boletim bibliográfico - (março) - agustina

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Boletim Bibliográfico da ESRDA sobre um dos autores do mês, Agustina Bessa-Luís.

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  • Boletim Bibliogrfico 5 - O Escritor do ms - maro de 2015 - Agustina Bessa Lus

    Agustina Bessa Lus um dos grandes nomes da literatura portuguesa contempornea. Agus-tina, mais do que uma escritora uma fora da natureza, uma respirao sublime sobre os elementos desconexos e contraditrios que se refletem na vida. De uma lucidez desconcer-tante, a sua obra constri uma catarse sobre o papel do homem na sociedade humana. Com ela, descobrimos em diversos livros os alicerces histricos e biogrficos de uma cultura, no-meadamente nos seus timings contemporneos. Se todos somos a circunstncia geogrfica e cultural do stio onde nascemos e vivemos, a obra de Agustina o produto de uma regio. Conhecedora da comdia humana, encontra-mos nela aforismos representativos de uma simplificao da vida. Maria Ordoes, nome on-de se escondeu um universo literrio e cultural complexo e deslumbrante, comeou a sua viagem a 15 de outubro de 1922. Filha de uma senhora de Zamora e de um pai que pertencia aristocracia rural do Porto, viveu entre o campo e a cidade, ficando por esta fascinada. Estu-dou nas Doroteias e divertiu-se nos seres de espetculos geridos pelo pai e que tanto rece-biam cinema, como cafs-concerto. Aos vinte e dois anos, escolheu marido num anncio de jornal, onde procurava corresponder-se com algum inteligente e culto. O afortunado, com quem partilha a vida h mais de sessenta anos, Alberto Lus, ordenou a sua escrita e deu-lhe letra de mquina. Agustina, de corao amarantino, tal como Amadeo, recebeu os contornos de uma ambio futurista da vida, no sentido mais livre possvel, deixou-nos em letras apertadas de cadernos manuscritos personagens e atmosferas que nos so familiares. Iniciou-se na escrita com Mun-do Fechado, de 1948, e teve em Sibilia, de 1954, o romance que lhe deu visibilidade. Soube-mos h alguns anos, que, no incio da dcada de 40, a escritora conclua os at agora desco-nhecidos dolo de Barro e Deuses de Barro, dois livros assinados com nome de ressonncias maternas: Maria Ordoes. Ferreira de Castro dizia dela que praticava a depurao das pala-vras e Eduardo Loureno, que ela escrevia com a novidade de um olhar inslito veemente e desarmante. Escreveu como quem respira, em doses imensas de palavras e livros (mais de sessenta), em romances nada convencionais, o que somos como modo de ser. Dos seus tex-tos, saiu a matria-prima de filmes, como Francisca, Vale Abrao ou o Convento. Participou na vida cvica de modo intenso, tendo dirigido o 1 de Janeiro e o Teatro Nacional D. Maria II. Disse-nos, em entrevistas cheias de sabedoria, que gostando dos aplausos, prefere ter graa a ter fama e revela-nos que, sendo conhecida, no muito lida. D-nos os seus livros como memria de uma ideia, de uma forma de humanidade; uma longa vida no se descreve, pois ningum a v passar. Agustina uma escritora criadora de figuras de uma dimenso muito peculiar e tem-nos da-do a voz de uma geografia fsica e humana capaz de compreender a relao do Homem com os mitos, o simbolismo dos seus valores. Criadora de palavras que nos conduzem a caminhos onde se identificam os percursos da Humanidade, acima do contexto histrico, na procura de uma identidade que o por si s. Dos seus romances, poesia, ao teatro, s crnicas, ao li-vro de viagens, aos ensaios, a sua obra uma referncia pelo sentido de humor das suas re-presentaes, mas tambm pelo modo frontal como nos faz encarar a realidade. H nela a procura de entender o quotidiano usando uma sabedoria prpria, tirada de uma determinada realidade, mas tambm uma imensa liberdade que se assume como essencial para se afirmar e descobrir. A liberdade como uma das mais belas concretizaes do Homem, embora torneada de elementos nem sempre claros e construdos sobre si prprio. Retemos dela uma ideia de uma luz de quem caminhou ao contrrio, da maturidade para a infncia, de quem nos ensinou que a vida demasiado importante para ser levada a srio e que por isso nada mais difcil do que o gesto grave, a dureza do caminho, para os que procuram um lugar de felicidade, de conquista de individualidade. Por isso as frmulas rpidas e fceis so inex-pressivas de qualquer verdade, pois em cada ser h uma respirao diferente. Nas suas obras, as mulheres de diferentes geraes revelam essa aspirao de humanidade, que con-densa o que viveram, o que sonharam, em luta com o real sem se saber se se ousou o sufici-ente. Agustina Bessa-Lus uma figura maior da nossa escrita, que convidamos a descobrir. O seu olhar, como figura humana, pode ser encontrada biograficamente em muitos dos seus livros, como por exemplo Sonho de Co ou Dentes de Rato, entre outros. Destacamos Agustina, em maro, pela sua dimenso como figura da cultura portuguesa deste sculo. Pela escrita, pelos temas, pelo humor e por aquele sorriso de quem j parece ter percebido o sentido das coisas e por isso sorri para o horizonte, como a criana acabada de nascer.

    No so os crentes que se salvam; so os que espe-ram em plano de igualdade com o que eterno - a vida humana e a realidade dos seus direitos. Devo acrescentar aqui alguma coisa que sempre me pesou: acima dos amigos eu tive o pensamento; alm da gratido, eu pus o amor forte e generoso pela vida.

    Agustina Bessa-Lus, "Os amigos", in O chapu das fitas a voar.

  • Ficha Tcnica Redao: Equipa da Biblioteca Biblioteca: Escola Secundria Rainha Dona Amlia Periodicidade: Mensal (maro) Distribuio/Publicitao:

    (Afixao na Biblioteca / Plataformas digitais)

    Todos os meus livros so, afinal, s isso, a oportunidade de milhes de almas, ni-cas, todas elas, almas de sapinhos cheios de importncia de viver. [...] Uns partem um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam at morrer. Todos se continuam naquilo que tm de profundamente entre si - a vocao para serem ss, porm acei-tes por cada um dos outros. Porque a solido que me acusam de impor aos meus personagens, como uma grilheta, apenas a sua individualidade biolgica, a exclusi-vidade, a reivindicao superior da sua prpria luta. Um homem jamais corresponde a outro homem; as suas reaces e concluses no equivalem a vivncia de outra alma, a experincia do outro eu. O mistrio do eu cumpre-se em cada homem de forma nica".

    Agustina Bessa-Lus, in Revista "Lusada", Porto, Outubro - 1955

    Boletim Bibliogrfico 5 - O Escritor do ms - maro de 2015 - Agustina BessaLus

    Como possvel, resistindo e opondo-nos embora no plano das ideias e da sua pr-tica, no ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que no tem igual na literatura portuguesa deste tempo? Como possvel ficar indiferente a certas brus-cas iluminaes que vo mais longe e mais fundo, no sentido do conhecimento de si e do outro, que todo o material de anlise que comumente manuseamos? Como possvel no reconhecer e declarar que se h em Portugal um escritor onde habite o gnio ( v esta palavra, ainda que perigosa e equvoca) esse escritor Agustina Bes-sa-Lus?.

    Jos Saramago, Seara Nova, 1968

    "H muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordao de um dia de Vero que declina, e temos 11 anos e sabemos que o dia seguinte fundamental para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento pela vida fora est predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentrio, mas que tem o seu reino no corao das pessoas".

    Agustina Bessa-Lus, As Pessoas Felizes

    O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, no como valores de aptides ou de razo, no talvez como sentido metafsico ou direito abstracto, mas pelo que em si a atormentada continuidade do ho-mem, o que, sem impulso, fica sob o corao, quase esperana sem nome.

    Agustina Bessa-Lus, Sibilla

    Cada voz est s e nica e contra o corao dos outros, vertiginosamente, que ela ressoa. Ins Pedrosa num texto de grande valor explicou-nos no aniversrio de Agustina, aquando da exposio na casa Fernando Pessoa a alma essencial do sonho que verte as obras de Agustina, com o elemento que agrupa a aco e o quotidiano. As mulhe-res tm nos livros de Agustina um papel e um destaque superior ao dos homens, por-que meus amigos, a surpresa no mundo est-lhes muito mais perto, na esperana, no sonho, como possibilidade dos dias. Os livros de Agustina so frescos num tem-po curto, dessa dimenso mais longa que a vida, oscilada entre um presente de lutas, um passado a descobrir e um futuro a erguer. Os seus livros so, como o eram, embora em pressupostos diferentes, os de Sophia, a consagrao da Arte, como for-ma de perspectivar a realidade. A construo da Arte nela uma experincia filosfica, pois ela tem sobre a vida, as pessoas, um olhar de observao felino, sobre as suas incertezas apaixonadas que formam a sua obra. O que havemos da vida como experincia, essa a maior criao da Arte. H nas suas descries e anlises uma ideia de continuidade, que o da nos-sa humanidade, o que nos torna peculiares num territrio e num universo difcil. A Arte de Agustina a de compreender o olhar humano e aceit-lo, como uma criana que olha o mundo e nele procura entrar como uma festa de descobertas. O que a Arte de Agustina descreve a universalidade do desejo humano, da ambio, do po-der, as aparncias de liberdade que so vendidas como conquistas particulares. Nela mora o fermento para repensarmos o que poderemos ser.

    Ins Pedrosa, Sobre Agustina. Apresentao Casa Fernando Pessoa