  públicas  previamente  estabelecidas.  4. 

Agravo  regimental  a  que  se  nega  provimento. 

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(Supremo  Tribunal  Federal  –  Primeira  Turma/  RE 

642.536 AgR/ Relator: Ministro Luiz Fux/ Julgado em 

05 fev. 2013/ Publicado no DJe em 27 fev. 2013). 

Ora,  denota‐se  que  a  implementação  do mínimo  existencial 

social  pressupõe,  com  claros  contornos,  a  estruturação  de  políticas 

públicas pelo Poder Público, sobretudo no que concerne ao núcleo duro 

que sustenta os direitos sociais, dentre o direito à educação e o direito à 

saúde recebem especial atenção. É preciso sublinhar que o dever estatal 

de  atribuir  efetividade  aos  direitos  fundamentais,  de  índole  social, 

qualifica‐se  como  expressiva  limitação  à  discricionariedade 

administrativa.  Assim  sendo,  a  intervenção  jurisdicional,  por  vezes, 

encontra justificativa pela ocorrência de arbitrária recusa governamental 

em  conferir  significação  real  ao  direito  à  educação  e  à  saúde, 

precipuamente, tornar‐se‐á plenamente legítima, sempre que se impuser, 

nesse processo de ponderação de  interesse e de valores em conflito, a 

necessidade  de  prevalência  da  decisão  política  fundamental  que  o 

legislador  constituinte  adotou  em  tema  de  respeito  e  proteção  aos 

direitos sociais. 

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais 

e culturais – além de caracterizar‐se pela gradualidade de seu processo de 

concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo 

financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal 

modo  que,  comprovada,  objetivamente,  a  alegação  de  incapacidade 

econômico‐financeira  da  pessoa  estatal,  desta  não  se  poderá 

razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a 

imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não 

se  mostrará  lícito,  contudo,  ao  Poder  Público,  em  tal  hipótese,  criar 

obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua 

atividade financeira e/ou político‐administrativa – o ilegítimo, arbitrário e 

censurável  propósito  de  fraudar,  de  frustrar  e  de  inviabilizar  o 

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de 

condições materiais mínimas de existência. 

Cumpre advertir, desse modo, que a  cláusula da  “reserva do 

possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível 

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– não pode ser  invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar‐se, 

dolosamente,  do  cumprimento  de  suas  obrigações  constitucionais, 

notadamente  quando,  dessa  conduta  governamental  negativa,  puder 

resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais 

impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Ao  lado do 

exposto,  tratando‐se  de  típico  direito  de  prestação  positiva,  que  se 

subsume  ao  conceito  de  liberdade  real  ou  concreta,  a  proteção  dos 

direitos  sociais,  de  maneira  geral,  tem  por  fundamento  regra 

constitucional cuja densidade normativa não permite que, em  torno da 

efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo 

espaço de discricionariedade que  lhe enseje maior grau de  liberdade de 

conformação, e de  cujo exercício possa  resultar, paradoxalmente,  com 

base em  simples alegação de mera  conveniência e/ou oportunidade, a 

nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. 

Vê‐se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos 

direitos  sociais  –  que  traduz  estágio  necessário  ao  processo  de  sua 

afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua 

eficácia  jurídica –, recai, sobre o Estado,  inafastável vínculo  institucional 

consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em 

ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento 

da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de 

garantias  instrumentalmente  vinculadas  à  realização,  por  parte  das 

entidades  governamentais,  da  tarefa  que  lhes  impôs  a  própria 

Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o 

reconhecimento formal de um direito, em especial a plêiade que compõe 

o mínimo existencial social. Torna‐se essencial que, para além da simples 

declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado 

e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito 

se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão 

de exigir, do Estado, a  implementação de prestações positivas  impostas 

pelo próprio ordenamento constitucional. 

 O Direito Fundamental à Previdência Social: Uma análise à luz do 

Entendimento Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal 

O direito à previdência social, na sistemática constitucional vigente, é reconhecido como integrante da extensa,

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porém imprescindível, rubrica dos direitos fundamentais, encontrando, com destaque, forte amparo no superprincípio da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, inclusive, cuida transcrever o artigo 201 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, que, sob a rubrica da ordem social, cuja base é o primado do trabalho e o objetivo se alicerça no bem-estar e na justiça social, preconiza que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. Trata-se, no primeiro contato, de direito que condensa em sua essência singular arcabouço de fundamentalidade, aludindo à cláusula impregnada pelos direitos sociais. Acerca de tal aspecto, cuida transcrever o entendimento jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal:

Ementa: Recurso Extraordinário. Direito Previdenciário. Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Revisão do ato de concessão de benefício. Decadência. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para

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o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ RE 626.489/ Relator: Ministro Roberto Barroso/ Julgado em 16 out. 2013/ Publicado no DJe em 23 set. 2014).

Em  decorrência  de  sua  fundamentalidade,  bem  como 

plasmando o reconhecimento da liberdade de constituição de famílias, a 

Suprema  Corte  Brasileira  propalou  que  ninguém  pode  ser  privado  de 

direitos nem mesmo sofrer restrições de ordem jurídica por motivo de sua 

condição sexual. Assim sendo, ao ofertar reconhecimento jurisprudencial 

às uniões homoafetivas, o Supremo Tribunal Federal afixou que àqueles 

têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema 

político‐jurídico arvorado pelo Texto Constitucional de 1988, revelando‐se 

arbitrário  e  inaceitável  qualquer  estatuto  que  traga,  em  seu  âmago, 

disposições excludentes ou discriminatórias,  fomentando a  intolerância, 

estimulando  o  desrespeito  e  estabelecendo  desigualdade  em  razão  da 

condição sexual.

Desta  feita,  a  extensão,  às  uniões  homoafetivas,  do mesmo 

regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto 

justifica‐se e encontra legitimidade pela direta incidência, dentre outros, 

dos princípios e dos corolários constitucionais da igualdade, da liberdade, 

da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito 

que consagra o direito à busca pela felicidade, os quais têm o condão de 

configurar, numa estrita dimensão que privilegia o  sentido de  inclusão 

decorrente  da  própria  Constituição  Federal  de  1988,  substancializando 

fundamentos  autônomos  e  suficientes  aptos  a  conferir  sustentação 

legitimadora à qualificação das conjugalidade entre pessoas do mesmo 

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sexo como espécie do gênero entidade  familiar. Assim sendo, salta aos 

olhos, que, em decorrência do reconhecimento do direito à previdência 

social  como  direito  fundamental  indissociável  do  primado  maior  e 

substancialmente  mais  denso  da  dignidade  da  pessoa  humana,  cuida 

reconhecer  a  assistência  de  tal  direito  como  desdobramento  lógico  e 

indiscutível do primado do direito,  igualmente,  fundamental à condição 

sexual, não se admitindo, via de consequência, tratamento desigual. 

Apresenta‐se, portanto, imprescindível invocar o postulado da 

dignidade da pessoa humana, responsável por substancializar significativo 

vetor interpretativo, verdadeiro valor‐fonte que conforma e inspira todo 

o ordenamento constitucional vigente no território nacional e que traduz, 

de  modo  expressivo,  um  dos  alicerces  em  que  se  assenta  a  ordem 

republica e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional 

positivo,  tal  como  tem  reconhecido  a  jurisprudência,  em  especial  da 

Suprema Corte Brasileira. Mais do que isso, no que toca à concreção dos 

direitos fundamentais, dentre os quais, com efeito, o direito à previdência 

social como conformador e realizador do indivíduo, cuida sublinhar que a 

força  normativa  de  que  se  acham  impregnados  os  princípios 

constitucionais  e  a  intervenção  decisiva  substancializada  pelo 

fortalecimento  da  jurisdição  constitucional  exprimem  aspectos  de  alto 

relevo que contornam e destacam alguns dos elementos que compõem o 

marco teórico que confere suporte doutrinário ao neoconstitucionalismo, 

em  ordem  a  permitir,  em  uma  perspectiva  de  implementação 

concretizadora, a plena  realização, em sua dimensão global, do próprio 

texto normativo da Constituição e a plêiade de direitos salvaguardados. 

REFERÊNCIAS: 

BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil. breves reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, a. VII, n. 08, p. 229-267, jun. 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 15 mai. 2016.

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___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 15 mai. 2016.

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NOTAS:

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 751 de 05/12/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 15 mai. 2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 15 mai. 2016.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa.São Paulo: UNESP, 2012, p. 09.

[5] RENON, Maria Cristina. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com a convivência familiar e o direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 15 mai. 2016, p. 19.

[6] BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da dignidade da pessoa humana e o novo Direito Civil. breves reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, a. VII, n. 08, p. 229-267, jun. 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 15 mai. 2016, p. 236.

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        129 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57154 

Boletim Conteúdo Jurídico n. 751 de 05/12/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

[7] COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos. In: DINIZ, José Janguiê Bezerra (coord.). Direito Constitucional. Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 76.

[8] POZZOLI, Lafayette. Cultura dos direitos humanos. In:Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal. a. 40. n. 159, jul.-set. 2003, p. 109.

[9] MEDEIROS, Robson A. de; SILVA, Eduardo P.; ARAÚJO, Jailton M. de. A (in) segurança alimentar e nutricional no Brasil e o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/primafacie/article/viewFile/4351/3283>. Acesso em 15 mai. 2015, p. 32.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 mai. 2016.

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HUGO LEONARDO MENDES BATALHA

O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA

DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS

FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA

SOROCABA

2016

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HUGO LEONARDO MENDES BATALHA

O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA

DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito de Sorocaba para aprovação no Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil

Orientador: Prof. Gilberto Carlos Maistro Júnior

FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA

SOROCABA

2016

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HUGO LEONARDO MENDES BATALHA

O CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A DEFESA

DA POSSE DE IMÓVEIS PÚBLICOS

PROFESSOR ORIENTADOR: GILBERTO CARLOS MAISTRO JÚNIOR

MONOGRAFIA PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM DIREITO

PROCESSUAL CIVIL

Nota e considerações:

SOROCABA ____/____/________

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Batalha, Hugo Leonardo Mendes

O controle jurisdicional da Administração Pública e a defesa da posse de

imóveis públicos

Batalha, Hugo Leonardo Mendes, 2016.

57 p

Trabalho de conclusão do curso de especialização em Direito Processual Civil

Orientador: Gilberto Carlos Maistro Júnior

(Direito Processual Civil – Posse e ações possessórias - controle jurisdicional

da Administração Pública - Inafastabilidade da jurisdição – Parecer AJG

193/2016 da PGE/SP

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Dedico este trabalho a minha filha Alice Städler Batalha, nascida dia 10 de março de 2015, poucos dias após o início do curso de especialização e à minha esposa Beatriz Städler Casali Batalha, anjos em minha vida.

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Agradeço as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui e cumprir esse desafio, em especial à minha esposa pelo seu incentivo e ao meu orientador pela generosidade em compartilhar o conhecimento.

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A voz do conformismo, não obstante sua força alienante, tem limites na própria realidade que busca conservar. (José Damião de Lima Trindade)

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SUMÁRIO

RESUMO _________________________________________________________________ 7

ABSTRACT _______________________________________________________________ 8

INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 9

1. DA POSSE ______________________________________________________ 11

1.1. Conceitos de posse ________________________________________________ 11

1.2. Teoria subjetiva __________________________________________________ 12

1.3. Teoria objetiva ___________________________________________________ 13

1.4. Teoria da função social da posse _____________________________________ 14

1.5. Classificações da posse ____________________________________________ 14

1.6. Da posse de imóveis públicos _______________________________________ 16

1.7. A propriedade e a posse na Constituição Federal de 1988 __________________ 18

1.8. Da defesa da posse ________________________________________________ 20

2. PARECER AJG 193/2016 __________________________________________ 23

2.1. Aspectos jurídicos ________________________________________________ 23

2.2. Contexto histórico e jurídico do parecer AJG 193/2016 ___________________ 24

3. O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ____________ 28

3.1. Origem histórica da separação dos poderes _____________________________ 28

3.2. A separação dos Poderes como fundamento do estado de direito ____________ 29

3.3. O sistema de freios e contrapesos ____________________________________ 30

3.4. Evolução do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário _______ 32

4. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL __________________ 35

4.1. Conceito de direito administrativo ____________________________________ 35

4.2. Ato administrativo ________________________________________________ 36

4.3. Autoexecutoriedade/executoriedade do ato administrativo _________________ 37

4.4. Do princípio da legalidade estrita_____________________________________ 38

5. DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL ___________ 40

5.1. Origem histórica __________________________________________________ 40

5.2. Breve histórico das tutelas provisórias _________________________________ 41

5.3. Da vedação legal de tutelas provisórias contra o Poder Público _____________ 43

5.4. Liminares em interditos possessórios __________________________________ 45

CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 48

REFERÊNCIAS ___________________________________________________________ 50

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RESUMO

O presente trabalho destina-se a examinar a tutela da posse de bens públicos imóveis à luz do parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo AJG 193/2016 aprovado pela Secretária de Estado de Justiça de São Paulo que autoriza a reintegração de posse em imóveis públicos por meio de força própria, a manu militari, independentemente do tempo do esbulho ou da turbação da posse, bem como as implicações a preceitos constitucionais de direito processual como o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o controle jurisdicional da administração pública. É apresentada uma visão panorâmica do controle externo da Administração Pública pelo judiciário embasado na construção histórica da tripartição das principais funções do estado por meio de poderes organicamente constituídos, estruturada em um sistema de freios e contrapesos e interdependência entre si. Por fim conclui-se pela impossibilidade de um ato administrativo afastar o controle externo da administração pública pelo Poder Judiciário, sob pena de constituir um atentado contra a separação dos poderes, uma ruptura no sistema de freios e contrapesos e uma violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, que constitui a gênese do estado de direito. Palavras-chave: tutela da posse, imóveis públicos, controle jurisdicional da administração pública, autoexecutoriedade, inafastabilidade da jurisdição, parecer AJG 193/2016.

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ABSTRACT

The present study aims to examine the ownership from public property according the opinion of the Attorney General of the State of São Paulo AJG 193/2016, approved by Secretary of State for Justice from state of São Paulo, which authorizes the reinstatement of possession from public property by own strength, manu military, independently the time from divestment or event of trespass, and also about the implications of the constitutional precepts of procedural law such as the non-obviation of jurisdiction and the jurisdictional control of public administration. It is presented an overview of external control of Public Administration by the judiciary based on the historical construction of three-way split of the main functions of the State by powers organically composed, structured on a system of checks and balances and interdependence among the three powers. Finally, it is concluded that it is impossible to make an administrative act move external control of public administration by the Judiciary, under penalty of constitute an assault against the division of powers, a rupture in the system of checks and balances, and a violation of the principle of non-obviation of jurisdiction, which is the genesis of the rule of law.

Keywords: possession potection, real estate, jurisdictional control of public administration, self enforceability, non-obviation of jurisdiction, assent AJG 193/2016.

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INTRODUÇÃO

O Brasil vive um momento histórico de grande efervescência política e ao mesmo

tempo descrédito em relação às instituições públicas, com repulsa ao sistema político

representativo, identificado esse sintoma pelas numerosas manifestações a favor da cassação

do mandato da presidente da República e pelo crescimento vertiginoso de abstenções e votos

inválidos (brancos e nulos) nas eleições de 2016. Somente na capital paulista as abstenções

somadas aos votos inválidos (nulos e brancos) atingiu a incrível marca de 3.096.304 (três

milhões noventa e seis mil e trezentos e quatro votos) que representa 38,48% dos eleitores,

mais do que os votos que o candidato eleito recebeu.1

A partir de junho de 2013 movimentos populares da juventude tomaram as ruas de

todo o país e iniciaram um profundo debate sobre os limites da democracia e da liberdade de

manifestação, revelando resquícios de um regime antidemocrático que governou o país por

mais de duas décadas.

O mundo do direito não ficou alheio a toda essa movimentação, de modo que os

limites das manifestações populares foram objeto de intensa discussão no meio jurídico nesse

último período, notadamente no tocante aos protestos realizados por meio de ocupação de

prédios públicos, objeto de ações judiciais de reintegração de posse e interditos proibitórios

julgados pelo Tribunal de Justiça do estado de São Paulo.

Após sucessivas derrotas pela via judicial, o então Secretário de Estado de Justiça de

São Paulo solicitou e aprovou o parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo AJG

193/2016 autorizando a reintegração de posse em imóveis públicos por meio de força própria,

a manu militari, independentemente do tempo do esbulho ou da turbação, prescindido de

ordem judicial.

1 No último domingo (2), 1.155.850 eleitores da capital paulista, 16,6% dos que foram votar, estiveram diante da urna eletrônica, mas não optaram por nenhum dos 11 candidatos à prefeitura. O número representa aumento de 30% em relação a 2012, que teve 12,8% de brancos e nulos e é o mais alto desde a redemocratização. É um contingente maior que a votação do segundo colocado na eleição, o prefeito Fernando Haddad, do PT, que recebeu 967.160 votos -João Doria (PSDB) foi eleito com mais de 3 milhões de votos. O exemplo de São Paulo se repetiu em outras capitais (ver quadro ao lado) e, segundo especialistas, é sintoma do descontentamento do eleitor com a classe política. Para o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a combinação de duas crises resultou no alto número de votos inválidos. "Nem os políticos nem os partidos deram respostas aos cidadãos sobre a crise da corrupção e nem sobre a crise do estado que não funciona", diz Fornazieri. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819619-percentual-de-votos-nulos-brancos-e-abstencoes-aumenta-e-desperta-debate.shtml acesso em 13/10/2016

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O presente trabalho visa desvendar os aspectos jurídicos do conceito de posse,

investigar os diversos conceitos de posse fornecidos pelo direito material, adotando como

marco teórico a teoria objetiva da posse cujo conceito foi originalmente dado por Rudolf von

Ihering.

O trabalho também aborda o tratamento constitucional dado à propriedade e à posse, e

discute a possibilidade ou não de existir posse de bens públicos por particulares ou se apenas

constitui mera detenção.

É feita a análise do parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São

Paulo abordando os fundamentos jurídicos que embasam a dispensa da tutela jurisdicional

para promoção de reintegração de posse em imóveis públicos, assim como o histórico que

antecedeu a confecção e aprovação do referido parecer e suas consequências ao estado de

direito.

São estudados os atributos dos atos administrativos, notadamente a autoexecutoriedade

e as limitações constitucionais à Administração Pública bem como sua submissão ao controle

jurisdicional no estado democrático de direito. Foi adotado como marco teórico o conceito de

Justen Filho sobre a autoexecutoriedade dos atos administrativos, que exige a conjugação de

dois princípios constitucionais: estrita legalidade e proporcionalidade.

É apresentada uma visão panorâmica do controle externo da Administração Pública

pelo judiciário embasado na construção da tripartição das principais funções do estado por

meio de poderes organicamente estruturados de forma autônoma num sistema de freios e

contrapesos com interdependência entre si.

Por fim, aborda-se a possibilidade de um ato administrativo afastar o controle externo

da administração pública pelo Poder Judiciário e as implicações em relação ao princípio da

separação dos poderes, ao sistema de freios e contrapesos e ao princípio da inafastabilidade da

jurisdição, fundamentos de qualquer estado de direito.

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1. DA POSSE

1.1. Conceitos de posse

Para o estudo do tema proposto é fundamental o domínio de conceitos do direito

material, sendo a posse o mais elementar dos institutos para o desenvolvimento do presente

trabalho. Quando se fala em posse dois elementos são indispensáveis conhecer: o corpus e o

animus. O corpus pode ser entendido como a relação material do ser humano com a coisa,

realçando a função econômica ou de poder sobre a coisa. O animus é o elemento subjetivo, é a

intenção de se apropriar da coisa como se fosse o proprietário dela.

A posse pode ser fundada no direito de propriedade, sendo chamado de ius possidendi

(direito de possuir). Nesse caso, a posse é o objeto de um direito real, fundada em uma

situação jurídica preexistente. A posse fundada em si mesma é chamada de ius possessionis

(direito a posse), situação em que o possuidor não é necessariamente o titular do domínio, mas

mesmo assim exerce a posse.

A posse é tida como aparência do direito de propriedade, um estado de fato que revela

o poder exercido sobre uma coisa sem que o titular seja necessariamente proprietário do bem,

ou seja, há uma separação do direito de propriedade. Ocorre que, nem todo poder exercido

sobre uma coisa constituirá posse: existem situações em que será considerada mera detenção.

É altamente relevante para o presente trabalho diferenciar a posse da mera detenção,

eis que somente a primeira é protegida pelo direito. É o que explica Marcus Vinicius Rios

Gonçalves:

O possuidor pode se valer dos interditos possessórios, usucapir, fazer seus os frutos colhidos enquanto estiver de boa-fé, e haver indenização por benfeitorias, na forma da lei civil. O detentor não recebe a mesma proteção. Daí a necessidade de que fiquem aclarados os lindes que distinguem os institutos.2

Um desafio antigo é delimitar quais os elementos necessários para verificar a

existência da posse. Existem três grandes teorias para explicar os elementos da posse:

(i) teoria subjetiva de Friedrich Carl Von Savigny;

(ii) teoria objetiva de Rudolf von Ihering;

(iii) teoria social da posse de Raymond Saleilles.

2 Novo curso de direito processual civil, volume 2. Processo de conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p 187.

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1.2. Teoria subjetiva

A teoria desenvolvida por Friedrich Carl Von Savigny entende ser indispensável a

conjugação dos elementos corpus e animus para configuração da posse, sob pena deste fato

ser classificado como mera detenção, hipótese que não possibilita o uso dos interditos

possessórios. O autor Flávio Tartuce explica o conceito de posse proposto por Savigny:

Para a teoria subjetivista ou subjetiva, cujo principal defensor foi Savigny, a posse poderia ser conceituada como o poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. 3

A teoria subjetiva entende que para a existência da posse são imprescindíveis dois

elementos: (i) elemento material, poder físico ou disponibilidade da coisa; (ii) elemento

subjetivo, que consiste na intenção de ter para si a coisa, comportamento de dono.

Para a teoria subjetiva da posse é indispensável a existência do animus rem sibi

habendi, ou seja, o ânimo de ter a coisa como sua, sob pena de configurar mera detenção.

Nesse sentido explica Fábio Ulhoa Coelho:

A teoria subjetiva, portanto, diferencia a simples detenção da posse, a partir da qualidade da vontade do detentor. Se o detentor quer exercer o direito de propriedade alheio ao deter a coisa, trata-se de simples detenção, que não é fundamento de nenhum direito; se o detentor, ao contrário, quer exercer o seu próprio direito de propriedade ao deter a coisa. Trata-se de posse, fundamento de certos direitos. Nesse último caso, o animus possidendi nada mais é que o animus domini.4

Assim, pela teoria subjetiva da posse, o locatário e comodatário, por exemplo, não são

possuidores, seriam meros detentores de coisa alheia, e, assim sendo, não teriam ao seu

alcance interditos possessórios. O Código Civil de 2002 não adotou essa teoria, haja vista que

considera o locatário e o comodatário como possuidores. No entanto, quando se trata da posse

para fins de usucapião para a caracterização da posse ad usucapionem o Código Civil adota a

teoria subjetiva da posse, pois importa ao possuidor provar o animus rem sibi habendi, ou

seja, o elemento subjetivo consistente na vontade de possuir a coisa para si como se dono

fosse.

3 A função social da posse e da propriedade e o direito civil constitucional, Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 900, 20 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7719. Acesso em: 29/06/2016. 4 Dos elementos da posse no direito comparado. São Paulo: Revista Justitia. jul. 1984. Disponível em: http://www.revistajustitia.com.br/revistas/30dc99.pdf. Acesso em 01 de julho de 2016.

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1.3. Teoria objetiva

Pela teoria objetiva desenvolvida por Rudolf von Ihering, para que se constitua posse

basta a presença do elemento objetivo corpus, sendo prescindível o elemento subjetivo. Essa

teoria, também chamada de teoria simplificada da posse, Ihering ataca frontalmente a teoria

subjetiva que é derivada do Direito Romano:

Para que haja posse, diz ela, é preciso que na pessoa do possuidor exista a mesma vontade que na do proprietário (animus domini). Essa vontade existe no proprietário real e também no putativo e no pretenso proprietário, isto é, naquele que, depreciando a propriedade, apoderou-se da coisa alheia, tal como o ladrão, o bandido e, com relação a imóveis, o dejiciens. 5

Rudolf von IIhering6 explora a incoerência da teoria subjetiva da posse ao negar a

existência de posse ao colono ou locatário e ao mesmo tempo reconhecer sua existência ao

possuidor injusto. A defesa da posse se reveste como um instrumento de defesa da

propriedade e da exploração econômica do bem, é o que afirma Ihering:

Partindo-se da definição de que "os direitos são os interesses juridicamente protegidos", não pode haver a menor dúvida de que é necessário reconhecer o caráter de direito à posse. Expusemos anteriormente o interesse que implica a posse: ela constitui a condição da utilização econômica da coisa. 7

Joel Dias Figueira Júnior explica que Ihering critica frontalmente a teoria proposta por

Savigny:

Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor. A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário. 8

A legislação brasileira adota a teoria objetiva da posse, conforme redação do artigo

485 do Código Civil de 1916 , ora revogado, em que considera possuidor “todo aquele que

tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou

propriedade”. Da mesma forma o Código Civil de 2002 contempla disposição idêntica no

artigo 1.116, não deixando qualquer dúvida da prescindibilidade do elemento subjetivo para

configuração da posse.

5 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 20. 6 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 23. 7 Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004, p. 32. 8 Novo Código Civil Comentado. Coordenador Ricardo Fiúza. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1095.

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1.4. Teoria da função social da posse

Por fim, mas não menos importante, têm-se a teoria da função social da posse ou

teoria sociológica da posse, cujo maior expoente é o francês Raymond Saleilles. Esta teoria

surgiu de princípios consagrados na teoria objetiva, incorporando o objetivo social e

econômico à posse. Raymond Saleilles, tal como Ihering, afirma que a posse prescinde de

animus domini, ou seja, é dispensável o elemento subjetivo proposto por Savigny, entretanto,

Saleilles vai mais adiante, incorpora ao conceito de posse a destinação econômica ou social do

bem.

A teoria da função social da posse traz um elemento novo ao conceito de posse: o

aspecto socioeconômico. A posse não é uma abstração, deve ser considerada um produto

social, é o que explica Ana Rita Vieira Albuquerque: “a posse não é só o fato presente, ou um

simples ato externo, que possa prescindir dos atos anteriores que a caracterizam, e da

complexidade das relações sociais, já que o direito, em suas origens, é um produto do estado

social e não uma abstração lógica”. 9

Raymond Saleilles rompe com a concepção estritamente individual da posse,

concebendo a posse dentro do contexto das relações sociais e econômicas. A teoria proposta

por Saleilles incorpora à posse o conceito de função social de institutos jurídicos trazidos

pelas Constituições mexicana (1917), russa (1918) e de Weimar (1919).

Para Raymond Saleilles a posse só é legitima se não constituir um obstáculo ao

desenvolvimento econômico e social da coletividade, essa teoria introduz a função social e

econômica no conceito de posse.

O Código Civil de 2002 traz de forma implícita a função social da posse nos artigos

1.238, parágrafo único;1.242, parágrafo único e 1.228, §§ 4º e 5º, mas, ao menos na esfera

normativa, a função social e econômica não constitui elemento para a caracterização da posse.

1.5. Classificações da posse

Há várias classificações para a posse e o estudo dos interditos possessórios importa

saber se posse é justa ou injusta, eis que as ações possessórias somente tutelam a posse justa.

Lafayette Rodrigues Pereira conceitua “posse justa em sentido lato é aquela cuja

aquisição não repugna ao Direito. Do caso contrário a posse se diz injusta. Em sentido restrito

posse justa significa a que é isenta de alguns dos três vícios seguintes: violência,

9 Da função social da posse e sua consequência frente à situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p 125.

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clandestinidade ou precariedade”10. O conceito de posse justa fornecido por Lafayette está

previsto expressamente no Código Civil de 2002: “Art. 1.200. É justa a posse que não for

violenta, clandestina ou precária”. Ocorre que o artigo 1.200 do Código Civil de 2002 não

estanca as possibilidades de posse injusta como aponta Gonçalves:

Esse rol não esgota as hipóteses em que a posse é injusta. Há casos de esbulho em que não se consegue classificar o vício entre os do art. 1.200. Imagine-se que alguém invada terreno alheio sem emprego de força ou grave ameaça, e sem ocultar-se. Não se enquadra essa situação entre aqueles mencionadas no art. 1.200. No entanto, é inegável que essa posse é injusta, porque por meios ilegítimos. Melhor seria que a lei brasileira tivesse se inspirado na alemã, que não enumerou os vícios da posse. Dispõe o § 858 do BGB: “quem, sem a vontade do possuidor, privá-lo da sua posse ou perturbá-lo na sua posse, procederá sempre que a lei não permitir privação ou perturbação, antijuridicamente (força proibida). A posse obtida por força própria proibida e viciosa. 11

A posse é considerada injusta quando exercida mediante violência, de forma

clandestina e com precariedade.

O texto legal não traz nenhuma distinção entre violência física ou moral, mas

Humberto Teodoro Junior entende ser “mais plausível a tese daqueles que equiparam, na

espécie, a violência física à violência mora, pois tanto se deve repelir a posse obtida com

emprego de força material como de força psicológica.”12

A posse clandestina “é a que se adquire a ocultas. O possuidor a obtém usando de

artifícios para iludir o que tem a posse, ou agindo às escondidas.”13 A posse não clandestina é

a posse que não é oculta, de conhecimento público.

Por fim, tem-se que a posse justa não pode ser precária. Entende-se como posse

precária a inversão da causa possessionis, quando uma coisa é recebida com a obrigação de

restituição e há recusa inequívoca em fazê-lo. Verifica-se que a precariedade está relacionada

ao abuso de confiança, no momento da recusa há inversão do animus, passando a possuir

como se dono fosse.

10Direito das coisas. Coleção história do direito brasileiro. Direito civil: História do direito brasileiro. Direito civil 1. Direito das coisas. Brasília: Fac-sim, 2004. p 46. 11 Novo curso de direito processual civil, volume 2. Processo de conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 192. 12 Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 108. 13 GOMES, Orlando apud TEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p 108.

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1.6. Da posse de imóveis públicos

Adotando como marco teórico o conceito de posse fornecido pela teoria objetiva, cujo

principal referência é Rudolf von Ihering e ao mesmo tempo a teoria da função social da

posse, uma vez que ambas teorias somente exigem o elemento corpus para a caracterização da

posse, têm-se como possível a existência de posse de imóveis públicos por particulares, em

que pese grande parte da jurisprudência pátria ter firmado entendimento em sentido contrário,

que em se tratando de imóvel público os particulares podem apenas exercer a detenção.

Há quase consenso que o Código Civil de 2002 adotou a teoria objetiva da posse, além

disso, não há dúvida que alguns dispositivos do Código Civil trouxeram o princípio implícito

de função social da posse se aproximando da teoria da social da posse, de modo que para a

caracterização da posse exige-se somente a presença do elemento objetivo. Somente quando

se trata da prescrição aquisitiva da propriedade é que a lei exige o animus.

Em que pese o fato dos bens públicos não serem passíveis de aquisição originária pela

usucapião em razão de expressa vedação pelo §3º do artigo 183 da Constituição da República

de 1988, existem instrumentos normativos que protegem a posse de bens públicos tida por

particulares, conforme previsão do artigo 183, § 1º da Constituição que traz a figura da

concessão de uso.

A Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) foi aprovada contendo dispositivos para

regular a concessão de imóvel público para fins de moradia, regulamentando o artigo 183, §

1º da Constituição da República, no entanto, todos os artigos (art. 15 ao art. 20) que

dispunham da concessão de uso especial para fins de moradia foram vetados. O veto se deu

basicamente por dois aspetos:

(i) o texto aprovado não fez ressalvas em relação aos imóveis públicos afetados ao uso

comum do povo:

Os arts. 15 a 20 do projeto de lei contrariam o interesse público sobretudo por não ressalvarem do direito à concessão de uso especial os imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a obras públicas. Seria mais do que razoável, em caso de ocupação dessas áreas, possibilitar a satisfação do direito à moradia em outro local, como prevê o art. 17 em relação à ocupação de áreas de risco.14

(ii) por não ter estabelecido um limite temporal para a aquisição do direito à concessão

de uso especial:

O projeto não estabelece uma data-limite para a aquisição do direito à concessão de uso especial, o que torna permanente um instrumento só justificável pela

14 Razões do veto a dispositivos da Lei 10.257/2001.

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necessidade imperiosa de solucionar o imenso passivo de ocupações irregulares gerado em décadas de urbanização desordenada.15

Não obstante todos os dispositivos que regulariam a concessão especial de uso para

fins de moradia terem sido vetados, não foi invocada nenhuma inconstitucionalidade do

instituto, até porque há previsão constitucional expressa no artigo 183, § 3º da Constituição

Federal sobre a concessão de uso especial para fins de moradia, subentendendo-se que se trata

de imóvel público. Tanto é verdade que três meses após o veto da lei 10.257/01 foi editada a

Medida Provisória nº 2.220/2001 regulando a concessão de uso especial para fins de moradia

que permanece em vigor até os dias atuais, haja vista ter sido editada antes da promulgação da

Emenda Constitucional nº 32 que alterou o regime das medidas provisórias e passou a exigir a

conversão em lei para manutenção de sua eficácia.

Com a medida provisória nº 2.220/2011 tem-se então um instrumento normativo que

assegura a posse de imóvel público por particulares, afastando por completo a aplicação da

teoria subjetiva que classifica a posse de imóvel público como mera detenção, eis que é

exercida sem animus rem sibi habendi.

A tese institucional 114 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo afirma

exatamente esse entendimento:

TESE 114 Proponentes: Luiza Lins Veloso, Marina Costa Craveiro Peixoto e Rafael de Paula Eduardo Faber Área: Cível/Fazenda Pública Súmula: É possível o exercício da posse de bem imóvel público por particular independentemente de consentimento do ente federado titular do domínio. (...) Verifica-se, portanto, a diversidade normativa que não só possibilita, como prevê o exercício da posse de imóvel público por particular – Constituição da República de 1988 (artigo 183, §1º); Medida Provisória nº 2.220/2001; Lei 11.481/2007; Lei 11.952/2009; Lei 11.977/2009. (...)16

Em que pese não seja possível a aquisição do domínio de imóvel público pelo decurso

da posse através da usucapião, pela posse de imóvel público é possível obter o

reconhecimento da concessão de uso especial para fins de moradia, de modo a não restar

dúvida de que é possível o particular ter posse de imóvel público.

15 Razões do veto a dispositivos da Lei 10.257/2001. 16 Disponível em: http://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Conteudos/Materia/MateriaMostra.aspx?idItem=65886&idModulo=9706. Acesso em 13/10/2016

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1.7. A propriedade e a posse na Constituição Federal de 1988

A posse é entendida como um conceito dissociado da propriedade, com motivação

própria para sua defesa. O autor Dilvanir José da Costa explica a influência da Constituição

Mexicana de 1917, da Constituição Russa de 1918 e da Constituição de Weimar de 1919 no

conceito e na defesa da posse no ordenamento pátrio a partir de Constituição de 1934:

Em tese de concurso para a livre-docência de Direito Civil na UFMG, sob o título O fundamento da proteção possessória (Imprensa da Universidade, BHte., 1964), o professor Adriano de Azevedo Andrade defendeu a autonomia da posse como bem econômico e jurídico independente da propriedade, sob novo conceito e motivação própria para proteção. Refere-se ele à socialização e à democratização do direito neste século, a partir das ideias de Duguit (Função social dos direitos subjetivos privados), Josserand (Teoria do abuso dos direitos), Gaston Morin e Georges Ripert (Os novos direitos sociais). As Constituições mexicana de 1917, russa de 1918 e sobretudo a alemã de 1919 (Weimar) consagraram a função social da propriedade, seguida por todas as Constituições brasileiras a partir de 193417.

A Constituição Federal de 1988 elegeu como princípios da ordem econômica, a

propriedade privada e a função social da propriedade. A função social é um limitador ao

direito de propriedade, de modo que somente haverá direito de propriedade quando este

atender sua função social. Qualquer estudo sobre a tutela da posse deve ser feito à luz do

ordenamento constitucional, nesse sentido ensina o Fredie Didier Júnior:

Não é possível, atualmente, estudar os procedimentos que servem à tutela da posse e dos direitos reais ignorando a existência desta norma constitucional, que, como será visto, estrutura todo o sistema infraconstitucional de proteção destas situações jurídicas. 18

Desse modo, a posse sempre deve ser estudada à luz dos princípios constitucionais que

buscam a efetividade da função social da propriedade e proteção da dignidade humana explica

Natália Tavares Fernandes:

Em última análise, a função social da posse vem ao encontro do princípio da igualdade, eleva o conceito da dignidade da pessoa humana, fortalece a ideia de Estado Democrático de Direito e ameniza as necessidades vitais da sociedade, como a moradia e o trabalho, além de outros valores sociais, como a vida, a saúde, a igualdade, a cidadania e a justiça. Vale dizer, que a função social do instituto da posse é estabelecida pela necessidade social, pela necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, ou seja, para as necessidades básicas que pressupõem a dignidade do ser humano.19

17 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4. Acesso em 09/09/2016. 18 A função social da propriedade e a tutela processual da posse. Revista de Processo. São Paulo. v. 33. n. 161. jul/2008. p. 2. 19 A Função Social da Posse como Instrumento Democratizador do Direito à Moradia, Rio de Janeiro. 2011. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/NataliaTavaresFernandes.pdf. Acesso em 13/10/2016.

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Em suma, o ordenamento jurídico protege aquele que explora economicamente ou

socialmente um bem, admitindo inclusive a aquisição da propriedade pela posse qualificada

com redução no lapso temporal: usucapião especial urbana prevista no artigo 183 da

Constituição Federal de 1988, usucapião especial rural e aquisição da propriedade pela

chamada “posse-trabalho” prevista no artigo 1.228, § 4º do Código Civil de 2002.20

A consagração da função social como limitador do exercício do direito de propriedade

produziu reflexos na tutela jurídica da posse. O Estado deve buscar meios de garantir que a

propriedade atinja sua finalidade social, inclusive quando se trata de imóvel público, somente

pela posse a propriedade poderá encontrar sua função social.

Segue o Dilvanir José da Costa afirmando que a atividade sobre o bem se sobrepõe

sobre a titularidade da coisa em razão do novo conceito econômico e social do instituto:

O novo conceito de posse leva em conta a atividade, e não a titularidade sobre a coisa. É a posse dinâmica em lugar do valor patrimonial estático que vigora no novo conceito econômico e social do instituto. E conclui que a posse não deve ser apenas justa (não ser vi, clam aut precario), mas deve cumprir sua função econômica de atender às necessidades individuais e sociais21.

A função social da propriedade se apresenta como uma exigência de destinação

econômica ao bem, uma limitação do direito individual em benefício da coletividade, é um

limitador constitucional ao direito de propriedade sem fazer distinção entre bens particulares e

públicos.

Conclui-se, portanto, que apesar de ser vedada a usucapião de bens públicos, é

possível particulares terem a posse de imóveis públicos em razão do tratamento constitucional

que limita a propriedade ao atendimento da função social e em atenção ao direito de

20 Constituição Federal: Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Código Civil de 2002:z Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. 21 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4 acesso em 09/09/2016.

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concessão de uso especial para fins de moradia previsto na Constituição e regulado pela

Medida Provisória 2.220/2001.

1.8. Da defesa da posse

A proteção jurídica da posse é um mecanismo de defesa aos aparentes titulares de

direitos, para conferir estabilidade e segurança jurídica às relações sociais. O Código de

Processo Civil de 1973 já classificava a tutela jurisdicional da posse de acordo com a

intensidade da agressão e essa classificação se manteve no Código de Processo Civil de 2015.

Para a ameaça de lesão há o interdito proibitório; para a turbação, incômodo ao exercício da

posse, tem-se a ação de manutenção de posse; e, para o esbulho possessório, entendido como

perda da posse, há a ação de reintegração de posse. Raquel Heck Mariano Rocha ressalta que

p Código Civil de 1973 prevê “outros procedimentos, como a ação de nunciação de obra nova

(arts. 934 a 940) e os embargos de terceiro (arts. 1.040 a 1.054), podem ser utilizados na

defesa da posse, mas não são exclusivamente voltados para a tutela possessória”.22

Expressiva parte dos autores considera que a defesa da posse pelo Estado busca

assegurar a paz social e manutenção das situações fáticas conferindo certa estabilidade às

relações sociais, sendo um limitador da autotutela por particulares e reforçando o monopólio

da jurisdição estatal. É o que observa Dilvanir José da Costa:

A visão social da posse vê na sua defesa a interdição da violência, das vias de fato e da justiça privada, a consagração das vias de direito e o monopólio estatal da Justiça, visando à ordem, à estabilidade dos direitos subjetivos e à paz social. Assim, também a defesa da posse tem a justificá-la fundamentos individuais ou subjetivos e valores sociais ou objetivos. As correntes individualistas vêem na proteção possessória a garantia da inviolabilidade de um importante direito subjetivo da pessoa e, portanto, desta mesma. Sendo a posse um instrumento necessário da propriedade, a proteção àquela seria o cinturão de defesa desta última, inclusive de forma mais rápida, mediante os interditos, dotados de eficácia initio litis, o que não ocorre com as ações em defesa da propriedade.23

Rudolf von Ihering acredita que a defesa da posse é a defesa do uso econômico da

coisa:

Por que razão a posse protege-se pelo direito? Não é certamente para dar ao possuidor a grande satisfação de ter o poder físico sobre uma coisa, mas para tornar possível o uso econômico dela em relação às suas necessidades. A partir daqui tudo se esclarece. 24

22 Das Ações Possessórias: (Comentários aos arts. 920 a 933 do CPC). Disponível em http://www.tex.pro.br/home/artigos/71-artigos-nov-2007/6091-das-acoes-possessorias-comentarios-aos-arts-920-a-933-do-cpc. Acesso em 04/07/2016. 23 O sistema da posse no Direito Civil. Brasília Revista de Informação Legislativa. a. 35 n. 139 jul./set. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/391/r139-08.pdf?sequence=4 acesso em 09/09/2016. 24 Teoria simplificada da posse. tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: ed. Líder, 2004, p. 44.

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A tutela possessória enquanto instrumento de pacificação social, defendendo o meio

social contra instabilidades é uma visão defendida por grandes nomes do meio acadêmico. É o

que afirma Francesco Carnelutti: “A posse é a situação de fato e uma componente da

estabilidade social, se a posse muda de titular, tal mudança não pode resultar em desiquilíbrio

social, em perturbação da ordem.25

Igualmente conclui Humberto Teodoro Junior: “(...) a posse é protegida pela lei

porque assim o exige a paz social, que não subsiste num ambiente onde as situações fáticas

estabelecidas possam ser alteradas por iniciativa de particulares, por meio da justiça das

próprias mãos”. 26

Rudolf von Ihering rebatia essa ideia, afirmava que a tutela da posse era uma forma de

proteção à propriedade, considerando o possuidor como “proprietário presuntivo”, mostrando

sua dificuldade de dissociar a posse da propriedade. Para ele a posse representa a propriedade

“em seu estado normal - a posse é a exterioridade, a visibilidade da propriedade”27.

Em regra, o ordenamento jurídico impede que os particulares defendam seus direitos

com uso da própria força, esse constitui um fundamento do estado moderno, impedir que seja

feita “justiça com as próprias mãos”, transferindo ao estado do dever de solucionar conflitos,

constituindo inclusive crime o uso da força, ainda que seja para tutelar direito legitimo

conforme artigo 345 do Código Penal.28 Quando há uso da força ou ameaça sem autorização

legal, pode-se configurar crime de constrangimento ilegal, também previsto no Código

Penal.29 A prática de um ato coercitivo por um agente público, sem amparo legal, ainda pode

também configurar abuso de autoridade previsto na lei 4.898/65.30

25 Sistema del diritto processuale civile apud TEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. Ed. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p 99. 26 Curso de Direito Processual Civil - Procedimentos Especiais. Vol. II, 50. Ed. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P 102. 27Teoria simplificada da posse; tradutor Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004. p. 24. 28 Exercício arbitrário das próprias razões Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. 29 Constrangimento ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. 30 Abuso de autoridade Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação;

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No tocante a posse, existe um permissivo legal para que o titular exerça a autodefesa

da posse, constituindo uma exceção ao ordenamento jurídico que, em regra, veda o uso de

força própria. De acordo com artigo 1.210, § 1º do Código Civil de 2002 a defesa da posse

pode ser feita com uso da própria força para repelir agressão imediata.31

Percebe-se que esse permissivo legal constitui uma exceção ao ordenamento jurídico

que impede o uso da força para a defesa de um direito. No entanto, a autodefesa da posse

somente pode ser feita imediatamente ao ato de turbação ou esbulho possessório, do contrário

o titular do direito terá que se valer dos interditos possessórios.

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89). 31 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1º - O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

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2. PARECER AJG 193/2016

2.1. Aspectos jurídicos

O Parecer AJG 193/2016 elaborado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e

aprovado pela Secretaria de Estado de Justiça 32 sustenta a constitucionalidade e a legalidade

do ato administrativo de reintegração de posse de imóveis públicos via manu militari, ou seja,

prescindindo de prestação jurisdicional a qualquer tempo, ou seja, independentemente do

requisito temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil de 2002.

O parecer é dividido em duas partes: na primeira são expostos os fundamentos

jurídicos para uso da força própria para desocupação de imóveis públicos; na segunda parte

do parecer é feita uma breve contextualização dos fatos que ensejaram o parecer, assim como

instruções para desocupação de imóveis públicos sem ordem judicial.

O parecer traz a classificação de bens públicos quanto à sua destinação33 e afirma que

em razão dos bens de uso especial se submeterem ao regramento de direito público e por esse

motivo atraem todos os atributos do ato administrativo, notadamente a autoexecutoriedade, e,

por conseguinte, a defesa da posse desses bens prescindiria de tutela jurisdicional, mesmo

quando realizada após o limite temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil. Em

seguida são colacionados julgados e citações de autores que corroboram esse entendimento.

Na ADPF 412 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade perante o Supremo

Tribunal Federal se busca a declaração de violação de preceito fundamental pelo Estado de

São Paulo, ao adotar o Parecer AJG 193 da PGE como instrumento normativo para alicerçar a

promoção de reintegração de posse em imóveis públicos sem ordem judicial:

A presente ação não é um mero exercício dialético acerca de um parecer jurídico, mas prende-se a repercussão nefasta de tal parecer e a disseminação de suas orientações, que inovaram no ordenamento jurídico e culminaram em atos de cumprimento, pelos demais órgão do Estado, dos juízos emitidos - notadamente os órgãos estaduais ligados a segurança pública.34

Como aponta Ari Marcelo Solon na ADPF 412, o parecer está baseado em construções

jurídicas do regime militar que não correspondem ao modelo constitucional inaugurado pela

Constituição de 1988, mas que ainda produzem ecos até os dias atuais:

32 Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/estado-retomar-imovel-ocupado.pdf Acesso em 13/10/2016. 33 (i) bens de uso comum; (ii) bens de uso especial; (iii) bens dominicais conforme artigo 99 do Código Civil, texto extraído do Parecer AJG 193/2016 disponível em 34 ADPF 412 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade perante o STF em face do Parecer AJD 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo aprovado pelo Secretário de Estado de Justiça. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=412&processo=412 acesso em 13/10/2016.

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colaciona julgados e textos doutrinários favoráveis à autotutela dominial da Administração. Entre esses textos, estão o artigo “Da Autotutela Administrativa”, escrito por José Cretella Júnior em 1972 – auge da Ditadura Militar que governou o país entre 1964 e 1985 – e um trecho do manual de Direito Administrativo de Marcello José das Neves Alves Caetano, proeminente jurista português ligado ao regime salazarista. 35

Na ADPF 412 é destacado um relevante aspecto do Parecer AJG 193, consistente na

interferência indevida da Administração Pública nas atribuições do Ministério Público (art.

129, VII CF) no que concerne ao controle externo da atividade policial e do Conselho Tutetar

ao tornar dispensável a intervenção dos referidos órgãos no cumprimento de reintegrações de

posse em bens públicos a manu militari:

Outro ponto que chama atenção na parte final do Parecer é a prescindibilidade da presença do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares no acompanhamento da operação, mesmo se tratando de ocupações feitas por estudantes menores de idade: “O modo de operacionalização do apoio da força policial deve ser encontrado, de forma conjunta, em deliberação das autoridades da Secretaria afetada pelas ocupações e da Secretaria de Segurança Pública, em que avultam as atribuições do Comando da Polícia Militar. Se não houver prejuízo à efetividade das medidas de desocupação, é conveniente que sejam acompanhadas por representantes dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público, quando, dentre os ocupantes, existam menores de idade. (p. 28 do Parecer AJG nº 193/2016)

Por fim, o parecer colaciona julgados e textos doutrinários favoráveis que conduzem à

conclusão de que todo ato administrativo está revestido de autoexecutoriedade e, como tal,

pode ser determinada a reintegração de posse pela via administrativa independentemente de

ordem judicial.

2.2. Contexto histórico e jurídico do parecer AJG 193/2016

Em junho de 2013, grandes manifestações populares da juventude tomaram as ruas nas

principais cidades no Brasil para protestar contra a falta de políticas públicas voltadas à

juventude, entre dezenas de outras reivindicações, ficando conhecido como “jornadas de

junho”.36

O aumento da tarifa de transporte público nas principais capitais do país levou às ruas

centenas de jovens. O estopim para que as manifestações reunissem milhares de pessoas foi

35 Em 08/06/2016 Ari Marcelo Solon em nome do Partido Socialismo e Liberdade ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº412 para impugnar o Parecer AJD 193/2016 da Procuradoria Geral do estado de São Paulo. O referido parecer está sendo usado como fundamento jurídico para promover a reintegração de posse sem ordem judicial em imóveis públicos que foram ocupados por manifestantes. “Na manhã desta sexta-feira (13), a Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo) e três órgãos regionais de ensino foram desocupados pela PM (Polícia Militar) sem que ela tivesse autorização da Justiça. Tudo foi feito com base num parecer da PGE (Procuradoria Geral do Estado) que deu embasamento jurídico para a ação. Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/13/sp-qualquer-escola-publica-pode-ser-desocupada-sem-ordem-judicial-diz-pge.htm 36 Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013. Acesso em 07/07/2016.

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uso excessivo da força pela polícia militar na cidade de São Paulo, que reprimiu com

violência pequenos protestos nos dias 6, 7 e 11 de junho de 2013, conforme aponta o

desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Magalhães Coelho em sua

Declaração de Voto Vencedor: “Não vai longe o dia em que a insensibilidade e o

autoritarismo dos governantes, a incentivar o excesso de repressão policial, levou o país à

perplexidade com os movimentos sociais e junho de 2.013.”37

O excesso de repressão policial provocou uma progressão geométrica a cada nova

manifestação, no ápice do movimento estima-se que quase 1,4 milhão de pessoas tomaram as

ruas para protestar: “no dia 20 de junho, houve um pico de mais de 1,4 milhões de pessoas nas

ruas em mais de 120 cidades pelo Brasil, mesmo depois das reduções dos valores das

passagens anunciadas em várias cidades”. 38

As “jornadas de junho” reuniram mais pessoas que o movimento “fora Collor” no

início da década de 90, até então o maior movimento popular da histórica democrática

nacional. Todo esse movimento provocou o alargamento dos limites da participação popular e

do direito de manifestação, de modo que nos anos seguintes, manifestações massivas tiveram

presença constante no cenário nacional.

Em 23 de setembro de 2015, a Administração Pública estadual deu início ao projeto

que chamou de nova organização escolar ou “reorganização escolar”. Na prática a proposta

acarretaria no fechamento de 94 escolas estaduais, no fechamento de salas de aula em 1.464

escolas, importando na transferência de 311 mil alunos e de 74 mil professores39. A iniciativa,

naturalmente, recebeu muitas críticas da opinião pública e resistência do corpo docente e

discente por todo o Estado de São Paulo, notadamente na grande São Paulo e no município de

Sorocaba, dando início a uma intensa jornada de lutas contra a chamada “reorganização

escolar”.

Além de passeatas e outras formas de protestos, em 9 de novembro de 2015 os

estudantes adotaram como tática a ocupação das escolas que teriam salas de aulas fechadas e

das escolas que seriam fechadas. No apogeu do movimento 213 escolas foram ocupadas por

todo o estado de São Paulo, somente em Sorocaba foram 22 escolas ocupadas. 40

37 Voto nº 31.637 no Agravo de Instrumento nº 2243232-25.2015.8.26.0000 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 38 Revista Época núm.787 de 24 de junho de 2013, páginas 36 e 27. 39Notícia disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/10/reorganizacao-escolar-em-sp-tem-94-escolas-que-serao-disponibilizadas.html acessado em 06/07/2016. 40 Conforme levantamento da Secretaria estadual de Educação e do Sindicato dos Professores disponível em http://especiais.g1.globo.com/sao-paulo/2015/escolas-ocupadas-em-sao-paulo/ acessado em 06/07/2016

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A tomada da posse de escolas públicas estaduais por estudantes como forma de

protestar contra o retrocesso de direitos sociais, que é vedado por tratados internacionais de

direitos humanos, levantou um controvertido debate entre o esbulho possessório versus o

direito de manifestação.

No interdito proibitório nº 1045195-07.2015.8.26.0053 ajuizado pela Fazenda Pública

Estadual foi concedida inicialmente liminar de reintegração de posse para desocupação de

dezenas de escolas, no entanto, em seguida a ordem foi revogada pelo próprio julgador com

fundamento que o esbulho possessório era uma decorrência do direito de manifestação contra

uma política pública autoritária que estava sendo implantada e constitui uma forma de

protesto, in verbis:

Tudo isso levou à conclusão de que as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas [fato esse que também motivou a reconsideração das decisões anteriores, como se explicará em sequência] - revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar. Conforme explanado pelo Ministério Público – e aqui não pretendo julgar tal fato, porque estranho ao processo -, busca-se maior envolvimento da população nas decisões de remanejamento de alunos, turnos escolares etc., o que se constitui num fundamento, em princípio, razoável. Com isso quero dizer que o cerne desta lide possessória não é a proteção da posse, mas uma questão de política pública, funcionando as ordens de reintegração como a proteção jurisdicional de uma decisão estatal que, em tese, haveria de melhor ser discutida com a população. Repito: objetivamente, tem-se esbulho de um bem público; mas a solução da questão foge, e muito, da simples tutela possessória. A questão é mais ampla e profunda, a merecer melhor atenção do Executivo. Há, ainda, um outro problema: caso mantidas as ordens, há a chance de se tornarem inócuos os comandos jurisdicionais futuros. A cada dia, uma nova escola pode ser invadida; expede-se, na sequência, a reintegração de posse, é ela cumprida e o ciclo se repete, com a possibilidade, inclusive, de existir a reocupação de uma escola já liberada. Ora, de que adianta a jurisdição, nesse caso, se não estará a promover a solução do caso concreto, com a pacificação social? Permanecerá tratando um problema com comandos dissonantes aos necessários, até porque não há como se proteger, com policiais, o conjunto todo de escolas, evitando novas invasões. Toda essa argumentação reforça a ideia de que não se está a tratar de posse, mas de uma questão de política pública.41

No mesmo sentido se manifestou a 7ª Câmara de Direito Público ao julgar o Agravo

de Instrumento nº 2243232-25.2015.8.26.0000:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Alegada invasão de prédios escolares. Pretensão à emissão de ordem liminar de reintegração de posse. Inadmissibilidade, por não se ver claramente presente a intenção de despojar o Estado da posse, mas, antes, atos de desobediência civil praticados no bojo de reestruturação do ensino oficial do Estado

41 Processo eletrônico disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1H0008J760000&processo.foro=53&uuidCaptcha=sajcaptcha_74aaef37c3fd4a37a1b7b7a087acd503. Acesso em 06/07/2016.

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objetivando discussão da matéria. Antecipação de tutela recursal denegada, processando- e o recurso.42

A Administração Pública estadual acabou abortando o projeto de “reorganização

escolar” após o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública Estadual terem obtido

antecipação dos efeitos da tutela para suspender a “reorganização escolar” na Ação Civil

Pública nº 1049683-05.2015.8.26.0053, em trâmite perante 5ª Vara da Fazenda Pública da

Comarca de São Paulo.

Em 2016 surgiram novos protestos, dessa vez, motivados pelas denúncias de

corrupção na compra de produtos da merenda escolar envolvendo alto escalão do poder

executivo estadual, o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo e mais de 22

municípios do Estado, denúncias estas apuradas pela Polícia Civil na chamada “Operação

Alba Branca”. Além disso, a falta de merenda escolar nas escolas técnicas estaduais e na

Fatecs e, os cortes nos repasses para a educação deram musculatura aos protestos.43

Como forma de protesto estudantes ocuparam o Centro Paula Souza e o plenário da

Assembleia Legislativa44. Novamente a discussão sobre a posse de imóveis públicos é levada

ao Poder Judiciário nas ações de reintegração de posse nº 1019463-87.2016.8.26.0053 e na

ação nº 1020119-44.2016.8.26.0053.

Em decorrência de todos esses precedentes judiciais, por determinação do então

Secretário Estadual de Justiça, a Procuradoria Geral do Estado confeccionou o Parecer AJG

193/2016 afirmando a possibilidade da retomada da posse de imóveis públicos sem a

necessidade de ordem judicial.

42 Processo eletrônico disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.codigo=RI0032WUQ0000. Acesso em 06/07/2016. 43 Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/estudantes-ocupam-o-centro-paula-souza-em-sp-pelo-sexto-dia.html, Acesso em 07/07/2016. 44 Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/estudantes-ocupam-assembleia-legislativa-de-sao-paulo-ha-36-horas.html Acesso em 07/07/2016.

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3. O CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.1. Origem histórica da separação dos poderes

É indispensável analisar os fundamentos do estado de direito, estruturados na divisão

dos poderes e no controle externo da Administração Pública. O fim do estado absolutista

abriu espaço para que a separação dos poderes fosse uma condição de existência do estado de

direito. A separação dos poderes tornou-se um princípio, uma construção teórica orientada

para impedir a concentração de poderes políticos e funções em apenas uma estrutura

organizacional, criando um sistema de controle das estruturas por um sistema de freios e

contrapesos para que “o poder controle o próprio poder”.45

Atribui-se a Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu,

conhecido apenas como Montesquieu, cujos trabalhos data primeira metade do século XVIII,

os primeiros estudos sobre as funções do Estado. Entretanto, autores muito mais remotos

como Aristóteles, cujas obras datam do século III a.C já discorriam sobre as diferentes

funções do Estado, no entanto, Aristóteles não chegou a formular uma teoria de distribuição

das funções do estado para diferentes órgãos estatais, tal como Montesquieu.

Na obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil46 publicada em 1681 John Locke

propõe no capítulo XII a tripartição das funções do estado: poder legislativo, executivo e

federativo da comunidade civil e após a revolução inglesa as ideias de Locke tomaram

projeção, não se concebendo mais a concentração das funções executiva e legislativa na figura

do rei.

Monstequieu em 1748 trouxe de forma sistematizada a divisão das funções do estado

na obra o Espírito das Leis (De L’Espirit des Lois), separando na função executiva, legislativa

e judiciária. Há quem diga que Monstesquieu inaugurou o sistema de freios e contrapesos, no

entanto, a concepção contemporânea do referido sistema em nada se assemelha às

formulações de Montesquieu. Para Monstesquieu, o Poder Judiciário era reduzido a condição

de irrelevância quase completa, chegando a ponto de considerá-lo quase nulo: “Dos três

poderes dos quais falamos, o de julgar é, de alguma forma, nulo”.47

45 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 115 46 O título original da obra de John Locke em inglês é “Two Treatises of Government”. 47 MONTESQUIEU, Charles de Le Secondat, Baron de. Do espírito das Leis, apresentação Renato Janine Ribeiro, tradução Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 1996. p 172.

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Igualmente, Montesquieu reduz o papel do poder legislativo, considerando não ser

possível o Poder Legislativo limitar o Poder Executivo:

Se o poder executivo não tiver o direito de limitar as iniciativas do corpo legislativo, este será despótico; pois, como ele poderá outorgar-se todo o poder que puder imaginar, anulará os outros poderes. Mas não é preciso que o poder legislativo tenha reciprocamente a faculdade de limitar o poder executivo. Pois, sendo a execução limitada por natureza, é inútil limitá-la: além do que o poder executivo exerce-se sempre sobre coisas momentâneas. E o poder dos tribunos de Roma era vicioso, enquanto não somente limitava a legislação como também a própria execução, o que causava grandes males. Mas, se, num Estado livre, o poder legislativo não deve ter o direito de frear o poder executivo, tem o, direito e deve ter a faculdade de examinar de que maneira as leis que criou foram executadas (...)”; (original sem destaque)

De fato, a contribuição de Montesquieu para a teoria do estado reside na tripartição

das funções do estado de forma sistematizada e orgânica e não na elaboração do sistema de

controle recíproco e equilibrado entre os três órgãos que exercem as principais funções do

estado.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil de 1891 foi a primeira

Carta Magna pátria a adotar o clássico modelo de tripartição das funções do estado, quando

dispôs no “art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o

Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.

As demais constituições que se seguiram reproduziram o mesmo modelo e assim como

a Constituição de 1988: “art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,

o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

3.2. A separação dos Poderes como fundamento do estado de direito

É possível dizer que a Revolução Francesa de 1789 recebeu forte influência das

formulações teóricas do barão de Montesquieu a respeito da organização e divisão das

funções do estado. A influência de se deu a tal ponto que consta na Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão de 178948, como condição de existência de um estado constitucional, a

separação dos poderes no “art. 16 – A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos

direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

A Revolução Francesa foi determinante para a formação da sociedade contemporânea

ocidental, tanto que inaugurou divisão de um novo período histórico que se convencionou em

48 Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em 28/09/2016.

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denominar de idade contemporânea que perdura até os dias atuais. A tripartição das funções

do estado irradiada pela Revolução Francesa é presente em praticamente todos os estados do

mundo ocidental.

A teoria clássica de tripartição dos poderes compreende (i) existência de estruturas

organizacionais autônomas em relação as outras e interdependentes, que convencionou-se

denominar de Poderes; (ii) a separação das funções do estado de acordo com seu conteúdo; e

(iii) atribuição a cada Poder de um tipo de função precípua. Observa-se que não há separação

absoluta dos Poderes, apenas uma autonomia e tampouco há separação absoluta de funções,

eis que cada poder exerce em maior ou menor grau funções típicas dos outros poderes.

Não obstante a simples separação dos Poderes é insuficiente para um Estado ser

qualificado como democrático de direito, o respeito a princípios gerais do direito como a

ampla defesa, contraditório, legalidade, respeito aos direitos e garantias individuais, o

pluralismo político, acesso à justiça são indissociáveis do conceito de estado de direito.

3.3. O sistema de freios e contrapesos

Cada Poder, conceito entendido como estrutura organizacional autônoma, detém uma

função precípua ou predominante, diz-se precípua porque invariavelmente acaba

desenvolvendo, de forma secundária as funções típicas dos outros poderes.

O Poder Executivo administra o orçamento e executa políticas públicas, competindo-

lhe atos de chefia do estado e de governo (art. 84 CF). No entanto, quando instaura um

processo administrativo disciplinar em face de um servidor público está o Poder Executivo

exercendo função jurisdicional, típica do Poder Judiciário. Por outro lado, quando edita uma

medida provisória (art. 62 CF) ou lei delegada (art. 68 CF) está o Poder Executivo

promovendo inovação jurídica, função típica do Poder Legislativo.

O Poder Legislativo tem duas funções precípuas: (i) inovação legislativa por meio de

emendas constitucionais em decorrência do poder constituinte derivado e por meio de leis em

sentido estrito. Lei em sentido estrito pode ser entendida como “o instrumento de que se

utiliza o legislador, para atribuir efeitos jurídicos aos atos e fatos, segundo valores

socioculturais por ele adotados”49; (ii) função de fiscalização contábil, financeira,

orçamentária e patrimonial da Administração Pública (art. 70 CF).

49 SCHMIEGUEL, Carlos. Conceito de Lei em sentido jurídico. Ágora: Revista Divulg. Cient., ISSN 2237-9010, Mafra, v. 17, n. 1, 2010, disponível em: http://www.periodicos.unc.br/index.php/agora/article/viewFile/55/162. Acesso em 28/09/2016.

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Entretanto, o Poder Legislativo desempenha função de natureza executiva quando

realiza um concurso público de provas e títulos para preenchimento de cargos internos ou

quando realiza uma licitação. Quando julga o presidente da República por crime de

responsabilidade está o Poder Legislativo desempenhando uma função típica do Poder

Judiciário.

O Poder Judiciário deve exercer a função jurisdicional, julgando as ações que lhe são

submetidas. Alguns autores afirmam que o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto, mas

esse não é o conceito mais adequado, pois não engloba as ações de controle de abstrato de

constitucionalidade como a Ação Direita de Inconstitucionalidade ou a Arguição de

Descumprimento de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Quando o Poder Judiciário realiza um concurso público ou faz uma licitação, tal como

o Poder Legislativo no exemplo acima, está desempenhando função executiva e quando edita

seu próprio Regimento Interno (art. 96, “a” CF) está desempenhando função legislativa.

Observa-se, portanto, que os três poderes exercem a todo momento funções atípicas

que devem ser exercidas no plano secundário. No entanto, na história recente foram

registradas algumas distorções que comprometeram o próprio equilíbrio do modelo

constitucional. Até a edição da Emenda Constitucional 32 (que dentre outras medidas

reformulou o instituto da medida provisória) foram editadas mais medidas provisórias do que

leis aprovadas pelo Congresso Nacional, somando a impressionante marca de 40 medidas

provisórias por mês como aponta Kildare Gonçalves Carvalho “Até setembro de 2001,

quando entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 32/2001, foram editadas 6.109 medidas

provisórias, uma média que beira a 40 ao mês”.50

O sistema de freios e contrapesos busca a viabilização de um sistema autônomo e

interdependente entre os três Poderes, estabelecendo-se um equilíbrio.

A atuação do Poder Executivo está limitada pelo ordenamento jurídico aprovado pelo

Poder Legislativo e ambos estão sujeitos ao controle pelo Poder Judiciário. Verifica-se que

para perfeita harmonia um poder não pode invadir a esfera de atribuições dos outros poderes

ou esvaziar suas atribuições de modo a provocar um desequilíbrio no sistema de autocontrole.

50 Direito constitucional: teoria do Estado e da constituição; direito constitucional positivo. 15. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. P. 1543

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3.4. Evolução do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário

A separação dos poderes do Estado surgiu com o constitucionalismo e tem raízes nas

lutas sociais contra a opressão praticada pelo estado contra os particulares, ou seja, a

separação dos poderes tem raízes na limitação do estado absolutista.

No estado absolutista em que não havia partição dos poderes, era adotada a teoria da

irresponsabilidade, em que não havia mecanismos para controle dos abusos e desvios

cometidos pelo chefe do governo. Somente com a constitucionalização e submissão do

soberano ao império da lei é que iniciou-se a limitação da discricionariedade e arbitrariedade

do Poder Executivo.

No entanto, a limitação do Poder executivo se restringia à observância da legalidade, a

visão de Montesquieu, que influenciou sobremaneira a Revolução Francesa, sobre o papel

quase irrelevante do Poder Judiciário fez com que o controle jurisdicional dos atos

administrativos fosse um fenômeno recente.

O controle jurisdicional da Administração Pública se iniciou com a verificação dos

aspectos formais dos atos administrativos, quais sejam: competência e forma. Somente com o

desenvolvimento da “teoria dos motivos determinantes” e da “teoria do desvio do poder” que

outros elementos do ato administrativo passaram a ser objeto de controle jurisdicional.

A teoria dos motivos determinantes vincula a legalidade do ato administrativo à

confirmação dos motivos que o justificaram, ainda que ambos sejam lícitos será ilícito ao ato

administrativo baseado em um motivo para alcançar outro motivo oculto pelo administrador.

A teoria do desvio do poder determina que um ato administrativo é nulo quando busca

fim diverso do pretendido pela lei na regra de competência. A expressão “desvio de poder”

também é conhecida como excesso de poder, abuso de poder e desvio de finalidade. O desvio

de finalidade ocorre com o distanciamento do ato administrativo da finalidade almejada pela

lei. Essas duas teorias iniciaram o controle jurisdicional dos aspectos materiais dos atos

administrativos, ou seja, a autoridade, que tem competência ou poder para a edição de

determinado ato, manifesta sua vontade, praticando o ato administrativo, mas, se nessa

operação erra afastando-se do fim colimado para perseguir finalidade diversa, incide no

desvio de poder.

O mérito do ato administrativo é entendido como o juízo de oportunidade e

conveniência para a prática de determinado ato. Celso Antônio Bandeira de Mello entende a

discricionariedade como:

a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso

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concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. 51

O excesso de discricionariedade é um mau que vem sendo combatido em todos os

Poderes. No Poder Judiciário o julgamento de questões idênticas que são dadas soluções

jurisdicionais díspares foi objeto de intensa discussão na formulação do Código de Processo

Civil aprovado em 2015. A tentativa de uniformização da jurisprudência e a criação do

sistema de precedentes vinculando o julgador (art. 927 do CPC/15) a fim de evitar decisões

conflitantes e contraditórias sem dúvida retira uma boa margem de discricionariedade do

julgador, criando um sistema uniforme, verticalizado e com mais previsibilidade.

Para Maria Sylvia Di Pietro discricionariedade é a “faculdade que a lei confere à

Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e

conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito” 52.

A outorga da discricionariedade costuma ser criada por uma margem indeterminada de

conceitos legais, criada propositalmente para assegurar a discricionariedade do ato

administrativo é o que observar Edmir Netto de Araújo: “a lei, propositadamente, deixou este

aspecto indeterminado, para que o administrador integre a vontade da lei com sua participação

direta, ao decidir qual o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa

realizar”. 53

Há de se observar que o Poder Executivo participa juridicamente do processo

legislativo, tanto deflagrando o processo por meio da iniciativa de projetos de lei, seja como

pela sanção ou veto de projeto aprovado pelo parlamento, de modo que, possui mecanismos

de influenciar o processo legislativo para manter-se com ampla margem legal de

discricionariedade.

Por outro lado, o Poder Executivo participa do processo legislativo com orientações

políticas para sua base de sustentação no parlamento através do líder de governo, figura

inclusive prevista no Regimento Interno do Senado (art. 66-A do Regimento Interno) e da

Câmara dos Deputados (art. 11 do regimento Interno), assim como compondo sua equipe de

governo e ministérios de acordo com a representação de partidos no congresso nacional para

obtenção a famigerada “governabilidade”. De modo ser uma falácia a afirmação que o Poder

Legislativo conserva autonomia em relação ao Poder Executivo na elaboração de leis a serem

51 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 414 52 Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 67. 53 Curso de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p 450.

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executados pela Administração Pública, sendo conferida pela lei discricionariedade de forma

demasiada a fim de afastar o controle jurisdicional do estado.

O Poder Judiciário detém o monopólio da jurisdição estatal e deve prestar a tutela

jurisdicional na busca pelas soluções de conflitos, notadamente impondo à Administração

Pública os limites e contornos constitucionais na realização de seu mister.

A jurisdição pode ser definida como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a

formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente,

disciplina determinada situação jurídica”54. Por força de dispositivo constitucional, no Brasil

essa atividade é privativa do Poder Judiciário, único órgão apto a formular decisões dotadas

da força da coisa julgada.

54 SOUSA, José Franklin de. Coisa julgada individual e coletiva. São Paulo: 2013. p. 40

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4. O DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL

4.1. Conceito de direito administrativo

Como se viu, no Brasil foi adotado o sistema tripartite, em que as principais funções

públicas (administração, legislação e a jurisdição) são atribuídas às estruturas organizacionais

distintas: executivo, legislativo e judiciário. Acreditava-se que apenas limitar o poder do

estado e submetê-lo ao direito era suficiente para a construção de um estado de direito, no

entanto, o acúmulo de riqueza e o aprofundamento das desigualdades sociais, econômicas e

culturais passaram a exigir mais do Estado. Desse modo, o direito administrativo passou a

sofrer influência de uma nova concepção de estado de direito, Marçal Justen Filho apresenta

um conceito de direito administrativo que serve como exemplo disto:

Direito administrativo é definido como o conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam a atividade administrativa pública necessária à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.”55 (original sem destaque)

Do conceito de Marçal Justen Filho se extrai um elemento indispensável para o

presente trabalho: dentre as finalidades do direito administrativo está a satisfação dos direitos

fundamentais.

O direito administrativo deve analisado sob duas perspectivas: (i) limitar o poder do

estado, visando evitar concentração de poder político e econômico; (ii) perseguir a satisfação

dos direitos fundamentais, é o que justifica a existência do estado moderno.

Como aponta Celso Antonio Bandeira de Melo “existe uma impressão, quando menos

difusa, fluida, mas nem por isto menos efetiva, de que o Direito Administrativo é um Direito

concebido em favor do Poder, a fim de que ele possa vergar os administrados. Conquanto

profundamente equivocada e antiética à razão de existir do Direito Administrativo, está é a

suposição que de algum modo repousa na mente das pessoas” 56.

Há sem dúvida um sentimento de que o Estado brasileiro encontra em si mesmo a

justificação para sua existência, servindo as prerrogativas administrativas como privilégios em

benefício de alguns. Esse sentimento é fruto do longo período que o cidadão esteve totalmente

apartado do centro das decisões em um regime militar que perseguiu e torturou seus

opositores por meios lícitos ou não durante mais de 20 anos. Apesar da redemocratização do

país com a Constituição Federal de 1988, ainda nos dias atuais há uma grande resistência para

a participação popular, situação que reforça essa impressão apontada por Bandeira de Mello. 55 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 90. 56 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 43.

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Marçal Justen Filho afirma que “é fundamental eliminar o preconceito de que as

organizações estatais possuem justificativas de existência em si mesmas. O Estado existe não

para satisfazer as suas estruturas burocráticas internas nem para realizar interesses exclusivos

de alguma classe dominante (qualquer que seja ela).57

Apenas a limitação do poder do estado e sua submissão ao direito não são suficientes

para assegurar o pleno desenvolvimento do ser humano. Marçal Justen Filho entende que “é

necessário que o Estado seja um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e

social. Impõe-se a existência de um Estado intervencionista, cuja atuação seja voltada a obter

a concretização dos valores fundamentais”58. Observa-se que o direito administrativo atual

exige como justificação para existência do estado a busca pela efetivação dos direitos

fundamentais.

4.2. Ato administrativo

Para estudar a necessidade ou não da prestação jurisdicional do estado para a tutela da

posse de imóvel público é fundamental ter domínio de institutos do direito administrativo.

É preciso delimitar o conceito de ato administrativo. Antonio Bandeira de Mello

conceitua ato administrativo como “declaração do estado (ou que lhe faça as vezes- como por

exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas,

manifestada mediante providencias jurídicas complementares da lei a título de lhe dar

cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”59.

Marçal Justen filho por sua vez afirma que ato administrativo é “uma manifestação de

vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função

administrativa”60. O conceito fornecido por Marçal Justen Filho traz quatro elementos para

caracterização do ato administrativo: (i) manifestação de vontade: é a exteriorização da

vontade de um sujeito dirigida a uma finalidade; (ii) exige qualificação especial da

manifestação da vontade, tem que ser vinculada à satisfação das necessidades coletivas; (iii)

apta a gerar efeitos jurídicos; (iv) produzida no exercício da função administrativa;

57 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 93. 58 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 103. 59 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 378. 60 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 383.

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4.3. Autoexecutoriedade/executoriedade do ato administrativo

Os atos administrativos possuem atributos que exorbitam aqueles encontrados nas

relações privadas. O principal atributo do ato administrativo para o estudo em tela é a

“autoexecutoriedade” ou como alguns autores como Celso Antonio Bandeira de Mello

chamam simplesmente “executoriedade” e, que são invocados no parecer AJG 193/2016 para

autorizar desocupação de imóveis públicos via manu militari.

Apenas em situações especiais, a Administração Pública está autorizada a utilizar os

meios necessários para a implementação de suas determinações, usando da supremacia de

poder e do uso da força para fazer sua vontade. Antonio Bandeira de Mello explica que “a

executoriedade não se confunde com a exigibilidade, pois esta não garante, só por si, a

possibilidade de coação material, de execução do ato. Assim, há atos dotados de exigibilidade,

mas que não possuem executoriedade.”61

Marçal Justen Filho considera a autoexecutoriedade como a “possibilidade de a

Administração Pública obter a satisfação de um direito ou dirimir um litígio de que participa

sem a intervenção do Poder Judiciário, produzindo os atos materiais necessários a obter o bem

da vida buscado.”62

Importa então saber quando o ato administrativo poderá ser dotado de

autoexecutoriedade. Celso Antonio Bandeira de Mello defende que cabe executoriedade em

duas situações: (i) “quando a lei prevê expressamente”; (ii) quando a executoriedade é

condição indispensável à eficaz garantia do interesse público confiado pela lei à

Administração Pública (...) Isto ocorre nos casos em que a medida é urgente e não há via

jurídica de igual eficácia à disposição da Administração Pública para atingir o fim tutelado

pelo direito, sendo impossível, pena de frustração dele, aguardar a tramitação de uma medida

judicial”.63

A segunda hipótese de cabimento da executoriedade trazida por Antonio Bandeira de

Mello dispensa a autorização de lei em sentido estrito e baseia-se em dois conceitos

indeterminados: “medida urgente” e “eficaz garantia do interesse público”. Ao atribuir

autoexecutoriedade, apenas por ser considerada pela Administração Pública uma medida

urgente e que a via judicial não seja tão eficaz quanto a via administrativa, permite-se que

uma infinidade de atos administrativos fujam ao controle jurisdicional e a exceção se torna a

regra na Administração Pública. Condicionar a autoexecutoriedade tão-somente a urgência ou

61 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 411. 62 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p 413. 63 Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p 413.

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eficácia da medida constitui verdadeira cláusula geral, eis que a prestação jurisdicional nunca

será tão eficiente quando a autoxecutoriedade. Mais adequado à realidade nacional é o que

afirma Marçal Justen Filho:

A autoexecutoriedade do ato administrativo obedece estritamente aos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Portanto não há autoexecutoriedade sem lei que assim o preveja. Mas, ainda quando a lei a tenha autorizado, a execução compulsória do ato administrativo por parte da própria Administração será admitida apenas quando não existir alternativa menos lesiva, sendo o uso da força a solução necessária para preservar a ordem jurídica e impor a realização dos direitos fundamentais.64 (original sem grifo)

Adotando como marco teórico o conceito fornecido por Marçal Justen Filho, a

autoexecutoriedade dos atos administrativos somente se verifica com a conjugação de dois

princípios constitucionais: estrita legalidade e proporcionalidade. De modo que, para atribuir

autoexecutoriedade aos atos administrativos que importam em reintegração de posse a manu

militari é indispensável a promulgação de lei em sentido estrito, fato que não aconteceu.

Por outro lado, há também ausência de proporcionalidade em uma lei ou ato normativo

atribuir à um ato administrativo autoexecutoriedade com base na morosidade do Poder

Judiciário, pois o Poder Público se submete às mesmas barreiras de acesso à justiça que os

particulares, não podendo invocar a supremacia do interesse público para afastar garantias

constitucionais. Autorizar a reintegração de posse, sem ordem judicial, em razão da crônica

morosidade do julgamento de ações judiciais é demasiadamente desproporcional ao fim

almejado.

4.4. Do princípio da legalidade estrita

Como se viu, pela teoria objetiva da posse, adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, é

possível particulares deterem a posse de imóveis públicos, tanto que pela posse podem obter o

reconhecimento da concessão de uso especial para fins de moradia prevista na MP

2.220/2001.

A autoexecutoriedade dos atos administrativos prescinde de lei em sentido estrito que

lhe confira esse atributo, lei compreendida no conceito de norma fruto do processo legislativo

regular. No caso sob análise sequer há lei que atribua esse efeito ao Parecer AJG 193/2016.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ensina que a autoexecutoriedade não existe em todos

os atos administrativos; ela só é possível “quando expressamente prevista em lei” ou “quando

64 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014p 413.

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se trata de medida urgente que, caso não adotada de imediato, possa ocasionar prejuízo maior

para o interesse público”65

A necessidade de previsão legal como requisito da autoexecutoriedade dos atos

administrativos decorre do princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição.

Quando se trata de Administração Pública só lhe é permitido fazer o que a lei

expressamente autoriza, na ausência de autorização legislativa tem-se uma conduta vedada Há

de se observar que a inobservância do princípio da legalidade estrito pode conduzir inclusive

a possibilidade crime de responsabilidade pelo agente político, haja vista recente decisão do

Senado Federal que fundamentou a cassação do mandato da presidente da República com

base na edição de três decretos para abertura de crédito suplementar sem autorização

legislativa entre outros fundamentos66. É de rigor destacar, o princípio da legalidade e o

princípio do controle externo da Administração constituem fundamentos do estado de direito.

65 Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 202. 66 Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/31/dilma-rousseff-perde-o-mandato-e-temer-e-confirmado-presidente acessado em 13/10/2016

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5. DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL 5.1. Origem histórica

A garantia de funcionamento mínimo do sistema de freios e contrapesos reside

justamente em impedir que uma estrutura organizacional tente esvaziar as atribuições de outra

estrutura. A função exercida pelo parlamento de inovação legislativa não pode afastar o

controle jurisdicional, ainda que por alteração constitucional decorrente do poder constituinte

derivado, da mesma forma que a atividade administrativa não pode criar subterfúgios para

fugir ao controle jurisdicional, motivo pelo qual o encontra-se insculpido no artigo 5º, XXXV

da Constituição Federal o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional do estado nos

seguintes termos: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”. Essa garantia foi prevista pela primeira vez no ordenamento pátrio na Constituição

Federal de 1946.67

O destinatário principal da norma é o legislador, a fim e de impedir que a lei exclua do

judiciário a apreciação de um direito. Trata-se de um comando com duplo efeito, por um lado

constitui um direito do cidadão de obter do estado uma ordem jurisdicional, também

denominado de direito de ação, por outro lado impõe à todos, inclusive às estruturas

organizacionais do Estado, uma limitação a autodefesa, submetendo todos ao monopólio da

jurisdição estatal.

Nelson Nery Junior ensina que o conteúdo do princípio do acesso à justiça “embora o

destinatário principal desta norma seja o legislador o legislador o comando constitucional

atinge a todos indistintamente, vale dizer que não pode o legislador e ninguém mais impedir

que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.”68

Segue o autor sustentando que o poder constituinte derivado não detém poderes sequer

para excluir o controle jurisdicional do estado, citando um acontecimento na história recente

do Brasil que constituiu grave violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição:

Em passado recente tivemos episódio histórico que envergonhou o direito brasileiro, a exemplo do que ocorreu no sistema jurídico dos estados totalitários da primeira metade deste século, que proibiam o acesso à justiça por questões raciais.69 Trata-se da edição do Ato Institucional nº 5/68, de 13/12/1968, outorgado pelo Presidente da República – que para tanto não tinha legitimidade -, que em seu art. 11 dizia: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com

67 Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 4º - A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. 68 Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p 98. 69 Nelson Nery cita em nota de rodapé “Sobre o tema ver CAPPELLETTI, Mauro, VIGORITI, Vicenzo, I diritti constizionali dele parti nel processo civile italiano, Riv. Dir.Proc.. XXVI (1971), § 8º. p 622.

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este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. 70

Segue o autor afirmando que:

Este AI 5 violou o art. 150, § 4º da CF de 1967, cuja redação foi repetida pela EC 1/69. Por essa emenda, entretanto, o AI 5 foi “constitucionalizado”, pois os arts. 181 e 182 da CF de 1969 (EC 1/69 à CF de 1967) diziam excluírem-se da apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados pelo comando da revolução de 31.03.1964, reafirmada a vigência do AI 5 (art. 182, CF de 1969). Nada obstante os arts. 181 e 182 da CF de 1969 mencionarem a exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário, de atos praticados com fundamento no AI 5 e demais atos institucionais, complementares e adicionais, praticados pelo comando da revolução, estas duas normas eram inconstitucionais71. Isto porque ilegítimas, já que outorgadas por quem tinha competência para modificar a Constituição, estavam em contradição com normas constitucionais de grau superior (direitos e garantias individuais) e infringiam direito supralegal positivado no texto constitucional (direito de ação)72.

A inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui, um sustentáculo para assegurar

harmonia e independência entre as três funções do estado, medida indispensável para a

existência do sistema de pesos e contrapesos e para o controle externo da Administração

Pública.

5.2. Breve histórico das tutelas provisórias

De longa data a tutela provisória têm despertado acalorados debates no mundo

acadêmico, em grande medida a preocupação da doutrina reside na crônica morosidade do

judiciário que por vezes afasta a efetividade da prestação jurisdicional do Estado.

A problemática da efetividade do processo está ligada ao fator tempo, pois não são raras as vezes que a demora do processo acaba por não permitir a tutela efetiva do direito. Entretanto, se o Estado proibiu a autotutela não pode apontar o tempo como

70 Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. it. 71 O autor cita em nota de rodapé “Sobre a existência de normas inconstitucional que se encontram no corpo da Constituição, ver o magnífico estudo de BACHOF, Otto. Verfassungsnormen? Tübingen, 1951, passim, tornado público como aula inaugural na Universidade de Heidelberg, em 20.07.1951. Há tradução portuguesa de José Manuel M. Cardoso da Costa (Normas constitucionais inconstitucionais?, Coimbra, 1977). O autor fala expressamente em normas que a despeito de poderem estar formalmente no corpo da Constituição, são inconstitucionais, exemplificando com a infração de direito supralegal positivado na lei constitucional (pena de morte em contraposição ao direito natural à vida) (BACHOF, Ott. Normas constitucionais inconstitucionais?, cit. p 63). 72 Nery Junior cita em nota de rodapé “BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais?, cit. p. 52 et seq. Modernamente tem-se entendido não ser possível a existência de conflito entre princípios constitucionais. Devem ser harmonizados e compatibilizados entre si (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5 ed. Coimbra, 1991, p 174. No mesmo sentido: CANOTILHO, José Joaquim Comes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra, 1999, p 1.107 et seq.) Como os arts. 181 e 182 da CF de 1969 eram incompatíveis com o princípio do direito de ação, este deveria prevalecer sobre aquelas regras de exceção.

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desculpa para se desonerar do grave compromisso de tutelar de forma pronta e adequada os vários casos conflitivos concretos.”73

José Roberto dos Santos Bedaque conceitua liminar como uma decisão proferida no

início da demanda, nota-se que liminar não está condicionada a concessão sem oitiva da parte

contrária (inaudita altera parte):

Merece a denominação de “liminar” toda a decisão que é prolatada in limine litis, isto é, no início da demanda – independentemente de seu objeto, podendo ela, assim, eventualmente, caso estejam presentes os respectivos requisitos autorizadores, antecipar os efeitos da tutela principal ou da tutela cautelar, conforme as circunstâncias do caso concreto.74

Para Alexandre Freitas Câmara a liminar tem natureza processual de tutela antecipada,

que a partir de da reforma processual de 1994 passou a ser um instrumento aplicável a

qualquer procedimento:

A tutela jurisdicional antecipada é um dos temas que mais têm chamado a atenção dos processualistas brasileiros ultimamente. Instituto conhecido da doutrina há bastante tempo, e presente no ordenamento brasileiro em normas espaçadas, como as que preveem a reintegração liminar na posse, o despejo liminar e o aluguel provisório, passou a merecer mais atenção dos doutos depois que o movimento conhecido como “a reforma do CPC” alterou a redação do art. 273 daquele Código para, assim, criar norma genérica, aplicável em princípio a todos os processos. 75

Com a publicação da lei 8.952/94 passou a ser aplicável a antecipação da tutela à

praticamente todos os procedimentos, desde que preenchidos os requisitos legais:

probabilidade do direito e urgência da medida.

É de se notar que tal tutela jurisdicional, consistente em permitir a produção dos efeitos (ou, ao menos, de alguns deles) da sentença de procedência do pedido do autor desde o início do processo (ou desde o momento em que o juiz tenha se convencido da probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante), exige alguns requisitos para sua concessão. Não basta estar presente a probabilidade de existência do direito alegado, fazendo-se necessário que haja uma situação capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou que tenha ocorrido abuso do direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC). 76

Até a reforma do Código de Processo Civil de 1973, trazida pela Lei nº 8.952/94,

somente poderia se falar em medida liminar quando se tratasse de procedimentos que

expressamente previssem esse instrumento processual, tal como as ações possessórias (art.

924 c.c. o art. 928 ambos do CPC), ação de nunciação de obra nova (art. 937 do CPC),

73 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar tutela antecipatória urgente e tutela antecipatória, Revista Eletrônica da AJURIS, n. 61, Julho/1994. p. 1. 74 Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 13. 75 Lições de Direito Processual Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 92. 76 Lições de Direito Processual Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 93.

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embargos de terceiro (art. 1.051 do CPC), ação baseada em venda com reserva de domínio

(art. 1.071 do CPC), ação de despejo (artigo 59, § 1º da lei 8.245/91), mandado de segurança

(art. 7º, inciso II lei 1.533/51 – revogada pela lei 12.016/2009), ação popular (art. 5º, § 4º da

Lei 4.717/65), ações decorrente de relação de consumo (art. 84, § 3º da lei 8.078/90), ação

civil pública (art. 12 da lei 7.343/85), entre outras previsões esparsas na legislação.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe um livro inteiramente dedicado à tutela

provisória, do artigo 294 ao artigo 311 é trabalhado com detalhes o tema. Pela primeira vez, o

texto normativo distingue expressamente a tutela de urgência da tutela de evidência (art. 294

CPC/2015) e classifica a tutela provisória de urgência em cautelar ou antecipada, antecedente

ou incidental. No livro das tutelas provisórias o Código de Processo Civil de 2015 trouxe

ainda uma inovação, a possibilidade de obter tutela provisória de urgência em caráter e

famigerada estabilização da tutela.

5.3. Da vedação legal de tutelas provisórias contra o Poder Público

A primeira lei a vedar a concessão de liminar contra o Poder Público foi a Lei

2.770/56 que diz respeito à liberação de bens, mercadorias e coisas de procedência estrangeira

e o Supremo Tribunal editou a Súmula 262 confirmando esse impedimento geral previsto na

lei: “SÚMULA 262 STF: Não cabe medida possessória liminar para liberação alfandegária de

automóvel”.

A lei 4.348/64 também impedia a concessão de liminar contra a Fazenda Pública e, se

tratando de mandado de segurança, impedindo inclusive a execução provisória da sentença

antes do transito em julgado.77

A Lei 5.021/66 também vedou a concessão de liminar em Mandado de Segurança

contra a Fazenda Pública em ações movidas por servidores públicos para recebimento de

vencimentos e vantagens pecuniárias.78

Em 1990 foi editada a Lei 8.076 que vedou a concessão de liminares em ações

ajuizadas contra as leis que sustentavam o “plano econômico Collor”. Em seguida foi a vez da

77 Art. 5º Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens”. Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença. 78 Art. 1º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, sòmente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial. § 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.

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Lei 8.437/92 vedar a concessão de liminar em ações contra o Poder Público. A Lei

9.494/estendeu à antecipação de tutela as mesmas restrições já existentes da tutela de urgência

em mandado de segurança e ação cautelar. De forma concisa essas são as principais leis que

restringem à concessão da tutela de provisória em desfavor da Fazenda Pública.

Dentro desse contexto, a constitucionalidade dessas leis e medidas provisórias que

vedavam a concessão de tutela de urgência em ações contra o Poder Público passou a ser

objeto de intenso trabalho acadêmico e jurisprudencial, tendo sido inclusive objeto de dezenas

de teses no XXIV da 2ª Comissão especial do Congresso Nacional de Procuradores do

Estado79 que obviamente sustenta-se a constitucionalidade da vedação.

O alcance do princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5º XXXV

da Constituição Federal dividiu o meio acadêmico em duas posições: a (i) uma afirmando que

o princípio de inafastabilidade da jurisdição se limita a apenas à tutela definitiva; (ii) a

segunda afirmando que alcança também as tutelas provisórias, em razão da efetividade do

provimento, nesse sentido defende Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

Tutela Antecipatória contra a Fazenda Pública. Existem restrições, no plano infraconstitucional, à concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública [...]. Essas restrições, contudo, não tem o condão de excluir o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. São inconstitucionais. Frise-se que o direito de ação, compreendido como o direito à técnica processual adequada, não depende do reconhecimento do direito material. O direito de ação exige técnica antecipatória para a viabilidade do reconhecimento da verossimilhança do direito e do fundado receio de dano, sentença idônea para a hipótese de sentença de procedência e meio executivo adequado a ambas as hipóteses. Se o direito não for reconhecido como suficiente para a concessão da antecipação da tutela ou da tutela final, não há sequer como pensar em tais técnicas processuais. A norma do art. 5º, XXXV, CRFB, ao contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação, afirmou que a lei, além de não poder excluir lesão, será proibida de excluir “ameaça de lesão” da apreciação jurisdicional. O objetivo do art. 5º, XXXV, CRFB, neste particular, foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela80.

Os autores seguem afirmando que uma lei que impede o julgador de utilizar os

mecanismos processuais para assegurar a efetividade da tutela do direito material importa em

violação da inafastabilidade da jurisdição, de modo que, a prestação jurisdicional definitiva

pode tornar-se inútil:

Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao

79 Teses do Congresso da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/Congresso/2comis.htm acessado em 27/09/2016 80 Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.p. 35

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adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo tempo, viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material81.

Nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da tutela jurisdicional e a

vedação de liminar ou antecipação dos efeitos da tutela importa em ausência de prestação

jurisdicional efetiva, uma vez que a concessão da medida de urgência reside justamente na

urgência da medida e na possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil

reparação. Nesse sentido leciona Luiz Guilherme Marinoni:

Efetivamente é por demais evidente que determinadas pretensões somente se compatibilizam com tutelas de urgência. E as liminares e as ações urgentes, para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão ao princípio da inafastabilidade. 82

O princípio da inafastabilidade da jurisdição edificou uma muralha intransponível ao

legislador que tentou vedar a concessão de tutela de urgência em face do Poder Público.

A mesma hermenêutica deve ser usada para tentativa de a Administração Pública

promover reintegração de posse em bens públicos a manu militari sem a presença do

elemento temporal que autorize o desforço imediato em defesa da posse, constituindo uma

flagrante tentativa de afastar o princípio do controle jurisdicional previsto no artigo 5º, XXXV

da Constituição Federal.

5.4. Liminares em interditos possessórios

Tanto o artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 como os demais dispositivos

em que eram previstas a figura da liminar, para sua concessão exigia-se o preenchimento de

basicamente dois requisitos: probabilidade do direito, também chamado em latim de fumus

boni jures e urgência da medida, em latim periculum in mora.

No entanto, quando se trata de interditos possessórios, para a concessão da liminar, a

lei processual exige apenas um dos requisitos: probabilidade do direito. Ao mesmo tempo em

que se dispensa o requisito “urgência da medida” a lei estabelece como requisito para

obtenção da liminar um lapso temporal do esbulho ou turbação da posse, motivo pelo qual, é

fundamental classificar a turbação ou o esbulho possessório de acordo com o transcurso do

tempo.

A agressão à posse cometida há menos de ano e dia chama-se de força nova ou posse

nova, enquanto a agressão ocorrida há mais de ano e dia chama-se de força velha ou

81 Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.38 82 Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p.96.

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simplesmente posse velha. De acordo com o artigo 924 do Código de Processo Civil de 1973

e artigo 558 do Código de Processo Civil de 2015, quando a ação de reintegração ou

manutenção de posse for ajuizada dentro de ano e dia da data que ocorreu o esbulho ou

turbação seguirá o procedimento especial, em que se admite a concessão de liminar inaudita

altera parte.83

Observa-se que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe apenas uma alteração de

redação, sem implicar em modificação do conteúdo do comando legal. Desse modo, quando a

ação de reintegração ou manutenção de posse for ajuizada dentro do prazo de ano e dia do

esbulho ou turbação haverá uma presunção iure et de iure (presunção absoluta) da urgência da

medida. Nota-se que o Código de Processo Civil não trouxe alteração nesse aspecto.84

Assim, em se tratando de força nova poderá ser concedida liminar inaudita altera

parte, ou seja, se instaura contraditório diferido, a medida que o réu irá tomar conhecimento

da existência da ação no momento do cumprimento do mandado de reintegração/manutenção

da posse.

O legislador conferiu a tutela da posse em sede de liminar, diferindo daquela aplicável

aos demais procedimentos, eis que para se obter liminar em ação possessória baseada em

força nova será necessário apenas apresentar elementos que comprovem a probabilidade do

direito sendo desnecessário provar a urgência da medida pleiteada. Observa-se, portanto, que

os interditos possessórios receberam tratamento especial pela lei no tocante ao regime das

liminares, presumindo a urgência da medida na hipótese de esbulho ou turbação baseada em

força nova (menos de ano e dia). Portanto, se há um procedimento que pode ser considerado

célere no direito processual são os interditos possessórios baseados em força nova, de modo

que promover desocupação de prédios públicos a manu militari, com fundamento em suposta

83 Código de Processo Civil de 1973 Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Código de Processo Civil de 2015 Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. 84 Código de Processo Civil de 1973 Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada. Código de Processo Civil de 2015 Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

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demora da prestação jurisdicional é uma falácia que visa ocultar a verdadeira finalidade dessa

medida.

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CONCLUSÃO

Pela teoria objetiva da posse adotada pelo Código Civil de 2002, associada ao conceito

de função social da propriedade, que alcança bens públicos e os dispositivos previstos no

Estatuto das Cidades e na Medida Provisória 2.220/2001, é possível afirmar que bens públicos

são suscetíveis de esbulho possessório e tomada da posse por terceiros, não constituindo mera

detenção.

A defesa da posse pode ser feita mediante uso de força própria, também chamado de

desforço imediato em defesa da posse, no entanto, exige-se um aspecto temporal, que a defesa

seja, para repelir imediata agressão à posse, sob pena de caracterizar crime de “exercício

arbitrário das próprias razões”, “constrangimento ilegal” ou “abuso de autoridade”.

Não sendo cabível o desforço imediato a defesa da posse somente poderá obtida a

tutela da posse mediante prestação jurisdicional do Estado.

O parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo autoriza o uso

da força própria a manu militari para reintegração da posse de bens públicos mesmo quando

ausente o aspecto temporal previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil baseando-se em

suposta morosidade da prestação jurisdicional e autoexecutoriedade dos atos administrativos e

autotutela que viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Após grandes derrotas

judiciais da Administração Pública estadual na tentativa de obter a reintegração de posse de

bens públicos tomados por manifestantes foi editado e aprovado pela Administração Pública

Estadual o parecer AJG 193/2016 de modo a subtrair do Judiciário o controle e a limitação de

seus atos, tornando inclusive prescindível a intervenção do Ministério Público e do Conselho

Tutelar ainda que envolva interesses de adolescentes.

No sistema constitucional de tripartição dos poderes alicerçado no sistema de freios e

contrapesos é vedado a qualquer poder afastar o controle externo exercido por outros poderes.

A Administração Pública não encontra fundamento de existência em si mesma, sua razão de

existência é a busca pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais e não pode criar

subterfúgios para elidir o controle jurisdicional de seus atos.

Um parecer emitido pela advocacia pública que defende o interesse público primário e

ao mesmo tempo o interesse público secundário não tem o condão de afastar o controle

jurisdicional dos atos administrativos.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição não pode ser elidido sequer por emenda

Constitucional com se viu na discussão da vedação genérica de liminares em ações judiciais

contra o Poder Público.

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As barreiras do acesso à justiça e a eventual morosidade da prestação jurisdicional não

servem de fundamento para violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição,

notadamente porque está ao alcance da Administração Pública os mesmos mecanismos de

tutela de urgência que os particulares dispõem, que permitem inclusive a obtenção de medida

antecipatória inaudita altera parte e o interdito proibitório.

A defesa da posse bem público ocupado por manifestantes em atos de protestos deve

obedecer aos estritos limites legais, notadamente no que concerne ao limite temporal para a

prática de atos de defesa da posse por imediata da posse uso de força própria.

A autoexecutoriedade ou executoriedade não é atributo de todo ato e qualquer

administrativo, a executoriedade pressupõe a conjugação de dois elementos: previsão por lei

em sentido estrito e observância do princípio da proporcionalidade.

Por todos esses aspectos é que se aponta a inconstitucionalidade e ilegalidade das

conclusões do parecer AJG 193/2016 da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo aprovado

pela Secretaria de Estado de Justiça que autoriza a manu militari (sem ordem judicial), o

cumprimento de reintegração da posse de bens públicos quando ausente o aspecto temporal

previsto no artigo 1.210, § 1º do Código Civil.

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