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BOLETIM Número 15 Setembro2018 EDITORIAL 1. Foi recentemente noticiado pela comunicação social que Portugal está em 10º lugar no ranking das democracias mundiais, segundo o Relatório de 2018 do projecto V-Dem (Variedades da Democracia), concretizado através de uma rede global de investigadores e peritos com sede na Universidade de Gotemburgo, que avalia a quali- dade da democracia em 201 países de todo o mundo (1). Trata-se de uma notícia não despicienda – que as altas instâncias do país se apressaram a aplaudir, como prova eloquente das nossas quali- dades cívicas e institucionais. Não queremos deixar de assinalá-la também nas colunas deste Boletim, embora num registo por- ventura menos empolgado quanto às realidades e virtualidades da vida colectiva pátria. Neste número - Editorial - No bicentenário do nascimento de Karl Marx: * Da impossível efectivação jurídica, social e económica dos Direitos Humanos no Capitalismo: notas a partir da Economia Política. Alfredo Campos. - A sentença segundo a Constituição. António Bernardo Colaço. - Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Valladolid de António José Avelãs Nunes. - Discurso de Incorporación (parte final). António José Avelãs Nunes. - Pelo fim da Arbitragem Administrativa. Romão Araújo. - O Mundo Novo da Advocacia. João Ferreira. - Noticiário. Que Portugal constitui um Estado de direito democrático é a Constituição que o proclama logo no seu art.º2º: “A República Portuguesa é um Es- tado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamen- tais e na separação e interdependência de poderes (. . .)”. O referido preceito aponta logo os princi- pais vectores da nossa democracia: soberania pop- ular (exercida segundo as formas previstas na Constituição – art.º3º, nº 1); pluralismo (de ex- pressão e organização política); garantia de efec- tivação dos direitos e liberdades fundamentais; separação e interdependência de poderes. Entre esses tópicos matriciais da democracia

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BOLETIMNúmero 15Setembro2018

E D I T O R I A L

1. Foi recentemente noticiado pela comunicaçãosocial que Portugal está em 10º lugar no rankingdas democracias mundiais, segundo o Relatóriode 2018 do projecto V-Dem (Variedades daDemocracia), concretizado através de uma redeglobal de investigadores e peritos com sede naUniversidade de Gotemburgo, que avalia a quali-dade da democracia em 201 países de todo omundo (1).

Trata-se de uma notícia não despicienda – queas altas instâncias do país se apressaram aaplaudir, como prova eloquente das nossas quali-dades cívicas e institucionais.Não queremos deixar de assinalá-la também nascolunas deste Boletim, embora num registo por-ventura menos empolgado quanto às realidades evirtualidades da vida colectiva pátria.

Neste número

- Editorial- No bicentenário do nascimento de Karl Marx:

* Da impossível efectivação jurídica, social e económica dos DireitosHumanos no Capitalismo: notas a partir da Economia Política.

Alfredo Campos.- A sentença segundo a Constituição.

António Bernardo Colaço.

- Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Valladolid de António José Avelãs Nunes.

- Discurso de Incorporación (parte final). António José Avelãs Nunes.

- Pelo fim da Arbitragem Administrativa. Romão Araújo.

- O Mundo Novo da Advocacia. João Ferreira.- Noticiário.

Que Portugal constitui um Estado de direitodemocrático é a Constituição que o proclama logono seu art.º2º: “A República Portuguesa é um Es-tado de direito democrático, baseado na soberaniapopular, no pluralismo de expressão e organizaçãopolítica democráticas, no respeito e na garantiade efectivação dos direitos e liberdades fundamen-tais e na separação e interdependência de poderes(. . .)”. O referido preceito aponta logo os princi-pais vectores da nossa democracia: soberania pop-ular (exercida segundo as formas previstas naConstituição – art.º3º, nº 1); pluralismo (de ex-pressão e organização política); garantia de efec-tivação dos direitos e liberdades fundamentais;separação e interdependência de poderes.

Entre esses tópicos matriciais da democracia

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portuguesa avulta efectivamente o ex-tenso catálogo de direitos e deveresfundamentais consignados na Consti-tuição da República, com a força ju-rídica estabelecida no respectivoart.º18º, incluindo significativas limi-tações quanto à possibilidade de re-strição e suspensão de direitos (art.ºs18º e 19º); sendo certo que “as leis re-stritivas de direitos, liberdades e garan-tias têm de revestir carácter geral eabstracto e não podem ter efeitoretroactivo nem diminuir a extensão eo alcance do conteúdo essencial dospreceitos constitucionais” (nº 3 doart.º18º). O que tudo significa que o quadro con-stitucional dos direitos e garantias só pode sermodificado mediante uma revisão da Constitu-ição, na forma e tempo nela estabelecidos – e nãopor via de legislação ordinária, ao sabor de maio-rias que se formem no órgão legislativo; consti-tuindo tal proclamação constitucional de direitos,como dizem certos autores, verdadeiros “trunfos”contra eventuais maiorias anti-constitucionaisque pretendam alterar arbitrariamente o quadrofundamental do ordenamento democrático.A constitucionalização de certos valores e princí-pios fundamentais no âmbito dos direitos, liber-dades e garantias dos cidadãos é, efectivamente,um elemento positivo e, mesmo, essencial dademocracia portuguesa.

2. Mas não transcrevemos acima todo o textodo art.º2º do nosso diploma jurídico fundamental,que deve ser obviamente analisado na sua pleni-tude – e segundo o qual a República Portuguesavisa “a realização da democracia económica, so-cial e cultural e o aprofundamento da democraciaparticipativa”.

Nesse plano, não podemos deixar de reconhecerque a Constituição aponta para metas exigentesde democracia económica, social e cultural,quando inclui entre as tarefas fundamentais doEstado a de “promover o bem-estar e a qualidadede vida do povo e a igualdade real entre os por-

tugueses, bem como a efectivação dosdireitos económicos, sociais, culturaise ambientais, mediante a transfor-mação e a modernização das estru-turas económicas e sociais” (art.º9º, d);quando proclama que “todos oscidadãos têm a mesma dignidade so-cial e são iguais perante a lei” (princí-pio da igualdade – art.º13º, nº1);quando estabelece um conjuntoalargado de direitos e deveres sociais(sobre segurança social e solidariedade,saúde, habitação e urbanismo, ambi-ente e qualidade de vida, família, pa-ternidade e maternidade, infância,

juventude, deficiência física ou mental e terceiraidade – art.ºs 63º a 72º); ou quando declara comoincumbência prioritária do Estado, entre outras,a de “promover a justiça social, assegurar a igual-dade de oportunidades e operar as necessárias cor-recções das desigualdades na distribuição dariqueza e do rendimento, nomeadamente atravésda política fiscal” (art.º81º, b)).

É importante que tenhamos um ordenamentojurídico-constitucional assente na proclamaçãodos direitos dos cidadãos e definição das tarefasfundamentais do Estado – mas essa superestru-tura não opera directamente na conformação dascondições da vida social, na “estrutura económicada sociedade”; bem ao contrário, “o modo de pro-dução da vida material é que condiciona oprocesso da vida social, política e espiritual”(2).Por outras palavras: a concretização daqueles ob-jectivos e programas constitucionais depende daqualidade das políticas públicas que os pro-movam; da acção concreta dos sucessivos Gover-nos; e – o que é mais – da estrutura económicabase em que assenta e se desenvolve a vida social(no caso, o sistema económico capitalista, que emsi mesmo comporta uma “contradição insanável”com a possibilidade de efectivação integral dos di-reitos humanos, como justamente salienta o so-ciólogo e professor universitário Alfredo Camposno importante estudo que se publica no presentenúmero deste Boletim).

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interesses; ataques pessoais; promoção de agendaspartidárias).

Não queremos insistir demasiado num discursode “desencanto democrático” – mas chamar aatenção para a realidade que nos rodeia, que es-pelha bem as insuficiências da democracia real; esalientar que de vários quadrantes chegam teste-munhos sobre a sua crise e regressão. Podemoscitar, p.ex., Andrea Greppi: “Não faltam sinais dealarme, ainda que a opinião pública não pareçalevar a sério fenómenos tão graves como a de-sigualdade crescente, perante a qual naufraga apromessa emancipatória da modernidade, a per-sistente violência, o insaciável ressentimento pelaopressão, que em tantos lugares bloqueia as per-spectivas de coexistência pacífica, etc. Con-frontamo-nos com uma situação em que algunspilares básicos da democracia que temos con-hecido nas últimas décadas perecem por esgota-mento ou por asfixia”.(3)

4. Convimos em que Portugal possui aquilo aque o referido autor chama o “catálogo de ele-mentos básicos das democracias mais

“avançadas” – presença de in-stituições representativas;sufrágio universal; existênciade mecanismos de garantia decertos direitos e liberdades;uma opinião pública livre,etc.(4) Mas subsistem con-comitantemente graves vicis-situdes que afectamirremediavelmente a quali-dade da nossa democracia, emparte já assinaladas: domíniodas riquezas nacionais e todaa vida económica pelosgrandes conglomerados finan-ceiros, internos e externos; de-sigualdades sociais crescentes;fraco nível de vida da grandemaioria da população; dis-torções significativas na circu-

3. E efectivamente, olhando para o país real, osportugueses facilmente se apercebem dos lancesmais deficientes do nosso regime democrático: adiferenciação profunda e endémica entre osmuitos ricos e os muito pobres (tem aumentadosignificativamente, entre nós e por todo o mundo,a distância entre o 1% detentor das grandes for-tunas e a generalidade da população – os ricos sãocada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais po-bres; imagem de marca do capitalismo, como“civilização das desigualdades”); a corrupção, dis-seminada em diversos sectores do aparelho do Es-tado (que, como já aqui dissemos, “mina osalicerces de qualquer regime democrático”); aapropriação de bens e dinheiros públicos porgrandes empresas privadas, à custa do povo con-tribuinte (como são os casos escandalosos dasPPP, das rendas do sector eléctrico, e outros des-mandos similares); os roubos e prejuízos calami-tosos da banca (BES, BANIF, etc.), que acabampor recair sobre o erário público; a ocupação doespaço comunicacional por temas e programas vi-sivelmente destinados a entorpecer a opiniãopública, desviando-a dos assuntos centrais queimportam ao pluralismo e liberdade de expressãoe informação para questõese enredos menores, queservem para aviltar as con-sciências e desviá-las dacompreensão e discussãodas realidades políticas esociais – e das lutas conse-quentes; e, por fim – sempretendermos procederaqui a uma enumeraçãoexaustiva das nossas vicis-situdes democráticas – im-porta referir asinsuficiências e perversõesdo discurso político porparte de grande parte dosrespectivos agentes (nor-malmente desviado do seucânone próprio para lutasmesquinhas de grupos de

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todos a uma verdadeira cidadania; aprática da argumentação racional comoelemento essencial de eleições e votações (5); a re-sponsabilidade, política e não só, pelaobservância dos programas eleitoraissufragados; o controlo do podereconómico pelo poder políticodemocrático, como está consignado naConstituição da República Portuguesa,incluindo uma actividade empresarialdo Estado em sectores básicos daeconomia, designadamente no sistemafinanceiro.Sem perder de vista o objectivo central

da emancipação humana, nos termos enunciadospelo grande filósofo cujo bicentenário do nasci-mento tem sido comemorado ao longo deste ano.

Notas:(1) Jornal “Público”, 11/9/2018.(2) Karl Marx, Prefácio a “Para a crítica da economiapolítica”, in “Obras escolhidas”, Edições Avante, 1982,pág.530.(3) Andrea Greppi, “Concepciónes de la democracia en elpensamento político contemporâneo”, Editorial Trotta,Madrid, 2006, pág.169.(4) A. e ob. cits. na nota anterior, págs.170.(5) Cfr. Amartya Sen, “A ideia de justiça”, Almedina, 2010,págs.428 – 432.

lação de ideias e projectos de acçõescolectivas, com a ocupação do espaçocomunicacional por temas e querelasestiolantes (de que o síndroma fute-bolístico não é o menor dos sinais per-turbadores).

5. O que tudo tem conduzido, umpouco por toda a parte, a quebras sig-nificativas de reconhecimento dademocracia por largos sectores dosseus próprios sujeitos e destinatários– o que se verifica pela proliferaçãodos discursos populistas e fascistas(com os seus desígnios de ódio e vio-lência); e pelos grandes índices de abstenção emdiversos actos eleitorais da maior importância.

E este alheamento ou deserção, que fragilizam ob-viamente a componente representativa da democ-racia, não são compensados por maior fulgor noplano participativo, ou seja, na inserção de largossectores da população nos movimentos e lutasconcretas em defesa dos seus direitos fundamen-tais.E por tudo isso se fala amiudamente na necessi-dade de aprofundamento ou reinvenção dademocracia – o que implica, designadamente, acriação de condições de base para o acesso de

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1. IntroduçãoPretende-se com este capítulo proceder a uma

análise do desenvolvimento histórico dos DireitosHumanos, a partir da sua contextualização so-cial, histórica e económica. Assim, para efeito deste propósito, serão inicial-

mente abordadas as principais teorias explicati-vas dos Direitos Humanos, procurandodemonstrar as falhas e potencialidades que com-portam: o jusnaturalismo, o positivismo, o real-ismo e o liberalismo, de forma a denotar aimportância de uma teoria crítica explicativa.Seguidamente analisar-se-á a própria DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, estudando a in-divisibilidade dos mesmos, de modo a contrabal-ançar tal noção com a divisão em dois Pactos quese viria a dar, e o significado social, histórico eeconómico dessa divisão. Além disso, serão tam-bém consideradas outras Cartas e Declarações,por forma a assinalar a construção sociohistóricados Direitos Humanos, e o facto da DeclaraçãoUniversal não poder de facto ser considerada Uni-versal e intemporal, antes um construção eu-rocêntrica que deixa de parte aspetos que seconsideram relevantes e serão apontados.São analisadas, a partir de uma teoria crítica, emmaior profundidade, as bases económicas dos Di-reitos Humanos – a sua economia política – equa-cionando até queponto podem de factoser efetivados noatual sistemaeconómico. São anal-isadas, a par do jáfeito quanto a outrasDeclarações, as Con-stituições de paísesque passaram por ex-periências de con-strução do

socialismo, de forma a avaliar como foram aí im-plementados os Direitos Humanos.Assim, o objetivo último deste capítulo é, a par-

tir de uma teoria crítica dos Direitos Humanos,avaliar a viabilidade da efetivação dos DireitosHumanos num sistema económico – o capitalismo– que tem por base inalienável a acumulação decapital e as desigualdades económicas. Procurar-se-á, portanto, responder às seguintes perguntas:primeiro, como podem os Direitos Humanos, comas suas bases económicas, ser efetivados num sis-tema que é por natureza desigual; segundo, quesistema pode alcançar tal objetivo; terceiro, con-siderando-se a garantia dos Direitos Humanoscomo fruto de contextos e processos, procurar-se-á avaliar se noutro sistema económico poderão osDireitos Humanos ser efetivamente garantidos,bem como que Direitos, avançando-se algumaspossibilidades de complemento ao pacote de Di-reitos Humanos.

2. Das principais abordagens aos Direitos Humanos e suas falhas

Entre as principais perspetivas doutrinais sobrea positivação dos Direitos Humanos, encon-tramos as teses jusnaturalistas, as teses positivis-tas e as teses realistas (Luño, 2005; Duarte, 2013).

Assim, as perspetivasjusnaturalistas con-sideram, acima detudo, que os DireitosHumanos são Dire-itos naturais. Destaforma, os Direitos,sendo naturais, sãoinalienáveis, univer-sais e não outorgados,pelo que somente énecessário o seu re-

Da impossível efectivação jurídica, social e económica dos Direitos Humanos

no Capitalismo: notas a partir da Economia PolíticaAlfredo Campos*

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conhecimento, já que a sua existência absoluta étida como certa à priori: a positivação dos Dire-itos Humanos dá-se somente pela sua integraçãona lei. Apesar de entre estas perspetivas poderemser encontradas variantes, até algo contraditóriasem função do que em cada momento foi tido comonatural – o que não deixa de salientar o papel docontexto sociohistórico – o facto é que todas têma mesma base, coincidindo ao

contemplar o processo de positivação dos direitoshumanos como a consagração normativa de umasexigências prévias, de umas faculdades que corre-spondem ao homem pelo mero facto de o ser; isto é,pela sua própria natureza (Luño, 2005:54).(1)

Ora, o simples facto de em cada momentohistórico o que é considerado natural ter variado,remete-nos precisamente para o facto do alcancedos Direitos Humanos ser mutável em função dastransformações económicas, sociais e políticas.Posto isto, as perspetivas jusnaturalistas não con-textualizam portanto os Direitos, nomeadamentedescartando o facto de que, para que todos etodas tivessem os mesmos Direitos adquiridos ànascença, teriam igualmente de ter as mesmascondições sociais e económicas, o que sabemosnão ser verdade no atual sistema económico. Ape-sar disso, encontraram o seu lugar na DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos (DUDH),nomeadamente no seu artº1º, no qual é referidoque ”Todos os seres humanos nascem livres eiguais em direitos.[…]”.

Por outro lado, as teses positivistas são diame-tralmente opostas, considerando que não existemdireitos per si, mas sim conjuntos de valoresmorais e normas partilhadas por grupos, que so-mente se tornam Direitos quando plasmados nalei, considerando que “qualquer crença em nor-mas objetivamente válidas anteriores [à positi-vação no] […] direito aparece como produto deuma posição metafísica e inaceitável” (Luño,2005: 56). Posto isto, os Direitos não são naturaise não outorgados, existindo sim exigências que so-mente se tornam Direitos a partir da sua positi-vação. Nestas teses, o Direito natural ésubstituído pela noção de direitos públicos subje-tivos, reconhecendo Direitos dos/as cidadãos/ãs

mas colocando a sua outorgação na titularidadedo Estado, afirmados progressivamente ao longode quatro fases: uma primeira passiva, sem dire-itos; uma segunda de autonomia e liberdade naesfera individual e garantia de não ingerência doEstado na vida do indivíduo; uma terceira naqual os/cidadãos/ãs podem reclamar ao Estadoum papel ativo na afirmação de direitos; e umaúltima na qual são desfrutados direitos políticose participação nos caminhos do Estado mediantea inclusão numa comunidade política. Do ex-posto, podemos afirmar que a diferença essencialrelativamente às teorias jusnaturalistas, é que aspositivistas não tomam os Direitos como natu-rais, mas como reivindicações ou exigências, so-mente se tornando Direitos a partir da suapositivação. No entanto, padecem da falha antesapontada: a desconsideração pelos fatores históri-cos, sociais e económicos que afetam não somentetais exigências, como a sua positivação.Finalmente, para as teses realistas a positivaçãodos Direitos não é considerada um fim, mas ummeio para a sua garantia, somente um dos “req-uisitos a ter em conta para o efetivo e real desfrutede tais direitos” (Luño, 2005:59). Desta forma,critica ambas as teses anteriores, ao considerarque é a praxis concreta que em dado momentohistórico formula os Direitos. Assim, criticam aosjusnaturalistas os ideais eternos e metafísicos; aospositivistas a falta de conteúdo e abstração. Con-sideram portanto que os direitos resultam de ummomento histórico e das suas condições sociais eeconómicas, que não são nem intemporais (numacrítica ao jusnaturalismo) nem uma retórica ab-strata que pode não ter qualquer conteúdoprático (numa crítica ao positivismo), con-siderando que a positivação dos Direitos deve sersituada

no plano das condições socioeconómicas que per-mitem o efetivo desfrute desses direitos, que não sãoideais intemporais, nem fórmulas retóricas, mas oproduto de exigências sociais do homem histórico(idem, 2005:59).

Neste ponto, as perspetivas realistas têm pontosem comum com o movimento socialista. De facto,

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como refere Marx (1997 [1843]), existe uma difer-ença entre os direitos do homem, que Marx con-sidera somente remeterem para o homemburguês, na sua individualidade e egoísmo, e osdireitos do cidadão de uma comunidade política,exercidos mediante a participação na vida socialcom os demais membros dessa comunidade. Nesteâmbito, Marx considera que a realização dos Di-reitos Humanos somente se pode dar pela eman-cipação que resulta da fusão do homem e docidadão, o que implica o desligamento do indiví-duo por si mesmo e o reconhecimento do mesmocomo força social e política, portanto assente embases materiais e não somente na abstraçãometafísica ou positivista, pelo que a emancipação– conquista de direitos – e o reconhecimento dosmesmos serão fenómenos mutuamente condi-cionáveis (Marx e Engels: 1967 [1844]). Daqui seretira que

a positivação dos dire-itos fundamentais nãopode ser desligada dascondições reais que per-mitem o seu efetivo dis-frute. […] para todos osefeitos, são as condiçõessociais que determinam osentido real dos direitos eliberdades, pois delas de-pende a sua salvaguardae proteção (Luño,2005:60-61).

Finalmente, chega-se àteoria dominante nopanorama dos DireitosHumanos, o liberalismo.Refere Campbell (2006)que, observando critica-mente as perspetivassobre Direitos Hu-manos, encontrar-se-áuma ideologia base, par-cialmente escondida,considerando o autorque

enquanto o discurso dos direitos se propõe quasesempre como moralmente universal, pode geralmenteser visto criticamente como parte de uma ideologiaque sustém um conjunto de relações sociais e políti-cas injustas e desiguais (2006:63).

Assim, reportando-se ao papel central do tra-balho de John Rawls, Campbell descreve a per-spetiva liberal tendo como central a ideia dejustiça, na qual são incluídos um conjunto de di-reitos básicos inultrapassáveis. Note-se queRawls, embora funde a sua teorização num idealde justiça universalmente aplicável, vem elemesmo a restringir a mesma aos Estadosdemocráticos liberais, que é como dizer, às democ-racias capitalistas burguesas. De resto, o trabalhode Rawls postula à partida aquilo que viria asuceder, a divisibilidade dos Direitos Humanos.Tal, posto que este autor estipula um primeiro

conjunto de direitos bási-cos, nomeadamente a“liberdade de expressão,liberdade da pessoa, liber-dade de consciência, par-ticipação democrática,direitos e propriedade deacordo com a lei” (apudCampbell, 2006, 65), con-siderando que estes devemser garantidos antes queum segundo conjunto deDireitos se efetive. Nesteponto Rawls consideraque a igualdade social eeconómica será organi-zada de forma a beneficiaraqueles em maior desvan-tagem, com a garantia deliberdade de oportu-nidades, mas somente namedida em que o primeiroconjunto de Direitos es-teja garantido. E aqui,logo à partida, comoCampbell aponta, a teorialiberal de Rawls entra em

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(pelo menos) duas falhas: assume a so-ciedade como indivíduos, descon-siderando os grupos sociais; e supõeque os indivíduos procuram necessari-amente primeiro os direitos civis epolíticos e somente depois os sociais,económicos e culturais. Finalmente,acrescente-se, considera a garantiadestes somente para os grupos em piorsituação, a aí numa extensão limitada,o que permite a manutenção de de-sigualdades no desfrute desses direitos,assim se ligando estreitamente àeconomia. Como refere Campbell,torna-se evidente que a teoria deRawls comporta uma ideologia por base, con-tendo os pressupostos do liberalismo político eeconómico (2005).Bem se vê que a perspetiva liberal se torna dom-

inante precisamente na medida em assenta nospressupostos do sistema económico dominante, ocapitalismo: a acumulação de capital e as de-sigualdades económicas e, do ponto de vista ide-ológico ou subjectivo, na divisão da sociedade emindivíduos e não em grupos, desconsiderando asclasses sociais e as relações sociais de produção,precisamente uma das bases objectivas do capi-talismo. É, assim, ao fim e ao cabo, dialectica-mente, a teoria de Direitos Humanos que justificao sistema económico dominante e é pelo mesmojustificada.Do exposto se conclui que nas pespetivas jusnat-

uralistas e positivistas não são considerados osfactores socioeconómicos e históricos do desen-volvimento dos Direitos Humanos, e que no lib-eralismo estes, apesar de considerados, sãoenquadrados de tal modo que são, por um lado, ajustificação política do sistema económico vi-gente, por outro, no que toca aos Direitos, tornaos mesmo dependentes do próprio sistema. Oraeste sistema económico, se tem por base in-alienável a desigualdade económica que resultada acumulação de capital, proveniente dum dadosistema de relações sociais entre grupos (classes),nunca pode portanto prover a total garantia daefectivação dos Direitos Humanos.(2) Assim, o

liberalismo mais não é que a justi-ficação política de um dado sis-tema económico, no que toca aosDireitos Humanos e sua não efec-tivação. E, desta forma, afirma-secomo única possibilidade para aexpansão e garantia dos Direitos,simultaneamente justificando a in-evitabilidade do sistemaeconómico capitalista (Duarte,2013).Torna-se, desta forma, necessáriauma teoria crítica dos Direitos Hu-manos que, indo ainda além daperspetiva realista e para além con-

siderar os contextos nos quais se afirmam os Di-reitos, considere igualmente os próprios Direitoscomo processos em situação dinâmica (Flores:2003, 2008), se alicerce na economia política, deforma a apontar as falhas da perspetiva liberaldos Direitos Humanos, demonstrar a impossibil-idade do capitalismo para a garantia absoluta deDireitos, mas que igualmente ofereça alternati-vas, quer no que toca a um sistema alternativo,quer à garantia dos Direitos também aí. Destasnecessidades, ocupar-se-ão os pontos seguintesdeste capítulo.

3. Da Declaração Universal dos Direitos Hu-manos e outras Declarações: divisibilidade ou in-divisibilidade de Direitos?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos,redigida em 1948 no pós Segunda GuerraMundial, veio procurar estabelecer todo um con-junto de Direitos a ser garantidos a todos os indi-víduos. Mas esta, apesar do processo dedescolonização que se viria a iniciar, demonstra-se como um conjunto de postulados impregnadosdas perspetivas e filosofias ocidentais sobre os Di-reitos Humanos (Leary: 1990). E, na sua listageme ordenação dos Direitos Humanos, facilmente seobserva que os ditos Direitos civis e políticosprevalecem sobre os Direitos sociais, económicose culturais. Deste modo, logo aqui a perspetiva de

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Rawls tornou-se presente naprópria DUDH, impregnando-a com a teoria liberal dos Dire-itos Humanos.Apesar da globalidade dos Dire-itos estabelecidos na DUDH –não vinculativa – poderem, edeverem, ser considerados indi-visíveis (ONU, 1993),(3) o certoé que a sua ordenação veio a for-malizar-se numa divisão entre oPacto Internacional para os Di-reitos Civis e Políticos (PIDCP)(1966) e o Pacto Internacionalpara os Direitos Económicos,Sociais e Culturais (PIDESC) (1966) – estes sim,vinculativos – num segundo passo de afirmaçãoda teoria liberal nos Direitos Humanos. E emboraos Direitos consagrados no PIDESC sejam con-siderados inseparáveis daqueles estabelecidos noPIDCP, nomeadamente como afirmado na Con-ferência sobre Direitos Humanos em 1993,(4) enovamente pela Assembleia Geral (AG) da Orga-nização das Nações Unidas (ONU) em 2005, averdade não é bem assim (Steiner, Alston e Good-man: 2007).

De facto, a formulação do PIDESC passou pordiversas atribulações, que se podem atribuir aquestões políticas e ideológicas próprias do con-texto sociohistórico da Guerra Fria. Assim, exis-tem múltiplas diferenças entre o PIDCP e oPIDESC, nomeadamente na terminologia medi-ante a qual são expressos os Direitos, obrigatóriose de aplicação imediata no caso do PIDCP, dese-jáveis e aplicáveis na medida do possível no casodo PIDESC. Daqui, o facto de no caso de oprimeiro existir há muito – desde 1976 – umComité com poder de vigilância e sanção, e no se-gundo apenas desde 1997. Assim, consideram osautores que a interdependência dos Direitos é umfacto, sendo a divisão dos mesmos em dois Pactosum fenómeno artificial que obedeceu a questõespolíticas, sendo que no fundo Direitos queficaram num Pacto podiam perfeitamente ter fi-cado noutro. Neste contexto, entende igualmenteManuel Branco (2012) que o PIDESC veio sempre

a ser mais negligenciado,nomeadamente pelo facto dasua aplicação ser condicionada àdisponibilidade de meios, comojá referido pelos autores anteri-ores, facto também salientadopor Steiner, Alston e Goldman(2007). Note-se, nomeadamente,no que respeita às ratificaçõesdos dois Pactos, que tendoambos sido formalizados em1966, enquanto no caso doPIDCP este foi subscrito por 167países e o seu Protocolo de 1976(portanto à data da criação do

respectivo Comité) por 114 países, já o PIDESC,apesar de inicialmente subscrito por 160 países,apenas foi protocolado em 2008 e subscrito por so-mente 10 países.Assim se demonstra como a DUDH, logo à par-tida produto ocidental como já referido, e comotal incorporando o paradigma da teoria liberaldos Direitos Humanos, se subverteu logo à par-tida, mediante a divisão do indivisível e pela sub-alternização dos Direitos Económicos, Sociais eCulturais, subalternização essa que não deixa decorresponder à própria teoria liberal. Outro as-pecto em que o faz, é o facto dos Direitos estab-elecidos corresponderem essencialmente aDireitos individuais, particularmente no caso doscivis e políticos, sendo os mais eminentementecolectivos – económicos, sociais e culturais – deix-ados para segundo plano. Importa, ainda assim,considerar que tal não foi unânime, posto que nocontexto da Guerra Fria e da sua bipolarização,o ocidente ter privilegiado os Direitos Civis ePolíticos, enquanto os países do chamado Social-ismo Real terem favorecido os Direitos Económi-cos, Sociais e Culturais, como adiante se verá.

Finalmente, importa considerar que a DUDHnão é a única fonte programática de Direitos Hu-manos, outras existindo que incidem precisa-mente nalgumas falhas aqui apontadas.Exemplos destas são a Proclamação de Teerão de1968, a Declaração Universal dos Direitos dosPovos, em Argel em 1976, a Carta Africana dos

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Finalmente, neste âmbito, também a CartaAfricana (1981) refere explicitamente os Direitosdo Homem e dos Povos, assinalando no seu Artigo19º que “Todos os povos são iguais; gozam damesma dignidade e têm os mesmos direitos. Nadapode justificar a dominação de um povo poroutro”, no número 1 do seu Artigo 20º que “[…]Todo o povo tem um direito imprescindível e in-alienável à autodeterminação. […]” e no número2 do mesmo artigo que “Os povos colonizados ouoprimidos têm o direito de se libertar do seu es-tado de dominação recorrendo a todos os meiosreconhecidos pela Comunidade Internacional”.Assim, estas Declarações não só se focam, não so-mente no indivíduo mas nos povos, como igual-mente acentuam claramente o direito àautodeterminação, muito mais ligeiro no enunci-ado da DUDH.

No âmbito da escolha do sistema político, se aDUDH estabelece somente o já referido Artigo28º, a Declaração de Bangkok (1993) vai maislonge, referindo que “reitera que todos os países,grandes e pequenos, têm o direito de determinaros seus sistemas políticos […]”. Também a De-claração de Viena de 1993, da ONU, viria a fazereste reconhecimento, mas uma vez mais sem qual-quer alteração à própria DUDH.

Já no que toca à indivisibilidade dos direitos,presente na DUDH mas posteriormente divididosaquando da elaboração do PIDCP e do PIDESC,a Proclamação de Teerão (1968) refere no seuponto 13 que “[…] os direitos humanos e as liber-dades fundamentais são indivisíveis, a realizaçãodos direitos civis e políticos sem o gozo dos dire-itos económicos, sociais e culturais resulta impos-sível. […]”. Também a Declaração de Bangkokestabelece, no seu ponto 10, a “[…] interde-pendência e indivisibilidade dos direitos económi-cos, sociais, culturais, civis e políticos, e anecessidade de dar igual ênfase a todas as catego-rias de direitos humanos.” Assim, como refereManuel Branco, os Direitos Humanos são insep-aráveis, várias vertentes de uma globalidade, e afragilização de uns trará sempre a fragilização deoutros.

Direitos dos Povos de 1981 (em vigor em 1986), aDeclaração dos Direitos Humanos no Islão, noCairo em 1990, e a Declaração de Bangkok de1993.

Logo à partida, considerando-se o Direito dosPovos à autodeterminação e ao enfoque nos indi-víduos ou também em grupos, o direito à autode-terminação não é contemplado na DUDH, sendosomente enunciado nos seus Protocolos em 1966– já após a conquista da independência de muitasantigas colónias, ou em processos de lutas eman-cipatórias – e ainda assim não ratificado por al-guns importantes países como os EUA (Shivji:sd), tendo tal direito sido finalmente incluído naDeclaração de Viena da ONU (1993), mas semqualquer alteração à DUDH. Ora, importa ter talem atenção, na medida em que o direito à autode-terminação é fundamental para o reforço dospróprios direitos humanos como um todo (Ghai:2004). Mas a DUDH, somente o seu Artigo 28ºrefere que “Toda a pessoa tem direito a que reine,no plano social e no plano internacional, umaordem capaz de tornar plenamente efectivos os di-reitos e as liberdades enunciadas […]”, mas nãosó tal é de certa forma armadilhado, na medidaem que omite os condicionalismos inerentes ao sis-tema económico para o usufruto dos Direitos,como se foca somente no indivíduo e não em gru-pos ou povos. Já a Declaração de Argel (1976) émuito mais específica neste ponto, quando no seuArtigo 28º refere que “Todo o povo cujos direitosfundamentais são gravemente ignorados tem o di-reito de fazê-los velar, especialmente pela lutapolítica ou sindical, e mesmo, em última instân-cia, pelo recurso à força”, portanto não somentesendo mais incisiva, como remetendo para ospovos e não os indivíduos. De igual modo, tam-bém a Declaração do Cairo (1990), na alínea b) doseu Artigo 11º, salienta queO colonialismo, sendo uma das piores formas de es-

cravatura, é totalmente proibido. Os povos alvo decolonialismo têm total direito à liberdade e autode-terminação. É um dever dos povos de todos os Esta-dos suportar a luta de povos colonizados contra todasas formas de ocupação […].

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Desta exposição das principais Declarações (ououtro tipo de textos) de Direitos Humanos, re-sulta claramente que a DUDH não é uma Declar-ação universal nos seus conteúdos,nomeadamente no que toca ao enfoque no indiví-duo ou grupos, no que toca ao direito à autode-terminação, no direito de definição do sistemapolítico e na indivisibilidade ou divisibilidade dosDireitos Humanos.Ainda assim, apesar desta diversidade de Declar-

ações e suas diferenças, e muito embora,nomeadamente a Declaração de Argel, tenhasurgido no âmbito da divisão política do contextohistórico da Guerra Fria, todas coexistem no âm-bito do mesmo sistema económico, o capitalismo.Deste modo, embora possam em dados pontos es-capar à teoria liberal dominante nos Direitos Hu-manos, apesar disso nenhuma se afirma comoalternativa ao sistema económico reinante, namedida em que não afronta os seus pressupostoseconómicos, a acumulação de capital e as relaçõessociais de produção existentes. De facto, à ex-cepção da particularidade da Declaração do Cairoe da Proclamação de Teerão, o direito à pro-priedade privada – que se supõe incluir a dosmeios de produção – está presente em todas estasdeclarações.

São, deste modo, Declarações, que apesar dassuas distinções surgem todas em dados contextossociohistóricos e no quadro de processos de afir-mação e defesa de direitos, mas não deixam de serDeclarações no quadro de dado de um dado sis-tema económico. Torna-se necessária, portanto,uma análise dos Direitos Humanos a partir daeconomia política, de forma a analisar a sua(in)viabilidade no actual sistema económico.Deste tema se ocupará o ponto seguinte.

4. Uma economia política dos direitos humanos:da sua inviabilidade no capitalismo

Dados a análise antes exposta, importa agoraproceder a uma análise crítica dos direitos hu-manos, a partir de uma teoria crítica alicerçadana economia política. Pretende-se, assim, demon-

strar como no capitalismo são inviáveis os Dire-itos Humanos, somente plenamente aplicáveisnum outro sistema económico.Das várias correntes económicas, a dominante –

neoclássica – tida como única, possui dadas car-acterísticas com profundos efeitos a nível dos Di-reitos Humanos, nela se plasmando, e sendoplasmada, a teoria liberal dos mesmos (Branco:2012).

Assim, uma oposição entre a economia domi-nante e os Direitos Humanos é que na economiaas questões essenciais são necessidade, preço emaximização. Deste modo, tornam-se aceitáveisa desigualdade e a exclusão, mas tal não éaceitável no âmbito dos Direitos Humanos. Comorefere Manuel Branco,é por esta razão que os mercados […] não estão ha-

bilitados para garantirem direitos humanos pois nãopressupõem qualquer mecanismo para que os direitossejam igualmente distribuídos e que do exercício dosmesmos ninguém seja excluído (2012: 17).

Assim, a melhor situação para o sistemaeconómico pode precisamente ser a pior a níveldos Direitos Humanos. Como o autor salienta, aeconomia e os Direitos falam diferentes lingua-gens e têm diferentes necessidades: aquilo quepara a economia é um bem ou serviço, portantouma necessidade, deve ser paga, portanto po-dendo excluir quem não o pode fazer. Assim, serãoexcluídos do usufruto de dados Direitos aquelesque não possam sustentar o seu custo económico,a não ser que tal acesso seja garantido.

Para o autor, a propriedade privada é precisa-mente um dos eixos centrais da discussãoeconómica relativa aos Direitos Humanos. Assim,o liberalismo sustenta a exigência da propriedadeprivada pelo seu hipotético potencial libertador ede garantia de independência, omitindo no en-tanto que a propriedade de uns é a ausência damesma de outros, por um lado, por outro quequando nos referimos à propriedade dos meios deprodução, esta estabelece igualmente relações so-ciais de sujeição, portanto de desigualdade, logocontrárias à lógica dos Direitos Humanos.

Importa, a partir do tema da propriedade pri-

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vada dos meios de produção, proceder a umaanálise marxista da relação entre a economia e osDireitos Humanos. Assim, como apontado, a ex-istência de propriedade privada de uns, exige sem-pre a sua inexistência para outros, de onde advémentão a relação social de produção capitalista, avenda de força de trabalho ao capital, em trocade salário – que se configura assim como ummodo de acesso a Direitos, enquanto garantia desubsistência (Marx, (2004 [1865]). Tal reflecte acontradição fundamental do capitalismo, a apro-priação privada do produto socialmente gerado,o que em si mesmo implica também formas deapropriação e redistribuição de Direitos.

Outros aspectos do funcionamento do capital-ismo são igualmente fundamentais relativamenteaos Direitos Humanos. Desta forma, seguindo ocapitalismo crises de sobreprodução e quedas ten-denciais da taxa de lucro, estas são compensadaspelo capital variável, o trabalho. Tal decorre dosalário, por um lado, por outro pela manutençãoindispensável de um exército industrial de reserva(Marx, (1997 [1867]), em si mesmo uma violaçãodo PIDESC, no âmbito do Direito Humano aotrabalho.Já no que toca à garantia dos Direitos Humanos,

para Branco a existência de Direitos Humanosexige quem os garanta, papel em regra atribuídoao Estado.(5) No entanto, a crescente perda desoberania, política e económica (Hinkelammert,2005), tem levado ao enfraquecimento do Estadoe alheamento das suas responsabilidades no quetoca à garantia de Direitos. Ora, tal enfraqueci-mento não é, para o autor, inocente, na medidaem que se os bens públicos podem ser geridos nalógica da economia, a única instituição capaz degarantir a equidade é o Estado, precisamente oque o mercado se tem encarregado de desmante-lar.Importa além disso, no entanto, apontar alguns

aspectos quanto ao Estado. Assim, como salien-tam Lenine (1974 [1917]) e Poulantzas (1978),este não é uma entidade neutra acima da so-ciedade, desligada dos seus indivíduos ou grupos– é, sim, um Estado de classe. Assim, a configu-

ração do Estado é também ela fruto de um con-texto sociohistórico e económico, permeável aosprocessos de contenda entre grupos sociais cominteresses distintos, ou seja, o trabalho, que sebate pela garantia de Direitos, e o capital que,como visto, é contrário a estes. Daqui se retiraque o próprio Estado se relaciona estreitamentecom o sistema social, portanto simultaneamenteum factor fundamental na transformação dopróprio sistema económico mas por este con-strangido, garantidor de Direitos mas palco deprocessos de luta (Campos, 2013), e que igual-mente noutro sistema será sujeito de novos con-textos sociais e processos de afirmação de novosDireitos.

Conclui-se então que, no quadro do sistemaeconómico capitalista, apesar das várias especifi-cidades que podem existir, a total efectivação dosDireitos Humanos não é possível, a partir dascontradições insanáveis que resultam do capital-ismo e das exigências dos Direitos Humanos. Osistema económico é no entanto transformável,no seu contexto, precisamente pelos processos deluta em torno dos Direitos Humanos, estabeleci-dos em torno das reivindicações próprias do sis-tema.

5. Direitos Humanos para além do capitalismo

A partir do exposto, primeiro sobre as várias teo-rias explicativas, segundo sobre a diversidade deDeclarações existentes e correspondentes especi-ficidades, mas finalmente e sobretudo a partir deuma análise dos direitos humanos alicerçada naeconomia política, importa agora analisar quemodelos se podem equacionar como uma alterna-tiva.

No passado, nos países em caminhos de con-strução do socialismo, veio-se a dar inicialmenteprimazia aos Direitos Sociais, Económicos e Cul-turais, progressivamente alargando aos Civis ePolíticos. Assim, como sucintamente apresentaLuño (2005: 124-125), a Constituição Soviética de1936 veio ampliar o número de Direitos funda-

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mentais a todos oscidadãos da URSS,nomeadamente quantoao carácter fundamentaldos direitos económicose sociais, relativamenteaos demais, nomeada-mente o direito ao tra-balho, ao repouso, asegurança social e à edu-cação; foi considerada aunidade jurídica entre osDireitos políticos e soci-ais; estabeleceu-se umaampla correlação entredireitos e deveres,(6)portanto delimitando aspossibilidades de exercí-cio de cada Direito, edefinindo como deveresessencialmente ocumprimento das obri-gações sociais e laboraise a defesa da propriedade socialista.

Outras constituições socialistas tiveram outrasparticularidades – novamente demonstrando aimportância dos contextos e dos processos nosquais se positivam os direitos – como as da Poló-nia, Roménia, Checoslováquia e República Pop-ular Democrática da Coreia, nas quais sereconhecem amplos direitos sociais, mas nestescasos sem estruturas económicas que permitissemo seu efectivo disfrute. Já na Hungria, RepúblicaDemocrática da Alemanha, Polónia, China e Viet-name, foram estabelecidas essas estruturas. Final-mente a constituição Checa de 1960, da Mongóliae da Jugoslávia, ligaram juridicamente os direitossociais nas bases dos seus sistemas económicos.Luño não deixar de salientar, no entanto, os lon-gos períodos de retracção dos Direitos Civis ePolíticos.E, sendo um facto que a maioria destes países se

desmoronaram politicamente e regressaram aosistema económico capitalista, não podemosentão deixar de considerar que o simples ultrapas-

sar do actual sistema,rumo a outro cujas car-acterísticas eliminem asbases económicas docapitalismo, chegarápara a garantia defini-tiva dos Direitos Hu-manos. Somos portantolevados a considerarque, ainda que ultrapas-sado o capitalismo e es-tabelecidas relaçõeseconómicas igualitárias,que permitam o efectivodisfrute dos Direitos,continuam a decorrernovos processos de de-fesa a afirmação de Di-reitos, somente noutrocontexto social eeconómico, e que podeinclusive cair com o re-torno do sistema capi-

talista.Será portanto fundamental, para a garantia

efectiva dos Direitos Humanos, que não somenteo actual sistema económico seja ultrapassado,como que num outro seja tida atenção perma-nente aos contextos sociais e novos contextoseconómicos, bem como à garantia dos DireitosCivis e Políticos e aos processos que em tornodesta decorram – única forma de garantir a esta-bilidade de uma relação frutuosa entre o sistemasocioeconómico e os Direitos Humanos.

Valerá a pena, ainda assim, considerar um as-pecto final. Ao ser considerado que um novo sis-tema social é necessário, e ao se ter sido verificadocomo a construção dos Direitos Humanos temseguido uma linha liberal e eurocêntrica, nãopoderá a um novo sistema social corresponder umoutro e mais amplo catálogo dos Direitos Hu-manos? Neste âmbito, os estudos realizados, porum lado, em torno do multiculturalismo, poroutro, relativamente à natureza, podem ser ilus-trativos. Deste modo, Filho (2004; 2008) debruça-

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se sobre o multiculturalismo e direitos colectivos,em específico, enquanto Ghai (2004) salienta opapel dos direitos humanos e da autodetermi-nação. Por outro lado, também a natureza temcrescentemente sido alvo de análises, incorpo-rando-a no âmbito dos Direitos Humanos, comovisto por Boff (sd) e Moraes (2013), para além daprópria existência do projecto de Declaração Uni-versal dos Direitos da Mãe Terra, (VVAA, sd).

6. Notas Conclusivas

Procurou-se com este capítulo proceder a umaanálise dos Direitos Humanos contextualizada –social, histórica e economicamente. Para tal, apartir da abordagem a um conjunto explicativode teorias relativas aos Direitos Humanos,chegou-se à conclusão da necessidade de uma teo-ria crítica, alicerçada na economia política, queconsidere não somente os contextos de afirmaçãodos Direitos Humanos, como também dos seusprocessos.

Demonstrou-se a contradição insanável entre oactual sistema económico capitalista e a efecti-vação de direitos, tendo-se verificado a necessi-dade de um sistema económico que não tenhacomo bases a propriedade privada dos meios deprodução, no estabelecimento de relações de pro-dução desiguais e na acumulação de capital, parao cumprimento integral dos Direitos Humanos.

Deste modo, os Direitos Humanos devem seranalisados de acordo com os contextos sociais,históricos e económicos, e na sua relação com asclasses e grupos sociais, o modo de produção e asrelações sociais de produção, tendo em conta queé ação de classe nessas áreas - ainda que elamesma constrangida - que determina a garantiaou perda de direitos. Assim, os Direitos Humanossão objecto de uma luta permanente de poder - opoder do trabalho e o poder do capital, ao redor eno interior do Estado (Campos, 2013).

No entanto, notou-se também como um outrosistema alternativo se enquadrará ele mesmo emnovos contextos sociais, históricos, políticos e

económicos, não sendo por si só garantia de efec-tivação plena dos Direitos Humanos, antes sendoa superação de uma barreira fundamental. Dessemodo, salientou-se a necessidade de manter vivosos processos pela garantia dos vários Direitos, emcontínuos processos de afirmação. Para alémdisso, entende-se que um novo sistema não teránecessariamente de reproduzir, ou de se limitar,ao actual conjunto de Direitos, podendo ir muitomais longe, pela inclusão de novos Direitos, queinclusive podem ser positivos para o processo deefectivação de um novo sistema.

Notas:(1) Todas as traduções são da responsabilidade do autordeste trabalho.(2) Como será explorado adiante, no ponto 4, pág.10.(3) Artº5º da Declaração(4) Idem.(5) Podendo embora ser equacionadas outras formas, pormeio da atribuição de deveres aos cidadãos, como é o casoda Carta Africana e de algumas Constituições de antigospaíses em processos de construção do socialismo.(6) Tal como na Carta Africana, embora com direitos e de-veres muito distintos.

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* Alfredo Campos é sociólogo, licenciado em Sociologia pelaFaculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Émestre em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais eSindicalismo pela mesma Faculdade e doutorando em Dire-itos Humanos pelo Instituto de Investigação Interdisciplinarda Universidade de Coimbra. É investigador Júnior no Centrode Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e docenteconvidado da Faculdade de Economia na Universidade deCoimbra.

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Na actual fase de evolução social portuguesa écada vez com mais acuidade que se impõe avaliara questão do dimensionamento da função jurisdi-cional na sua manifestação final – a sentença – acargo do juiz de um Tribunal.Por tribunal entende-se órgão de soberania com

competência para administrar a justiça em nomedo povo, nos termos do nº1 do artº202º da Consti-tuição da República Portuguesa (CRP). A admin-istração de justiça é um serviço público. Como tal,envolve uma actividade compósita, levada a cabopor operadores judiciários onde se incluem o fun-cionário judicial, o advogado, o magistrado doministério público e por fim, o magistrado judicial– o juiz, esse a quem cabe apreciar a factualidadee julgar de direito.

Mas que Direito? Quais os juízos de apreciaçãoe aferição num caso concreto em trato num tribu-nal? Algo terá mudado no direito português? OJuiz – uma parte activa da realidade social ou umelemento amorfo, pautado por cânones de ab-stracção, um <legalista> puro divorciado, colo-cado acima ou fora dessa realidade? Quelegalidade? Qual a garantia de um julgamento àluz da constituição? Continuará ele a ser “umaboca morta a pronunciar as palavras da lei”? E…seguramente outras interrogativas caberiam for-mular!

Clarificar o alcance destas questões é assim atarefa fundamental do juristachamado a aplicar o Direito, paraque a função jurisdicional nãomais tenha o odioso que represen-tou no passado e para que os tri-bunais cumpram em adequaçãoem cada momento histórico danossa sociedade o papel de

garante das conquistas do povo português. Otempo vai passando e já lá vão 44 anos sobre o 25de Abril! Esta tarefa é tanto mais urgente quanto é certo oDireito, como fenómeno de cultura que inegavel-mente é, exercer uma função marcadamente ob-jectivante nas sociedades onde a Democracia vaialcançando graus qualitativos cada vez mais ele-vados, contribuindo para o bem estar, a segurançae a prosperidade dos respectivos cidadãos.

É que o direito pressupõe uma base real em queassentar. Esta materialidade é o homem em so-ciedade. Nunca existiu nem existirá um sistemajurídico sem que a este corresponda uma so-ciedade de homens. O ser humano só existe comohomem social e o Direito tem como destinatárioeste mesmo homem, de carne e osso, determinadoe condicionado antes de mais pelas necessidadesmateriais e relações de produção que se estabele-cem em cada etapa da sua vivencial social. Viveré um acto eminentemente económico-social e,portanto jurídico, não ao invés.O homem em sociedade é o factor determinante

do Direito. Por isso dizíamos que o Direito nãopode ser objecto de uma concepção abstracta masantes é uma consequência directa da realidadepulsante da vida social onde vivemos, que nosmarca e nos condiciona.

Mas, se o Direito, como fenómeno de cultura édeterminado pela realidadeconcreta, compreende-se queele funcione, por sua vez, comocatalisador desta mesma reali-dade ao sublimá-la e elevá-ladinamicamente a formas supe-riores da vida em sociedade.Assim, o carácter objectivante

A Sentença segundo a Constituição

António Bernardo Colaço*

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do Direito será tanto maior quanto mais abarcar,regular e defender o sentido da dimensão dohomem em sociedade e concomitantemente dotaresta dos adequados instrumentos para que o sen-tido evolutivo/progressista da sua marcha socialnão seja traído.O Direito brota assim com algo de real, vive e de-senvolve-se activamente no real, pois surge comoexpressão da vontade dos homens em colectivi-dade temporalmente considerada e historica-mente condicionada – dito “alio modo”, o Direitoacompanha o progresso das realidades socio-económicas em cada momento histórico-concretoda vida nas sociedades humanas.

Mas então qual a razão de existência do Direito?É que, em resultado da relação uno - colectivo euno - uno, na actual fase das sociedades humanas,o Direito dimana da inevitabilidade da necessi-dade de regras de conduta – justamente as que es-tabelecem relações jurídicas entre os indivíduos –assentes nas relações de produção que entre estesse desenvolvem. Entre o que é <o meu> e dosmuitos outros “meu” retrata-se, em últimaanálise, a actual natureza conflituante dos dire-itos, a divisão social na base da produção – entreo que produz socialmente (o trabalhador) e o que

se apropria desajustadamente do valor produzidosem título de legitimidade (detentor exclusivo dariqueza produzida).

Em termos ontológicos esta apropriação deriqueza terá sempre que ser um acto de força ouobtida por coacção (porque ninguém entrega aoutrém, sem mais daquilo do que dispõe). Era oque se passava descaradamente, em Portugal, até24 de Abril, onde, instituído como era o poder deuma ditadura, a economia monopolista exercia opleno e exclusivo domínio sobre a situação dagrande maioria dos portugueses, decorrente dasua condição material ou derivadas das posiçõesintelectuais assumidas contrárias aos interessesdo regime entretanto instituído. Para a legiti-mação deste impacto, aí estava o Direito. Era avontade da classe socialmente dominante erigidaà dignidade jurídica, suportada, no carácter coac-tivo das leis, onde a falta de Liberdade ocupavalugar de eleição.

O fim da opressão fascista, marcado pela juris-dicidade do programa do MFA, foi determinantepara a recuperação (e não restituição) pelo Povodos seus direitos, o que necessariamente implicoua destruição da máquina do predomínio do em-presariado industrial e rural. Não fora a conquistade Liberdades pelas massas trabalhadoras e o 25

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de Abril passaria aos anais da história como umvulgar golpe palaciano, onde, em gíria popular,tocaria a mesma música, com melodia diferente.Mas o 25 de Abril passa à história como um actodefinido e revolucionário do povo português, me-diante o qual conquistou a sua liberdade. É aliásesta característica que distingue a natureza donosso processo democrático das demais democra-cias europeias que em conjunto com Portugalcompõem a União Europeia, mas que surgiramevolutivamente e portanto, sem solução de con-tinuidade, com dinâmicas que não se confundemcom a nossa. Não é por acaso que aqui e acolá sevão constatando contradições nos procedimentosentre as nações da EU mas que todavia estãoainda distanciadas de assumir a formatação an-tagónica.

O Programa do MFA ao traduzir a vontade ex-pressa do povo português é assim o primeiro actojurídico da nova realidade. Toda a acção liberta-dora dos povos é sempre um acto jurídico. Nasciapela primeira vez o novo Direito. Basta só en-trosar o Preâmbulo da Constituição da RepúblicaPortuguesa: - o derrube do regime fascista; - o in-ício de uma viragem histórica da sociedade por-tuguesa; - a defesa da independência nacional; - agarantia dos direitos fundamentais do cidadão; -o estabelecimento dos princípios basilares dademocracia; - o assegurar do primado do Estadode Direito Democráticoe; - a abertura do cam-inho para uma so-ciedade socialista. Aalteração produzida nãoé pois conjuntural, masestrutural. A Revoluçãode Abril é um acto cul-tural do povo portuguêse como tal um facto ju-rídico.

A Constituição daRepública Portuguesa éa objectivação destanova realidade. O Dire-ito, em Portugal, quer se

queira quer não, cumpre historicamente o seupapel objectivante. A Constituição veio denunciara desigualdade social anteriormente existente eque tornava vã e ilusória a palavra “liberdade”.Declarou solenemente que o sentido do “interesseda sociedade”, dado pela alta burguesia até aídominante não se confunde, antes pelo contrário,é diametralmente oposto ao do dado pela nova re-alidade social emergente. Nesta dinâmica social, importa nunca perder devista que a nossa Constituição surge, essencial-mente, como fruto de movimento popular que,conscientemente, passou a utilizar a legalidade,as instituições e as armas jurídicas, a favor do in-teresse da maioria, a favor da Democracia - cujoalcance não podia ser outro senão o dos interessesdos trabalhadores, na mais precisa acepção que aexpressão comporta. Há que nunca perder devista que as liberdades, constitucionalmente fir-madas, foram conquistadas, ao que é totalmentealheia qualquer <benesse> ou complacência dogrande capital. É por isso que a Democracia sócomporta o sentido bem demarcado, não se com-padecendo de interpretações como as que ossaudosistas da exploração ou do passado fazemou pretendem. Temos assim, o direito transformado numa arma

das forças democráticas. Neste sentido, a Consti-

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tuição é um conjunto de normas ju-rídicas supremas do presente que,baseando-se na realidade social,económica e política do nosso país, é,em simultâneo, tendencialmentegarantístico de valores democráticosanteriormente inexistentes.A partir dela, decorre, com cristalinaclareza, que estamos face, não a umareforma, mas a uma ruptura, que setraduziu na eliminação do domíniodas posições - chave da estrutura mo-nopolista, ruptura de todo o seu edifí-cio cultural, ruptura com o seu Direitoque privilegiava a correspondente classe. Eisporque a Constituição ao visar no seu artº2º a re-alização da democracia económica, social e cul-tural e o aprofundamento da democraciaparticipativa, afiança garantias de todos oscidadãos como realidades vivas e pensantes (e nãoocas e opacas, como na Constituição de 1933), põeà sua consecução, os meio adequados de realiza-ção e efectivação práticas. O trabalho passa, do-ravante, a ser reconhecido como um direito, devere motivo de honra. A Constituição é, assim, acimade tudo, uma vitória jurídica dos trabalhadoresafirmando o carácter irreversível das suas con-quistas concretas.

Como entender então que no nosso EstadoDemocrático que se preza de Direito haja carên-cia de legislação fazendo subsistir na actualidadesituações como as de salários em atraso onde otrabalhador(a) se vê esbulhado (por vezes, du-rante meses) de compensação devida pelo dispên-dio da sua força de trabalho a favor do empresárioou de casos de insolvência empresarial sem a mín-ima garantia do imediato pagamento dos créditossalariais e compensatórios dos trabalhadores caí-dos no desemprego ou ainda a ausência de legis-lação adjectiva para neutralizar a má-fé nautilização abusiva de um tribunal para atentarcontra os valores, constitucionalmente reconheci-dos ao trabalhador, através de propositura deacções só para ganhar tempo?

Nenhum juiz, elemento integrantedo tribunal, pode alhear-se destanova realidade portuguesa, por mo-tivos mais que óbvios. Ele é chamadoa julgar no âmbito de um órgão desoberania - o tribunal - que adminis-tra a justiça em nome do povo. AConstituição, ao atribuir ao juiz com-petência para apreciar da inconstitu-cionalidade e velar pelo respeito dalegalidade democrática confia, pois,que, no processo sujeito à sua apreci-ação, aplique e cumpra o ditame da

lei democrática. A legalidade é, assim, uma garantia na medida

em que respeita e consolida as conquistasdemocráticas. É também um instrumento en-quanto coloca a Lei ao serviço do prosseguimentoe realizações democráticas constitucionalmentedelineadas.Outro não podia ser o enquadramento da função

jurisdicional. O juiz, elevado à qualidade de intér-prete tão fiel quão seguro da <vontade do povo>,só pode estar condicionado pela Lei das Leis,pelos juízos valorativos por esta pressupostos epelo contexto histórico-concreto da actualidadeno qual é chamado a intervir. Por outras palavras,o juiz não pode trair o espírito da vontade ex-pressa na Constituição. Para tanto é indepen-dente, para tanto tem o poder de não aplicar leisinconstitucionais. O juiz não pode por isso agir in-constitucionalmente. Fica assim, o juiz liberto do abstracto, do legal-

ismo <puro> e do jurismo. O princípio de justiça“erga omnes” não liberta o julgador do múnus desujeitar actos da política administrativa (atravésdos seus órgãos) ao crivo da justiça sempre quepara tal seja chamado a intervir. Há que não con-fundir esta acção com a judicialização da políticajá que “os preceitos constitucionais respeitantesaos direitos, liberdades e garantias são directa-mente aplicáveis e vinculam as entidades públicase privadas” (nº1 do artº18º da CRP).Fará políticaaquele juiz que entende que nada mudou, como

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se o Direito fosse uma categoriaabstracta, pondo no mesmo sacoo conceitualismo jurídico do pas-sado (tradicional) e os padrõesvalorativos de uma legalidadefascista por um lado e a Lei e ospadrões valorativos de uma so-ciedade democrática por outro.

E assim inegável que o juiz, naapreciação do caso sujeito à suaapreciação e na consequente apli-cação concreta da lei, tem neces-sariamente que se polarizar noquadro dos princípios e institu-ições jurídicas democráticas, pautando a suaatividade interpretativa e integrativa pelo princí-pio actualista da Lei por via de uma base argu-mentativa consequente consignada pelo espíritoda Constituição. E isto porque a realidade, qual-quer realidade, sobretudo a económico-social,nunca é estática, antes pelo contrário, é essencial-mente dinâmica, consequentemente determi-nando e condicionando o mundo de conceitos,categorias e valorações que a ele correspondem,em cada etapa da sua evolução. Seria o caso porexemplo, de numa acção de despejo este ser dec-retado automaticamente sem o mínimo respeitopela escala valorativa entre o direito à renda dosenhorio e o direito à habitação.

E não se contra-alegue com o arbítrio ou a in-certeza do direito. Isto só poderia fazer recearaquele que não tem da democracia uma ideiaclara e definida, nãosabendo destrinçar oquadro de interesses emjogo, consequentementeoptando por um com-portamento judicativosubjugado ao critério deuma jurisprudência deconceitos absolutos, porconveniência própria.Eis porque a formaçãodo julgador assume umaimportância nevrálgica

no encaminhamento da sua capacidade dedecisão pautada por cânones de democra-cia.

Uma sentença tanto mais valor teráquanto mais ela se afigurar completa emfunção de juízos de valor sócio-democráti-cos, na actualidade. Ao ver conjugadosestes ingredientes na sua formação tendosempre como destinatário o cidadão, sóassim irá a sentença exercer uma missãocom finalidade educativa, pois a legali-dade democrática exige que o tribunal,através dos seus elementos integrantes,culminado no juiz, seja o motor principal

da elevação da consciência jurídica social.Julgar, numa democracia representativa, não épor outro lado, introduzir ingredientes de re-formismo ou de mitigação, como por vezes acon-tece; não é agarrar-se aos cânones do legalismofarisaico, tal como o entendimento e um juiz queentendia que tanto o empresário rico como o tra-balhador carenciado, têm o mesmo direito - o dedormir num banco do jardim ou em lençol deseda. Uma sentença, na legalidade democrática,é uma ruptura se é que se pretende que ela sejaconstitucional, ruptura com as valorações da le-galidade destruída. Como ruptura que tem de ser,a sentença é um acto de coragem.

À função jurisdicional, no actual contexto por-tuguês, cabe assim dar à força combativa de todosos cidadãos, na certeza de que um Estado de Di-

reito Democrático só épossível construir e con-solidar com democratas.Só então caberá falar-sede um honrado julgadore da grandeza de umalegalidade que serve deveículo para o avanço doprogresso do país.

*Juiz-Conselheiro do STJ - jubilado Lisboa,1.07.2018

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A cerimónia de entrega das insígnias doutoraisao novo Doutor foi presidida, segundo as praxesestabelecidas, pelo Magnífico Reitor da UVA,Prof. Doutor António Largo Cabrerizo, tendoparticipado igualmente os Vice-Reitores da Uni-versidade e a Decano da Faculdade de Direito,bem como o Diretor da Faculdade de Direito deCoimbra, que representou nesta cerimónia o Re-itor da Universidade de Coimbra.No cortejo académico integraram-se, envergandoos trajes académicos e respetivas insígnias,Doutores da Universidade de Valladolid, da Uni-versidade de Salamanca, da FD/USP e da Univer-sidade de Coimbra.

O elogio académico do Doutor António AvelãsNunes esteve a cargo do respetivo Padrinho, Prof.Doutor Marcos Sacristán Represa, Professor Ju-bilado da Faculdade de Direito da UVA, ex-Reitorda Universidade de Burgos e ex-Reitor da Univer-sidade de Valladolid.

Por deliberação de 20 de Dezembro de 2017, oConsejo de Gobierno da Universidade de Val-ladolid (UVA) aprovou a concessão do título deDoutor Honoris Causa ao Doutor António JoséAvelãs Nunes, Professor Catedrático Jubilado daFaculdade de Direito de Coimbra, já antesdoutorado Honoris Causa pelas UniversidadesFederais de Alagoas, Paraná e Paraíba e galar-doado com o Sigillo D’Oro da Università DegliStudi di Foggia.

Ao justificar a concessão ao Professor AntónioAvelãs Nunes da mais elevada distinção que umaUniversidade pode conceder, o órgão máximo daUVA invocou a especial relevância do novoDoutor “como docente e investigador no campodo Direito Económico, do Direito Mercantil e daEconomia Política, amplamente reconhecido emPortugal e no contexto internacional, especial-mente na América Latina”.

No seguimento e em concretização daquela de-liberação, realizou-se nopassado dia 5 de Julhode 2018, no Paraninfoda Universidade de Val-ladolid, a cerimónia so-lene da entrega dasinsígnias doutorais aonovo Doutor, passandoeste ilustre académicoportuguês a integrar oClaustro dos Doutoresdaquela muito presti-giada Universidade es-panhola, que pertenceao núcleo das mais anti-gas universidades eu-ropeias.

Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Valladolid

do Doutor António José Avelãs Nunes,

Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito de Coimbra

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No seu Discurso de Incorporación, o Doutor An-tónio Avelãs Nunes recordou a História comumdas Universidades centenárias de Coimbra e deValladolid e lembrou as responsabilidades de por-tugueses e espanhóis na primeira onda de global-ização, que culminou no Tratado de Tordesilhas(cidade muito próxima de Valladolid), nos termosdo qual, invocando o “nome de Deus TodoPoderoso”, os reis de Portugal e de Espanharepartiram o mundo entre os dois países ibéricos(7.6.1494).Abordou depois a segunda onda de globalização

(que teve o seu momento mais simbólico na céle-bre Conferência de Berlim (1884-1885), na qual asgrandes potências imperialistas dividiram entresi os territórios colonizados, passando depois aanalisar a terceira onda de globalização, em cursodesde a década de 1970 do século XX.

A propósito desta última, defendeu que, talcomo os dois primeiros episódios de mundializa-ção, ela não pode entender-se como a consequên-cia necessária e inevitável da revolução científicae tecnológica que tem marcado o último meioséculo, sendo antes o fruto das políticas neolib-erais, definidas em função dos interesses dogrande capital financeiro e levadas a cabo pelosestados nacionais e pelas instâncias internacionaisdetentoras do poder político, nos termos ‘codifi-cados’ no chamado Consenso de Washington, quesubstituiu o compromisso inscrito no velho Con-senso Keynesiano.

Defende também o Professor Avelãs Nunes queo predomínio do capital financeiro sobre o capitalprodutivo conduziu ao capitalismo de casino, aocapitalismo sem risco e sem falências (ao menospara os bancos too big to fail), ao capitalismo docrime sistémico (os grandes bancos são tambémtoo big to jail), apoiado por um estado forte, quese apresenta, cada vez mais, como uma verdadeiraditadura do grande capital financeiro.Quando alguns proclamam que “ninguém podefazer política contra os mercados” (JoschkaFisher), o novo Doutor Honoris Causa pela Uni-versidade de Valladolid defendeu, no Paraninfo daUniversidade, perante o Claustro dos Doutores e

perante o público queassistiu à cerimónia,que este “primadoduradouro do mer-

cado sobre a política” (Wolfgang Streeck), este“golpe de mercado, que substituiu os princípiosdemocráticos pelas leis do mercado” (FedericoMayor Zaragoza), tem vindo a pôr em causa,mesmo no contexto europeu, não apenas o estadosocial de matriz keynesiana, mas a própriademocracia política.

O novo Leviathan (o poder político cada vezmais identificado e inseparável do poder finan-ceiro) carateriza-se por uma assimetria destru-idora das sociedades democráticas: “um grandepoder e pouca legitimidade do lado do capital edos estados, e um pequeno poder e uma elevadalegitimidade por parte daqueles que protestam”(Ulrich Beck), pondo a nu o fascismo de mercadoou fascismo amigável a que se referiam (nos idosde 1980/1981), Paul Samuelson e Bertram Gross.No contexto europeu, o Doutor António AvelãsNunes subscreve o ponto de vista de WolfgangStreeck quando carateriza a Europa Alemã comouma “catástrofe política e económica (…), queviola as condições fundamentais de uma so-ciedade na qual valha a pena viver”, concluindoque “o neoliberalismo não é compatível com umestado democrático”.

A Associação Portuguesa de Juristas Democ-ratas (APJD) felicita o Doutor António AvelãsNunes pela elevada distinção que lhe foi atribuídapela Universidade de Valladolid; congratula-sepor esta tão justa homenagem a uma personali-dade ímpar da Universidade portuguesa, quetanto se tem distinguido na Cátedra e fora dela(como docente e investigador, como homem decultura; como militante político; como cidadãosempre empenhado, desde a sua juventude, naconstrução de um mundo melhor); e permite-setranscrever neste Boletim (com autorização doautor) a parte final do Discurso de Incorporaciónproferido na Paraninfo da UVA no dia 5 de Julhode 2018.

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14 - Nos anos 1950, Raúl Prebisch (o argentinoque foi o primeiro Presidente da CEPAL) com-preendeu que, no contexto da América Latina, oliberalismo (imposto pelo FMI aos países com di-ficuldades financeiras – as famosas pílulas do Dr.Jacobson) só poderia ser levado à prática manumilitari (pela força das armas).

Em 1994, num livro em que analisa a experiên-cia do thatcherismo, Andrew Gamble conclui que“a doutrina chave da Nova Direita e do projetopolítico que ela inspirou é a economia livre e o es-tado forte”, capaz de “restaurar a autoridade atodos os níveis da sociedade” e dar combate aosinimigos externos (“enemies without”) e aos in-imigos internos (“enemies within”).

E, na verdade, só um “estado forte” (incom-patível com um estado democrático) poderia terlevado à prática as políticas neoliberais inspiradasno Consenso de Wash-ington, com o objetivode transferir para o cap-ital os ganhos da produ-tividade, políticas cujaviolência se temtraduzido: na ‘guerra’contra os sindicatos (“osopressivos monopóliosdo trabalho” de quefalam os neoliberais); nadesregulamentação dasrelações laborais; no es-vaziamento da con-tratação coletiva (quemostrou ser, como aOIT evidenciou, um in-strumento de redis-

tribuição do rendimento em sentido favorável aostrabalhadores mais eficaz do que as políticas deredistribuição de inspiração keynesiana); no ‘con-fisco’ dos direitos económicos, sociais e culturaisdos trabalhadores (que muitas constituições con-sagram como direitos fundamentais dos trabal-hadores), enfim, no desmantelamento do estadosocial.

Wolfgang Streeck recorda-nos isto mesmo: “jáficou várias vezes demonstrado que o neoliberal-ismo necessita de um estado forte que consigatravar as exigências sociais e, em especial, sindi-cais de interferência no livre jogo das forças domercado.”

O objetivo deste estado forte é o de conseguir “aconsagração de um primado duradouro do mer-cado sobre a política”, (…) “eliminando a tensãoentre capitalismo e democracia”, nomeadamente

Discurso de Incorporación (pontos 14, 15 e 16),

como Doutor Honoris Causa da Universidade de ValladolidAntónio José Avelãs Nunes

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com base em «‘reformas’ das instituições políticoeconómicas, através da transição para umapolítica económica baseada num conjunto de re-gras, para bancos centrais independentes e parauma política orçamental imune aos resultadoseleitorais; através da transferência das decisõespolítico económicas para autoridades reguladorase para grupos de ‘peritos’, assim como dos travõesao endividamento consagrados nas constituições,aos quais os estados e as suas políticas se devemvincular juridicamente durante décadas, se nãopara sempre.»

O sociólogo alemão sublinha que o primado du-radouro do mercado sobre a política passa aindapor outros caminhos: “os estados do capitalismoavançado devem ser reestruturados de forma amerecerem duradouramente a confiança dos de-tentores e dos gestores do capital, garantindo, deforma credível, através de programas políticosconsagrados institucionalmente, que não irão in-tervir na ‘economia’ – ou, caso intervenham, quesó irão fazê-lo para impor e defender a justiça demercado na forma de uma remuneração ade-quada dos investimentos de capitais. Para tal –conclui o autor –, é necessário neutralizar ademocracia, entendida no sentido da democraciasocial do capitalismo democrático do período pós-guerra, assim como levar por diante e concluir aliberalização no sentido da liberalizaçãohayekiana, isto é, como imunização do capital-ismo contra intervenções da democracia de mas-sas.”

Streeck analisa o processo em curso de esvazia-mento da democracia, caraterizando-o como“uma imunização do mercado a correçõesdemocráticas”, e sublinhando que esta imuniza-ção pode ser levada a cabo “através da aboliçãoda democracia segundo o modelo chileno dos anos1970” [opção que entende não estar disponível at-ualmente], ou então “através de uma reeducaçãoneoliberal dos cidadãos” [promovida pelo que des-igna “relações públicas capitalistas”, as grandes

centrais de produção e difusão da ideologia ne-oliberal].

Tem razão Wolfgang Streeck: “o neoliberalismonão é compatível com um estado democrático, seentendermos por democracia um regime que in-tervém, em nome dos seus cidadãos e através dopoder público, na distribuição dos bens económi-cos resultantes do funcionamento do mercado.”

Mas as suas reflexões obrigam-nos a levar a sérioum outro ponto: as soluções ’brandas’ que vêmsendo adotadas, apesar de ‘musculadas’ e até vi-olentas, só serão prosseguidas se “o modelochileno dos anos 1970” não ficar disponível parao grande capital financeiro. Se as condições o per-mitirem (ou o impuserem…), o estado capitalistapode vestir-se e armar-se de novo como estadofascista, sem máscaras, deixando para trás o “fas-cismo amigável” de que falava Bertram Gross em1981.

A crise que aflige a Europa é também, perigosa-mente, uma crise da democracia. Está-se a con-struir um novo Leviathan, uma forma de “poderpolítico que já não se separa do poder económicoe, sobretudo, do poder financeiro” (Étienne Bal-ibar), que reduz a política à mera aplicaçãomecânica de regras iguais para todos (ignorandoque a UE é constituída por países com situaçõese com histórias completamente diferentes), regrasque são, por isso mesmo, a negação da política (eda liberdade de decisão que ela pressupõe, com acorrespetiva responsabilidade), a negação dacidadania e a morte da democracia.

15 – Vivemos num tempo de profundas con-tradições (tempo de grande esperança e de grandedesespero). A vida mostra que o homem nãodeixou de ser o lobo do homem. Mas as revoluçõesburguesas provocaram um enorme desenvolvi-mento das forças produtivas, e, acima de tudo,um extraordinário desenvolvimento do própriohomem, enquanto produtor e titular de ciência,

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de tecnologia, de informação, de conhecimento.Este desenvolvimento das capacidades produti-vas tem libertado o homem trabalhador do seufardo milenar de ser besta de carga; tem propor-cionado ao homem trabalhador condições detrabalho mais dignas; tem permitido significa-tiva redução da jornada de trabalho.

A revolução científica e tecnológica das últimasdécadas aumentou a produtividade do trabalhopara níveis até há pouco insuspeitados. Todosconcordaremos com Amartya Sen quando de-fende que o facto de haver pessoas que passamfome – e que morrem de fome... – só pode ex-plicar-se pela falta de direitos e não pela falta debens. O problema fundamental que se nos colocanão é, pois, o da escassez (que a teoria margin-alista considera um dado fundamental e incon-tornável da vida), mas o da organização dasociedade.

Comentando este ponto de vista de Sen, per-gunta Ralf Dahrendorf: “Porque é que oshomens, quando está em jogo a sua sobrevivên-cia, não tomam simplesmente para si aquilo emque supostamente não devem tocar mas que estáao seu alcance? Como é que o direito e a ordempodem ser mais fortes que o ser ou não ser?”Recorro a Amartya Sen para dizer que a respostaestá na falta de direitos. Ou na falta de poder. Oproblema decisivo é este, não o problema da es-cassez.

Ao equacionar esta problemática, é natural estaoutra pergunta de Dahrendorf: “o que seria pre-ciso para modificar as estruturas de direitos, demodo a que mais ninguém tivesse fome?” Esta éuma pergunta que a ciência económica domi-nante não faz, porque não se consente analisar asconsequências de uma mudança de ordem social.Mas a própria pergunta contém a resposta: énecessário modificar as estruturas de direitos (i.é, as estruturas do poder), sendo certo que tam-bém o poder, as relações de poder e as estruturas

do poder estão fora da análise da mainstream eco-nomics.

Os ganhos de produtividade resultantes da rev-olução científica e tecnológica verificada nos doisúltimos séculos permitem que a Humanidade pro-duza mais do que o necessário para satisfazercondignamente as necessidades de todos e quehaja mais tempo para as atividades libertadorasdo homem, em vez de o afetar a produzir cada vezmais bens para ganhar cada vez mais dinheiropara comprar cada vez mais bens. Por isso, a ciên-cia económica não pode continuar a adiar a buscade um outro padrão de racionalidade. A ciênciaeconómica tem de assumir-se de novo comoeconomia política, como um ramo da filosofia so-cial: “a economia contemporânea tem mais neces-sidade de filósofos do que de econometristas.”(Ch. Stoffaës)

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16 – Apesar da ‘ditadura global’ que caraterizaeste tempo de pensamento único, a revista TheEconomist escrevia, já em setembro/2000: “Osque protestam contra a globalização têm razãoquando dizem que a questão moral, política eeconómica mais urgente do nosso tempo é a po-breza do Terceiro Mundo. E têm razão quandodizem que a onda de globalização, por muito po-tentes que sejam os seus motores, pode sertravada. É o facto de ambas as coisas serem ver-dadeiras que torna os que protestam contra aglobalização tão terrivelmente perigosos.”

Num momento de lucidez, um dos faróis do ne-oliberalismo veio dizer o que nós já sabíamos: osmotores da globalização neoliberal podem serparados ou mesmo postos a andar em marchaatrás; a inevitabilidade da globalização neoliberalé um mito; a tese de que não há alternativa é umembuste.

Acresce que, perante as contradições desen-cadeadas pela própria globalização neoliberal, vaificando cada vez mais evidente que a globaliza-ção, saudada pelos defensores do sistema como asolução para os seus problemas, “aciona forçasque colocam em relevo não somente a incontrola-bilidade do sistema por qualquer processoracional, mas também, e ao mesmo tempo, a suaprópria incapacidade de cumprir as funções decontrolo que se definem como sua condição de ex-istência e legitimidade.” (I.Mészàros)

Com Eric Hobsbawm, creio que há sinais de que“o nosso mundo corre o risco de explosão e de im-plosão”; que “há sinais, tanto externamente comointernamente, de que chegámos a um ponto decrise histórica”; que há sinais de que o mundo“tem de mudar.” E, como o grande historiador in-glês, penso que “o futuro não pode ser uma con-tinuação do passado.”

Acredito que podemos construir um mundo decooperação e de solidariedade, um mundo capazde responder satisfatoriamente às necessidades

fundamentais de todos os habitantes do planeta.Por isso insisto: este é também um tempo de es-perança.

Este capitalismo do crime sistémico é insusten-tável, acentuando a urgência das tarefas de quan-tos não desertam do desafio de transformar omundo. Como cidadãos, todos somos respon-sáveis. Mas, no que se refere ao trabalho teórico(que nos ajuda a compreender a realidade paramelhor intervir sobre ela), como no que respeitaà luta ideológica (que nos ajuda a combater os in-teresses estabelecidos e as ideias feitas e é, hojemais do que nunca, um fator essencial da lutapolítica e das lutas sociais), cabe aos univer-sitários e aos universitários-juristas uma respon-sabilidade ainda maior.

Sabemos que as mudanças necessárias não acon-tecem só porque nós acreditamos que é possívelum mundo melhor: o voluntarismo e as boas in-tenções nunca foram o ‘motor da história’. Mas aconsciência disto mesmo não tem que matar onosso direito à utopia e o nosso direito ao sonho.Porque a utopia ajuda a fazer o caminho (Ed-uardo Galeano) e o sonho comanda a vida (An-tónio Gedeão).

Parafraseando Fernando Pessoa, direi que son-har é preciso. Mesmo em tempos difíceis. Princi-palmente em tempos difíceis, como nos diz opoeta, compositor e cantor brasileiro Chico Buar-que, que, em tempos de ditadura, sonhava e can-tava o seu “sonho impossível”, porque acreditavanele: “Lutar, quando é fácil ceder/(…) Negar,quando a regra é vender/ (…) E o mundo vai veruma flor/ Brotar do impossível chão”.

Sobretudo, não esqueçamos nunca a lição de Antonio Machado:

caminante, no hay camino,se hace camino al andar.

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sendo-lhe aplicável no que for compatível,a títulosubsidiário, através de remissão legal do art.º181ºdo CPTA – o disposto na Lei da Arbitragem Vol-untária (LAV).

Perante o discurso da rapidez e agilidade proces-suais de muitos dos defensores da arbitragem ad-ministrativa, questionamos:

Haverá necessidade de recorrer a estes tribunaisarbitrais, em matérias tão sensíveis como sãoaquelas que são tratadas pelos Tribunais Admin-istrativos e Fiscais, entregando poderes jurisdi-cionais aos privados?O que leva o Estado a desinvestir no seu própriosistema de justiça, privilegiando o recurso aos Tri-bunais arbitrais?

Poderão os árbitros garantir a mesmaimparcialidade e independência de umjuiz-magistrado?

Certo é que as garantias de imparcial-idade e independência do julgador, nocaso de arbitragem não são tão fortescomo no caso dos Tribunais Estaduais. A este respeito, veja-se o Acórdão doTribunal Central Administrativo doSul, processo n.º 20011/16.3BCLSB:

“Assim, falamos de (i) ética, de (ii) in-dependência (com indiferença finan-ceira) e (iii) de imparcialidade, em sedede “jurisdição arbitral ou privada”,que sejam constatáveis aos olhos dequalquer pessoa média e de bom senso(incluindo o árbitro), bem como aosolhos de qualquer parte processualracional e razoável, quer dizer, aosolhos do juiz estadual.Mas isto não se verifica, pela natureza

Apenas após a revisão constitucional de 1982 foiinstituída a possibilidade de existência de Tri-bunais Arbitrais, constante, actualmente, no ar-tigo 209.º da Constituição da RepúblicaPortuguesa. Pedro Pina (1) a este respeito afirma que: A arbi-tragem voluntária surge, assim, como um insti-tuto com origem num contrato celebrado entreparticulares através do qual se visa a heterocom-posição de um litígio versando questões e posiçõesjurídicas que caibam no domínio da disponibili-dade das partes à margem dos tribunais estadu-ais, pela sua submissão à decisão de um ou maisárbitros nomeados pelos litigantes.”Neste caso, a arbitragem em que nos centramos éa chamada arbitragem administrativa que se en-contra prevista no art.º180.º e seguintes do CPTA,

Pelo fim da Arbitragem Administrativa Romão Araújo*

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própria das coisas, no mercado privado da arbi-tragem jurídica voluntária, cuja origem é um con-trato oneroso entre as partes e cujos decisores sãomaioritariamente escolhidos pelas partes interes-sadas, seja por causa do seu prestígio jurídico, sejapor causa das suas opiniões jurídicas conhecidasdo mundo jurídico.”

Referindo o mesmo Acórdão a determinadopasso que: “O juiz estadual, esse, não pode, objetivamente,

atuar em função da sua escolha futura para ex-ercer a sua atividade económica liberal de fazerarbitragem jurídica, ao passo que os árbitrospodem atuar, natural e licitamente – sublinhemos- em função da sua escolha futura para julgaremoutros litígios (incluindo, hoje, litígios não priva-dos, que até envolvem dinheiro dos impostos…)e, assim, serem remunerados.”

Entendemos, ainda, que o regime previsto naLAV, designadamente nos artºs 13.º e 14., nuncaseria suficiente para que a concretização danecessária independência e imparcialidade do jul-gador arbitral seja garantida. Aliás, a garantia deinamovibilidade (art.º6.º do Estatuto dos Mag-istrados Judiciais), fornece, necessariamente,maiores garantias do que o regime instituído paraos árbitros na arbitragem. A legitimação da uti-lização de árbitros, em casos de litígios adminis-trativos, é uma verdadeira privatização da justiçaadministrativa.

Diga-se, pois, que o presente artigo baseia-se,parcialmente, numa comunicação apresentada aoVIII Congresso dos Advogados Portugueses, queteve conclusões aprovadas em plenário. As conclusões aprovadas foram: “18. O Estadodeve investir na melhoria de condições materiaise humanas dos Tribunais Administrativos e Fis-cais. ; 19. O Congresso de Advogados Portuguesesrecomenda ao Bastonário da Ordem dos Advoga-dos que pugne junto do Governo, Assembleia daRepública e demais entidades públicas, pela con-

cretização de uma Justiça Administrativa juntodo Tribunais Administrativos e Fiscais e nãoatravés dos mecanismos arbitrais.”(2)

Foi apresentado um projeto de Lei n.º934/XIII(PCP) que “Proíbe o Estado de recorrer à arbi-tragem como forma de resolução de litígios emmatéria administrativa e fiscal”(2), pelo que, cer-tamente, terá a Ordem dos Advogados de emitirparecer quanto a este projeto ( art. 3.º, alínea j)do Estatuto da Ordem dos Advogados). Parecer,necessariamente, positivo – no sentido de seraprovada a proibição do Estado recorrer à arbi-tragem administrativa – já que o Congresso dosAdvogados Portugueses, órgão máximo da Ordemdos Advogados, já se pronunciou relativamente aesta questão.

Cumprindo a recomendação do Congresso dosAdvogados Portugueses, estará o Bastonário daOrdem dos Advogados a cumprir a mais alta im-portante atribuição da Ordem dos Advogados: adefesa do Estado de Direito Democrático.

Notas:

(1) Pedro Pina, Arbitragem e Jurisdição, revistaJulgar, nº6, 2008, pág.135.(2) http://www.pcp.pt/proibe-estado-de-recorrer-arbitragem-como-forma-de-resolucao-de-litigios-em-materia-administrativa

* Advogado

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A fase avançada do capitalismo que impõe e fa-vorece a concentração chegou ao mundo da advo-cacia.

Os últimos anos, fortemente influenciados pelaintegração na União Europeia, pela globalizaçãoe pelo crescimento exponencial do número de ad-vogados, – de 1.964 em 1960 para 30.475 em 2016– levaram a um aumento do exercício institu-cionalizado da profissão sob a forma de médias egrandes sociedades, estruturadas hi-erarquicamente, repartidas por espe-cialidades, com uma divisão entreassociados assalariados e sócios,aproximando-se a profissão da lógicaempresarial.Nas referidas sociedades os advoga-

dos associados (assalariados) estãosujeitos a condições de trabalhomuito diferentes do paradigma lib-eral. Obedecem a horários de tra-balho habitualmente definidos pelasociedade, estão inseridos na estru-tura organizativa da sociedade, emregime de exclusividade, têm remuneração fixaou vinculada à produção, estão sujeitos à super-visão, correcção ou orientação do seu trabalho esão submetidos a avaliações anuais e ao cumpri-mento de metas de facturação. Tais particularidades, de acordo com a lei do tra-

balho, qualificam a natureza desta relação numade trabalho subordinado. Porém, não obstante a relação de trabalho, o ad-

vogado associado é tratado como se de um profis-sional liberal tratasse. Por exemplo, emite recibosverdes, cumprindo as contribuições inerentes(25% IRS), cobra IVA pelos seus serviços, pagaas contribuições para a Ordem e para a CPAS combase em rendimentos presumidos. Por outro lado, embora sujeito aos deveres labo-

rais, o advogado associado não goza da maioriados direitos garantidos pela lei laboral. Está de-sprotegido no que respeita à duração mínima docontrato, remuneração mínima, protecção emcaso de doença, incapacidade ou maternidade, aorespeito por um horário de trabalho e ao paga-mento de horas suplementares, ao direito a férias,ao acesso a protecção no desemprego, ao desped-imento sem justa causa.

Nesse sentido, a realidade actual da advocaciadefine-se, genericamente, pela forte desregulaçãolaboral, pela dificuldade no acesso à profissão,pela falta de autonomia, pelo aumento do desem-prego, pelos baixos salários, e pela precariedade einstabilidade permanente no trabalho.

A Ordem dos Advogados ao deparar-se com ascrescentes contradições no seio das sociedades,inerentes à relação de trabalho, cada vez maiscomum entre os advogados, opta por legitimar aactual conjuntura, fragilizando a condição dos ad-vogados associados.

A recente proposta de Estatuto do Advogadoque exerce a sua actividade profissional para umasociedade de advogados ou para um escritório deadvogados não organizado em forma societária,

O Mundo Novo da AdvocaciaJoão Ferreira*

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sufragada e legitimada pelo Conselho Geral daOrdem dos Advogados, é seu exemplo mais cabal.Contrariando os motivos justificativos da pro-posta, os quais previam por fim à instabilidade eprecariedade, a Ordem estabelece um regime deprestação de serviços cujos deveres dos advogadosconfiguram uma relação laboral, condizendo noessencial com as recomendações da Associaçãodas Sociedades de Advogados de Portugal(ASAP). Assim, é a própria Ordem, entidade que nos seus

Estatutos prevê a defesa do Estado de Direito eainda a defesa dos Advogados, dos seus interessese Direitos, quem promove uma verdadeira fraudeà lei, consubstanciada numa fuga ao direito dotrabalho. Isto posto,

O mundo não anda para trás, pelo que paramuitos advogados não se prevê o retorno imag-inário ao profissional liberal por excelência. Acondição do advogado associado é hoje uma real-idade fáctica irreversível. Tais advogados, con-frontados com a visão dominante do modelo

clássico liberal, estão desprotegidos e vulneráveisperante as constrições e influências da competi-tividade desenfreada dos dias de hoje, aprofun-dando-se a exploração das suas relações detrabalho.

Nesse sentido, como objectivo imediato, devepugnar-se para que seja cumprida a lei, sendo osadvogados associados protegidos pelo regime doCódigo do Trabalho, ainda que devam ser levadasem conta algumas especificidades próprias daprofissão.

A forma de contender a precarização e a sobre-exploração do advogado associado passa pelo re-forço dos seus direitos, nomeadamente dasalvaguarda dos direitos laborais que subjazem àrealidade das suas relações de trabalho.

São esses os direitos que devem ser exercidos,contrariando o caminho de precarização quenuma toada sem fim procura consagrar-se comoo “novo normal”.

*Advogado

Noticiário

Privatização da Justiça

Segundo notícias vindas a público, o Estadoportuguês perdeu milhões de euros com a privati-zação da Justiça, que é ruinosa para o interessepúblico. Só no primeiro trimestre deste anosaíram do cofre estatal 661 milhões de euros emlitígios com concessionárias de parcerias público-privadas rodoviárias, decididos por via da arbi-tragem.

Num acórdão de 15 de Março deste ano, o Tri-bunal Central Administrativo do Sul referia que«é o próprio Estado que se auto-vincula à arbi-tragem para a resolução de litígios, que envolvemdinheiros públicos, com as concessionárias». Sub-

linhava que se trata de um «caso raro na Eu-ropa», julgando improcedente o recurso apresen-tado pelo Estado da decisão arbitral que ocondenou ao pagamento de 213 milhões de eurosà Auto-Estradas do Douro Litoral. O acórdãosalientava ainda que as entidades públicasacabam por recorrer aos tribunais estaduais a«pedir a anulação da decisão dos árbitros a que [oEstado] decidiu recorrer», apesar de os tribunaisnão poderem reexaminar as decisões, de acordocom a Lei da Arbitragem Voluntária.

Assiste-se à transferência gradual das competên-cias dos tribunais administrativos e fiscais para os

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projectos-lei visando proibir o Estado e demaispessoas colectivas de direito público de recorrer àarbitragem como forma de resolução de litígiosadministrativos e fiscais.

tribunais arbitrais. O Estado corta drasticamenteem meios e pessoal, desinveste na justiça, entregaa resolução dos litígios aos privados. Proliferamas PPP em sectores essenciais da actividade doEstado, como são exemplos a saúde, a protecçãocivil, os sectores rodoviário e ferroviário, e multi-plicam-se os casos de decisões desfavoráveis parao Estado em sede de arbitragem que o tem levadoa recorrer aos tribunais administrativos, aosupremo e até ao tribunal constitucional. Estasparcerias e a arbitragem voluntária são, de facto,duas faces da mesma moeda. Tudo à custa doerário e do interesse público.

Encontram-se pendentes na Assembleia diversos

Palestina:

Campanha Internacional de Advogados e Juristas para a Investigação

e Julgamento dos Crimes Cometidos contra o Povo Palestino

A Associação Internacional de Juristas Democ-ratas (AIJD), da qual a APJD é membro, lançouuma petição visando angariar apoios e assinat-uras de juristas em todo o Mundo, solicitando aoTribunal Penal Internacional que investigue ejulgue os crimes cometidos contra o PovoPalestino. A susbcrição desta petição está abertaaté ao próximo dia 15 de Outubro. A petição en-contra-se disponível para leitura e assinatura nosite da AIJD, em espanhol e em inglês:

(em inglês)http://iadllaw.org/2018/09/international-lawyers-c a m p a i g n - f o r - t h e - i nve s t i g a t i o n - a n d -prosecution-of-the-crimes-committed-against-the-palestinian-people/

(em espanhol)http://iadllaw.org/2018/09/campana-interna-c iona l -de -abogados -y- jur i s tas -para- la -investigacion-y-el-enjuiciamiento-de-los-crimenes-cometidos-contra-el-pueblo-palestino/

Deixamos aqui o apelo introdutório, assinadopela Presidente da AIJD, Jeanne Mirer:«Nós, a Associação Internacional de Juristas De-mocratas, convidamos todos os advogados, juris-tas, ONGs de Direitos Humanos e Ordens deAdvogados de todo o Mundo a apoiar estapetição, exigindo que o Gabinete da Procuradorado Tribunal Penal Internacional (TPI) «tome me-

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didas imediatas para investigar e enviar para jul-gamento pelo TPI as violações do Direito Inter-nacional Humanitário e do Direito Internacionaldos Direitos Humanos cometidas por pessoas queajam ou se proponham agir em nome do Estadode Israel, que tenham ocorrido ou continuem aocorrer, e no âmbito da jurisdição do Tribunal».Esta petição é inspirada na nossa anterior cam-panha internacional iniciada nos anos 80,apelando aos juristas para apoiarem a campanhade libertação de Nelson Mandela. Acreditamosque esta petição, bem como a anterior demon-strou para os que viviam sob o regime doapartheid na África do Sul «é um primeiro passoessencial para assegurar uma justiça equitativaperante a lei» para o Povo Palestino.Apelamos a advogados, juristas, ONGs, Ordensde Advogados, Associações de Juristas, escritóriosde advogados, faculdades de direito, para queassinem esta petição, assinando no fim destapetição ou enviando um e-mail com o formuláriocompleto para [email protected] momento em que os direitos dos Palestinosestão sob um intenso e dramático ataque, acredi-tamos que nunca houve um momento mais crítico

do que este para que juristas de todo o Mundo ex-ijam a responsabilização dos responsáveis por in-fligirem aos civis Palestinos os mais graves crimesdo ponto de vista do direito internacional.»

Segundo o Centro Palestino para os Direitos Hu-manos (membro da AIJD), este ano, desde Marçoaté dia 21 de Setembro, foram mortos pelasforças de Israel 140 palestinos (27 crianças) e feri-dos 7509, dos quais 455 graves, tendo 76 sofridoamputações graves.

Entretanto, os EUA, que tal como Israel assi-naram a criação do TPI, mas nunca a ratificaram, e sempre grandes aficcionados da justiça crimi-nal internacional para perseguir e condenar osseus «inimigos», como foi no caso da guerra con-tra a ex-Jugoslávia, vieram agora ameaçar osjuízes do TPI com sanções caso investiguecidadãos dos EUA, Israel ou outros seus aliados.O famigerado assessor para a segurança nacionaldo Presidente, Bolton, afirmou: «Sancionaremosos seus fundos no sistema financeiro dos EUA eiremos acusá-los no sistema criminal norte-amer-icano. Faremos o mesmo com qualquer empresa

ou Estado quecoopere numa investi-gação do TPI contranorte-americanos».Afirmou também que«os Estados Unidosestarão sempre aolado seu amigo e ali-ado, Israel» e queserão impostas gravessanções caso o TPIdecida avançar com ainvestigação a Israel ecriticou o facto do Es-tado da Palestina tersido aceite comomembro daquele Tri-bunal.

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Directora do Boletim: Madalena Santos,Presidente da Direcção da APJD.

Comissão de redacção: António Bernardo Colaço, Fernando Barbosa Ribeiro, Grazina Machado, Guilherme Fonseca,

Lopes de Almeida e Manuela Pires. Distribuição: Associados da APJD; gratuita.

Estatuto editorial: 1.O Boletim da APJD é um órgão digital destinado a divulgar as respectivas actividadese a publicar artigos de opinião e outros materiais relacionados com os fins estatutários

da associação 2.O Boletim está aberto à colaboração e participação dos associados e outras pessoas,e subordinado aos referidos fins estatutários. 3.A sua periodicidade será, em princípio, trimestral.

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